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MISTERIOSAMENTE FELIZ

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misteriosamente feliz

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Joan Margarit

MisteriosaMente felizu M a a n t o l o g i a

organização deMiguel filipe Mochila

língua Morta

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Prólogo

em 2009 deu-se o meu primeiro contacto com os leitores de poesia portugueses através de Casa da Misericórdia, em tradução de rita Custódio e Àlex tarradellas e publicado pela editora oVni. surge agora esta antologia, pela mão de Miguel filipe Mochila e da língua Morta, e não quero deixar passar esta oportunidade sem umas palavras que são, em primeiro lu-gar, de agradecimento a todos eles e também de boas-vindas aos leitores e leitoras portugueses que amavelmente se aproximem destes meus poemas.

não quero que estas linhas pareçam ser unicamente uma fórmula de cortesia – que também são – mas que sejam igual-mente as palavras de boas-vindas de quem acredita que a leitura de um poema depende de uma estrutura formada por três su-portes: o poeta, o poema e o leitor. o tripé é a estrutura estável mais elementar e firme e, no entanto, no caso de haver um só suporte em falta, desmorona-se, não existe. Por outras pala-vras, a operação de escrever um poema não diverge muito da operação de lê-lo, no mesmo sentido em que não há demasiada diferença entre compor uma peça de música e interpretá-la: o leitor e a leitora de poesia são os intérpretes de, a título de exem-plo, sophia de Mello Breyner, dum modo em tudo idêntico ao que glenn gould representa para Bach. Como a boa música, o bom poema deve ser suficientemente aberto para permitir que seja a pessoa que o leia quem o interprete e, em certo sentido, o culmine.

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isto explica também por que razão é tão reduzido o núme-ro de pessoas que habitualmente lêem poesia: para interpretar é necessário, reiterando o símile musical, ter familiaridade com o instrumento que, no caso da poesia, é a própria pessoa lei-tora, o seu passado, as suas esperanças, os seus desgostos, as suas frustrações. ninguém como ele ou ela pode conhecer este ins-trumento, mas usá-lo para interpretar exige um esforço muito maior que o que costuma empregar o mero espectador. trata-se de uma relação que não é costume dar-se com esta intensidade na literatura. Porque a poesia não é um género literário, mas algo com características próprias e diferenciadas, como a músi-ca ou como a ciência.

o poema surge do interior do poeta, da sua própria vida, e ainda assim deve falar daqueles subtilíssimos sentimentos que não lhe pertencem a ele apenas, pois nesse caso seria um mau poema, na exacta medida em que não poderia interessar a nin-guém mais do que a si mesmo. os poemas devem construir-se a partir de algo que, constituindo parte da vida do poeta, pertença igualmente à dos demais. este foi o meu propósito: que aquele ou aquela que leia o que escrevo possa de algum modo reco-nhecer-se nisso que lê. Que sinta a força que nos faz reconhecer que este – ou esta – sou eu, esse reconhecimento que travamos quando lemos um bom poema.

não é sem mistério que isto se faz sempre acompanhar de uma exactidão e de uma precisão que radicalmente separam poe-sia e prosa. Desta exactidão procede o poder de consolação da poesia, pois esta serve para introduzir na nossa solidão alguma mudança que proporcione uma ordem interior mais ampla con-tra a desordem causada pela vida. a angústia provocada por esta desordem, às vezes tentamos enfrentá-la com meros paliativos,

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com entretenimentos. Porém, de um entretenimento saímos os mesmos que entrámos, passageiros de um tempo que, na me-lhor das hipóteses, terá sido indolor. Por outro lado, ao concluir a leitura de um bom poema, já não somos os mesmos. a nossa ordem interior fez-se mais ampla.

termino, porém, estas palavras, as quais devem ser breves para não turvar o seu propósito fundamental, o de oferecer aos seus leitores estes poemas. estes são, de algum modo, a minha vida, ou o que dela me foi possível partilhar, o que nela há das vidas de todos os leitores e de todas as leitoras. este é o sentido que espero ter sabido desenvolver na minha poesia, cujo cami-nho de quarenta anos se retoma ao longo destas páginas, desde os primeiros poemas, escritos em princípios de 1970, até aos do meu último livro, publicado em 2015.

Joan Margaritsant Just Desvern, Março de 2015

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MisteriosaMente feliz

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De CRÒNICA (1975)

sarDenYa 548

D’un color morat gris sota la pluja,la ciutat, més enllà de la terrassa,està exhumant un somni.Hi ha un ram de flors posat damunt la taula,el peix és en silenci a la peixerai l’ocell canta molt a prop dels vidres.aquesta lleu remor de la ciutatsembla de les onades, ja distants,d’uns anys amb tu, que avui torno a escoltarmentre, pacífica, la pluja cau,i borroses façanes s’aquarel•enen aquests vidres amarats per l’aigua.

Ciutat, àmbit d’or gris de la memoria,pel mirall de les tevés pedres passen,amb els frens sorollosos de cadena,els tramvies en vaga del cinquanta-sis.en una gran marrada torno enrerefins a creuar el portal de fustadel Paranimf, els seus velluts vermellson va flamejar un dia una pancarta,un lleçol blanc pintat amb lletres negresque ara fa tremolar el vent del record.Puc veure els claustres universitaris,

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sarDenYa 548

De uma cor púrpura e cinzenta sob a chuva,a cidade, para lá deste terraço,revela agora um sonho.Há um ramo de flores poisado sobre a mesa,o peixe está em silêncio no aquárioe, junto à janela, o pássaro canta.este leve rumor de cidadeé como a ondulação, já distante,dos anos contigo, que agora volto a escutarenquanto mansa cai a chuvae imprecisas fachadas se aguarelamnestes vidros banhados pela água.

Cidade, âmbito cinzento da memória,pelo espelho das tuas pedras passam,com os ruidosos travões de corrente,os eléctricos em greve do cinquenta e seis.numa brusca finta volto atrás,até atravessar as portas de madeirado Paranimf, os seus veludos vermelhosonde flamejou um dia um cartaz,um lençol branco pintado com letras negrasque o vento da memória agora agita.Posso ver os claustros universitários,

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els estanys i jardins que esdevindrantriturats i trencats confusamenten la formigonera d’aquests anys.Després arribaría el sindicatDemocràtic, seria una matí blau,policía a cavall per sarrià,i els nostres ulls ebtrellaçats a l’aire.

els petits restaurants amb tu, raquel,les tovalles de quadres a les taules,la remor d’una nit de la ciutat,i, més lluny, el pis vell i net dels avisamb la petita Mònica, el seu sonassossegat d’infant. Quina tendresa,encara, quand recordó els teus vestits,tons beix i gris, dolços moreus, els blausultramar i les bruses color rosa.aquelles làmpares color d’ametlla,la trompa verda i ampla del gramòfon,els llibres que arribaven fins al sostre,l’estora violeta que escampavasota els mobles de fusta aquella pau.

Però el fred va arribar una matinada,quan la petita anna se’n va anarsense temps per romandre als nostres braços.la nit, a poc a poc, ve fer girarun pobre firmament sobre els carrers,

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canteiros e jardins que acabarãoconfusamente triturados e desfeitosna betoneira destes anos.Depois chegaria o sindicato Democrático, seria uma manhã azul, polícia a cavalo em sarrià, os nossos olhos enredados no ar.

raquel, os nossos pequenos restaurantes,as toalhas aos quadrados sobre as mesas,o rumor de uma noite de cidade,e, distante, o velho e limpo apartamentodos avós, a pequena Mònica, o seu sono infantil e sossegado. Quanta ternuraainda, quando recordo os teus vestidos,tons beges e cinzas, doces castanhos, azuismarinhos e as blusas cor-de-rosa.aqueles candeeiros cor de amêndoa,a trompa verde e ampla do gramofone,os livros que chegavam até ao tectoe o tapete violeta que estendiasob os móveis de madeira aquela paz.

Mas o frio chegou certa madrugadaquando a pequena anna nos deixousem tempo para permanecer em nossos braços.a noite, pouco a pouco, fez girarum pobre firmamento sobre as ruas,

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fins a una alba rosada que llepavales portes i finestres ajustadesi, mentrestant, floria al nostre entornel silenci de pedra que abandonen,en morir-se, els infants dins de les cases.

Potser sols quedo jo per poder veureles imatges al fons d’algun mirallen el Cafè de l’Òpera, potserja és massa tard per tots els de llavors.aquella joventut en altres ombres,altres habitacions d’un altre temps,ara és com les estrelles oblidadesdins de l’halo de llum de la ciutat.el Vostok deambulava cel enllà,se sentía l’olor dels molls a l’aire:amb els rostres històrics però opacs,la gent anava pel carrer ignorantque era la nit que aquella arcaica nauva fer fotografíes de la terra,solitària i blava en un cel negre.

somio amb hospitals tantes vegades:una visita lenta i solitáriaamb personatges muts que em mirendês de l’antiguitat del seu costum.raquel, si tu has llegit els meus silencis,saps que hi ha una altre nena que ara em crida

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até que uma rosada aurora insuflouas portas e as janelas encostadase, entretanto, florescia à nossa voltao silêncio de pedra que abandonamnas casas, quando morrem, as crianças.

talvez só eu reste para veras imagens no fundo de algum espelhono Cafè de l’Òpera, talvezseja demasiado tarde para todos os de então.aquela juventude noutras sombras,noutros quartos, noutro tempo,é agora como as estrelas esquecidasdentro do halo de luz da cidade.a Vostok deambulava pelo céu,sentia-se o cheiro a cais no ar:com os rostos históricos mas opacos,as pessoas nas ruas ignoravamque era a noite em que aquela arcaica navetirava fotografias à terra,solitária e azul em negro céu.

sonho com hospitais tantas vezes,com uma visita lenta e solitária,com personagens mudas que me olhamdesde a antiguidade do seu hábito.raquel, se leste acaso os meus silêncios,sabes que há outra menina que hoje me grita

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des del més fondo de la meva culpa,no puc salvar-la, i en la nitveig seu rostre humitejat de llàgrimes.Podré parlar d’aixó, un dia, en un poema?Veient com cau la pluja en aquest àtic,les nostres cares semblenfinestres ajustades que tamicenla llum tranquil•la de la mitja tarda.

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desde o mais fundo da minha culpa,não posso salvá-la, e na noitevejo o seu rosto humedecido pelas lágrimas.Poderei falar disto, um dia, num poema?Vendo como cai a chuva neste sótão,as nossas caras parecemjanelas encostadas que depurama luz tranquila a meio da tarde.

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De L’ORDRE DEL TEMPS (1975-1986)

Mare rÚssia

era l’hivern de l’any seixanta-dos:el llum encès en el capçal del llitno s’apagava fins a ser esvanit,a l’alba, per murmuris de clarors.tolstoi va ser incansablement llegit:mentre en algun badiu bordava un gos,jo imaginava, al bosc, un fabulóspasseig en els trineus sota la nit.Va nevar a Barcelona, aquell hivern.Calladament ens van embolcallarels flocs de neu com una gran vitrina,i, en arribar el bon temps, amb el desgel,tu ja tenies per a mi, raquel,el rostre clar d’una anna Karenina.

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MÃe rÚssia

era o inverno de sessenta e dois:o candeeiro aceso na cabeceira da camanão se apagava até ser desvanecido,na alvorada, pelo rumor da claridade.foi quando incansavelmente li tolstoi:enquanto um cão ladrava nalgum pátio,eu imaginava, no bosque, um fabulosopasseio em trenós por sob a noite.nevava em Barcelona naquele inverno.Caladamente nos foram envolvendoos flocos de neve como uma grande vitrina,e ao chegar o bom tempo, com o degelo,tu já tinhas para mim, raquel,o rosto claro de uma anna Karénina.

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tantes Ciutats on HaVíeM D’anar

el nostre somni és fet de ciutats cultesamb música i cafès hospitalaris,la majestat d’un port i estacionsde ferro i vidre amb trens brunyits pels vespresi per la pluja, la mateixa plujaque ens acompanya en un petit hotelo des de les finestres d’un museu.Hi ha recers a l’empara de grans arbres,gent callada, educada i ben vestida,i les silencioses llibrerieson els ulls vaguen mentre cau la tarda.

tantes ciutats on havíem d’anar, oh estimada.la lluna surt damunt dels ponts de ferrodels anys quan canvià la nostra llei.Des de llavors el temps és una plujaque ens ha amarat igual que una teulada.Però en la llum del pati hem vist els templesde marbre blanc i travertí daurat.Hem trobat, als carrers de petits pobles,fastuosos estucs de color terraesgrafiats pel vent. aquesta casadel balcó i de l’eixida té una llumde conversa i refugi. De nosaltres, el qui quedi tindrà el xiprer i les heures

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tantas CiDaDes a Que DeVíaMos ter iDo

o nosso sonho é feito de cidades cultas,com música e cafés familiares,a majestade de um porto e estaçõesde ferro e de vidro com comboios brunidos pela noitee pela chuva, a mesma chuvaque nos acompanha num pequeno hotelou nas janelas de um museu.Há recantos ao abrigo de grandes árvores, gente calada, educada e bem vestidae as silenciosas livrariasonde os olhos vagueiam enquanto cai a tarde.

tantas cidades a que devíamos ter ido, meu amor.a lua emerge para lá daquelas pontes de ferrodos anos que mudaram a nossa lei.Desde então o tempo é uma chuvaque nos inunda como inunda os telhados.Mas na luz do pátio vemos os templosde mármore branco e dourado travertino.encontramos, nas ruas de pequenas aldeias,faustosos estuques cor de terraesgrafiados pelo vento. esta casada varanda e do pátio tem uma luzde conversas e conforto. De nós,aquele que ficar terá por companhia

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per fer-li de record i companyiafins que ens trobem a les ciutats del somni.

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a memória do cipreste e das herasaté nos reencontrarmos nas cidades do sonho.

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rÈQuieM Per a anna

llums dels instants s’apaguen en la cendrai ara nosaltres, hostes, desfaríeml’equipatge per no partir mai més.al damunt de la pell perfan les hores,pausadament, un gruix d’eternitat,perquè, darrere del demà, la vidatornarà com el fil d’aigua gebradaque en arribar el desgel reprèn el càntic.anna, parlo de tu i de llargues platgesamb la tristesa de la mar d’hivern.De com l’infant que foresha deixat caure entre els seus dits la sorrade les hores pactades amb la mort.el text de la memòria és escrita un fris d’aigua remota com el marbreque anuncia el cel blau d’altres indrets.De tu em roman la llum a les mans buidesi un signe molt subtilque s’ha esvanit als vidres entelats.i si on ets hi ha un llunyà ressò de joiaés que el demà es nodreix en el presentamb la claror dels murs que hi ha als aforesi el nostre cavil•lar de caminants.

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rÉQuieM Para anna

luzes dos instantes apagam-se em cinzae agora nós, hóspedes, desfazemosa bagagem para nunca mais partirmos.À flor da pele as horas depositam,pausadamente, uma espessura de eternidade,porque, depois do futuro, a vidaregressará como um fio de água geladaque ao chegar o degelo recomeça o cântico.anna, falo de ti e de longas praiascom a tristeza do mar de inverno.De como a criança que tu fostedeixou cair por entre os dedos a areiadas horas pactuadas com a morte.o texto da memória está escritonum friso de água remota como o mármoreque anuncia o céu azul de outros lugares.De ti resta a luz nas mãos vaziase um sinal muito subtil que se apagou nos vidros embaciados.e se onde estás há um longínquo eco de alegria, é porque o futuro se alimenta do presente,com a claridade dos muros que há nas redondezase o nosso meditar de caminhantes.

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