115
A TEOLOGIA SOCIEDADE Outubro de 2011 São Paulo - SP Outubro de 2011 São Paulo - SP N8 o TEOLOGIA CAMBIO CLIMÁTICO Y ECOTEOLOGIA A DOUTRINA DA CRIAÇÃO À LUZ DA ECOTEOLOGIA O CUIDADO PASTORAL E A ECOLOGIA A TEODICEIA NA TEOLOGIA CRISTÃ: O MAL NA CRIAÇÃO TEOLOGIA MISSIONAL SÓCIO-AMBIENTAL A ÁGUA, A TERRA, PARAÍSO E INFERNO ECOLÓGICOS EZEQUIEL E A SUSTENTABILIDADE: UMA LEITURA ECOLÓGICA DE EZEQUIEL 47 O PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE Guillermo Kerber Paulo de Góes Shirley Maria dos Santos Proença Reginaldo von Zuben Timóteo Carriker Derval Dasílio Lysias Oliveira dos Santos Rubens Menzen Bueno Resenha & ECOLOGIA ESPIRITUALIDADE

miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

  • Upload
    letram

  • View
    219

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

A

TEOLOGIAS O C I E D A D E

Outubro de 2011 São Paulo - SPOutubro de 2011 São Paulo - SP

N 8o

TE

OLO

GIA

SO

CI

ED

AD

EN

8o

Outubro

de

20

11

São

Paulo

-S

PO

utubro

de

20

11

São

Paulo

-S

P

CAMBIO CLIMÁTICO Y ECOTEOLOGIA

A DOUTRINA DA CRIAÇÃO À LUZ DA ECOTEOLOGIA

O CUIDADO PASTORAL E A ECOLOGIA

A TEODICEIA NA TEOLOGIA CRISTÃ:O MAL NA CRIAÇÃO

TEOLOGIA MISSIONAL SÓCIO-AMBIENTAL

A ÁGUA, A TERRA, PARAÍSO E INFERNOECOLÓGICOS

EZEQUIEL E A SUSTENTABILIDADE:UMA LEITURA ECOLÓGICA

DE EZEQUIEL 47

O PRINCÍPIO

RESPONSABILIDADE

Guillermo Kerber

Paulo de Góes

Shirley Maria dos Santos Proença

Reginaldo von Zuben

Timóteo Carriker

Derval Dasílio

Lysias Oliveira dos Santos

Rubens Menzen Bueno

Resenha

ECOLOGIA

o

o

A

FACULDADE DE TEOLOGIADE SÃO PAULO

IGREJA

PRESBITERIANA

INDEPENDENTE DO BRASIL

FUNDAÇÃO EDUARDOCARLOS PEREIRA

&ECOLOGIA

ESPIRITUALIDADE

Page 2: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos
Page 3: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

Editor

Eduardo Galasso Faria

Conselho Editorial

José Adriano Filho, Leontino Farias dos Santos, Pedro LimaVasconcellos, Ronaldo Cardoso Alves, Waldemar Marques.

Teologia e Sociedade é editada pela Faculdade de Teologia deSão Paulo, da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil

E-mail: [email protected]

Endereço: Rua Genebra, 180 – CEP 01316-010

São Paulo, SP, Brasil

Telefone (11) 3106-2026

www.fatipi.com.br

Page 4: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO

Teologia e Sociedade / Faculdade de Teologia de São Paulo / Vol. 1,nº 8 (outubro 2011). São Paulo: Pendão Real, 2011.

Anual

ISSN 1806563-5

1. Teologia – Periódicos. 2. Teologia e Sociedade.

3. Presbiterianismo no Brasil. 4. Bíblia. 5. Pastoral.

CDD 200

Revisão: Eduardo Galasso Faria

Planejamento gráfico, capa e

editoração eletrônica: Seivadartes (www.seivadartes.com.br)

Ilustrações: arquivo

Impressão: Gráfica Potyguara

Tiragem: 500 exemplares

Versão eletrônica: www.teologiaesociedade.org.br

As informações e as opiniões emitidas nos artigos assinados são

de inteira responsabilidade de seus autores.

ACESSE

www.teologiaesociedade.org.br

Page 5: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

Sumário6 EDITORIAL

8 CAMBIO CLIMÁTICO Y ECOTEOLOGIA

Guillermo Kerber

24 A DOUTRINA DA CRIAÇÃO À LUZ DA ECOTEOLOGIA

Paulo de Góes

40 O CUIDADO PASTORAL E A ECOLOGIA

Shirley Maria dos Santos Proença

50 A TEODICEIA NA TEOLOGIA CRISTÃ: O MAL NA CRIAÇÃO

Reginaldo von Zuben

66 TEOLOGIA MISSIONAL SÓCIO-AMBIENTAL

Timóteo Carriker

78 A ÁGUA, A TERRA, PARAÍSO E INFERNO ECOLÓGICOS

Derval Dasílio

96 EZEQUIEL E A SUSTENTABILIDADE: UMA LEITURA ECOLÓGICA DE EZEQUIEL 47

Lysias Oliveira dos Santos

RESENHA

110 O PRINCÍPIO RESPONSABILIDADERubens Menzen Bueno

sheila.souza
Typewritten Text
sheila.souza
Typewritten Text
sheila.souza
Typewritten Text
sheila.souza
Typewritten Text
Page 6: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

Ainda que não seja ausen-te entre nós a abordagem daquestão da ecologia – prepa-ra-se a comemoração dos vin-te anos da Eco 92, no Rio –há muito que se fazer paraque a consciência ecológicapossa ter o alcance que lhe édevido na sociedade neste sé-culo XXI. A cada dia senti-mos próximos ou distantes osefeitos das mudanças climá-ticas sobre as populações emnosso planeta. Ao se reunir,no começo do ano, o Conse-lho Editorial de Teologia eSociedade procurava se fixarem um tema para a nova edi-ção da revista (no. 8). Foi comnaturalidade que brotou, pro-vavelmente por uma intuiçãosolidária, a ideia de que eranecessário determo-nos nes-ta problemática, que afeta a

todos diretamente. Acabáva-mos de assistir aos efeitos dotsunami que atingiu o Japão eprovocou enorme destruição,com conseqüências incalculá-veis e duração imprevisível.Algum tempo depois, perto denós, no sul do país, foi a vezdos deslizamentos de terra edas inundações, expulsando desuas casas milhares de pesso-as, que ficaram sem ter ondese abrigar, em uma clara evi-dência dos efeitos da destrui-ção ambiental sobre os maispobres e desamparados. Nãohá dúvida de que a obra do Cri-ador todo-poderoso, planeja-da para a o bem-estar da hu-manidade, está ameaçada pelaação do pecado e do egoísmohumanos. Tem-se dito que anatureza não pode suportartudo o que o ser humano tem

E

duardo Galasso F

Eduardo G

alasso FE

duardo Galasso F

Eduardo G

alasso FE

duardo Galasso Faria

ariaariaariaaria

Editorial

6

Page 7: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

feito com ela, de maneira irrespon-sável. Por seu turno, a Igreja, porprincípio de missão evangélica,não pode assistir inerte ao que vemocorrendo com o planeta Terra, agrande casa preparada por Deuspara as suas criaturas viverem fe-lizes. Conscientes do apelo que doscéus alcança a tantos, os colabo-radores da revista pensaram emanalisar o desequilíbrio ecológicocomo ameaça sobre a vida,aprofundando uma discussão quepermitisse antever a ação reden-tora do Senhor Jesus, que alcançaas pessoas e toda a sua criação.Pensou-se em ampliar um estudoque é chamado pelos teólogos hoje,de ecoteologia. O resultado destapreocupação está nos escritos quese seguem e que, por certo, ajuda-rão aqueles que estão voltados paraa missão que é dada ao povo deDeus. Levantando diversas per-guntas e procurando respostas naciência e na teologia, o uruguaioGuillermo Kerber escreve sobreuma espiritualidade voltada paraa renovação da criação e a eco-jus-tiça. O texto, mantido na línguaespanhola, evidencia o nosso de-sejo de enfrentar juntamente comos irmãos e irmãs da América La-tina, esta causa comum. Paulo de

Góes e Reginaldo Von Zuben, pro-curam relacionar o que vem ocor-rendo em nosso planeta com astradicionais doutrinas da criaçãoe da presença do mal nela(teodiceia). Lysias dos Santos, emsintonia com o tema, faz a análiseexegética de um capítulo do livrodo profeta Ezequiel. Os malefíciosprovocados pela ação humana so-bre a água, a terra e a natureza sãoapontados por Derval Dasílio, quefaz comparação com a visão bíbli-ca acerca dos mesmos pontos noAT e nos evangelhos. A preocupa-ção com pistas para uma ação pas-toral e a missão cristã em ummundo que sofre os males dodesequilíbrio ambiental é explora-da por Shirley dos Santos Proen-ça e Timóteo Carriker. Ao final,Rubens Bueno apresenta resenhasobre um importante e atual livrodo filósofo alemão Hans Jonas, so-bre o princípio responsabilidade,que foi traduzido para o portugu-ês. Uma boa leitura a todos!

(EGF)

E

DIT

OR

IAL

ED

ITO

RIA

LE

DIT

OR

IAL

ED

ITO

RIA

LE

DIT

OR

IAL

Edu

ardo G

alasso FE

du

ardo G

alasso FE

du

ardo G

alasso FE

du

ardo G

alasso FE

du

ardo G

alasso Fariaariaariaariaaria

RE

VIS

TR

EV

IST

RE

VIS

TR

EV

IST

RE

VIS

TA T

EO

LA

TE

OL

A T

EO

LA

TE

OL

A T

EO

LOG

IA E

SO

CIE

DA

DE

OG

IA E

SO

CIE

DA

DE

OG

IA E

SO

CIE

DA

DE

OG

IA E

SO

CIE

DA

DE

OG

IA E

SO

CIE

DA

DE

VV VVVol. 1 nº

ol. 1 nº

ol. 1 nº

ol. 1 nº

ol. 1 nº 88 888

, , , , , outubro outubro outubro outubro outubro de 2

0de 2

0de 2

0de 2

0de 2

01

11

11

11

11

1, São P, São P, São P, São P, São Paulo

auloauloauloaulo, SP

, SP, SP, SP, SP

GIN

AS

GIN

AS

GIN

AS

GIN

AS

GIN

AS 66 666

E E E E E 77 777

7

Page 8: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

8

A

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LU

Z D

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LU

Z D

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LU

Z D

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LU

Z D

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LU

Z D

A E

CO

TE

OL

OG

IAP

AU

LO

DE

ES

PA

UL

O D

E G

ÓE

SP

AU

LO

DE

ES

PA

UL

O D

E G

ÓE

SP

AU

LO

DE

ES

PÁG

INAS 24 A

39, 2011

Desafios del cambioclimático a la ecoteologia

Gu

illermo K

erber*

Gu

illermo K

erber*

Gu

illermo K

erber*

Gu

illermo K

erber*

Gu

illermo K

erber*

** ***** ***reo Rod

rigues d

e Oliveira

reo Rod

rigues d

e Oliveira

reo Rod

rigues d

e Oliveira

reo Rod

rigues d

e Oliveira

reo Rod

rigues d

e Oliveira

* Guillermo Kerber es uruguayo, graduado en Filosofíay Teología, doctor en Ciencias de la Religión (UMESP,Brasil). Antiguo profesor de Etica Social, actualmentecoordina el Programa sobre Cuidado de la Creación yCambio Climático en el Consejo Mundial de Iglesias,en Ginebra, Suiza. Título original do artigo: Desafiosdel Cambio Climático a la Ecoteologia: PerspectivasEcuménicas.

Introducción: “que veinte añosno es nada...”?1

Hace ya al menos veinte añosque se viene desarrollando unareflexión ecoteológica en Améri-ca Latina. En el Cono Sur, porejemplo, en 1989, 1990 y 1991una serie de EncuentrosLatinoamericanos de Cultura, Éti-ca y Religión frente al DesafíoEcológico, celebrados enMontevideo, Buenos Aires y Por-to Alegre respectivamente, dabancuenta de los avances de laecoteología latinoamericana.Activistas, científicos, pastores,teólogos y filósofos del continen-te y allende el océano se daban

cita para hacerse cargo del desafíoy la crisis ecológica y proponer cla-ves de interpretación y acción. Elobispo metodista Federico Paguratraía, en el Segundo Encuentro, elproceso conciliar de Justicia, paze integridad de la creación delConsejo Mundial de Iglesias2. Enaquel tiempo, la ecoteología erauna respuesta a la denominada, enla época, crisis ecológica. Lareflexión acompañó el procesohacia la Cumbre de la Tierra enRio de Janeiro en 1992, en el quela presencia ecuménica einterreligiosa fue significativa.

1 El título de esta introducción cita un conocidotango del cantante Carlos Gardel, Volver. La estrofadice:Sentir / que es un soplo la vida / que veinte años noes nada / que febril la mirada / errante en las som-bras / te busca y te nombra2 Cf. Autores varios. Cultura, Etica y Religion frente aldesafio ecológico. CIPFE, Montevideo: 1990 y Auto-res varios. Crisis, ecología y justicia social. CIPFE,Montevideo: 1991.

Page 9: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

9

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

A

DE

SA

FIO

S D

EL C

AM

BIO

CLIM

ÁT

ICO

A L

A D

ES

AF

IOS

DE

L CA

MB

IO C

LIMÁ

TIC

O A

LA

DE

SA

FIO

S D

EL C

AM

BIO

CLIM

ÁT

ICO

A L

A D

ES

AF

IOS

DE

L CA

MB

IO C

LIMÁ

TIC

O A

LA

DE

SA

FIO

S D

EL C

AM

BIO

CLIM

ÁT

ICO

A L

A E

CO

TE

OL

A E

CO

TE

OL

A E

CO

TE

OL

A E

CO

TE

OL

A E

CO

TE

OLO

GIA

OG

IAO

GIA

OG

IAO

GIA

Gu

illermo K

erber

Gu

illermo K

erber

Gu

illermo K

erber

Gu

illermo K

erber

Gu

illermo K

erber

RE

VIS

TR

EV

IST

RE

VIS

TR

EV

IST

RE

VIS

TA TE

OL

A TE

OL

A TE

OL

A TE

OL

A TE

OLO

GIA

E S

OC

IED

AD

E

OG

IA E

SO

CIE

DA

DE

O

GIA

E S

OC

IED

AD

E

OG

IA E

SO

CIE

DA

DE

O

GIA

E S

OC

IED

AD

E VV VVVol. 1

nº 8, outubro de 2

01

1, S

ão Pol. 1

nº 8, outubro de 2

01

1, S

ão Pol. 1

nº 8, outubro de 2

01

1, S

ão Pol. 1

nº 8, outubro de 2

01

1, S

ão Pol. 1

nº 8, outubro de 2

01

1, S

ão Pauloauloauloauloaulo, S

P, S

P, S

P, S

P, S

P P

ÁG

INA

S 8

A 2

3 P

ÁG

INA

S 8

A 2

3 P

ÁG

INA

S 8

A 2

3 P

ÁG

INA

S 8

A 2

3 P

ÁG

INA

S 8

A 2

3

Ahora Rio de Janeiro volverá aser, en Junio de 2012 la sede de unaconferencia de las Naciones Unidas.Esta vez sobre DesarrolloSustentable3. Al abordar los diver-sos aspectos del mismo, el cambioclimático tendrá sin lugar a dudasun lugar central. La Convención so-bre el Cambio Climático fueadoptada en la Conferencia sobreAmbiente y Desarrollo en Rio en1992. Si bien Rio+20 no deberíacentrarse exclusivamente en el cam-bio climático (las conferencias deEstados Partes de la Convención sonel lugar para ello), una discusiónsobre la economía verde y el marcoinstitucional para el desarrollosustentable (los dos temas de la con-ferencia) no podrá eludir la discusiónsobre el cambio climático.

Pero volviendo a la ecoteología,veinte años después, ¿qué es lo queha cambiado? Es evidente que envarios niveles ha habido un desarrollosumamente importante. Decenas, sino centenas, de libros han sido pu-blicados, curricula han sidodesarrollados, hay blogs y grupos deFacebook con ese nombre, etc4.

En este artículo, quierointroducir algunos temas centralesde la reflexión ecoteológicaplanteados o reformulados por eldesafío del cambio climático. Eltema del cambio climático no agota,evidentemente el contenido de laecoteología. Hay una inflación ymoda del tema cambio climático,con lo que su contenido ha sidodevaluado y considerado de formamuy superficial. Lo que intentaré esmostrar algunos elementos claves delmismo y por qué plantea desafíosnuevos a la ecoteología y reformulaotros. El artículo se compone de lossiguientes apartados:1. La ciencia del cambio climático2. Algunas implicaciones ecoteo-

lógicas2.1. Una renovada teología de la

creación2.2. Las dimensiones de la eco-

justicia2.3. Una espiritualidad de la

creación3. Conclusión. Repercusiones

ecuménicas. Hacia una praxisecoteológica

1. La ciencia delcambio climático

Antes de presentar algunos datosde la ciencia del cambio climático,

3 Cf. http://www.uncsd2012.org/rio20/4 Valga a título de ejemplo, la Revista Concilium en sunúmero 331 (Junio 2009) que tiene como tema:Ecoteología: nuevas cuestiones y debates, el blog http://ecoteologiapuj.blogspot.com/. En inglés la lista es muchomás extensa.

Page 10: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

A

DE

SA

FIO

S D

EL

CA

MB

IO C

LIM

ÁT

ICO

A L

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DE

SA

FIO

S D

EL

CA

MB

IO C

LIM

ÁT

ICO

A L

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DE

SA

FIO

S D

EL

CA

MB

IO C

LIM

ÁT

ICO

A L

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DE

SA

FIO

S D

EL

CA

MB

IO C

LIM

ÁT

ICO

A L

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DE

SA

FIO

S D

EL

CA

MB

IO C

LIM

ÁT

ICO

A L

A E

CO

TE

OL

OG

IAG

UIL

LE

RM

O

KE

RB

ER

GU

ILL

ER

MO

K

ER

BE

RG

UIL

LE

RM

O

KE

RB

ER

GU

ILL

ER

MO

K

ER

BE

RG

UIL

LE

RM

O

KE

RB

ER

PÁG

INAS 8 A

23, 2011

10

permítaseme hacer unas brevesconsideraciones epistemológicas. Lateología en general (y la ecoteologíaen particular) no puede construirsede espaldas a la investigación cientí-fica. Reconociendo sus autonomíasepistemológicas, es necesario, des-de ambas disciplinas, intentar ten-der puentes entre el saber científicoy el saber teológico para unenriquecimiento mutuo. En otro lu-gar he estudiado más particularmen-te la relación entre ecología yteología5. Desde la primera,Gregory Bateson, sin ser cristiano,asume varios axiomas teológicos ensus libros6. Desde la segunda, JuanLuis Segundo, dialoga con Batesondesde su primera obra Liberaciónde la Teología7, que expresa susplanteamientos metodológicos másprofundos desarrollados en obrasposteriores, y el pensador de origeninglés será una referencia permanen-te en obras posteriores en 1975,

para referirse a “aprender a apren-der” (el “deutero-learning” o“deutero-aprendizaje” batesoniano).Luego Bateson será citado en nume-rosas oportunidades en otras obras8,pero donde ocupa un lugar prepon-derante y definitivo será en una desus últimas: ¿Qué mundo? ¿Quéhombre? ¿Qué Dios?

Teniendo en cuenta lo anterior, esrelevante, pues, resumir lo que nosdice la ciencia del cambio climático.

En los últimos años, lainvestigación científica sobre el cam-bio climático se ha desarrolladoconsiderablemente, y se ha confir-mado que las actividades humanas,como la quema de carburantesfósiles, son muy probablemente lasresponsables del cambio climático.El calentamiento del planeta ya estáteniendo muchas consecuenciasmedibles y en el futuro se esperancambios de gran envergadura.

¿Cómo podemos adaptarnos aestos cambios? ¿Pueden las medi-das de atenuación limitar lamagnitud del cambio climático y susimpactos?

En 2007, el Grupo Intergu-bernamental de Expertos sobre elCambio Climático (GIECC) tratóde responder a estas cuestiones através de su Cuarto Informe deEvaluación, que reúne las

5 Guillermo Kerber. O ecológico e a teología latinoamericana.Sulina, Porto Alegre: 2006.6 Cf. e.g. Gregory Bateson. Pasos para una ecología dela mente. Lohlé, Buenos Aires: 1972; Espiritu yNaturaleza. Amorrortu, , Buenos Aires: 1982; Gregoryy Mary Catherine Bateson. El temor de los ángeles.Epistemología de lo sagrado. Gedisa, Barcelona: 1989.7 Juan Luis Segundo. “Liberación de la teología. Lohlé,Buenos Aires:1975, p. 118, 136.8 Cf. por ejemplo Juan Luis Segundo. El dogma quelibera. Sal Terrae, Santander: 1991, p. 365. Juan LuisSegundo. ¿Qué mundo? ¿Qué hombre? ¿Qué Dios? SalTerrae, Santander: 1993.

Page 11: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

11

informaciones científicas, técnicas ysocio-económicas disponibles sobreel cambio climático en todo el mun-do. Aunque una minoría de científi-cos es escéptica frente al cambioclimático, afirmando ya que éste noexiste o que no tiene una causaantrópica, la inmensa mayoría de loscientíficos concuerdan con los datospresentados por el GIECC. Segúnuna encuesta, el 90% de los científi-cos en general están de acuerdo enque el calentamiento global es undato y cerca de un 82% en que laactividad humana ha tenido unfactor determinante en el aumentode temperaturas. Y si tomamos sóloa los climatólogos, el porcentajeaumenta a 97%9.

Tomando pues el Cuarto Infor-me de Evaluación del GIECC comoel consenso científico en cambio cli-mático10, resumo, a continuación,algunos de los contenidos esencialesde dicho informe con algunasactualizaciones11.

¿Cuáles son las causas del cam-bio climático? El clima del planetadepende de muchos factores. Lacantidad de energía procedente delSol es el más importante de ellos,aunque también intervienen otrosfactores como la concentración degases de efecto invernadero en laatmósfera o las propiedades de la

superficie terrestre.La concentración atmosférica de

gases de efecto invernadero comoel dióxido de carbono (CO2), elmetano (CH4) y el óxido nitroso(N2O) ha aumentado notablementedesde el comienzo de la revoluciónindustrial. Esto se debe principal-mente a actividades humanas comola quema de combustibles fósiles, elcambio en los usos de la tierra y laagricultura. Por ejemplo, laconcentración atmosférica de CO2

es en la actualidad muy superior ala que ha existido en los últimos650.000 años. Además, a lo largode los últimos diez años laconcentración ha aumentado al rit-mo más alto desde que comenzaronlos registros sistemáticos alrededorde 1960. Es muy probable, pues, quedesde 1750 las actividades humanas,en su conjunto, hayan provocado elcalentamiento del planeta.

¿Qué cambios climáticos se hanobservado hasta el momento? El

9 Cf. http://articles.cnn.com/2009-01-19/world/eco.globalwarmingsurvey_1_global-warming-climate-science-human-activity?_s=PM:WORLD10 Cf. e.g. Naomi Oreskes. The scientific consensus onclimate change, Science, December 2005, accesible en:http://www.sciencemag.org/content/306/5702/1686.full11Los informes del GIECC (en inglés IPCC) pueden serencontrados en su página web: http://www.ipcc.ch/home_languages_main_spanish.shtml. Los datos quesiguen están tomados del resumen de Greenfacts en:http://www.greenfacts.org/es/cambio-climatico-ie4/index.htm

Page 12: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

A

DE

SA

FIO

S D

EL

CA

MB

IO C

LIM

ÁT

ICO

A L

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DE

SA

FIO

S D

EL

CA

MB

IO C

LIM

ÁT

ICO

A L

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DE

SA

FIO

S D

EL

CA

MB

IO C

LIM

ÁT

ICO

A L

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DE

SA

FIO

S D

EL

CA

MB

IO C

LIM

ÁT

ICO

A L

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DE

SA

FIO

S D

EL

CA

MB

IO C

LIM

ÁT

ICO

A L

A E

CO

TE

OL

OG

IAG

UIL

LE

RM

O

KE

RB

ER

GU

ILL

ER

MO

K

ER

BE

RG

UIL

LE

RM

O

KE

RB

ER

GU

ILL

ER

MO

K

ER

BE

RG

UIL

LE

RM

O

KE

RB

ER

PÁG

INAS 8 A

23, 2011

12

calentamiento global es una realidadincontestable, evidenciada por nu-merosas observaciones en torno alaumento de las temperaturas at-mosféricas y oceánicas, elderretimiento generalizado de nievey hielo y el aumento del nivel medioglobal del mar.

El año 2010 ha sido el año máscálido desde que se llevan regis-tros12. Entre 1906 y 2005, la tem-peratura mundial de la superficieterrestre ha experimentado un au-mento de 0,74 °C. El calentamientomedio en los últimos 50 años (0,13°C por década) es casi el doble quela tendencia de los últimos 100años. También han aumentado lastemperaturas de la estratosfera y delos océanos. En ambos hemisferiosse ha reducido el porcentaje deglaciares de montaña, campos dehielo y glaciares de meseta,contribuyendo parcialmente al au-mento mundial del nivel del mar.Las láminas de hielo deGroenlandia y del Antárticotambién han favorecido el aumen-to del nivel del mar (17 cm en elsiglo XX).

Se han observado también nu-merosos cambios climáticos a lar-

go plazo, a escala de continentes,regiones y océanos: cambios en lastemperaturas y el hielo en el Ártico,el nivel general de precipitaciones,la salinidad de los océanos, elrégimen de vientos y las condicionesclimatológicas extremas: porejemplo el aumento en la intensidady frecuencia de sequías, fuertesprecipitaciones, olas de calor o ci-clones tropicales.

¿Qué factores están causandolos cambios climáticos actuales? Esmuy probable que gran parte de lavariabilidad de temperaturas obser-vada en el hemisferio Norte a lo lar-go de los siete siglos anteriores alsiglo XX se produjera a causa deerupciones volcánicas y cambios enla intensidad de la radiación solar.Sin embargo, parece ser que el alzade la temperatura global desde 1950esté en gran parte vinculada con elaumento de la concentración de ga-ses de efecto invernadero generadospor la actividad humana.

¿Qué cambios se esperan parael futuro? Según una serie deescenarios de emisiones, se prevéque la temperatura global aumen-tará de 0,2°C por década en las pró-ximas dos décadas. Las mejoresestimaciones del calentamientomedio del aire de la superficie ter-restre entre 1980 y 2090 lo sitúan

12 Cf. http://www.noaanews.noaa.gov/stories2011/20110112_globalstats.html

Page 13: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

13

entre 1,9°C y 4,0°C .Además se espera un aumento

de 18 a 59 cm del nivel medio glo-bal del mar, según el escenario parafinales del siglo XXI (2090-2099).Y si se toma en cuenta el hecho deque el flujo de hielo procedente delas capas de hielo de Groenlandia ydel Antártico podría ser más rápidoen el futuro de lo que lo ha sido enlos últimos años, esto podría aumen-tar las previsiones de 10 a 20 cm.

Otros cambios previstosincluyen: La acentuación de la

acidificación de los océanoscausada por el aumento de laconcentración de gases deefecto invernadero en laatmósfera.

La disminución de la cubiertade nieve, del hielo marino ydel permafrost.

El aumento de la frecuenciade las temperaturas extre-madamente cálidas, olas decalor y fuertes precipi-taciones.

El aumento de la intensidadde los ciclones tropicales(tifones y huracanes).

El desplazamiento hacia lospolos de la trayectoria de lastormentas extra-tropicales,con cambios consecuentes en

materia de regímenes devientos, precipitaciones y tem-peratura.

El aumento de lasprecipitaciones en latitudesaltas y disminución de laslluvias en la mayoría de lasregiones subtropicales.

La reducción de la circulaciónde las corrientes del OcéanoAtlántico.

Frente a los cambioscomprobados y los previstos los ci-entíficos urgen a que seimplementen medidas de mitigacióny adaptación.

A nivel internacional, lasrecientes Conferencias de Esta-dos Partes de la Convención Mar-co de las Naciones Unidas sobreel Cambio Climático, han mos-trado que la comunidad interna-cional está aún muy lejos de po-der ( o deberíamos decir querer?)responder, incluso dentro de losinsuficientes requerimientos delProtocolo de Kyoto (el instru-mento vinculante de laConvención) a los desafíosplanteados por el cambio climá-tico. El trabajo de incidencia po-lítica en este nivel, es sumamenterelevante. El mismo ha estadoacompañado de una crecientemovilización de la sociedad civil

Page 14: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

A

DE

SA

FIO

S D

EL

CA

MB

IO C

LIM

ÁT

ICO

A L

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DE

SA

FIO

S D

EL

CA

MB

IO C

LIM

ÁT

ICO

A L

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DE

SA

FIO

S D

EL

CA

MB

IO C

LIM

ÁT

ICO

A L

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DE

SA

FIO

S D

EL

CA

MB

IO C

LIM

ÁT

ICO

A L

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DE

SA

FIO

S D

EL

CA

MB

IO C

LIM

ÁT

ICO

A L

A E

CO

TE

OL

OG

IAG

UIL

LE

RM

O

KE

RB

ER

GU

ILL

ER

MO

K

ER

BE

RG

UIL

LE

RM

O

KE

RB

ER

GU

ILL

ER

MO

K

ER

BE

RG

UIL

LE

RM

O

KE

RB

ER

PÁG

INAS 8 A

23, 2011

14

organizada en el que las iglesias yotras organizaciones religiosashan contribuido de manera signi-ficativa13.

2. Algunasimplicacionesecoteológicas

Habiendo pues resumido en elapartado anterior qué es lo que sabe-mos sobre el cambio climático desdeuna perspectiva científica, relevemosalgunos de los asuntos que la crisis cli-mática plantea a la ecoteología.

2.1. Una renovadateología de la creación

Una primera cuestión planteadapor la crisis climática es la cuestiónde la creación. Evidentemente estacuestión no es nueva, pero el aumen-to global de la temperatura, los de-

nominados “refugiados climáticos”,es decir personas que deben aban-donar sus lugares de residenciadebido a las inclemencias climáticas,incluyendo casos extremos como ladesaparición de estados comoTuvalu o Kiribati en el Pacífico o lasMaldivas en el Indico, planteannuevos retos a la doctrina teológicade la creación.

Según ésta, basada en la Biblia,la vida es creada y sostenida por lafuerza del Espíritu Santo de Dios(Génesis 1, Romanos 8). Dios creóal ser humano del polvo de la tierra(adamah – adam) (Génesis 2), y leencomienda el cuidado del jardín(Génesis 2, 15), porque lahumanidad no es la dueña de latierra, sino la administradoraresponsable de la integridad de lacreación. Dios ha creado un mundocon amor con los recursos suficien-tes para sostener a las generacionesde seres humanos y otros seres vi-vos. Pero la humanidad no siempreha respondido con fidelidad a suvocación. El pecado rompe larelación de la humanidad con Diosy con el orden creado (Génesis 3 y4, Jeremías 14, Oseas 4,1-3). Lacreación entera lleva los signos delpecado humano mientras aguarda lamanifestación gloriosa de los hijosde Dios (Romanos 8, 19)14.

13 Cf. las campañas globales http://tcktcktck.org/ y http://www.350.org/ en las que varias iglesias y organizacionesreligiosas toman parte. La campaña ecuménica Time forClimate Justice, http://climatejusticeonline.org/ es unesfuerzo por coordinar iniciativas de varios actores. Porsu parte, además de ser parte de todas estas campañas,el Consejo Mundial de Iglesias en su página web sobreel cambio climático incluye las declaraciones presentadasante las Conferencias de Estados Partes de la Convenciónsobre el Cambio Climático: www.oikoumene.org/climatechange.14 Cf. La fundamentación teológica que presentan lasdeclaraciones del CMI sobre cambio climático, Nota so-bre el calentamiento terrestre y el cambio climático (2008)y Declaración sobre el Décimo aniversario del protocolo deKyoto (2009), accesibles en : http://www.oikoumene.org/es/documentacion/documents.html

Page 15: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

15

Pero más allá de la doctrina teo-lógica de la creación, desde elcomienzo del análisis de la crisis eco-lógica, hubo una fuerte crítica a latradición judeocristiana, comoresponsable de la crisis. Lynn WhiteJr. publicó en la revista Science en1967 un artículo, Las raíces históri-cas de la crisis ecológica15, destacan-do la responsabilidad de la teologíajudeocristiana. Según White, lasituación ambiental actual es unaconsecuencia directa del mandatodel Génesis 1, 28, “Sed fecundos ymultiplicaos, y llenad la tierra ysometedla. Dominad sobre los pecesdel mar, las aves y todo ser vivienteque se mueve sobre la tierra”.

Como muchos teólogos handemostrado, sin embargo, elconcepto de dominación y sumisiónen el momento de la redacción delos relatos de la creación en elGénesis no se puede comparar conlas posibilidades que la revolucióncientífica y tecnológica ha propor-cionado al ser humano en los últi-mos dos siglos.

El teólogo reformado alemánJürgen Moltmann, por ejemplo, ensu libro Dios en la creación16, res-ponde a las críticas de White y ofrecevaliosas reflexiones sobre una nuevateología de la creación. Los capítu-los del libro son ya una introducción

a esta teología: En la crisis ecológi-ca, la creación del conocimiento,Dios el creador, el momento de lacreación, la creación del espacio, lacorporalidad es la meta de todas lasobras de Dios y el capítulo final, elsábado, la fiesta de la creación. Enun apéndice se referirá a los símbo-los del mundo: la Madre Tierra, lafiesta de los cielos y la tierra, elmundo como un baile, el gran tea-tro del mundo, el juego como unsímbolo del mundo, etc.

Desafortunadamente, la teoríaecológica de la creación (el subtítu-lo del libro de Moltmann), como uncapítulo de la ecoteología, está lejosde ser un referente en losSeminarios y las Facultades deTeología. Hay esfuerzos, pero no sonsuficientes. En cambio, en algunoscasos, teorías consideradas obsole-tas como el creacionismo, hantenido un importante desarrollo enlos últimos años.

Algunos contenidos de una reno-vada teología de la creaciónincluirían

- Creatio continua versuscreatio prima, tomando encuenta que la creación no es

15 Cf. Lynn White Jr. The Historical Roots of Our EcologicalCrisis. Science 155 (1967) 1203-1207.16 Jürgen Moltmann. Dios en la creación. Sigueme,Salamanca: 1984.

Page 16: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

A

DE

SA

FIO

S D

EL

CA

MB

IO C

LIM

ÁT

ICO

A L

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DE

SA

FIO

S D

EL

CA

MB

IO C

LIM

ÁT

ICO

A L

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DE

SA

FIO

S D

EL

CA

MB

IO C

LIM

ÁT

ICO

A L

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DE

SA

FIO

S D

EL

CA

MB

IO C

LIM

ÁT

ICO

A L

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DE

SA

FIO

S D

EL

CA

MB

IO C

LIM

ÁT

ICO

A L

A E

CO

TE

OL

OG

IAG

UIL

LE

RM

O

KE

RB

ER

GU

ILL

ER

MO

K

ER

BE

RG

UIL

LE

RM

O

KE

RB

ER

GU

ILL

ER

MO

K

ER

BE

RG

UIL

LE

RM

O

KE

RB

ER

PÁG

INAS 8 A

23, 2011

16

sólo los relatos del Génesissino una actividad permanen-te divina que crea, redime yrenueva: ‘’Envías tu espíritu,son creados, y renuevas la fazde la tierra’’ (Salmo 104:30).- Rol del Espíritu Santo. ElEspíritu vivificante es unEspíritu que trae la salvación,reconcilia, sana y libera todala vida creada por Dios. Unarenovada teología de lacreación pone más énfasis enel papel que el Espíritu, comosegunda persona de laTrinidad, juega en la creación.- Una comprensión trinitariade Dios constituye el marcode una perspectiva másholística de la creación y lasalvación.- Los seres humanos son par-te de la creación de Dios ytienen un lugar especial den-tro de la creación dado elhecho de haber sido creados“ a imagen y semejanza deDios’’(Génesis 1: 27).- Hay un vínculo estrecho eindisoluble entre los seres

humanos a la tierra. Elhombre es ‘’terrícola’’(tal elsentido del término hebreoadam), creado a partir de latierra (adamah).- El respeto del Shabatexpresa el respeto por toda lacreación17

Esta revisión y énfasis diverso enla teología de la creación tiene, enalgunos casos, consecuenciaspastorales. La Iglesia Congre-gacional Cristiana de Tuvalu se en-frenta, por ejemplo a diversasinterpretaciones del diluvio en laBiblia. Mientras que algunos en laIglesia dicen que el arco iris comosímbolo de la alianza que Dios hizocon Noé (Gen 9, 8-17) es el garan-te de que la isla no sufrirá con el au-mento del nivel del océano, otros,apoyados por la investigación cientí-fica, intentan reinterpretar los textosde la Biblia y distinguir el diluvio en-viado por Dios y el cambio climáticoproducido por los seres humanos.

Hay, por tanto, una necesidad debuscar una interpretación más pro-funda de la Biblia para articular unateología de la creación que respon-da a los nuevos desafíos.

Cuidar de la creación, “cultivary cuidar el jardín”, como pide Dios(Gen 2, 15) es una tarea ineludiblepara los seres humanos y en especi-

17 Cf. ‘The Place of Creation in Christian Spirituality: ASummary of the Discussion at the Consultation, enLukas Vischer ed.,Spirituality, Creation and the Ecologyof the Eucharist. John Knox Series 18, Grand-Saconnex:2007, pp. 1–23.

Page 17: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

17

al para los cristianos como parte desu vocación más profunda.

2.2. Las dimensionesde la eco-justicia

Tal vez uno de los más salienteselementos que plantea el cambioclimático a la ecoteología es lacuestión de la justicia. Porque, enuna lectura ecoteológica, el cambioclimático es una cuestión de justicia.El informe del GIECC dice, en va-rias ocasiones, que las comunida-des más pobres, los gruposvulnerables (por ejemplo, comuni-dades indígenas, mujeres, niños,personas con discapacidad) son yserán los más afectados por lasconsecuencias del cambio climáti-co. No hay duda de que estaconstatación exige una mirada éti-ca sobre la cuestión.

Desde esta perspectiva, lasconsecuencias del cambio climáti-co son también una cuestión dejusticia, ya que las comunidadesvulnerables, incluidos los países másvulnerables, son las que menos hancontribuido a las causas del cambioclimático debido a que susemisiones de dióxido de carbono(CO2) son mínimas encomparación con los países indus-trializados.

Al mismo tiempo, se empiezana reconocer a las víctimas del cam-bio climático y se han comenzado autilizar nuevos términos, no sinreacciones adversas, por ejemplo elya mencionado de “refugiados cli-máticos”, o “desplazadosambientales”18.

Podemos preguntarnos, pues:¿qué significa la justicia de lasvíctimas del cambio climático? Unateoría de la justicia de las víctimasya ha sido desarrollada. El filósofoespañol Reyes Mate, que ha publi-cado numerosos trabajos sobre estetema, dice: “Las víctimas siemprehan estado con nosotros, pero has-ta ahora eran invisibles porque seconsideran el precio a pagar para elfuncionamiento de la historia. Sinembargo, ahora son visibles, y esosignifica que no se ve su situacióncomo algo natural o inevitable, sinocomo una injusticia que requiere unarespuesta”19. Moltmann, a su vez,invoca la justicia creadora de Diospara los derechos de las víctimas20.

18 Cf. e.g. Conference on Protection and Reparations forClimate Refugees, BfW-PCC-WCC, Chavanes de Bogis,2010, accesible en: http://www.oikoumene.org19 Cf. inter alia, Reyes Mate. Justicia de las víctimas.Anthropos, Madrid: 2008.20 Cf. inter alia, Jürgen Moltmann. The final judgement:Sunrise of Christ’s liberating justice, 37th NationalTheological Conference, Trinity Institute, 2007, accesibleen: http://www.trinitywallstreet.org/onlinetv/webcast.php?t=webcast&id=40242&s=1; JürgenMoltmann. Justice for victims and perpetrators, ReformedWorld, Volume 44, N°1 (March 1994).

Page 18: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

A

DE

SA

FIO

S D

EL

CA

MB

IO C

LIM

ÁT

ICO

A L

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DE

SA

FIO

S D

EL

CA

MB

IO C

LIM

ÁT

ICO

A L

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DE

SA

FIO

S D

EL

CA

MB

IO C

LIM

ÁT

ICO

A L

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DE

SA

FIO

S D

EL

CA

MB

IO C

LIM

ÁT

ICO

A L

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DE

SA

FIO

S D

EL

CA

MB

IO C

LIM

ÁT

ICO

A L

A E

CO

TE

OL

OG

IAG

UIL

LE

RM

O

KE

RB

ER

GU

ILL

ER

MO

K

ER

BE

RG

UIL

LE

RM

O

KE

RB

ER

GU

ILL

ER

MO

K

ER

BE

RG

UIL

LE

RM

O

KE

RB

ER

PÁG

INAS 8 A

23, 2011

18

Hablar, pues, acerca de lajusticia de las víctimas del cambioclimático21, a través de una perspec-tiva teológica, implica reconocer quela justicia es un tema central en laBiblia. Dios es un Dios de justicia,que imparte justicia a los pobres, laviuda, al huérfano, al extranjero, lostérminos bíblicos para referirse a losoprimidos, los marginados, laspersonas vulnerables, las víctimas.Como leemos en el Deuteronomio:“(Dios) hace justicia al huérfano y ala viuda, y muestra su amor alextranjero dándole pan y vestido.Muestren, pues, amor al extranjero,porque ustedes fueron extranjeros enla tierra de Egipto” (Deut 10, 18-19).

La búsqueda de la justicia en laBiblia está íntimamente relaciona-da con los derechos de los oprimi-dos y vulnerables, lo que puedellamarse, en términos del derechointernacional, “los derechos de lasvíctimas”22. Porque el amor de Dios

por los más vulnerables, la defensade los más pobres, también sonexpresados en lenguaje jurídico enciertos pasajes de la Biblia:

“Aprended a hacer el bien,buscad la justicia, reprended alopresor, defended al huérfano,abogad por la viuda”(Isaías 1, 17).O, como expresa el profetaMalaquías: “Me acercaré a vosotrospara el juicio, y seré un testigo velozcontra los hechiceros, contra losadúlteros, contra los que juran enfalso y contra los que oprimen aljornalero en su salario, a la viuda yal huérfano, contra los que nieganel derecho del extranjero y los queno me temen” (Malaquías 3, 5)

Jesús en su vida, expresó supreocupación por los pobres y supreocupación por la justicia. Esto esevidente en la obertura del Sermónde la Montaña, que se puede consi-derar el discurso programático deJesús: “Bienaventurados ustedes lospobres, porque de ustedes es el rei-no de Dios” (Lucas 6, 20).“Bienaventurados los que tienenhambre y sed de justicia, pues ellosserán saciados (Mateo 5, 6).

En relación con nuestro tema,diversos términos se han acuñadoen estos últimos años para referirsea esta dimensión de la justicia:justicia ecológica, justicia climáti-

21 Desarrollé más este tema en Guillermo Kerber. Justiçadas vítimas do cambio climático, en Luiz Carlos Susin yJoe Marçal Dos Santos. Nosso Planeta, Nossa Vida:Ecologia e Teologia. Paulinas, São Paulo: 2011.22 Fue el jurista francés Louis Joinet quien desarrolló losderechos de las víctimas (el derecho a saber, el derechoa la justicia, el derecho a la reparación,…) en el marcode los derechos civiles y políticos. Cf. La cuestión de laimpunidad de los autores de violaciones de los derechoshumanos (civiles y políticos) Informe final establecido porM. L. Joinet (E/CN.4/Sub.2/1997/20/Rev.1). Accesible en:http://www.unhchr.ch/huridocda/huridoca.nsf/(Symbol)/E.CN.4.sub.2.1997.20.Rev.1.Sp

Page 19: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

19

ca23, eco-justicia. Preferimos estaúltima ya que por un lado muestrala íntima relación entre justicia eco-lógica y justicia económica y a la vezpuede vincularse con ecumenismo,al compartir ecología, economía yecumenismo la misma raízetimológica: oikos, oikia, que signi-fica casa en griego.

Algunos líderes de iglesias hantomado claramente esta perspecti-va. Por ejemplo el PatriarcaEcuménico Bartolomeo, llamado elPatriarca Verde, por su compromisocon el ambiente, en una de susmúltiples alocuciones sobre el temaafirmaba: “El cambio climáticoconstituye un tema de justicia socialy económica. Porque aquéllos queserán más directa y severamenteafectados por el cambio climáticoserán las naciones más pobres yvulnerables… así como lasgeneraciones jóvenes y las futuras”24.

2.3. Una espiritualidadde la creación

La crisis climática plantea unatercera cuestión: la necesidad dereflexionar sobre el lugar de lacreación en la espiritualidad, en lamística. Hace más de veinte añosThomas Berry publicaba El sueño dela tierra, en 1990, Matthew Fox

escribía Espiritualidad de laCreación y unos años más tardeLeonardo Boff publicaba Ecologia,Mundializacion y Espiritualidad25.

Más recientemente, una serie delibros intentan responder a lasnuevas preguntas espirituales queplantea el reto del cambio climáti-co. Alastair McIntosh, por ejemplo,en su libro Infierno y aguas turbu-lentas26, afirma que la crisis del cli-ma no puede ser resuelta sólo pormedios técnicos, económicos y po-líticos, tenemos que mirarnos anosotros mismos y recurrir a lapsicología y la espiritualidad. Parael autor, el orgullo y la violenciallevaron al ecocidio, el asesinato dela tierra27. Hoy en día, nuestras so-ciedades en el mundo viven unecocidio. En vista a esta situación unprofundo cambio societal esimprescindible y la espiritualidadpuede contribuir sustancialmente aeste cambio.

23 Cf. inter alia, Guillermo Kerber. Tesis sobre la justiciaclimática, en Revista Latinoamericana de Teología,Diciembre 2009, accesible en: http://www.servicioskoinonia.org/relat/395.htm24 Patriarca Ecuménico Bartolomeo, Statement for theWCC Working Group on Climate Change, August 2005.25 Thomas Berry. Dream of the Earth. Sierra Club, SanFrancisco: 1988. Matthew Fox. Creation Spirituality.Harper, San Francisco: 1990.Leonardo Boff. Ecologia,Mundialização, Espiritualidade. Atica, Sao Paulo: 1996.26 Alastair McIntosh. Hell and High Water. Climate change,hope and the human condition. Birlinn, Edinburgh: 2008.27 Idem, p. 131.

Page 20: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

A

DE

SA

FIO

S D

EL

CA

MB

IO C

LIM

ÁT

ICO

A L

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DE

SA

FIO

S D

EL

CA

MB

IO C

LIM

ÁT

ICO

A L

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DE

SA

FIO

S D

EL

CA

MB

IO C

LIM

ÁT

ICO

A L

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DE

SA

FIO

S D

EL

CA

MB

IO C

LIM

ÁT

ICO

A L

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DE

SA

FIO

S D

EL

CA

MB

IO C

LIM

ÁT

ICO

A L

A E

CO

TE

OL

OG

IAG

UIL

LE

RM

O

KE

RB

ER

GU

ILL

ER

MO

K

ER

BE

RG

UIL

LE

RM

O

KE

RB

ER

GU

ILL

ER

MO

K

ER

BE

RG

UIL

LE

RM

O

KE

RB

ER

PÁG

INAS 8 A

23, 2011

20

Recuperar una relación sana contoda la creación es un requisitoprevio para hacer frente a un mun-do dividido entre el consumismoextremo y la muerte por inanición.David Hallman, en sus Valoresespirituales para la Comunidad dela Tierra28 incluye la suficienciacomo un valor espiritual clave.Suficiencia implica moderación enlas sociedades hiperconsumidoras ya la vez dignidad y lo “suficiente” enlas comunidades pobres. Otros va-lores que propone Hallman son: lagratitud, la humildad, la justicia, elamor, la paz, la fe y la esperanza.Frente a los “valores” imperantes denuestras sociedades contem-poráneas, desde una espiritualidadde la creación es necesario tambiénrecuperar la solidaridad, laresiliencia y el sentido de la fiesta,valores que encontramos en mediode situaciones sumamenteconflictivas, en las comunidadescristianas.

Por último, pero no por ello me-

nos importante, las teólogasecofeministas como Sallie McFague,Rosemary Radford Ruether o YvoneGebara29 han hecho aportes suma-mente valiosos para unaconstrucción ecoteológica. En lareformulación de una espiritualidadde la creación estas teólogas hanhecho hincapié en valores como lacompasión y la curación30.

3. Conclusión.Repercusiones

ecuménicas. Hacia unapraxis ecoteológica

El desafío del cambio climáticono sólo ha motivado una reflexiónteológica. La praxis de las iglesias,en varias regiones, ha sidoimpactada por esta realidad. Comoel lector está probablemente másfamiliarizado con experienciasbrasileñas y latinoamericanas, hepreferido mencionar algunosejemplos que pueden serdesconocidos. En varios continen-tes, Consejos Regionales de Iglesiashan hecho de las consecuencias delcambio climático una prioridad ensu trabajo.

En África, por ejemplo, laNovena Asamblea General de la

28 David Hallman. Spiritual values for earth community.WCC, Geneva: 2000.29 Cf. Rosemary Radford-Ruether. Gaia and God. SCM,London: 1993. Sallie Mc Fague. Modelos de Dios, SalTerrae, Madrid: 1994. Sallie Mc Fague. The Body ofGod. Fortress, Philadelphia: 1993. Ivone Gebara. Teolo-gia ecofeminista. Olho d’Agua, São Paulo: 1997.30 Cf. e.g. Rosemary Radford-Ruether (ed). Womenhealing earth. Orbis, New York: 1996.

Page 21: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

21

Conferencia de Iglesias de toda Áfri-ca (AACC en inglés) “reconoció alambiente y la espiritualidad comouna prioridad clave para la iglesiaafricana. La iglesia y suscongregaciones se enfrentan a unfuturo incierto provocado por losproblemas ambientales, especial-mente el cambio climático. Los im-pactos son devastadores y los másafectados son los pobres, cuyosmedios de subsistencia ysupervivencia están amenazados ocomprometidos”.

Reconociendo que “el cambioclimático es el mayor reto en el sigloveintiuno, amenazando potencial-mente con revertir los logrosalcanzados durante años para alivi-ar la pobreza y alcanzar el desarrollosostenible”, la Secretaría de laAACC en Nairobi estableció unárea programática de Cambio Cli-mático y Cuidado de la Creaciónque se ocupa de la conservación dela naturaleza, la agriculturasostenible, la protección y el usoresponsable de los recursosnaturales, especialmente el agua ylos productos forestales31.

Del mismo modo, en Asia, laConferencia Cristiana de Asia(CCA) en una conferencia sobre el“Pathos de los refugiados climáti-cos”, organizada conjuntamente con

el Consejo Nacional de Iglesias dela India , “reconoció los siguientesimpactos del cambio climático so-bre las personas y lugares: el aumen-to de los desastres naturales comosequías, inundaciones y ciclones,escasez de alimentos y agua, sobretodo para los pobres y losmarginados; amenaza para la saludpública debido a la crecientecontaminación, las enfermedadesrelacionadas con el agua, y muertedebida a desastres naturales; cam-bio en los ecosistemas en términosde biodiversidad y las condicionesde vida, el derretimiento de losglaciares y la nieve, y el aumento delnivel del mar “. En consecuencia,instó y pidió a los países y organis-mos internacionales, legisladores, losgobiernos, las economías emergen-tes como India, China, y otros, aabordar eficazmente las causas yconsecuencias del cambio climáti-co, pidiendo a las iglesias acomprometerse en iniciativas sobrela eco-justicia con un fuerte com-ponente interreligioso32.

Por su parte la Asamblea Gene-ral de la Conferencia de Iglesias del

31 Cf. Africa: Towards Hope and Dignity - AACC ProgramOutline 2009 to 2013. AACC, Nairobi: 2009.32 Cfr. Declaración de la consulta sobre el Pathos de losrefugiados climáticos, Bangalore, India, 5-9 October2010, accessible en: http://www.cca.org.hk/clusters/jid

Page 22: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

A

DE

SA

FIO

S D

EL

CA

MB

IO C

LIM

ÁT

ICO

A L

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DE

SA

FIO

S D

EL

CA

MB

IO C

LIM

ÁT

ICO

A L

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DE

SA

FIO

S D

EL

CA

MB

IO C

LIM

ÁT

ICO

A L

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DE

SA

FIO

S D

EL

CA

MB

IO C

LIM

ÁT

ICO

A L

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DE

SA

FIO

S D

EL

CA

MB

IO C

LIM

ÁT

ICO

A L

A E

CO

TE

OL

OG

IAG

UIL

LE

RM

O

KE

RB

ER

GU

ILL

ER

MO

K

ER

BE

RG

UIL

LE

RM

O

KE

RB

ER

GU

ILL

ER

MO

K

ER

BE

RG

UIL

LE

RM

O

KE

RB

ER

PÁG

INAS 8 A

23, 2011

22

Pacífico (PCC en inglés) adoptó unaserie de resoluciones sobre el cam-bio climático y ordenó a la secretaríade la PCC abordar tres cuestionesclaves: atenuación, adaptación yreasentamiento. El reasentamientode poblaciones ha sido unapreocupación crítica para la PCC.El mismo ya ha ocurrido en PapuaNueva Guinea, donde desplazarona los habitantes de las islas deCarteret a Bougainville. Lasresoluciones llama a la “PCC, encolaboración con sus iglesiasmiembro y los Consejos Nacionalesde Iglesia y, eventualmente, con losgobiernos, a que luchen por unapolítica en materia de inmigraciónregional que dé a los ciudadanos delos países más afectados por el cam-bio climático, especialmente por elaumento del nivel del mar, elderecho a un reasentamiento en lasnaciones del Pacífico que elijan y unplan de ayuda económicainterregional para financiar loscostos de la atenuación, laadaptación y el reasentamiento. Al

mismo tiempo solicita a la secretaríaestablecer un programa ecuménicointerregional que mire los roles yresponsabilidades de iglesias tantoen países emisores como recepto-res de migrantes para atender yayudarlos a integrarse en sus nuevoscontextos”33. Durante los últimosaños la Secretaría de la PCC ha es-tado ejecutando un programa am-bicioso sobre el clima y elreasentamiento, apoyando a iglesiasy a los pueblos de la región a enfren-tar estos difíciles retos. En íntimarelación a esta praxis pastoral de lasiglesias del Pacífico, el PacificTheological College, en Fiji, está ela-borando un nuevo curriculumecoteológico.

A nivel global, el Consejo Mun-dial de Iglesias, con su programasobre el cambio climáticoestablecido en 1988, a través de di-versas tomas de posición34 ha afir-mado la necesidad de tener unavisión holística que englobe las dife-rentes dimensiones de una proble-mática compleja: lo científico, lopolítico (local, regional, internacio-nal), lo económico, lo ético-teológi-co-espiritual, la praxis. La proble-mática requiere una respuesta entodos estos niveles a la vez. En estarespuesta la cooperación con otrasreligiones ha sido fecunda. Muchas

33 Resoluciones 70, 73 y 78 de la Novena AsambleaGeneral de la Conferencia de Iglesias del Pacífico, 2.4.1,Samoa, Septiembre 2007.34 Las más recientes declaraciones oficiales del CMIestán recogidas en Climate Change and the World Councilof Churches. Background information and recentstatements. WCC, Geneva: 2011. Accesible en: http://www.oikoumene.org/?id=3416

Page 23: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

23

tradiciones religiosas, por ejemplolas indígenas y afro-latinoame-ricanas, tienen una sabiduría en larelación con la tierra de la quepueden aprender las tradicionescristianas35.

La gravedad de la problemáticaradica en que lo que está en juego esel futuro de la creación y del lugar(si le cabe) del ser humano en ella.Porque de hecho la creación puedeexistir sin el ser humano pero el serhumano no puede existir sin lacreación.

Las iglesias pueden jugar un rolimportante en esta tarea,profundizando, ampliando, lo quealgunos visionarios proponían haceveinte, treinta o cuarenta años. Unaecoteología articulada, responsabley liberadora es una condición sinequa non para este componente dela misión de las iglesias36. Articula-da, porque no puede ignorar laciencia, la política, la economía, laespiritualidad, la teología.Responsable porque tiene que ir másallá del ámbito exclusivamenteacadémico y ser consciente de su rolen comunidades, congregaciones,movimientos sociales, gobiernos yla comunidad internacional.Liberadora, porque, como lomostró el Foro de Teología yLiberación en Belém, en el 200937,

la ecoteología tiene que escuchar elgrito de la tierra junto al grito de lospobres, los indígenas, losafroamericanos, los excluidos y res-ponder efectivamente.

La gravedad de laproblemática radicaen que lo que está enjuego es el futuro dela creación y dellugar (si le cabe) delser humano en ella.Porque de hecho lacreación puede existirsin el ser humanopero el ser humanono puede existir sin lacreación.

35 Ha habido varias declaraciones interreligiosas sobre elcambio climatico. A título de ejemplo, el Interfaith ClimateManifesto: http://www.svenskakyrkan.se/default.aspx?id=664984 , la Interfaith Declaration onClimate Change: http://www.interfaithdeclaration.org/ ,la Declaracion Ecuménica sobre el Cambio Climático deCochabamba http://www.oikoumene.org/?id=7823&L=436 El número de noviembre de 2010 de la InternationalReview on Mission con el título Mission and Creationrecoge varios artículos sobre esta temática.37 Las ponencias del Foro fueron recogidas en LuizCarlos Susin y Joe Marçal Dos Santos. Nosso Planeta,Nossa Vida: Ecologia e Teologia. Paulinas, São Paulo:2011.

Page 24: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

24

A

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LU

Z D

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LU

Z D

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LU

Z D

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LU

Z D

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LU

Z D

A E

CO

TE

OL

OG

IAP

AU

LO

DE

ES

PA

UL

O D

E G

ÓE

SP

AU

LO

DE

ES

PA

UL

O D

E G

ÓE

SP

AU

LO

DE

ES

PÁG

INAS 24 A

39, 2011

A doutrina da criação àluz da ecoteologia

PPPPPau

lo de G

óes*au

lo de G

óes*au

lo de G

óes*au

lo de G

óes*au

lo de G

óes*** ***

*Paulo de Góes é pastor (IPIB). Doutor em Filosofia.

As últimas décadas do séculopassado marcaram a tomada deconsciência da teologia no queconcerne à mudança deparadigmas na tentativa de buscarmelhor inteligibilidade para suatarefa em nossos dias.1 Afinal, as-sumir Deus como “objetoinvestigativo” implica assumir aexperiência que dele se faz no mo-mento histórico preciso, visto quea revelação assume os desafios his-tóricos concretos enfrentados pelo

homem. Tais desafios são elemen-tos importantes, os quais devem serrefletidos pela teologia de formaséria e relevante2. Desse modo, ateologia optou por reconhecer ascrises pelas quais passava e buscan-do novas pertinências para seu dis-curso, procurou entrar em diálogocom as diversas ciências, reconhe-cendo que, para ganhar relevância,não deveria caminhar na velha po-sição apologética, mas buscar apro-ximação com essas ciências.

Diversos encontros foram rea-lizados nessa direção, documentose obras foram publicadas e certa-mente, um novo olhar passou adominar a tentativa de articular o

“Eu disse para aamendoeira: ‘Irmã,fala-me de Deus’,

e ela floresceu”Nikos Kazantzakis, em Cartas a El Greco

1 Cf. Antonio Moser. “Mudanças de paradigmas ecrises na teologia”. In Márcio Fabri dos Anjos (org.).Teologia aberta ao futuro. S. Paulo: SOTER/Loyola,1997, p. 209ss.2 Cf. Clodovis Boff. Teoria do método teológico.Petrópolis: Vozes, 1998, p. 25-38.

Page 25: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

25

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

discurso teológico. E isso continuaa ser um desafio constante para quea reflexão teológica não perca suacandência e, especialmente, suapertinência, num mundo em cons-tante mudança.

Nos últimos anos, os teólogosque têm refletido responsavelmen-te sobre a esperança salvífica volta-ram suas preocupações para a vidacósmica e planetária, especialmen-te a partir de uma reflexão teológi-ca sobre a criação, a relação entreos homens e os seres vivos em ge-ral. O resultado tem sido um consi-derável volume de publicações, tan-to no que se refere a artigos em pe-riódicos especializados como no quediz respeito a livros. Particularmen-te, no âmbito latino-americano, a re-flexão ecológica sob a perspectivateológica surge com muita força apartir do Encontro da Eco-92 ouRio-92, organizada no Rio de Janei-ro pela Conferência das NaçõesUnidas sobre Meio Ambiente e De-senvolvimento.

Deve-se reconhecer que a rela-ção entre teologia e ecologia é, decerto modo, uma relação tensa, quedeve ser revestida de seriedade ecoragem, e isto implica fazer algu-mas releituras e abertura para rece-ber até mesmo a interpelação ouacusação de pertencer a uma tradi-

ção causadora da destruição do meioambiente.

De fato, considerando a proble-mática ecológica dos dias atuais, éindispensável ter uma perspectivaintegrada do ser humano e do mun-do e, para isso, temos que repensaro significado da teologia da criação,complementando e corrigindo asteologias da história e fazendo comque o enfoque político dê lugar aoecológico. Pretendemos aqui repas-sar alguns pontos da doutrina dacriação, ressaltando o mandamen-to divino que dá ao homem a res-ponsabilidade de cuidar da obra cri-ada e a necessidade de se fazer umareleitura ecológica dessa doutrinapara o presente momento.

A criaçãoNum contexto cultural politeísta

e tentando traduzir a tradição cul-tural do antigo Oriente próximo, oAntigo Testamento pronuncia umaautêntica profissão de fé: “No prin-cípio, criou Deus os céus e a terra”(Gn 1.1). Seria precipitado afirmarque teríamos aqui a expressão aca-bada da “criação a partir do nada”(creatio ex nihilo)3, como sempre

A

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LA

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LA

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LA

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LA

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LUU UUUZ

DA

EC

OT

EO

LZ

DA

EC

OT

EO

LZ

DA

EC

OT

EO

LZ

DA

EC

OT

EO

LZ

DA

EC

OT

EO

LOG

IAO

GIA

OG

IAO

GIA

OG

IAPP PPP

aulo d

e Góes

aulo d

e Góes

aulo d

e Góes

aulo d

e Góes

aulo d

e Góes

RE

VIS

TR

EV

IST

RE

VIS

TR

EV

IST

RE

VIS

TA TE

OL

A TE

OL

A TE

OL

A TE

OL

A TE

OLO

GIA

E S

OC

IED

AD

E

OG

IA E

SO

CIE

DA

DE

O

GIA

E S

OC

IED

AD

E

OG

IA E

SO

CIE

DA

DE

O

GIA

E S

OC

IED

AD

E VV VVVol. 1

ol. 1

ol. 1

ol. 1

ol. 1

nº nº nº nº nº 88 888

, , , , , outuoutuoutuoutuoutubro de 2

01

bro de 20

1bro de 2

01

bro de 20

1bro de 2

01

11 111, S

ão P, S

ão P, S

ão P, S

ão P, S

ão Pauloauloauloauloaulo, S

P, S

P, S

P, S

P, S

P P

ÁG

INA

S 2

4 A

39

GIN

AS 2

4 A

39

GIN

AS 2

4 A

39

GIN

AS 2

4 A

39

GIN

AS 2

4 A

39

3 Cf. Juan L.R. de la Peña. Teologia da criação. S. Paulo:Loyola, 1989, p. 39.

Page 26: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

26

A

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LU

Z D

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LU

Z D

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LU

Z D

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LU

Z D

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LU

Z D

A E

CO

TE

OL

OG

IAP

AU

LO

DE

ES

PA

UL

O D

E G

ÓE

SP

AU

LO

DE

ES

PA

UL

O D

E G

ÓE

SP

AU

LO

DE

ES

PÁG

INAS 24 A

39, 2011

foi crido de forma confessional pelaigreja cristã, expressando a ação cri-adora de Deus num tempo em quereinava o caos nas “águas do abis-mo” e tudo era “sem forma e vazio”(Gn 1.2). Tal conceito é conseqü-ência de elaboração posterior, resul-tante do encontro com a culturahelênica. É fruto de um pensamen-to metafísico acostumado à lógicada abstração que aparecerá em con-tato com a mentalidade grega e nãopretendemos dar lugar a anacronis-mos, mas enfatizar o ladoconfessional do texto. Trata-se deuma construção teológico-sistemáti-ca para a elaboração de uma doutri-na que dá prioridade a Deus e sobrea qual há literatura abundante nocampo da Teologia Sistemática.

Estudos exegéticos recentes in-dicam que, na sua origem a ideia decriação não comportava o sentidolato de “criação a partir do nada”,tal qual hoje é largamente difundi-do. Isso porque a tradição hebraicaantiga tem a ver com o orde-namento do espaço desorganizado,tendo como fim possibilitar a vida.Por causa do primado da ideia dacreatio ex nihilo o texto dos primei-

ros versículos de Gênesis tem sidotratado de modo bastante diferentedo modo de se tratar os textos ori-ginários do antigo Oriente. Isso foimostrado detalhadamente porRonald Simkins e os leitores podem,com proveito, consultar sua obra.4

A expressão “E disse Deus...”aparece várias vezes no primeirocapítulo de Gênesis. Isso quer dizerque foi a própria Palavra e não asmãos o instrumento de relação en-tre o Criador e as criaturas. A natu-reza divina, através da sua Palavra,é que se apresenta como força atu-ante, não um demiurgo preocupadocom a tarefa de modelação. Issoporque doutrinas do mundohelenístico afirmavam que o mun-do teria sido plasmado eternamen-te através de um demiurgo, emana-do do Uno, que tudo engloba e doqual tudo provém.

Esse mundo criado guardaria as“marcas” da ação modeladora doreferido demiurgo, à semelhança devestígios de suas mãos. Aqui, con-tudo, é a Palavra, e não as mãos, oelo que estabelece a ligação entre oCriador e as criaturas. A criaçãosurge a partir da Palavra criadora,isto é, de alguém, de uma pessoa, nãode uma massa informe eternamen-te modelada. Desse modo, trata-sede uma natureza divina perfeita-

4 Cf. Ronald A. Simkins. Criador e criação. A natureza namundividência do antigo Israel. Petrópolis: Vozes, 2004.

Page 27: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

27

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

mente identificável e não de umacausa impessoal; diz respeito a “al-guém”, logo a uma pessoa providade vontade livre e decisão, não deuma força cega, que assume o pa-pel de Criador. Por isso, repetimos,não se trata de um demiurgo eter-namente amarrado à tarefa demodelação e, tampouco se refere aum cosmos eterno, resultado do ar-ranjo de elementos conectados aesse demiurgo.

A narrativa da criação parece seesmerar em descrever que Deuscriou cada coisa e, além disso, tudoo que ele criou é “bom”. Isso signifi-ca dar ênfase em que Deus crioucada coisa, visto que nada do queexiste é desprezível aos seus olhos.Nesse sentido, o espaço da terramostra-se acolhedor, e o jardim pas-sa a ser de responsabilidade do ho-mem, do cultivador, auxiliado pelovapor que substituía as chuvas doscéus, obra do Criador.

O primeiro homem, como seroriginário, é criado como imagem esemelhança do Criador. Porém, otermo ‘adam (homem) tem uma li-gação semântica com o termo‘adamah (que pode ser traduzidocomo “terra cultivável”, “solo”), evi-denciando um vínculo primordialentre os seres humanos e a terra,como expressão da vontade divina.5

Em outras palavras, embora criadopor Deus, o ‘adam (homem) sur-giu a partir do ‘adamah (terra). Cri-atura divina, é verdade, mas o hu-mano emerge da própria terra. E araiz latina preservou essa ligaçãoquase umbilical através da palavrahumanus (de humus). O ser huma-no foi formado a partir do húmus etornou-se espírito vivificante.

O credo criacionista que perpas-sa todo o Antigo Testamento, ex-pressando a fé monoteísta típica daexperiência religiosa do povo de Is-rael vai desembocar na Igreja dosprimeiros séculos, especialmente naexperiência daqueles que se encar-regaram de elaborar o Credo Apos-tólico: “Creio em Deus Pai, todo-poderoso, criador dos céus e da ter-ra”. Logo, falar da doutrina da cria-ção é focalizar um dos pontos cen-trais da teologia judaico-cristã.

Obviamente, falar em criação noslimites da linguagem teológica é fa-lar de modo confessional, a partir deuma comunidade de fé. É utilizar lin-guagem de um mundo pré-moder-no, pré-científico, marcado por tra-dições especificas, no qual Deus temo seu lugar próprio e especial.

5 Haroldo Reimer. Toda a Criação. Bíblia e ecologia. SãoLeopoldo: Oikos, 2006, p. 34.

Page 28: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

28

A

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LU

Z D

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LU

Z D

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LU

Z D

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LU

Z D

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LU

Z D

A E

CO

TE

OL

OG

IAP

AU

LO

DE

ES

PA

UL

O D

E G

ÓE

SP

AU

LO

DE

ES

PA

UL

O D

E G

ÓE

SP

AU

LO

DE

ES

PÁG

INAS 24 A

39, 2011

O cuidado para coma obra criada

Primeiramente, no contexto bí-blico, o cuidado é atribuído a Deus.Como Criador, a ele cabe preservara obra criada das forças destrutivas.Além de criador, é tambémpreservador. O livro de Jó mostramuito bem isso, indicando Deuscomo “Senhor da criação” (Jó 38.4-38), assim como “Senhor dos ani-mais” (Jó 38.39-39.30).6

Tendências deístas, ao longo dahistória, tentaram negar o cuidadode Deus para com o universo. Taistendências, que surgiram como fru-to do racionalismo, afirmam queDeus, tendo criado o mundo, dei-xou-o reger-se por causas secundá-rias. Porém, o texto bíblico preocu-pa-se em atestar o cuidado de Deuspara com a criação. E mostra que oCriador fez isso não através de umprovidencialismo cego, mas tam-bém repartiu com o homem essecuidado.

A partir da relação íntima com aobra criada, os seres humanos re-cebem do Criador a incumbênciaque oscila entre o “sujeitar e domi-

nar” (Gn 1.28) e “cultivar e guar-dar” (Gn 2.15). Da ênfase desta úl-tima incumbência decorre a notaque se dá à ligação entre teologia eecologia, especialmente em face dosdesajustes de ordem ambiental,como conseqüência das desastrosasintervenções humanas no planeta. Épreciso ter sempre o senso criticopara que não sejam feitas leiturasinfundadas e, muito menos,inferências que o homem é umdominador inclemente da criação,um explorador da obra criada. An-tes, é alguém que cuida da obra cri-ada, visto que “dominar” tem o sen-tido de continuar atuando na cria-ção, uma vez que esta não pode servista de forma estática: o mundocriado está em constante movimen-to e abertura.

O mandato bíblico de “dominara terra” deve, portanto, ser entendi-do como ato de continuar a colabo-rar com o Criador no que se refereàs lutas contra as forçasdesagregadoras que ameaçam omundo criado. Deve-se reconhecerque há forças hierárquicas no cos-mos, que há uma ordem de valoresnas relações fundamentais, porémisso tudo deve ser considerado comoadvertência para que não haja o pri-mado da perspectiva antro-pocêntrica sobre a visão da narrati-

6 Cf. Sinivaldo S.Tavares. “A transparência divina natrama da criação”. In Pistis & Praxis Pastoral. Curitiba:v.. I, no. 2, jul-dez. 2009, p. 311-312.

Page 29: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

29

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

va da criação. “Dominar a terra”deve ter o sentido de ocupar o solopara que forneça o alimento neces-sário ao ser humano e aos animais;“submeter os animais” denota ser ohomem uma espécie de juiz de paz(Is 11.6ss.), permitindo a coexistên-cia pacifica entre eles.7

Por outro lado, no contexto bí-blico, há uma transição que vai docuidado divino com o mundo parao cuidado humano, ou seja, há adelegação dada pelo próprio Deuspara que o homem cuide do mundocriado não apenas no jardim, mastambém fora dele. Essa transição érepresentada, de modo especial, pelacoletânea de preceitos normativosestabelecidos na legislação do povohebreu com perspectivaspreservacionistas e ecológicas.

O cuidado com o ambiente comoespaço vital deveria ser tarefa cons-tante da parte do homem, daí anormatização codificada como exi-gência para o povo. Desse modo,com a lei do ano sabático, ainda quede modo coativo, procurava-se en-sinar que o cotidiano de Israel nãodeveria esgotar-se na servidão dotrabalho, mas haveria a necessida-de do descanso. Não apenas o ho-mem deveria descansar e, por isso,num texto como o de Êxodo 23.10-11 há a interligação dos direitos da

terra, dos pobres e dos animais docampo.8 Essa conexão era julgadaindispensável para a preservação dacriação.

O texto, inicialmente, afirma adignidade e a legitimidade do traba-lho humano sobre a terra para apon-tar, logo a seguir, a lógica sabática,indispensável pelo ritmo do traba-lho agrícola, característico do mun-do daquela época. A exploração daterra não deveria ultrapassar os seisanos e, no sétimo ano, os proprietá-rios deveriam deixar a terra descan-sar. Esse descanso é claramente afir-mado como próprio dela mesma,sendo mais um direito do que umaobrigação. O objetivo era interrom-per temporariamente o ciclo de ex-ploração da terra por parte dos se-res humanos pois, com essa práti-ca, ocorriam benefícios que atingi-am, além da própria terra, tambémos pobres e os animais. Alguns têmenfatizado uma leitura de carátermais econômico e social dessa lei,enfatizando como maioresbeneficiários os pobres.9 Essa ênfa-

7 Cf. J. Moltmann. Deus na criação. Doutrina ecológicada criação. Petrópolis: Vozes, 1993, p. 54; J. R. Junges.Ecologia e criação. Resposta cristã à crise ambiental. S.Paulo: Loyola, 2001, p. 49.8 Cf. Haroldo Reimer, Toda a Criação, p. 65-76.9 Isso foi bem evidenciado, por exemplo, por MarliWandermurem. “A lei do ano sabático. Para que ospobres achem o que comer. Um estudo de Êxodo 23.10-11”. In Revista de Interpretação Bíblica Latino-america-na. Petrópolis: 1999, no. 33, p. 51-63.

Page 30: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

30

A

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LU

Z D

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LU

Z D

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LU

Z D

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LU

Z D

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LU

Z D

A E

CO

TE

OL

OG

IAP

AU

LO

DE

ES

PA

UL

O D

E G

ÓE

SP

AU

LO

DE

ES

PA

UL

O D

E G

ÓE

SP

AU

LO

DE

ES

PÁG

INAS 24 A

39, 2011

se, contudo, pode ser uma recaídano viés antropocêntrico (direito dospobres) a contribuir para que sejaesquecida a lógica ecológica, a sa-ber, o descanso da terra e o direitode os animais do campo terem oacesso a um resto de alimentação.

No livro de Deuteronômio en-contramos diversas passagens deteor ecológico10. Na impossibilida-de de fazer um rastreamento dessestextos, ressaltemos alguns que jul-gamos pertinentes para o contexto.

Inicialmente, a prescrição de Dt22.6-7 sobre o modo de lidar compássaros e ninhos de aves.11 Aqui,como lembra Croatto, já se expres-sa algo como um “principio ecoló-gico da preservação da fauna parasua multiplicação”.12 Ao ser encon-trado um ninho de pássaros, a reco-mendação é que se tome somenteos filhotes e se deixe voar livremen-te a mãe desses filhotes. Trata-se demedida extremamente preser-vacionista, pois “não se deve inter-

romper o processo de maternidade,porque ela é a matriz da vida que seperpetúa.”13

Em Dt 20.19-20 recomenda-seevitar o desmatamento, ou seja, ocorte indiscriminado de árvores fru-tíferas em casos de guerra. Note-seque a prática da guerra não é inter-ditada, mas há a preocupação emestabelecer alguns limites e, nessesentido, somente árvores que nãodão frutos poderiam ser cortadaspara a construção dos artefatos ne-cessários para as guerras. Predomi-na, como se vê, a preocupação como homem, visto serem as árvoresfrutíferas diretamente benéficas aoser humano. O sentido da interro-gação do v. 19 é que a guerra é feitacontra os homens, não contra asárvores. Outra hipótese é a de queo texto traduziria uma espécie dereação judaica contra as práticasimperialistas dos assírios, que cos-tumavam devastar os arredores dacidade que oferecesse forte resistên-cia a seu domínio, atingindo, de for-ma especial, seus recursos naturais.

Em Dt 23.13-15 há uma reco-mendação de procedimento de hi-giene e saneamento básico na vidado acampamento, abrangendo tam-bém as cidades israelitas. Para asnecessidades básicas do homemdeve haver um lugar determinado

10 Haroldo Reimer, Toda a Criação, p. 77-92.11 Cf. Haroldo Reimer. “Sobre pájaros y nidos. Miradaecológica en leyes del Deuteronomio”. In Revista deInterpretação Bíblica Latino-americana. Petrópolis: 2001,no. 39, p. 34-45.12 J. Severino CROATTO. “La vida de la naturaleza enperspectiva bíblica. Apuntes para una lectura ecológicade la Biblia”. In Revista de Interpretação Bíblica Latino-americana. Petrópolis: 1995, no. 21, p. 45.13 Ivo Storniolo. “Ecologia no Deuteronômio?” In Mosai-cos da Bíblia. S. Paulo: 1992, vol. 8, p. 18.

Page 31: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

31

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

fora do arraial e aquele que cavaruma cova e fizer as suas necessida-des fisiológicas ali deve virar-se ecobrir o que saiu de si. Parece estra-nho, num primeiro momento, a re-comendação de virar-se, uma vezque o verbo é omitido em algumastraduções, mas a recomendaçãopode perfeitamente ser entendidano sentido de uma conscientizaçãoacerca da própria produção do lixo.A medida pode ser justificada comoindicação de que a presença divinano acampamento não pode convi-ver com lixo e esgoto a céu aberto.

Leitura ecoteológicada criação

É bastante conhecido o artigo deLinn White Jr. publicado naprestigiada revista Science, em 1967,com o título “As raízes históricas denossa crise ecológica”.14 Nesse arti-go, o autor, além de reconhecer quea ciência e a tecnologia atuais sãoinequivocamente ocidentais, lamen-ta o desaparecimento do animismopor causa do advento do cristianis-mo que, segundo ele, mesmo admi-tindo variantes no que concerne àorigem judaica despida do conceitodo Deus único, não deixou decentrar sempre na figura humana asua constelação conceitual. Antes do

advento do cristianismo, lembra ele,abundavam figuras míticas (semi-humanas e semi-animais), e flores-tas, montanhas e fontes tinham es-píritos que os protegiam e aos quaiso homem devia prestar culto.

Lamenta igualmente a perda daconcepção cíclica da história, vistoque o cristianismo passou a adotar,por herança do judaísmo, a crençanum percurso histórico linear, ten-do um fim e um começo. Essa con-cepção linear possibilita a ideia deprogresso, algo inconcebível numavisão cíclica do tempo, muito maisrespeitadora do meio ambiente, por-que leva em conta a dinâmicarepetitiva dos ciclos da natureza.

E Deus, ao criar o homem, fezuma criatura especial, porque o fezà sua imagem. E a este ser seme-lhante a Deus é que foi confiada atarefa de zelar pela criação divina,mas não apenas isso: a criação temcomo função servi-lo, razão porquenão se trata de uma criatura entreoutras, mas de uma criaturadominadora. Ao homem é determi-

14 Linn White Jr., The historical roots of our ecologicalcrisis. Science, v.155, n. 3767, march 10, 1967, p.1203-1207. Cf. Hugo Assman. “Ecoteologia: um pontocego do pensamento cristão?” In Márcio Fabri dos An-jos (org.). Teologia aberta ao futuro. S. Paulo: SOTER/Loyola. S. Paulo: Loyola, 1997, p. 195. Cf. tambémRonald A. Simkins, Criador e criação, p. 14.

Page 32: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

32

A

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LU

Z D

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LU

Z D

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LU

Z D

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LU

Z D

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LU

Z D

A E

CO

TE

OL

OG

IAP

AU

LO

DE

ES

PA

UL

O D

E G

ÓE

SP

AU

LO

DE

ES

PA

UL

O D

E G

ÓE

SP

AU

LO

DE

ES

PÁG

INAS 24 A

39, 2011

nado dominar a terra e seudiscernimento permite-lhe tambémser uma espécie de criador – e o serána medida em que mais se asseme-lhar a Deus. É posto, portanto, umcontraste: para as religiões animistas,o ser humano está inserido na natu-reza como um ser a mais, ao ladodos demais, sem ocupar uma posi-ção de proeminência; contudo, paraa visão cristã, o ser humano foi cri-ado à imagem e semelhança deDeus, ocupando um lugar de desta-que e recebendo um encargo espe-cial em relação à criação.

Assumindo o seu radicalismo, oilustre historiador afirma que osambientalistas, para serem coeren-tes, deveriam romper com o legadojudaico-cristão porque, segundo ele,esse legado é o grande responsávelpela devastação da natureza. Suaargumentação é a de que esse lega-do teria contribuído para que se le-vasse a sério o antropocentrismoexacerbado do “dominai a terra”(Gn 1.28; Sl 18.6 e paralelos). Oprimado antropocêntrico teria seuamparo na presunção de que o úni-co ser com direito a reclamar “se-melhança com Deus” ou de ser a

“imagem de Deus” (Gn 1.26) é ohomem.

Obviamente há exageros em suasevera afirmação e nem dá para con-cordar totalmente com seus argu-mentos, porém, não podemos ne-gar que, durante muito tempo nos-so paradigma de justiça social vol-tou-se para a correção da distribui-ção de bens e riquezas, salários jus-tos, etc. Hoje, isso tem que ser con-tinuado, é claro, pois trata-e de me-dida justa, mas um dos componen-tes econômicos de nosso ethos, a sernecessariamente enfatizado, é nos-sa preocupação com o meio ambi-ente. Como afirma Moltmann, commuita propriedade, “a justiça socialnão poderá ser alcançada sem justi-ça para o ambiente natural, nem ajustiça para a natureza sem justiçasocial”.15

Não se deve ignorar que a vora-cidade dos países industrializadosaliada ao desejo insaciável de enri-quecimento para a manutenção nopatamar internacional das grandesnegociações do mercado econômi-co internacional tem contribuído demodo sistemático para o constanteassalto aos recursos da natureza sema devida reposição. Silenciar-se anteessa constatação é omissão graveque a consciência cristã não podeaceitar. Assumir o papel de guarda

15 J. Moltmann. Ciência e sabedoria: um diálogo entreciência natural e teologia. S. Paulo: Loyola, 2007, p.71.

Page 33: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

33

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

de nosso planeta nada mais é quecumprir a tarefa determinada peloCriador e rever um dos pontos fun-damentais da teologia da criação.Desse modo, não estaremos assu-mindo a agenda ecológica de modopanfletário e triunfalista, pois aquestão é séria conforme esta per-tinente advertência:

Assumir a responsabilidadeecológica não significa fazeralarde ou prever infortúnios,mas alertar pedagogicamen-te sobre os riscos que corre-mos, precisamos tomar umanova posição: evitar a violên-cia cientifica sobre a nature-za e buscar um novoparadigma de convivênciapacifica e de coexistência.16

Nosso planeta está próximo dealcançar uma população de sete bi-lhões e, hoje, procura-se ver a terraem seu conjunto como um grandeorganismo vivo. Fala-se de uma teiade vida17, chamada “sistema gaia”18,do qual os humanos fazem parte. Asciências vêm se organizando demodo interdisciplinar e trans-disciplinar, fazendo das narrativas dacriação uma nova física, uma novabiologia ou uma nova história glo-bal e tudo isso se expandindo numa“nova metafísica”. Porém, deixando

de lado as diversas filosofias quepululam por aí, fiquemos com adoutrina da criação e com a respon-sabilidade que ela requer de nós,como “guardas” desse imenso jar-dim. Tomando a sério as advertên-cias que são feitas, especialmente noque se refere às possibilidades decatástrofes, “desequilíbrios que re-vertem em termos de fenômenoscomo chuva ácida, aquecimento glo-bal, mudanças climáticas com con-seqüências dolorosas e por vezesmortais para alguns segmentos hu-manos”19, impõe-se a necessidadede uma leitura ecoteológica da cri-ação, instaurando uma novahermenêutica que venha contribuirpara a relevância do discurso teo-lógico no conjunto com as demaisciências que estão a debater o as-sunto.

Nessa leitura, inicialmente, deve-se rever a doutrina sobre o sábado.20

16 BRUSTOLIN, Leomar Antonio; MINCATO. Ramiro. “Acriação como sistema aberto: a teologia com perspecti-va ecológica em Jürgen Moltmann.” In Estudos Teológi-cos. São Leopoldo: vol. 49, n. 2, jul-dez. 2009, p. 289.17 Cf. F. Capra. A teia da vida. Uma nova compreensãocientifica dos sistemas vivos. S. Paulo: Cultrix, 1996.18 Segundo essa teoria, a terra é um superorganismovivo no qual se pode constatar a interdependência entreos diferentes componentes, sendo esse fenômeno co-nhecido como conceito de “panrelacionalidade”. Cf. JamesLovelock. Gaia. Um novo olhar sobre a vida na terra.Lisboa: Edições 70, 1989, p. 27.19 H. Reimer. “Criação, natureza e meio ambiente.” InCaminhos, Goiânia: v. 8, n. 2, jul.-dez. 2010, p. 64.20 Cf. as interessantes considerações de Moltmann emseu texto Deus na criação, p. 394-421.

Page 34: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

34

A

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LU

Z D

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LU

Z D

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LU

Z D

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LU

Z D

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LU

Z D

A E

CO

TE

OL

OG

IAP

AU

LO

DE

ES

PA

UL

O D

E G

ÓE

SP

AU

LO

DE

ES

PA

UL

O D

E G

ÓE

SP

AU

LO

DE

ES

PÁG

INAS 24 A

39, 2011

Como observa Moltmann, nas tra-dições cristãs e, em especial, dasigrejas ocidentais, a criação é geral-mente apresentada como “obra deseis dias”.21 Desse modo, a “conclu-são” da criação através do sétimo diaé relegada a um segundo plano ouesquecida completamente. Contu-do, na tradição bíblica, criação e sá-bado estão interligados, de modoque não é possível entender corre-tamente a criação sem perceber osábado. Lembra Moltmann que “osábado não é um dia de descansoapós seis dias de trabalho, mas, in-versamente, toda a obra da criaçãofoi feita por causa do sábado”.22

O sábado é, antes de tudo, diado silêncio em que não se trabalha,mas serve para encontro dos seresvivos e de toda a criação com Deus.Esse encontro é a festa da redenção,autêntica festa da conclusão e daplenitude da criação. No simbolis-

mo bíblico, o número sete denotaperfeição. Afirmar que Deus reali-zou a criação em sete dias é afirmara perfeição da criação. Ao santifi-car a criação Deus demonstra suaconstante presença – Schekiná – emsua obra; aquela mesma presençasentida nos demais eventos históri-co-salvíficos. Com a articulação dosábado com a Schekiná evidencia-se que o mundo não será destruído,mas chegará à sua plenitude.23

O sétimo dia possibilita as rela-ções de gratuidade pelo simples pra-zer do encontro. Nele não há lugarpara preocupação com a produção.Glorifica-se a Deus reconhece-se asua obra e a natureza não sofre a in-tervenção do trabalho humanoexploratório. Tudo é reconciliaçãoe fraternidade e, por isso mesmo,ganha uma dimensão escatológica:“na crise ecológica do mundo mo-derno é necessário e urgente que ocristianismo reflita sobre o sábadoda criação”.24

A valorização do sábado fará comque se possa enfatizar mais a con-templação da obra divina do que suaexploração. É a contemplação sesobrepondo à ação, ou seja, a forçada oração se sobrepondo à força dotrabalho produtivo. Hoje, o mundodominado pelo lucro ensejado pelocapitalismo significa uma redução e

21 J. Moltmann, Deus na criação, p. 394.22 Id., ib., p. 396.23 G. Von Rad expõe a criação numa perspectivasoteriológica, ligando-a diretamente à história de Israel.Isso quer dizer que o ato criador de Deus é sempresalvação do caos. Cf. Teologia do Antigo Testamento. S.Paulo: ASTE, 1973, v. 1, p. 144-147.24 J. Moltmann, Deus na criação, p. 419. O autor lembraa sabedoria judaica que Deus criou todas as coisas emdupla: dia e noite, céu e terra, dia e escuridão, homem emulher. O sábado, porém, foi criado como algo impar.Onde está seu companheiro? Ele é o dia de todos os diasda criação. “A bênção do sétimo dia faz dele uma bênçãopara todos os dias da criação” (p. 402).

Page 35: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

35

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

quase anulação dos dias de descan-so, reduzindo o homem e a nature-za à mercadoria, negando sua con-dição de criação de Deus. A recu-peração do sentido “sabático” dacriação é a forma de combater oestilo ativista do mundo modernoque contribui para apresentar umanatureza “estressada”.

Deve-se, em segundo, lugar, tam-bém ser relativizada a atribuição dedomínio do ser humano na criação(Gn 1.28), fortalecendo mais a lei-tura que destaca a tarefa de traba-lho e cuidado (Gn 2.15). Afinal, ocontexto bíblico da criação éteocêntrico e não antropocêntrico.O relato da criação não está volta-do para o homem, mas para a açãocriadora de Deus. Acima de tudo, aligação do ‘adam com a ‘adamah, amãe-terra deve ser ressaltada.

Não se pode circunscrever a de-fesa da criação de tal modo que suaanálise não se envolva com as novaspesquisas. Nas últimas décadas aprodução exegética tem tentado re-mover eventuais obstáculosantiecológicos provenientes de lei-turas antropocêntricas da Bíblia e datradição religiosa judaico-cristã. Osbiblistas têm procurado mostrar queo primeiro relato da criação(Gn1.1-2-2.4) deve ser interpreta-do à luz do segundo relato (Gn

2.4b-3.23), no qual não se fala em“dominar a terra”, mas usa-se a ex-pressão “cultivar e guardar” (Gn2.15). Gregory Baum aponta para atransição vivida pelo povo no mo-mento da redação do segundo rela-to: de uma vida nômade para umaeconomia agrícola sedentária. Nes-se caso, o sentido é obvio: o apelopara arar e cultivar, arrancar a ervadaninha e domesticar os animaispara deles fazer uso é uma necessi-dade premente. Portanto, não se tra-ta de exploração dos recursos natu-rais e, sim, do ordenamento inteli-gente desses recursos em favor davida em comunidade. Daí concluirBaum que não foi a Bíblia e, sim, ocapitalismo que introduziu um novoe desconhecido imperativo quemaximizou a produção e o ganhopara explorar os recursos naturais,bem como os demais seres huma-nos.25

Também a moderna exegese, aofazer exame da fonte literária que deuorigem ao texto de Gn 1.28 tem con-cluído que, no hebraico, o verbo “su-jeitar” não tem o sentido moderno eocidental de dominar. Antes, signifi-

25 G. Baum, The Ecumenist, mar. 1989, p. 46. Apud.Juan Stam. “Creación, ética y problemática contempo-rânea”. In Teología y Cultura. Buenos Aires: Ano I, v. 1,ago. 2004, p. 7.

Page 36: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

36

A

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LU

Z D

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LU

Z D

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LU

Z D

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LU

Z D

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LU

Z D

A E

CO

TE

OL

OG

IAP

AU

LO

DE

ES

PA

UL

O D

E G

ÓE

SP

AU

LO

DE

ES

PA

UL

O D

E G

ÓE

SP

AU

LO

DE

ES

PÁG

INAS 24 A

39, 2011

ca “trabalhar”, “saber cuidar” (comamor e compaixão). “Dominar” sig-nifica dar continuidade à luta contraas trevas e dá ao verbo uma relaçãohierárquica, como aparece em Gn1.26: entre os seres vivos, o ser hu-mano governa os animais como ob-jetivo ou finalidade, porém tanto osanimais como os homens são aben-çoados por Deus e o domínio sobrea criação não pode ser efetivado deforma irracional, de modo a despre-zar ou destruir a vida vegetal ou ani-mal. Como encarregado de Deus, ohomem tem o sagrado dever de pro-teger a obra criada. Em outras pala-vras, o ser humano tem garantidoum lugar hierárquico, mas não é aúnica criatura divina.

A objetivação da natureza peloser humano, reprimindo-a atravésde ações violentas e deformadoras,esgotando as possibilidades de par-ceria amistosa é, sem dúvida, resul-tado de um antropocentrismo cós-mico que brota de uma interpreta-ção equivocada da teologia da cria-ção.26 E isso precisa ser revisto.

Com o advento da modernidade

e a evolução da ciência e da pesqui-sa histórica, as verdades dogmáticasperderam domínio e, como decor-rência, a teologia não comportamais um discurso estanque, sepa-rando-se de forma rançosa da ciên-cia. A exegese, hoje, garante recur-so suficiente para uma nova leiturado relato da criação para determi-nar o lugar do homem. Portanto, opapel do ser humano, como criatu-ra, não é apropriar-se da naturezacomo dono e explorador, mas reali-zar a função de um jardineiro quecuida da harmonia e beleza do jar-dim criado por Deus. Em outraspalavras, sua missão deve serexercida na perspectiva do cuidado.

Não deixa de ser interessanterecordar a proposta de Moltmann27:para uma relação de convergênciaentre fé na criação e ciências natu-rais, será necessário rever o concei-to de criação utilizado pela teologia eo conceito de natureza abraçado pelaciência. Essa necessidade se impõeporque a crise ecológica cobra tantoda tradição judaico-cristã como domundo da ciência uma revisão deconcepções que acabaram gerandoa exploração da obra criada.

Moltmann afirma que uma dascausas que geraram a desfiguraçãoda obra criada foi “a visãoantropocêntrica de mundo segundo

26 Luis Carlos Susin. A criação de Deus. São Paulo:Paulinas, 1988, p. 13.27 J. Moltmann, Ciência e sabedoria: um diálogo entreciência natural e teologia, p. 53-54.28 J. Moltmann, Deus na criação. Doutrina, p. 56.

Page 37: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

37

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

a qual céus e terra foram criados porcausa da pessoa humana e na qual apessoa é a ‘coroa da criação’”.28 Vis-to por essa ótica, o homem deixade ser membro da comunidade dacriação, passando a ser “senhor eproprietário” e essa centralidadeantropocêntrica quebra a intençãodo próprio Criador. Daí sua obser-vação pertinente:

A crise do mundo modernonão surgiu apenas através dastecnologias que possibilita-ram a exploração da nature-za ou decorrência das ciênci-as naturais através das quaisos seres humanos se torna-ram senhores da natureza. Elase baseia muito mais na am-bição que pessoas têm porpoder e prepotência.29

ConclusãoNa criação manifesta-se a

intentio divina como expressão davontade livre do Criador, vontadeessa que continua a se expressarpelo seu cuidado providente comoum maestro que rege sua orques-tra. Daí Agostinho, com suagenialidade peculiar, ousar descre-ver a criação, no final das Confis-sões, como uma melodia do “Deusmodulator”,30 expressão harmoni-

osa que nenhuma aritmética musi-cal consegue captar ou conter.

Entretanto essa melodia foi de-safinada. O relacionamento harmo-nioso do homem com o universotornou-se um sonho utópico porcausa de uma variável terrível: o pe-cado da desobediência. A convivên-cia do homem com a terra tornou-se difícil: “maldita é terra por tuacausa...” (Gn 3.17). Veio a desfi-guração do trabalho. Este que de-veria ser o relacionamento harmo-nioso com a natureza, traduzido naexpressão “cultivar e guardar” (Gn2.15), passou a ser uma sentençade maldição: “Em fadiga obterásdela o teu sustento durante os diasda tua vida... Do suor do rosto co-merás o teu pão, até que tornes àterra, pois dela foste formado: poistu és pó e ao pós tornarás” (Gn3.17 e 19). A relação de cuidado,reciprocidade e partilha, a partir dapresença do próprio Deus, tornou-se uma relação hostil. Infelizmen-te, esse relacionamento degenera-

29 Id., ib., 43.30 A lembrança é de Lorenzo Mammi em seu belo texto“Deus cantor ”. Cf. Adauto Novaes (org.).Artepensamento. São Paulo: Companhia das Letras,1994, p. 43-58. Cf. também Artur Morão. A músicacomo realidade e metáfora nas Confissões de Santo Agos-tinho. Covilhã: Universidade Beira Alta, 2008.

Page 38: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

38

A

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LU

Z D

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LU

Z D

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LU

Z D

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LU

Z D

A E

CO

TE

OL

OG

IAA

DO

UT

RIN

A D

A C

RIA

ÇÃ

O À

LU

Z D

A E

CO

TE

OL

OG

IAP

AU

LO

DE

ES

PA

UL

O D

E G

ÓE

SP

AU

LO

DE

ES

PA

UL

O D

E G

ÓE

SP

AU

LO

DE

ES

PÁG

INAS 24 A

39, 2011

Nas últimas décadas a produção exegéticatem tentado remover eventuais obstáculosantiecológicos provenientes de leiturasantropocêntricas da Bíblia e da tradiçãoreligiosa judaico-cristã. Os biblistas têmprocurado mostrar que o primeiro relatoda criação (Gn1.1-2-2.4) deve serinterpretado à luz do segundo relato(Gn 2.4b-3.23), no qual não se fala em“dominar a terra”, mas usa-se a expressão“cultivar e guardar” (Gn 2.15).

Page 39: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

39

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

do com a terra continuou e, hoje,os problemas ecológicos se avolu-mam e ameaçam nosso ecos-sistema: mudanças climáticas,desertificação de regiões, aumentogradativo de temperatura, degelodas calotas polares, crescente de-saparecimento de espécies vegetaise animais, etc. Tudo isso se consti-

tui numa sinalização de que o dis-curso teológico voltado para asquestões ecológicas possui sua re-levância.

É o que procuramos anotar aolongo deste artigo, mostrando anecessidade de refletir sobre adoutrina da criação com novosolhos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASREFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASREFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASREFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASREFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASSMAN, Hugo. “Ecoteologia: um ponto cego do pensamento cristão?” In Márcio Fabri dos Anjos (org.).Teologia aberta ao futuro. S.Paulo: SOTER/Loyola,1997.BOFF, Clodovis. Teoria do método teológico. Petrópolis: Vozes, 1998.BRUSTOLIN, Leomar Antonio; MINCATO. Ramiro. “A criação como sistema aberto: a teologia comperspectiva ecológica em Jürgen Moltmann”. In Estudos Teológicos. São Leopoldo, v.l. 49, n. 2, jul-dez.2009, p. 280-290.CAPRA, F. A teia da vida. Uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. S. Paulo: Cultrix, 1996.CROATTO, J. Severino. “La vida de la naturaleza en perspectiva bíblica. Apuntes para una lectura ecológicade la Biblia”. In Revista de Interpretação Bíblica Latino-americana. Petrópolis, 1995, n. 21, p. 42-50.JUNGES. J. R. Ecologia e criação. Resposta cristã à crise ambiental. S. Paulo: Loyola, 2001.MOLTMANN, Jürgen. Deus na criação: doutrina ecológica da criação. Trad. Haroldo Reimer e Ivoni RichterReimer. Petrópolis: Vozes, 1993.________ . Ciência e sabedoria: um diálogo entre ciência natural e teologia. S. Paulo: Loyola, 2007.MOSER, Antonio. “Mudanças de paradigmas e crises na teologia”. In Márcio Fabri dos Anjos (org).Teologia aberta ao futuro. S. Paulo: SOTER/Loyola, 1997.REIMER, Haroldo. “Criação, natureza e meio ambiente.” In Caminhos, Goiânia: v. 8, no. 2, jul.-dez. 2010,p. 53-68.REIMER, Haroldo. “Sobre pájaros y nidos. Mirada ecológica en leyes del Deuteronomio.” In Revista deInterpretação Bíblica Latino-americana. Petrópolis: 2001, n. 39, p. 34-45._______ . Toda a Criação. Bíblia e ecologia, São Leopoldo: Oikos, 2006.REIMER, Haroldo; RICHTER REIMER, Ivoni. Tempos de graça. O jubileu e as tradições jubilares na Bíblia.São Leopoldo/S. Paulo: Sinodal/ CEBI / Paulus, 1999.RUIZ DE LA PEÑA J. L. Teologia da Criação. Trad. José A. Ceschin. S. Paulo: Loyola, 1989.SIMKINS, Ronald A., Criador e criação. A natureza na mundividência do antigo Israel. Trad. Jaime A.Clasen. Petrópolis: Vozes, 2004.SUSIN. Luis Carlos. A criação de Deus. S. Paulo: Paulinas, 1988.TAVARES, Sinivaldo S. “A transparência divina na trama da criação”. In Pistis & Praxis Pastoral. Curitiba:vol. I, n. 2, jul.-dez. 2009, p. 339-354.WANDERMUREM, Marli. “A lei do ano sabático. Para que os pobres achem o que comer. Um estudo deÊxodo 23.10-11.” In Revista de Interpretação Bíblica Latino-americana. Petrópolis: 1999, n. 33, p. 51-63.

Page 40: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

40

O

CU

IDA

DO

PO

CU

IDA

DO

PO

CU

IDA

DO

PO

CU

IDA

DO

PO

CU

IDA

DO

PA

ST

OR

AL

E A

EC

OL

AS

TO

RA

L E

A E

CO

LA

ST

OR

AL

E A

EC

OL

AS

TO

RA

L E

A E

CO

LA

ST

OR

AL

E A

EC

OLO

GIA

OG

IAO

GIA

OG

IAO

GIA

SH

IRLE

Y M

AR

IA D

OS

SA

NT

OS

PR

OE

A S

HIR

LE

Y M

AR

IA D

OS

SA

NT

OS

PR

OE

A S

HIR

LE

Y M

AR

IA D

OS

SA

NT

OS

PR

OE

A S

HIR

LE

Y M

AR

IA D

OS

SA

NT

OS

PR

OE

A S

HIR

LE

Y M

AR

IA D

OS

SA

NT

OS

PR

OE

AP

ÁG

INAS 40 A

49, 2011

O cuidado pastoral e aecologia

*Shirley Maria dos Santos Proença é pastora (IPIB)e professora da Faculdade de Teologia de São Paulo.É Mestre em Ciências da Religião.

Sh

irley Maria d

os San

tos PS

hirley M

aria dos S

antos P

Sh

irley Maria d

os San

tos PS

hirley M

aria dos S

antos P

Sh

irley Maria d

os San

tos Proen

ça*roen

ça*roen

ça*roen

ça*roen

ça*

Introdução

Desde a década de 1970 pes-quisadores das mais diversas áre-as do conhecimento formulam hi-póteses e conclusões alarmantessobre o futuro do planeta terra. Adevastação das florestas, a polui-ção das águas potáveis, a emissãode gases poluentes e o lixo produ-zido em demasia, entre outras coi-sas, demonstram o completo des-caso dos seres humanos pela natu-reza, cuja conseqüência é a destrui-ção implacável.

O alerta para as rápidas mudan-ças climáticas ocupam considerá-vel espaço na mídia e na produçãoacadêmica nas ultimas décadas.

Programas mundiais têm sido ela-borados na tentativa de sensibili-zar os governos sobre a responsa-bilidade do estabelecimento depolíticas públicas que desacelerema destruição da natureza para a pre-servação do planeta.

As constatações de equívocossobre o domínio da natureza e daconcepção ilusória de recursos na-turais inesgotáveis estabeleceram,a partir das décadas finais do sé-culo XX, novas fronteiras para osprojetos de desenvolvimento regi-dos apenas por parâmetros econô-micos. Tratados internacionais,segmentos sociais, cientistas de-nunciam e propõem ações menosaniquiladoras da vida planetária.

No Brasil, como em outros pa-íses, as temáticas ambientais fazemparte de proposições legais há dé-cadas; no entanto, muitas delas re-

Page 41: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

41

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

sultam de ajustes provocados porconflito de interesses. Como aten-der interesses políticos e econômi-cos sem desencadear o rompimen-to de teias que se interrelacionamna renovação da vida global? A pre-servação da vida não pode se limi-tar a iniciativas isoladas; faz-se ne-cessário um esforço conjunto entreos povos, levando-se em considera-ção as difíceis relações de poder ede interesses, para a preservação davida em todas as dimensões.

Restringir a abordagem dastemáticas ambientais a umenfoque meramente legal,ecológico ou técnico,dissociado das relações de po-der, dos valores éticos e mo-rais, significa reduzir sua com-preensão e, portanto, limitaressencialmente nossas possi-bilidades de construirmos so-luções para os desafios emer-gentes (SANTIAGO;VILELA, 2006, p.91).

Ao se pensar a preservação davida e os grandes desafios que seinscrevem historicamente, algunsconceitos foram selecionados, ten-do em vista a diversidade de com-preensão deles.

O conceito ecologia como termocientífico, inicialmente, esteve rela-

cionado à biologia. Foi usado porErnst Häckel em 1866 para deno-minar a relação dos organismoscom o mundo exterior e a luta pelaexistência. Häckel

acreditava em uma reformapolítica baseada no conheci-mento científico do relaciona-mento do homem com omundo e no respeito funda-mental da beleza e da ordemda natureza. Com isto, comovemos, ecologia e política es-tão unidas desde a origem daciência dos ecossistemas(apud KERBER, 2006, p.72).

Como ciência, a ecologia ultra-passou os limites da biologia e umamplo leque foi aberto. Ecologistascontemporâneos, como GüntherMaihold, que retoma o tema ecolo-gia e política, John Clark e MurrayBookchin que defendem a ecologiasocial, propõem um princípio detotalidade ecológica. SegundoGuillermo Kerber, para os ecologis-tas sociais, a ecologia “transcende ohorizonte cientifico para situar-senum plano que podemos chamar defilosófico (a relação entre o todo eas partes é expressão disto)”(KERBER, 2006, p.74). Bookchinnão se restringe ao diagnóstico pois“sua proposta de solução avança do

O

CU

IDA

DO

PO

CU

IDA

DO

PO

CU

IDA

DO

PO

CU

IDA

DO

PO

CU

IDA

DO

PA

ST

OR

AL E

A E

CO

LA

ST

OR

AL E

A E

CO

LA

ST

OR

AL E

A E

CO

LA

ST

OR

AL E

A E

CO

LA

ST

OR

AL E

A E

CO

LOG

IAO

GIA

OG

IAO

GIA

OG

IAS

hirley M

aria dos S

antos P

Sh

irley Maria d

os San

tos PS

hirley M

aria dos S

antos P

Sh

irley Maria d

os San

tos PS

hirley M

aria dos S

antos P

roença

roença

roença

roença

roença

REV

ISTR

EV

ISTR

EV

ISTR

EV

ISTR

EV

ISTA TE

OL

A TE

OL

A TE

OL

A TE

OL

A TE

OLO

GIA

E SO

CIE

DA

DE

OG

IA E

SOC

IED

AD

E

OG

IA E

SOC

IED

AD

E

OG

IA E

SOC

IED

AD

E

OG

IA E

SOC

IED

AD

E VV VVVol. 1

nº ol. 1

nº ol. 1

nº ol. 1

nº ol. 1

nº 88 888, , , , , outu

outuoutuoutuoutubro de 2

01

bro de 20

1bro de 2

01

bro de 20

1bro de 2

01

11 111, São P, São P, São P, São P, São Paulo

auloauloauloaulo, SP

, SP, SP, SP, SP

GIN

AS

GIN

AS

GIN

AS

GIN

AS

GIN

AS 4

04

04

04

04

0 A

49

A 4

9 A

49

A 4

9 A

49

Page 42: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

42

O

CU

IDA

DO

PO

CU

IDA

DO

PO

CU

IDA

DO

PO

CU

IDA

DO

PO

CU

IDA

DO

PA

ST

OR

AL

E A

EC

OL

AS

TO

RA

L E

A E

CO

LA

ST

OR

AL

E A

EC

OL

AS

TO

RA

L E

A E

CO

LA

ST

OR

AL

E A

EC

OLO

GIA

OG

IAO

GIA

OG

IAO

GIA

SH

IRLE

Y M

AR

IA D

OS

SA

NT

OS

PR

OE

A S

HIR

LE

Y M

AR

IA D

OS

SA

NT

OS

PR

OE

A S

HIR

LE

Y M

AR

IA D

OS

SA

NT

OS

PR

OE

A S

HIR

LE

Y M

AR

IA D

OS

SA

NT

OS

PR

OE

A S

HIR

LE

Y M

AR

IA D

OS

SA

NT

OS

PR

OE

AP

ÁG

INAS 40 A

49, 2011

ecológico, passando pelo social, atéo político” (KERBER, 2006, p.75).Arne Naes defende a ecologia pro-funda ou ecosofia como uma revo-lução que abrange não apenas osaspectos exteriores aos seres huma-nos, mas também as subjetividades,como sensibilidade, inteligência edesejo. Além destes aportes teóri-cos sobre ecologia vindos de repre-sentantes do hemisfério norte, naAmérica Latina o tema tem sido dis-cutido nas mais diversas áreas, emuitos projetos têm sido elabora-dos com o objetivo de encontrarsoluções para uma situação limítrofee complexa.

Na teologia, biblistas, pasto-ralistas e teólogos preparam estudospara auxiliarem a reflexão sobre otema ecologia, por parte das igrejas.Alguns poderiam ser citados, masdentre importantes pensadores ecolaboradores, Leonardo Boff temse aprofundado na construção teó-rica da relação dialética entre teolo-gia e ecologia.

O termo ecologia (eco:casa co-mum; logia:estudo) será abordadoem sua compreensão etimológica,ou seja, conhecimento e cuidadocom a casa comum em uma práticarelacional com os seres humanos ecom toda a natureza.

Ecologia não se limita ao estudo

das catástrofes ambientais, mas abor-da causas e conseqüências dos pro-jetos humanos referentes ao desen-volvimento, às decisões políticas, àsposturas éticas, à distribuição de ren-da, entre outros, que interferem nareorganização do sistema terrestrecomo parte de um sistema maior.

Quanto ao termo cuidado, a re-flexão ocorrerá a partir da perspec-tiva da atitude que se deve ter emrelação às pessoas e a toda natureza.

Cuidar é mais que um ato; éuma atitude. Portanto, abran-ge mais que um momento deatenção, de zelo e de desvelo.Representa uma atitude deocupação, de preocupação,de responsabilização e deenvolvimento afetivo com ooutro (BOFF, 2008, p.33).

A pastoral será identificada comoa inserção ativa da igreja no mun-do; a responsabilidade missionáriade envio e o compromisso das co-munidades de fé em favor da vidaem sua plenitude.

Respostas para a construção deum mundo melhor, em todos os sen-tidos, serão possíveis a partir de umesforço coletivo, com metas clarase específicas e com o objetivo depreservar a vida para esta geração epara as vindouras.

Page 43: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

43

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

1 – Por umaecologia-pastoral

A abordagem do tema ecologianão pode se esgotar na elaboraçãode um discurso bem articulado nemna inclusão de um tema para estu-do nos currículos escolares.

Alguns fatores são fundamentaispara a reflexão sobre ecologia. Oprimeiro diz respeito à sobrevivên-cia do ser humano; o segundo, aocaráter ideológico que envolve o ter-mo sustentabilidade; e, por fim, àmobilização dos povos como agen-tes co-participantes de uma neces-sária e urgente mudança.

Ecologia e pastoral são camposque se intercalam em uma relaçãoarticulada, que tem por objetivoolhar e interferir na natureza parapreservá-la da destruição.

Na relação ecologia-pastoral, aecologia é a dimensão da casa co-mum, da Mãe Terra que é a casa dahumanidade; e também dos animais,das plantas e da complexa teia quese tece para a sobrevivência de to-dos e de todas. Assim, a pastoral éa dimensão do cuidado para comtoda a criação.

Na Conferência das Nações Uni-das sobre o Meio Ambiente e oDesenvolvimento realizada no Riode Janeiro em 1992, com a presen-

ça de 179 países, alternativas foramdiscutidas para se conciliar o desen-volvimento econômico-social e apreservação do meio ambiente. Apartir desta conferência foi elabo-rado o documento Agenda 21,

que consiste em um proces-so e programa de ação em vis-ta a sustentabilidade da vida.A Agenda 21 procura envol-ver o poder público, o setorprivado e a sociedade civil emtorno de uma agenda de com-promissos, ações e metas paratransformar o desenvolvimen-to de uma região (AgendaLocal), de um país (AgendaNacional) e do planeta(Agenda Global). Tem comoobjetivo desencadear e forta-lecer iniciativas que promo-vam e conservem a integrida-de da criação, bem como ajustiça social, a saúde públicae a valorização da diversida-de cultural, juntamente como aprimoramento da demo-cracia, a educação para todos,a qualidade de vida, os direi-tos e a dignidade humana. Odocumento salienta a impor-tância da cooperação interna-cional, destacando a necessi-dade do combate à pobreza,a preservação dos bens natu-

Page 44: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

44

O

CU

IDA

DO

PO

CU

IDA

DO

PO

CU

IDA

DO

PO

CU

IDA

DO

PO

CU

IDA

DO

PA

ST

OR

AL

E A

EC

OL

AS

TO

RA

L E

A E

CO

LA

ST

OR

AL

E A

EC

OL

AS

TO

RA

L E

A E

CO

LA

ST

OR

AL

E A

EC

OLO

GIA

OG

IAO

GIA

OG

IAO

GIA

SH

IRLE

Y M

AR

IA D

OS

SA

NT

OS

PR

OE

A S

HIR

LE

Y M

AR

IA D

OS

SA

NT

OS

PR

OE

A S

HIR

LE

Y M

AR

IA D

OS

SA

NT

OS

PR

OE

A S

HIR

LE

Y M

AR

IA D

OS

SA

NT

OS

PR

OE

A S

HIR

LE

Y M

AR

IA D

OS

SA

NT

OS

PR

OE

AP

ÁG

INAS 40 A

49, 2011

rais e a redução dos impactosambientais. (BENINCÁ,2006, p.57)

A sobrevivência humana passanecessariamente pela sobrevivênciado planeta. A premissa falsa de su-perioridade do ser humano sobre anatureza trouxe conseqüênciasgravíssimas para todos os seres hu-manos e para os ecossistemas emgeral, que não conseguem sereestruturar em meio à acentuadadestruição. A velocidade com que anatureza está sendo devastada exi-ge medidas coletivas urgentes parasua desaceleração e envolve profun-das mudanças na relação humani-dade e meio ambiente. SegundoBoff,

a solução demanda umacoalização de forças mundi-ais ao redor de uma nova sen-sibilidade ética, novos valo-res, outras formas de relaci-onamento com a natureza enovos padrões de produção econsumo. (grifo do autor).Numa palavra, faz-se urgen-te um novo paradigma deconvivência natureza, Terra eHumanidade – que dêcentralidade à vida, mante-nha sua diversidade naturale cultural e garanta o

substrato físico-químico-eco-lógico para sua perpetuaçãoe ulterior coevolução (BOFF,2010, p.25,26).

A responsabilidade para a pre-servação do planeta é individual ecoletiva. Pessoas e instituições pre-cisam se mobilizar para atitudes quecontribuam para o bem comum eque evidenciem novo status de con-vivência.

Ecologia e pastoral pressupõema consciência de uma realidadelimítrofe que demanda ações efeti-vas para uma inversão de rumo. Mascomo pensar e agir numa sociedadeem que valores e interesses dísparesestão presentes? Como elaborar pro-jetos que atendam à emergência demudança de mentalidade em estru-turas que privilegiam a acumulaçãode bens e que criam necessidadespara incrementar o consumo?

A sobrevivência humana não seencontra nos discursos ecológicos,mas nas iniciativas dos povos e na-ções para melhoria das condições deuma terra enferma. Não há paliati-vos: ou mudamos ou morremos. Eas respostas para mudanças vêmsendo formuladas concretamentepelo conjunto de pessoas que ensai-am práticas significativas em todosos lugares e em todas as situações

Page 45: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

45

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

do mundo atual. Portanto, não háum sujeito histórico único. Muitossão os sujeitos destas mudanças.Elas se orientam por um novo sen-tido de viver e de atuar. Por uma novapercepção da realidade e por umanova experiência do Ser. Elas emer-gem de um caminho coletivo que sefaz caminhando (BOFF, 2008, p.25).

A relação ecologia-pastoral estáimpregnada da necessidade da pre-servação da vida planetária. A igre-ja, como agente pastoral, não podedeixar de proclamar a vida em sen-tido amplo e irrestrito. O discursoreligioso precisa se transformar ematitudes e ações contextualizadaspara ser significativo para este tem-po de crise de valores éticos, deespiritualidade, de sentido da vida ese tornar importante instrumentode denúncia e de anúncio de umnovo tempo.

O fator da preservação da vida éfundamental para a discussão sobreecologia; no entanto, a vida se con-cretiza nas relações entre os sereshumanos e destes com o meio am-biente, nas dimensões física, social,histórica, política, econômica, edu-cacional, religiosa etc., interligadaspor relações de classe, gênero, etniase gerações.

A preservação da vida planetá-ria não se resume em políticas

ambientais ou programas isoladose pontuais, mas necessita de umacompleta mudança de concepção demundo, de desenvolvimento esustentabilidade.

O termo sustentabilidade não serestringe a providências necessári-as em relação ao meio ambiente,mas agrega o impacto do desenvol-vimento civilizatório sobre as rela-ções humanas e a natureza. ParaBoff, a categoria sustentabilidadesinaliza que no processo evolu-cionário e na dinâmica da naturezavigoram interdependências, redesde relações inclusivas, mutualidadese lógicas de cooperação que permi-tem que todos os seres convivam,coevoluam e se ajudem mutuamen-te para se manter vivos e garantir abiodiversidade” (BOFF, 2010, p. 24)

A expressão desenvolvimentosustentável consta no RelatórioBrundland da ONU de 1972 e fazparte de todos os documentos ofi-ciais internacionais, de documen-tos estatais e de empresas privadas.O uso do termo se expandiu e al-cançou consenso, bem como seafirmou socialmente, o que nãoexclui a disputa de sua aplicaçãocomplexa e abrangente (SANTIA-GO; VILELA, 2006, p.103); a eleforam incorporados temas políti-cos, econômicos, sociais, divergên-

Page 46: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

46

O

CU

IDA

DO

PO

CU

IDA

DO

PO

CU

IDA

DO

PO

CU

IDA

DO

PO

CU

IDA

DO

PA

ST

OR

AL

E A

EC

OL

AS

TO

RA

L E

A E

CO

LA

ST

OR

AL

E A

EC

OL

AS

TO

RA

L E

A E

CO

LA

ST

OR

AL

E A

EC

OLO

GIA

OG

IAO

GIA

OG

IAO

GIA

SH

IRLE

Y M

AR

IA D

OS

SA

NT

OS

PR

OE

A S

HIR

LE

Y M

AR

IA D

OS

SA

NT

OS

PR

OE

A S

HIR

LE

Y M

AR

IA D

OS

SA

NT

OS

PR

OE

A S

HIR

LE

Y M

AR

IA D

OS

SA

NT

OS

PR

OE

A S

HIR

LE

Y M

AR

IA D

OS

SA

NT

OS

PR

OE

AP

ÁG

INAS 40 A

49, 2011

cias e conflitos de interesses pró-prios de cada abordagem.

O desenvolvimento sustentáveltem por premissa atender as neces-sidades do presente sem comprome-ter as gerações futuras, ideal defen-dido na Convenção sobre aBiodiversidade de 1993; o problemaestá no fato de que o próprio termoapresenta intrinsecamente a ambi-güidade entre desenvolvimento epreservação.

Por se tornar amplo, o conceitode desenvolvimento sustentável temsido usado ideologicamente, comomascaramento de um desenvolvi-mento que não agrega povos nemgrupos menos favorecidos. Os paí-ses mais ricos são os maiorespoluidores e exploradores dos re-cursos naturais e precisariam tomaratitudes para a preservaçãoambiental e para a distribuiçãoequitativa das riquezas. O discursosobre desenvolvimento sustentávelesbarra em interesses econômicose políticos.

O desafio na relação ecologia-pastoral não está na elaboração te-órica de parcerias para a preserva-ção da vida, mas em açõesparticipativas que teçam novos tem-pos, novas formas de relacionamen-to com a natureza e nova visão so-bre desenvolvimento sustentável.

Algumas iniciativas internacio-nais e nacionais estabeleceram leisambientais protetoras, mas não sãosuficientes para prevenirdesmatamento, poluição, uso inade-quado do solo, extermínio de espé-cies, nem ainda para a erradicaçãoda miséria, do analfabetismo, dasepidemias. Somente o envolvimentoglobal, individual e coletivo, públi-co e privado, organizacional einstitucional, poderá evitar uma ca-tástrofe irreversível.

2. Por umapastoral-ecológica

Assim como a relação ecologia-pastoral torna-se uma atitude emfavor da vida, a pastoral, relaciona-da à ecologia, só pode ser entendidana dimensão do cuidado.

O conceito de pastoral, no uni-verso protestante, reduz-se à açãode um pastor ou uma pastora, temum forte conteúdo clerical, e, geral-mente, é substituído pelo conceitode ministério ou missão, que temmais conotação eclesiástica do quesociológica. Segundo Clóvis Pintode Castro, a pastoral

deve ser entendida como aação do povo de Deus na rea-lidade cotidiana, onde, na re-lação tempo e espaço, o ser

Page 47: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

47

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

humano se encontra. A preo-cupação básica da pastoral éa eficácia e relevância da fécristã... Pastoral é uma açãointencional, sistemática e or-ganizada coletivamente(CASTRO, 2008, p. 753).

O sentido de pastoral, comoação da comunidade de fé na socie-dade da qual faz parte, alerta para aomissão diante dos graves proble-mas causados ao meio ambiente.As igrejas deveriam ser as precur-soras na defesa da vida e não coni-ventes com sistemas opressores,legitimadores de injustiças e co-res-ponsáveis pela destruição planetá-ria. Homens e mulheres de fé nãopodem se alijar do processo detransformação de atitudes em fa-vor da natureza que a humanidadedestruiu.

Pastoral e ecologia não são duasáreas distintas, mas interagem mu-tuamente. A ecologia como o cui-dado da casa comum não está di-vorciada da pastoral como cuidadoda criação de Deus e vice-versa.

Cuidado significa então des-velo, solicitude, diligência,zelo, atenção, bom trato... porsua própria natureza, cuida-do inclui duas significaçõesbásicas, intimamente ligadas

entre si. A primeira, a atitudede desvelo, de solicitude e deatenção para com o outro. Asegunda, de preocupação e deinquietação, porque a pessoaque tem cuidado se sente en-volvida e afetivamente ligadaao outro (BOFF, 2008, p.91,92).

O cuidado pastoral se dirige àspessoas com quem há relações deafeto, de atenção; mas as pessoasnão vivem isoladas umas das outrasou do meio ambiente. Todo ser hu-mano depende da natureza, na qualtudo está interligado. O mau uso dosrecursos naturais provoca danos atodas as pessoas e ao equilíbrioambiental. A extinção das florestas,o desperdício de energia nãorenovável, o lixo excessivo mal ar-mazenado, a ocupação urbana de-sorganizada, que obriga famílias aviverem em áreas de risco e tantosoutros desafios, devem fazer partedo cuidado pastoral.

O cuidado pastoral na atua-lidade, embasado nas dinâ-micas tradições culturais ebíblicas, ancorado nos estu-dos das ciências e na evolu-ção das sociedades, refere-se a atitudes, ações, méto-dos, visando à salvação, ou

Page 48: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

48

O

CU

IDA

DO

PO

CU

IDA

DO

PO

CU

IDA

DO

PO

CU

IDA

DO

PO

CU

IDA

DO

PA

ST

OR

AL

E A

EC

OL

AS

TO

RA

L E

A E

CO

LA

ST

OR

AL

E A

EC

OL

AS

TO

RA

L E

A E

CO

LA

ST

OR

AL

E A

EC

OLO

GIA

OG

IAO

GIA

OG

IAO

GIA

SH

IRLE

Y M

AR

IA D

OS

SA

NT

OS

PR

OE

A S

HIR

LE

Y M

AR

IA D

OS

SA

NT

OS

PR

OE

A S

HIR

LE

Y M

AR

IA D

OS

SA

NT

OS

PR

OE

A S

HIR

LE

Y M

AR

IA D

OS

SA

NT

OS

PR

OE

A S

HIR

LE

Y M

AR

IA D

OS

SA

NT

OS

PR

OE

AP

ÁG

INAS 40 A

49, 2011

seja, à harmonia, ao bem-estar, “aqui e agora” do serhumano total, no seu con-texto de múltiplos relaciona-mentos: com Deus, com opróximo, com a Criação,consigo mesmo, com suascomunidades, seu trabalho einstituições (SATHLERROSA, 2010, p.41).

A pastoral, do ponto de vista docuidado, não é paternalista,mantenedora do status quo, indivi-dualista e arrogante. Seguindo oexemplo de Jesus, o cuidado pas-toral deve ser completo econtextual.

O cuidado com os outros e coma natureza torna-se uma responsa-bilidade missionária de envio. Oscristãos são enviados por Deus paraanunciarem, com outros sujeitoshistóricos, as boas novastransformadoras de restauração davida em todas as dimensões.

A responsabilidade missionáriada igreja não pode se esconder emdiscursos espiritualizantes; ela seefetiva em reflexão-ação na socie-dade, em defesa de toda criação deDeus.

Cuidado pastoral eecologia – algumas

provocaçõesA mídia anuncia com frequência

crimes ambientais e raramenteaborda iniciativas empresariais emfavor da natureza. A Revista Épocaem parceria com a ConsultoriaPwC promoveu a 1ª. edição do Prê-mio Época Empresa Verde, que des-tacou as 20 companhias mais avan-çadas do país a incorporar a preo-cupação com o meio ambiente nodia a dia dos negócios (Revista Épo-ca, no. 695). Ainda que o cuidadocom a natureza seja uma questão denegócios, tais iniciativas não devemser desprezadas.

Os países elaboram legislaçãoespecífica para proteção ambiental.Organizações não governamentais(ONGs) fiscalizam a aplicação deleis afins e incentivam programaseducativos relacionados ao desenvol-vimento sustentável.

E as igrejas onde se encontramnesse esforço mundial? Será queDeus não atribuiu esta tarefa tam-bém as organizações religiosas? Ouos religiosos são agentes no proces-

Page 49: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

49

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

so de devastação da natureza?Não se trata de propor uma aná-

lise ingênua. É evidente que pode-rosos grupos econômicos influenci-am decisões políticas para atende-rem interesses próprios, mas o dis-curso religioso não pode estar alheioàs urgências deste tempo.

A pastoral do cuidado não éantropocêntrica, ela se estende à vidaplanetária e às relações que se esta-belecem na biodiversidade. Sendoassim, o cuidado pastoral precisaagregar a preservação da naturezacomo parte integrante da missãoque Deus deu à igreja.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASREFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASREFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASREFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASREFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BENINCÁ, Dirceu. “Movimentos populares e meio ambiente”. In BEOZZO, José Oscar (org). Curso de verãoano XX: Ecologia: cuidar da vida e da integridade da criação. S. Paulo: CESEP/ Paulus, 2006 (p. 47-88).BOFF, Leonardo, Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela terra. 15ª. ed. Petrópolis: Vozes, 2008._____. Cuidar da terra, proteger a vida: como evitar o fim do mundo. Rio de Janeiro: Record, 2010._____. “Ecologia: teologia e espiritualidade”. In BEOZZO, José Oscar (org). Curso de verão ano XX: Ecologia:cuidar da vida e da integridade da criação. S. Paulo: CESEP/ Paulus, 2006 (p. 151-168).CASTRO, Clóvis Pinto de. “Pastoral”. In BORTOLLETO FILHO, Fernando (org.). Dicionário Brasileiro deTeologia. S. Paulo: ASTE, 2008, (p. 752-754).KERBER, Guillermo. O ecológico e a teologia latino-americana: articulações e desafios. Porto Alegre: Sulina,2006.SANTIAGO, Tilden; VILELA, René. “Políticas públicas para o meio ambiente: contribuição à reflexão”. InBEOZZO, José Oscar (org). Curso de verão ano XX: Ecologia: cuidar da vida e da integridade da criação. S.Paulo: CESEP/ Paulus, 2006 (p. 89-111).SATHLER-ROSA, Ronaldo. Cuidado pastoral em tempos de insegurança: uma hermenêutica teológico-pastoral. 2ª. ed., S. Paulo: ASTE, 2010.

“O cuidado com osoutros e com a naturezatorna-se umaresponsabilidademissionária de envio.Os cristãos são enviadospor Deus paraanunciarem, com outrossujeitos históricos, asboas novastransformadoras derestauração da vidaem todas as dimensões.

Page 50: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

50

A

TE

OD

ICE

IA E

A T

EO

LO

GIA

CR

IST

Ã: O

MA

L N

A C

RIA

ÇÃ

OA

TE

OD

ICE

IA E

A T

EO

LO

GIA

CR

IST

Ã: O

MA

L N

A C

RIA

ÇÃ

OA

TE

OD

ICE

IA E

A T

EO

LO

GIA

CR

IST

Ã: O

MA

L N

A C

RIA

ÇÃ

OA

TE

OD

ICE

IA E

A T

EO

LO

GIA

CR

IST

Ã: O

MA

L N

A C

RIA

ÇÃ

OA

TE

OD

ICE

IA E

A T

EO

LO

GIA

CR

IST

Ã: O

MA

L N

A C

RIA

ÇÃ

OR

EG

INA

LD

O

VO

N

ZU

BE

NR

EG

INA

LD

O

VO

N

ZU

BE

NR

EG

INA

LD

O

VO

N

ZU

BE

NR

EG

INA

LD

O

VO

N

ZU

BE

NR

EG

INA

LD

O

VO

N

ZU

BE

NP

ÁG

INAS 50 A

65, 2011

A teodiceia e a teologiacristã: o mal na criação

RRRRRegin

aldo V

eginald

o Vegin

aldo V

eginald

o Vegin

aldo V

on Z

ub

en*

on Z

ub

en*

on Z

ub

en*

on Z

ub

en*

on Z

ub

en*

*Reginaldo Von Zuben, pastor e professor da Facul-dade de Teologia de São Paulo (IPIB). É Mestre emCiências da Religião.

IntroduçãoÉ comum assistirmos a um

telejornal e ficarmos chocadoscom notícias referentes a crimes eviolência social, ao abandono decrianças recém-nascidas, à fomemundial e aos acidentes de trânsi-to que acabam em mortes. Fica-mos chocados também quandonos deparamos com pessoas quedesesperadamente procuram em-prego e não o encontram, outrasque vivem nas ruas, passam frio,sentem fome e não têm um larcomo abrigo e descanso.

Outras notícias que nos en-chem de profunda comoção estãorelacionadas às tragédias naturais,ocasião em que várias pessoasmorrem ou perdem o que con-quistaram em toda sua vida de tra-

balho. Pelo fato de se tornarem fre-quentes as ocorrências em relaçãoàs enchentes, terremotos, torna-dos, conseqüências do aquecimen-to global, entre outras, temos cadavez mais o conhecimento e a cons-ciência do agravamento relaciona-do ao equilíbrio e sustentabilidadedo meio ambiente. O desesperodestas pessoas que sofrem nos cau-sa indignação e pesar, sentimentosaos quais se junta o de injustiça.

Estas notícias e constatações,além do choque, da perplexidadee muitas vezes da revolta, fazemsurgir a pergunta pela bondade,justiça, ação e presença de Deus.Onde Deus se encontra e o que fazdiante do mal no mundo e do so-frimento das pessoas? Tratar des-tes assuntos significa entrar notema da teodiceia.

Neste artigo abordaremos as-suntos relacionados à teodiceia etambém sobre o significado teo-

Page 51: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

51

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

lógico do termo, a partir da pers-pectiva bíblica. Chamamos a aten-ção para a dimensão do mal natu-ral, ou seja, o mal presente na natu-reza, que resulta em tragédias e so-frimentos de grandes proporçõespara milhares de pessoas. No final,destacaremos duas consideraçõesextraídas da teologia contemporâ-nea sobre o tema e uma propostasobre como agir em relação ao malno mundo.

1. A relevância e osignificado da

teodiceiaInfelizmente, as notícias e os

acontecimentos indicados na intro-dução ocorrem quase que diaria-mente. Isto pode gerar o perigo desermos tomados pela apatia. Apa-tia está relacionada à insensibilida-de, a não capacidade de sentir ou desofrer, à indiferença e ao conformis-mo em relação ao sofrimentoalheio. Vamos nos acostumando detal maneira com o mal, com o so-frimento, com as injustiças e afliçãodas pessoas que não sentimos maisdor e indignação. Aos poucos, aca-bamos nos conformando com taisacontecimentos.

Para aqueles e aquelas que ainda

não foram afetados pela apatia, con-siderando entre estes vários cristãos,certamente várias indagações já fo-ram feitas: por que Deus permitetanto mal e sofrimento no mundo?Por que milhares de pessoas sofrem?Como crer em um Deus que é so-berano, que controla todas as coi-sas, mas parece estar indiferente edistante desta situação caótica vivi-da pela humanidade? Por que Deusnão elimina o mal? Estas e tantasoutras questões sempre foram le-vantadas na história e, diante delas,a teologia teve que apresentar res-postas. Além disso, deparamo-noscom o problema referente ao sofri-mento do justo ou de pessoas ino-centes, muitas vezes vítimas indefe-sas diante do mal e das tragédias.Estas questões nos levam a enten-der por mal aquilo que desumanizae fere a dignidade humana, que cau-sa sofrimento, dor, desilusão e va-zio existencial.

Por fim, somos cada vez maisconscientes do mal natural, respon-sável por provocar catástrofes deproporções planetárias. Diante dele,cresce nosso medo e aflição com aameaça que pesa sobre a condiçãode sobrevivência no mundo. Nosúltimos anos, diversos exemplospodem ser apontados com relaçãoao mal proveniente das reações na-

A

TE

OD

ICE

IA E

A T

EO

LA

TE

OD

ICE

IA E

A T

EO

LA

TE

OD

ICE

IA E

A T

EO

LA

TE

OD

ICE

IA E

A T

EO

LA

TE

OD

ICE

IA E

A T

EO

LOG

IA C

RIS

: O M

AL N

A C

RIA

ÇÃ

OO

GIA

CR

IST

Ã: O

MA

L NA

CR

IAÇ

ÃO

OG

IA C

RIS

: O M

AL N

A C

RIA

ÇÃ

OO

GIA

CR

IST

Ã: O

MA

L NA

CR

IAÇ

ÃO

OG

IA C

RIS

: O M

AL N

A C

RIA

ÇÃ

ORR RRR

eginald

o Vegin

aldo V

eginald

o Vegin

aldo V

eginald

o Von

Zu

ben

on Z

ub

enon

Zu

ben

on Z

ub

enon

Zu

ben

RE

VIS

TR

EV

IST

RE

VIS

TR

EV

IST

RE

VIS

TA TE

OL

A TE

OL

A TE

OL

A TE

OL

A TE

OLO

GIA

E S

OC

IED

AD

E

OG

IA E

SO

CIE

DA

DE

O

GIA

E S

OC

IED

AD

E

OG

IA E

SO

CIE

DA

DE

O

GIA

E S

OC

IED

AD

E VV VVVol. 1

nº 8, outubro de 2

01

1, S

ão Pol. 1

nº 8, outubro de 2

01

1, S

ão Pol. 1

nº 8, outubro de 2

01

1, S

ão Pol. 1

nº 8, outubro de 2

01

1, S

ão Pol. 1

nº 8, outubro de 2

01

1, S

ão Pauloauloauloauloaulo, S

P, S

P, S

P, S

P, S

P P

ÁG

INA

S 5

0 A

65

GIN

AS

50

A 6

5 P

ÁG

INA

S 5

0 A

65

GIN

AS

50

A 6

5 P

ÁG

INA

S 5

0 A

65

Page 52: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

52

A

TE

OD

ICE

IA E

A T

EO

LO

GIA

CR

IST

Ã: O

MA

L N

A C

RIA

ÇÃ

OA

TE

OD

ICE

IA E

A T

EO

LO

GIA

CR

IST

Ã: O

MA

L N

A C

RIA

ÇÃ

OA

TE

OD

ICE

IA E

A T

EO

LO

GIA

CR

IST

Ã: O

MA

L N

A C

RIA

ÇÃ

OA

TE

OD

ICE

IA E

A T

EO

LO

GIA

CR

IST

Ã: O

MA

L N

A C

RIA

ÇÃ

OA

TE

OD

ICE

IA E

A T

EO

LO

GIA

CR

IST

Ã: O

MA

L N

A C

RIA

ÇÃ

OR

EG

INA

LD

O

VO

N

ZU

BE

NR

EG

INA

LD

O

VO

N

ZU

BE

NR

EG

INA

LD

O

VO

N

ZU

BE

NR

EG

INA

LD

O

VO

N

ZU

BE

NR

EG

INA

LD

O

VO

N

ZU

BE

NP

ÁG

INAS 50 A

65, 2011

turais, dentre eles: enchentes, terre-motos, tornados, aquecimento glo-bal, secas etc. Recentemente, omundo contemplou e lamentou oforte terremoto, acompanhado detsumanis, que atingiu a costa leste doJapão, provocando muitos estragose causando a morte de milhares depessoas. Como entender a naturezacomo fruto da ação criadora de Deus,permeada pela bondade, mas que dásinais de limitações e fragilidades, asquais põem em risco a continuidadeda vida humana na Terra?

O termo teodiceia é compostopor duas palavras gregas (Theo +dikê) e etimologicamente significaDeus justo. A concepção tradicio-nal da bondade e da soberania deDeus sustenta que Ele governa omundo e controla todas as coisas.Tudo o que acontece é provenientede seus atos ou da sua permissão.Nada foge do seu alcance ou do seuconhecimento. Assim, o Deus justorege o mundo e tudo que acontecenele. A sua justiça se faz presenteem cada acontecimento.

Por outro lado, diante da percep-ção e da experimentação do mal, dastragédias, das injustiças e da dor hu-mana, surgem as outras perguntas:como pode existir o mal no mundosendo ele governado por um Deusjusto e bom? Se Deus é o Sumo Bem

e a justiça está associada aos seus atos,porque o mal e o sofrimento fazemparte da realidade e da experiênciahumana? Por que no momento emque mais precisamos ou que seriafundamental a ação de Deus, pareceque experimentamos sua ausência,seu silêncio? Quais as razões que ex-plicam o mal presente e provenienteda própria na natureza?

Indagações como estas foram econtinuam sendo levantadas em re-lação à fé em Deus. Por isso, é tare-fa da teologia lidar com elas, comosugere Rubio (2001, p. 602): “As-sim, as questões que a existência domal provoca não podem ser deixa-das de lado numa reflexão teológi-ca sobre a criação boa de Deus esobre o ser humano criado à ima-gem e semelhança de Deus”.

2. Perspectivabíblica sobre o mal eo sofrimento humano

No Primeiro Testamento, porexemplo, é possível encontrar indi-retamente as questões levantadasacima, assim como a indicação deperspectivas para explicá-las. Trêsdelas são centrais. A primeira é aconcepção de que o mal econsequentemente o sofrimentohumano, procede de Deus.

Page 53: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

53

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

Brakemeier (2002, p. 57) é consci-ente disso ao afirmar: “Conforme atradição bíblica, males podem pro-ceder do próprio Deus. Ele é o Se-nhor da vida. Em termos de Jó, istosignifica: ‘O Senhor o deu, e o Se-nhor o tomou; bendito seja o nomedo Senhor” (Jó 1.21)’”. Esta mes-ma ênfase é encontrada no discursoprofético que enfatiza a ira e o juízodivino, baseados na teologia da re-tribuição (Ez 7.1-10; Am 3.1-15; Sf1.5-17). O profeta Isaías é enfáticoao anunciar: “Eu formo a luz e crioas trevas; faço a paz e crio o mal;eu, o Senhor, faço todas estas coi-sas” (Is 45.7). Isto pode ser perce-bido também nos relatos de Gênesis6.1-22, que justificam as razões e oanúncio do dilúvio, assim como emÊxodo 8-12 no que se refere às pra-gas enviadas por Deus ao Egito.

Há no entanto, um aspecto im-portante a ser considerado em rela-ção ao livro de Jó. Este levanta apergunta sobre o sofrimento do jus-to, daquele que teme a Deus e éexemplo em sua vida moral e dedevoção. Por que o justo sofre? É apergunta principal deste livro. Paraa tristeza ou desilusão de alguns, talpergunta não é respondida no refe-rido livro, pois o ele não pretendeexplicar a origem do mal, mas com-bater a teologia da retribuição, ou

seja, de que o sofrimento na vida dojusto é consequência do pecado co-metido, teologia esta representadapelos discursos dos amigos de Jó.Em última instância, o livro de Jómostra que a fidelidade a Deus,mesmo em meio ao sofrimento in-justo, é o melhor caminho a ser se-guido. Temos a seguinte afirmaçãode Gomes (2007, p. 27) sobre o re-ferido livro:

A linguagem da lamentação,própria do sofrimento, mos-tra o inocente fiel mesmoquando Deus parece ser seuinimigo, superando a teologiada retribuição e mostrando afragilidade das imagens divi-nas tradicionais. O livro nãoexplica a origem do sofrimen-to, mas faz perceber que a doratinge inocentes e não sim-plesmente os culpados eimpiedosos.

A segunda perspectiva no Pri-meiro Testamento é a de que o male o sofrimento humano procedemde Satanás. A origem desta concep-ção se encontra no pressupostopoliteísta e no referencial dualista,predominante nas religiões antigas.Aqui, Brakemeier (2002, p. 56-57)nos auxilia ao destacar estas duaspossibilidades:

Page 54: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

54

A

TE

OD

ICE

IA E

A T

EO

LO

GIA

CR

IST

Ã: O

MA

L N

A C

RIA

ÇÃ

OA

TE

OD

ICE

IA E

A T

EO

LO

GIA

CR

IST

Ã: O

MA

L N

A C

RIA

ÇÃ

OA

TE

OD

ICE

IA E

A T

EO

LO

GIA

CR

IST

Ã: O

MA

L N

A C

RIA

ÇÃ

OA

TE

OD

ICE

IA E

A T

EO

LO

GIA

CR

IST

Ã: O

MA

L N

A C

RIA

ÇÃ

OA

TE

OD

ICE

IA E

A T

EO

LO

GIA

CR

IST

Ã: O

MA

L N

A C

RIA

ÇÃ

OR

EG

INA

LD

O

VO

N

ZU

BE

NR

EG

INA

LD

O

VO

N

ZU

BE

NR

EG

INA

LD

O

VO

N

ZU

BE

NR

EG

INA

LD

O

VO

N

ZU

BE

NR

EG

INA

LD

O

VO

N

ZU

BE

NP

ÁG

INAS 50 A

65, 2011

De onde proveio o mal? A per-gunta tem longa história edesafia não só a teologia. Mi-tologia antiga atribui a desgra-ça aos ciúmes dos deuses.Teriam ficado invejosos dafelicidade humana e lhe mis-turado o fel. O ser humano,portanto, seria vítima do ci-nismo de divindades. Ou en-tão o mal é visto como prin-cípio cosmológico, antagôni-co a Deus. É a versãodualista, que parte da hipó-tese de dois mundos distin-tos, o do bem e o do mal,ambos eternos. São reinosvistos como estando, infeliz-mente, entrelaçados, um con-tra o outro. O mal seria umarealidade autônoma ao ladodo bem. Também desta vez oser humano não carrega aculpa. Sofre os efeitos de umdrama cósmico que precipitasobre ele e lhe determina odestino. (grifo do autor)

Uma das prováveis influênciasdo dualismo religioso em relação aopovo de Israel se deu no contextodo cativeiro babilônico, por meio dodualismo persa, religião deZoroastro. A partir de então, o malpassou a ser concebido como um

ser ontológico, ou seja, um ser per-sonificado. Os dois textos mais co-muns utilizados hoje para justificaressa perspectiva, procedentes deuma interpretação limitada e super-ficial, são Is 14.12-15 e Ez 28.1-19.Estes textos alimentam a ideia dosanjos caídos, liderados por um de-les, Lúcifer. O mal é proveniente des-tes seres criados e caídos, pois seopõem a Deus e desejam que os se-res humanos façam o mesmo. Porcausa disso, Satanás e seus demôni-os passaram a ser responsabilizadospelo mal e pelo sofrimento nomundo. Contudo, novamenteBrakemeier (2002, p. 57) desenvol-ve o seguinte parecer sobre tal con-cepção:

É outra mitologia empe-nhada em elucidar as ori-gens do mal. Ela ocorre naapocalíptica judaica e dei-xou vestígios também natradição cristã. Os demôni-os e o próprio Satanás teri-am essa procedência. Tam-bém desta vez, o mal estásendo atribuído a uma cau-sa sobrenatural, trans-his-tórica, ainda que oapocalipsismo visse na que-da dos anjos um eventoculposo e não trágico,como o gnosticismo.

Page 55: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

55

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

A terceira perspectiva no Primei-ro Testamento para explicar o male o sofrimento no mundo é a de queambos procedem do próprio serhumano em seus desejos, pensamen-tos e ações, os quais vão contra avontade e a lei de Deus. Aqui, a li-berdade, a desobediência e a rebel-dia humana dão origem e ocasionamo pecado, o qual gera e projeta o male o sofrimento. O relato da Queda(Gênesis 3) mostra isso. Esta, semdúvida, é uma das principais refe-rências que explicam a existência ea proliferação de tantos males nomundo, ou seja, o ser humano semDeus ou longe da vontade de Deus,vivendo em torno dos seus interes-ses, ambições e ganâncias, sendogovernado pelo egoísmo, pre-potência, soberba e orgulho.

Nesta terceira perspectiva, a ori-gem do mal e do sofrimento encon-tra-se na Queda e na prática do pe-cado, sendo este decorrente da li-berdade concedida por Deus às suascriaturas. Segundo Brakemeier(2002, p. 61): “O pecado não é nadasuperficial ou acidental; antes, afetaa raiz de tudo o que é humano”.Toda a história bíblica aponta paraa redenção de Deus, que é justo ebom, soberano para revelar e recon-ciliar o ser humano pecador pormeio de sua graça, principalmente

por meio de Cristo Jesus.Ao olharmos para Jesus, seu en-

sino, sua vida e seu ministério, tam-bém não encontraremos uma res-posta para a indagação sobre o male o sofrimento no mundo. Encon-traremos sim a proposta do amorprioritário e absoluto a Deus, assimcomo a do amor ao próximo comoamamos a nós mesmos. Este é o ca-minho para uma realidade com me-nos sofrimento e maldade. Jesus seconcentra naquilo que o ser humanoé capaz de fazer para promover eaumentar o mal no mundo. Contrá-rio a isto, ele aponta o amor, o per-dão, a solidariedade, a comunhãocom o Pai e, por fim, aponta os valo-res e sinais do Reino de Deus. Jesusreconhece que o pecado é responsá-vel por diversas manifestações domal, da injustiça e do sofrimento navida e na história da humanidade. Damesma forma, indica e nos ensinaque a existência e a constatação domal e do sofrimento são oportuni-dades para que seja revelada a glóriae a bondade de Deus por meio denossas ações (Jo 9.1-12).

As questões relacionadas àteodiceia vão além do mundo bíbli-co e desafiam a fé cristã ao longo dahistória. Em cada época elas se tor-nam atuais e pertinentes na medidaem que a maldade e o sofrimento se

Page 56: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

56

A

TE

OD

ICE

IA E

A T

EO

LO

GIA

CR

IST

Ã: O

MA

L N

A C

RIA

ÇÃ

OA

TE

OD

ICE

IA E

A T

EO

LO

GIA

CR

IST

Ã: O

MA

L N

A C

RIA

ÇÃ

OA

TE

OD

ICE

IA E

A T

EO

LO

GIA

CR

IST

Ã: O

MA

L N

A C

RIA

ÇÃ

OA

TE

OD

ICE

IA E

A T

EO

LO

GIA

CR

IST

Ã: O

MA

L N

A C

RIA

ÇÃ

OA

TE

OD

ICE

IA E

A T

EO

LO

GIA

CR

IST

Ã: O

MA

L N

A C

RIA

ÇÃ

OR

EG

INA

LD

O

VO

N

ZU

BE

NR

EG

INA

LD

O

VO

N

ZU

BE

NR

EG

INA

LD

O

VO

N

ZU

BE

NR

EG

INA

LD

O

VO

N

ZU

BE

NR

EG

INA

LD

O

VO

N

ZU

BE

NP

ÁG

INAS 50 A

65, 2011

revestem de novas configurações eamplitude, tal como em nossos dias.

3. O mal e osofrimento

provenientes danatureza

Além das três perspectivas res-saltadas no Primeiro Testamentosobre a origem e a existência do male do sofrimento no mundo, encon-tramos também uma quarta pers-pectiva que é a do mal natural. Da-qui provém a constatação de quecertos males ocorrem independen-te das ações e dos desejos humanos.Conforme a cosmovisão vétero-tes-tamentária, o mal natural independeda liberdade humana, ou seja, não éprovocado pelo ser humano. Este éo parecer de Brakemeier (2002, p.51) ao indicar que o mal natural “[...]diz respeito aos flagelos que atingemo ser humano sem nenhuma culpada sua parte e até de forma aleató-ria. São os golpes sofridos, os aci-dentes. É o sofrimento resultante dalimitação humana e da fragilidadeda vida”.

O mundo bíblico é permeadopor diversas ocorrências naturaisque caracterizam o mal, tais como:a seca, improdutividade da terra que

gerava a fome, os terremotos e osacidentes ocasionais (Lc 13.4). Es-tes afetam a vida humana e podemtrazer consequências arrasadoras,inclusive levando muitos à morte.

Por ser natural, esta forma demal é compreendida, conforme opi-nião de Rubio (2001, p. 622), como“parte da criaturidade própria do serhumano”. É com esta noção que oreferido autor indica a fundamen-tação bíblico-teológica para tal:

Segundo uma outra perspec-tiva bíblica, desenvolvida so-bretudo pela literaturasapiencial, o sofrimento, asambigüidades e os diversosmales que concernem à con-dição humana são perfeita-mente naturais, simplesmen-te fazem parte da criaturidadeprópria do ser humano. As-sim, o Eclesiastes e numero-sos salmos falam das maze-las da existência humanacomo realidades naturais,sem que seja feita conexãocom um castigo imposto porcausa do pecado.

A concepção de Deus diante domal natural é a de que Ele pode in-tervir e livrar o ser humano do seusofrimento e ameaças. Isso justificaas diversas orações e clamores soli-

Page 57: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

57

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

citando a salvação, a proteção e aajuda de Deus. Isso também é váli-do para os pedidos para que o malnatural não ocorra, mas se ocorrer,não afete a vida ou a família do su-plicante.

Em relação à natureza, na pers-pectiva da teodiceia, dificilmenteextraímos lições a partir de Jesus.O motivo é que, para Ele, a nature-za deve ser contemplada e compre-endida muito mais como manifes-tação da graça e da bondade de Deusdo que como fonte de ameaça emaldade. A contemplação da natu-reza implica no reconhecimento daprovidência divina, ou seja, da bon-dade de Deus na manutenção e con-tinuidade da vida.

Ao nos ensinar a olhar para ospássaros e os lírios do campo, Jesusenaltece a ação e o cuidado de Deusem favor da vida, principalmentedos seres humanos (Mt 6.25-34).Gomes (2007, p. 26) faz a seguintepergunta sobre esta perspectiva:“Não estaria tudo isso nos alertandopara o fato de que, apesar do mal edo sofrimento, há no ser humano eno mundo mais coisas dignas deadmiração do que de desprezo?”

No entanto, conforme o pensa-mento paulino, o gemido e as an-gústias da criação se dão medianteo pecado humano, incluindo-a na

redenção final de todas as coisas(Rm 8.19-23). O ser humano é quemsubmete a criação à desarmonia eao sem sentido, sendo responsávelpor muitas das tragédias decorren-tes da crise ecológica.

A questão que se levanta em nos-sos dias é: a perspectiva vétero-testementária a respeito da isençãohumana em relação ao mal naturalpode ser sustentada? Em outras pa-lavras, diante de um conhecimentocientífico mais amplo acerca das leisda natureza e das consequencias daação humana irresponsável eexploratória para com o meio am-biente, devemos continuar com oparadigma de que o mal naturalindepende da liberdade humana? Omal natural realmente não é provo-cado pelo ser humano?

4. Consideraçõesteológicas acerca do

mal na naturezaGostaria de destacar, dentre ou-

tras, duas considerações teológicasdesenvolvidas na atualidade em re-lação às questões levantadas pelateodiceia e a breve análise bíblico-teológica que fizemos acerca do malem geral e do mal natural. Da mes-ma forma, há uma proposta perti-

Page 58: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

58

A

TE

OD

ICE

IA E

A T

EO

LO

GIA

CR

IST

Ã: O

MA

L N

A C

RIA

ÇÃ

OA

TE

OD

ICE

IA E

A T

EO

LO

GIA

CR

IST

Ã: O

MA

L N

A C

RIA

ÇÃ

OA

TE

OD

ICE

IA E

A T

EO

LO

GIA

CR

IST

Ã: O

MA

L N

A C

RIA

ÇÃ

OA

TE

OD

ICE

IA E

A T

EO

LO

GIA

CR

IST

Ã: O

MA

L N

A C

RIA

ÇÃ

OA

TE

OD

ICE

IA E

A T

EO

LO

GIA

CR

IST

Ã: O

MA

L N

A C

RIA

ÇÃ

OR

EG

INA

LD

O

VO

N

ZU

BE

NR

EG

INA

LD

O

VO

N

ZU

BE

NR

EG

INA

LD

O

VO

N

ZU

BE

NR

EG

INA

LD

O

VO

N

ZU

BE

NR

EG

INA

LD

O

VO

N

ZU

BE

NP

ÁG

INAS 50 A

65, 2011

nente sobre como agir diante do malno mundo e na natureza.

A primeira consideração diz res-peito à concepção teológica da cria-ção. Por meio de uma série de per-guntas, Gomes (2007, p. 12-13) nosfaz pensar na criação divina comolimitada, imperfeita e finita:

A Criação, saída das mãos cri-ativas do Pai como alteridade,não possui sua limitação, suaimperfeição e sua finitudenum processo evolutivo, razãopela qual sofre desequilíbrios,provocando catástrofes? Nãoteria a finitude, por força, asportas abertas para a irrupçãodo fracasso, da disfunção, datragédia e do mal? Neste sen-tido, um mundo finito perfei-to não seria, portanto, um so-nho da razão mítica inicial doparaíso, ou o mito final da so-ciedade perfeita, um contra-senso lógico? Não somos cau-sadores do mal e do sofrimen-to devido à nossa limitaçãocriatural e à limitação de nos-sa liberdade? Não somos nósafetados por nossos própriosdesequilíbrios e pelosdesequilíbrios de nossoecossistema? Não nos encon-tramos numa situação de ex-trema fragilidade e vulne-

rabilidade, mesmo quandocultivamos nossos desejos oni-potentes? (itálicos do autor)

Antes de nos posicionarmos deforma contrária às perguntas feitaspor Gomes, analisemos que, por umlado, elas não rejeitam a fé ou a con-cepção de Deus como o Criador.Elas também não alteram a concep-ção bíblica de que Deus criou todasas coisas por meio de sua Palavra eEspírito, mediante sua livre vonta-de, sendo a criação permeada porSua bondade (Gn 1). Esta criação élugar ideal para que o ser humanoviva bem, em paz e harmonia comDeus, consigo próprio, com o pró-ximo e com a natureza (Gn 2). Poroutro lado, Gomes levanta a possi-bilidade de pensarmos na criação,mesmo que provinda do ato divino,como imperfeita, finita e limitada.

Uma das principais doutrinas datradição reformada enfatiza a distin-ção entre criatura e Criador. Esta dis-tinção também pode se relacionar àcriação e Criador. A criação não com-partilha dos atributos divinos. É cri-ação. Por isso, Gomes sugere que nãodevemos concebê-la como perfeita,principalmente no sentido grego dotermo. A criação é finita e, por serassim, tem suas limitações e imper-feições. Paul Tillich tratou desta pers-

Page 59: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

59

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

pectiva apontando a ambiguidade dae presente na criação.

Desse modo, é possível pensar-mos na possibilidade das catástro-fes e tragédias naturais como limi-tes da própria natureza. A finitudeé inerente a ela. Por ser assim é queo meio ambiente está suscetível àsações predatórias dos seres huma-nos e reage contrariamente ao equi-líbrio e às condições de harmoniae bem-estar. Portanto, o mal natu-ral não ocorre por acaso, pelo con-trário, é o ajuste e a adaptação danatureza devido ao comportamen-to humano em relação a ela e à suafinitude, imperfeição e limitação.Devemos romper com a concep-ção que o meio ambiente é fonteinesgotável de recursos naturais eque ela suporta e se ajusta satisfa-toriamente, ou sem conflitos, emmeio ao descaso e desmandos dahumanidade.

É verdade que muitos males na-turais ocorreram no passado, antesda crise ecológica dos nossos dias,para os quais não havia explicaçãocientífica e que geravam a explica-ção da isenção humana. O Primei-ro Testamento tem este referencial,ou seja, de que o ser humano, comseu modo de viver e agir, não tinhanada a ver com o mal natural. Hoje,devido aos avanços do conhecimen-

to científico e à noção dacomplementariedade entre tudo etodos, o modo de viver e agir dahumanidade não pode ser conside-rado tão isento assim. O atual mo-mento de crise ecológica mostramuito bem esta não isenção. Tudoo que fazemos e o modo como vive-mos refletem na natureza. Muitasdas tragédias naturais no mundo,hoje, são reações ou consequênciasdaquilo que representa o compor-tamento humano diante aos recur-sos e limites do meio ambiente.

Portanto, sendo a criação divinalimitada, imperfeita e finita, tanto omal como o sofrimento são possibi-lidades inerentes a ela. Eles se mani-festam na história, na vida humana ena natureza por meio de diversos fa-tores. Várias destas manifestaçõespodem ser explicadas, outras aindanão. No entanto, isto não nos develevar ao conformismo ou ao pessi-mismo em relação ao mal e ao sofri-mento, tal como a proposta dos es-tóicos, marcada pelo ascetismo e aomáximo de indiferença em relaçãoaos desejos e instintos humanos.

A segunda consideração é a deque tanto as Escrituras como a refle-xão teológica ao longo da história nãoapresentam respostas racionais paraa origem do mal no sentidoontológico. É por este motivo que

Page 60: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

60

A

TE

OD

ICE

IA E

A T

EO

LO

GIA

CR

IST

Ã: O

MA

L N

A C

RIA

ÇÃ

OA

TE

OD

ICE

IA E

A T

EO

LO

GIA

CR

IST

Ã: O

MA

L N

A C

RIA

ÇÃ

OA

TE

OD

ICE

IA E

A T

EO

LO

GIA

CR

IST

Ã: O

MA

L N

A C

RIA

ÇÃ

OA

TE

OD

ICE

IA E

A T

EO

LO

GIA

CR

IST

Ã: O

MA

L N

A C

RIA

ÇÃ

OA

TE

OD

ICE

IA E

A T

EO

LO

GIA

CR

IST

Ã: O

MA

L N

A C

RIA

ÇÃ

OR

EG

INA

LD

O

VO

N

ZU

BE

NR

EG

INA

LD

O

VO

N

ZU

BE

NR

EG

INA

LD

O

VO

N

ZU

BE

NR

EG

INA

LD

O

VO

N

ZU

BE

NR

EG

INA

LD

O

VO

N

ZU

BE

NP

ÁG

INAS 50 A

65, 2011

alguns teólogos se referem ao mal esua origem como mistério (cf. Rubio,2001, p. 601 e Gomes, 2007, p. 22).Talvez seja por isso que até hoje nãohá, tanto na teologia como na filoso-fia, uma explicação satisfatória e con-vincente para existência do mal. Omal existe no âmbito histórico, elenão tem uma realidade metafísica.Sendo assim, o ser humano deve seconscientizar e assumir sua culpa pelomal natural, evitar o progresso destemal até onde é possível e não se aco-modar em meio aos privilégios e in-teresses capitalistas. Isso exige umcomportamento em correspondên-cia com as ações ecológicas, tãodivulgadas atualmente.

Portanto, considerando a teolo-gia bíblica, como cristãos não deve-mos nos preocupar com o mal emtermos de origem ontológica, massim com o que podemos e devemosfazer em relação a ele. Isso não sig-nifica desprezo por qualquer refle-xão ou teorização sobre o mal, poisconcordamos com Rubio (2001, p.605) ao afirmar:

“Concretamente, as reflexõesaqui feitas tentam ser um ser-viço ao discernimento cristãona luta prática contra o mal econtra o sofrimento. A teoriaestá a serviço da prática navida cristã”.

A partir disso, apresentamos aproposta de como agir diante do malno mundo e na natureza. Teologica-mente, nossa missão é lutar contrao mal, tendo como base a graça deDeus. A teologia bíblica nos mostraDeus presente no mundo, que age ese revela, para libertar, curar ou sal-var. O principal tema das Escritu-ras é o da redenção divina, a qual seconcretiza de forma plena em Cris-to Jesus. Portanto, devemos pensarteologicamente na correlação entreDeus Criador e Salvador. A partirdisto, como Deus nos ajuda não sóa evitar o mal, mas tambémcombatê-lo e reagir contra ele,Rubio (2001, p. 616) resume bemo propósito da teologia bíblica:

De maneira bem sintética,podemos afirmar que tantono Antigo quanto no NovoTestamento, a realidade e aexperiência do mal, aborda-das com bastante freqüência,ocupam um espaço importan-te, mas sempre em função damensagem de salvação ofere-cida gratuitamente por Deus.O mal acontece às vezes in-dependentemente da vontadedo homem, outras vezes coma sua participação ou por suaomissão. A Sagrada Escritu-ra ressalta que o mal é um

Page 61: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

61

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

poder a afetar tanto o indiví-duo quanto a sociedade, queestá presente em cada vidahumana e que o homem sozi-nho não é capaz de vencê-lo.

A principal implicação bíblica le-vantada sobre esse assunto é a da per-cepção de que diversos males que sefazem presentes na vida humana ena história humana são possíveis deserem superados, evitados e extingui-dos da realidade. Nesse sentido, Je-sus se torna a principal referência,apresentando-nos o perdão graciosode Deus e a proposta da solidarieda-de com os que sofrem e padecem nomundo. Este foi o critério do seuministério ao dizer: “O Espírito doSenhor está sobre mim, pelo que meungiu para evangelizar os pobres;enviou-me para proclamar libertaçãoaos cativos e restauração da vista aoscegos, para pôr em liberdade os opri-midos, e apregoar o ano aceitável doSenhor” (Lc 4.18-19).

Lutar contra o mal e o sofrimen-to, visando sua superação na histó-ria, implica na responsabilidade hu-mana. A revelação, a presença, asoberania e a graça de Deus nos dãocondições e nos convocam a rever-ter toda situação possível de peca-do, de mal e de sofrimento. Na con-cepção de Queiruga, Deus não pode

eliminar o mal do mundo de formaautomática e mágica, pois Ele res-peita a liberdade finita concedida aoser humano, assim como as leis im-postas à própria natureza. A formacomo Deus age em relação a esteassunto é outra, tal como é expla-nada por Queiruga (1999, p. 245):

Deus “não pode” eliminar omal, por ser este o preço ine-vitável de uma realidade finitae histórica; mas se aplica comtoda a força de seu amor aapoiar a pessoa perante ele -Deus como “Antimal”; e noconjunto da realidade – inclu-indo história e trans-história– acaba suportando-o no mis-tério da salvação escatológica;de forma que no final logra-remos poder dizer que Deus“quer e pode” vencer o mal.

Algo consolidado na teologia cris-tã, principalmente a revelação doamor, do agir e da graça de Deusem Cristo é que Deus não é o autordo mal e nem pode promover o mal.O caráter salvífico cristão aponta aimpossibilidade e a contradiçãoquanto a Deus ser responsável pelomal. Nesse sentido, Gomes sugereque abandonemos e rejeitemos res-postas fáceis ao problema do mal navida humana e na natureza, pois elas

Page 62: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

62

A

TE

OD

ICE

IA E

A T

EO

LO

GIA

CR

IST

Ã: O

MA

L N

A C

RIA

ÇÃ

OA

TE

OD

ICE

IA E

A T

EO

LO

GIA

CR

IST

Ã: O

MA

L N

A C

RIA

ÇÃ

OA

TE

OD

ICE

IA E

A T

EO

LO

GIA

CR

IST

Ã: O

MA

L N

A C

RIA

ÇÃ

OA

TE

OD

ICE

IA E

A T

EO

LO

GIA

CR

IST

Ã: O

MA

L N

A C

RIA

ÇÃ

OA

TE

OD

ICE

IA E

A T

EO

LO

GIA

CR

IST

Ã: O

MA

L N

A C

RIA

ÇÃ

OR

EG

INA

LD

O

VO

N

ZU

BE

NR

EG

INA

LD

O

VO

N

ZU

BE

NR

EG

INA

LD

O

VO

N

ZU

BE

NR

EG

INA

LD

O

VO

N

ZU

BE

NR

EG

INA

LD

O

VO

N

ZU

BE

NP

ÁG

INAS 50 A

65, 2011

podem se transformar em fonte deangústias, revoltas e amarguras paracom o próprio Deus. Por respostasfáceis e suas consequências, Gomes(2007, p. 51) que dizer:

Com respostas fáceis justifi-cou-se o sofrimento e o malcomo derrota do orgulho hu-mano, provação, permissão e/ou vontade divina, castigo ouretribuição, destino e fatalida-de ou mesmo um bem. Essasrespostas, além de contribuirpara a passividade dos que so-frem, alienando-os da luta con-tra o sofrimento e o mal quedeve ser erradicados, geraramem muitas pessoas revoltasexpressas ou reprimidas, en-venenando a relação comDeus ou engendrando rela-ções pouco sadias em nossa fé.

Para Gomes, as respostas fáceissão inadequadas a partir de uma sé-ria reflexão teológica a partir daperspectiva cristã e dos paradigmasdo mundo moderno. Além disso,representam, no parecer do referi-do autor, a força do hábito e da re-petição, a preguiça intelectual e aacomodação de uma imagem equi-vocada de Deus. Por isso, ele tam-bém sugere mudanças em nossasimagens de Deus, principalmente a

do Deus sádico e amante do sofri-mento e da religião do medo, do útile infantil (cf. 2007, p. 41-49).

Nesta mesma perspectiva se en-contra Queiruga ao afirmar a neces-sidade de libertarmos Deus de nos-sos mal entendidos (cf. 1999, p. 265-273), dentre eles: Deus não impõe,só ajuda; Deus não castiga, só per-doa. Com isso, ele mostra que Deusage não mediante a coação e simpela persuasão, ou seja, quer ajudaro ser humano a se libertar do mal edo sofrimentos possíveis. Da mes-ma forma, mostra que Deus não écondizente com a imagem de um juizterrível e culpabilizador, mas que agecom amor, justificando o pecador.

Moltmann é outro teólogo quetem contribuído para mudanças emnossa forma de conceber e imagi-nar Deus. Ele tem criticado veemen-temente a concepção grega do deusapático, imóvel e impassível, con-cepção presente na tradição cristã eque ainda é comum e presente noimaginário e nas doutrinas em nos-sos dias. Em vez disso, a partir dateologia da cruz e da ressurreição deCristo, ele propõe a ênfase no Deusapaixonado do Antigo e Novo Tes-tamentos.

No que diz respeito especifica-mente ao tema da teodiceia (Deusjusto ou a justiça de Deus no mun-

Page 63: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

63

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

do), Moltmann (2008, p. 75-76)oferece significativa contribuiçãosobre a concepção da justiça divinaao enfatizar que:

Julgar não tem nada a ver compunição, mas com osoerguimento da pessoa e suasalvação, com a colocação detodas as coisas em ordem [...].Somente quando conhece-mos essas representações do“sol da justiça” poderemosentender que, no Antigo Tes-tamento, o julgamento deDeus não precisa ser temido,mas sim saudado como a sal-vação para os seres humanose para a terra: “Ele julgará todaa terra com justiça”.

Diante destes breves apontamen-tos, percebemos que os temas dacruz e da ressurreição de Cristo têmsido referências importantes na aná-lise e reflexão teológica diante domal e do sofrimento no mundo. Opróprio Filho de Deus participa ple-namente da condição humana e pas-sa pela experiência da dor, do sofri-mento e da morte injusta, represen-tações do mal em seu contexto, as-sim como tantas outras em seu mi-nistério (pobres, enfermo, mulhe-res, publicanos e outros).

Jesus não apenas se faz solidário

em relação ao sofrimento humano,mas indica que o melhor caminhopara combater o mal no mundo sedá mediante a vivência e confiançana graça e no amor de Deus e, comofruto delas, a prática da justiça doReino e a solidariedade para com opróximo, principalmente os excluí-dos e marginalizados. Isto tambémé válido para o mal proveniente daprópria natureza, sendo este tam-bém reflexo do atual comportamen-to humano em relação ao meioambiente.

ConclusãoO tema da teodiceia continuará

chamando a atenção dos cristãos edas pessoas em geral. À medida queaumenta as constatações do mal edo sofrimento humano no mundo,crescerá o interesse pela teodiceia,pela compreensão e manifestação dajustiça, da onipotência e da bonda-de de Deus.

Uma das áreas que suscitaráatenção é a do mal na natureza. Asprevisões apontam problemas séri-os e graves à vida humana na Terraem decorrência da crise ecológica.Vários teólogos renomados, emnossos dias, já ofereceram significa-tivas contribuições sobre o assuntopor meio da chamada ecoteologia.

Page 64: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

64

A

TE

OD

ICE

IA E

A T

EO

LO

GIA

CR

IST

Ã: O

MA

L N

A C

RIA

ÇÃ

OA

TE

OD

ICE

IA E

A T

EO

LO

GIA

CR

IST

Ã: O

MA

L N

A C

RIA

ÇÃ

OA

TE

OD

ICE

IA E

A T

EO

LO

GIA

CR

IST

Ã: O

MA

L N

A C

RIA

ÇÃ

OA

TE

OD

ICE

IA E

A T

EO

LO

GIA

CR

IST

Ã: O

MA

L N

A C

RIA

ÇÃ

OA

TE

OD

ICE

IA E

A T

EO

LO

GIA

CR

IST

Ã: O

MA

L N

A C

RIA

ÇÃ

OR

EG

INA

LD

O

VO

N

ZU

BE

NR

EG

INA

LD

O

VO

N

ZU

BE

NR

EG

INA

LD

O

VO

N

ZU

BE

NR

EG

INA

LD

O

VO

N

ZU

BE

NR

EG

INA

LD

O

VO

N

ZU

BE

NP

ÁG

INAS 50 A

65, 2011

Até hoje não há, tanto na teologia como nafilosofia, uma explicação satisfatória econvincente para existência do mal. O malexiste no âmbito histórico, ele não tem umarealidade metafísica. Sendo assim, o serhumano deve se conscientizar e assumir suaculpa pelo mal natural, evitar o progressodeste mal até onde é possível e não seacomodar em meio aos privilégios einteresses capitalistas. Isso exige umcomportamento em correspondência com asações ecológicas, tão divulgadasatualmente.Portanto, considerando a teologia bíblica,como cristãos não devemos nos preocuparcom o mal em termos de origemontológica, mas sim com o que podemos edevemos fazer em relação a ele.

Page 65: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

65

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

Certamente, o interesse deles não éapenas tratar do tema teoricamen-te, mas contribuir para aconscientização cristã do que deve-mos e do que é possível fazermos,levando a igreja a ações práticas nes-te sentido. Não é agressivo afirmare reconhecer que na obra dos eco-logistas hoje se encontra a ação deDeus em favor do mundo, a fim deque ele seja mais justo, harmônicoe repleto da bondade divina.

Sendo assim, cada vez mais so-mos desafiados a aprofundar estetema, buscando oferecer contribui-ções que correspondam ao testemu-nho fiel das Escrituras, para o bem-estar humano e para a glória de Deus.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASREFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASREFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASREFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASREFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRAKEMEIER, G. O ser humano em busca de identidade. São Leopoldo/ S. Paulo: Sinodal/Paulus, 2002.GOMES, Paulo Roberto. O Deus im-potente. O sofrimento e o mal em confronto com a cruz. S.Paulo: Loyola, 2007.MOLTMANN, Jürgen. Vida, esperança e justiça. Um testemunho teológico para a AméricaLatina. São Bernardo do Campo: EDITEO, 2008.QUEIRUGA, Andrés Torres. Recuperar a criação. Por uma religião humanizadora. S. Paulo:Paulus, 1999.RUBIO, Alfonso García. Unidade na pluralidade. O ser humano à luz da fé e da reflexão cristã.S. Paulo: Paulus, 2001.

Lutar contra o mal eo sofrimento, visandosua superação nahistória, implica naresponsabilidadehumana. A revelação,a presença, asoberania e a graçade Deus nos dãocondições e nosconvocam a revertertoda situaçãopossível de pecado,de mal e desofrimento.

Page 66: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

66

O

T

EO

LO

T

EO

LO

T

EO

LO

T

EO

LO

T

EO

LOG

IA

MIS

SIO

NA

L

CIO

OG

IA

MIS

SIO

NA

L

CIO

OG

IA

MIS

SIO

NA

L

CIO

OG

IA

MIS

SIO

NA

L

CIO

OG

IA

MIS

SIO

NA

L

CIO

-AM

BIE

NT

-AM

BIE

NT

-AM

BIE

NT

-AM

BIE

NT

-AM

BIE

NTA

LA

LA

LA

LA

LT

IMÓ

TE

O

CA

RR

IKE

RT

IMÓ

TE

O

CA

RR

IKE

RT

IMÓ

TE

O

CA

RR

IKE

RT

IMÓ

TE

O

CA

RR

IKE

RT

IMÓ

TE

O

CA

RR

IKE

RP

ÁG

INAS 66 A

77, 2011

Teologia MissionalSócio-ambiental

Tim

óteo Carriker*

Tim

óteo Carriker*

Tim

óteo Carriker*

Tim

óteo Carriker*

Tim

óteo Carriker*

** ***** ***

*Timóteo Carriker é missionário da IgrejaPresbiteriana dos Estados Unidos (PCUSA) atuan-do como obreiro fraterno da Igreja PresbiterianaIndependente do Brasil (IPIB) nas áreas de mis-sões, educação teológica e educação cristã. Édoutor (PH.D.) em Estudos Intraculturais e temdiversos livros publicados.** Palestra proferida no Seminário Presbiteriano doSul, em Campinas, S. Paulo, em 16 de setembro de2010.

Introdução O tema, “teologia missional na

sociedade”**, refere-se ao alvo damissão ou da tarefa da igreja nomundo. Sua escolha já delimita oalvo, a humanidade, um pressu-posto que, apesar de comum, équestionável se considerarmos oinício, meio e fim da revelação deDeus nas Escrituras. É grande aluta da igreja para enquadrar a suaraison d’êntre (razão de ser) paraalém de si mesma. Tentar fazerisso tem sido a constante tarefada missiologia, ou da teologia

missional. Dentre uma minoria deigrejas que consegue pensar suavida ultrapassando seu estilo deculto, padrão de liderança e mo-delo de pastorado— coisas muitoimportantes— há igrejas que pro-curam se reconfigurar em termosda missão.

A “missão” no século XX, de-vido a fatores filosóficos e cultu-rais que não podemos tratar aqui,inicialmente foi quase sempre con-cebida em termos de evangelismoe acréscimo do número de parti-cipantes nas atividades da igreja.Isto em si também é bom, é muitobom. Analisando os mais que 150anos das igrejas evangélicas brasi-leiras, observamos que este concei-to da sua “missão” começa a seampliar primeiro na década de 60com o discurso da teologia da li-bertação, principalmente católicoe, nos anos 70 e 80, com o discur-

Page 67: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

67

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

so principalmente “evangelical” damissão integral e da missio Dei.

O que era bastante contestadonos anos 60 e 70 passou a ter mai-or aceitação nos anos 80 e 90 emdiversos ambientes evangélicos bra-sileiros, mesmo que a ficha não te-nha caído para alguns setores ain-da resistentes. A meu ver, as igre-jas e grupos cristãos mais saudáveissão aqueles que não abrem mão doculto vibrante que comunique, nemda paixão evangelística ou da com-paixão em demonstrar a misericór-dia de Deus para com os despreza-dos. O mesmo se dá com o zelopara ver uma sociedade cada vezmais justa.

Entretanto, a missão da igreja émais abrangente ainda. Ela inclui aredenção da própria criação e temcomo objetivo anunciar as boas no-vas diante de tudo que governa nos-so mundo físico e social. A Bíbliacomeça e termina com esta visão.Se prestarmos atenção, veremosque tanto as expressões de louvorque aparecem nas Escrituras quan-to as passagens chaves que falam damissão de Deus, nos desafiam a seros modelos de mordomos queDeus, quer que sejamos para toda acriação, nada mais nada menos.Logo, por razões teológicas, é impor-tante considerar a teologia missional

no contexto sócio-ambiental. Alémde outros motivos...

Consideremos o rumo para oqual o nosso mundo caminha. Pri-meiro, a população. No próximoano, a população mundial alcança-rá 7 bilhões de pessoas, apenas 12anos após atingir 6 bilhões. Vejamosa tabela abaixo:

O

TE

OL

O T

EO

LO

TE

OL

O T

EO

LO

TE

OLO

GIA

MIS

SIO

NA

L S

ÓC

IOO

GIA

MIS

SIO

NA

L S

ÓC

IOO

GIA

MIS

SIO

NA

L S

ÓC

IOO

GIA

MIS

SIO

NA

L S

ÓC

IOO

GIA

MIS

SIO

NA

L S

ÓC

IO-A

MB

IEN

T-A

MB

IEN

T-A

MB

IEN

T-A

MB

IEN

T-A

MB

IEN

TAL

AL

AL

AL

AL

Tim

óteo Carriker

Tim

óteo Carriker

Tim

óteo Carriker

Tim

óteo Carriker

Tim

óteo Carriker

RE

VIS

TR

EV

IST

RE

VIS

TR

EV

IST

RE

VIS

TA TE

OL

A TE

OL

A TE

OL

A TE

OL

A TE

OLO

GIA

E S

OC

IED

AD

E

OG

IA E

SO

CIE

DA

DE

O

GIA

E S

OC

IED

AD

E

OG

IA E

SO

CIE

DA

DE

O

GIA

E S

OC

IED

AD

E VV VVVol. 1

nº 8, outubro de 2

01

1, S

ão Pol. 1

nº 8, outubro de 2

01

1, S

ão Pol. 1

nº 8, outubro de 2

01

1, S

ão Pol. 1

nº 8, outubro de 2

01

1, S

ão Pol. 1

nº 8, outubro de 2

01

1, S

ão Pauloauloauloauloaulo, S

P, S

P, S

P, S

P, S

P P

ÁG

INA

S 6

6 A

77

GIN

AS

66

A 7

7 P

ÁG

INA

S 6

6 A

77

GIN

AS

66

A 7

7 P

ÁG

INA

S 6

6 A

77

Crescimento daCrescimento daCrescimento daCrescimento daCrescimento dapopulação mundialpopulação mundialpopulação mundialpopulação mundialpopulação mundial

População Ano Tempo para o

próximo bilhão

(em anos)

1 bilhão 1802 126

2 bilhões 1928 33

3 bilhões 1961 13

4 bilhões 1974 13

5 bilhões 1987 12

6 bilhões 1999 11

7 bilhões* 2010 16

8 bilhões* 2026 24

9 bilhões* 2050 20

10 bilhões* 2070 26

11 bilhões* 2096 não calculado

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/População_mundial

Ver também: http://www.pbs.org/wgbh/nova/worldbalance/numb-flash.html

Page 68: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

68

O

T

EO

LO

T

EO

LO

T

EO

LO

T

EO

LO

T

EO

LOG

IA

MIS

SIO

NA

L

CIO

OG

IA

MIS

SIO

NA

L

CIO

OG

IA

MIS

SIO

NA

L

CIO

OG

IA

MIS

SIO

NA

L

CIO

OG

IA

MIS

SIO

NA

L

CIO

-AM

BIE

NT

-AM

BIE

NT

-AM

BIE

NT

-AM

BIE

NT

-AM

BIE

NTA

LA

LA

LA

LA

LT

IMÓ

TE

O

CA

RR

IKE

RT

IMÓ

TE

O

CA

RR

IKE

RT

IMÓ

TE

O

CA

RR

IKE

RT

IMÓ

TE

O

CA

RR

IKE

RT

IMÓ

TE

O

CA

RR

IKE

RP

ÁG

INAS 66 A

77, 2011

Por sua vez, o Brasil deverá che-gar a 233 milhões em 2050. Este éo ano que os cientistas estabelece-ram como prazo para se criar omelhor dos mundos ou então assis-tir ao colapso do planeta. A revistaScientific American Brasil publicaneste mês, com exclusividade, odossiê “A Terra no limite”, produzi-do por diversos especialistas inter-nacionais (ver relação abaixo), quedão um recado incisivo: nossa era é“sui generis” e estamos numa encru-zilhada; dependendo de nossas açõesaté 2050, poderemos criar o melhordos mundos ou assistir ao planetaentrar em colapso. http://www.szpilman.com/noticias/futuro_do_planeta_terra.htm)

É certo que sempre haverá al-guns cientistas ou até grupos cientí-ficos que podem exagerar os dadospara alcançar seus objetivos pesso-ais e profissionais. Afinal, são gentetambém. Entretanto, isto gera des-confiança por parte da população,que não tem condições de interpre-tar esses dados. O fato é que há umenorme consenso na comunidadecientífica mundial quanto ao perigoque corre a biosfera devido a diver-sos fatores como o consumismodesenfreado de produtos nocivos,que aumenta geometricamentecom o crescimento populacional. A

igreja de Jesus Cristo hoje não pode,especialmente diante do papel bíbli-co que lhe é dado por Deus, deixarde atuar não só como mordomoem relação ao restante da populaçãohumana, mas especificamente comopovo de Deus, agente de redenção.

Da mesma forma como gasta-mos os últimos 50 anos procuran-do entender nossa missão em ter-mos da relação entre o papelevangelístico e o papel de agentes detransformação social - e o debatecontinua - acredito que nas próxi-mas décadas procuraremos enten-der como tudo isto se relaciona comuma possível missão socioam-biental. Este escrito faz parte do iní-cio desta reflexão.

Uma perspectivabíblica

Cristãos no mundo inteiro acre-ditam que a Bíblia é a Palavra deDeus e, por isso, nosso guia de fé eação no mundo. Entretanto, poucoatentamos para o fato de que a Bí-blia começa e termina com a cria-ção. Isto em si já deveria nos alertarpara a importância do assunto.

Quero explorar as implicaçõesdeste princípio e objetivo da respon-sabilidade cristã diante da criação.Veremos também que, no meio do

Page 69: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

69

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

grande relato da Bíblia sobre a sal-vação estão presentes a preocupa-ção de Deus e a responsabilidade doser humano assim como da igrejaem relação à sua criação. É umanarrativa comovente e desafiadora.E, se fizermos uma leitura cuidado-sa, perceberemos que a história temum final otimista! Estamos cami-nhando em direção a novos céus enova terra, para um mundo recria-do pelo próprio Deus, mas que nãodispensa o papel do ser humano e,de modo especial, dos cristãos, naredenção da criação.

Qual é o nosso papel, como se-res humanos e como igreja? Comodevemos exercê-lo diante dos desa-fios atuais? Em resposta sugerimos,ainda que em forma de esboço, cin-co proposições juntamente comsuas implicações.

O início em Deus CriadorHomo sapiens1 ou Homo dominator2

Proposição no. 1: Toda acriação pertence a Deus e emsua essência possui um valorético/estético: bom, muitobom (Dt 10.14; Sl 24.1; Jó41.11; Gn 1.4, 10, 13, 18,21, 25 em que a palavra“bom” se repete seis vezes).

1. A criação reflete uma caracterís-tica fundamental de Deus: é boa(Sl 19; 29; 50.6; 65; 104; 148; Jó12.7-9; At 14.17; 17.27; Rm1.20). Assim, o mesmo raciocí-nio que aparece em Pv 14.31 e17.5 pode ser aplicado àquelesque degradam a criação de Deus.

2. A “bondade” ou a “beleza” dacriação não deriva de nós, e sim,de Deus. Não é meramente parao nosso benefício (Sl 104.13-15), mas possui valor para Deus(v.21-26).

3. A criação, embora não divina, ésagrada, porque é criação deDeus, obedece a Deus, se subme-te a Deus, revela a glória de Deus,se beneficia da provisão e susten-tação de Deus e serve ao seus pro-pósitos. Embora não cultuemosa criação, uma vez que ela não édivina (Dt 4.15-20; Jó 31.26-28;Rm 1.25), reconhecemos que ésagrada. Existe para glorificar aDeus, como nós também existi-mos para glorificá-lo. Amar aDeus é valorizar o que Ele valo-riza e isto tem um imenso senti-do missionário (Jo 14.15 > Gn

1 Homem sábio ou homem conhecedor.2 Homem governador.

Page 70: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

70

O

T

EO

LO

T

EO

LO

T

EO

LO

T

EO

LO

T

EO

LOG

IA

MIS

SIO

NA

L

CIO

OG

IA

MIS

SIO

NA

L

CIO

OG

IA

MIS

SIO

NA

L

CIO

OG

IA

MIS

SIO

NA

L

CIO

OG

IA

MIS

SIO

NA

L

CIO

-AM

BIE

NT

-AM

BIE

NT

-AM

BIE

NT

-AM

BIE

NT

-AM

BIE

NTA

LA

LA

LA

LA

LT

IMÓ

TE

O

CA

RR

IKE

RT

IMÓ

TE

O

CA

RR

IKE

RT

IMÓ

TE

O

CA

RR

IKE

RT

IMÓ

TE

O

CA

RR

IKE

RT

IMÓ

TE

O

CA

RR

IKE

RP

ÁG

INAS 66 A

77, 2011

1.28 e 2.15). Se Deus se impor-ta conosco mais do que com ospassarinhos (Sl 84.3; Mt 6.26;10.31), isso demonstra que opassarinho é muito valorizado.

4. Toda a criação é palco da missãode Deus e da nossa missão. Per-tence a Javé (Sl 139) e pertencea Jesus (Ele aplica a si Dt 4.39;10.14,17 ; Mt 28.18; ver tambémCl 1.15-20).

5. A glória de Deus é o alvo da cria-ção (Sl 145.10,21; 148; 150.6).Não apenas a humanidade, mastoda a criação expressa a sua gra-tidão a Deus (Sl 104.27-28) e sealegrará na sua redenção e julga-mento (Sl 96.10-13; 98.7-9).

Proposição no. 2: Deus criou ahumanidade como espelhoseu. A humanidade do serhumano está neste reflexocriador, ordenador e cuidadorde Deus (Gn 1.28; 2.15).

1. O destino e o bem-estar da criaçãoestão entrelaçados com o destinohumano. O papel do ser humano,

homem e mulher juntos, está li-gado ao cuidado e à ordenaçãopró-ativos de todas as outras cria-turas (capítulo 1), o que exige co-nhecimento e “classificação” mi-nuciosa dos seres criados (capítu-lo 2). Em Gênesis 1, nasce o zeloe responsabilidade ecológicos doser humano. Em Gênesis 2, nascea ciência, que implica não só emconhecimento, mas também emresponsabilidade.

2. Duas palavras descrevem a in-cumbência humana em Gênesis1.28: “kâbað” (sujeitar) e “râdâ”(dominar). A primeira, “kâbað”,é usada em Miquéias 7.19 comoação compassiva de Deus de “su-jeitar as nossas iniquidades” (vejatambém “tágma” e “hupotássô”em 1Co15.25-28). A segunda,“râdâ”, é usada para descrever odomínio do rei messiânico (Sl72.8; 110.2; veja “basileúô” em1Co 15.25), modelo para os jus-tos (Sl 49.14, “o justo os domina-rá no amanhecer do Dia da Sal-vação” [tradução minha). Não sãotermos de violência3, e sim, de or-denação redentora. Seguimos omodelo do Rei Supremo que do-mina com compaixão, benignida-de, amor, proteção, generosida-de e bondade (Sl 104; Mt 6.26).

3 Contra a acusação do muito citado Lynn White, “TheHistorical Roots of Our Ecological Crisis” (As raízeshistóricas da nossa crise ecológica), Science 155 (1967),p. 1203-7.

Page 71: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

71

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

Estas duas incumbências essen-ciais da humanidade, “dominar”e “guardar”, são papéis reais e sa-cerdotais, governar e servir, quetêm Cristo como modelo perfei-to. Também são os papéisescatológicos da nova humanida-de restaurada no final (Ap 5.10).Logo, a boa ordenação (governo,domínio) e o cuidado prestativo(guardar, servir) é tanto o nossopropósito original quanto o nos-so destino último. Missão inte-gral não é integral se não inclui acriação toda.

3. Apesar das conseqüências terrí-veis e abrangentes do pecado, ahistória do dilúvio deixa claroque essa incumbência primordi-al continua em vigor (Gn 9.1-12). Portanto, assumimos a nos-sa humanidade legítima em par-te quando assumimos a “missãosócio-ambiental” da boa ordena-ção da humanidade dentro doseu meio ambiente. É importan-te esclarecer que tal missão nãovisa principalmente o benefíciodo ser humano, mas acima detudo, a glória de Deus manifestana beleza e no bem-estar de todaa criação (Gn 1.27-31; Sl 8, 104).Ser gente é ser agente no cuida-do da criação.

O meio em Cristo RedentorImago Christi

Proposição no. 3: Jesuscumpriu o seu papel emostrou aos seus seguidorescomo uma humanidaderenovada pode realizar a suamissão (Rm 4.12-21; 2Co5.17).

1. Temos uma missão realizável! Se,como seres humanos, fomos cri-ados à imagem e semelhança deDeus, como cristãos, somosexortados a ser imitadores deJesus (1Ts 1.6; cf. 1Co 11.1) e acrescer na “estatura da sua ple-nitude” (Ef 4.13). Ou seja, Jesusé o nosso referencial, o nossomodelo. Mais que isso, ele pos-sibilita seguirmos os seus passos,estar nele (2Co 5.17)!Perguntamo-nos, então: qual é arelação de Jesus com a criação?As Escrituras dizem que tudo foicriado por ele e para ele (Jo 1.1-5; Cl 1.16; Ef 1.9-10; Ap 3.14).E na cruz, ao reconciliar toda acriação, Jesus anunciou o evan-gelho a ela (Cl 1.23)!

2. Se somos seguidores de Jesus, nos-sa tarefa é contribuir para que acriação exista para Jesus. Isto sig-

Page 72: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

72

O

T

EO

LO

T

EO

LO

T

EO

LO

T

EO

LO

T

EO

LOG

IA

MIS

SIO

NA

L

CIO

OG

IA

MIS

SIO

NA

L

CIO

OG

IA

MIS

SIO

NA

L

CIO

OG

IA

MIS

SIO

NA

L

CIO

OG

IA

MIS

SIO

NA

L

CIO

-AM

BIE

NT

-AM

BIE

NT

-AM

BIE

NT

-AM

BIE

NT

-AM

BIE

NTA

LA

LA

LA

LA

LT

IMÓ

TE

O

CA

RR

IKE

RT

IMÓ

TE

O

CA

RR

IKE

RT

IMÓ

TE

O

CA

RR

IKE

RT

IMÓ

TE

O

CA

RR

IKE

RT

IMÓ

TE

O

CA

RR

IKE

RP

ÁG

INAS 66 A

77, 2011

nifica que: 1) agimos como Je-sus em relação à criação, e 2) anossa postura em relação à po-luição ambiental, aodesmatamento, ao aquecimentoglobal e muito mais, deve seraquela que agrade a Jesus e ohonre como criador de todas ascoisas. Lemos nos Evangelhosque o ministério de Jesus consis-tia em pregar, ensinar e curar. Oseu ministério de curaexemplifica a valorização da cri-ação (ver como Jesus lidava como vento, Lc 8.22-25; os peixes,Jo 21.6,11; um jumento, Lc13.15; as aves, Mt 6.26).

Por meio do Espírito LibertadorVivus Spiriti

Proposição no. 4: Seguidoresde Cristo são vivificadoscontinuamente para a missãopor meio do Espírito Santo,que é a primeira manifestaçãojá presente da promessa derestauração da criação.(Rm 8.19-25).

1. Os destinos da criação e do povode Deus andam juntos. Romanos8 diz que aqueles que são guia-dos pelo Espírito de Deus são fi-

lhos de Deus (v.14). Como fi-lhos, somos herdeiros de Deus eco-herdeiros com Cristo (v.17).Que herança é essa? Logo pen-samos em salvação, um lugar nocéu e por aí vamos. Mas o textobíblico responde de modo dife-rente. Fala de uma herança “glo-riosa”, sim (v.18), mas imediata-mente vincula-a à glória eterna,em contraste com o sofrimentoatual, com a sorte de toda a cria-ção (v.19-25)! A “liberdade” e a“glória” futura dos cristãos estãovinculadas àquelas da criação.Por quê? Talvez porque o cuida-do da criação é incumbência hu-mana desde o início e, por isso, éinseparável também do destinodos cristãos.

2. Enquanto a humanidade pecado-ra escolheu o “sofrimento” paraa criação, a nova humanidade,no Espírito, escolhe “libertação”.Por enquanto, participamos dasorte da criação porque simples-mente fazemos parte dela. Masnão é uma relação determinista,que não podemos mudar. Por umlado, podemos ser instrumentosde corrupção. De fato, pela in-trodução do pecado, os sereshumanos se tornaram, de longe,a principal causa dos problemas

Page 73: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

73

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

ambientais: desperdício,superexploração dos recursos na-turais, abandono de soluções jáexistentes, etc. Por outro lado, araça humana ainda tem o papelreservado ao mordomo que cui-da da criação. E a igreja, em par-ticular, os “filhos de Deus” (Rm8), têm a incumbência especial-mente importante de desencade-ar o elo para “libertar” a criação(“criação” e não “criatura”: é amesma palavra usada em 2Coríntios 5.17 para descrever onovo estado daqueles que estãoem Cristo).

3. Nesta passagem Paulo fala da gló-ria futura de tudo que Deus ha-via criado. Vem como clímax deuma reflexão sobre a pecamino-sidade humana (Rm 5-7) e a nos-sa transformação em Cristo Je-sus por meio do seu Espírito (ca-pítulo 8), o que redundará emsalvação, tanto para os judeusquanto para os não judeus (Rm9-11), isto é, aqueles que crêemem Jesus (Rm 10.9-13). E, aoconsiderar a extensão da trans-formação daqueles que são uni-dos a Cristo no capítulo 8, Pauloobserva que tal transformaçãoultrapassa a dimensão daquelaspessoas (seus desejos, suas espe-

ranças, seu comportamento), deforma a alcançar toda a criaçãode Deus.

Toda a criação um dia será “sal-va”, ou seja, renovada e recupera-da. Mas de acordo com Romanos8, esta redenção da criação só acon-tecerá depois da salvação dos segui-dores de Cristo. Por que? Porque,embora a redenção sempre venhaunicamente “de Deus”, o próprioDeus incumbe o seu povo de ser ins-trumento para anunciar tal reden-ção. Por isso, o povo de Deus, a igre-ja, tem importantíssimo papel naredenção da criação. Certamente,entre outras coisas, isto implica emum compromisso ativo com aquiloque os ecologistas chamam de “con-servação”. A palavra preferida dasEscrituras parece ser “redenção” ou“renovação”. Basicamente, o quePaulo escreve em Romanos 8 é o queo visionário João, no Livro deApocalipse, descreve como sendo onovo céu e a nova terra.

O propósito do Deus SoberanoMundus novus

Proposição no. 5: Deusestabelecerá um novo céu euma nova terra, que seevidenciarão pela justiça, paz

Page 74: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

74

O

T

EO

LO

T

EO

LO

T

EO

LO

T

EO

LO

T

EO

LOG

IA

MIS

SIO

NA

L

CIO

OG

IA

MIS

SIO

NA

L

CIO

OG

IA

MIS

SIO

NA

L

CIO

OG

IA

MIS

SIO

NA

L

CIO

OG

IA

MIS

SIO

NA

L

CIO

-AM

BIE

NT

-AM

BIE

NT

-AM

BIE

NT

-AM

BIE

NT

-AM

BIE

NTA

LA

LA

LA

LA

LT

IMÓ

TE

O

CA

RR

IKE

RT

IMÓ

TE

O

CA

RR

IKE

RT

IMÓ

TE

O

CA

RR

IKE

RT

IMÓ

TE

O

CA

RR

IKE

RT

IMÓ

TE

O

CA

RR

IKE

RP

ÁG

INAS 66 A

77, 2011

e compaixão por meio doRedentor Jesus. (Gn 9.9-11;Is 11.1-9; 35; 65-66[*65.17-25]; Ap 21.1-4)

1. Novo céu e nova terra pressupõemrenovação ao invés de aniquila-ção. A Bíblia diz que no final ve-remos novos céus e nova terra.É comum entender que, por se-rem “novos”, estes serão outroscéus e outra terra, e não terra ecéus renovados. Como serão en-tão, outros ou os mesmos, masrenovados? Esta pergunta é es-sencial para o empenho no cui-dado com a criação, porque, setudo vai se dissolver, por que per-der tempo com o a preocupaçãoecológica? Trata-se de uma dú-vida comum.

2. Julgamento e libertação são es-senciais ao governo de Deus, des-de o início até o fim. Em o NovoTestamento, a visão apocalípticada criação pressupõe não apenaso seu julgamento (2Pe 3.1-12),mas também e finalmente a suarenovação (2Pe 3.13; Ap 21).Como o ser humano (suas obras,

seu corpo) passará por julgamen-to e “fogo” (1Co 3.12-15), tam-bém a criação passará pelo fogodo julgamento.4 Porém, da mes-ma forma que ainda haverá al-guma continuidade entre os nos-sos corpos atuais e os corpos res-suscitados (1Co 15.35-58), as-sim também será com toda a cri-ação, da qual fazemos parte. Ouseja, como Deus havia prometi-do, após o dilúvio, nunca maishaverá tal destruição (Gn 9.15)!

A intenção de Deus é criar novocéu e nova terra, ou melhor, recriareste céu e esta terra, da mesma for-ma que cria uma nova humanidadecom os seguidores de Cristo, ou seja,Deus recria nossas próprias pesso-as como pessoas renovadas. Por estaanalogia, os céus e a terra (v. 7 e 12,isto é, o mundo físico), serãodestruídos e consumidos pelo fogo,da mesma forma que o mundo físi-co anteriormente foi destruído pe-las águas.

Com esta comparação somosobrigados a perguntar sobre o tipode “destruição” que haverá. Creioque podemos eliminar facilmentealguns “extremos”. Por um lado, taldestruição certamente não é aniqui-lação, obliteração, extinção totalpois depois do dilúvio, o mundo

4 Contra a acusação do muito citado Lynn White, “TheHistorical Roots of Our Ecological Crisis” (As raízes his-tóricas da nossa crise ecológica), Science 155 (1967), p.1203-7.

Page 75: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

75

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

Uma missiologia que leva asério o papel criador deDeus, que age dentro dahistória humana,compreenderá o seu destinotambém dentro de umahistória e de um mundoainda em construção. Nãofomos criados para fugirdeste mundo e do nossotempo, mas sim para atuarem favor de sua redenção.Mesmo uma leiturasuperficial das Escriturasdemonstra esta iniciativa epropósito de Deus nasatividades humanas.

Page 76: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

76

O

T

EO

LO

T

EO

LO

T

EO

LO

T

EO

LO

T

EO

LOG

IA

MIS

SIO

NA

L

CIO

OG

IA

MIS

SIO

NA

L

CIO

OG

IA

MIS

SIO

NA

L

CIO

OG

IA

MIS

SIO

NA

L

CIO

OG

IA

MIS

SIO

NA

L

CIO

-AM

BIE

NT

-AM

BIE

NT

-AM

BIE

NT

-AM

BIE

NT

-AM

BIE

NTA

LA

LA

LA

LA

LT

IMÓ

TE

O

CA

RR

IKE

RT

IMÓ

TE

O

CA

RR

IKE

RT

IMÓ

TE

O

CA

RR

IKE

RT

IMÓ

TE

O

CA

RR

IKE

RT

IMÓ

TE

O

CA

RR

IKE

RP

ÁG

INAS 66 A

77, 2011

continou a existir. Por outro lado,tal destruição não ocorreu sem dore sem prejuízo substancial. Portan-to, a destruição com o dilúvio e nomundo futuro envolve grande dano,mas não a inexistência. Como po-demos entender isso? Nas Escritu-ras, outros usos desta linguagemapontam para a ideia de purificaçãoe transformação, um processo do-loroso e abrangente. Veja-se porexemplo, Malaquias 3.1-4 e 1Coríntios 3.12-15, duas passagensque falam do “fim dos tempos”.

3. A nossa esperança é também“mundana” e “terrena”. Tudo issosignifica que a esperança da igre-ja não é uma esperança ultra-mundana e extra-histórica.5 Umamissiologia que leva a sério o pa-

pel criador de Deus, que age den-tro da história humana, compre-enderá o seu destino também den-tro de uma história e de um mun-do ainda em construção. Não fo-mos criados para fugir deste mun-do e do nosso tempo, mas simpara atuar em favor de sua reden-ção. Mesmo uma leitura superfi-cial das Escrituras demonstra estainiciativa e propósito de Deus nasatividades humanas.

A missão “integral” inclui não sóos diversos ministérios da igreja emrelação ao próximo, mas tambémintegra este mundo todo criado porDeus e esta história toda guiada porDeus. A escatologia da missão“integral”é uma escatologiaengajada no projeto de Deus para omundo que ele próprio criou e ain-da redimirá.6 Nesta reflexão somosforçados a optar por um lado, emfavor de uma escatologia reforma-da que avalia positivamente a açãode Deus em nossa história e em nos-so mundo, e em consequência, aviabilidade essencial da incumbên-cia missionária da igreja, e por ou-tro lado, em uma escatologia queavalia com pessimismo a viabilida-de de tal incumbência e a efetividadeda ação redentora de Deus em Je-sus Cristo dentro da nossa história

5 Ao contrário da interpretação superficial de 1 Coríntios15.19, que desconsidera que a passagem, toda ela de-pende da confiança na realização por Deus de algo queaconteceu em nossa história e em nosso mundo concre-tos: a ressurreição de Jesus por via de morte. Em 1Coríntios 15.19, Paulo denuncia a fé coríntia que tentaexcluir a morte nesta vida a favor de uma “ressurreição”já realizada em um plano espiritual e extra-terrestre,uma noção mais gnóstica que bíblica.6 Nesta reflexão somos forçados a optar por um lado,em favor de uma escatologia reformada que avalia po-sitivamente a ação de Deus em nossa história e emnosso mundo, e em consequência, a viabilidade essen-cial da incumbência missionária da igreja, e por outrolado, em uma escatologia que avalia com pessimismo aviabilidade de tal incumbência e a efetividade da açãoredentora de Deus em Jesus Cristo dentro da nossahistória e dentro do nosso mundo. É impossível abraçaras duas posturas simultaneamente.

Page 77: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

77

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

e dentro do nosso mundo. É impos-sível abraçar as duas posturas simul-taneamente.

4. Em Cristo somos “nova criação”(literalmente a frase usada em2Co 5.17, e não “novas criatu-ras”; ver também Gl 6.15), istoé, pessoas recriadas e renovadas,porém com os mesmos corpos.Novo homem não é outro ho-mem carnal. E o mesmo se apli-ca a toda a criação. Haverá umfinal feliz, do qual somos convi-dados a participar. Só que, pre-cisamos fazer a nossa parte, umaparte muito importante para arenovação da criação. É papel deDeus? Sem dúvida! Mas da mes-ma forma que Deus nos chamapara evangelizar e é Ele quemsalva, também nos chama pararenovar a criação, mas o autordo novo céu e nova terra é Ele.

ConclusãoA leitura cuidadosa das Escritu-

ras revela uma amplitude maior doque a que se quer admitir para aigreja. Nossa missão é do tamanho

do mundo e este é constituído portudo o que Deus criou, e certamen-te com a humanidade criada à suaimagem e semelhança. Além disto,a humanidade é parte integral detodo o mundo orgânico einorgânico, visível e invisível, no quala soberania do Criador será reco-nhecida amplamente e a sua glóriaencherá a terra como as águas co-brem o mar.

A vida da igreja não se reduz àalegria e ao bem-estar da comuni-dade da fé. A igreja não engajada emsua missão para e com o mundo, nãoimportando quão belo possa ser oseu culto ou quão dinâmica possaser a sua liderança, não é uma igrejadeficiente. Simplesmente não é igre-ja. Cada expressão local da igrejaprecisa, com o discernimento doEspírito, manifestar esta missão emtermos de evangelismo, transforma-ção social e mordomia para com acriação. Entretanto, cada dimensãodesta expressão é importante. Afi-nal, a nossa missão ésocioambiental: abrange a humani-dade e o seu ambiente em todas assuas dimensões.

Page 78: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

78

A

ÁG

UA

ÁG

UA

ÁG

UA

ÁG

UA

ÁG

UA

, A T

ER

RA

, PA

, A T

ER

RA

, PA

, A T

ER

RA

, PA

, A T

ER

RA

, PA

, A T

ER

RA

, PA

RA

ÍSO

E IN

FE

RN

O E

CO

GIC

OS

AR

AÍS

O E

INF

ER

NO

EC

OL

ÓG

ICO

SA

RA

ÍSO

E IN

FE

RN

O E

CO

GIC

OS

AR

AÍS

O E

INF

ER

NO

EC

OL

ÓG

ICO

SA

RA

ÍSO

E IN

FE

RN

O E

CO

GIC

OS

DE

RV

AL

D

AS

ILIO

DE

RV

AL

D

AS

ILIO

DE

RV

AL

D

AS

ILIO

DE

RV

AL

D

AS

ILIO

DE

RV

AL

D

AS

ILIO

PÁG

INAS 78 A

95, 2011

A água, a terra, paraíso einferno ecológicos

Der

Der

Der

Der

Derval

Dasilio*

val D

asilio*val

Dasilio*

val D

asilio*val

Dasilio*

*Pastor, e professor no CFT-RS (Centro de FormaçãoTeológica Richard Shaull, Vitória, ES, IgrejaPresbiteriana Unida do Brasil).

A linguagem das águas nãosão metáforas, mas uma lingua-gem poética direta que os regatose rios sonorizam com estranhafidelidade e paisagens mudas.As águas ruidosas ensinam os

pássaros e os homens a cantar, afalar, a repetir, que há uma

continuidade entre a palavra daágua e a palavra humana.

(Gaston Bachelard)

No princípio, a terra era semforma e vazia, as trevas cobriam

o abismo, e um sopro de Deusagitava a superfície das águas.

(Gn 1.1)

Através da história de antigascomunidades que formaram opovo de Israel, Deus revelou o seuprojeto de vida e amor para omundo inteiro. Por isso, o quemais chama a atenção na Bíblia écomo Deus escolheu pessoas ecomunidades empobrecidas eoprimidas para nelas revelar a for-ça do seu amor maternal. Nesseespírito, a primeira página da Bí-blia conta que Deus criou o céu ea terra. O ouvinte ao qual se des-tina a narrativa é o israelita exila-do, estrangeiro, pobre e excluídoda cultura econômica dominante.

Em sua história, a primeira coi-sa que os israelitas aprenderam so-bre Deus foi que ele é libertador.Foi para salientar que Deus é ca-paz de libertar os seus da escravi-dão que os profetas e profetisasanunciaram: “Ele pode nos liber-tar, já que nos criou” (Cf. Is 40 e41). O primeiro capítulo do

Page 79: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

79

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

A

ÁG

UA

ÁG

UA

ÁG

UA

ÁG

UA

ÁG

UA

, A T

ER

RA

, PA

, A T

ER

RA

, PA

, A T

ER

RA

, PA

, A T

ER

RA

, PA

, A T

ER

RA

, PA

RA

ÍSO

E IN

FE

RN

O E

CO

GIC

OS

AR

AÍS

O E

INF

ER

NO

EC

OL

ÓG

ICO

SA

RA

ÍSO

E IN

FE

RN

O E

CO

GIC

OS

AR

AÍS

O E

INF

ER

NO

EC

OL

ÓG

ICO

SA

RA

ÍSO

E IN

FE

RN

O E

CO

GIC

OS

Der

Der

Der

Der

Derval

Dasilio

val D

asilioval

Dasilio

val D

asilioval

Dasilio

RE

VIS

TR

EV

IST

RE

VIS

TR

EV

IST

RE

VIS

TA TE

OL

A TE

OL

A TE

OL

A TE

OL

A TE

OLO

GIA

E S

OC

IED

AD

E

OG

IA E

SO

CIE

DA

DE

O

GIA

E S

OC

IED

AD

E

OG

IA E

SO

CIE

DA

DE

O

GIA

E S

OC

IED

AD

E VV VVVol. 1

nº 8, outubro de 2

01

1, S

ão Pol. 1

nº 8, outubro de 2

01

1, S

ão Pol. 1

nº 8, outubro de 2

01

1, S

ão Pol. 1

nº 8, outubro de 2

01

1, S

ão Pol. 1

nº 8, outubro de 2

01

1, S

ão Pauloauloauloauloaulo, S

P, S

P, S

P, S

P, S

P P

ÁG

INA

S 7

8 A

95

GIN

AS

78

A 9

5 P

ÁG

INA

S 7

8 A

95

GIN

AS

78

A 9

5 P

ÁG

INA

S 7

8 A

95

Gênesis foi escrito para trabalhado-res agrícolas e pastoris, artesãos,deportados na Babilônia (século VIantes de Cristo). O relato é releiturade uma narrativa mais antiga e teriasido reunido por grupos de escribassacerdotais para comunidades queviviam na terra árida da Judeia, an-tes do exílio:

“Eis a origem dos céus e da ter-ra. No dia em que o Senhor Deusfez a terra e os céus, não havia aindana terra nenhuma planta do campo,nenhuma erva do campo tinha bro-tado, porque o Senhor Deus não ti-nha feito chover sobre a terra, nemhavia ninguém para lavrar a terra.Entretanto, um vapor (de água) su-bia do solo e regava toda a face daterra. E Deus formou a humanida-de do pó da terra. Soprou-lhe nasnarinas o espírito (hálito ou fôlego)da vida e o ser humano tornou-sealma vivente. Então, o Senhor Deusplantou um jardim, da banda do ori-ente, no Éden; e pôs ali a humani-dade que tinha formado. E o SenhorDeus fez brotar da terra toda quali-dade de árvores agradáveis à vista eboas para comida, bem como a ár-vore da vida no meio do jardim, e aárvore do conhecimento do bem edo mal. Do Éden saiu um rio pararegar o jardim; e dali se dividia e setornava em quatro braços. (...) O

Senhor Deus tomou a humanidadee a pôs no jardim do Éden para la-vrar e guardar (o jardim)” (Cf. Gn2.1-10.15).

Nesta tradução parafraseada, emque acompanhamos o estilohebraico para se referir à Humani-dade e à Criação por inteiro(Shöekel), a referência é que o ho-mem, numa visão menos pessimis-ta sobre o “pecado de origem”, deveresponder perante Deus pela guar-da dos bens naturais no mundo cri-ado. Essa narrativa da criação pro-vém de comunidades que viviam emregiões áridas e para elas, a primei-ra obra de Deus foi garantir a chu-va sobre a terra para irrigar umaregião quase desértica.

O fato do rio que descia do para-íso dividir-se em quatro braços éuma alusão aos quatro pontos car-deais. É a água irrigando toda a ter-ra e tornando-a fecunda, criativa.Em uma região árida, cada fonte,cada olho d’água, cada poço, é qua-se um milagre. Toda fonte é sinalmarcante da bênção divina, um pre-sente do amor sobrenatural.

Na antiguidade remota, o povovenerava as fontes como algo divino.Cada fonte tinha um espírito divinoque garantia características própriasao povo que dela se beneficiava e quepodia ser ali adorado (Marcelo Bar-

Page 80: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

80

A

ÁG

UA

ÁG

UA

ÁG

UA

ÁG

UA

ÁG

UA

, A T

ER

RA

, PA

, A T

ER

RA

, PA

, A T

ER

RA

, PA

, A T

ER

RA

, PA

, A T

ER

RA

, PA

RA

ÍSO

E IN

FE

RN

O E

CO

GIC

OS

AR

AÍS

O E

INF

ER

NO

EC

OL

ÓG

ICO

SA

RA

ÍSO

E IN

FE

RN

O E

CO

GIC

OS

AR

AÍS

O E

INF

ER

NO

EC

OL

ÓG

ICO

SA

RA

ÍSO

E IN

FE

RN

O E

CO

GIC

OS

DE

RV

AL

D

AS

ILIO

DE

RV

AL

D

AS

ILIO

DE

RV

AL

D

AS

ILIO

DE

RV

AL

D

AS

ILIO

DE

RV

AL

D

AS

ILIO

PÁG

INAS 78 A

95, 2011

ros, 2003). Na Bíblia, a primeira ima-gem do Espírito de Deus é a da “ven-tania divina” (rûah) soprando sobreas águas primordiais do cosmos (Gn1.1) e que se pode experimentarcomo ensina a canção: “... o ventovira e, do vendaval, /Surge o ventobravo... / Como um sangue novo, /Como um grito no ar / Correntezade rio / Que não vai se acalmar.../Não vai se acalmar!” (Edu Lobo). Aágua movimentada, isto é, com espí-rito, sopro, ventania, é água viva esanta. Toda fonte é sagrada.

A divindade daságuas

No início, os israelitas acredita-vam na divindade das águas, mas osprofetas da Bíblia nunca disseram:“a água é uma divindade”. Muitostextos bíblicos falam da água comolugar de forte manifestação divina:“Tu, Senhor, és para nós fonte deágua viva” (Jr 2). Imaginemos ca-boclos ribeirinhos da Amazônia, oudo estuário do rio São Francisco,lendo os textos originais do Gênesis,interpretando-os de acordo com seumodo peculiar de vida, desde a he-rança pré-colombiana.

Teria origem aqui a oposição doser humano à Natureza na civiliza-ção judaico-cristã? No afã de do-

minar as águas, construir represase produzir energia industrial,dessacralizando a natureza estarialocalizada uma índole hermenêuticade destruição, necessária para umcerto “desenvolvimento”? Desde asprimeiras incursões exploradorasdo Novo Mundo, a resposta é afir-mativa (Darcy Ribeiro, 2007).

Contrariando essa índole, noscomentários da Torah, o primeiro emais frequente símbolo da Palavrade Deus é a Água. A Bíblia e a tradi-ção judaica, sob a geografiamesopotâmica e palestina (MarioLiverani, 2008), associam continu-amente a Água à Lei de Deus e aoconhecimento da sua Palavra. Opovo bíblico fez da água um símbo-lo para a sua oração, de modo maissignificativo que outros povos: “Talqual o cervo brama pelas águas cor-rentes, minh’alma anseia por ti, óDeus!” (Sl 42.1). Inúmeros salmosassociam a água à Palavra de Deuse a sede ao desejo de intimidade comEle. O rito de lavar as mãos está as-sociado à purificação interior assimcomo o mergulhar em uma vidanova. Também os profetas anuncia-ram o Messias de Deus como fontede águas vivas (Zc 14.9).

Entendia-se que a água como ele-mento divino poderia ser benéfica,mas havia o perigo das “águas des-

Page 81: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

81

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

truidoras”, que transmitem algummal. As águas, tanto “de baixo”, quevêm da terra como “do alto” quedescem da chuva, são águas boas,em oposição às águas do mar e doabismo que são “más”. Estas fontesfazem parte da promessa de Deuspara o seu povo: “O Senhor teuDeus te fará entrar em um bompaís, uma terra cheia de torrentes,de fontes e de águas subterrâneasque jorram na planície e na monta-nha...” (Dt 8.7-8).

O poço, escavado para encontrarágua, é algum lençol, uma fonte sub-terrânea, água que se busca paradessedentar pessoas e animais. Aanalogia sálmica confirma: “sonda-me ó Deus, e conhece o meu cora-ção” (Sl 139.23). Por compreende-rem os poços como sinais da pre-sença de Yahweh no meio do povo,os patriarcas faziam deles lugaresdas alianças seladas em nome deDeus. Era em redor dos poços quese acertavam os casamentos.Matriarcas de Israel casaram-se porcausa de “um poço”: Rebeca foi pe-dida em casamento por Isaac nabeira de um poço (Gn 24.11ss); aíRaquel conheceu seu marido Jacó(Gn 24.15-22). Também Séforaconheceu Moisés e começou umromance com ele à beira de umpoço (Ex 2.16ss). Conforme a Bí-

blia Hebraica, Yahweh fez uma ali-ança de proteção e amor com o povoárabe à beira de um poço. E a tradi-ção deste poço é venerada pelos ju-deus, pelos cristãos e pelos islamitasaté os dias de hoje.

Jesus bebeu do poçode Abraão

Conforme o Evangelho de João,na beira do poço, a samaritana diz aJesus: “Serias maior do que o nossopatriarca Jacó que nos deu esse poçodo qual ele mesmo bebeu, assimcomo seus filhos e seus rebanhos?”(Jo 4.12) Provavelmente, ela se re-feria a uma tradição judaica quecomentava o texto do Gênesis26.15-22. Contava que Jacó, notempo em que partiu de Beershéba,tinha feito cinco milagres. “O quar-to desses milagres foi que a águajorrou e o poço transbordou, conti-nuando assim, por todo o tempo emque o patriarca esteve em Haran”.

O motor da vida é a esperançade um mundo transformado, a uto-pia, o futuro que desejamos. Tudodepende de nossa visão e do sonho.Se nossa vista capta somente o queé imediato e rasteiro ou se não écapaz de penetrar na realidade dapromessa divina para descobrir queali há algo de profundo e elevado

Page 82: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

82

A

ÁG

UA

ÁG

UA

ÁG

UA

ÁG

UA

ÁG

UA

, A T

ER

RA

, PA

, A T

ER

RA

, PA

, A T

ER

RA

, PA

, A T

ER

RA

, PA

, A T

ER

RA

, PA

RA

ÍSO

E IN

FE

RN

O E

CO

GIC

OS

AR

AÍS

O E

INF

ER

NO

EC

OL

ÓG

ICO

SA

RA

ÍSO

E IN

FE

RN

O E

CO

GIC

OS

AR

AÍS

O E

INF

ER

NO

EC

OL

ÓG

ICO

SA

RA

ÍSO

E IN

FE

RN

O E

CO

GIC

OS

DE

RV

AL

D

AS

ILIO

DE

RV

AL

D

AS

ILIO

DE

RV

AL

D

AS

ILIO

DE

RV

AL

D

AS

ILIO

DE

RV

AL

D

AS

ILIO

PÁG

INAS 78 A

95, 2011

(esperança!), pouco entendemos daBíblia. Abraão é a figura que melhorexpressa a fé no Primeiro Testamen-to, assim como Hebreus 11, a ex-pressa no Segundo. Deixar tudo eir em busca da “terra que eu (ain-da) te mostrarei”, sem segurança econfiando apenas na Palavra deDeus constitui a relação que o Evan-gelho estabelece entre fé e novo nas-cimento.

Como símbolo “de um novo co-meço” para tornar a fé mais rele-vante para a nossa vida hoje, o textoremete ao “pai dos que têm fé” eesperam ver realidades transforma-das. As três religiões “abraâmicas”,judaísmo, cristianismo e islamismo,nos remetem também ao “pai doscrentes”, Abraão. A partir delepode-se ter uma relação que mos-tre religiões irmãs que dialogam,colaboram entre si e se amam, nosentido da transformação do mun-do violento em uma proposta de paz(Gn 12.1-4a).

Jesus, a água e o serem mudança profunda

O diálogo de Jesus comNicodemos altera a lógica comumdo evangelho (João 3): diálogo e tes-temunho. Nicodemos respeita Jesus,mas se acha dependente de uma fé

que procura milagres, que exige si-nais. Jesus entretanto propõe umamudança radical e uma renovaçãoda fé: começar tudo do zero! Donada. Desaprender formulaçõesmuitas vezes estéreis do catecismo!Nascer de novo. Abraçar uma na-tureza nova (natus, no latim). Otema se desloca para a “razão” eNicodemos quer conversarlogicamente estando em pauta a“gnosis”, conhecimento humano.

Salvação pelo conhecimento?Não é possível, diria Jesus. É precisodesmontar a doutrina vigente, racio-nalizada, parafuso por parafuso econstruir tudo de outra maneira. ODeus de Jesus está sempre fora dolugar onde queremos encontrá-lo (u-topos). Ele habita nos sonhos de li-berdade e convive com os que ima-ginam ser possível um mundo novo.

Jesus responde rigorosamente àobjeção de Nicodemos com algototalmente comum em tantas cul-turas: a Água. E o seio materno éfonte de vida, água batismal. Porém,água fecundada pelo Espírito, nosescritos bíblicos. A figura do ventrematerno, também comum noutrasculturas, na tradição bíblica evoca-rá a feminilidade criadora da mu-lher (no Gênesis, o Espírito é “rûah”,que no hebraico é uma palavra fe-minina; o ventre criador de Deus

Page 83: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

83

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

tem atributos femininos e mater-nais). Também a mulher que gera écomo um poço ou manancial (Pv5.15 e 18; Cantares 4.12 e 15). Afunção do Espírito (rûah) é essenci-al, justifica o paralelismo água/es-pírito/fertilidade. Desde o Êxodo,ainda no exílio, a função “principial”do Espírito é uma indicação de li-berdade criadora.

A terra: primeirosmomentos na Bíblia

hebraica“Deus criou o céu e a terra” (Gn

1.1), assim a Bíblia Hebraica abresuas páginas e as expressões sãocontundentes: origem da vida, pri-meiro o céu e depois a terra em umaperspectiva aparentemente hierár-quica apontando para o que vem“do alto”. Ou seja, Yahweh, Deus,que através de sua Palavra (dabar)tudo realiza no cosmo inteiro. Noentanto, mais adiante, a ordem semodifica para assinalar que “YahwehDeus criou a terra e os céus” (Gn2.4b). Outra vertente em uma novainterpretação da vida mostra tudovem da Terra, brota “de baixo”.“Adamah”, a terra, é a mãe de“Adam”. Terra e Humanidade sefundem. Os termos que incluem osseres sexuados virão depois, dentro

do mesmo capítulo (Gn 2): Ao ladode “ish”, ser-masculino, o ser-femi-nino “ishah”, homem e mulher “ladoa lado” (selah). Do ventre da Terranasce a humanidade.

Esta é a história, orientada paraa salvação, ou promessa de salva-ção, em todo o seu desenvolvimen-to, desdobrada incessantemente naBíblia. A terra é um tema recorren-te não só como cenário de salvação.É o “locus teologicus” da ação deDeus em favor do ser criado e vaidesdobrar no chamado à colabora-ção da parte do povo eleito. O con-teúdo das promessas de Deus estánas respostas às lutas deste povocontra as forças destruidoras damorte. No AT, a aliança com Deusacarreta a dádiva e a conquista da“terra que mana leite e mel” (Ex3.17). O Povo de Deus não poderealizar nem ver realizadas as pro-messas, se não acontecerem na Ter-ra Prometida.

Com o livro do Apocalipse, noNovo Testamento, ao final de tudo,temos o estabelecimento de “novoscéus e da nova terra [...]; sim, ve-nho muito em breve” (Ap 21.1;22.20), chamando a atenção para osfundamentos “realizáveis” da espe-rança política, ambiental, ecológica,auto-sustentação definitiva einarredável, como o triunfo defini-

Page 84: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

84

A

ÁG

UA

ÁG

UA

ÁG

UA

ÁG

UA

ÁG

UA

, A T

ER

RA

, PA

, A T

ER

RA

, PA

, A T

ER

RA

, PA

, A T

ER

RA

, PA

, A T

ER

RA

, PA

RA

ÍSO

E IN

FE

RN

O E

CO

GIC

OS

AR

AÍS

O E

INF

ER

NO

EC

OL

ÓG

ICO

SA

RA

ÍSO

E IN

FE

RN

O E

CO

GIC

OS

AR

AÍS

O E

INF

ER

NO

EC

OL

ÓG

ICO

SA

RA

ÍSO

E IN

FE

RN

O E

CO

GIC

OS

DE

RV

AL

D

AS

ILIO

DE

RV

AL

D

AS

ILIO

DE

RV

AL

D

AS

ILIO

DE

RV

AL

D

AS

ILIO

DE

RV

AL

D

AS

ILIO

PÁG

INAS 78 A

95, 2011

tivo do projeto do reinado de Deus.Na terra, prevalece a vida e cessamos poderes alienantes da morte, daopressão, da injustiça, do cercea-mento da liberdade em todos os ní-veis [consenso inevitável entre es-pecialistas notórios como Von Rad,Conzelman, Noth, Westermann,Rolf Rendtorff.

No plano divino, a terra tem afinalidade de ser fecunda e produzirpara os demais seres vivos (Gn1.24). Nos salmos, afirma-se que aterra proclama constantemente – àsvezes de maneira estrondosa, outrasvezes sem voz alguma – a grandezade Deus ( Sl 19.4). Por causa davinculação profunda com Deus,pode-se dizer: “de Yahweh é a terrae o que nela existe [...]; ele fundou-a sobre os mares e formou-a sobreos rios” (Sl 95).

O ser humano é formado porDeus “com adamáh, terra fecunda”(Gn 1.7). Por isso, o primeiro serhumano se chama “Adám”, porqueé filho de “Adamáh”, a Terra Fecun-da. Ele é a síntese da Terra e do Céu,feito de terra fecunda, tendo rece-bido como ser humano, o sopro ouhálito de Deus. Vida. Ele é chama-do, por isso mesmo, a ser fecundo ea encher a terra de vida (Gn 1.28).

Mas, há um acidente nesse per-curso: a terra é amaldiçoada por

causa do pecado, torna-se estéril eagressiva contra seu filho Adão (Gn3.17). Quando a humanidade se can-sa com trabalho e não obtém o fru-to do mesmo, há sinal de pecado.Por causa do pecado, a violência éintroduzida, a ganância de Caimleva-o ao assassinato do irmão, Abel.O sangue do justo derramado cla-ma a Deus a partir da terra (Gn4.10). O texto informa que a terrareclama justiça por causa do assas-sinato de seus filhos.

A experiência de Deus na BíbliaHebraica recorda a origemprimigênia quando Jó lança terrasobre seu corpo em sinal de conver-são (Jó 2.12; 1.20). A grandeza e ahumildade humanas procedem dofato de que “da terra saímos e paraela voltaremos” (Gn 3.19). É a ter-ra que dá vida e identidade a cadaporção da humanidade e a todos ospovos (Gn 10.32).

A terra nas narrativasneotestamentárias

No NT, Jesus nasce trazendo“glória a Deus nos céus e paz aoshomens na terra” (Lc 2.14). Ele éidentificado por sua terra de origem:chamam-no de Jesus de Nazarécomo honra e vitupério (Lc 2.32;4.16; Jo 1.42). Ele vai ao deserto e

Page 85: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

85

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

convoca os pobres da terra (Mc1.39; 4.1), que são as ovelhas perdi-das de Israel (Mt 15.24). Então pro-clama que deles é o Reino dos céuse que herdarão a terra (Mt 5.4);conectando sua proposta nova como jubileu antigo, Jesus inaugura oano da graça como libertação dospobres e também como descanso daterra e retorno dela a seus donos le-gítimos (Lc 4.18 ss; Is 61.7). Ele en-sina seus discípulos a orar, pedindoque se faça a vontade Deus assim naterra como no céu (Mt 6.10). E, lan-çando mão de elementos da terra –faz lama com sua saliva – para curaras enfermidades o povo (Jo 9.6).

Pode-se concluir que, do princí-pio ao fim, a terra aparece na vida epregação de Jesus, ocupando umespaço muito grande em seu pensa-mento, palavras e ações. A terra é arazão de ser de sua identidade cul-tural e religiosa; é recurso pedagó-gico constante para seusensinamentos; também é conteúdode fundo de sua proposta de vida emabundância, para que se façam rea-lidade esse “céu novo e essa terranova”, essa “terra sem males”.

As igrejas de Jerusalém,Antioquia, Éfeso, Corinto,Tessalônica... todas vêem Jesuscomo a Palavra que veio ao mundo,como o Logos que colocou sua mo-

rada na terra (Jo 1.10,14). Sabe-mos que as primeiras comunidadescristãs eram reconhecidas pela ter-ra em que estavam assentadas. Osrelatos paulinos dizem imediata-mente: “Foi ele quem reconcilioutodas as coisas do céu e da terra (Cl1.20), tornando-se cabeça de tudo(Ef 1.10). Por sua encarnação e res-surreição, ele é o primogênito detoda a criação (Cl 1.15; Ap 1.5). Porele a terra sofre dores de parto atéque se manifeste nela o HomemPerfeito (Rm 8.22). A obra reden-tora de Cristo culmina nos “novoscéus e na nova terra” (Ap 21.1).

A terra, como semeadouro ouhorto, é um recurso pedagógicomuito frequente nos discursos deJesus (cf. Lc 8.5-8; Mc 4.1-9). As-sim como a terra, bem ou mal pre-parada, que dá maior ou menorfecundidade à semente espalhadasobre ela, também o coração huma-no torna fecunda a Palavra de Deusao aderir à proposta do Reino, pro-clamado por Jesus (cf. Lc 8.11-15).Ao defender uma mulher acusadade adultério, Jesus escreve na terraas poucas coisas que sabemos queregistrou por escrito (Jo 8.6) e de-pois de sua morte na cruz, seu cor-po é posto sobre a terra em um se-pulcro novo (Jo 19.42; Lc 23.54; Mc15.46; Mt 27.60). O projeto

Page 86: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

86

A

ÁG

UA

ÁG

UA

ÁG

UA

ÁG

UA

ÁG

UA

, A T

ER

RA

, PA

, A T

ER

RA

, PA

, A T

ER

RA

, PA

, A T

ER

RA

, PA

, A T

ER

RA

, PA

RA

ÍSO

E IN

FE

RN

O E

CO

GIC

OS

AR

AÍS

O E

INF

ER

NO

EC

OL

ÓG

ICO

SA

RA

ÍSO

E IN

FE

RN

O E

CO

GIC

OS

AR

AÍS

O E

INF

ER

NO

EC

OL

ÓG

ICO

SA

RA

ÍSO

E IN

FE

RN

O E

CO

GIC

OS

DE

RV

AL

D

AS

ILIO

DE

RV

AL

D

AS

ILIO

DE

RV

AL

D

AS

ILIO

DE

RV

AL

D

AS

ILIO

DE

RV

AL

D

AS

ILIO

PÁG

INAS 78 A

95, 2011

evangelizador de Jesus se realiza jus-tamente em todo o mundo (a Ter-ra, o Universo) e em todos os po-vos (cf. Mt 28).

A filosofia grega (maniqueísta eneoplatônica) introduziu na Igreja aoposição irreconciliável de Céu eTerra, espírito e matéria, Deus emundo, impulsionando umaespiritualidade para aspirar aos bensdo céu, não aos bens da terra. Pro-fundamente dualista, ela foi influen-ciada pela concepção iraniana absor-vida pelo helenismo. Depois dosdois primeiros séculos de cristianis-mo, a ocidentalização mediterrânicase completaria e se estenderia Ida-de Média afora, até a conquista doNovo Mundo, preparando amodernidade racionalista. Nessaperspectiva, a terra não faz parte doPlano de Deus.

A catequese existente mostradesinteresse pela Terra, enquantoconquistadores poderosos se apode-ravam dela, abusam e violentamseus recursos ao introduzir o traba-lho escravo. O camponês acredita-va que dela poderia usufruir, mas otrabalho por dominá-la resultavaem um “sofrimento” contínuo. Porisso, a Terra não é mais do que um“vale de lágrimas”, um lugar de pas-sagem para o céu, um cárcere deque devemos nos livrar para alcan-

çar a perfeição. Daí surgiu a ideiade escapar do mundo. As ordensmonásticas e os anacoretas repre-sentam essa dicotomia. A Terra erainimiga do Céu, adversária da per-feição cristã e, portanto dela deve-se fugir, assim como das exigênciasdo corpo, ignorando a história (Má-rio Péres Pérez, 2011).

Esta tendência dualista/maniqueísta, associada aos meiosde produção econômica que levamà transformação da história, provo-cou a devastação da Terra. A liber-tação da Humanidade, portanto,exige a libertação da Terra oprimi-da pela degradação ambiental e peladepreciação mental histórica no cris-tianismo. A Terra sofre a opressãodo próprio homem.

A terra namodernidade

Descobertas de Galileu (1564),através de lentes telescópicas pre-cárias, compartilhadas por NicolauCopérnico (1473) sob ameaças dasfogueiras da Inquisição, favorecema concepção de amplitude do Uni-verso. Elas ainda hoje perturbamcom as visões de um telescópio es-pacial como o Hubble. E chegam asperguntas sobre modernidade (pós-modernidade é um mito!), ecologia

Page 87: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

87

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

e sustentabilidade. Giordano Bruno(1548) – sacrificado como herético– e Kepler (1571) também fizeramsuas observações. Pensadores “pe-rigosos” à fé escolástica, fonte dofundamentalismo moderno, desco-briram que é preciso pensar sobreo Universo de outra maneira, paraalém de um universo ridiculamenteínfimo, limitado, como está sendodemonstrado pela astrofísica recen-te. O universo não mais correspondeao pluriverso. O conceito de infini-to na comunidade científica pertur-ba o mundo religioso fechado edogmático, realçando a enormegrandeza da criação.

Porém, há medo no planeta.Desequilíbrios industriais, aumentoda temperatura, bactérias podero-sas aparecem e não podem ser con-troladas, doenças incuráveis, epide-mias cíclicas. O planeta descobre-se como um imenso depósito delixo, dejetos e resíduos tóxicos, águascontaminadas. Milhões de pessoassão exterminadas por causa dodesequilíbrio ambiental. Por que te-mer um meteoro como o que caiuhá 65 milhões de anos exterminan-do os dinossauros? Que certeza te-mos sobre uma eventual dizimaçãoda espécie humana, quando hoje seignora o direito à vida da criação?

Os riscos do momento, inegavel-

mente, pertencem à ganância dosprojetos humanos. O homem é omaior predador do planeta. Voltaire(1694) diria: “Se é verdade que ohomem é a imagem de Deus, é tam-bém verdade que Deus é a imagemdo homem”. Quem vê no Criadorum ditador implacável, que odeia omundo criado, absoluto sobre a na-tureza, vê-se a si mesmo negando oamor uterino (“rahamin”) de Deuspela Criação, ignorando sua com-paixão e solidariedade para com oPlaneta violentado.

A origem deste Universo vem de13,7 bilhões de anos luz a nos sepa-rar do início de tudo, no “kosmos”.As viagens interplanetárias desde1969, quando astronautas pisaramno solo da lua e inúmeros fatos pos-teriores confirmam o acerto das te-orias acerca do Universo imagina-das por Einstein e Planck (teoria darelatividade e física quântica).Estamos de frente para os céus infi-nitos. Contudo, sabemos o que temprovocado no planeta desde o saltoda animalidade para a humanidade.Pouco se pode esperar.

Impressiona o terror ecológico?Muito pouco. Mas levanta pergun-tas. Por exemplo, o que se ouve so-bre o clima já não corresponde àsclássicas regras das estações do ano.Calor insuportável mas também

Page 88: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

88

A

ÁG

UA

ÁG

UA

ÁG

UA

ÁG

UA

ÁG

UA

, A T

ER

RA

, PA

, A T

ER

RA

, PA

, A T

ER

RA

, PA

, A T

ER

RA

, PA

, A T

ER

RA

, PA

RA

ÍSO

E IN

FE

RN

O E

CO

GIC

OS

AR

AÍS

O E

INF

ER

NO

EC

OL

ÓG

ICO

SA

RA

ÍSO

E IN

FE

RN

O E

CO

GIC

OS

AR

AÍS

O E

INF

ER

NO

EC

OL

ÓG

ICO

SA

RA

ÍSO

E IN

FE

RN

O E

CO

GIC

OS

DE

RV

AL

D

AS

ILIO

DE

RV

AL

D

AS

ILIO

DE

RV

AL

D

AS

ILIO

DE

RV

AL

D

AS

ILIO

DE

RV

AL

D

AS

ILIO

PÁG

INAS 78 A

95, 2011

gelo em regiões não afeitas ao frio.Refazem-se os mapas da evolução doplaneta, para se dizer que esses friose calores excessivos não ameaçam asobrevivência da humanidade. Será?Nada a temer, dizem. Continuemospois o planeta aguenta. Recursostecnológicos em desenvolvimentogarantiriam a sobrevida na Terra.

Outros, apocalipticos ecológicos,dizem: “a situação caminha para airreversível destruição de toda avida”. Se crescerem para além des-se limite, as mudanças escaparão denosso controle. Fim da linha. Entra-mos em perigosa escalada no cami-nho da sustentabilidade do planetaTerra. Também se buscam parece-res de autoridades científicas, colo-cando-se acima dos dados de pes-quisas otimistas e anunciando ahecatombe ambiental para breve, senão houver uma “conversão” cien-tífica realista quanto ao destino doHomem e do Planeta.

Catástrofes earrogância

tecnológicaPergunta-se pelo que é seguro.

Que posição ética devemos tomardiante do imponderável ou do que érealmente imprevisível? Quando

acontecem catástrofes – como asque vimos recentemente no Japão,o que se há de fazer? Escolhe-seminimizá-las e não sucumbir aomedo e ao terror diante das forçasnaturais. Há escolhas. Nenhumadelas excluirá a esperança da recons-trução, a despeito de todo obstácu-lo que se interponha entre a ganân-cia do capital e a arrogância da téc-nica, desmoralizadas nesses eventos.Elas nada podem fazer e, nessas cir-cunstâncias, somos lembrados dasforças que atuam no Universo, nãoalcançáveis pela tecnologia ou pelocapital.

De fato, há energias que estãoacima de nossas capacidades de con-trole. E, acima de tudo, podemosponderar sobre a situação da Terrae reconstruir nossas relações com oplaneta, de modo a respeitá-lo. Po-demos reconstruir os sonhos quedignificam e redefinem a casa dahumanidade. Devemos observarnossa interação com o mundo na-tural e redirecionar nossos esforços.

Estrelas explodem, galáxias de-voram umas às outras. Há 15 bi-lhões de anos, dizem os geólogos, aTerra se ajusta num constante de-sorganizar para organizar, regida porleis naturais. As mesmas que nospermitem observar as mudanças dasestações. Os canais de televisão

Page 89: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

89

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

mostram cenas e memórias de ou-tras catástrofes naturais igualmen-te devastadoras. O fio dessas cala-midades naturais é longo. No Oce-ano Índico, em 2005, usou-se pelaprimeira vez a palavra “tsunami”.

O impacto de um tsunami fazlembrar que a mãe Terra não supor-ta tudo o que se impõe a ela(J.Perkins). Imaginem se ela resisti-rá ao que temos imposto ao plane-ta, depredando-o e aviltando-o coma ganância que nos é peculiar! Po-rém, buscamos esclarecimentos ra-cionais para o imponderável. Que-remos entender os fatos perguntan-do sobre a cumplicidade de Deus.Faz-se uma inversão radical da ques-tão. Por que Deus criou um mundofinito, vulnerável, que sofre? Por queo destino de cada astro ou estrela édesaparecer? Por que uma estrelamorta há milhões de anos luz aindabrilha no céu? Por que existem ter-remotos e tsunamis? Deveríamosperguntar sobre o tratamento quedamos ao planeta criado, quando osubmetemos a danos irreparáveis.

Insistimos em manter o mundoà espera, aguardando possíveis de-sastres nucleares e não assumimosnossas responsabilidades quanto aofuturo da Terra e a devastação eco-lógica de todos os dias. Podemosfazer um balanço do que temos fei-

to e planejar ações para o futuro quenos espera, além das denúncias emrelação ao que vem transformandoo planeta num imenso depósito delixo (Fukushima operava com lixonuclear reciclado!). Não há nadaque escape à voracidade do capital.

O assunto pareceria anacrônico,se refletisse uma questão vencidaantes da explosão religiosacarismática. É perda de tempo re-petir os chavões da teologiaintimista, salvacionista, conservado-ra ou fundamentalista. A compre-ensão negativa sobre Deus não podeapagar tudo, como juízo indesejável.A partir da Bíblia anuncia-se umalegião de fantasmas e monstruosi-dades atribuídas a Deus: o mandato(herem) justificado e expresso parao genocídio de povos inteiros, semlevar em conta inocentes, anciãos,enfermos, inválidos, mulheres e cri-anças; castigos coletivos até a “ter-ceira e quarta gerações”, por auto-res que apresentam-se sob o “avalde Deus”. É assombroso que o ros-to misericordioso do Deus Salvadorseja escondido no esforço humanoda vingança contra o semelhante.Envergonhamos Deus. Condena-mos a história da fé e da salvaçãoaos pântanos históricos do planeta.

O horror de Hiroshima eChernobyl são fantasmas da amea-

Page 90: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

90

A

ÁG

UA

ÁG

UA

ÁG

UA

ÁG

UA

ÁG

UA

, A T

ER

RA

, PA

, A T

ER

RA

, PA

, A T

ER

RA

, PA

, A T

ER

RA

, PA

, A T

ER

RA

, PA

RA

ÍSO

E IN

FE

RN

O E

CO

GIC

OS

AR

AÍS

O E

INF

ER

NO

EC

OL

ÓG

ICO

SA

RA

ÍSO

E IN

FE

RN

O E

CO

GIC

OS

AR

AÍS

O E

INF

ER

NO

EC

OL

ÓG

ICO

SA

RA

ÍSO

E IN

FE

RN

O E

CO

GIC

OS

DE

RV

AL

D

AS

ILIO

DE

RV

AL

D

AS

ILIO

DE

RV

AL

D

AS

ILIO

DE

RV

AL

D

AS

ILIO

DE

RV

AL

D

AS

ILIO

PÁG

INAS 78 A

95, 2011

ça nuclear. Auschwitz, Ruanda,Timor Leste, Bálcans, “limpeza”étnica mostram a crueldade huma-na e as profundas experiências dedor, encravadas na consciência mo-derna. São milhões de mortos. Mas,onde está a Palavra de Deus para asalvação, ali está o Espírito. Deus criapor meio da Palavra (dabar). Tudo éprecedido da energia vibrante quetraz a salvação. O mundo criado pelofôlego de Deus estimula respeito ecomunhão com os seres da criação.Deus respira por meio de toda cria-ção (Moltmann), seres, raças, povos.

A crise ecológica não deve serseparada da concepção do universoconcreto: todos somos destinadosao mundo recriado (Ap 21). A Igrejae os crentes, como representantesda fé bíblica, não podem se esque-cer que, no momento, “a criaçãogeme (...) em dores do parto” (Rm8.22, NVI) apontando para umanova realidade. O mundo do lucro,da exploração e da ganância, intro-duziu-nos num círculo vicioso, atra-indo ou criando dívidas sociais eecológicas ao mesmo tempo (2 bi-lhões de pessoas experimentamfome e endemias; 4 bilhões estão àmargem dos recursos tecnológicosgarantidores de melhor qualidadede vida, no planeta). Os limites dascondições de equilíbrio chegam a

uma situação drástica. A catástrofemaior da miséria, que atinge o fra-co por deferência, também denun-cia o descaso no qual vivemos. Fazparte da indiferença de toda a hu-manidade quanto ao seu futuro.Reflitamos.

Um paraíso infernal!O Éden do capital permitiu pre-

valecer a sedução da serpente. Ig-nora-se a amizade de Deus e sua in-sistência em salvar a Criação. O res-gate da grande utopia está no anún-cio de Jesus: “liberdade para os ca-tivos”; “vida plena e abundante” (Lc4.16; Jo 10.10). Discípulos de JoãoBatista perguntaram: És o Salvador?E ouviram: Vão, e lhe digam o queviram: os cegos vêem, os coxos an-dam, os mortos ressuscitam. Hoje,é muito mais difícil compreender aprofunda experiência de mudançaradical, no Evangelho de Jesus – umverdadeiro sobressalto nas ordensdo universo. A imagem do mundoem sua totalidade já não autoriza aopinião da centralidade do homeme da religião.

Se a visão antropocêntrica aindaestá em eclipse, o amor de Deus éque assombra. Dante Alighieri es-tava certo: “O amor é que move osol e as estrelas” (cf. Andrés

Page 91: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

91

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

Queiruga). Os poetas dos salmossabiam que a majestade do céu, avida da terra, faz crescer a erva doscampos, alimenta os pássaro do céue os animais da selva, e anima o tra-balho dos homens: “envias o teu so-pro e eles são criados, e assim reno-vas a face da terra” (Sl 104.30). Háesperança para a criação.

O momento teológico temconotações proféticas. O objetivo édebruçar-nos teologicamente sobrea ecologia, na perspectiva de umaecoteologia. Proclamava-se emBelém (FSM): toda teologiacontextualizada começa articulandoseu discurso pelo “pré-teológico” oupré-igreja cristã. Uma ecoteologia énecessária, valorando a Natureza emprimeiro lugar. Observando a cria-ção por inteiro, o desafio é conhe-cer o complexo mundo da Nature-za servindo-nos da mediação das ci-ências: da Biologia, da Física, daAntropologia e, mais indiretamen-te, da Sociologia, da Economia, daGeografia. Em resumo, em um pri-meiro momento, estiveram com apalavra os ecologistas, ambi-entalistas, os cientistas da natureza.Hoje, a Teologia tem o dever de as-sumir sua parte no debate.

A ótica míope das ciências podeser ampliada no diálogo com outrossaberes, como a sabedoria popular

e a história das tradições pré-colom-bianas, também dotada de umlogos, uma crítica inteligente nãoanticientífica. Como ler a realidadeda ecologia? A leitura deve ser polí-tica, social, mental e integral. O di-agnóstico que se espera se desdo-bra em paradigmas intrínsecos einter-relacionados. As mesmas ciên-cias que contribuíram para a des-truição da natureza podem ajudar asalvar o planeta.

A diminuição dos índices debiodiversidade diz respeito ao desa-parecimento de espécies da fauna,da flora e de seus “habitat”, especi-almente nas zonas tropicais e equa-toriais, como fruto da agressão hu-mana sobre os ecossistemas terres-tres e aquáticos. Por biodiversidadese entende: diversidade de espécies,diversidade de ecossistemas e diver-sidade genética. As cifras, neste cam-po, são aterradoras. Tudo o que exis-te merece existir, e tudo o que vivemerece viver. Sem falar de outrossérios problemas ecológicos comoa poluição das águas, do solo e doenvenenamento dos alimentos, queafetam diretamente a saúde. Ou,então, da poluição visual, auditiva,do lixo, dos transgênicos. Já soou osinal de alerta ao homo sapiens oumais propriamente “homo demens”(Edgar Morin), como consta no

Page 92: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

92

A

ÁG

UA

ÁG

UA

ÁG

UA

ÁG

UA

ÁG

UA

, A T

ER

RA

, PA

, A T

ER

RA

, PA

, A T

ER

RA

, PA

, A T

ER

RA

, PA

, A T

ER

RA

, PA

RA

ÍSO

E IN

FE

RN

O E

CO

GIC

OS

AR

AÍS

O E

INF

ER

NO

EC

OL

ÓG

ICO

SA

RA

ÍSO

E IN

FE

RN

O E

CO

GIC

OS

AR

AÍS

O E

INF

ER

NO

EC

OL

ÓG

ICO

SA

RA

ÍSO

E IN

FE

RN

O E

CO

GIC

OS

DE

RV

AL

D

AS

ILIO

DE

RV

AL

D

AS

ILIO

DE

RV

AL

D

AS

ILIO

DE

RV

AL

D

AS

ILIO

DE

RV

AL

D

AS

ILIO

PÁG

INAS 78 A

95, 2011

relatório final do Fórum SocialMundial em Belém (2009).

Vem-nos à mesa de trabalho aurgência teológica que induz ao exa-me de como o ser humano se rela-ciona com o planeta. As perguntasse fazem, a partir da busca das cau-sas perturbadoras dos problemasecológicos e ambientais através doclamor da própria natureza violen-tada. Uma causa próxima são asnovas tecnologias, cada vez maissofisticadas, numa relação de explo-ração irresponsável dos recursosnaturais ou de uso indevido de no-vos produtos, como no caso dosdescobrimentos da termodinâmicaaplicados à refrigeração (cf. Relató-rios do FSM em Belém).

Qual tecnologia ouquem tem mais

fome?A ponta da agulha se introduz no

tecido para costurar outras ques-tões, referentes à tecnologia. Emprincípio, ela é não é neutra, comoquerem alguns. Ao contrário, atecnologia é instrumento do saberhumano no controle das forças na-turais. É exacerbada sua importân-cia, quando desviada para o bem-estar artificial. Por que necessitamos

de celulares multifuncionais, capa-zes de fotografar belezas incríveis nomeio da floresta, se eles não aten-dem às necessidades dos milhõesque padecem da fome, dasendemias, da exclusão? Lemos re-vistas sobre informes científicos esó vemos deslumbramento sobre aera pós-tecnológica.

O ocidente, campeão das novastecnologias, prossegue naglobalização da miséria enquantosustenta a acumulação de bens paraprivilegiados no uso das riquezasexistentes (dos 6,3 bilhões de pes-soas, apenas 1,6). Oferece bem-es-tar localizado para ricos; tecnologiaseletrônicas avançadas, saúde e me-dicina de alto preço, educação parapostos de trabalho privilegiados;lazer de alto custo e alcanceterritorial. Porém, há 4,7 bilhões dedeserdados ameaçados pela barbárietecnocrática, 2 bilhões morrem defome e brevemente perecerão desede, se a contaminação ou esgota-mento de mananciais formados atra-vés de milhões de anos prossegui-rem no ritmo atual.

Em outro sentido, por que valo-rizar a natureza como estática eintocável, se ela própria pode serobjeto participante das transforma-ções na produção, com capacidadepara a produção de energia e de ali-

Page 93: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

93

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

mentos para os tantos milhões defamintos e reclamantes deintegração no moderno mundo dastecnologias do bem-estar? Voltadaspara as necessidades que precisamser atendidas quanto à produção dealimentos, habitação, urbanizaçãohumanizada, medicina de ponta so-cializada, até os mais baixos níveisde consumidores, não há o desviode finalidade, quando ela só se justi-fica por oferecer lucro e capital? Oassunto é vasto, uma vez que o mun-do não pode retroceder à era pré-tecnológica, como já nos lembravaJacques Ellul (A Técnica e o Desafiodo Século, 1998). Sem dúvidaestamos diante da necessidade denovos modelos de desenvolvimentoe de novos sistemas econômicos,enquanto se buscam sustentabilidadee estabilidade social.

Leonardo Boff já lembrava(FSM de Belém), que o sistema en-trou em profunda crise, pois já foidado o alarme de que estamos con-sumindo 30% a mais do que o pla-neta Terra pode produzir. Hoje, 20%da humanidade consome 80% dosrecursos do planeta, enquanto osdemais 80% têm acesso a somente20% dos bens. Segundo a FAO, hoje,há no mundo 930 milhões de po-bres (pobreza absoluta: desproteçãohabitacional, sanitária, desnutrição

famélica, etc.). O capitalismo alcan-çou a água, mas cooptou, como sem-pre, na história do mundo e a reli-gião que defende o lucro e resulta-dos financeiros. Tudo é produto demercado. Tudo se vende. Tudo é feitomercadoria. Tudo é consumível. Faz-se muito dinheiro com a religião.Não é a toa que a recente força evan-gélica que mais influencia o mundoprotestante histórico dedica-se tãointensamente à mídia e ao potenci-al mercadológico das multidões.

Crentes mercantilizam a reli-gião. Há muito abandonaram a Re-forma, a fé dos reformadores. Ou-tros defendem-na sob ênfase orto-doxa, doutrinarista, iluminista oufundamentalista, sem dispensar opassado escolástico. Fogem damodernidade com discussões abs-tratas sobre princípios de fé. Pare-cem querer voltar ao século 16,pré-moderno, sem abdicar de tem-plos climatizados, aparatos eletrô-nicos, comodidades e luxo moder-noso. O consumo apresenta-secomo irrefreável nos templos con-servadores.

É preciso olhar para o chão, por-tanto. O Planeta se torna cada vezmais inviável. O atual modelo dedesenvolvimento, apoiado no siste-ma liberal capitalista e na orienta-ção que se dá aos conhecimentos

Page 94: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

94

A

ÁG

UA

ÁG

UA

ÁG

UA

ÁG

UA

ÁG

UA

, A T

ER

RA

, PA

, A T

ER

RA

, PA

, A T

ER

RA

, PA

, A T

ER

RA

, PA

, A T

ER

RA

, PA

RA

ÍSO

E IN

FE

RN

O E

CO

GIC

OS

AR

AÍS

O E

INF

ER

NO

EC

OL

ÓG

ICO

SA

RA

ÍSO

E IN

FE

RN

O E

CO

GIC

OS

AR

AÍS

O E

INF

ER

NO

EC

OL

ÓG

ICO

SA

RA

ÍSO

E IN

FE

RN

O E

CO

GIC

OS

DE

RV

AL

D

AS

ILIO

DE

RV

AL

D

AS

ILIO

DE

RV

AL

D

AS

ILIO

DE

RV

AL

D

AS

ILIO

DE

RV

AL

D

AS

ILIO

PÁG

INAS 78 A

95, 2011

científicos, aponta para uma deter-minada visão de homem, da natu-reza e da razão. Em última instân-cia, a causa primeira está noantropocentrismo ocidental, certa-mente ajudado por uma inadequa-da interpretação da tradição judai-co-cristã, que tende a fazer do serhumano mais um “dominador” eexplorador da Criação do que seu“guardião”.

A vida que produz excluídos, tra-tada como “capital” (se não der lu-cro, deve ser desprezada; se útil paraalguma coisa, “usela y tirela”). Aban-dona-se a austeridade, o uso racio-nal dos recursos do planeta. Cadadia mais vai-se inviabilizando a vidahumana, e com ela os ecossistemas.A lei suprema do mercado é a con-corrência. Já a lei suprema do Uni-verso é da cooperação entre todos.Solidariedade. A Natureza não podecompetir com o Homem, porém,serve-o como escrava desde todasas eras. A não ser quanto às circuns-tâncias paleontológicas, geológicas,quando somos lembrados das for-ças que atuam no universo, não al-cançáveis pela tecnologia ou pelocapital. A ecologia mental nos re-mete, entretanto, às causas remo-tas da crise ecológica (cf. FSM deBelém).

Incomoda a existência de par-

ques industriais lado a lado comuniversidades que pesquisam abiodiversidade. A razão instrumen-tal técnica, antropocêntrica, ignorao ser humano como representanteda vida natural e sua dependênciada natureza. A prepotência da téc-nica prevalece, não defende o ho-mem. Os instrumentos que estecriou para gerenciar o Planeta con-firmam o dito: “comemos o que ter-minará por nos comer”.Lembramo-nos da parábola antiga,helênica: “O sábio, deslumbrava-serefletindo sobre o universo infinito;olhando para o céu enquanto cami-nhava, tropeçava e caía no abismo”.É preciso olhar para o chão, portan-to. Evidentemente, porque o proje-to do homo tecnologicus está ligadoàs conquistas técnicas e não ao quepoderia fazer pelo homem, se assu-misse a humanização contida na es-perança .

O valor utilitarista use e joguefora, alcança o ser humano em todaparte. Pragmatismo consumista. Oque assistimos está longe de ser ummundo novo, reconciliado com oprojeto de vida planetária reconhe-cido nas Escrituras. É preciso falartambém de uma “ecologia dos sis-temas de pensar”, o que nos devol-verá a uma transcendência ao estilodo que sugeria Wittgenstein: “o fun-

Page 95: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

95

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

damento do mundo que está fora(deste) do mundo”. A questão, por-tanto, não pertence ao mundo datécnica, mas ao mundo da ética.Estamos diante de uma questão an-tropológica. A sobrevivência do ho-mem está na pauta das lutas ecoló-gico-ambientais.

Nas palavras de Luis CarlosSusin (cit. Edgar Morin): “urgeuma nova Antropologia, bem como

uma nova Teologia, capaz de res-taurar o ser humano no conjuntoda obra da Criação”. Uma novaracionalidade que integre as ciên-cias, inclusive a teologia e outrostipos de razão, é bem-vinda. A hu-manidade e a criação total agrade-cerão. A cordialidade, o cuidadocom o ser humano total e o mundocriado, estão na pauta teológica emabsoluta prioridade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASREFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASREFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASREFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASREFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROS, Marcelo. “O Encanto das Águas”. In Água e Vida. S. Paulo: Paulus, 2003.ELLUL, Jacques. A Técnica e o Desafio do Século. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.FÓRUM SOCIAL MUNDIAL DE BELÉM, 2009. Relatórios.LIVERANI, Mario. Para além da Bíblia. S. Paulo: Loyola/Paulus, 2008.MORIN, Edgar. La Via para el futuro de la humanidad. México: Paidós, 2011.PÉREZ, Mário Péres. “A Terra, mãe da Humanidade”. In Nosso Planeta, Nossa Vida.S. Paulo: Paulinas, 2011.RIBEIRO, Darcy. A América e a Civilização. S. Paulo: Companhia das Letras, 2007.SAAS, Walter. “Teologia Amazônica, Ecologia e Libertação”. In Nosso Planeta, Nossa Vida. S. Paulo:Paulinas, 2011.SCHMIDT, Werner H. Introdução ao Antigo Testamento. S. Leopoldo: Sinodal, 2004.

Page 96: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

96

EZEQ

UIEL

E A

SU

STENT

EZEQU

IEL E

A

SUSTEN

TEZEQ

UIEL

E A

SU

STENT

EZEQU

IEL E

A

SUSTEN

TEZEQ

UIEL

E A

SU

STENTA

BILID

AD

E- U

MA

LEITU

RA

EC

OLÓ

GIC

A

DE

EZ 4

7A

BILID

AD

E- U

MA

LEITU

RA

EC

OLÓ

GIC

A

DE

EZ 4

7A

BILID

AD

E- U

MA

LEITU

RA

EC

OLÓ

GIC

A

DE

EZ 4

7A

BILID

AD

E- U

MA

LEITU

RA

EC

OLÓ

GIC

A

DE

EZ 4

7A

BILID

AD

E- U

MA

LEITU

RA

EC

OLÓ

GIC

A

DE

EZ 4

7

LY

SIA

S

OL

IVE

IRA

D

OS

S

AN

TO

S

L

YS

IAS

O

LIV

EIR

A

DO

S

SA

NT

OS

LY

SIA

S

OL

IVE

IRA

D

OS

S

AN

TO

S

L

YS

IAS

O

LIV

EIR

A

DO

S

SA

NT

OS

LY

SIA

S

OL

IVE

IRA

D

OS

S

AN

TO

SP

ÁG

INA

S 96 A

109, 2

011

Ezequiel e a sustentabilidadeUma leitura ecológica de Ez 47

LLLLLysias Oliveira d

os San

tos*ysias O

liveira dos S

antos*

ysias Oliveira d

os San

tos*ysias O

liveira dos S

antos*

ysias Oliveira d

os San

tos*

*Lysias Oliveira dos Santos, pastor (IPIB), professorna Faculdade de Teologia de São Paulo, Mestre emLinguística, Teologia e Ciências da Religião.

Em artigo publicado em nú-mero anterior desta revista (1),fizemos uma breve abordagemsobre a relação entre batismo eecologia. Na verdade é grande asimbologia bíblica da água comoelemento purificador da terra edas pessoas que habitam nela (Jl3.18; Zc 13.1; 14.8; Eclo 24.30-31; Jo 7.38; Ap 22.11). O próprioEzequiel fala de água purificado-ra (Ez 36.25). Mas Ezequiel 47oferece um quadro onde a purifi-cação pela água não se restringeapenas ao lado moral ou espiritu-al da corrupção humana, mas éum modelo de renovação de todaa terra como criação de Deus, vi-sando a volta ao seu primeiro ob-jetivo, que é uma integração per-feita com tudo aquilo que nela ha-

bita, incluindo o ser humano. Porisso buscaremos neste texto a men-sagem necessária à preservaçãonestes tempos de tanta degradaçãodo nosso planeta.

I – Ezequiel, umlivro poluído

“Batizar no rio Jordão (Israel)é um risco para a saúde e deveriaser proibido até que o nível de con-taminação, quatro vezes maior queo permitido, volte ao normal deacordo com os ecologistas... Segun-do a ONG israelense Amigos daTerra, a água do Jordão registraníveis de coliformes fecais de 750,quando o limite permitido parabanhos em Israel e na União Eu-ropéia é de 200". Jornal Folha deSão Paulo, 29/07/2010, p F6.

Diz o Talmude (Shabbath13b), que foram necessárias 300

Page 97: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

97

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

EZEQU

IEL E A SUSTEN

TEZEQ

UIEL E A SU

STENT

EZEQU

IEL E A SUSTEN

TEZEQ

UIEL E A SU

STENT

EZEQU

IEL E A SUSTEN

TABILID

ADE- U

MA LEITU

RA ECO

LÓG

ICA DE EZ 47

ABILID

ADE- U

MA LEITU

RA ECO

LÓG

ICA DE EZ 47

ABILID

ADE- U

MA LEITU

RA ECO

LÓG

ICA DE EZ 47

ABILID

ADE- U

MA LEITU

RA ECO

LÓG

ICA DE EZ 47

ABILID

ADE- U

MA LEITU

RA ECO

LÓG

ICA DE EZ 47 LL LLLysias O

liveira dos S

antos

ysias Oliveira d

os San

tosysias O

liveira dos S

antos

ysias Oliveira d

os San

tosysias O

liveira dos S

antos

RE

VIS

T R

EV

IST

RE

VIS

T R

EV

IST

RE

VIS

TA TE

OL

A TE

OL

A TE

OL

A TE

OL

A TE

OLO

GIA

E S

OC

IED

AD

E

OG

IA E

SO

CIE

DA

DE

O

GIA

E S

OC

IED

AD

E

OG

IA E

SO

CIE

DA

DE

O

GIA

E S

OC

IED

AD

E VV VVVol. 1

nº 8, outubro de 2

01

1, S

ão Pol. 1

nº 8, outubro de 2

01

1, S

ão Pol. 1

nº 8, outubro de 2

01

1, S

ão Pol. 1

nº 8, outubro de 2

01

1, S

ão Pol. 1

nº 8, outubro de 2

01

1, S

ão Pauloauloauloauloaulo, S

P, S

P, S

P, S

P, S

P P

ÁG

INA

S 9

6 A

10

9 P

ÁG

INA

S 9

6 A

10

9 P

ÁG

INA

S 9

6 A

10

9 P

ÁG

INA

S 9

6 A

10

9 P

ÁG

INA

S 9

6 A

10

9

jarras de óleo para a lâmpada doRabi Hanina ben Hezekia, para queele pudesse resolver todas as dificul-dades que os rabinos encontraramno livro de Ezequiel. Algumas sãoreferentes a visões místicas, princi-palmente no capítulo 1, já que umjovem morreu tentando decifrar osmistérios do mesmo, outras a cer-tos desvios da Lei de Moisés e à lin-guagem ofensiva de algumas partesdo livro, principalmente Ez 16 e 23.Rabi Hanina removeu tais dificul-dades. Na verdade Ezequiel, junta-mente com Provérbios, Cântico dosCânticos, Eclesiastes e Ester, foi alvode grandes debates no sínodo judeude Jamnia, reunido no ano 100 dCpara fixar os livros do Cânon judai-co. Contudo até hoje Ez 16 e 23 nãosão usados para a leitura nos cultose Ez 1 só é lido em hebraico (2).

“A pesquisa sobre Ezequiel en-contra-se atualmente em uma situ-ação precária... os verdadeiros pro-blemas continuam sem solução: oque é genuíno, o que não é?”(3). Es-tas palavras expressam bem as difi-culdades encontradas pelos críticosno estabelecimento da unidade dolivro. Os primeiros problemas refe-rem-se à questão da época em queo livro foi escrito. É comumenteaceito que Ezequiel foi deportadopara a Babilônia no ano de 597 AC

juntamente com o rei Joaquim e láficou pelo menos até 571 AC. Nes-te período, provavelmente no anode 593 a.C. na localidade de TelAbib, no canal de Quebar (4) rece-beu a sua vocação para profeta “pormeio de uma visão estranha e quaseterrorífica da glória de Yahvéh”(5).Contudo Ez 1.1 fala de um enigmá-tico “trigésimo ano” que não conferecom as demais datas do livro. Den-tre as tentativas de solução para esteproblema há quem fale de um errodo copista que escreveu “trigésimo”em vez de “décimo terceiro”(6).Além disso, há textos que parecemte sido escritos de Jerusalém, antesda deportação final de 587 a.C.(7).

Muitos problemas são levantadosquanto à composição do livro, “so-bre os quais há uma literatura de ca-ótica diferença de opiniões” (8). Aconstatação de claras interrupçõesem diversas narrativas levou várioscríticos à impressão de que muitasde suas passagens estavam fora delugar. O registro de alguns textos emduplicata fez com que outros pen-sassem no uso de edições paralelasem sua composição final. Medianteestas dificuldades alguns radica-lizaram afirmando que as profeciasde Ezequiel são vaticinia ex eventume as suas datas são fictícias, optandoassim pela não autenticidade do li-

Page 98: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

98

EZEQ

UIEL

E A

SU

STENT

EZEQU

IEL E

A

SUSTEN

TEZEQ

UIEL

E A

SU

STENT

EZEQU

IEL E

A

SUSTEN

TEZEQ

UIEL

E A

SU

STENTA

BILID

AD

E- U

MA

LEITU

RA

EC

OLÓ

GIC

A

DE

EZ 4

7A

BILID

AD

E- U

MA

LEITU

RA

EC

OLÓ

GIC

A

DE

EZ 4

7A

BILID

AD

E- U

MA

LEITU

RA

EC

OLÓ

GIC

A

DE

EZ 4

7A

BILID

AD

E- U

MA

LEITU

RA

EC

OLÓ

GIC

A

DE

EZ 4

7A

BILID

AD

E- U

MA

LEITU

RA

EC

OLÓ

GIC

A

DE

EZ 4

7

LY

SIA

S

OL

IVE

IRA

D

OS

S

AN

TO

S

L

YS

IAS

O

LIV

EIR

A

DO

S

SA

NT

OS

LY

SIA

S

OL

IVE

IRA

D

OS

S

AN

TO

S

L

YS

IAS

O

LIV

EIR

A

DO

S

SA

NT

OS

LY

SIA

S

OL

IVE

IRA

D

OS

S

AN

TO

SP

ÁG

INA

S 96 A

109, 2

011

vro (9). Há quem date a composi-ção final do livro somente na épocados Macabeus (10), se não for na ver-dade um pseudoepígrafo (11).

Finalmente há as dificuldades delinguagem, as quais aparecem des-de o início do livro, pois Ez 1.1 estáredigido na primeira pessoa e 1.2 naterceira, o que levantou a suspeitadas duas edições paralelas acimareferidas (12). A linguagem teoló-gica divide os estudiosos levando unsa reconhecer nela “evidentemente amesma do legislador sacerdotal doPentateuco” (13) ao passo que ou-tros o identificam como um docu-mento deuteronomista. Esta diver-gência de estilos é também usadapara a defesa do caráter compostodo livro (14). Talvez a dificuldademaior esteja na definição do gêneroliterário, pois o texto parece estarentremeado de porções altamentepoéticas e uma prosa vulgar, enfa-donha. Uma das hipóteses consisteem atribuir as partes poéticas aoprofeta que as tinha transmitido deinício oralmente, ficando as partesem prosa para redação posterior(15). Assim “Ezequiel se torna tãodifícil de captar como o Jesus histó-rico do evangelho de João” (16).

Estas dificuldades textuais têmlevado os críticos até mesmo a bus-carem respostas na própria consti-

tuição física ou psíquica do profeta.Com base em algumas passagens(Ez 3.24-27; 4.4-8; 24.27; 33.22), asquais dizem que ele ficou mudo poralgum tempo, deitado na mesmaposição, tiram as seguintes conclu-sões: os momentos de transe sãoatribuídos a sua senilidade, à epilep-sia ou a fenômenos parapsíquicos(17). Podemos porém concluir que“os intentos de um exame psicana-lítico de Ezequiel a esta enorme dis-tância soam fúteis” (18). Na verda-de, esta “loucura” do profeta é umreflexo literal da mensagem que lhecoube transmitir.

À semelhança de Jeremias eOseias, ele condena com veemên-cia o pecado do seu povo. Mas dife-rentemente destes dois profetas queligaram a marcha do deserto aotempo de pureza de Israel (Jr 2.2;Os 2.15), Ezequiel diz que o povocorrompeu-se desde seus inícios(19). Deus faz de sua carne um si-nal para Israel ( Ez 12.6; 24.4). Porisso ele é obrigado a passar trezen-tos e noventa dias deitado sobre oseu lado esquerdo e quarenta diassobre o lado direito (Ez 4.4-7), araspar o cabelo e a barba (Ez 55.1-4) e fazer com os pelos sinais enig-máticos, a comer, apesar de seu pro-testo, coisas cozidas com esterco (Ez4.12-15), a fugir arrombando a pa-

Page 99: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

99

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

rede de sua casa (Ez 12.3-7), a pre-senciar a morte de sua mulher semlamentar nem chorar (Ez 24.15-24).Isto explica sua personalidade áspe-ra, dura, oprimida mas ao mesmotempo apaixonada na transmissãode sua mensagem (20).

Para exemplificar a linguagem“poluída” do livro de Ezequiel, va-mos nos ater aos dois capítulos con-testados pela literatura dos rabinos,o 16 e o 23. O capitulo 16 é umaprofecia contra Jerusalém. Para con-firmar que a cidade é pecaminosadesde tempos remotos, leva a suaorigem ao tempo dos cananeus,amorreus e heteus e descreve emlinguagem forte seu nascimentocomo o de uma criança abandona-da após o parto. Após falar da cari-nhosa adoção, passa a descrever asua atuação como prostituta, con-taminando tudo o que recebeu deDeus. No v. 25 diz que ela, à seme-lhança das sacerdotisas prostitutas“a cada canto do caminho...abria aspernas a todos os que passavam”(21). Esta expressão tem sido sua-vizada nas diversas traduções parao português.

No capítulo 23, as contamina-ções de Samaria e Jerusalém estãosimbolizadas na história de duas ir-mãs prostitutas: Oolá e Oolibá. Es-tes nomes parecem guardar alguma

relação com a palavra “tenda” ou,por ter o mesmo número de letrasdas localidades que representam, háquem veja neles um empregocabalístico (22). O capítulo alternadescrições das loucuras praticadaspelas duas irmãs e as ameaças decastigo a elas dirigidas. O verso 20,refere-se às pinturas eróticas daBabilônia para dizer que Jerusalém“entregava-se apaixonadamente aseus homens que têm pênis comode jumentos e orgasmo como o degaranhões” (23). As traduções bra-sileiras igualmente atenuam a lin-guagem deste texto. O capitulo 47,que passaremos a examinar, temapresentação literária tão diferenteque dá até para pensar em um ou-tro autor.

II – As águasII – As águasII – As águasII – As águasII – As águaspurificadoraspurificadoraspurificadoraspurificadoraspurificadoras

“O pior incêndio da história deIsrael, que causou 41 mortes e quei-mou o Parque Nacional do MonteCarmel, ficou sob controle ontem...Foram necessários 76 mil litros deágua e de um produto que retarda oaparecimento das chamas para queo incêndio fosse suspenso... A pri-são de dois irmãos israelenses sus-peitos de terem causado o incêndiopor negligência foi prolongada por

Page 100: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

100

EZEQ

UIEL

E A

SU

STENT

EZEQU

IEL E

A

SUSTEN

TEZEQ

UIEL

E A

SU

STENT

EZEQU

IEL E

A

SUSTEN

TEZEQ

UIEL

E A

SU

STENTA

BILID

AD

E- U

MA

LEITU

RA

EC

OLÓ

GIC

A

DE

EZ 4

7A

BILID

AD

E- U

MA

LEITU

RA

EC

OLÓ

GIC

A

DE

EZ 4

7A

BILID

AD

E- U

MA

LEITU

RA

EC

OLÓ

GIC

A

DE

EZ 4

7A

BILID

AD

E- U

MA

LEITU

RA

EC

OLÓ

GIC

A

DE

EZ 4

7A

BILID

AD

E- U

MA

LEITU

RA

EC

OLÓ

GIC

A

DE

EZ 4

7

LY

SIA

S

OL

IVE

IRA

D

OS

S

AN

TO

S

L

YS

IAS

O

LIV

EIR

A

DO

S

SA

NT

OS

LY

SIA

S

OL

IVE

IRA

D

OS

S

AN

TO

S

L

YS

IAS

O

LIV

EIR

A

DO

S

SA

NT

OS

LY

SIA

S

OL

IVE

IRA

D

OS

S

AN

TO

SP

ÁG

INA

S 96 A

109, 2

011

quatro dias. A suspeita é de que elestenham deixado brasas após um pi-quenique” Jornal Folha de São Pau-lo, 06/12/2010, p A16.

É opinião quase geral de que exis-te um poeta por trás do livro deEzequiel (24). Ez 47.1-12 é umagrande prova desta dedução. Porém,“a exigência sobre ‘o que a Bíbliaclaramente diz’ pode transformar apoesia desta passagem no relato re-alista topográfica e ecologicamentede um evento em um tempo deter-minado”(25). Sem interpretaçãopoética esta porção bíblica pode serentendida como uma “monótonadescrição de uma geografia de com-putador”(26). Vamos então tratareste texto como um despoluidor deEzequiel a partir de sua linguagem eavançando em seu conteúdo.

Versos 1 e 2 – O meu rio –Ezequiel profetiza junto a um rio(1.3) em uma região de importan-tes rios, cujas histórias remontam àfundação do mundo (Gn 2.10-14).Além disso, seus companheiros tra-balham na construção de canaispara irrigar o solo e torná-lo aindamais fértil(27). Contudo eles nãose alegram com a paisagem que seusolhos contemplam (Sl 137) porque,na interpretação dos profetas, aque-les rios estão correndo do orientepara o ocidente, como um vento

impetuoso para levar destruição aJerusalém (Ez 19.12; Is 8.6-7). Deacordo com a crença entre os judeusde que as águas de Siloé pareciamsurgir de debaixo do templo (Is 8.6;Sl 46.4) (28), Ezequiel imagina tem-pos em que o contrário acontecerá:o “seu” rio correrá do ocidente parao oriente, levando não destruição,mas saúde e fartura para todos. Paraver o que estava acontecendo, o pro-feta teve de tomar todas as direções:o Norte, mitologicamente entendi-do como a morada dos deuses (29),o Oriente, direção de onde vem tan-to os mensageiros do bem como osdo mal (30) e o Sul, caminho dodeserto.

Versos 3-5 – A água e o homem1 – O texto é um poema de quatroversos paralelos, conforme a poesiahebraica. Os versos repetem os doisprimeiros elementos: mediu – pas-sar, variando no terceiro elemento.Estes versos visualizam o própriocorrer do rio em seu percurso. Aação de medir faz parte dasimbologia dos profetas e represen-ta a aplicação da justa medida emtodos os seus vaticínios (Dn 5.27;Zc 2.2-5; Ml 1.1). O profeta é desa-fiado a enfrentar as águas que temdiante de si. A tarefa é aparentemen-te fácil porque elas estavam saindodo altar em gotas semelhante a lá-

Page 101: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

101

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

grimas (31). Se já aparecessem emvolume maior poderiam levar o pro-feta a pensar na segurança do pró-prio templo. Na primeira travessia,a uns quinhentos metros abaixo,porém, a água já cobria os seus tor-nozelos e não a sola dos pés comoalguns traduzem. É um grande au-mento de volume para distância tãopequena, e serve de alerta para quemé desafiado pelas águas. O descasocom este aviso levou Israel à ruína(Is 8. 6) (32). As águas continuamsubindo na mesma proporção a cadaquinhentos metros, transmitindoum recado mais urgente. Ezequielnão quer correr o risco de ver aságuas ultrapassarem o seu pescoço,como aconteceu com Israel (Is 8.8)e sabe que precisa estar preparadopara enfrentá-las corretamente.Curiosamente, poucas vezes há re-ferência à natação na Bíblia (Is25.11). A região semidesértica nãoexigia esta prática e por isso o povonão estava preparados para as situ-ações de emergência ( At 27.43).

Versos 6-7 – A imparcialidade daágua – Os comentaristas se preo-cupam com a dificuldade da expres-são “levou-me e tornou-me a trazerà margem do ribeiro” e dão a ela di-ferentes interpretações: Dada a pro-fundidade do ribeiro, o anjo ajudouo profeta a sair dele, levou-o rio

abaixo até o mar e depois voltaram,em um transporte mental (33). Masa atenção deve estar concentradaem outra expressão: “Viste filho dohomem?”. Preocupado com a ame-aça das águas ele não percebeu asárvores frondosas nas margens doribeiro, a ponto de alguns comenta-ristas pensarem que as árvores nãoestavam ali quando ele passou pelaprimeira vez. Mas o anjo está preo-cupado em mostrar o que o rio vailevar: não ameaça e morte, masbeleza e vida. Assim entendo que oanjo levou-o até a outra margempara ele, “homem de uma só mar-gem”, preocupado com a sorte deseu povo e revoltado com os povosopressores ou indiferentes à sua sor-te, pudesse saber que o rio nascepara todos e leva vida para ambasas margens.

Versos 8-9 – Águas que curam –O rio inicia seu percurso na direçãodo Oriente, mostrando que podeenfrentar as ameaças que vêm da-quela região, mas depois faz opçãopelos lados mais áridos do sul ondesua presença será mais útil, já queele não é mensageiro da guerra, masda paz (34). Além disso, indo parao sul ele se encontrará com o MarMorto, símbolo da ausência com-pleta da vida. A purificação pelaságuas está presente na literatura

Page 102: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

102

EZEQ

UIEL

E A

SU

STENT

EZEQU

IEL E

A

SUSTEN

TEZEQ

UIEL

E A

SU

STENT

EZEQU

IEL E

A

SUSTEN

TEZEQ

UIEL

E A

SU

STENTA

BILID

AD

E- U

MA

LEITU

RA

EC

OLÓ

GIC

A

DE

EZ 4

7A

BILID

AD

E- U

MA

LEITU

RA

EC

OLÓ

GIC

A

DE

EZ 4

7A

BILID

AD

E- U

MA

LEITU

RA

EC

OLÓ

GIC

A

DE

EZ 4

7A

BILID

AD

E- U

MA

LEITU

RA

EC

OLÓ

GIC

A

DE

EZ 4

7A

BILID

AD

E- U

MA

LEITU

RA

EC

OLÓ

GIC

A

DE

EZ 4

7

LY

SIA

S

OL

IVE

IRA

D

OS

S

AN

TO

S

L

YS

IAS

O

LIV

EIR

A

DO

S

SA

NT

OS

LY

SIA

S

OL

IVE

IRA

D

OS

S

AN

TO

S

L

YS

IAS

O

LIV

EIR

A

DO

S

SA

NT

OS

LY

SIA

S

OL

IVE

IRA

D

OS

S

AN

TO

SP

ÁG

INA

S 96 A

109, 2

011

veterotestamentária (Ex 15.23-25;2 Rs 2. 19-22) mas nestes casos éusado um objeto purificador dife-rente da água, pois normalmente éa água poluída que contamina a pura.

O texto fala de dois rios e as in-terpretações vão desde a ideia deque o rio que sai do templo se en-contra com o ribeiro do Cedron oucom o rio Jordão, restituindo a pu-reza e a vida daqueles cursos de água,até o emprego de linguagem figura-da para falar do grande volume deáguas que o rio apresenta quandose junta ao mar. Há ainda quem pen-se tratar-se do próprio livro, já queFlávio Josefo disse que Ezequiel eraconstituído de dois livros (35). A re-petição da informação de que o rioleva vida por onde passa é recursode linguagem para intensificar o ca-ráter verdadeiro e urgente da notí-cia. A informação sobre peixes na-dando no mar Morto pode ser en-tendida como um milagre maior doque o do vale dos ossos secos (Ez37), pois não se trata de ressurrei-ção, mas da presença da vida ondeela esteve sempre ausente.

Versos 10-11 - Manejo sustentá-vel – Mesmo no exílio os judeus de-dicavam-se ao comércio, havendoinformações até da existência de umbanco na Babilônia (36). Ezequielrefere-se aos comerciantes em seu

livro (Ez 7.13) Por isso, o profetadesde o verso anterior faz menção àgrande quantidade de peixes, preo-cupação que está presente até nosjudeus do primeiro século de nossaera (Lc 5.5; Jo 21.11). O uso de re-des por parte dos pescadores pare-ce não caracterizar uma pesca pre-datória, por causa da grande quanti-dade e do tamanho dos peixes, quedispensam o aproveitamento dosmenores.

A referência a En-Gedi e En-Eglain é por se tratarem de fontesbeneficiadas também pelas águas dorio e por se situarem nas margensopostas do Mar Morto, mostrandomais uma vez a “imparcialidade” daságuas em seu efeito purificador. Tam-bém os pescadores do interior daPalestina não mais sofrerão a concor-rência dos pescadores mais fortes doMar Grande (Mediterrâneo), poisseus peixes serão tão bons como osdaqueles. O texto ainda traz umaorientação de fundo ecológico: oscharcos que margeiam o rio devemser preservados. O sal nele produzi-do é de grande utilidade como ali-mento e para os sacrifícios do povo(Lv 2.13).

Verso 12 – A água e o homem, 2– O poema abriu-se com o confron-to entre a água e o ser humano. Ago-ra o círculo fecha-se com a

Page 103: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

103

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

integração entre ambos. Aproveitan-do os recursos da língua hebraicapode-se dizer que o adam (ser hu-mano) integra-se com a adamah(terra), de onde ele saiu. Ou em umaversão mais ocidentalizada, ohumanus integra-se ao húmus doqual foi feito (37). A paisagem re-produz a visão paradisíaca doGênesis (38). As árvores do verso7 agora são “árvores que dão frutopara se comer”. Elas deixarão o seuciclo natural para manterem sem-pre verdes as suas folhas e não in-terromperem a produção dos fru-tos necessários ao sustento dos se-res humanos. Enfim, elas estarãototalmente a serviço das pessoasfornecendo as frutas para alimentoe as folhas para remédio. A compa-ração com o verso 10 fornece argu-mento para aqueles que defendema ideia de uma volta ao regime ali-mentar vegetariano do Edem (Gn2.9,16-17), modificado depois, notempo noádico (dos descendentes deNoé, Gn 9.3) (38).

III – Despoluindo olivro de Ezequiel

A imagem que pretendemosvisualizar agora é a do rio se espa-lhando sobre o próprio livro de

Ezequiel, limpando-o de sua polui-ção. Assim como as águas foramaumentando o seu volume em eta-pas demarcadas pelo guia do pro-feta, assim também elas se estende-rão em três arrancadas até cobrirtoda a extensão do livro.

1 – A purificação dotemplo

Segundo a quase unanimidadedos comentaristas, o capítulo 48 fazparte de uma unidade que começano capitulo 40 e vai até o 48. Doponto de vista formal há alguns in-dicadores desta unidade: o homem“cuja aparência era como a aparên-cia do cobre” (40.3) acompanha oprofeta até o final da nossa perícope.A preocupação com medidas tam-bém percorre toda a extensão destaunidade (40.3,5ss; 47.3ss); O textoé interligado também pela recomen-dação do homem: : “Filho do ho-mem, vê com os teus olhos, e ouvecom os teus ouvidos e põe no teucoração” (40.4; 44.5; 47.6). Quan-to ao conteúdo, os estudiosos iden-tificam no conjunto 40-48: “seme-lhança com o Código de Santidade”(Lv capítulos 17-23) (39); um “es-boço constitucional”(40) ou “proje-to de constituição”(41) (cf 44.5) ,en-fim, a obra de um “legislador sacer-dotal do Pentateuco”(42).

Page 104: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

104

EZEQ

UIEL

E A

SU

STENT

EZEQU

IEL E

A

SUSTEN

TEZEQ

UIEL

E A

SU

STENT

EZEQU

IEL E

A

SUSTEN

TEZEQ

UIEL

E A

SU

STENTA

BILID

AD

E- U

MA

LEITU

RA

EC

OLÓ

GIC

A

DE

EZ 4

7A

BILID

AD

E- U

MA

LEITU

RA

EC

OLÓ

GIC

A

DE

EZ 4

7A

BILID

AD

E- U

MA

LEITU

RA

EC

OLÓ

GIC

A

DE

EZ 4

7A

BILID

AD

E- U

MA

LEITU

RA

EC

OLÓ

GIC

A

DE

EZ 4

7A

BILID

AD

E- U

MA

LEITU

RA

EC

OLÓ

GIC

A

DE

EZ 4

7

LY

SIA

S

OL

IVE

IRA

D

OS

S

AN

TO

S

L

YS

IAS

O

LIV

EIR

A

DO

S

SA

NT

OS

LY

SIA

S

OL

IVE

IRA

D

OS

S

AN

TO

S

L

YS

IAS

O

LIV

EIR

A

DO

S

SA

NT

OS

LY

SIA

S

OL

IVE

IRA

D

OS

S

AN

TO

SP

ÁG

INA

S 96 A

109, 2

011

Ezequiel 40-46 trata da visão re-ferente ao projeto de um novo tem-plo de Jerusalém. De acordo comalguns historiadores, a crítica ao tem-plo de Jerusalém remonta ao tempoda sua construção. Teria sofrido opo-sição de conservadores, que acredi-tavam que “Deus não habita em tem-plo feito por mãos de homem” (1Rs8.27); crítica por serem utilizadostécnicos e material estrangeiro (1Rs5.15ss) e posição contrária de sacer-dote expulso por Salomão (1 Rs2.27)(41). Os profetas não poupamcríticas agudas contra o Templo e oculto nele prestado. (1Rs 13.1-3; Is1.11; Am 5.22) Basta lembrar oontológico sermão que Jeremias pre-gou diante do templo (Jr 7).

Na linha dos profetas, Ezequieltambém condena os pecados doTemplo. Além dos própriosisraelitas profanarem o Templo doSenhor, eles convidaram estrangei-ros, incircuncisos para contamina-rem com eles o santuário de Deus.(44.7-10). Assim, o castigo é imi-nente. As ameaças perpassam todoo livro e podemos citar como exem-plo o capitulo 9, segundo o qual otemplo será destruído com toda aJerusalém. Assim a recuperação sóseria possível com um templo novo.

O novo templo é apresentado aEzequiel. Não um modelo a ser

construído, mas o templo já pron-to. Ele não guarda semelhança coma reforma de Neemias, aproximan-do-se mais do templo de Salomão,o que serve de argumento para al-guns críticos datarem o texto emépoca anterior à volta do cativeiro(44). A sua natureza pode serdeduzida da imagem do templo queimpregna toda a cultura judaica. Eleé “a visualização terrena do paláciocelestial de Deus”, “visualização esímbolo do misericordioso favor deJavé”(45). Por isso está presentemuito antes de sua construção natenda do deserto (Ex 25ss) e nasaspirações de Davi (2 Sm 7), na suaconstrução por Salomão e nas re-formas que terminam com o ma-jestoso templo de Herodes. No ima-ginário popular o templo tambémvai se idealizando, desprendendo-sede seu lugar fixo. Arqueólogos des-cobriram as ruínas de um templosemelhante ao de Jerusalém no sulda Palestina (46). Assim, o templopassa a fazer parte das previsõesmilenaristas do povo..

2 – A purificação danação

As águas do templo se espalhamainda mais, pois Ez 48 pertence tam-bém a uma seção maior de Ezequiel.O livro pode ser dividido em duas

Page 105: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

105

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

grandes seções: 1-33, ameaças con-tra Judá e outras nações; 34-48, pro-messas da restauração de Israel.Causa estranheza o fato de, depoisdas ameaças de abandono e total des-truição, da retirada de qualquer es-perança (47), depois de se mostrarmais severo do que Jeremias ouAmós em suas condenações, eleagora proclama de forma tambémmais concreta do que a de seus co-legas profetas, a recondução dopovo para a sua terra devidamenteredistribuída, centralizada nova-mente no templo e regida por nor-mas também reformadas, uma auma. Isto levou a se pensar em doisautores. Aí, pode-se apoiar na opi-nião do Talmude que atribui o livroaos varões da Grande Sinagoga,entidade vaga, talvez antecessora doSinédrio (48), como os autores des-ta segunda parte, a da restauração.Outros pensam em uma mudançade comportamento do profeta aosaber da destruição completa de Je-rusalém (Ez 33.21).

Contudo “Ezequiel, gênio emi-nentemente prático teve a visão ní-tida de como deveria reconstruir-setudo isto” (49): Javé chama para sia responsabilidade de sustentar aaliança firmada com Israel. “Javé ée continua a ser o Deus de Israel.Israel é o povo de Javé (Ez 11.20).

Isso sempre foi assim, e futuramen-te ainda será”(50). E ele fará issoapenas pelo empenho de sua pala-vra, pelo zelo de seu santo nome (Ez39.25). Mas ele cumprirá isto pormeio de uma grande purificação,que inclui a destruição dos pecado-res e da criação de um novo Israelpurgado de todas as maldades ante-riores. Por conta disto o autor redi-ge o “maravilhoso afresco” da res-tauração dos ossos secos (Ez 37)(51). Embora Israel se julgue comoaqueles ossos secos, tendo perdidotoda a sua esperança, Deus renova-rá o seu concerto e fará com quehabitem para sempre ao lado de seusantuário (Ez 37.26). E, segundo olivro, a purificação virá pela água,água pura derramada sobre todosaté que fiquem limpos (Ez 36.25).

Desta forma o livro chega a suaterceira série de medidas. Um tem-plo novo, um novo povo, precisa deuma nova distribuição da terra. Sãoentão estabelecidos todos os limites.As tribos têm de aproveitar a ferti-lidade dos dois lados do rio. Assimcomo o templo tem o seu Santo dosSantos, a terra também reservará oseu lugar de santidade, espaço quenão será vendido, trocado ou trans-ferido a outrem. Ela será para mo-rada dos sacerdotes e levitas. Nomeio da terra estará a cidade. Ha-

Page 106: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

106

EZEQ

UIEL

E A

SU

STENT

EZEQU

IEL E

A

SUSTEN

TEZEQ

UIEL

E A

SU

STENT

EZEQU

IEL E

A

SUSTEN

TEZEQ

UIEL

E A

SU

STENTA

BILID

AD

E- U

MA

LEITU

RA

EC

OLÓ

GIC

A

DE

EZ 4

7A

BILID

AD

E- U

MA

LEITU

RA

EC

OLÓ

GIC

A

DE

EZ 4

7A

BILID

AD

E- U

MA

LEITU

RA

EC

OLÓ

GIC

A

DE

EZ 4

7A

BILID

AD

E- U

MA

LEITU

RA

EC

OLÓ

GIC

A

DE

EZ 4

7A

BILID

AD

E- U

MA

LEITU

RA

EC

OLÓ

GIC

A

DE

EZ 4

7

LY

SIA

S

OL

IVE

IRA

D

OS

S

AN

TO

S

L

YS

IAS

O

LIV

EIR

A

DO

S

SA

NT

OS

LY

SIA

S

OL

IVE

IRA

D

OS

S

AN

TO

S

L

YS

IAS

O

LIV

EIR

A

DO

S

SA

NT

OS

LY

SIA

S

OL

IVE

IRA

D

OS

S

AN

TO

SP

ÁG

INA

S 96 A

109, 2

011

Mas Ezequiel 47oferece um quadroonde a purificaçãopela água não serestringe apenas aolado moral ouespiritual dacorrupção humana,mas é um modelode renovação detoda a terra comocriação de Deus,visando a volta aoseu primeiroobjetivo, que é umaintegração perfeitacom tudo aquiloque nela habita,incluindo o serhumano. Por issobuscaremos nestetexto a mensagemnecessária àpreservação nestestempos de tantadegradação donosso planeta.

Page 107: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

107

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

verá espaço para os que moram nacidade providenciarem também oseu sustento, não dependendo dosdemais irmãos. Também os prínci-pes terão a sua porção na terra. As-sim encerra-se a restauração dopovo, colocado em seu território,com as portas que se abrem pra onorte, sul, leste e oeste.

3- A purificação domundo

As águas que saem do temploatingem agora todo o livro deEzequiel. Apesar de todas as dificul-dades para constatar a sua unidade,como vimos no início, os rabinosdecidiram por incluí-lo na BíbliaHebraica como um só livro e assimchegou às nossas Bíblias. Então ocapítulo 47 é parte integrante dotexto completo do profeta. E ele vaimostrar que Ezequiel é um profetainteressado em purificar não só oseu povo, mas toda a terra, de to-das as suas imundícies. Um errocometido pela versão grega conhe-cida como a Septuaginta vai nos aju-dar na visualização do poder uni-versal daquelas águas. Ao verter overso oito, os tradutores confundi-ram as palavras gelilah, região eharabah, deserto, planície, e tradu-ziram: Galileia e Arábia (52). Naverdade o rio não foi tão longe as-

sim, mas a palavra profética tematravessado o tempo e os lugarescom sua mensagem de renovação detoda a terra.

As águas purificadoras, passandopor sobre a cabeça de todos, exclu-em qualquer privilégio. Escrito naBabilônia, o livro não compartilha daideia dominante de que, na terra,apenas os príncipes seriam a imageme semelhança de Deus (53). Umaobservação que é feita sobre a visãode Ezequiel é que ela faz separaçãototal entre o templo e o palácio dorei, já que o templo de Salomão “es-tava diretamente nas cercanias dasedificações do palácio do rei. Deus erei são vizinhos” e o templo deHerodes irá repetir a mesma situa-ção. Um longo discurso é dedicadoà acusação aos líderes com incum-bência da proteção do povo, poisalém de não cumprirem a tarefa re-cebida, cuidam apenas de si mesmos,explorando fortemente os mais fra-cos (Ez 34). A mesma condenaçãovem para os oficiais do templo quenão se mantiveram fiéis ao serviçoexigido, mas entregaram-se à idola-tria e negligenciaram o testemunhodo Senhor (Ez 44.10-11).

Entendido, como foi dito acimacomo um “esboço constitucional”,o texto vai unificar aqueles princí-pios expostos por Ezequiel em toda

Page 108: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

108

EZEQ

UIEL

E A

SU

STENT

EZEQU

IEL E

A

SUSTEN

TEZEQ

UIEL

E A

SU

STENT

EZEQU

IEL E

A

SUSTEN

TEZEQ

UIEL

E A

SU

STENTA

BILID

AD

E- U

MA

LEITU

RA

EC

OLÓ

GIC

A

DE

EZ 4

7A

BILID

AD

E- U

MA

LEITU

RA

EC

OLÓ

GIC

A

DE

EZ 4

7A

BILID

AD

E- U

MA

LEITU

RA

EC

OLÓ

GIC

A

DE

EZ 4

7A

BILID

AD

E- U

MA

LEITU

RA

EC

OLÓ

GIC

A

DE

EZ 4

7A

BILID

AD

E- U

MA

LEITU

RA

EC

OLÓ

GIC

A

DE

EZ 4

7

LY

SIA

S

OL

IVE

IRA

D

OS

S

AN

TO

S

L

YS

IAS

O

LIV

EIR

A

DO

S

SA

NT

OS

LY

SIA

S

OL

IVE

IRA

D

OS

S

AN

TO

S

L

YS

IAS

O

LIV

EIR

A

DO

S

SA

NT

OS

LY

SIA

S

OL

IVE

IRA

D

OS

S

AN

TO

SP

ÁG

INA

S 96 A

109, 2

011

a sua extensão, os quais saem doslimites do seu povo para atingir atoda a humanidade em todos ostempos: a necessidade urgente depurificação diante da santidade deDeus (Ez 42.20; 44.23); a respon-sabilidade de cada um sobre o seupecado, excluindo todos os privilé-gios. Por conta deste assunto ele re-dige um de seus textos ontológicos,trabalhando em seu estilo repetitivoo tema: “a alma que pecar, estamorrerá” (Ez 18); a entrega do co-ração nas mãos de Deus para queele o molde segundo o seu própriocoração (Ez 28.20), para que dêum coração novo, não de pedra,mas coração de carne, para que vivaem um novo espírito. Será estenovo coração, este novo espíritoque identificará cada um como per-tencente ao povo de Deus e não asua descendência terrena. (Ez 11.9;18.31; 36.26).

Dentro dos propósitos deste ar-tigo podemos finalmente dizer queassim como as águas de Ezequielnivelam os diferentes povos, elimi-na-se a diferença entre o individuale o coletivo, pois cria-se uma novacomunidade. Assim também se eli-

mina a diferença entre a interpreta-ção messiânica que geralmente édada ao texto e a interpretação tem-poral, pois o modelo apresentadopelo profeta serve muito bem paraser aplicado no “aqui e agora”, naexperiência diária da vida, pois equi-libra muito bem a felicidade da es-pécie humana, o desejo de todos deque “os nossos celeiros sejam reple-tos, e as nossa ovelhas produzam amilhares e a dezenas de milhares emnossos campos, e os nossos bois le-vem cargas pesadas, e não haja as-saltos nem fugas nem clamores emnossas ruas” (Sl 144.13,14) e a con-servação da terra com suas rique-zas e a fertilidade.

Portanto é bom que, à semelhan-ça dos anciãos de Israel estejamossentados na casa do profeta (Ez 8.1),não para curiosamente ouvir um“contador de parábolas” (Ez 20.49),mas para tê-lo como um sinal da-quilo que Deus quer que façamos(Ez 24.24), para saber que em nos-so meio está um profeta (Ez 2.5)que termina suas palavras convidan-do-nos a ser habitantes da cidadecujo nome é Javé shamah, “o Se-nhor está ali”. (Ez 48.35).

Page 109: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

109

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

N o tasNo tasNo tasNo tasNo tas1) “ Batismo e unidade cristã: um estu-do de Efésios 4. 1-5”. In Teologia e Sociedade 4,revista da Faculdade de Teologia de São Paulo,da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil,novembro de 20072) Gun I, p 2883) Idem, ibidem4) Ben I, p 1355) Br, p 3506) Ben I, 1387) Idem, p 140,1418) Ben I p 1409) Dic, verbete Ezequiel10) Ben I p 14011) Dic, verbete Ezequiel12) Ben, p 14113) Gun I, p 28714) 13b) Gun II, p 28915) Ben I, p 142, 14316) Br, p 350, nota 7417) Br, p 35118) Idem, ibidem19) EP, Ez 16.2520) Dic, verbete Ezequiel21) EP, Ez 23.2022) Ben I, p 14123) In, comentário de Ez 4724) TEB, introdução a Ezequiel

25) Ben II, p 13826) Pul, comentário de Ez 4727) Gun I, p 17728) Dic, verbete Ezequiel29) Pul, comentário de Ez 4730) Rei, p 14231) Pul, comentário de Ez 4732) Rei, p 4033) Bem II, p 13934) Gun II, p 21135) Rei, PP 35, 68, 13336) TEB, Ez 47, nota sobre Ez 4737) Rei, pp 40,4738) Ben II, p 141, Ro II, p 22339) Gun I, p 31440) Don, p 34441) Dic, verbete Ezequiel42) Gun I, p 178, 18043) Gun I, p 179,18044) Gun I, p 17945) Br, p 351-35346) Ben II, p 139, Dic, verbete Ezequiel47) Ro II, 22348) Dic, verbete Ezequiel49) TEB, introdução ao livro de Ezequiel50) Septuaginta, Ez 47.8, Deutsche Bibelgeselt

Schaft, Stutgart51) Rei, p 3652) Gun I, p 18553) Br, p 356

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASREFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASREFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASREFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASREFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Dicionário Enciclopédico da Bíblia. Rio de Janeiro: Vozes, 1977 (Dic).).).).).BRIGHT, John. La Historia de Israel. Bilbao: Desclee de Brouwer, 1966 (Br).).).).).GUNNEWEG, Antonius H. J. Teologia Bíblica do Antigo Testamento. S. Paulo: Teológica/Loyola, 2005(Gun I).).).).).____________. História de Israel. S. Paulo: Teológica/Loyola, 2005 (Gun II).).).).).BENTZEN, A. Introdução ao Antigo Testamento. S. Paulo: ASTE, v. 1, 1959 (Ben I).).).).).___________. ___________. ___________. ___________. ___________. Introdução ao Antigo Testamento. S. Paulo: ASTE, v. 2, 1959 (Ben II).).).).).DONNER, Herbert. História de Israel. S.Leopoldo/Petrópolis: Sinodal/Vozes, 1997 (Don).).).).).Biblia Sagrada. Edição Pastoral. S.Paulo: Paulus, 1991 (EP).).).).).Biblia. Tradução Ecumênica. S.Paulo: Loyola, 1994 (TEB).).).).).REIMER, Harold. Toda a Criação, Bíblia e Ecologia. S. Leopoldo: Oikos, 2006 (Rei).).).).).RODRIGUES, José Carlos. Estudo sobre o Velho Testamento. vol. 2, Rio de Janeiro: 1921 (Ro).).).).).The Pulpit Commentary. Grand Rapids, Mi: W.M. B. Eerdmans Publishing Company, v. 12, 1950 (Pul).).).).).GOTTWALD, Norman K. As Tribos de Iahweh. S. Paulo: Paulinas, 1986 (Got).).).).).Interpretation. Louisville: John Knox, Press, 1973 (In).).).).).

Page 110: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

110

R

ES

EN

HA

-

RE

SE

NH

A

- R

ES

EN

HA

-

RE

SE

NH

A

- R

ES

EN

HA

-

O

PR

INC

ÍPIO

R

ES

PO

NS

AB

ILIDA

DE

O

PR

INC

ÍPIO

R

ES

PO

NS

AB

ILIDA

DE

O

PR

INC

ÍPIO

R

ES

PO

NS

AB

ILIDA

DE

O

PR

INC

ÍPIO

R

ES

PO

NS

AB

ILIDA

DE

O

PR

INC

ÍPIO

R

ES

PO

NS

AB

ILIDA

DE

RU

BE

NS

ME

NZE

N B

UE

NO

RU

BE

NS

ME

NZE

N B

UE

NO

RU

BE

NS

ME

NZE

N B

UE

NO

RU

BE

NS

ME

NZE

N B

UE

NO

RU

BE

NS

ME

NZE

N B

UE

NO

GIN

AS 1

10 A

115, 2

011

Ru

ben

s Men

zen B

uen

o*R

ub

ens M

enzen

Bu

eno*

Ru

ben

s Men

zen B

uen

o*R

ub

ens M

enzen

Bu

eno*

Ru

ben

s Men

zen B

uen

o*** ***

RRRRResenhaesenhaesenhaesenhaesenhaO princípio responsabilidadeO princípio responsabilidadeO princípio responsabilidadeO princípio responsabilidadeO princípio responsabilidade

técnicas se impuseram sobretoda a humanidade, em marchairrefreável e incontrolável, pon-do em grave risco a futura exis-tência do homem e da naturezano planeta Terra. Ora, astecnologias alteraram o agir dohomem, e o agir é a matéria daética. Torna-se necessária umanova ética para o novo agir.

Hans Jonas passa a discutir osdois temas – “futuro” e “Ser” – tra-balhando no campo da metafísicae mais propriamente da ontologia,da qual deriva a ética de princípi-os. Quanto a futuro, descarta asvisões escatológicas do mais-além,uma vez que consistem em normasde conduta semelhantes às pres-crições de justiça, amor ao próxi-mo, sinceridade, que são de umaética imanente, em estilo clássico,da simultaneidade e daimediatidade e não impulsionamos fiéis a implantá-lo.

Outras visões são a do legisla-dor e do estadista, preocupadoscom o futuro bem-estar da comu-nidade, porém um futuro que sejamantido igual ao presente e que ojustifique perante os cidadãos. En-

* Mestre em Planejamento Econômico pela Universi-dade de Porto Rico.

JONAS, HANS. O Princípio

Responsabilidade: Ensaio

de uma Ética para a

Civilização Tecnológica.

Rio de Janeiro:

Contraponto, PUC-Rio,

2006. 354p.

Hans Jonas inicia o seu livroafirmando que todos os pensa-dores, da Antiguidade àModernidade, consideravam aética como tratando exclusiva-mente do relacionamento dire-to de homem com homem, as-sim como o de cada homemconsigo mesmo: “toda ética tra-dicional é antropocêntrica” e li-mitada no espaço e no tempo.O braço curto do poder huma-no não exigiu qualquer braçocomprido do saber, capaz de pre-dição, de pensar o futuro. Nemincluiu a esfera da natureza.

Entretanto, as ciências e as

Page 111: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

111

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

tretanto, o Estado é considerado peloAutor peça chave na construção doprincípio responsabilidade. Final-mente, é destacada a visão da “uto-pia moderna”, a escatologia secularque é a filosofia da história enotadamente o marxismo, que serádiscutido adiante.

Há, portanto, “um vácuo ético”,onde o medo substitui a virtude e asabedoria. A este tema dedica todoo capítulo II: o dever de visualizaros efeitos a longo prazo, de mobili-zar o sentimento do bonum paraenfrentar a dinâmica cumulativa dosdesenvolvimentos técnicos. HansJonas prefere os prognósticos dodesastre, desde que suficientemen-te plausíveis, a um prognóstico al-ternativo de felicidade. Alerta quenão temos o direito a “apostar” nofuturo da humanidade. A humani-dade não tem direito ao suicídio.

Há pois, o dever diante da pos-teridade: a moral tradicional reco-nhece e pratica, espontaneamente,a responsabilidade para com os fi-lhos, que sucumbiriam se a procri-ação não prosseguisse por meio daprecaução e da assistência. Não énecessário justificar o dever de teruma posteridade: a idéia de homemé uma responsabilidade ontológica.

Eis que esta afirmação contrariadois dogmas arraigados em nossotempo: “nenhuma verdade

metafísica” e “nenhum caminho doé para o deve”. Hans Jonasdesconstrói peça por peça ambos osdogmas: “a ética não deveria estaci-onar no brutal antropocentrismo quecaracteriza a ética tradicional e, par-ticularmente, a ética heleno-judaico-cristã do Ocidente. As possibilidadesapocalípticas contidas na tecnologiamoderna têm nos ensinado que oexclusivismo antropocêntrico pode-ria ser um preconceito e que, emtodo caso, precisaria serreexaminado” (p. 97). O único ca-minho para isto é a metafísica.

Em seguida demonstra que oSER contém finalidades e necessi-dades. E por isso estamos tratandode “valores” e, conseqüentemente,do DEVER SER.

Utilizando as ciências naturais,elucida esta complexa relação emcadeia entre o SER e o DEVER SER.Exemplifica com uma ferramenta (omartelo), no outro extremo, umainstituição (o tribunal) e nas etapasintermediárias uma função-com-um-fim (andar) e um órgão (o di-gestivo). Conclui pela imanência dosfins no SER. Este inclui toda a Na-tureza. É notável que Hans Jonasjamais trate a Natureza como “ob-jeto” em face do Ser, o suposto su-jeito. Pelo contrário, para ele, aNatureza é o SER, que poderia serchamado atualmente de “biosfera”.

R

ESE

NH

A -

RESE

NH

A -

RESE

NH

A -

RESE

NH

A -

RESE

NH

A - O

princípio responsabilidade R

ubens Menzen B

ueno R

ubens Menzen B

ueno R

ubens Menzen B

ueno R

ubens Menzen B

ueno R

ubens Menzen B

uenoR

EV

ISTR

EV

ISTR

EV

ISTR

EV

ISTR

EV

ISTA TE

OL

A TE

OL

A TE

OL

A TE

OL

A TE

OLO

GIA

E SO

CIE

DA

DE

O

GIA

E SO

CIE

DA

DE

O

GIA

E SO

CIE

DA

DE

O

GIA

E SO

CIE

DA

DE

O

GIA

E SO

CIE

DA

DE

VV VVVol. 1 nº

ol. 1 nº

ol. 1 nº

ol. 1 nº

ol. 1 nº 88 888

, , , , , outubro outubro outubro outubro outubro de 2

0de 2

0de 2

0de 2

0de 2

01

11

11

11

11

1, S

ão P, S

ão P, S

ão P, S

ão P, S

ão Pauloauloauloauloaulo, S

P, S

P, S

P, S

P, S

P P

ÁG

INA

S 11

GIN

AS 1

1 P

ÁG

INA

S 11

GIN

AS 1

1 P

ÁG

INA

S 11

00 000 A

1 A

1 A

1 A

1 A

11

51

51

51

51

5

Page 112: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

112

R

ES

EN

HA

-

RE

SE

NH

A

- R

ES

EN

HA

-

RE

SE

NH

A

- R

ES

EN

HA

-

O

PR

INC

ÍPIO

R

ES

PO

NS

AB

ILIDA

DE

O

PR

INC

ÍPIO

R

ES

PO

NS

AB

ILIDA

DE

O

PR

INC

ÍPIO

R

ES

PO

NS

AB

ILIDA

DE

O

PR

INC

ÍPIO

R

ES

PO

NS

AB

ILIDA

DE

O

PR

INC

ÍPIO

R

ES

PO

NS

AB

ILIDA

DE

RU

BE

NS

ME

NZE

N B

UE

NO

RU

BE

NS

ME

NZE

N B

UE

NO

RU

BE

NS

ME

NZE

N B

UE

NO

RU

BE

NS

ME

NZE

N B

UE

NO

RU

BE

NS

ME

NZE

N B

UE

NO

GIN

AS 1

10 A

115, 2

011

A Teoria da Responsabilidadederiva desta passagem ontológica doBem, do Dever e do Ser:

“A própria diversidade gené-tica é um dos modos de ser eum esforço, sobre a qual nãose pode dizer que fosse sem-pre a “melhor”, mas cuja con-servação constitui um bemdiante da extinção ou do em-pobrecimento” (p. 151).

Devemos dar um “não” enfáticoao não-ser.

O principio responsabilidade éenunciado:

“O imperativo categórico deKant dizia: ‘Age de modo quetu também possas querer quetua máxima se torne lei ge-ral’. Um novo imperativo ade-quado ao novo tipo de agirhumano e voltado para o novotipo de sujeito atuante deve-ria ser mais ou menos assim:‘Age de modo a que os efeitosda tua ação sejam compatí-veis com a permanência deuma autêntica vida humanasobre a Terra’; ou, expressonegativamente: ‘Não ponhasem perigo as condições ne-cessárias para a conservaçãoindefinida da humanidade so-bre a Terra’” (p. 47).

Este alarme não recebe qualquer

atenção por parte dos países cen-trais capitalistas. Sabe-se que a es-calada de consumo e destruição dosrecursos naturais por este sistemaestá levando o planeta rapidamen-te à destruição, ao genocídio, àguerra pela posse dos recursos na-turais e à inviabilidade da sobrevida.Deve sobreviver o homem, mastambém a natureza humana, compleno significado.

A responsabilidade política segueo arquétipo da responsabilidadeparental, ainda que ambos mante-nham devidos contrastes. Os paistêm responsabilidade natural porseus filhos. A primeira de todas asresponsabilidades do Estado é garan-tir a possibilidade de que haja res-ponsabilidade: que vivam os homense que vivam bem, com significado.

O objetivo da educação da cri-ança é ser adulto mas, tratando-seda dimensão temporal, não se podetratar as gerações passadas como“infância” da humanidade (como ofizeram muitos missionários).Igualmente, nesta dimensão, o pa-pel da teoria ética é a predição, apartir de um saber analítico das cau-sas, nem por isso atribuindo ao fu-turo virtudes de “juventude” ou de“velhice”. Errar nestas avaliaçõescompromete a ética.

A teoria marxista é a única teo-ria da história que tem pretensão de

Page 113: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

113

REVISTA

TEOLO

GIA

E SOCIED

AD

E Vol. 1 nº 8, outubro de 2011, São Paulo, SP

fazer previsões e, ao mesmo tempoaciona implicações práticas. A úni-ca, portanto, que deve ser conside-rada ao se tratar da responsabilida-de política. O estudioso interessa-do haverá de tirar grande proveitodas 115 páginas (p. 239 a 353)dedicadas ao que Hans Jonas cha-ma de “utopia marxista”. Aí desta-ca a visão de mundo “progressista”do marxismo, segundo a fórmula deErnst Bloch: “S não é ainda P” (oSujeito não é ainda Predicado), istoé, o homem verdadeiro ainda estápor vir, e até agora, não o é, nemnunca o foi. Então apresenta a fór-mula de Ernst Bloch: “o homem éum ser de esperança”.

A previsão da utopia é do nasci-mento de um “novo homem”, comnova moral. E de uma “nova econo-mia” na qual não será aumentada amédia atual da exploração dos re-cursos naturais. Pelo contrário, opadrão de vida dos que têm muitoserá reduzido e seu consumismoestabilizado na medida em que atecnologia será repassada para osque não têm e que, portanto, passa-rão também a consumir. Nesseprogressismo da utopia, já concei-tuada por Bacon, inclui-se a indus-trialização e o culto da técnica, adespeito de seus perigos eminentes.

Conta aí também o papel centraldo Estado, utilizando o previsto por

Platão, “a mentira nobre”, quandoadota o “princípio do medo” sob odisfarce do “princípio da esperança”.

Por último, o princípio responsa-bilidade se estenderá sobre o proble-ma da alienação do homem. Marx eErnst Bloch dedicaram reflexões so-bre o lazer do trabalhador libertadoda servidão graças à tecnologia e à“sociedade sem classes”. Jonas tratacom cautela este tema, cuja “admi-nistração” caberá, outra vez, à buro-cracia no Estado. E, como sabemos,com a burocracia a “luta de classes”continuará. Mas Hans Jonas não re-gistrou a queda do Muro de Berlim edos governos “comunistas”, pois pu-blicou sua obra em 1979.

Discretamente, Hans Jonas põeum fim ao seu Ensaio:

“Temos novamente de recu-perar o respeito e o medoque nos protejam dos desca-minhos do nosso poder...Da mesma maneira que aesperança, o medo tam-pouco deve nos levar a adi-ar o objetivo verdadeiro – aprosperidade do homem nasua humanidade íntegra – eentrementes arruinar tal ob-jetivo, em virtude dos mei-os (tecnológicos)... Trata-sede assumir a responsabili-dade pelo futuro do ho-mem” (p. 353).

Page 114: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos

114

R

ES

EN

HA

-

RE

SE

NH

A

- R

ES

EN

HA

-

RE

SE

NH

A

- R

ES

EN

HA

-

O

PR

INC

ÍPIO

R

ES

PO

NS

AB

ILIDA

DE

O

PR

INC

ÍPIO

R

ES

PO

NS

AB

ILIDA

DE

O

PR

INC

ÍPIO

R

ES

PO

NS

AB

ILIDA

DE

O

PR

INC

ÍPIO

R

ES

PO

NS

AB

ILIDA

DE

O

PR

INC

ÍPIO

R

ES

PO

NS

AB

ILIDA

DE

RU

BE

NS

ME

NZE

N B

UE

NO

RU

BE

NS

ME

NZE

N B

UE

NO

RU

BE

NS

ME

NZE

N B

UE

NO

RU

BE

NS

ME

NZE

N B

UE

NO

RU

BE

NS

ME

NZE

N B

UE

NO

GIN

AS 1

10 A

115, 2

011

Comentários:‘1-Da resenha de Will Goya, na Internet 1:

“Destaque-se que o enorme esforço te-órico de Jonas suscitou e ainda suscitamuitas polêmicas quanto aos pressupos-tos evocados pelo pensador alemão: (1)o medo de ferir as gerações futuras como um princípioético absoluto, (2) a tecnologia como uma face onde apossibilidade da catástrofe é maior do que a possibilidadede evitá-la, (3) as utopias políticas vigentes como incapa-zes de lidar com o futuro, (4) a sua leitura das perspecti-vas éticas clássicas e modernas como relativas exclusiva-mente às relações éticas presentes ou próximas e incapa-zes de lidar com a possibilidade da vida futura.”

‘2- Embora tenha estudado com R. Bultmann, Hans Jonas nãoconsiderou devidamente as contribuições da Teologia Cristã nocampo da Ética: (1) a História bíblica, o messianismo e a constru-ção do Reino, seguramente são dedicados aos temas referidos porJonas, como a Natureza, o Futuro, a “nova humanidade” – original-mente um tema bíblico que a filosofia importou; (2) a contribuiçãode Paul Lehmann com sua obra “A Ética no Contexto Cristão” 2, de1962, discutindo a ética contextualizada, na koinonia cristã, emfranca oposição à “ética de princípios”, filosófica. A insuficiência daética filosófica consiste, diz ele, em que o fator específico eformativamente ético não pode ser racionalmente generalizado e,sem a possibilidade de uma generalização racional, a ética filosóficanão pode dar uma estrutura interpretativa para a situação ética.Nos problemas humano-ecológicos isto quer dizer que as comuni-dades são o sujeito da análise e da ação corretiva em cada contexto,inclusive como agente de pressão sobre o Estado que,confessadamente, não quer alterar o status quo.

1 http://www.filosofia.com.br/vi_classic.php?id=18, consultado em 31/08/2011.2 Lehmann, Paul L. – “La Ética en el contexto cristiano”, Montevideo: Editorial Alfa, 1968, p. 293

Page 115: miolo revista8 AF - teologiaesociedade.org.br · a teodiceia na teologia cristÃ: o mal na criaÇÃo teologia missional sÓcio-ambiental a Água, a terra, paraÍso e inferno ecolÓgicos