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miolo SuperBrain 2as emendas

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T í t u l o : SupercérebroA u t o r i a : Deepak Chopra e Rudolph E. TanziEsta edição © 2013 Self – Desenvolvimento pessoalTítulo original Super Brain © 2012 Deepak Chopra e Rudolph E. Tanzi. Publicado originalmente nos Estados Unidos por Harmony Books, 2012

T r a d u ç ã o : Teresa Martins de CarvalhoR e v i s ã o : Self – Desenvolvimento PessoalC o m p o s i ç ã o : Banian Design, em carateres Minion Pro, corpo 12 D e s i g n d a c a p a : Banian DesignD e s i g n d o i n t e r i o r : Banian Design

I m p r e s s ã o e a c a b a m e n t o : Guide - Artes Gráficas, Lda.1 ª e d i ç ã o : Junho, 2013I S B N : 978-989-98288-4-1D e p ó s i t o L e g a l : 359544/13

S e l f – D e s e n v o l v i m e n t o p e s s o a lAv. da Republica, 861, Bloco A, 5º Andar, 2775-274 Parede, PortugalE-mail: [email protected]

Self Desenvolvimento Pessoal EditoraB a n i a n D e s i g nE-mail: [email protected]

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Manifesto Self

Num mundo cada vez mais competitivo, é muito importante olharmos para nós e cuidarmos de nós próprios. Não apenas da aparência… mas cuidar de nós como um todo, como algo que devemos proteger, acarinhar e conduzir ao caminho dos nossos sonhos e objetivos. Sem grandes ra-dicalismos ou barreiras no que respeita à linha editorial, a Self procura conteúdos que contribuam para um melhoramento das nossas capacida-des como indivíduos, nos mais variados géneros literários. Ajudar-nos a ir mais longe, ensinar-nos a fazer melhor, procurar ser o nosso treinador pessoal em tudo o que são áreas de aprendizagem. O desenvolvimento pessoal é algo que pode ser potenciado por cada um de nós.

Acreditamos que ser melhor é ter mais capacidade para enfrentar obs-táculos, lidar com difi culdades, tirar o melhor partido das nossas capaci-dades, saber gerir as nossas vidas e como consequência… ser mais feliz.

A Self não é uma chancela hermética ou fechada sobre si própria. A escolha dos seus títulos é cuidadosamente ponderada por um conselho editorial, constituído por pessoas bem posicionadas e profundamente co-nhecedoras das temáticas que publicam. Pelo pluralismo do seu conselho editorial, consegue encontrar os trabalhos dos melhores profi ssionais nas mais diversas áreas de conhecimento.

Porque nós não somos seres unidimensionais, é importante preencher alguns dos campos mais práticos da vida como: a carreira, a família, o exercício físico, a alimentação e culinária, as fi nanças pessoais, etc. Mas nunca esquecendo o quão importante é cuidar das áreas mais subjetivas das nossas vidas, como a espiritualidade, a meditação, o autoconheci-mento, entre outras.

O objetivo da Self é, portanto, promover a ideia do “Ser mais, Ser me-lhor”. Dizer ao leitor que a nossa vida está nas nossas mãos e que não há limites para o que podemos fazer ou alcançar.

Estamos atentos às tendências e às necessidades, para sermos o me-lhor veículo do seu Coaching pessoal.

Seja melhor. Por si e pelos outros.

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Tradução de Teresa Martins de Carvalho

A presente obra respeita as regras do Novo Acordo Ortográfico.

Às nossas mulheres e amadas famílias

Aristóteles ensinava que o cérebro existe meramente para arrefecer o sangue e não está envolvido no processo de pensar. Isto é verdade apenas para

certas pessoas.— Will Cuppy

ÍNDICE

PARTE 1 - DESENVOLVENDO O SEU MAIOR DOM 15UMA IDADE DE OURO PARA O CÉREBRO 17CINCO MITOS A DISSIPAR 30

SOLUÇÕES DO SUPERCÉREBRO: PERDA DE MEMÓRIA 49

HERÓIS DO SUPERCÉREBRO 53SOLUÇÕES DO SUPERCÉREBRO: DEPRESSÃO 67

PARTE 2 - FAZENDO A REALIDADE 79O SEU CÉREBRO, O SEU MUNDO 81

SOLUÇÕES DO SUPERCÉREBRO: EXCESSO DE PESO 96

O SEU CÉREBRO ESTÁ A EVOLUIR 103SOLUÇÕES DO SUPERCÉREBRO: ANSIEDADE 116

O CÉREBRO EMOCIONAL 128SOLUÇÕES DO SUPERCÉREBRO: CRISES PESSOAIS 136

DO INTELECTO À INTUIÇÃO 142SOLUÇÕES DO SUPERCÉREBRO: ENCONTRANDO O SEU PODER 162

A MORADA DA FELICIDADE 171SOLUÇÕES DO SUPERCÉREBRO: AUTOCURA 184

PARTE 3 - MISTÉRIO E PROMESSA 191O CÉREBRO ANTIENVELHECIMENTO 193

SOLUÇÕES DO SUPERCÉREBRO: LONGEVIDADE MÁXIMA 204

O CÉREBRO ILUMINADO 220SOLUÇÕES DO SUPERCÉREBRO: TORNANDO DEUS REAL 236

A ILUSÃO DA REALIDADE 245SOLUÇÕES DO SUPERCÉREBRO: BEM-ESTAR 263

EPÍLOGO DE RUDYOLHANDO PARA A DOENÇA DE ALZHEIMER COM ESPERANÇA E LUZ 269

EPÍLOGO DE DEEPAKALÉM-FRONTEIRAS 275

AGRADECIMENTOS 280SOBRE OS AUTORES 281

PARTE 1

DESENVOLVENDOO SEU MAIOR

DOM

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UMA IDADE DE OUROPARA O CÉREBRO

O que sabemos nós realmente acerca do cérebro humano? Nas décadas de 1970 e 1980, quando os autores faziam o seu percurso académico,

a resposta honesta era “muito pouco”. À época corria um dizer: estudar o cérebro era como aplicar um estetoscópio do lado de fora do Astrodome1 para apurar as regras do futebol.

O seu cérebro contém, grosso modo, cem mil milhões de células nervosas formando por toda a parte um bilião a talvez mesmo mil bi-liões de conexões chamadas sinapses. Estas conexões estão em cons-tante e dinâmico estado de remodelação em resposta ao mundo à sua volta. Como maravilha da natureza que é, esta é minúscula e contudo monstruosa.

Todos olham com assombro para o cérebro, em tempos apelidado de “o universo de quilo e meio”2. E com toda a razão. O seu cérebro não se li-mita a interpretar o mundo, cria-o. Tudo o que você vê, ouve, toca, degusta e cheira não teria nenhuma dessas qualidades sem o cérebro. Seja o que for que vivencie hoje — o seu café da manhã, o amor que sente pela sua família, uma ideia brilhante no trabalho —, foi especifi camente personalizado à sua medida única.

1 O primeiro estádio fechado e um dos mais famosos dos EUA, inaugurado em 1965 em Houston, Texas, e ofi cialmente encerrado em 2005. (N. da T.)2 Adaptação portuguesa da popular expressão em língua inglesa “three-pound universe”, ou “universo de três libras”. (N. da T.)

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De imediato nos confrontamos com uma questão crucial. Se o seu mundo é único e personalizado à sua medida e de mais ninguém, quem está por trás de tão notável criatividade, você ou o próprio cérebro? Se a resposta for você, então abre-se de par em par a porta para uma maior cria-tividade. Se a resposta for o seu cérebro, então poderá haver limitações físi-cas drásticas quanto ao que será capaz de alcançar. Talvez os seus genes o estejam a refrear, ou memórias tóxicas, ou uma baixa autoestima. Talvez fi que aquém por expetativas limitadas lhe terem contraído a consciência, ainda que não o veja acontecer.

A matéria de facto do processo poderia facilmente enunciar ambas as histórias, de ilimitado potencial ou limitação física. Comparativamente com o passado, a ciência atual acumula nova matéria de facto com espan-tosa velocidade. Entrámos numa idade de ouro para a investigação do cérebro. A cada mês que passa, fazem-se novas conquistas, mas no meio de tão entusiasmantes avanços, o que dizer do indivíduo, da pessoa que depende do cérebro para tudo? Será esta uma idade de ouro para o seu cérebro?

Detetamos uma enorme lacuna entre uma brilhante investigação e a realidade de todos os dias. Vem-nos à mente um outro dizer da Faculdade de Medicina de tempos idos: cada pessoa usa tipicamente apenas 10% do seu cérebro. Literalmente falando, isso não é verdade. Num adulto saudável, as redes neuronais operam em plena capacidade o tempo todo. Até os mais sofi sticados exames imagiológicos cerebrais disponíveis não revelariam qualquer diferença detetável entre Shakespeare escrevendo um solilóquio de Hamlet e um aspirante a poeta escrevendo o seu primeiro soneto. Mas o cérebro físico não é nem de perto a história toda.

Para criar uma idade de ouro para o seu cérebro, tem de usar o dom com que a natureza o dotou de uma nova maneira. Não é o número de neu-rónios ou algum passe de mágica dentro da sua matéria cinzenta que torna a vida mais vital, inspiradora e bem-sucedida. Os genes desempenham o seu papel, mas os seus genes, tal como o resto do cérebro, são igualmente dinâmicos. Diariamente, você dá entrada na tempestade de fogo invisível de atividade eletroquímica que constitui a atmosfera cerebral. Desempenha o papel de condutor, inventor, professor e utilizador do seu cérebro, tudo ao mesmo tempo.

Como condutor, passa as ordens do dia ao seu cérebro.Como inventor, cria novos trilhos e conexões dentro do seu cérebro que não existiam ontem.Como professor, treina o seu cérebro na aprendizagem de no-vas aptidões.

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Como utilizador, é responsável por manter o seu cérebro em boa ordem de funcionamento.

Nestes quatro papéis jaz toda a diferença entre o cérebro de todos os dias — apelidemo-lo de cérebro base — e aquilo a que chamamos supercé-rebro. A diferença é abissal. Ainda que você não se relacione com o cérebro pensando Que ordens hei de dar hoje? ou Que novos trilhos quero criar?, é precisamente isso que faz. O mundo personalizado em que vive tem neces-sidade de um criador. O criador não é o seu cérebro, é você.

O supercérebro equivale a um criador plenamente consciente usando o cérebro com a máxima vantagem. O seu cérebro é infi nitamente adaptá-vel, e você poderia desempenhar os seus quatro papéis — condutor, inven-tor, professor e utilizador — com resultados muitíssimo mais satisfatórios do que aqueles que agora alcança.

Condutor: As ordens que você dá não são simplesmente dados de comando de um computador como “apagar” ou “rolar para o fundo da pá-gina”. Esses são comandos mecânicos inseridos numa máquina. As suas or-dens são recebidas por um organismo vivo que muda de cada vez que envia uma instrução. Se pensar Quero os ovos com bacon que comi ontem, o seu cérebro não muda de todo. Se em vez disso pensar O que hei de comer hoje ao pequeno-almoço? Quero algo diferente, de súbito estará a abrir um ma-nancial de criatividade. A criatividade é uma inspiração viva, com fôlego, sempre renovada, que computador algum pode igualar. Porque não tirar o máximo partido disso? Pois o cérebro tem a miraculosa capacidade de dar tanto mais quanto mais lhe pedir.

Traduzamos esta ideia em como se relaciona com o seu cérebro agora e como se poderá vir a relacionar. Veja as listas abaixo. Com qual dos dois se identifi ca?

CÉREBRO BASENão me levo a comportar de modo muito diferente hoje do de ontem.Sou uma criatura de hábitos.Não estimulo a mente com coisas novas muito frequentemente.Gosto da familiaridade. É a maneira mais confortável de viver.Para ser honesto, tudo é uma entediante repetição em casa, no trabalho, e nos meus relacionamentos.

SUPERCÉREBROEncaro cada dia como um novo mundo.Tomo atenção para não cair em maus hábitos, e se algum se

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instala, com facilidade lhe ponho fi m.Gosto de improvisar.Abomino o tédio, que para mim signifi ca repetição.Deixo-me atrair por coisas novas em muitas áreas da minha vida.

Inventor: O seu cérebro está em constante evolução. Isto acontece individualmente, faceta única do cérebro (e um dos seus mais profundos mistérios). O coração e o fígado com que nasceu serão essencialmente os mesmos órgãos quando morrer. Não o cérebro. É capaz de evoluir e aper-feiçoar-se ao longo de toda a sua vida. Invente coisas novas para ele fazer, e você tornar-se-á fonte de novas aptidões. Uma impressionante teoria tem por slogan “dez mil horas”, segundo a noção de que é possível adquirir-se qualquer exímia aptidão se nela se aplicar esse período de tempo, até apti-dões como pintura e música dantes reservadas apenas às pessoas de talento. Se alguma vez assistiu ao Cirque du Soleil, poderá ter assumido que aqueles espantosos acrobatas provêm de famílias circenses ou trupes estrangeiras. Na realidade, cada ato do Cirque du Soleil, com poucas exceções, é ensina-do a gente comum que frequenta uma escola especial em Montreal. A um determinado nível, a sua vida é uma série de aptidões, começando com o andar, falar e ler. O erro que cometemos é o de limitar essas aptidões. E contudo o mesmo sentido de equilíbrio que lhe permitiu dar os primeiros passos, andar, correr e guiar uma bicicleta, se lhe derem dez mil horas (ou menos), pode permitir-lhe transpor um arame entre dois arranha-céus. Está a pedir muito pouco ao seu cérebro quando deixa de lhe pedir que aperfeiçoe novas aptidões diariamente.

Com qual dos dois se identifi ca?

CÉREBRO BASENão posso propriamente dizer que esteja a crescer tanto como quando era mais novo.Se aprendo uma nova aptidão, levo-a só até certo ponto.Resisto à mudança e às vezes sinto-me ameaçado por ela.Não vou para além daquilo em que já sou bom.Passo grande parte do tempo em atividades passivas como ver televisão.

SUPERCÉREBROContinuarei a evoluir durante toda a minha vida.Se aprendo uma nova aptidão, levo-a o mais longe possível.Adapto-me rapidamente à mudança.

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Se não sou bom numa coisa à primeira tentativa, tudo bem. Gosto do desafi o.A atividade é que me faz vicejar, apenas com uma dose módica de inação.

Professor: O conhecimento não está enraizado em factos; está enrai-zado na curiosidade. Um professor inspirado pode alterar um aluno para toda a vida instilando-lhe curiosidade. Você está na mesma posição para com o seu cérebro, mas com uma grande diferença: tanto é aluno como professor. Instilar curiosidade é responsabilidade sua, e quando ela surge, você é igualmente aquele que se sente inspirado. Cérebro algum foi alguma vez inspirado, mas quando você o é, desencadeia uma cascata de reações que iluminam o cérebro, ao passo que o cérebro desprovido de curiosidade está basicamente adormecido. (E pode estar igualmente a desmoronar; há provas de que podemos prevenir sintomas de senilidade e envelhecimento cerebral permanecendo socialmente adaptados e intelectualmente curiosos ao longo de toda a vida.) Tal como um bom professor, você tem de con-trolar erros, encorajar pontos fortes, reparar quando o aluno está pronto para novos desafi os, e por aí fora. Tal como um aluno brilhante, tem de se manter aberto às coisas que desconhece, ser recetivo e não mentalmente fechado.

Com qual dos dois se identifi ca?

CÉREBRO BASEEstou bastante instalado na minha abordagem à vida.Estou casado com as minhas crenças e opiniões.Deixo que os outros sejam os peritos.Raramente vejo programas de televisão educativos ou assisto a palestras.Já se passou um bom tempo desde que me senti realmente inspirado.

SUPERCÉREBROGosto de me reinventar.Alterei recentemente uma crença ou opinião há muito sustentada.Há pelo menos uma coisa em que sou perito.Deixo-me atrair por vias educativas na televisão ou em univer-sidades locais.Sinto-me diariamente inspirado pela minha vida.

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Utilizador: Não existe manual de instruções para o cérebro, mas ele precisa de alimento, reparação e da devida manutenção ainda assim. Certos nutrientes são físicos; a atual mania dos alimentos para o cérebro faz as pessoas correrem para vitaminas e enzimas. Mas o devido alimento para o cérebro é tanto mental como físico. O álcool e o tabaco são tóxi-cos, e sujeitar o cérebro à sua exposição é fazer mau uso dele. A raiva e o medo, o stress e a depressão são igualmente uma forma de má utilização. No momento em que escrevemos este livro, um novo estudo revela que uma rotina de stress diário fecha o córtex pré-frontal, a parte do cérebro responsável pela tomada de decisões, correção de erros e avaliação de si-tuações. É por isso que as pessoas dão em doidas em engarrafamentos. É um stress rotineiro, e contudo a fúria, frustração e impotência que alguns condutores sentem indicam que o córtex pré-frontal deixou de dominar os impulsos primários por cujo controlo é responsável. Damos constan-temente connosco a voltar à mesma questão: use o seu cérebro, não deixe que o seu cérebro o use a si. As fúrias com o trânsito são um exemplo do seu cérebro a usá-lo, mas o mesmo se passa com as memórias tóxicas, as feridas de antigos traumas, maus hábitos que não conseguimos quebrar, e mais trágico que tudo, vícios descontrolados. Esta é uma área de extrema importância a ter em conta.

Com qual dos dois se identifi ca?

CÉREBRO BASESenti-me recentemente descontrolado em pelo menos uma área da minha vida.O meu nível de stress é muito elevado, mas eu dou conta dele.Preocupo-me com depressões ou estou deprimido.A minha vida está a ponto de ir numa direção que eu não quero.Os meus pensamentos podem ser obsessivos, assustadores ou ansiosos.

SUPERCÉREBROSinto-me confortavelmente detentor do controlo.Faço por evitar situações stressantes afastando-me e deixando ir.Estou consistentemente de bom humor.Não obstante acontecimentos inesperados, a minha vida está encaminhada na direção que quero.Gosto da forma como a minha mente pensa.

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Ainda que o seu cérebro não venha com um manual de instruções, pode usá-lo para seguir um trilho de crescimento, realização, satisfação pessoal e novas aptidões. Sem se dar conta disso, é capaz de dar um salto quântico na forma como usa o seu cérebro. O nosso destino fi nal é o cére-bro iluminado, que vai para além dos quatro papéis por si representados. É uma rara espécie de relação, na qual você serve de observador, de silenciosa testemunha de tudo o que o cérebro faz. Aqui jaz a transcendência. Quando é capaz de ser a testemunha silenciosa, não se deixa enredar na atividade cerebral. Permanecendo em total paz e silenciosa consciência, encontra a verdade quanto às eternas questões respeitantes a Deus, à alma, e à vida após a morte. A razão porque cremos ser real este aspeto da vida é que, quando a mente deseja transcender, o cérebro está pronto a segui-la.

Uma Nova RelaçãoQuando Albert Einstein morreu em 1955 aos setenta e seis anos de idade, houve uma tremenda curiosidade quanto ao mais famoso cérebro do século XX. Partindo do princípio de que algo físico deveria ter criado tal génio, foi efetuada uma autópsia ao cérebro de Einstein. Desafi ando as expetativas de que grandes pensamentos requerem um cérebro grande, o cérebro de Eins-tein na realidade pesava 10% menos que o cérebro médio. Estava-se então ainda no limiar da era de exploração dos genes, e as mais avançadas teorias sobre o modo como novas conexões sinápticas se formam jaziam a décadas de distância no futuro. Uma coisa e outra representam avanços dramáticos no conhecimento. Não podemos ver os genes em funcionamento, mas po-demos observar como os neurónios formam novos axónios e dendrites, as fi níssimas extensões que permitem a uma célula cerebral conectar-se com outra. Sabe-se agora que o cérebro pode formar novos axónios e dendrites até aos últimos anos de vida, o que nos dá uma esperança tremenda para a prevenção da senilidade, por exemplo, e para a indefi nida preservação da nossa capacidade mental. (Tão espantosa é a capacidade que o cérebro tem de estabelecer novas conexões que um feto prestes a nascer forma 250.000 novas células cerebrais por minuto, levando a milhões de novas conexões sinápticas por minuto.)

E contudo, ao assim falarmos, somos tão ingénuos como repórteres de jornal ansiosos por dizer ao mundo que Einstein possuía um cérebro estrambólico — continuamos a enfatizar o físico. Não é de mais sublinhar a importância da forma de nos relacionarmos com o cérebro. Parece-nos que sem uma nova relação, não se pode pedir ao cérebro que faça coisas novas e inesperadas. Consideremos por exemplo as crianças desencorajadas na es-cola. Tais alunos existiam em todas as classes que todos nós frequentámos,

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encontrando-se em geral sentados na fi la de trás. O seu comportamento segue um triste padrão.

Primeiro a criança tenta manter-se a par dos colegas. Quando esses esforços falham, seja por que motivo for, instala-se o desencorajamento. A criança deixa de se esforçar tanto como as crianças imbuídas de sucesso e encorajamento. A fase seguinte é o dar nas vistas, a desestabilização à custa de barulho ou disparates para chamar a atenção. Qualquer criança necessita de atenção, ainda que negativa. As desestabilizações podem ser agressivas, mas, com o tempo, a criança acaba por constatar que nada de bom acontece. Dar nas vistas leva a desaprovação e castigos. De modo que entra na terceira fase, que é o silêncio amuado. Não se volta a esforçar por se manter a par da classe. Os colegas põem-lhe o rótulo de atrasado ou estúpido, um pária. A escola tornou-se uma prisão sufocante em vez de local enriquecedor.

Não é difícil ver como este ciclo de comportamento afeta o cérebro. Sabemos agora que os bebés nascem com 90% dos seus cérebros formados e milhões de conexões extra. De modo que os primeiros anos de vida são passados a joeirar de parte as conexões não utilizadas e a desenvolver as que conduzirão a novas aptidões. Uma criança desencorajada, podemos nós conjeturar, aborta este processo. As aptidões proveitosas não são desenvol-vidas, e as partes do cérebro que caem em desuso atrofi am. O desencoraja-mento é holístico, abarcando cérebro, psique, emoções, comportamento, e posteriores oportunidades na vida.

Para operar bem, qualquer cérebro requer estimulação. Mas clara-mente a estimulação é secundária face ao modo como a criança se sente, que é mental e psicológico. Uma criança desencorajada relaciona-se com o seu cérebro de forma diferente de uma criança encorajada, e os seus cére-bros podem responder de maneira diferente também.

O supercérebro assenta no credo de conectar a mente e o cérebro de uma nova forma. Não é o lado físico que faz a diferença crucial. É a resolu-ção de uma pessoa, a sua intenção, paciência, esperança e diligência. Todas elas são uma questão de como a mente se relaciona com o cérebro, para melhor ou para pior. Podemos resumir esta relação em dez princípios.

O CREDO DO SUPERCÉREBROCOMO A MENTE SE RELACIONA COM O CÉREBRO

1. O processo envolve sempre circuitos de retroalimentação.2. Estes circuitos de retroalimentação são inteligentes e adaptáveis.3. A dinâmica cerebral equilibra-se e desequilibra-se mas

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favorece sempre o equilíbrio conjuntural, conhecido como homeostase.4. Usamos o nosso cérebro para evoluir e desenvolvermo-nos, guiados pelas nossas intenções.5. A autorrefl exão impulsiona-nos para território desconhecido.6. Muitas diversas áreas do cérebro são coordenadas em simultâneo.7. Temos a capacidade de monitorizar muitos níveis de consci-ência, ainda que o nosso foco esteja em geral confi nado a um nível (i.e., vigília, sono ou sonho).8. Todas as qualidades do mundo conhecido, tais como visão, som, textura e paladar são misteriosamente criadas pela inte-ração de mente e cérebro.9. A mente, não o cérebro, é a origem da consciência.10. Só consciência pode entender consciência. Não há expli-cação mecânica, operando a partir de factos respeitantes ao cérebro, que baste.

Estas são ideias gerais. Temos muito que explicar, mas queríamos que visse logo à partida as ideias gerais. Com o simples exaltar de duas palavras da primeira frase — circuitos de retroalimentação —, você poderia magneti-zar uma classe da Faculdade de Medicina por um ano. O corpo é um imenso circuito de retroalimentação constituído por biliões de minúsculos circuitos. Cada célula fala com todas as outras e escuta as respostas recebidas. É essa a simples essência da retroalimentação, um termo retirado da eletrónica. O termóstato na sua sala de estar sente a temperatura e liga o aquecimento se a divisão arrefece demasiado. À medida que a temperatura sobe, o termóstato recebe essa informação e responde desligando o aquecimento.

O mesmo sistema cá-e-lá opera através de interruptores no organis-mo que regulam igualmente a temperatura. Nada de fascinante, até à data. Mas quando você pensa um pensamento, o seu cérebro envia informação para o coração, e se a mensagem for de entusiasmo, medo, excitação sexual, ou muitos outros estados, pode fazer o coração bater mais depressa. O cé-rebro enviará uma contramensagem dizendo ao coração para abrandar de novo, mas se este circuito de retroalimentação se romper, o coração pode continuar disparado como um carro sem travões. Os doentes que tomam esteroides estão a substituir os esteroides naturais feitos pelo sistema endó-crino. Quanto mais tempo se tomar esteroides artifi ciais, mais diminuem os naturais, e consequentemente as glândulas endócrinas atrofi am.

As glândulas endócrinas são responsáveis por enviar a mensagem que faz abrandar um coração disparado. De modo que se um doente parar

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de tomar um medicamento esteroide de repente em vez de ir reduzindo, o organismo poderá ser deixado sem travões. A glândula endócrina não teve tempo para voltar a crescer. Nesse caso, alguém poderia vir sub-rep-ticiamente por detrás de si, gritar “Buu!” e fazer o seu coração disparar descontrolado. Resultado? Um ataque cardíaco. Com tais possibilidades, subitamente os circuitos de retroalimentação começam a tornar-se fasci-nantes. Para os tornar magnetizantes, há formas extraordinárias de usar a retroalimentação cerebral. Qualquer pessoa comum ligada a uma máquina de biorretroalimentação pode rapidamente aprender a controlar os meca-nismos orgânicos que de costume funcionam automaticamente. Poderá baixar a pressão arterial, por exemplo, ou alterar a frequência cardíaca. Poderá induzir o estado de ondas alfa associado à meditação e criatividade artística.

Não que seja necessária uma máquina de biorretroalimentação. Experimente o seguinte exercício: olhe para a palma da sua mão. Sinta-a enquanto a observa. Agora imagine que está a fi car mais quente; veja a cor a tornar-se mais rosada. Se se mantiver focado nesta intenção, a palma da sua mão fi cará de facto mais quente e rosada. Os monges budistas tibetanos usam este simples circuito de biorretroalimentação (uma avançada técnica de meditação chamada tumo) para aquecerem o corpo inteiro.

É uma técnica tão efi caz que os monges que dela fazem uso se podem sentar em gélidas grutas a meditar uma noite inteira nada mais envergan-do do que as suas fi nas túnicas de seda açafrão. Aqui o simples circuito de retroalimentacão tornou-se completamente abrangente, pois aquilo que podemos induzir pelo simples intento não tem limite. Os mesmos monges budistas atingem estados de compaixão, por exemplo, que dependem de al-terações físicas no córtex pré-frontal do cérebro. Os seus cérebros não o fa-zem sozinhos; seguem ordens da mente. Transpomos assim uma fronteira. Quando um circuito de retroalimentação mantém uma normal frequência cardíaca, o mecanismo é involuntário — está a usá-lo a si. Mas se você alte-rar intencionalmente a sua frequência cardíaca (por exemplo, imaginando determinada pessoa que o excite romanticamente), será você a usá-lo em vez disso.

Levemos este conceito para o ponto em que a vida se pode tornar miserável ou feliz. Considere as vítimas de acidentes vasculares cerebrais. A ciência médica fez enormes avanços na sobrevivência de doentes acome-tidos de acidentes vasculares cerebrais, mesmo massivos, alguns dos quais podem ser atribuídos a melhores medicamentos e à disseminação de uni-dades de trauma, dado que estes acidentes devem idealmente ser assistidos o mais rapidamente possível. O pronto tratamento está a salvar incontáveis vidas, comparativamente ao passado.

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Mas sobrevivência não é o mesmo que recuperação. Droga alguma revela comparável sucesso ao permitir a recuperação de vítimas de parali-sia, o efeito mais comum de um acidente vascular cerebral. Tal como com as crianças desencorajadas, com as vítimas destes acidentes tudo parece depender da retroalimentação. Dantes fi cavam maioritariamente confi na-das a uma cadeira e sujeitas à atenção médica, e o seu curso de resistência mínima era usar o lado do corpo que não fora afetado pelo acidente vas-cular cerebral. Agora a reabilitação toma ativamente o curso da resistência máxima. Se a mão esquerda de uma doente fi cou paralisada, por exemplo, o terapeuta fá-la-á usar apenas essa mão para pegar numa chávena de café ou pentear o cabelo.

A princípio estas tarefas são fi sicamente impossíveis. O simples levan-tar de uma mão paralisada causa dor e frustração. Mas se o doente repetir a intenção de usar a mão debilitada, uma e outra vez, novos circuitos de retroalimentação são desenvolvidos. O cérebro adapta-se, e lentamente ve-rifi ca-se uma nova função. Vemos hoje notáveis recuperações em doentes que andam, falam e usam normalmente os seus membros com reabilitação intensiva. Há nem vinte anos, tais funções teriam defi nhado ou mostrado apenas progressos mínimos.

E tudo o que temos feito até à data foi explorar as implicações de duas palavras.

O credo do supercérebro faz a ponte entre dois mundos, a biologia e a experiência. A biologia é fantástica a explicar os processos físicos, mas é totalmente inadequada a falar-nos no signifi cado e propósito da nossa experiência subjetiva. Qual será a sensação de ser uma criança desenco-rajada ou uma vítima paralisada de acidente vascular cerebral? A história começa com essa pergunta, e a biologia vem a seguir. Precisamos de ambos os mundos para nos compreendermos a nós próprios. De contrário, caí-mos na falácia biológica que sustenta que os seres humanos são controlados pelos seus cérebros. Deixando de lado incontáveis argumentos entre várias teorias de mente e cérebro, a meta é clara: queremos usar o nosso cérebro, não deixar que ele nos use a nós.

Alongar-nos-emos sobre estes dois princípios com o desenrolar do livro. Conquistas signifi cativas na neurociência apontam todas na mesma direção. O cérebro humano pode fazer muitíssimo mais do que alguma vez se pensou. Contrariando crenças estafadas, as suas limitações são impos-tas por nós, não pelas suas debilidades físicas. Por exemplo, aquando da nossa formação médica e científi ca, a natureza da memória era um com-pleto mistério. Por essa altura circulava um outro dizer: «Sabemos mais ou menos tanto acerca da memória como se o cérebro estivesse cheio de ser-radura.» Afortunadamente, os exames imagiológicos cerebrais estavam no

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horizonte, e os investigadores de hoje podem observar em tempo real as áreas do cérebro a “iluminar-se”, exibindo a defl agração dos neurónios, à medida que as pessoas examinadas se lembram de determinadas coisas. O telhado do Astrodome é agora feito de vidro, poder-se-ia dizer.

Mas a memória permanece esquiva. Não deixa vestígios físicos nos neurónios, e ninguém sabe realmente como são armazenadas as memórias. Mas isso não é razão para pôr quaisquer limitações àquilo que os nossos cérebros podem recordar. Uma jovem prodígio indiana da matemática deu uma demonstração onde lhe foi pedido que multiplicasse dois números, cada um com trinta e dois algarismos, de cabeça. Ela deu a resposta, de sessenta e quatro ou sessenta e cinco algarismos, segundos depois de ouvir os números enunciados. Em média, a maior parte das pessoas consegue lembrar-se apenas de seis ou sete algarismos de relance. Qual deveria então ser a norma no que toca à memória, a da pessoa média ou a da excecional? Em vez de se dizer que a menina-prodígio da matemática tem melhores genes ou um dom especial, faça-se outra pergunta: treinou o cérebro para ter uma supermemória? Existem cursos de aprendizagem dessa aptidão, e as pessoas médias que os frequentam podem levar a cabo feitos como re-citar de cor a Bíblia Sagrada, não usando mais que os genes e os dons com que nasceram. Tem tudo a ver com a forma como se relaciona com o seu cérebro. Ao estabelecer expetativas mais elevadas, entra numa fase de mais elevado funcionamento.

Uma das coisas únicas do cérebro humano é que pode fazer apenas o que pensa poder fazer. No momento em que diz “A minha memória já não é o que era” ou “Hoje não me lembro de uma só coisa”, está de facto a treinar o cérebro para corresponder às suas diminuídas expetativas. Baixas expe-tativas equivalem a baixos resultados. A primeira regra do supercérebro é que o seu cérebro está sempre a espiar os seus pensamentos. Assim escuta, assim aprende. Se lhe ensinar limitação, o seu cérebro fi cará limitado. Mas, e se fi zer o oposto? E se ensinar o seu cérebro a ser ilimitado?

Pense no seu cérebro como sendo um piano de cauda Steinway. Todas as teclas estão no lugar, prontas a soar ao toque de um dedo. Seja um prin-cipiante a sentar-se ao teclado ou um virtuoso de renome mundial como Vladimir Horowitz ou Arthur Rubinstein, o instrumento é fi sicamente o mesmo. Mas a música que dele ressoará será inteiramente diferente. O principiante usa menos de 1% do potencial do piano; o virtuoso transcende os limites do instrumento.

Se o mundo da música não dispusesse de virtuosos, ninguém ja-mais adivinharia as coisas espantosas que um Steinway de cauda pode fa-zer. Afortunadamente, a investigação ao funcionamento do cérebro está a facultar-nos exemplos surpreendentes de inexplorado potencial vindo

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brilhantemente à luz. Só agora estão esses espantosos indivíduos a ser estu-dados com exames imagiológicos cerebrais, o que torna mais assombrosas e simultaneamente mais misteriosas as suas capacidades.

Consideremos Magnus Carlsen, o prodígio norueguês do xadrez. Conquistou o título mais elevado do xadrez, grão-mestre, com treze anos de idade, o terceiro mais novo da história. Por essa altura, numa partida relâmpago, ele forçou a um empate Gary Kasparov, o ex-campeão mundial de xadrez. «Estava nervoso e intimidado», recorda Carlsen, «senão tê-lo-ia derrotado.» Para jogar xadrez a este nível, um grão-mestre tem de poder reportar-se, instantânea e automaticamente, a milhares de jogos armazena-dos na sua memória. Sabemos não estar o cérebro cheio de serradura, mas o modo como uma pessoa é capaz de recordar tão vasta armazenagem de jogadas individuais — num total de muitos milhões de possibilidades — é um total mistério. Numa demonstração televisionada das suas capacidades, o jovem Carlsen, que tem agora vinte e um anos, jogou simultaneamente uma partida relâmpago contra dez adversários — de costas viradas para os tabuleiros.

Por outras palavras, teve de ter em mente dez tabuleiros de xadrez distintos, com as suas trinta e duas peças, enquanto o relógio concedia ape-nas segundos por cada jogada. O desempenho de Carlsen defi ne o limite da memória, ou uma pequena fatia dela. Se é difícil para uma pessoa normal imaginar ter uma tal memória, o facto é que Carlsen não esforça o cérebro. O que faz, diz ele, fá-lo com total naturalidade.

Acreditamos que cada notável façanha é um sinal a apontar o cami-nho. Você não saberá o que o seu cérebro pode fazer até testar os seus limi-tes e tentar ir mais além. Por mais defi ciente uso que esteja a fazer do seu cérebro, uma coisa é certa: ele é a porta de entrada para o seu futuro. O seu sucesso na vida depende do seu cérebro, pela simples razão de que toda a experiência nos chega através do cérebro.

Queremos que Supercérebro seja o mais prático possível, pois pode solucionar problemas de longe muito mais difíceis, ou mesmo impossíveis, para o cérebro base. Cada capítulo terminará com a sua própria secção Soluções do Supercérebro, com uma hoste de sugestões inovadoras para superar muitos dos mais comuns desafi os da vida.

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CINCO MITOS A DISSIPAR

Relacionar-se com o seu cérebro de uma nova forma é o modo de mudar a realidade. Quanto mais os neurocientistas aprendem, mais parece que

o cérebro tem poderes ocultos. O cérebro processa a matéria-prima da vida, como um servo atento a qualquer desejo seu, qualquer visão que tenha. O mundo físico sólido não pode resistir a este poder, e contudo destrancá-lo requer novas convicções. O seu cérebro não pode fazer o que pensa não poder fazer.

Cinco mitos em particular têm provado ser limitativos e obstrutores à mudança. Todos foram em tempos aceites como factos, nem há uma ou duas décadas.

O cérebro lesado não se pode autocurar.Sabemos agora que o cérebro tem espantosos poderes de cura, de que no passado não se suspeitava sequer.

A cablagem fixa do cérebro não pode ser alterada.De facto, a linha entre cablagem fi xa e móvel está sempre a mudar, e a nossa capacidade de religarmos o nosso cérebro permanece intacta desde o nas-cimento até ao fi m da vida.

O envelhecimento cerebral é inevitável e irreversível.A contrariar esta crença obsoleta, surgem diariamente novas técnicas para manter o cérebro jovem e preservar a acuidade mental.

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O cérebro perde milhões de células por dia, e os neurónios perdi-dos não podem ser substituídos.De facto, o cérebro contém células estaminais capazes de amadurecer sob a forma de novos neurónios ao longo de toda a vida. O modo como perde-mos ou ganhamos neurónios é uma questão complexa. A maior parte das descobertas são boas notícias para quem quer que tenha medo de perder a capacidade mental com a idade.

As reações primárias (medo, raiva, ciúme, agressividade) predomi-nam sobre o cérebro superior.Dado que o nosso cérebro tem impressa uma memória genética que atra-vessa milhares de gerações, o cérebro inferior continua connosco, gerando impulsos primitivos e frequentemente negativos como medo e raiva. Mas o cérebro está em constante evolução, e nós conquistámos a capacidade de controlar o cérebro inferior através da escolha e do livre-arbítrio. O novo campo da psicologia positiva está a ensinar-nos a forma de melhor usar o livre-arbítrio para promover a felicidade e ultrapassar a negatividade.

É uma boa-nova a demolição destes cinco mitos. A antiga visão fazia o cé-rebro parecer fi xo, mecânico e em constante deterioração. O que está longe de ser o caso. Você está a criar realidade neste preciso minuto, e se esse pro-cesso permanecer vivo e dinâmico, o seu cérebro será capaz de se manter a par, ano após ano.

Discutamos agora em detalhe como dissipar estes velhos mitos uma vez aplicados à sua própria experiência e expetativas.

Mito 1. O cérebro lesado não se pode autocurar.Quando o cérebro é lesado devido a trauma de um acidente automóvel, por exemplo, ou devido a um acidente vascular cerebral, os neurónios e respetivas conexões entre si (sinapses) perdem-se. Durante muito tempo acreditou-se que, uma vez lesado o cérebro, as vítimas fi cavam confi nadas a usar apenas as funções cerebrais que lhes restavam. Mas ao longo das duas últimas décadas, foi feita uma descoberta signifi cativa, e incontáveis estudos confi rmaram-na. Quando se perdem neurónios e sinapses devido a uma lesão, os neurónios vizinhos compensam a perda e tentam restabelecer as conexões perdidas, o que reconstrói efi cazmente a rede neuronal lesada.

Os neurónios vizinhos reforçam a sua ação e sofrem uma “regene-ração compensatória” das suas principais partes de projeção (o tronco principal, ou axónio, e as numerosas e ténues ramifi cações, ou dendrites).

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Este novo crescimento recompensa as conexões perdidas na complexa rede neuronal de que cada neurónio faz parte.

Olhando para trás, parece-nos bizarro que a ciência tenha em tempos negado aos neurónios uma capacidade comum aos outros nervos. Desde fi nais do século XVIII, era do conhecimento dos cientistas que os neuró-nios do sistema nervoso periférico (os nervos que percorrem o corpo fora do cérebro e da espinal medula) se podiam regenerar. Em 1776, William Cumberland Cruikshank, anatomista de origem escocesa, cortou uma sec-ção de pouco mais de um centímetro do nervo vago — ou “vagueador” — do pescoço de um cão. O nervo vago corre para o cérebro ao longo da artéria carótida na garganta, e está envolvido na regulação de algumas fun-ções importantes — frequência cardíaca, transpiração, movimentos mus-culares da fala — e na manutenção da laringe aberta para respirar. Se ambas as ramifi cações do nervo forem cortadas, o resultado é letal. Cruikshank cortou apenas uma e descobriu que o vazio por ele criado rapidamente foi preenchido com novo tecido nervoso. Quando submeteu o seu artigo à Real Sociedade, contudo, o mesmo foi acolhido com ceticismo e não foi publicado durante décadas.

Por essa altura, provas adicionais iam confi rmando que os nervos periféricos como o vago se podem curar quando cortados. (Você pode ex-perimentar o mesmo fenómeno se um corte profundo lhe deixar um dedo dormente; passado algum tempo o tato volta.) Mas durante séculos as pes-soas tinham acreditado que os nervos do sistema nervoso central (cérebro e espinal medula) careciam da mesma capacidade.

É verdade que o sistema nervoso central não se pode regenerar com a mesma robustez e rapidez do sistema nervoso periférico.

Contudo, devido à “neuroplasticidade”, o cérebro pode remodelar e remapear as suas conexões na sequência de uma lesão. Este remapeamento é a defi nição funcional de neuroplasticidade, que é agora matéria mais que sensível. Neuro vem de neurónio, enquanto plasticidade reporta a maleabili-dade. A velha teoria era a de que os bebés mapeavam as suas redes neuronais como parte natural do seu desenvolvimento, após o que o processo parava e o cérebro fi cava equipado da sua cablagem fi xa. Agora vemos as projeções dos neurónios no cérebro como longos e fi nos vermes reconfi gurando-se continuamente em resposta à experiência, aprendizagem, e lesões. A cura e a evolução estão intimamente ligadas.

O seu cérebro está em autorremodelação neste preciso momento. Não é necessária uma lesão para desencadear o processo — basta estar vivo. Você pode promover a neuroplasticidade, além disso, expondo-se a novas experiências. Melhor ainda é dispor-se deliberadamente a aprender novas aptidões. Se mostrar paixão e entusiasmo, tanto melhor. O simples passo de

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DIAGRAMA 1: NEURÓNIOS E SINAPSES

As células nervosas (neurónios) são verdadeiras maravilhas da natureza com a sua capacidade de criar o nosso sentido de re-alidade. Os neurónios interconectam-se entre si formando vas-tas e intrincadas redes neuronais. O seu cérebro contém cerca de cem mil milhões de neurónios e até mil biliões de conexões, chamadas sinapses.

Os neurónios projetam fios vermiformes conhecidos por axónios e dendrites, que emitem sinais simultaneamente quími-cos e elétricos através da lacuna entre sinapses. Um neurónio contém muitas dendrites para receber informação das outras células nervosas. Mas tem apenas um axónio, que se pode estender até mais de um metro (sensivelmente 39 polegadas) de comprimento. O cérebro de um adulto humano contém bem mais de 100.000 milhas (160.000 quilómetros) de axónios e in-contáveis dendrites — bastantes para dar mais de quatro voltas à Terra.

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se dar a uma pessoa mais velha um animal de estimação do qual cuidar ins-tila mais vontade de viver. O facto de o cérebro estar a ser afetado faz a di-ferença, mas temos de nos lembrar de que os neurónios são simples servos. O bisturi de dissecação revela alterações ao nível das projeções nervosas e dos genes. O que realmente revigora uma pessoa mais velha, no entanto, é adquirir um novo propósito e algo novo para amar.

Neuroplasticidade é mais que mente sobre matéria. É mente trans-formando-se em matéria à medida que os seus pensamentos criam novo crescimento neuronal. Em tempos idos, o fenómeno era escarnecido e os neurocientistas eram menosprezados por usarem o termo neuroplasticida-de. Ainda assim, muitos novos conceitos que provavelmente darão fruto e se revelarão correntes daqui a décadas são hoje considerados destituídos de sentido e inúteis. A neuroplasticidade ultrapassou um início acidentado para se tornar uma estrela.

Que a mente tivesse tal poder sobre a matéria foi signifi cativo para ambos na década de 1980. Deepak estava focado no lado espiritual da co-nexão mente-corpo, promovendo a meditação e a medicina alternativa. Era inspirado por um dizer com que se deparara em tempos: «Se quer saber quais eram os seus pensamentos no passado, olhe para o seu corpo hoje. Se quer saber como será o seu corpo no futuro, olhe para os seus pensamentos hoje.»

Para Rudy, esta descoberta derrubadora de paradigmas calou fundo quando era estudante graduado da Faculdade de Medicina de Harvard no programa de neurociência. Trabalhando no Hospital Pediátrico de Boston, estava a tentar isolar o gene que produz a principal toxina cerebral da do-ença de Alzheimer, a proteína beta-amiloide — peptídeo A-beta para en-curtar —, a substância adesiva que se acumula no cérebro e se correlaciona com os neurónios que se estão a tornar disfuncionais e a colapsar. Rudy passava furiosamente em revista cada artigo que conseguia encontrar sobre a doença de Alzheimer e a sua tóxica amiloide. Esta pode tomar a forma de beta-amiloide na doença de Alzheimer, ou de prião amiloide nas doenças relacionadas com a das Vacas Loucas.

Certo dia leu um artigo que demonstrava como o cérebro de um do-ente de Alzheimer lidara com a acumulação de beta-amiloide, num esforço de remodelar a parte atingida do cérebro responsável pela memória de cur-to prazo, o hipocampo, localizado no lobo temporal (assim chamado por se situar no crânio sob as têmporas).

O facto de que o cérebro pudesse tentar encontrar maneira de contor-nar lesões devastadoras alterou toda a perspetiva de Rudy sobre a doença que vinha estudando, dia e noite, num exíguo laboratório do tamanho de uma pequena arrecadação no quarto piso do hospital. Entre 1985 e 1988,

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ele focou-se em identifi car o gene que faz com que a beta-amiloide se acu-mule excessivamente no cérebro dos doentes de Alzheimer. Trabalhava diariamente lado a lado com a sua colega Rachel Neve, com música por pano de fundo, especialmente de Keith Jarrett, incontestavelmente o me-lhor pianista de jazz de todos os tempos.

Rudy adorava os concertos de Keith Jarrett pela sua brilhante im-provisação. Jarrett tinha a sua própria palavra para isso: “extemporizado”. Por outras palavras, vivendo o momento, radicalmente espontâneos. Para Rudy, Jarrett expressava em música a forma como o cérebro funciona no mundo do dia-a-dia — respondendo no momento em direções criativas com base no alicerce de toda uma vida de experiências. A sabedoria autor-renovando-se no momento. A memória vivifi cando-se. É justo dizer que quando Rudy descobriu o primeiro gene de Alzheimer, a proteína precur-sora amiloide (PPA), naquele pequeno laboratório do quarto piso, a sua musa foi Keith Jarrett.

Com este pano de fundo, entra em cena o artigo de 1986 que deu a esperança de regeneração do tecido cerebral aos doentes de Alzheimer. Estava um dia extemporaneamente frio mesmo para um inverno de Boston, e Rudy encontrava-se sentado na zona de estantes de livre consulta no terceiro piso da biblioteca da Faculdade de Medicina de Harvard, ina-lando o familiar odor de papel antigo bafi ento — alguns destes documentos científi cos não viam a luz do dia há décadas.

Entre os novos artigos sobre a doença de Alzheimer havia um da re-vista Science, reportado por Jim Geddes e colegas, com o intrigante título “Plasticidade da Circuitagem do Hipocampo na Doença de Alzheimer”. Depois de o folhear de relance, Rudy correu disparado para a máquina de trocos a fi m de obter um punhado de moedas para a fotocopiadora. (O luxo das revistas computorizadas ainda era coisa do futuro.) Depois de o ler atentamente com Rachel, entreolharam-se de olhos arregalados pelo que lhes pareceu horas, exclamando fi nalmente: “É do outro mundo!” O mistério de um cérebro capaz de se autocurar acabara de dar entrada nas suas vidas.

A essência daquele estudo que se revelou crucial era esta. Na doença de Alzheimer, uma das primeiras coisas a descambar é a memória de curto prazo. No cérebro, as projeções neuronais-chave que permitem que a infor-mação sensorial seja armazenada são literalmente cortadas. (Estamos no mesmo campo de Cruikshank quando cortou o nervo vago do cão.) Mais especifi camente, há uma pequena bolsa dilatada de neurónios no cérebro chamada córtex entorrinal, que atua como estação intermediária de toda a informação sensorial que absorvemos, repassando-a ao hipocampo para armazenação de curto prazo. (Se se lembra de que Rudy trabalhava com

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uma colega chamada Rachel, isso é o hipocampo a fazer o seu trabalho.) O hipocampo deriva o seu nome do termo latino para cavalo-marinho, ao qual se assemelha. Desenhe dois C’s com os indicadores e polegares com uma mão em frente da outra e enganche-os num plano paralelo, e é basica-mente essa a forma certa.

Digamos que chega a casa vinda das compras e quer falar a uma amiga de uns sapatos encarnados que seriam perfeitos para ela. A imagem desses sapatos, passando pelo córtex entorrinal, é repassada através de pro-jeções neuronais a que se dá o nome de via perfurante. Chegámos agora à razão fi siológica para uma pessoa com a doença de Alzheimer não se lem-brar desses sapatos. Nos doentes de Alzheimer a região exata em que a via perfurante perfura o hipocampo contém rotineiramente uma abundância de beta-amiloide neurotóxica, que provoca um curto-circuito na transfe-rência da informação sensorial. Para cumular os estragos, as terminações nervosas começam a atrofi ar e colapsar na mesma região, rompendo efeti-vamente a via perfurante.

Os neurónios do córtex entorrinal de onde deveriam germinar essas terminações nervosas depressa morrem, já que dependem da derivação de fatores de crescimento, as proteínas que sustentam a sua sobrevivência, pe-las terminações nervosas que dantes faziam a ligação com o hipocampo. Com o tempo, a pessoa deixa de poder processar memória e aprendizagem de curto prazo, e instala-se a demência. O resultado é devastador. Como diz um ditado: «Não sabemos que temos Alzheimer por nos termos esquecido onde pusemos as chaves do carro. Sabemos que temos Alzheimer quando nos esquecemos para que é que elas servem.»

No seu estudo crucial, Geddes e os seus colegas demonstraram que, nesta área de massiva extinção neuronal, algo puramente mágico ocorre. Dos neurónios sobreviventes das vizinhanças começam a germinar novas projeções para compensar as que se perderam. Esta é uma forma de neuro-plasticidade chamada regeneração compensatória. Pela primeira vez, Rudy deparava-se com uma das mais miraculosas propriedades do cérebro. Era como se uma rosa fosse colhida de um arbusto, e o arbusto ao lado lhe es-tendesse uma nova rosa.

Rudy sentiu subitamente um profundo apreço pelo refi nado poder e resiliência do cérebro humano. Nunca dês o cérebro por vencido, pensou. Com a neuroplasticidade, o cérebro evoluiu para um órgão maravilhosa-mente adaptável e notavelmente regenerativo. Existia a esperança de que mesmo no caso de um cérebro já em processo de lesão pela doença de Alzheimer, fosse uma questão de a apanhar a tempo para a neuroplasti-cidade poder ser desencadeada. É uma das mais brilhantes possibilidades para investigação futura.

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Mito 2. A cablagem fixa do cérebro não pode ser alterada.Durante todo o tempo anterior à comprovada legitimidade da neuroplasti-cidade, a medicina poderia ter dados ouvidos ao fi lósofo suíço Jean-Jacques Rousseau, que alegou em meados do século XVIII não ser a natureza estag-nada ou maquinal mas viva e dinâmica. Ele avançou com a proposta de que o cérebro estava a ser continuamente reorganizado segundo as nossas experiências. Por conseguinte, as pessoas deviam praticar exercício mental tal como exercício físico. Para todos os intentos e propósitos, esta pode ter sido a primeira declaração de que o nosso cérebro é fl exível e plástico, capaz de se adaptar às mudanças do meio ambiente.

Bastante mais tarde, em meados do século XX, o psicólogo nor-te-americano Karl Lashley facultou a prova para este fenómeno. Lashley treinou ratos a procurarem num labirinto recompensas em comida, re-movendo-lhes então grandes porções do córtex cerebral, pedaço a pedaço, para verifi car quando é que eles se esqueceriam do que tinham aprendido previamente. Partiu do princípio, dada a delicadeza do tecido cerebral e da total dependência de qualquer criatura do seu cérebro, que a remoção de uma pequena porção acarretaria uma severa perda de memória.

Com abaladora surpresa, Lashley descobriu que podia remover 90% do córtex de um rato e o animal continuava a orientar-se com sucesso no labirinto. Conforme se verifi cou, ao tomarem conhecimento do labirinto, os ratos criam muitos tipos diferentes de sinapses redundantes com base em todos os seus sentidos. Muitas diferentes partes dos seus cérebros inte-ragem formando uma variedade de associações sensoriais sobrepostas. Por outras palavras, os ratos não viam apenas o caminho para a comida no labi-rinto; cheiravam e sentiam de igual forma o caminho. Quando eram remo-vidos pedaços do córtex cerebral, do cérebro germinavam novas projeções (axónios) formando novas sinapses para tirar partido dos outros sentidos, usando as pistas que restavam, por mais ínfi mas que fossem.

Aqui temos a primeira forte pista de que o termo “cablagem fi xa” de-veria ser encarado com ceticismo. O cérebro tem circuitagem mas não ca-bos; os circuitos são constituídos de tecido vivo. Mais importante ainda, são reformatados por pensamentos, memórias, desejos e experiências. Deepak recorda-se de um controverso artigo médico de 1980 intitulado, meio a brincar, “Será o Cérebro Realmente Necessário?” Baseava-se no trabalho do neurologista britânico John Lorber, que vinha trabalhando com vítimas de um distúrbio cerebral conhecido por “hidrocefalia” (água no cérebro), em que se forma um excesso de fl uidos. A pressão daí resultante espreme as células cerebrais da sua vida. A hidrocefalia leva a retardamento bem como a outros severos danos e até mesmo à morte.

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Lorber escrevera anteriormente a respeito de dois bebés nascidos sem córtex cerebral. Apesar desta defi ciência rara e fatal, contudo, pare-ciam estar a desenvolver-se normalmente, sem quaisquer sinais exteriores de danos. Uma das crianças sobreviveu por três meses, a outra por um ano. Como se isto não fosse já por si digno de nota, um colega da Universidade de Sheffi eld enviou a Lorber um jovem com uma cabeça anormalmente grande. Licenciara-se em matemática com distinção e tinha um QI de 126. Não tinha sintomas de hidrocefalia; o jovem levava uma vida normal. No entanto uma TAC revelou, segundo as palavras de Lorber, que ele “não ti-nha virtualmente cérebro”. O crânio estava revestido por uma fi na camada de células cerebrais com cerca de um milímetro de espessura (menos de um décimo de polegada), enquanto o restante espaço do crânio estava preen-chido por fl uido cerebral.

Estarrecedor distúrbio de contemplar, este, mas Lorber foi mais longe, registando mais de seiscentos casos. Dividiu os seus objetos de estudo em quatro categorias dependendo da quantidade de fl uido existente no cére-bro. A categoria mais severa, que constituía apenas 10% da amostra, con-sistia em pessoas cuja cavidade cerebral estava 95% preenchida de líquido. Destas, metade eram gravemente retardadas; a outra metade, contudo, ti-nha QI superiores a 100.

Como não era de admirar, os céticos passaram ao ataque. Alguns du-vidaram de que Lorber tivesse lido corretamente as TAC, mas ele assegu-rou-lhes que as suas provas eram sólidas. Outros argumentaram que ele não pesara de facto a restante matéria do cérebro, ao que ele respondeu secamente: “Não posso dizer se o cérebro do estudante de matemática pesa 50 ou 150 gramas, mas é claro que nem de perto se aproxima do normal quilo e meio.” Por outras palavras, duas a seis onças podem estar envolvi-das, mas isso não são nem de perto quase três libras. Neurologistas mais compreensivos declararam que estes resultados eram mais que prova da redundância do cérebro — muitas funções são copiadas e sobrepõem-se. Mas outros descartaram esta explicação, fazendo notar que «redundância é uma saída para se contornar algo que não se entende». Até hoje, todo o fenómeno está envolto em mistério, mas nós temos de o manter presente à medida que a nossa discussão se desenrola. Poderia isto ser um exemplo radical do poder da mente para fazer o cérebro — até mesmo um cérebro drasticamente reduzido — levar a cabo ordens?

Apenas temos de considerar mais que lesões cerebrais. Num exemplo mais recente de religação neuronal, o neurocientista Michael Merzenich e colegas da Universidade da Califórnia, São Francisco, pegaram em sete pequenos macacos que foram treinados para usar os dedos na procura de comida. Pequenos grãos com aroma a banana eram colocados no fundo

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de pequenos compartimentos, ou poços de comida, num painel de plás-tico. Alguns dos poços eram largos e rasos; outros eram estreitos e fun-dos. Naturalmente que ao tentarem apanhar a comida, os macacos eram mais bem-sucedidos com os poços largos e rasos e quase sempre falhavam nos poços estreitos e fundos. No entanto, com o passar do tempo, todos os macacos se tornaram extremamente hábeis, acabando por ser sempre bem-sucedidos, por mais que os seus dedinhos tivessem de se esticar para apanhar os grãos.

A equipa tirou então exames imagiológicos cerebrais de uma área específi ca conhecida por córtex somatossensorial, que controla os movi-mentos dos dedos das mãos, esperando demonstrar que a experiência de aprender uma habilidade alterara de facto os cérebros dos macacos. Foi um sucesso. Esta região do cérebro religava-se a outras regiões a fi m de aumen-tar as probabilidades de encontrar mais comida no futuro. Merzenich ar-gumentou que, à medida que as regiões do cérebro começam a interagir de novo, a religação cria um novo circuito. Nesta forma de neuroplasticidade, “neurónios que defl agram juntos, ligam-se juntos”. Na nossa vida de todos os dias, se intencionalmente nos dispusermos a aprender coisas novas ou fazer coisas familiares de maneiras diferentes (como ir para o trabalho por um caminho diferente ou apanhar o autocarro em vez de ir de carro), reli-gamos efetivamente o nosso cérebro e melhoramo-lo. O exercício físico faz músculo; o exercício mental cria novas sinapses para fortalecerem a rede neuronal.

Muitos outros exemplos reforçam a ideia de que a tradicional doutri-na do cérebro estagnado e estático era falsa. As vítimas de acidente vascular cerebral não tinham de fi car emperradas na lesão cerebral causada por um vaso sanguíneo obstruído ou coágulo. À medida que as células cerebrais morrem, as células vizinhas podem compensar isso, mantendo a integrida-de do circuito neuronal. Para tornar isto mais pessoal, você vê a casa onde cresceu, recorda o seu primeiro beijo, e acalenta o seu círculo de amigos graças a um circuito neuronal altamente personalizado que levou toda uma vida a criar.

Um exemplo da miraculosa capacidade de o cérebro se autorreligar é o caso de um mecânico de automóveis que sofreu um grave trauma ce-rebral depois de ser cuspido do carro num acidente de viação. Ficou pa-ralisado e apenas capaz de comunicar por piscares de olhos ou acenos de cabeça. Após dezassete anos, contudo, este homem saiu espontaneamente do seu estado semicomatoso. Na semana que se seguiu, passou por uma espantosa recuperação, ao ponto de readquirir um discurso fl uente e al-guns movimentos nos membros. No ano e meio seguinte, os seus exames imagiológicos cerebrais forneceram provas evidentes de que ele estava a

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regenerar novos trilhos capazes de restaurar a sua função cerebral. Das sau-dáveis células nervosas germinavam novos axónios (troncos principais) e dendrites (numerosas e fi nas ramifi cações) para criar circuitagem neuronal que compensasse as células mortas — neuroplasticidade clássica!

A ideia subjacente é que não dispomos de “cablagem fi xa”. O nosso cérebro é incrivelmente resiliente; o maravilhoso processo de neuroplasti-cidade dá-lhe a si a capacidade, nos seus pensamentos, sentimentos e ações, de se desenvolver em qualquer direção à sua escolha.

Mito 3. O envelhecimento cerebral é inevitável e irreversível.A sociedade está a ser varrida por um movimento chamado nova velhice3. A norma social para as pessoas de idade era passiva e sombria; confi nadas a cadeiras de baloiço, esperava-se que entrassem em declínio físico e mental. Agora o inverso é verdade. As pessoas mais velhas têm expetativas mais elevadas de que permanecerão ativas e com vitalidade. Consequentemente, a defi nição de velhice mudou. Num inquérito perguntou-se a uma amos-tra de baby boomers: “Quando tem início a velhice?” A resposta média foi aos 85. À medida que aumentam as expetativas, o cérebro deve claramente manter-se a par e adaptar-se à nova velhice. A antiga teoria do cérebro fi xo e estagnado sustentava ser inevitável um cérebro que envelhecesse. Supos-tamente as células cerebrais morriam continuamente ao longo do tempo à medida que uma pessoa envelhecia, e a sua perda era irreversível.

Agora que compreendemos quão fl exível e dinâmico é o cérebro, a inevitabilidade da perda celular já não é válida. No processo de envelheci-mento — que progride à razão de 1% ao ano depois dos trinta anos de ida-de — não há duas pessoas que envelheçam de maneira igual. Até os gémeos idênticos, nascidos com os mesmos genes, terão muito diferentes padrões de atividade genética aos setenta anos, e os seus corpos poderão ser acen-tuadamente diferentes em consequência de escolhas de estilo de vida. Tais escolhas nada acrescentaram ou subtraíram aos genes com que eles nas-ceram; em vez disso, quase cada aspeto da vida — dieta, atividade, stress, relacionamentos, trabalho e ambiente físico — alterou a atividade desses genes. Com efeito, não há um único aspeto do envelhecimento que seja inevitável. Para cada função, mental ou física, podemos encontrar pessoas que melhoraram com o tempo. Há corretores da bolsa de 90 anos de idade que levam a cabo complexas transações com cada vez melhor memória ao longo do tempo.

3 New old age, no original; jogo de palavras com a conhecida expressão New Age (Nova Era). (N. da T.)

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O problema é que demasiados de nós aderimos à norma. À medi-da que avançamos na idade, tendemos a fi car preguiçosos e apáticos ante a aprendizagem. Deixamo-nos perturbar por menores focos de tensão, e esses focos de tensão perduram por mais tempo. O que dantes era des-contado como “manias” de velho pode agora ser reportado à conexão mente-cérebro. Por vezes o cérebro é dominante nesta parceria. Suponha que um restaurante está demorado a sentar as pessoas com reservas pre-viamente feitas. Uma pessoa mais nova obrigada a esperar na fi la sente-se minimamente aborrecida, mal-estar que se dissipa uma vez sentada. Uma pessoa mais velha poderá reagir com um acesso de cólera — e permanecer ressentida mesmo depois de ser encaminhada ao seu lugar. Esta é a dife-rença na resposta ao stress físico pela qual o cérebro é responsável. De igual modo, quando as pessoas mais velhas se sentem subjugadas por demasiada informação sensorial (um ruidoso engarrafamento, um grande armazém apinhado de gente), os seus cérebros exibirão provavelmente uma função diminuída para aguentarem os tsunâmis de dados do mundo fervilhante de atividade.

Em grande parte do tempo, no entanto, é a mente que domina a conexão mente-cérebro. À medida que avançamos na idade, tendemos a simplifi car as nossas atividades mentais, frequentemente como mecanis-mo de defesa ou cobertor de segurança. Sentimo-nos seguros com o que conhecemos, e desviamo-nos do caminho para evitar aprender qualquer coisa nova. O comportamento é sentido pelos jovens como irritabilidade e teimosia, mas a verdadeira causa pode ser reportada à dança entre a mente e o cérebro. Para muitas, embora não todas, pessoas mais velhas, a música abranda. O que é mais importante é que não saiam da pista de dança — o que aplanaria o caminho para o declínio da mente e do cérebro igualmente. Em vez de fazer novas sinapses, o seu cérebro persiste em fi xar-se nas que já tem. Nesta espiral decrescente de atividade mental, a pessoa mais velha terá eventualmente menos dendrites e sinapses por neurónio no córtex cerebral.

Afortunadamente podem ser feitas escolhas conscientes. Você pode escolher estar consciente dos pensamentos e sentimentos evocados pelo seu cérebro minuto a minuto. Pode escolher seguir uma curva ascenden-te de aprendizagem, independentemente da idade que tenha. Ao fazê-lo, criará novas dendrites, sinapses, e trilhos neuronais que realcem a saúde do seu cérebro e ajudem mesmo a prevenir a doença de Alzheimer (como sugerem as descobertas das mais recentes investigações).

Se a inevitabilidade tem sido posta em questão, o que dizer da irre-versibilidade dos efeitos do envelhecimento? À medida que avançamos na idade, muitos de nós sentimos cada vez mais que a nossa memória está a declinar. Não nos lembramos porque entramos numa sala e brincamos,

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na defensiva, quanto à nossa senilidade. Rudy tem um gato maravilhoso que o segue para todo o lado como um cão. Por mais de uma vez, Rudy levantou-se do seu maple na sala de estar e dirigiu-se à cozinha com o gato a reboque, só para dar, uma vez lá chegado, consigo e o gato a olha-rem estupidamente um para o outro. Nenhum deles sabe o propósito da viagem. Conquanto nos possamos referir a estes lapsos como exemplos de perda de memória relacionada com a idade, eles devem-se na realida-de a uma falta de aprendizagem — de registo de novas informações no cérebro. Em muitos casos, fi camos tão embotados ou abstraídos quanto ao que estamos a fazer que o simples défi ce de atenção leva a uma falta de aprendizagem. Quando não nos conseguimos lembrar de um simples facto como onde pusemos as chaves, isso signifi ca que não aprendemos ou registámos onde as pusemos para começar. Como utilizadores do nosso cérebro, não registámos ou consolidámos a informação sensorial numa memória de curto prazo durante o processo de pousar as chaves. Não se pode lembrar aquilo que nunca se aprendeu.

Se permanecer alerta, um cérebro saudável continuará a servi-lo com o avançar da idade. Deve contar com pronta vigilância, e não com o pavor da debilitação e senilidade. No nosso entender — Rudy fala como eminente investigador da doença de Alzheimer —, uma campanha pública que cau-sasse alarme quanto à senilidade teria um efeito nocivo. As expetativas são poderosos estímulos para o cérebro. Se conta perder a memória e repara no mais ínfi mo lapso com ansiedade, está a interferir no natural, espontâ-neo e destituído de esforço ato de se lembrar. Biologicamente, até 80% das pessoas com mais de setenta anos não têm perda de memória signifi cativa. As nossas expetativas deverão seguir essa descoberta, e não o nosso pavor oculto e amplamente infundado.

Se se tornar apático e embotado quanto à sua vida, ou se simples-mente for perdendo o entusiasmo pelas suas experiências de momento a momento, o seu potencial de aprendizagem está debilitado. Como evidên-cia física, um neurologista pode apontar as sinapses que têm de ser con-solidadas para a memória de curto prazo. Mas na maior parte dos casos um acontecimento mental precedeu a evidência física: nunca chegámos a aprender o que acreditamos ter esquecido.

Nada como a emoção solidifi ca a memória. Quando crianças, apren-demos sem esforço pois a gente nova é naturalmente apaixonada e entu-siasta no que toca à aprendizagem. Emoções de júbilo e maravilhamento, mas igualmente de horror e pavor, intensifi cam a aprendizagem. Isso tranca as memórias, frequentemente para toda a vida. (Tente lembrar-se do seu primeiro passatempo ou do seu primeiro beijo. Agora tente lembrar-se em quem votou pela primeira vez, ou da marca do carro do vizinho quando

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tinha dez anos. Habitualmente uns são coisa fácil e outros não tão fácil as-sim — a não ser que tivesse uma paixão precoce por política e carros.)

Por vezes o fator surpresa que conta para as crianças conta também para os adultos. Uma forte emoção é frequentemente a chave. Todos nos lembramos de onde estávamos aquando dos ataques do 11 de setembro, tal como as pessoas mais velhas se lembram de onde estavam no dia 12 de abril de 1945, quando o Presidente Roosevelt morreu subitamente de férias na “pequena Casa Branca” em Warm Springs, Geórgia. Dado a memória permanecer um terreno tão inexplorado, não sabemos dizer, em termos de função cerebral, porque é que as emoções intensas podem fazer que nela se depositem memórias ricamente detalhadas. Algumas emoções intensas podem ter o efeito oposto: no abuso sexual infantil, por exemplo, esse pode-roso trauma é suprimido e apenas pode ser recuperado com terapia intensi-va ou hipnose. Estas questões não se podem resolver até que se dê resposta a algumas perguntas básicas: o que é uma memória? Que tipo de vestígio físico, se é que o há, deixa uma memória dentro de uma célula cerebral?

Até que surjam as respostas, cremos que o comportamento e as ex-petativas são a chave. Quando nos apaixonamos e entusiasmamos de novo por aprender, à semelhança das crianças, formam-se novas dendrites e sinapses, e a nossa memória pode de novo fi car tão forte como quando éramos mais novos. De igual modo, quando recordamos uma antiga me-mória por recuperação ativa (i.e., procedemos a uma revisão mental para recordarmos o passado com precisão), fazemos novas sinapses, o que re-força as velhas sinapses, aumentando as probabilidades de que nos venha-mos a recordar da mesma memória novamente no futuro. Tem tudo a ver connosco, condutores e utilizadores dos nossos cérebros. Nós não somos o nosso cérebro; somos muito mais. No fi m de contas, é isso que importa sempre lembrar.

Mito 4. O cérebro perde milhões de células por dia, e os neurónios perdidos não podem ser substituídos.O cérebro humano perde cerca de 85.000 neurónios corticais por dia, ou cerca de um por segundo. Mas isto é uma fração infi nitesimal (0,0002%) dos cerca de 40 mil milhões de neurónios do córtex cerebral. A este ritmo, levaríamos mais de seiscentos anos a perder metade dos neurónios do nosso cérebro! Crescemos todos a dizerem-nos que, assim que perdemos células, elas se vão para sempre e nunca serão substituídas. (Na nossa adolescência, este aviso fazia parte dos sermões parentais sobre os perigos do álcool.) Ao longo das últimas décadas, contudo, demonstrou-se não ser esse — a perda permanente — o caso. O investigador Paul Coleman, da Universidade de Rochester, demonstrou que o número total de células nervosas no nosso

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cérebro aos vinte anos de idade não se altera signifi cativamente quando chegamos aos setenta.

Ao crescimento de novos neurónios chama-se neurogénese. Foi pela primeira vez observada há cerca de vinte anos nos cérebros de certas aves. Por exemplo, quando os diamantes-mandarins se estão a desenvolver e a aprender novos trinados para propósitos de acasalamento, os seus cérebros aumentam visivelmente de tamanho — novos neurónios são produzidos para acelerar o processo de aprendizagem. Depois de o diamante-manda-rim aprender o trinado, muitos dos novos neurónios morrem, restituindo o cérebro ao seu tamanho original. Este processo é conhecido por morte celular programada, ou apoptose. Os genes não só sabem quando está na altura de novas células nascerem (digamos, como quando nos crescem os dentes defi nitivos para substituir os dentes de leite ou quando passamos pe-las alterações da puberdade), mas igualmente quando está na altura de uma célula morrer, tal como quando renovamos as células da pele, perdemos os glóbulos sanguíneos ao fi m de uns meses, e muitos outros casos. A maioria das pessoas fi ca admirada ao saber deste facto. A morte existe ao serviço da vida — você pode resistir à ideia, mas as suas células compreendem-no perfeitamente.

Nas décadas que se seguiram a estas frutíferas descobertas, os cientis-tas observaram a neurogénese no cérebro dos mamíferos, particularmente no hipocampo, que é usado para a memória de curto prazo. Sabemos agora que vários milhares de novas células nervosas nascem diariamente no hi-pocampo. O neurocientista Fred Gage do Instituto Salk demonstrou que o exercício físico e o enriquecimento ambiental (circunstâncias de vida esti-mulantes) estimulam o crescimento de novos neurónios nos ratos. O mes-mo princípio se vê em funcionamento nos jardins zoológicos. Os gorilas e outros primatas defi nham se forem mantidos em jaulas confi nadas sem nada que fazer, mas fl orescem em vastos cercados com árvores, baloiços e brinquedos. Se pudéssemos aprender ao certo como induzir em seguran-ça a neurogénese no cérebro humano, mais efi cazmente poderíamos tratar condições em que se perderam ou lesaram gravemente células cerebrais: doença de Alzheimer, lesão traumática cerebral, acidente vascular cerebral e epilepsia. Poderíamos também confi antemente manter a saúde do nosso cérebro com o avançar da idade.

O investigador de Alzheimer Sam Sisodia da Universidade de Chicago demonstrou que o exercício físico e a estimulação mental protegem os ratos de desenvolver a doença de Alzheimer, mesmo quando induzidos a carre-gar uma mutação humana de Alzheimer no seu genoma. Outros estudos com roedores oferecem encorajamento para o cérebro normal, também. Ao escolher fazer exercício todos os dias, você pode aumentar o número

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de novas células nervosas, tal como faz quando procura ativamente apren-der novas coisas. Ao mesmo tempo, promove a sobrevivência destas novas células e conexões. Em contraste, o stress e trauma emocional conduzem à produção de glucocorticoides no cérebro, toxinas que inibem a neurogéne-se em animais de laboratório.

Podemos com segurança descartar o mito quanto à perda de milhões de células cerebrais por dia. Até o aviso parental de que o álcool mata os neurónios se revelou ser uma meia-verdade. O consumo casual de álcool na realidade apenas mata um número mínimo de neurónios, mesmo entre alcoólicos (que, no entanto, incorrem em muitos reais riscos de saúde). A verdadeira perda resultante da bebida ocorre nas dendrites, mas estudos parecem indicar que este dano é maioritariamente reversível. A ideia subja-cente por agora é a de que, à medida que avançamos na idade, áreas-chave do cérebro envolvidas na memória e aprendizagem continuam a produzir novas células nervosas, e que este processo pode ser estimulado pelo exercí-cio físico, atividades mentalmente estimulantes (como a leitura deste livro) e interação social.

Mito 5. As reações primárias (medo, raiva, ciúme, agressividade) predominam sobre o cérebro superior.A maioria das pessoas já ouviu pelo menos um rumor de que os quatro primeiros mitos são falsos. O quinto mito, contudo, parece estar a ganhar terreno. A base racional para declarar que os seres humanos são movidos por impulsos primários é parcialmente científi ca, parcialmente moral, e parcialmente psicológica. Para o resumir numa frase: «Nascemos maus porque Deus nos está a castigar, e até a ciência concorda.» Demasiadas pes-soas acreditam pelo menos em parte desta frase, se não em toda ela.

Examinemos o que parece ser a posição racional, o argumento cien-tífi co. Todos nós nascemos com memória genética que nos providencia os instintos básicos necessários à sobrevivência. A evolução visa assegurar a propagação da nossa espécie. As nossas necessidades instintivas funcionam a par dos nossos impulsos emocionais de recolher alimento, encontrar abri-go, buscar poder e procriar. O nosso medo instintivo ajuda-nos a evitar situações perigosas que ameaçam a nossa vida e a das nossas famílias.

Um argumento evolucionário é assim usado para nos persuadir de que os nossos medos e desejos, instintivamente em nós programados desde a gestação, estão no comando, predominando sobre o nosso cérebro supe-rior, mais evoluído, com a sua razão e lógica (interpretando a por demais óbvia ironia de que o cérebro superior inventou a teoria que o rebaixa). Indubitavelmente, as reações instintivas estão implantadas na estrutura

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cerebral. Alguns neurocientistas acham convincente o argumento de que certas pessoas são programadas para se tornarem antissociais, criminosas ou raivodependentes, assim como outras são programadas para a ansieda-de, depressão, autismo e esquizofrenia.

Mas o enfatizar do cérebro inferior negligencia uma poderosa verda-de. O cérebro é multidimensional, de forma a permitir que qualquer experi-ência ocorra. Qual a experiência que dominará não é algo automático nem geneticamente programado. Há um equilíbrio entre desejo e contenção, escolha e compulsão. Aceitar que a biologia é destino deita por terra todo o propósito de se ser humano: devemos submeter-nos ao destino apenas como última e desesperada escolha, mas o argumento para um cérebro inferior dominante faz da submissão a primeira escolha. Como pode isso ser tolerado? Encolhemos os ombros ao facto de os nossos antepassados se terem resignado ao pecado humano pois diz-se ter ele sido herdado da desobediência de Adão e Eva no Jardim do Éden. A herança genética corre o risco de induzir à mesma resignação, ataviada de garbo científi co.

Embora experimentemos diariamente medo e desejo como reações naturais ao mundo, não temos de ser governados por eles. Um condutor frustrado retido na autoestrada de Los Angeles no meio de asfi xiante polui-ção sentirá a mesma resposta lutar-ou-fugir dos seus antepassados à caça do antílope na savana africana ou do tigre-dente-de-sabre na Europa do Norte. Esta resposta ao stress, um ímpeto instintivo, foi-nos incutida, mas não faz os condutores abandonarem em massa os seus veículos para fu-girem ou atacarem-se uns aos outros. Freud sustentava que a civilização depende de dominarmos os nossos impulsos primários para que mais al-tos valores possam prevalecer, o que soa razoavelmente verdadeiro. Mas ele acreditava pessimisticamente que pagamos um preço elevado por isso. Reprimimos os nossos ímpetos inferiores mas nunca os extinguimos ou nos reconciliamos com os nossos medos e agressividades mais profundos. O resultado são erupções de violência em massa como as duas guerras mundiais, quando toda essa energia reprimida cobra o seu tributo de for-mas horrendas e incontroláveis.

Não podemos resumir os milhares de livros que têm sido escritos so-bre este tema, ou oferecer a resposta perfeita. Mas seguramente que rotular seres humanos como fantoches do instinto animal está errado, em primeiro lugar por ser algo tão desequilibrado. O cérebro superior simplesmente é tão legítimo, poderoso e evolutivo como o cérebro inferior. Os maiores cir-cuitos do cérebro, que formam circuitos de retroalimentação entre as áreas superior e inferior, são maleáveis. Se você for um enforcer do hóquei profi s-sional e a sua tarefa for iniciar brigas no gelo, provavelmente terá escolhi-do moldar a sua circuitagem cerebral de modo a favorecer a agressividade.

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Mas foi sempre uma escolha, e se o dia alguma vez chegar em que venha a lamentar a sua escolha, pode retirar-se para um mosteiro budista, meditar sobre a compaixão e modelar a circuitagem cerebral numa nova e mais ele-vada direção. A escolha está sempre lá.

Com rara exceção, a liberdade de escolha não é interditada pela pro-gramação previamente instalada. “O cérebro levou-me a fazê-lo” tornou-se uma explicação automática para quase todos os comportamentos indese-jáveis. Podemos estar conscientemente cientes das nossas emoções e esco-lher não nos identifi carmos com elas. Isto é mais fácil de dizer do que de fazer para uma pessoa que sofra de distúrbio bipolar, toxicodependência ou de qualquer fobia. Mas a estrada para o bem-estar cerebral começa com a consciência. Termina igualmente na consciência, e a consciência possi-bilita cada passo do caminho. No cérebro, a energia fl ui para onde vai a consciência.

Quando a energia deixa de fl uir, emperramos. O emperramento é uma ilusão, mas quando nos acontece a nós, parece bem real. Considere uma pessoa com um medo mortal de aranhas. As fobias são reações fi xas (i.e., emperradas). Um aracnofóbico não pode ver uma aranha sem sentir uma onda automática de medo. O cérebro inferior desencadeia uma com-plexa cascata química. As hormonas disparam através da corrente sanguí-nea para acelerar o coração e fazer subir a pressão arterial. Os músculos preparam-se para lutar ou fugir. Os olhos semicerram-se bem focados, com a visão assestada em túnel na coisa que se teme. A aranha torna-se enorme aos olhos da mente. Tão poderosa é a reação de medo que o cérebro su-perior — a parte que sabe quão pequenas e inofensivas são a maioria das aranhas — fi ca bloqueado no escuro.

Aqui está um excelente exemplo do cérebro a usá-lo a si. Impõe uma falsa realidade. Todas as fobias são no fundo distorções da realidade. As alturas não são automaticamente motivo para pânico; nem os espaços aber-tos, andar de avião e a miríade de outras coisas de que os fóbicos têm medo. Ao abrirem mão do poder que têm de usar o cérebro, os fóbicos fi cam em-perrados numa reação fi xa.

As fobias podem ser tratadas com sucesso trazendo-as à consciência e restituindo o controlo ao utilizador do cérebro, que é o seu lugar. Uma técnica é fazer a pessoa imaginar aquilo de que tem medo. A um aracno-fóbico, por exemplo, é pedido que veja uma aranha e que vá aumentando e diminuindo a imagem. Depois, que faça a imagem andar para trás e para diante. Este simples ato de emprestar movimento ao objeto temido pode ser muito efi caz na dispersão do seu poder de indução, pois o medo imobi-liza a mente. Gradualmente, a terapia pode passar para uma aranha numa caixa de vidro. Ao fóbico é pedido que se aproxime o mais que puder sem

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entrar em pânico. É-lhe permitido alterar a distância de acordo com o seu nível de conforto, e com o tempo esta liberdade de alterar as coisas restabe-lece igualmente o controlo. O fóbico aprende que tem mais opções do que simplesmente desatar a fugir.

Obviamente, o cérebro superior pode dominar até os medos mais ins-tintivos; de contrário, não teríamos alpinistas (medo das alturas), funâm-bulos (medo de cair), e domadores de leões (medo da morte). O mais triste, contudo, é que somos todos como o fóbico que não pode sequer imaginar a imagem de uma aranha sem ser tomado de suores frios. Rendemo-nos aos medos, não de aranhas, mas daquilo a que chamamos normal: fracasso, humilhação, rejeição, velhice, doença e morte. É tragicamente irónico que o mesmo cérebro capaz de conquistar o medo nos sujeite igualmente a me-dos que nos assombram ao longo das nossas vidas.

As denominadas criaturas inferiores gozam da liberdade do medo psicológico. Quando uma chita ataca uma gazela, esta entra em pânico e luta pela vida. Mas não se encontrando presente predador algum, a gazela leva uma vida despreocupada, pelo que nos é dado saber. Nós, humanos, contudo, sofremos terrivelmente no nosso mundo interior, e este sofrimen-to traduz-se em problemas físicos. Os riscos são muito elevados no que toca a deixar-se usar pelo seu cérebro. Mas se for você a começar a usá-lo em vez disso, as recompensas são ilimitadas.

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SOLUÇÕES DO SUPERCÉREBRO:

PERDA DE MEMÓRIA

Temos vindo a insistir na tecla de que precisa de se relacionar com o seu cé-rebro de uma nova forma. Isto é especialmente verdadeiro para a memória. Não podemos esperar que a memória seja perfeita, e o modo como reage às suas imperfeições é consigo. Se vê cada pequeno lapso como um sinal de aviso de inevitável declínio da idade, ou uma indicação de que lhe falta massa cinzenta, está a criar as condições para que a sua crença se torne rea-lidade. De cada vez que se queixa “Está a faltar-me a memória”, reforça essa mensagem no cérebro. No equilíbrio de mente e cérebro, a maior parte das pessoas é demasiado lesta a culpar o cérebro. Aquilo em que deveriam pôr os olhos é no hábito, comportamento, atenção, entusiasmo e focalização, tudo coisas essencialmente mentais.

Assim que deixa de prestar atenção e desiste de aprender coisas novas, não está a dar qualquer encorajamento à memória. Um simples axioma sustenta: «Seja o que for a que dê atenção, cresce.» Portanto, para encorajar a sua memória a crescer, precisa de prestar atenção à forma como se desen-rola a sua vida. O que signifi ca isto, especifi camente? A lista é longa, mas contém atividades que vêm naturalmente. A única diferença à medida que avança na idade é que tem de fazer escolhas mais conscientes do que fazia mais cedo na vida:

UM DELIBERADO PROGRAMA DE MEMÓRIA

Encare com paixão a sua vida e as experiências com que a preenche.

Aprenda entusiasticamente coisas novas.

Preste atenção às coisas de que terá de se lembrar mais tarde.

A maioria dos lapsos de memória são na realidade lapsos de aprendizagem.

Recupere ativamente antigas memórias; apoie-se menos em muletas da memória, como listas.

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Conte manter a memória intacta. Resista às expetativas mais baixas das pessoas que racionalizam a perda de memória como “normal”.

Não deplore nem tema ocasionais lapsos.

Se uma memória não vier de imediato, não a descarte como perdida. Seja paciente e aproveite os segundos suplementares para que o sistema de recuperação do cérebro funcione.

Foque-se em coisas ou pessoas que associe à memória per-dida, e provavelmente recordar-se-á. Todas as memórias es-tão associadas a outras memórias anteriores. Esta é a base da aprendizagem.

Seja diversifi cado nas suas atividades mentais. O exercício de palavras cruzadas usa uma parte diferente do sistema da me-mória do que o lembrar-se das compras que precisa de fazer, e ambos são diferentes de aprender uma língua nova ou recor-dar caras de pessoas acabadas de conhecer. Exercite ativamen-te todos os aspetos da memória, não apenas aqueles que lhe surgem com mais facilidade.

O fi o condutor deste programa é acompanhar a conexão mente-cére-bro. Cada dia conta. O seu cérebro nunca deixa de prestar atenção ao que lhe diz, e pode responder muito rapidamente. Um amigo de longa data de Deepak, um editor médico, gaba-se da memória que tem desde a infância. Como é lesto a salientar, não tem uma memória fotográfi ca (ou eidética). Em vez disso, “mantém as antenas estendidas”, tal como ele o descreve. Desde que continue a prestar atenção à sua existência diária, é capaz de recuperar memórias rapida e fi avelmente.

Este homem completou recentemente sessenta e cinco anos, tal como a maioria dos seus amigos. Começaram a trocar piadas retorcidas sobre os seus episódios de senilidade. (Amostra: “A minha memória está tão boa como sempre. Simplesmente não tenho entrega no próprio dia.”) O homem começou a dar por lapsos ocasionais em si próprio, embora não tivesse problemas em usar a memória quando fazia investigação para o seu trabalho.

“Sem me preocupar verdadeiramente com o caso”, diz, “decidi come-çar a fazer listas de compras. Até então, nunca as fi zera. Ia às compras e

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simplesmente lembrava-me do que queria. Isto era válido mesmo quando tinha de abastecer a despensa depauperada com vários sacos de mercearias.

»Comecei a manter uma lista de compras na secretária, e aconteceu uma coisa espantosa. Um ou dois dias depois, não conseguia lembrar-me do que queria comprar. Sem a minha lista na mão, fi cava impotente, vague-ando pelos corredores do supermercado na esperança de que, ao avistar batatas ou xarope de ácer, me lembrasse de que era disso que ia à procura.

»A princípio ri-me despreocupado, até uma semana em que me es-queci de comprar açúcar em duas idas ao supermercado. Agora estou a ten-tar fazer o desmame das listas. Faço os possíveis, mas fi camos dependentes de listas muito rapidamente.”

Aprendendo com o exemplo dele, sente-se e considere as coisas a que poderia estar a prestar mais atenção usando enquanto isso menos muletas. O nosso Deliberado Programa de Memória guiá-lo-á, dado que inclui as áreas mais signifi cativas a que vale a pena prestar mais atenção. As coisas mais familiares podem parecer destituídas de importância, mas contam.

Será capaz de fazer o desmame de listas para coisas de que se consegue lembrar? Tente levar a sua lista de compras para o supermercado mas não olhar para ela. Compre o mais que puder de memória, e só então consulte a sua lista. Quando chegar ao ponto de nada lhe escapar, faça o desmame completo das listas.

Será capaz de parar de se censurar por lapsos de memória? Morda a língua da próxima vez em que estiver para dizer automaticamente “Não consigo lembrar-me de uma coisa” ou “Mais um episódio de senilidade”. Seja paciente e espere. Se contar que as memórias surjam, elas quase sem-pre o fazem.

Deixe de bloquear a memória. Recuperar uma memória é tarefa deli-cada: você pode facilmente intrometer-se no processo de lembrança estan-do atarefado, distraído, preocupado, stressado, cansado por falta de sono ou mentalmente sobrecarregado por fazer duas ou mais coisas ao mesmo tempo. Examine essas coisas primeiro, antes de censurar o cérebro.

Providencie um ambiente que seja bom para a memória, que tenha o oposto daquilo que acabámos de mencionar como obstáculos. Por outras palavras, tome cuidado com o stress, durma o sufi ciente, seja regular nos seus hábitos, não se sobrecarregue mentalmente com múltiplas tarefas, e por aí adiante. O desenvolvimento de hábitos regulares ajuda, dado que o cérebro opera mais facilmente pela repetição. Se vive de maneira dispersa e distraída, a sobrecarga sensorial para o seu cérebro é nociva e desnecessária.

Se está a fi car mais velho e sente que pode estar a dar-se uma perda de memória, não entre em pânico nem se resigne ao inevitável. Em vez disso, centre o seu esforço em atividades mentais que estimulem a função

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cerebral. Determinado soft ware, incluindo os denominados “ginásios cere-brais”, e livros como Keep Your Brain Alive4 (Neuróbica), de que o neuro-biólogo Larry Katz, da Universidade Duke, é coautor, são concebidos para exercitar o cérebro de uma forma sistemática. Os relatos de reversão de me-mória branda a moderada com o exercitar do cérebro são por enquanto episódicos, mas encorajadores todavia.

Finalmente, encare como natural todo este projeto. O seu cérebro foi concebido para o seguir a si, e quanto mais descontraído estiver, melhor será para a sua parceria mente-cérebro. A melhor memória é aquela em que você se apoia com simples confi ança.

4 Mantenha o Seu Cérebro Vivo, na edição em português da Editora Sextante brasileira. (N. da T.)

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HERÓIS DO SUPERCÉREBRO

Agora que dissipámos alguns falsos mitos, o caminho para o supercé-rebro parece mais desimpedido. Mas um novo obstáculo mais adiante

está a obstruir a estrada: complexidade. A rede neuronal do seu cérebro é o computador do seu corpo, mas é igualmente o computador da sua vida. Absorve e regista cada experiência, por mais diminuta que seja, e compara-a com experiências passadas, armazenando-a depois. Pode dizer “Esparguete outra vez? Já comemos isso duas vezes na semana passada” pois o seu cére-bro armazena informação comparando-a constantemente com a de ontem. Ao mesmo tempo, você desenvolve gostos e desgostos, enfastia-se, anseia por variedade, e chega ao fi m de uma fase da sua vida, pronto para a pró-xima. O cérebro possibilita que tudo isso tenha lugar. Conecta constante-mente nova informação com aquilo que você aprendeu no passado. Você remodela e refi na a sua rede neuronal ao segundo, mas também o mundo que você experiencia o faz. O maior supercomputador existente não pode igualar este feito, que todos nós tomamos por garantido.

O cérebro não se deixa intimidar pelas suas múltiplas tarefas. Quanto mais lhe pedir que faça, mais ele pode fazer. O seu cérebro é capaz de fazer um trilião (um milhão de biliões) de sinapses. Cada uma é como um telefone microscópico, contactando qualquer outro telefone da linha quantas vezes desejar. O biólogo laureado com o Prémio Nobel Gerald Edelman salienta que o número de possíveis circuitos neuronais no cére-bro é de 10 seguido de um milhão de zeros. Considere que o número de

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partículas no universo conhecido é estimado ser apenas de 10 seguido de setenta e nove zeros!

Pode pensar que está a ler esta frase neste preciso momento, ou a es-preitar pela janela para ver como está o tempo, mas na realidade não está. O que na realidade está a fazer é a sobrepor-se ao universo. É um facto, não fi cção-científi ca. Ocasionalmente este facto invade a vida de todos os dias com resultados espantosos. Quando o faz, a complexidade é um amigo ou inimigo, e por vezes um pouco de ambos. Um dos clubes mais exclusivos do mundo consiste num punhado de pessoas que partilham uma condição misteriosa que só recentemente, em 2006, foi descoberta: hipertimesia. Elas lembram-se de tudo. Têm uma capacidade de lembrança absoluta. Quando se reúnem, podem levar a cabo jogos mentais como: “Qual o melhor 4 de abril da sua vida?” Cada pessoa folheia rapidamente o seu Rolodex mental, só que em vez de fi chas com notas, veem os factos passados de cada dia 4 de abril das suas vidas. Numa questão de um minuto alguém dirá: “Oh, 1983, defi nitivamente. Vesti um fato de banho novo, e eu e a minha mãe bebemos laranjada na praia enquanto o meu pai lia o jornal. Isso foi à tarde; às seis horas fomos comer lagosta a uma marisqueira.”

São capazes de se lembrar de cada dia das suas vidas com completa e infalível precisão. (Timesia, uma das palavras-raiz de hipertimesia, é o termo grego para “ato de recordar”. A outra palavra, hiper, signifi ca “excessivo”.) Os investigadores localizaram apenas sete ou oito norte-americanos até à data que evidenciam esta condição, mas não se trata de uma moléstia. Nenhuma destas pessoas tem qualquer lesão cerebral, e nalguns casos a sua capacida-de de se lembrarem de cada detalhe das suas vidas começou subitamente, num determinado dia em que a memória vulgar deu um salto quântico.

Para se qualifi car ao diagnóstico de hipertimesia, uma pessoa tem de passar por testes de memória que parecem impossíveis. A uma mulher deu-se a ouvir o tema musical de uma série que passou na televisão apenas em dois episódios na década de 1980, mas, tendo visto um deles, soube dizer instantaneamente o nome do programa. Outra candidata era uma fã de basebol. Foi-lhe pedido que recordasse a pontuação de um determinado jogo entre Pittsburgh e Cincinatti anos antes. “É uma resposta ardilosa”, re-plicou ela. “O avião da equipa de Pittsburgh avariou e a equipa não chegou. Não houve jogo.”

Discutimos a memória no capítulo anterior deste livro, e a hiperti-mesia é o exemplo consumado de uma capacidade por todos partilhada extrapolada a níveis sobre-humanos — não deixando contudo de ser muito humana ainda assim. Quando inquirida se gostava de se lembrar perfeita-mente de tudo, uma mulher suspirou: “Lembro-me de cada vez que a mi-nha mãe me disse que eu era gorda de mais.” As pessoas com hipertimesia

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concordam que revisitar o passado pode ser intensamente doloroso. Evitam pensar nas piores experiências das suas vidas, desagradáveis à lembrança de qualquer um mas extraordinariamente vívidas para elas, tão vívidas como se estivessem de facto a vivê-las. A maior parte do tempo, a sua total lem-brança é incontrolável. A mera menção de uma data provoca-lhes um des-bobinar de imagens na imaginação, em paralelo com as visões normais. (“É como um ecrã dividido; estou a falar com alguém e a ver outra coisa qualquer”, explica um indivíduo.)

Você e eu não temos hipertimesia, portanto qual é a relação disso com o objetivo do supercérebro? É então que entra o problema da com-plexidade. A ciência tem estudado a lembrança total e os centros cerebrais da memória; vários deles estão alargados nas pessoas com hipertimesia. Desconhece-se a causa. Os investigadores suspeitam de ligações ao distúr-bio obsessivo-compulsivo (DOC), dado que as pessoas com hipertimesia apresentam frequentemente comportamentos compulsivos; ou a várias for-mas de défi ce de atenção, dado que os portadores de lembrança total não podem pôr fi m às memórias quando elas começam a afl uir. Talvez sejam pessoas que nunca desenvolveram a capacidade de esquecer. Pode-se sem-pre contar com uma coisa no que toca ao cérebro humano: não se pode olhar para lado algum sem se olhar para todo o lado.

À procura de heróisA forma de contornar o problema da complexidade é dar-lhe a volta com-pleta. Se o seu cérebro está adiante do universo, então o seu potencial oculto deverá ser muito maior do que se supõe. Podemos deixar esse trilião de conexões aos cientistas. Escolhamos três áreas onde, num cérebro saudá-vel normal, seja alcançável um desempenho perfeito. Em cada área haverá alguém que abriu caminho. Estes são heróis do supercérebro, ainda que possa nunca os ter visto dessa maneira.

HERÓI #1ALBERT EINSTEIN

PELA ADAPTABILIDADEO nosso primeiro herói é o físico Albert Einstein, mas não o escolhemos pelo seu intelecto. Einstein — como os génios em geral — é um mode-lo de sucesso. Tais pessoas possuem uma inteligência e criatividade muito além da norma. Se soubéssemos o seu segredo, cada um de nós teria mais sucesso independentemente do que fi zéssemos. As pessoas muitíssimo bem-sucedidas não têm meramente sete hábitos5. Usam o cérebro de uma

5 Alusão a Th e Seven Habits of Highly Eff ective People, editado em português com o título

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maneira afi nada para o sucesso. Se se restringir à maneira de Einstein usar o seu cérebro, limita as suas possibilidades de sucesso. Não é uma questão de “bons genes” apenas. Einstein usava o seu cérebro de uma maneira que qualquer pessoa pode aprender.

A chave é adaptabilidade.O supercérebro tira partido da sua capacidade inata de se adaptar.

Esta capacidade é necessária à sobrevivência. De todas as coisas vivas, os hu-manos têm-se adaptado a todos os ambientes do planeta. Confrontem-nos com os climas mais duros, as mais estranhas dietas, as piores doenças, ou as mais temíveis crises desencadeadas por forças naturais, e nós adapta-mo-nos. O Homo sapiens fá-lo tão incrivelmente bem que o tomamos por garantido até nos aparecer à frente alguém que extrapola a adaptabilidade a um novo nível, alguém como Einstein.

Einstein adaptava-se encarando o desconhecido e conquistando-o. O seu campo era a física, mas toda a gente é diariamente confrontada com o desconhecido. A vida está cheia de inesperados desafi os. Para se adaptar ao desconhecido, Einstein desenvolveu três forças e evitou três obstáculos:

Três forças: Deixar-se ir, ser fl exível, relaxarTrês obstáculos: Hábitos, condicionamentos, emperramento

Pode-se medir a adaptabilidade de uma pessoa pela sua capacidade de se deixar ir, permanecer fl exível e relaxar diante das difi culdades. Pode-se medir a falta de adaptabilidade de uma pessoa pela predominância de ve-lhos hábitos e condicionamentos que a mantêm emperrada. Memórias nocivas de choques e adversidades do passado dizem-lhes repetidamente quão limitadas são. Einstein era capaz de ignorar velhos hábitos de pensa-mento que o rodeavam. Relaxava e deixava vir a si novas soluções através dos sonhos e da intuição. Apurava tudo o que podia a respeito de um pro-blema, depois rendia-se a possibilidades desconhecidas.

Não é assim que o público vê Einstein, que é imaginado como um descabelado maníaco cerebral a encher o quadro negro de equações mate-máticas. Mas olhemos para a sua carreira de uma perspetiva pessoal. Como ele próprio diz, a maior motivação de Einstein era o assombro e maravi-lhamento que sentia perante os mistérios da natureza. Este era um estado espiritual, e ele costumava dizer que penetrar nos segredos do universo era como ler a mente de Deus. Vendo o cosmos primeiro como um mistério, Einstein estava a rejeitar o hábito de o ver como uma máquina gigante cujas peças móveis podem ser identifi cadas e mensuradas. Fora assim que Isaac

Os Sete Hábitos das Pessoas Altamente Efi cazes pela editora brasileira Best Seller. (N. da T.)

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Newton visionara a física. Notavelmente, Einstein pegou nas noções mais básicas do sistema newtoniano, como a gravidade e o espaço, e reinven-tou-as totalmente.

Fê-lo, como o mundo inteiro depressa apurou, através da teoria da relatividade e da sua famosa equação, E=mc2. Estava envolvida uma mate-mática superior, mas isso era uma manobra de diversão. Einstein disse certa vez a uns jovens estudantes: «Não se preocupem com os problemas que têm com a matemática. Asseguro-vos que os meus são muito maiores.» Não se tratava de falsa modéstia. O seu método criativo era mais como sonhar do que cogitar; assim que “viu” como funcionavam o tempo e o espaço, seguiu-se mais tarde o urdir da prova matemática, com grande difi culdade.

Quando enfrenta um novo problema, você pode resolvê-lo de velhas maneiras ou de uma nova maneira. O primeiro é de longe o caminho mais fácil de seguir. Pense num casal de longa data que passa o tempo a discutir. Sentem-se frustrados e bloqueados. Nenhum quer ceder um centímetro que seja. O resultado é um ritual em que repetem as mesmas obstinadas opiniões, fazem as mesmas queixas rezingonas, exibem a mesma incapaci-dade de aceitar o ponto de vista do outro. Qual seria uma nova maneira de tirar um casal de longa data da sua infelicidade?

Em vez de fi carem emperrados em velhos comportamentos, pro-gramados nos seus cérebros, poderiam usar os seus cérebros das seguintes maneiras:

COMO SER ADAPTÁVEL

Pare de repetir o que nunca resultou em primeiro lugar.

Recue e peça uma nova solução.

Pare de se debater ao nível do problema — a resposta nunca está aí.

Trabalhe no seu próprio emperramento. Não se preocupe com a outra pessoa.

Quando forem desencadeados velhos focos de tensão, desande.

Veja a raiva justifi cada pelo que realmente é — raiva destrutiva mascarada para soar positiva.

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Reconstrua os laços que se foram esfi apando.

Assuma uma parte maior do fardo do que julga merecer.

Pare de pôr tanto peso em ter razão. No esquema maior das coisas, ter-se razão é insignifi cante em comparação com ser-se feliz.

A tomada destes passos não é simplesmente pura psicologia: cria um espaço de forma a que o seu cérebro possa mudar. A repetição cola os ve-lhos hábitos no cérebro. Acalentar uma emoção negativa é a maneira mais certa de bloquear emoções positivas. De modo que, de cada vez que um casal de longa data revisita os mesmos ressentimentos, está a ativá-los ain-da mais nos seus cérebros. Ironicamente, Einstein, um mestre a aplicar tão espantosa adaptabilidade à física, via-se como um falhado como marido e pai. Divorciou-se da sua primeira mulher, Mileva, em 1919 após uma sepa-ração de cinco anos. Uma fi lha nascida fora do casamento em 1902 desa-pareceu das páginas da história. Um dos seus dois fi lhos era esquizofrénico e morreu num hospício; o outro, que sofreu em criança quando os pais se separaram, foi alienado do pai por duas décadas. Estas situações causa-ram grande dor a Einstein. Mas até para um génio, as emoções são mais primitivas e urgentes do que os pensamentos racionais. Os pensamentos movem-se como relâmpagos; as emoções movem-se bem mais devagar e por vezes quase impercetivelmente.

Aqui está um bom lugar para salientar que o separar das emoções e da razão é totalmente artifi cial. Ambas se fundem. Os exames imagiológi-cos cerebrais afi rmam que o sistema límbico, uma parte do cérebro inferior que desempenha um papel importante nas emoções, se ilumina quando as pessoas pensam estar a tomar decisões racionais. Isto é inevitável dado que a circuitagem do cérebro está inteiramente interconectada. Estudos têm de-monstrado que quando as pessoas se sentem bem, estão dispostas a pagar preços exorbitantes por determinadas coisas. (Pagar trezentos dólares por uns ténis de jogging? Porque não, sinto-me ótimo hoje!) Mas estão igual-mente dispostas a pagar mais quando se sentem deprimidas. (Seis dólares por um biscoito com pedaços de chocolate? Porque não, animar-me-á.) A questão é que tomamos decisões contra um pano de fundo emocional, ain-da que racionalizemos que não o fazemos.

Parte da adaptabilidade é estar consciente da componente emocional em vez de a negar. De contrário, corremos o risco de que o cérebro comece a usar-nos. O economista Martin Shubik concebeu um leilão fora do vulgar em que o objeto posto à venda era uma nota de dólar. Talvez deduza que

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a licitação vencedora foi de $1, mas não foi, pois neste leilão o vencedor ganhava a nota de dólar, mas quem fi zesse a segunda licitação mais elevada tinha de pagar essa quantia ao leiloeiro. Assim se eu ganho licitando $2, e você perde licitando $1.50, deverá entregar essa quantia, sem nada em troca.

Quando foi feita esta experiência, a licitação foi muito acima de um dólar. Tipicamente, dois estudantes masculinos foram os últimos licitado-res a fazer os seus lances. Sentiam-se competitivos; cada um queria punir o outro; nenhum dos dois queria ser o perdedor a ser punido. Quaisquer que fossem os seus motivos, fatores irracionais foram aumentando mais e mais as licitações. (É de admirar que não tivessem disparado, terminando apenas quando um licitador fi casse sem dinheiro.)

Igualmente interessante é o facto de que quando os experimenta-dores tentam eliminar o lado emocional da tomada de decisões, falham. Ninguém levou a cabo ainda um estudo em que os participantes tomassem decisões puramente racionais. Pagamos um prémio elevado por nos ape-garmos teimosamente às nossas opiniões, sustentados por emoções, me-mórias, crenças e hábitos emperrados.

Conclusão: Se quer alcançar sucesso nalgum campo, faça como Einstein. Maximize a capacidade de adaptação do seu cérebro.

VOCÊ ESTÁ A TORNAR-SE MAIS ADAPTÁVEL QUANDOÉ capaz de rir de si próprio.Percebe que há mais na situação do que julga.As outras pessoas deixam de parecer antagonistas só porque discordam de si.Negociar começa a resultar, e você participa genuinamente nisso.Compromisso torna-se uma palavra positiva.Consegue relaxar num estado de descontraída vigilância.Vê as coisas de uma maneira que não via antes, e isso encanta-o.

HERÓI #2UM BEBÉ RECÉM-NASCIDO

PELA INTEGRAÇÃOO nosso próximo herói não é famoso nem génio algum, nem sequer do-tado. É qualquer bebé recém-nascido. Os bebés são modelos de saúde e bem-estar. Cada célula dos seus corpos vibra de vida. Veem o mundo como um lugar de infi ndável descoberta. Cada dia, senão cada minuto, é como um novo mundo. O que contribui para o seu estado de robusto bem-estar

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não é o facto de nascerem de bom humor. Os seus cérebros estão, isso sim, em constante movimento, remodelando-se à medida que o mundo se ex-pande. Hoje é um novo mundo, seja você um bebé ou não, se o mesmo se expandir sobre o que você vivenciou ontem.

Os bebés não se fecharam nem se deixaram emperrar em velhos e estafados condicionamentos. Seja o que for que os seus cérebros absorve-ram ontem permanece no lugar enquanto novos horizontes continuam a abrir-se: andar, falar, aprender a relacionar-se e sentir. Quando crescemos, tornamo-nos nostálgicos ante a inocência da infância. Temos uma sensa-ção de perda. O que foi que perdemos que os bebés têm em abundância?

A chave é integração.Entre todas as coisas vivas, os seres humanos absorvem cada possível

entrada de informação e integram-na — isto é, fazemos um quadro global. Neste preciso minuto, tal como um bebé recém-nascido, você está a passar em revista milhares de milhões de bits de dados brutos para formar um mundo coerente. O psiquiatra Daniel Siegel propõe um termo técnico para este passar em revista: sisp6. Refere-se a

S — SensaçãoI — ImagemS — SentimentoP — Pensamento

Nada é real se não passar por estes canais: ou o sente com uma sensa-ção (como dor ou prazer), o imagina visualmente, o sente emocionalmen-te ou o pensa. O processo dá-se constantemente, e contudo é por demais misterioso. Visualize em imaginação um belo pôr-do-sol. Nenhuns fotões de luz tocam a sua retina, como aconteceria se estivesse a contemplar um pôr-do-sol real. Luz alguma ilumina o seu córtex visual, que está imerso na mesma escuridão do resto do cérebro. E, contudo, microvolts de eletrici-dade bombeando iões para trás e para diante ao longo dos seus neurónios produzem magicamente uma imagem plena de luz, para não falar da beleza e da cascata de associações com todos os outros pores-do-sol que você já viu. (A forma como o cérebro correlaciona esta imagem por meios físicos com a sua imaginação é um mistério central na conexão mente-cérebro.)

Integrar bits de dados brutos em imagens da realidade é um processo que vai bem até ao nível celular, pois tudo o que o cérebro faz é comunicado ao resto do corpo. Muito literalmente, quando se sente deprimido ou tem uma ideia luminosa ou pensa correr perigo, as suas células acorrem em

6 Em inglês sift , peneirar: Sensation, Image, Feeling, Th ought. (N. da T.)

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reunião. Tecnicamente, o que está em funcionamento é um circuito de re-troalimentação que integra mente, corpo e o mundo exterior num só pro-cesso. Os dados que dão entrada estimulam o sistema nervoso. Surge uma resposta. O relatório desta resposta é enviado para cada célula, e por sua vez as células dizem o que pensam do assunto.

Os bebés são perfeitas máquinas de retroalimentação. Pode aprender com eles o que signifi ca integrar a sua própria realidade pessoal com maior sucesso. Simplesmente fazer em consciência o que a natureza concebeu no cérebro da criança.

COMO INTEGRAR A RETROALIMENTAÇÃO

Permaneça aberto ao máximo de informação possível.

Não feche o circuito de retroalimentação com juízos de valor, crenças rígidas e preconceitos.

Não censure a entrada de informação por negação.

Examine outros pontos de vista como se fossem seus.

Tome posse de tudo na sua vida. Seja autossufi ciente.

Trabalhe os bloqueios psicológicos como vergonha e culpa — eles emprestam uma falsa cor à sua realidade.

Liberte-se emocionalmente — ser emocionalmente resiliente é a melhor defesa contra a progressiva rigidez.

Não acalente segredos — eles criam lugares escuros na psique.

Esteja na disposição de se redefi nir diariamente.

Não lamente o passado nem tema o futuro. Ambos trazem in-felicidade pela dúvida em si próprio.

De uma forma ou de outra, criará inevitavelmente uma realidade em torno do seu próprio ponto de vista. Ninguém é perfeito a integrar o mundo sem predisposição. Mas os bebés ensinam-nos como tornar a nos-sa realidade mais completa. Desde o nascimento, a natureza concebeu-nos

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para abordarmos o mundo como um todo, e quando desmembramos a experiência aos pedaços, essa inteireza quebra-se. Então, em vez de viver na realidade, você passa a ser enganado por uma ilusão da realidade.

Pense num ditador que se habituou a deter um poder inquestionável. Mantém-se no lugar através do terror e de uma polícia secreta. Suborna os seus inimigos ou fá-los desaparecer no meio da noite. Tipicamente, tais ditadores fi cam pasmados quando a oposição se subleva, e até ao momen-to de serem depostos ou assassinados pela turba, acreditam ser legítimos. Fantasiam mesmo que o povo oprimido num estado policial ama o seu opressor. Isto é a ilusão da realidade levada ao extremo.

A queda de ditadores fascina-nos a outro nível pois pressentimos, al-gures no íntimo, que o poder ilimitado nos poderia fazer o mesmo a nós. Uma magia negra parece passar um véu ante os olhos do iludido. Mas quan-do se trata da ilusão da realidade em que toda a gente vive, não há magia ne-gra. Há apenas um falhanço a integrar. Nascemos com a capacidade de criar o todo, e contudo escolhemos em vez disso a negação, repressão, esqueci-mento, inatenção, memória seletiva, predisposição pessoal e velhos hábitos. Estas infl uências são difíceis de superar. Desde já porque a inércia está do lado delas. Mas você não se poderá sentir equilibrado, seguro, feliz e harmo-nizado enquanto não reconquistar a inteireza que surge naturalmente para cada recém-nascido. É esta a chave tanto do bem-estar como da saúde física.

Ser-se uma pessoa plenamente integrada signifi ca ter-se três forças que refl itam a abordagem de um bebé ao mundo e evitar três obstáculos que nos assolam quando adultos.

Três forças: Comunicar, permanecer equilibrado, ver o quadro globalTrês obstáculos: Isolamento, confl ito, repressão

Quando está num estado integrado, tanto de corpo como de espírito, você comunica abertamente. Sabe o que sente; expressa-o; capta sinais de todos à sua volta. Mas incontáveis adultos experimentam um colapso de comunicação. Sentem-se isolados de todo o tipo de coisas: dos seus senti-mentos, das outras pessoas, dos empregos para onde vão todas as manhãs. Deixam-se enredar em confl itos, e como resultado aprendem a reprimir o que realmente sentem e todos os seus reais desejos. Estes sentimentos não são meros fatores psicológicos. Afetam o cérebro e, por sua vez, cada célula do corpo.

Conclusão: Se quer regressar ao natural estado de saúde e bem-estar, faça-o como um bebé acabado de nascer. Integre as suas experiências no todo em vez de viver na separação e no confl ito.

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VOCÊ ESTÁ A FICAR MAIS INTEGRADO QUANDOCria um espaço seguro onde pode ser você mesmo.Convida os outros para o mesmo espaço seguro de forma a que eles possam ser eles mesmos.Deseja conhecer-se a si próprio.Encara as áreas de negação, aceita as verdades duras, e enfrenta a realidade.Faz as pazes com o seu lado obscuro, não o usando nem como aliado secreto nem como temido inimigo.Avalia honestamente e cura culpa e vergonha.Um sentido de mais elevado propósito começa a despontar.Sente-se inspirado.Oferece-se para prestar serviço aos outros.Uma realidade superior parece real e atingível.

HERÓI #3O BUDA

PELA EXPANSÃO DE CONSCIÊNCIAUsamos o nosso cérebro antes de tudo e acima de tudo para sermos cons-cientes, e algumas pessoas levam a sua consciência muito mais longe que outras. Os nossos heróis, os nossos modelos de crescimento interior, são os guias espirituais da humanidade onde quer que apareçam. Um herói em particular, o Buda, e a espécie que ele representa — santos, sábios e visio-nários — exibem até à perfeição um traço único dos seres humanos: viver com o fi to do sentido, o que conduz a uma ânsia pelo mais alto sentido. O sentido vem de dentro. Vai para além dos factos irracionais da vida. Os da-dos brutos que se escoam para os cinco sentidos são destituídos de sentido por si só. Olhando para as vidas breves e brutais dos homens das cavernas do Paleolítico ou dos primitivos caçadores e coletores, você jamais suspei-taria que os seus cérebros fossem capazes de matemática, fi losofi a, arte e razão superior. Essas capacidades estavam ocultas, e uma fi gura como o Buda, que viveu entre a pobreza e luta pela vida na Índia de há mais de dois mil anos indica que muita coisa permanece oculta dentro de nós, se ao me-nos pudéssemos dar conta da nossa ânsia de sentido.

A chave é expansão de consciência.Independentemente do tipo de experiência que esteja a ter, tê-la pres-

supõe que se encontra consciente. Ser humano é ser consciente — a única questão é quão consciente. Pondo de lado todas as implicações da religião e misticismo, o estado de mais elevada consciência que Buda exemplifi ca faz

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parte da herança de todos. Um velho adágio indiano compara a consciência a uma lâmpada à porta, irradiando luz para dentro de casa e para fora para o mundo ao mesmo tempo. Torna-o consciente das coisas “lá fora” e “aqui den-tro” simultaneamente. O estado de consciência cria uma relação entre ambos.

Será essa relação boa ou má? Os céus e infernos concebidos na men-te humana são todos produtos do pensamento. Abrimos caminho com o pensamento para dentro deles, e abrimos caminho com o pensamento para fora. «És apenas tão seguro como os teus pensamentos», diz um sábio afo-rismo. Mas de onde vêm os pensamentos — tanto os perigosos e de risco, como os tranquilizadores e de confi ança? Têm origem no domínio invisível da consciência. Para a mente, a consciência é o útero da criação. Para al-cançar uma vida plena de sentido, você tem de descortinar como ser mais consciente; só então se transforma no autor do seu próprio destino.

COMO EXPANDIR A SUA CONSCIÊNCIA

Dê maior valor a estar desperto, consciente e alerta.

Resista à conformidade. Não pense e aja como toda a gente.

Valorize-se. Não espere pela aprovação dos outros para o vali-dar. Em vez de desejar validação externa, esforce-se por ajudar os outros.

Exponha a sua mente a uma visão superior através da arte, po-esia, e música. Leia amplamente Escrituras do mundo e textos sagrados.

Questione as suas convicções mais íntimas.

Faça por reduzir as exigências do ego. Expanda-se para além dos limites do “Eu, mim, meu”.

Almeje o mais elevado sentido que a sua vida pode ter.

Mantenha a fé de que o crescimento interior é um processo sem fi m.

Trilhe a senda espiritual, seja como for que a defi na, com sin-ceridade e esperança.

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A consciência é uma coisa curiosa; todos a temos, mas nunca temos o sufi ciente. E no entanto a provisão é infi nita. Por representar este eter-no desenrolar, o Buda é mais que o Budismo. Os maiores guias espirituais exemplifi cam três forças e evitam três obstáculos.

Três forças: Evolução, expansão, inspiraçãoTrês obstáculos: Contração, limites fi xos, conformidade

Nenhum destes termos é declaradamente religioso. Têm a ver com encarar a existência com mais consciência. Segundo a lenda, quando o Buda era um atormentado buscador chamado Siddhartha, o rei seu pai queria que o fi lho, nascido príncipe, crescesse e se fi zesse num grande governante. Para suprimir os anseios espirituais de Siddhartha, o seu pai manteve-o aprisionado atrás das paredes do palácio, rodeou-o de luxo e recusou-se a permitir-lhe qualquer contacto com o sofrimento da vida de todos os dias. Isto é uma parábola para o que nós fazemos à nossa consci-ência. Contraímo-nos atrás das paredes do ego. Recusamo-nos a olhar para além de limites fi xos mentais. Perseguimos os prazeres e posses que uma sociedade de consumo nos estende.

Uma mais elevada consciência não é necessariamente um estado espiritual — é um estado expandido. A espiritualidade chega no devido tempo, dependendo de quão contraído você estava quando começou. Uma vida plena de stress e pesar faz naturalmente que a consciência se con-traia; é uma resposta de sobrevivência, como uma manada de antílopes juntando-se à aproximação de um leão. Você tem de se aperceber de que a contração pode criar uma espécie de primitiva segurança, mas à custa de contenção, medo, constante vigilância e insegurança. Só expandindo a sua consciência poderá ser uma lâmpada à porta, vendo o mundo sem medo e a si mesmo sem insegurança.

Conclusão: Se quer atingir o crescimento interior, seja mais como o Buda na sua abordagem à consciência. Expanda a sua tomada de consciên-cia e veja para além das paredes instaladas na mente.

VOCÊ ESTÁ A FICAR MAIS CONSCIENTE QUANDOÉ capaz de dizer a sua própria verdade.Deixa de ver o bom e o mau como opostos fi xos. Emergem áreas cinzentas e você aceita-as.Perdoa com mais facilidade pois compreende de onde vêm as outras pessoas.Sente-se mais seguro no mundo. Vê que o mundo é como você é.Sente-se menos isolado e só, o que demonstra que está a basear

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a sua felicidade em si próprio, não nos outros.O medo deixa de ser tão persuasivo como era.Vê que a realidade é um campo rico de possibilidades, e anseia por explorá-lo.Escapa às muletas do pensamento “nós versus eles” no que toca a religião, política e estatuto social.Não se sente ameaçado pelo desconhecido nem o teme. O fu-turo nasce no desconhecido e em nenhum outro lugar.Pode ver sabedoria na incerteza. Esta atitude permite que a vida fl ua naturalmente, sem a necessidade de tornar as coisas pretas ou brancas.Vê o facto de aqui estar como uma recompensa por si só.

Heróis do supercérebro não são o mesmo que super-heróis. São mo-delos realistas de mudança. Acreditamos que o desenvolvimento contínuo do supercérebro conduzirá a um cérebro mais saudável e de mais elevada funcionalidade. Você permitirá às suas emoções e pensamentos que sir-vam o seu legítimo propósito, criar a realidade em que no fundo deseja viver. Deixará de se identifi car com repetitivos padrões cíclicos do cérebro ou com o comportamento limitado a que eles conduzem. Será livre de ex-perimentar uma mais elevada consciência e um sentido mais poderoso de quem pode realmente ser.

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SOLUÇÕES DO SUPERCÉREBRO:

DEPRESSÃO

Neste capítulo, demos mais um passo para lhe mostrar como usar o seu cérebro em vez de deixar que ele o use a si. Aplicar este princípio à depres-são, que afl ige milhões de pessoas — é a primeira incapacidade entre os norte-americanos dos quinze aos quarenta e cinco anos —, resultará num imenso bem. Este é o exemplo mais doloroso de pessoas a serem usadas pelo cérebro. Tal como um antigo doente o descreveu, “Sentia-me como se estivesse a cair e a ponto de bater no chão, só que em vez de durar um segundo, o sentimento de pânico durava dias e dias, e eu não sabia sequer do que tinha medo.” Os que sofrem de depressão sentem-se vitimizados por um cérebro retorcido.

Embora a depressão seja classifi cada como um distúrbio de humor, atribuível à incapacidade de o cérebro reagir apropriadamente ao stress interior e exterior, afeta o corpo inteiro. Põe de pantanas os ritmos do or-ganismo, em termos de regularidade de sono. Provoca uma perda de in-teresse pelo sexo e diminui o apetite. As pessoas deprimidas encaram os atos de comer e fazer amor com fatigada indiferença. Nas interações sociais sentem-se desligadas. Não entendem claramente o que as outras pessoas lhes dizem; não conseguem exprimir aos outros o que sentem — estar com outras pessoas é como que uma mancha indistinta.

O cérebro está envolvido em todos estes sintomas do corpo inteiro. Os exames imagiológicos cerebrais de pessoas deprimidas mostram um padrão único em que algumas áreas do cérebro estão mais ativas e outras menos. A depressão afeta tipicamente o córtex cingulado anterior (en-volvido nas emoções negativas, mas igualmente na empatia), a amígdala (responsável pelas emoções e pela resposta a situações novas — as pessoas deprimidas em geral não respondem bem a coisas novas) e o hipotálamo (envolvido em impulsos como o sexo e o apetite). Estas áreas interconecta-das ligam-se numa espécie de circuito deprimido — a rede que queremos afetar positivamente a fi m de regressar ao normal.

A depressão é acionada por um estímulo, mas o estímulo pode ser tão pequeno que passa despercebido. Uma vez desencadeado o estímulo pela primeira vez, o cérebro muda, e depois no futuro precisa de disparos cada vez menores para entrar em depressão, até que fi nalmente quase nenhum seja necessário. Quando isso sucede, a pessoa torna-se prisioneira das emo-ções em fuga que podem conduzir a distúrbios de humor.

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Está deprimido? Todos usamos a palavra casualmente, mas estar tris-te ou em baixo não é o mesmo que estar deprimido. Para ser diagnosticado com depressão, aguda (curto prazo) ou crónica (longo prazo), os seus hu-mores param o padrão normal de oscilar para trás e para diante. Não lhe é possível sacudir um sentimento de tristeza, impotência e desespero, ou interessar-se por coisas ao seu redor. As atividades de todos os dias parecem subjugadoras. Freud associou a depressão a desgosto, e ambas as condições são similares. Em muitos casos, tal como o desgosto naturalmente se dissipa ao fi m de um tempo, o mesmo acontece com a depressão. Mas se perdura, a pessoa encara o dia-a-dia sem esperança de alívio. A pessoa vê a sua vida como um fracasso total e pode não ver razão para continuar a viver. (Cerca de 80% dos suicídios são causados por um acesso de profunda depressão.)

As pessoas com depressão de longo prazo frequentemente não con-seguem assinalar quando começaram os sintomas, ou porquê. Poderão sentir que a chave é genética se a família é dada a depressões, ou poderão ter uma reminiscência solta de quando notaram pela primeira vez que es-tavam sempre tristes ou se sentiam sem esperança sem motivo aparente. A depressão, a par do autismo, é considerada o mais genético dos distúrbios psicológicos; até 80% das vítimas têm alguém na família que tem ou teve depressão. Mas na maior parte dos casos, os genes apenas predispõem uma pessoa para distúrbios de humor não assegurando contudo a sua concreti-zação. Para a manifestação de uma doença psiquiátrica, genes e ambiente trabalham combinados.

Muitas pessoas deprimidas dir-lhe-ão que o problema delas não é o sentimento de depressão em si mas a subjugadora fadiga que sentem — como alguém disse, o oposto de estar deprimido não é estar feliz, é ter vita-lidade. A fadiga, por sua vez, conduz a mais depressão. Uma vez que decide com lúcida consciência e inabalável intenção que você não é o seu cérebro, pode estar em uníssono com as suas emoções e reações ao mundo exterior. Agindo como condutor do seu cérebro, pode ativamente reprogramar a sua própria neuroquímica e até atividade genética, não mais escravo de distúr-bios de humor.

A chave é fazer com que as partes emperradas ou desequilibradas do seu cérebro se movimentem de novo. Assim que isso acontece, pode contar com o tempo para trazer o cérebro de volta ao equilíbrio natural. É essa a meta que nós gostaríamos de ajudar a antecipar, e é igualmente a aborda-gem mais holística.

Três Passos na DepressãoUma vez treinado o cérebro, as suas respostas passam a ser sentidas como normais. Por vezes as pessoas deprimidas adaptaram-se tão bem que fi cam

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admiradas quando um amigo, médico ou terapeuta lhes diz que estão de-primidas. Várias teorias sobre a infl uência genética e os desequilíbrios quí-micos no cérebro das pessoas deprimidas são ainda generalizadas, mas tais explicações caíram sob uma sombra de dúvida. (Investigação básica tem revelado que os doentes deprimidos não diferem geneticamente dos ou-tros. Assim como não é claro que os antidepressivos funcionem corrigindo um desequilíbrio químico. Mas quando os doentes deprimidos recebem a psicoterapia certa, desabafando sobre os seus sentimentos, os seus cérebros mudam de forma similar às mudanças provocadas por drogas. Portanto mais um mistério é acrescentado: como podem os atos de falar e tomar um comprimido produzir o mesmo resultado fi siológico? Ninguém sabe.) Se conhecesse um jovem com más maneiras à mesa, a que é que o atribuiria? O mais provável é que supusesse ter este comportamento começado algures na infância e tornado-se um hábito. Se o hábito persistiu, é porque a pessoa não viu uma razão válida para o alterar. E se a depressão tiver o mesmo perfi l? Poderíamos refazer para trás os passos de como ela se desenvolveu e então desfazê-los.

Encaremos pois a depressão como um comportamento fi xo. Os com-portamentos fi xos têm três componentes:

1. Uma causa exterior precoce, frequentemente desde então esquecida.2. Uma resposta a essa causa, que por qualquer razão não é saudável ou devidamente examinada.3. Um hábito de longa duração que se torna automático.

Livremos a nossa mente de chamar a cada tipo de depressão uma do-ença, particularmente a depressão ligeira a moderada que a maior parte das vítimas experimenta. (Certamente que a depressão crónica severa deverá ser abordada como outros graves distúrbios mentais.) Se fi cou deprimido após um divórcio difícil, não está doente. Se chora uma perda ou se se sente aborrecido por perder o emprego, isso não é uma enfermidade. Quando alguém perde o cônjuge bem-amado, podemos dizer “Ela está fora de si com o desgosto”, mas o desgosto é natural, e a depressão que ele acarreta é igualmente natural. O que isto nos diz é que a depressão é uma resposta natural que pode dar terrivelmente para o torto.

Quando a depressão dá para o torto, todas as três componentes são culpadas:

1. Causas exteriores. Os acontecimentos exteriores podem deixar qualquer um deprimido. Durante a severa recessão

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económica de 2008, 60% das pessoas que perderam o em-prego dizem ter fi cado ansiosas ou deprimidas. O número é bem mais elevado entre aqueles que tinham sido dispensa-dos do trabalho há mais de um ano. Se se submeter a uma dose de stress durante um longo período de tempo, é bem mais provável que tenha uma depressão. O stress de longa duração pode ser provocado por um emprego enfadonho, um relacionamento azedo, épocas prolongadas de solidão e isolamento social, e doença crónica. Em certa medida, uma pessoa deprimida está a reagir a circunstâncias más, seja de agora ou do passado.2. A resposta. Uma causa exterior não o pode deixar deprimido a menos que responda de certa forma. As pessoas que estão deprimidas aprenderam há muito tempo a ter uma resposta enviesada, tal como a que se segue, quando algo deu para o torto nas suas vidas:

A culpa é toda minha.Não sou sufi cientemente bom.Nada dá certo.Eu sabia que as coisas iam descambar.Nada posso fazer.Era apenas uma questão de tempo.

As crianças pequenas que têm qualquer uma destas respostas acham que elas fazem sentido. Estão a reportar aos seus cérebros com um ponto de vista da realidade. O cérebro conforma-se à imagem da realidade que é treinado para ver. As crianças têm pouco controlo sobre as suas vidas; são fracas e vulneráveis. Um pai ou mãe que não dá amor pode provocar qualquer uma destas respostas, assim como algum desastroso incidente de família, como uma morte. Mas quando os adultos têm estas respostas, então o passado está a minar o presente.3. O hábito de estar deprimido. Assim que se tem uma resposta deprimida, ela reforça a resposta seguinte quando se enfrenta um novo stress vindo do mundo exterior. O seu primeiro na-morado deixou-a? Então é natural recear que o segundo o faça também. Algumas pessoas conseguem gerir este medo, mas para outras ele ganha uma grande dimensão. Em vez de ousa-rem encontrar um segundo namorado que seja mais amoroso e leal, viram a culpa e o medo para dentro. Persistem em ter

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respostas deprimidas, geradas no interior, e passado algum tempo estas respostas tornam-se um hábito.

Desfazendo o PassadoAssim que a depressão de uma pessoa se torna um hábito, o que provavel-mente acontece anos antes de reconhecer que está triste e sem esperança, ela deixa de requerer um estímulo exterior. As pessoas deprimidas estão deprimidas por estarem deprimidas. Uma película cinzenta reveste tudo; o otimismo é impossível. Este estado derrotado diz-nos que o cérebro for-mou trilhos fi xos, e que talvez — ou provavelmente — estarão envolvidos dados genéticos e neurotransmissores. Todo o sistema de suporte da pessoa para criar a sua realidade pessoal entra em ação.

Quando a resposta deprimida é interiorizada, é como carvão em brasa que se infl amará à mais pequena mexida. Um incidente menor como um pneu furado ou um cheque devolvido não deixa à pessoa espa-ço para decidir: “Isto vai incomodar-me ou não?” A resposta deprimida já está programada. As pessoas deprimidas até com boas notícias se podem sentir tristes; estão sempre à espera que o outro sapato caia, pois estão encurraladas no hábito da depressão. O desequilíbrio do cérebro pode ser reportado à atividade mental. Os exames imagiológicos cerebrais das pessoas deprimidas parecem sustentar esta associação. Demonstram que as mesmas áreas que se iluminam devido aos efeitos benéfi cos de antide-pressivos iluminam-se igualmente se a pessoa participa de psicoterapia e desabafa com sucesso sobre a sua depressão. A fala é uma forma de comportamento.

Se o comportamento nos pode tirar da depressão, é mais que razoá-vel supor que o comportamento nos pode fazer entrar nela. (De momento poremos de lado o tipo de depressão que tem causas físicas — ou, segundo a terminologia médica, orgânicas —, tal como muitas doenças e demência senil, bem como dieta pobre e toxinas ambientais. Quando a causa física é corrigida, a depressão desaparece em geral automaticamente.) Dado que esta explicação parece razoável, as questões-chave são como evitar entrar na resposta deprimida e como reverter a depressão uma vez instalada. Podemos abordar as questões da prevenção e melhoria usando as mesmas três categorias que temos vindo a discutir.

Acontecimentos exteriores: as pessoas dirão “Viste as notícias da noite? Es-tou tão deprimido com o estado do mundo.” Ou “Estive deprimido durante todo o período do 11 de setembro.” Os acontecimentos exteriores podem deixar-nos deprimidos, mas de facto são o ingrediente menos poderoso da causa da depressão. Perder o emprego pode ser deprimente se você for pro-

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penso à resposta deprimida, mas, se não for, poderá acicatá-lo a elevar-se ainda mais alto. Não há como evitar as coisas más, mas alguns fatores ainda as pioram mais:

O stress é repetido.O stress é imprevisível.Você não tem qualquer controlo sobre o stress.

Considere uma mulher cujo marido seja um abusador raivode-pendente. Já lhe bateu repetidas vezes; ela não pode prever quando é que lhe dará um dos seus acessos de raiva; ela não encontra o ânimo nem a força para o deixar. Tal mulher será uma forte candidata à de-pressão pois todos os três elementos de um grande stress estão presen-tes. O abuso que lhe é dirigido é repetido, imprevisível e está além do seu controlo.

Todo o seu sistema mente-corpo começará a fechar-se se ela per-manecer nesta situação. É o que acontece quando se dá aos ratos ligeiros choques elétricos. Quando os investigadores distanciam os choques a intervalos aleatórios, lhos aplicam repetidamente e não facultam saída de escape aos ratos, não importa que os choques sejam inofensivos. Os ratos depressa desistirão, adotando uma atitude letárgica e impotente, e a seu tempo morrem. Por outras palavras, a sua depressão induzida é tão extrema que destruiu a vontade de viver.

O que é que isto lhe diz a si, a pessoa que quer evitar a depressão? Primeiro, deixe de se expor a fatores de stress que se estão sempre a repe-tir. Isto pode signifi car um mau patrão, um marido abusivo, ou qualquer outro stress que seja diariamente reforçado. Segundo, evite imprevisibi-lidade do tipo stressante. Sim, a vida é incerta, mas há um limite para as incertezas que são aceitáveis. Um patrão que imprevisivelmente tenha ataques de cólera não é aceitável. Para muita gente, um emprego de ven-dedor, onde qualquer cliente pode perder as estribeiras ou fechar-lhe a porta na cara, é algo demasiado incerto para se suportar. Um cônjuge, dado a aventuras ou não, é imprevisível no mau sentido.

Segundo o mesmo prisma, deverá aumentar as rotinas previsíveis que ajudam a defender contra o stress. Toda a gente precisa de uma boa noite de sono, exercício regular, uma relação fi rme e um emprego com que possa contar. Os hábitos regulares não são apenas bons para si de uma vaga forma geral — ajudam-no a evitar a depressão treinando-lhe o cérebro numa direção positiva.

Como parte de se sentirem impotentes e sem esperança, as pessoas deprimidas tendem a ser passivas em situações de stress. Incapazes de

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ver uma forma proveitosa de resolver tal situação, negam a si próprias decisões-chave que poderiam funcionar; em vez disso inclinam-se a não tomar decisão alguma, coisa que raramente funciona. Aguentam dema-siado tempo a má situação. Quando a depressão não está presente, você pode em geral descortinar o que resolver, o que aguentar, e o que deixar para trás. Essas são escolhas básicas que terá de fazer ao longo da vida.

Se sabe ter propensão para a depressão, é importante que lide com os problemas mais pronta e diretamente do que talvez fi zesse de outro modo, pois quanto mais esperar, mais hipótese dá à resposta deprimi-da de se instalar. Falo de situações comuns como um potencial confl ito no trabalho, um adolescente em casa que desrespeita a hora imposta de recolher, ou um parceiro que não faz a sua parte do trabalho domésti-co. A depressão deixa-o excessivamente sensível a pequenos estímulos, levando a uma sensação de resignação impotente. Mas se agir atempa-damente, antes de chegar a este estádio, tem espaço para gerir um stress diário e energia para levar a cabo a decisão de o fazer. Aprenda como tomar prontamente tais decisões, ignorando a vozinha que lhe diz para não fazer ondas. Você não está a fazer ondas; está a barrar o caminho à resposta deprimida.

A resposta deprimida: as causas mais subtis de depressão são mais difíceis de desfazer do que o stress exterior. Se não quer ter excesso de peso, é bem mais fácil evitar de início os quilos a mais do que perdê-los uma vez instalados. O mesmo se aplica à depressão. É bem mais fácil aprender a resposta certa ao stress do que desemaranhar a errada. A resposta certa envolve resiliência emocional, o que lhe permite deixar ir o stress em vez de o deixar vir a si. Desfazer a resposta errada requer um novo treino do cérebro. Mas, mesmo assim, algumas pessoas com excesso de peso conseguem perder os quilos a mais, e um cérebro que foi treinado a responder com depressão pode ser destreinado.

Todos nós temos respostas derrotistas, e não gostamos do que elas nos fazem. Requer tempo e esforço substituí-las por melhores alternativas. No caso da depressão, é agora bem reconhecido que mudar as crenças der-rotistas de uma pessoa deprimida pode levar à recuperação. As crenças são como programas de soft ware que estão sempre a repetir os mesmos coman-dos, só que as crenças são mais perniciosas, dado que a cada repetição se enterram mais fundo.

Eis alguns exemplos da arraigada programação que se ativa automati-camente quando você se sente deprimido, seguidos de crenças alternativas que contrariam a resposta deprimida:

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SUBSTITUIÇÃO DE CRENÇAS TÓXICAS

1. A culpa é toda minha.Em vez disso, pode pensar: não é culpa minha, não é culpa de ninguém, a culpa não foi determinada ainda, pode não ser culpa de ninguém, ou o descobrir da culpa de nada serve — devemos é focar-nos na solução.

2. Não sou suficientemente bom.Em vez disso, pode pensar: eu sou bom o bastante, não preciso de me comparar com os outros, não tem a ver com bom ou mau, “bom o bastante” é relativo, amanhã estarei melhor, ou estou numa curva de aprendizagem.

3. Nada dá certo.Em vez disso, pode pensar: alguma coisa me há de ocorrer, as coisas resolvem-se por si, posso pedir ajuda, se uma coisa não resulta há sempre outra qualquer, ou ser pessimista não me ajuda a encontrar a solução.

4. Eu sabia que as coisas iam descambar.Em vez disso, pode pensar: não, não sabia nada, estou a fa-zer conjeturas, sinto-me apenas ansioso, há de passar, ou olhar para trás apenas serve se conduzir a um futuro melhor.

5. Nada posso fazer.Em vez disso, pode pensar: posso fazer alguma coisa, sim, pos-so descobrir alguém capaz de fazer alguma coisa, tenho sempre a opção de sair desta, preciso de estudar mais apuradamente a situação, ou ser derrotista não me ajuda a melhorar as coisas.

6. Era apenas uma questão de tempo.Em vez disso, pode pensar: não sou fatalista, isto era imprevi-sível, isto também há de passar, depois da tempestade vem a bonança, ou ser fatalista destitui-me de livre-arbítrio.

Não estamos a dizer que todas as crenças alternativas resultam sem-pre. Há que ser fl exível. O pernicioso truque da resposta deprimida é que pinta tudo da mesma cor. Você sente-se impotente quanto a reparar a trans-missão do seu carro (quem não se sentiria?) mas também quanto a sair da

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cama para enfrentar o dia (um sinal de depressão). Para se tornar fl exível, tem de derrotar a resposta deprimida no seu próprio jogo.

Como fazer isso? Se a sua reação automática estiver associada a triste-za, impotência e desespero, recuse-se a aceitá-la. Dê-se um momento, res-pire fundo e recorra à nossa lista de respostas alternativas. Encontre uma que funcione. É algo que requer tempo e esforço, mas compensa. Aprender uma nova resposta forma novos trilhos neuronais no cérebro. E abre igual-mente portas. Que espécie de portas? Quando está deprimido, tende a iso-lar-se, ser solitário, apático, inativo, passivo e fechado à mudança. As novas portas têm exatamente o efeito oposto. Ao introduzir uma nova resposta, resiste à tentação de cair de novo em crenças velhas e cediças. Em vez de se isolar, constata que as outras pessoas lhe são benéfi cas. Em vez de fi car passivo, vê que assumir a responsabilidade lhe é benéfi co também.

Outra estratégia é reduzir a resposta deprimida, que tão subjugadora parece, a pedaços manejáveis. A melhor tática é dar um passo de cada vez, escolhendo um pedaço com o qual se sinta pronto a lidar. A inércia é a me-lhor amiga da depressão. Terá sempre um esforço a superar antes de poder realmente fazer algo positivo. Por isso não transforme o esforço num pico dos Himalaias.

Levar-se a superar o mais pequeno esforço incita o cérebro a abrir mão de um velho padrão por um novo. Você está de facto a expandir a sua consciência quando deixa entrar impulsos novos e frescos da fonte, que é o seu eu real. Atrás da máscara de depressão, que é um comportamento atado a uma resposta fi xa, jaz o seu eu real, a essência do ser capaz de dirigir o processo de cura. Dito simplesmente, só você tem o poder de criar a cura. A depressão cria a ilusão de que todo o poder lhe foi arrancado. Na verdade, assim que dá com uma abertura, pode reclamar o seu eu real, passo a passo.

O hábito da depressão: se já alguma vez viveu ao pé de um alcoólico ou ou-tro viciado qualquer, sabe que eles se comportam em previsíveis movimentos pendulares. Quando estão sóbrios ou limpos, arrependem-se sinceramente e nunca mais querem retomar o hábito. Mas quando o viciado se confronta com uma tentação de beber ou injetar-se ou passar-se dos carretos ou ter um acesso de fúria (dependendo de qual é o seu hábito), as boas intenções voam pela janela fora. A força de vontade desaparece, o hábito toma o con-trolo, e só satisfazer o vício importa.

A depressão tem igualmente um lado viciante, em que a tristeza e a impotência tomam o controlo. “Não posso ser diferente do que sou” é o grito comum tanto do viciado como da pessoa habitualmente deprimida. Em muitos casos, um “eu bom” e um “eu mau” guerreiam-se entre si. Para o alcoólico, o “eu mau” bebe, enquanto o “eu bom” permanece sóbrio.

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Para a pessoa deprimida, o “eu mau” é triste e impotente, enquanto o “eu bom” é feliz e otimista. Mas na verdade a depressão lança a sua sombra sobre tudo. Os melhores momentos são meramente prelúdios de uma re-caída. O “eu mau” acabará por ganhar no fi m; o “eu bom” é meramente o seu peão.

A guerra é invencível, cada vitória é apenas temporária, e o pên-dulo continua a oscilar para trás e para diante. Quando uma guerra é invencível, porquê lutar? O segredo para derrotar qualquer hábito enrai-zado é deixar de lutar consigo mesmo, encontrar um lugar interior que não esteja em guerra. Em termos espirituais, esse lugar é o verdadeiro eu. A meditação abre caminho para o alcançar; as tradições de sabedoria de todo o mundo afi rmam que a ninguém pode ser negada paz, calma, silêncio, a plenitude do júbilo e reverência pela vida. Quando as pessoas torcem o nariz e me dizem que não acreditam em meditações, a minha resposta é a de que não devem acreditar no cérebro, já que quatro dé-cadas de investigação cerebral provaram que o cérebro é transformado pela meditação, e agora novas evidências sugerem que os dados genéti-cos melhoram igualmente com a meditação. Isto é, os genes certos são ligados e os errados desligados.

Para desafi ar a resposta deprimida, não é sufi ciente virar-se simples-mente para dentro. Tem de ativar o seu eu real e trazê-lo para o mundo. Até que possa provar a utilidade de novas respostas e crenças, as velhas mante-rão um fi nca-pé na sua consciência. Você está muito acostumado a elas, e elas sabem a forma mais rápida de retornar. Portanto, quebrar o hábito da depressão envolve fazer um misto de trabalho interior e trabalho exterior, como se segue:

TRABALHAR OS DOIS LADOS

TRABALHO INTERIOR: MUDAR O QUE PENSA E SENTEMedite.Examine as suas crenças negativas.Rejeite reações derrotistas aos desafi os da vida.Aprenda novas respostas em prol da vida.Adote uma visão mais elevada da sua vida e viva por ela.Reconheça o autojulgamento e rejeite-o.Pare de acreditar que o medo tem razão de ser só porque é poderoso.Não confunda estados de espírito com realidade.

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TRABALHO EXTERIOR: MUDAR DE COMPORTAMENTOReduza as condições stressantes.Encontre um trabalho que o preencha.Não se associe a pessoas que aumentam a sua depressão.Descubra pessoas que estejam perto de quem você quer ser.Aprenda a dar de si. Seja generoso de espírito.Adote bons hábitos de sono, e faça exercício ligeiro uma vez por dia.Foque-se nos relacionamentos em vez de distrações e consu-mismo sem fi m.Aprenda a reeducar-se descobrindo pessoas maduras e emo-cionalmente saudáveis capazes de amar, que pratiquem a acei-tação, e que não formulem julgamentos.

Qualquer médico ou terapeuta já conheceu centenas de pessoas de-primidas desesperadas por ajuda, mas quantas estavam no caminho para a recuperação? A maioria depunha a sua fé num comprimido ou deixara-se cair num estado de exausta resignação. Nalguns casos, as drogas podem ali-viar os sintomas, mas a depressão ligeira a moderada não requer um mode-lo de doença, que frequentemente nenhum bem faz. As atuais descobertas corroboram isto: em casos de depressão ligeira a moderada, os antidepres-sivos mal superam a resposta placebo (que leva a uma melhoria em média de 30% dos doentes). Apenas se tornam mais efi cazes quando a depressão se torna mais grave.

Os três elementos em que nos temos vindo a focar — causas exterio-res, a resposta deprimida e o hábito da depressão — oferecem uma nova abordagem. Dão-lhe o poder de reverter as condições subjacentes à sua de-pressão. Não estamos a dizer que a causa da depressão foi descoberta, pois em última análise a sua depressão funde-se com tudo o mais na sua vida, inclusive tudo o que se passa no seu corpo.

Devido a isso, tem de reformatar a sua vida a muitos níveis, coisa que só poderá fazer conscientemente. Por vezes é necessário muito pouco para se sair da depressão, se é que escapar de um mau emprego ou de um casa-mento tóxico pode ser visto como simples. Pelo menos é direto. Outras ve-zes a depressão é como uma neblina que não pode ser agarrada num dado lugar. Mas as neblinas podem levantar. A melhor notícia de todas é que o seu eu real não está nem nunca esteve deprimido. Ao dispor-se a percorrer o caminho para descobrir o seu eu real, conseguirá mais do que curar a sua depressão. Emergirá à luz e verá a vida de uma nova forma.