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Mobilidade Populacional e Segregação Residencial: a trajetória recente da Região Metropolitana da Baixada Santista * Luiz Antonio Chaves de Farias Palavras-chave: Redistribuição Espacial da População; Mobilidade Espacial da População; Segregação Residencial * Trabalho apresentado no VII Congreso de La Asociación Latino americana de Población (ALAP) e XX Encontro Nacional de Estudos Populacionais (ABEP), realizado em Foz do Iguaçu/PR Brasil, de 17 a 22 de outubro de 2016. Doutorando em Demografia pela Universidade Estadual de Campinas. Endereço eletrônico: [email protected] .

Mobilidade Populacional e Segregação Residencial: a ...abep.org.br/xxencontro/files/paper/241-393.pdf · a rural, assim como, as metrópoles assumiram o papel de um dos principais

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Mobilidade Populacional e Segregação Residencial: a trajetória recente da

Região Metropolitana da Baixada Santista*

Luiz Antonio Chaves de Farias†

Palavras-chave: Redistribuição Espacial da População; Mobilidade Espacial da População;

Segregação Residencial

* Trabalho apresentado no VII Congreso de La Asociación Latino americana de Población (ALAP) e XX Encontro

Nacional de Estudos Populacionais (ABEP), realizado em Foz do Iguaçu/PR – Brasil, de 17 a 22 de outubro de 2016. † Doutorando em Demografia pela Universidade Estadual de Campinas. Endereço eletrônico: [email protected].

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Mobilidade Populacional e Segregação Residencial: a trajetória recente da

Região Metropolitana da Baixada Santista

Luiz Antonio Chaves de Farias

1. INTRODUÇÃO

Nunca fomos tão urbanos no Brasil como somos hoje! Segundo dados da Pesquisa Nacional

por Amostra de Domicílio (PNAD) pouco mais de 85% da população brasileira residia em

domicílios localizados em áreas urbanas, em 2014. Tal processo, no entanto, possui a peculiaridade

de ter ocorrido de maneira relativamente abrupta e concomitante ao processo de metropolização das

principais aglomerações urbanas do país. De fato, desde a década de 60 a população urbana superou

a rural, assim como, as metrópoles assumiram o papel de um dos principais símbolos do fenômeno

urbano no Brasil.

A Região Metropolitana da Baixada Santista (RMBS), recorte espacial do presente trabalho,

não foge ao cenário descrito acima, visto que viveu processo de urbanização e metropolização ainda

mais intenso e precoce que a média brasileira. De acordo com dados do IBGE, já na década de 40, o

grau de urbanização da região ultrapassava 90%, enquanto que no Brasil, apenas 31,2% da

população vivia em áreas urbanas no mesmo período.

Mais recentemente, em um contexto de aceleração da queda fecundidade e de arrefecimento

dos movimentos populacionais de longa distância direcionados aos centros urbanos de mais alto

grau na hierarquia urbana, as migrações de caráter intrametropolitano tendem a ganhar maior

representatividade enquanto uma das forças sócio-demográficas protagonistas do processo de

metropolização do Brasil. Essa dinâmica igualmente encontra ressonância ao que vem ocorrendo na

conjuntura metropolitana da Baixada Santista, considerando seu alto potencial de redistribuição

interna da populacional, patente a uma realidade onde seu núcleo metropolitano concentra 55,4% da

população metropolitana, em uma área representativa de apenas 6% do total ocupado na região.

Em face das novas tendências seguidas pela dinâmica urbana e sócio-demográfica na

RMBS, é de se esperar repercussões conquanto a (re)alocação espacial de determinados grupos

sociais em sua estrutura urbano-metropolitana. Nesse contexto, a mobilização espacial da

população, sobretudo em um espaço tão desigual em termos de estrutura de oportunidades e restrito

para fins de construção de novas moradias como a Baixada Santista, pode ter repercussões sobre as

condições de vida das pessoas que realizam tais movimentos. Isto é, a segregação residencial, via

mobilidade residencial metropolitana, pode afetar a vida das pessoas, tanto no que se refere à

produção dos efeitos de vizinhança e suas repercussões sobre o desenvolvimento social infanto-

juvenil. Quanto sobre as possibilidades diferenciadas de acesso às geografias de oportunidades

metropolitanas propiciadas pelo local de residência.

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Chega-se, aqui, na problemática da presente pesquisa, que visa identificar as possíveis

relações existentes entre os fenômenos da mobilidade populacional e a segregação residencial no

curso do processo de metropolização da Baixada Santista, recentemente. A hipótese do trabalho está

ancorada no pressuposto de que a mobilidade populacional e as condições de vida dos indivíduos

que participam da mesma possuem uma relação intrínseca no contexto metropolitano, constituindo-

se em um mesmo processo sócio-demográfico.

Para tal, em um primeiro momento, discute-se o estatuto da migração e da segregação

residencial no processo de Redistribuição Espacial da População (REP) das aglomerações

metropolitanas brasileiras nos últimos anos. Posteriormente, como resultado trazido pelo trabalho,

traça-se um panorama empírico da REP na Baixada Santista. Em primeira mão, apresenta-se a

trajetória urbana da RMBS até os dias atuais. Além disso, esboça-se um perfil sócio-demográfico da

REP regional, com especial enfoque nos fluxos migratórios e na segregação residencial. Enfim,

analisam-se as possíveis ligações existentes entre os dois fenômenos na área de estudo da pesquisa.

2. A REDISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA POPULAÇÃO NAS METRÓPOLES

BRASILEIRAS

a. DO PAPEL DA MIGRAÇÃO

A análise da migração no contexto intrametropolitano se inscreve em um tema mais amplo

que seria a REP. Esta seria, de fato, o fenômeno demográfico que estaria efetivamente em jogo

quando se estuda as causas e consequências da localização diferenciada dos diferentes extratos

populacionais no espaço urbano

A REP possui, portanto, em sua gênese fatores diversificados. De um lado, aqueles de cunho

demográfico interferem no referido processo através da dinâmica de suas três variáveis básicas:

natalidade, mortalidade e migração. De outro, abarca fatores sociais, políticos, econômicos,

geográficos e culturais que diferenciam a redistribuição da população de uma região para outra, no

espaço e no tempo (LOBO, MATOS e GARCIA, 2012). A migração é a variável que mais

internaliza esses fatores, em função de seu caráter multidimensional, dificultando sua definição.

O processo de REP no Brasil, desde os anos 30 esteve atrelado ao processo de concentração

das atividades econômicas (industrialização) e da população brasileira, em poucas e grandes

aglomerações urbanas (CANO, 2011). Alicerçado segundo a organização do modo produção

fordista, pautava-se, em linhas gerais, nas economias de aglomeração para sua viabilização, tendo

os grandes fluxos migratórios internos, de caráter rural-urbano e interregional, como processo social

estruturante a que se vinculava dialeticamente. Ao contrário do período anterior (ciclo econômico

agroexportador), onde os fluxos migratórios internacionais faziam esse papel.

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No entanto, em finais da década 60, nos anos 70 e, principalmente, a partir de 1980,

observam-se inflexões, nas tendências de concentração das atividades econômicas, de redistribuição

espacial da população (REP) e de urbanização. Simultaneamente, observa-se uma tendência de

aceleração na queda da fecundidade, principalmente a partir dos anos 1980. A migração, com isso,

consolidou-se ainda mais como o principal protagonista no processo de REP e, por conseguinte,

pelo crescente e inexorável processo de urbanização da população brasileira. Martine (1994)

ressalta, no entanto, que mesmo com o papel decisivo da migração nessa época, não se pode

desprezar o peso dos diferenciais regionais de fecundidade existentes no Brasil enquanto

propulsores da REP. Como Cunha e Baeninger (2001), as áreas mais desenvolvidas do Sudeste e

Sul chegavam a registrar taxas de fecundidade, em média, 25% menores que as mais pobres. Em

virtude disso, pode-se supor que contemporaneamente, com a redução da migração o crescimento

vegetativo possa intervir de maneira ainda mais importante no processo de REP.

Todavia, o referido protagonismo na REP brasileira não mais aparece através dos, até então,

tradicionais movimentos de longa distância (interregional), e sim através dos movimentos de mais

curta distância. Mudanças, em termos das trajetórias espaciais e de escala geográfica dos fluxos

populacionais brasileiros, aparecem, pois, como adaptação da dinâmica migratória perante as

condições econômicas e sociais vigentes na década de 80, se flexibilizando para atender as novas

demandas (BRITO, 2000).

O declínio da migração do tipo rural-urbano e de longa distância permitiu que fossem

evidenciadas outras modalidades migratórias1, tais como a migração do tipo urbano-urbano, intra-

estadual, intrametropolitano, entre outras, que antes eram ofuscadas pelos fluxos em questão

(CUNHA, 2011). Nesse momento, segundo Rodríguez e Busso (2009), a dinâmica demográfica

metropolitana já passa a não mais depender tanto da imigração externa, o que leva a que se preste

mais atenção na migração endógena com característica centrífuga. De fato, mesmo crescendo

menos, as RM’s ainda representam grandes desafios não apenas pela grande concentração de

pobreza, particularmente em suas periferias, mas também pelo alto potencial que apresentam de

redistribuição interna de sua população (CUNHA, 2011), o que pode ser verificado com os recentes

processos (re)estruturação urbana das principais metrópoles brasileiras.

Desse modo, para além das causas estruturantes e motivações que explicam as modalidades

migratórias tradicionais, como a migração rural-urbana, a migração intrametropolitana se

encontraria relacionada aos fatores estruturantes da metrópole, como o mercado de terras e a divisão

espacial do trabalho. Segundo Cunha (1994:45) “a maior parte dos movimentos de curta distância

pode ser diretamente associada ao processo de estruturação e expansão do meio urbano”.

1 Entende-se por “modalidade migratória” as diferentes formas de migração definidas a partir da escala geográfica de

observação e mensuração do fenômeno.

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O mesmo autor salienta que os fatores que colocam a população em movimento dentro do

espaço metropolitano tendem a gerar seletividades específicas dos migrantes não apenas em termos

demográficos, como sexo, idade, ciclo vital e tipo de família, mas também e, sobretudo, em termos

socioeconômicos. Préteceille (2003) corrobora essa argumentação, ao colocar que a mobilidade

residencial é, para uma família, um meio de melhorar individualmente sua acessibilidade aos

equipamentos e(ou) aos empregos. Todavia, essa prerrogativa é seletiva, já que essa mobilidade está

hierarquizada socialmente. Ela é mais fácil e mais freqüente para as categorias superiores, nas quais

as rendas e os recursos sociais permitem escolhas mais amplas. Por sua vez, é mais difícil e menos

freqüente para as classes populares, que estão ou constrangidas pelas regras de acesso à habitação

social, ou dependentes do mercado de aluguel de baixa qualidade – que tende a se reduzir –, ou são

proprietárias nos segmentos menos demandados do mercado, geralmente mais distantes, nas

periferias pobres e favelas.

Desta forma, de acordo com Cunha (2011), a mobilidade espacial (e particularmente a

residencial) pode não apenas ter impactos importantes sobre a segregação, mas também ter efeitos

diferenciados sobre as condições de vida das famílias ou indivíduos, particularmente aqueles de

baixa renda. Isso porque, é possível pensar em relações diretas entre o impacto dos deslocamentos

espaciais e o acúmulo ou perda de ativos essenciais para aumentar (ou reduzir) a capacidade de

respostas aos vários riscos impostos pela metrópole, entre eles o da pobreza e exclusão social. Tal

perspectiva de análise é legitimada por estudos como de Rodríguez e Busso (2009), o qual apontam

que a migração intrametropolitana tem implicação direta no uso da infraestrutura urbana, sendo um

dos determinantes da segregação residencial nas metrópoles.

É, pois, debruçando-se sobre o papel da segregação residencial no processo de REP

metropolitana, que se desenvolve o próximo item.

b. DO PAPEL DA SEGREGAÇÃO RESIDENCIAL

O conceito de segregação residencial se encontra dentro de um arcabouço teórico mais

amplo onde se situa a segregação, considerada no sentido lato do termo. Definir, pois, com clareza a

que o termo se refere permitirá delinear seus possíveis vínculos existentes com a migração

intrametropolitana.

Dessa maneira, segundo Vignoli (2001), pode-se identificar, pelo menos, dois tipos de

segregação com ocorrências não necessariamente dependentes entre si. Em termos sociológicos, a

segregação pode significar a ausência de interação entre os grupos sociais. Em um sentido

geográfico, significa uma distribuição desigual dos grupos sociais no espaço físico. Para este última

definição, aproximar-se-ia de uma regionalização do espaço geográfico, segundo algum critério de

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clivagem dos grupos sociais, configurado por certa homogeneidade interna e heterogeneidade

externa. Dentro deste último sentido se situa a segregação territorial (modalidade na qual a

segregação residencial é uma forma específica) em que a categorização que se separa os indivíduos

é baseada em sua localização geográfica (no caso em questão, o local de residência), e não, por

exemplo, na sua inserção ocupacional, como na segregação ocupacional.

Os estudos sobre segregação residencial possuem uma tradição relativamente longínqua,

remontando ao que foi desenvolvido no departamento de sociologia da Universidade de Chicago

(“Escola de Chicago”) nas primeiras décadas do século XX. Algumas décadas posteriores, observa-

se um desenvolvimento do tema na França. Tais estudos, segundo uma perspectiva estruturalista,

percebiam a pobreza urbana e a segregação residencial na intersecção entre a questão urbana e a

questão social, não se resumindo apenas a uma causalidade de formas espaciais, tal qual se concebia

nos Estados Unidos até então (KOWARICK, 2004).

No Brasil, os estudos sobre a segregação urbana se desenvolveram especialmente a partir da

década de 1970, no contexto de discussões mais amplas a respeito da questão social e urbana, assim

como, do papel do Estado em resolvê-las. Eram claras as influências da sociologia urbana francesa,

a luz de uma abordagem estruturalista de cunho marxista. Particularmente, o que interessava era o

entendimento dos processos que estavam na causa do fenômeno, e não a segregação em si e suas

consequências, (BICHIR, 2007).

Dentro desse contexto, Vignoli (2001) salienta que não somente no Brasil, mas na América

Latina como um todo, os estudos sobre a segregação residencial têm se centrado sobre as relações

espaciais entre os estratos socioeconômicos. Além disso, alguns estudiosos têm enfatizado a

importância dos fatores socioeconômicos e as desigualdades na região, tornando a segregação

residencial sinônimo de polarização social e da exclusão, perdendo de vista a especificidade

espacial que é inerente.

Assim sendo, segundo Sabatini e Sierralta (2006), ao se privilegiar apenas as causas da

segregação residencial, não se chega à essência do fenômeno, que estaria nas relações entre o lugar

de residência dos indivíduos e a conformação de aspectos variados de suas condições de vida e

bem-estar. Para esse sentido, a segregação residencial não se constituiria um “fenômeno absoluto”

ou um problema em si, conforme, muitas vezes, fica subentendido em estudos que apenas se

preocupam com as causas do fenômeno em questão. De fato, para os autores, não há nenhuma

consequência negativa inerente à segregação. Em determinados contextos sócio-espaciais, a

segregação pode até contribuir para a geração de efeitos positivos, como no caso das minorias

étnicas, cujo agrupamento espacial poderia contribuir para a reprodução cultural desse grupo.

Em verdade, de acordo com os autores supracitados, a problemática de análise da

segregação estaria na forma como que se relaciona com os outros fenômenos sociais, dentre os

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quais, as desigualdades sociais e a pobreza. Desse modo, essa relação, ao invés de ser apenas

“ontológica” (aleatória ou contingente), seria “ontológica dialética”, fundada na forma como se

reforçam e condicionam mutuamente a segregação espacial dos grupos e certos problemas urbanos,

tanto funcionais como sociais. Assim, a segregação residencial, para além das definições

operacionais expostas mais acima no texto, “poderia ser definida como aquela disposição espacial

aglomerada de grupos sociais que contribui para agravar determinados problemas para alguns

grupos e para atenuá-los ou resolvê-los para outros.” (SABATINI E SIERRALTA, 2006:185).

Nesse sentido, segundo Harvey (1975), a segregação residencial, vista sob o ponto de vida

da diferenciação residencial afetaria as condições de vida das pessoas, na medida em que as áreas

residenciais provêm diferentes meios para interação social, de onde indivíduos derivam seus

valores, expectativas, hábitos de consumo, capacidades de mercado (capacidade de realizar certos

tipos de funções na divisão social do trabalho) e estados de consciência. Por conseguinte, a partir

dos apontamentos de Flores (2006:1), é possível derivar que “o efeito da concentração espacial da

pobreza, na trajetória de vida das pessoas, é distinto e distinguível do efeito da experiência

individual da pobreza”. Tal ponto de vista é corroborado por Torres (2005), que argumenta que a

concentração espacial da pobreza não é uma “mera curiosidade sociológica”, mas sim um fenômeno

com múltiplas consequências para os circuitos de reprodução da pobreza.

Tais circuitos de reprodução da pobreza podem ser sistematizados, em seu funcionamento,

em diferentes mecanismos que atuam sobre indivíduos que residem nas áreas segregadas. Flores

(2006), baseando-se principalmente na literatura norte-americana identificou pelo menos dois

mecanismos de reprodução de pobreza: os efeitos de bairro (JENKS E MAYER, 1990) e o acesso

diferenciados às geografias de oportunidades metropolitana (GALSTER E KILLEN, 1995).

A perspectiva dos efeitos de bairro destaca que a segregação contribui para a reprodução da

pobreza – à medida que a concentração espacial de privação estimula uma série de valores

negativos, comportamentos nocivos, ausência de modelos bem-sucedidos -, gerando espirais

descendentes de condições de vida (MASSEY E DENTON, 1993). Por sua vez, a perspectiva da

geografia de oportunidades busca relacionar o processo de tomada de decisões ao contexto

geográfico dos indivíduos. Dessa forma, de acordo com Galster e Killen (1995), as oportunidades

seriam iguais para todos, se todos os habitantes pudessem escolher livremente onde viver na área

metropolitana. No entanto, não é isso o que acontece, estando o maior ou menor acesso à estrutura

de oportunidades2, vinculado à localização da residência desses indivíduos na estrutura

metropolitana.

2 Segunda KAZTMAN (1999), a estrutura de oportunidades é a fonte de ativos, em outras palavras, as bases físicas e

organizacionais que permitem o acúmulo de ativos. O termo estrutura se refere ao fato de que as rotas de melhoria das

condições de vida, encontram-se estreitamente vinculadas entre si, de modo, que o acesso a determinados bens, serviços

ou atividades proveem recursos que facilitam por sua vez o acesso a outras oportunidades.

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Ao lado disso, os autores propõem que existem variações tanto objetivas como subjetivas, de

acordo com as restrições impostas pelo espaço, no processo de tomada de decisões que objetivam o

acesso à estrutura de oportunidades por parte dos indivíduos. Nesse sentido, a estrutura, qualidade e

acesso às oportunidades – redes sociais, mercados, políticas públicas, instituições – variam

objetivamente entre uma área e outra. Ao mesmo tempo, os valores, aspirações, preferências e a

percepção subjetiva sobre os resultados potenciais da tomada decisões são influenciados pela rede

local social e, por este motivo, também variam geograficamente.

Por conseguinte, a mobilização espacial da população, sobretudo em um espaço tão desigual

em termos de estrutura de oportunidades como a Baixada Santista, pode ter repercussões sobre as

condições de vida das pessoas que realizam tais movimentos. Cunha (2010) mostrou que as rede

sociais de apoio, e mesmo, o acesso às políticas de infra-estrutura urbana, podem auferir alterações,

quando o indivíduo que migra do núcleo metropolitano para sua periferia, em troca, por exemplo,

de uma casa própria. Isto é, a segregação residencial, via mobilidade residencial metropolitana,

pode afetar a vida das pessoas, tanto no que se refere à produção dos efeitos de vizinhança e suas

repercussões sobre o desenvolvimento social infanto-juvenil. Quanto sobre as possibilidades

diferenciadas de acesso às geografias de oportunidades metropolitanas propiciadas pelo local de

residência. É, pois, em busca de se avaliar essas possíveis relações dentro da RMBS, que se pauta a

seção que se segue do presente trabalho.

3. A REDISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA POPULAÇÃO NA BAIXADA SANTISTA

RECENTEMENTE

a. DE SUA EVOLUÇÃO URBANA

A Baixada Santista é a área de ocupação urbana mais antiga do estado de São Paulo e uma

das primeiras do Brasil colônia. Essa urbanização precoce, no entanto, não observou um

aprofundamento no curso da história de ocupação do Brasil no período colonial, vindo somente a se

intensificar com o advento do ciclo econômico agroexportador do café no oeste paulista. Nesse

período o porto de Santos se torna o principal do Brasil, intensificando os efeitos indutores em

termos urbanos (através da instalação de uma infra-estrutura) e econômicos, principalmente com

atividades de apoio ao funcionamento do porto.

Essa dinâmica socioeconômica se repercutiu em termos populacionais. Baseando-se nos

dados do Censo Demográfico de 1920 a partir de quando se tem uma estatística relativamente

confiável e acessível, o município de Santos, na configuração político-territorial em que agregava

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os atuais municípios de Guarujá, Cubatão e Bertioga, tinha a primazia populacional da região com

quase 90% da população (102589). Em segundo lugar, vinha, a antiga vila de São Vicente (que

perfazia a época ao município de Praia Grande, também), com 7656 pessoas e o ainda distante

município de Itanhaém, 4227 pessoas (constituído ainda pelo território das atuais municipalidades

de Mongaguá e Peruíbe).

O conjunto desses municípios, que viria, posteriormente, constituir a RMBS, era formado,

em 1920, por 114472 pessoas, o que, no entanto, era representativo de apenas 2,5% da população

do estado de São Paulo, àquele período com 4592188 habitantes. Ficava, portanto atrás das regiões

que viriam a constituir no futuro, a metrópole paulistana e de Campinas.

A partir da década de 40, a atividade portuária ganha à companhia do turismo de veraneio e

segunda residência enquanto principais atividades econômicas da região. A mudança no padrão de

acumulação nacional e estadual (pautado no surgimento de um consistente parque industrial na

cidade de São Paulo, principalmente) possibilitou o surgimento de uma incipiente classe média,

requisitante de amenidades naturais para sua reprodução social. Como também, permitiu o

provimento de infraestrutura através do modal rodoviário, facilitando o acesso à região por parte da

população da metrópole de São Paulo, assim como das cidades do interior: são desse período as

inaugurações das Rodovias Anchieta (ligando a cidade São Paulo ao litoral) e a Rodovia

Anhanguera (ligando São Paulo ao interior).

Em termos da dinâmica urbana seguida pela cidade de Santos nessa nova fase do

desenvolvimento regional, Santos (2011:27) constata que:

Entre os anos 40 e 50 a cidade portuária quase dobrou sua população, atingindo a marca de

228 mil habitantes e tornando-se uma das dez maiores cidades do país. Articulada com o

desenvolvimento da cidade de São Paulo, Santos consolida-se como a principal cidade

paulista depois da capital, com maior população e importância econômica e política. A

expansão da construção civil é intensificada. Em 1951, a Diretoria de Obras da Prefeitura

Municipal expediu 526 alvarás para novas construções e tal quadro seguiu crescente e em

1961, 796 construções foram licenciadas, representando 140362 metros quadrados de área

construída.

A partir de 1950, ocorre um aprofundamento das dinâmicas de urbanização regional e de

articulação com a metrópole paulistana, tanto com relação à logística de produção do seu parque

industrial, quanto no que se relaciona ao fenômeno do turismo e da segunda residência. Todavia,

escrever-se-ia um novo capítulo conquanto a industrialização regional, com a instalação das

indústrias de base na região.

O polo industrial tem como marco de fundação a instalação e inauguração da Refinaria

Presidente Bernardes (RPBC). em 1955. Salienta-se que seu grande efeito indutor foi a formação de

uma cadeia industrial no setor petroquímico, que nos anos posteriores trabalhou por atrair a

instalação de outras empresas do mesmo setor de atividade nesse território. Outra unidade industrial

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de peso que se instalou nessa área foi a Companhia Siderúrgica Paulista (COSIPA) – inaugurada em

1963 – que, no entanto, teria seu efeito indutor realizado, como no caso anterior, apenas a partir da

década de 90.

Uma nova dinâmica demográfica será imposta partir de então, com a intensificação da

imigração de caráter interestadual, determinando um ritmo de ocupação da região que em pouco

tempo irá expor seus limites em termos socioambientais. Segundo Colantonio (2009), a princípio,

os imigrantes ocupam os morros e a zona noroeste da Ilha de São Vicente em Santos. Mas, em fins

dos anos 1960, esgota-se, nesta cidade, a oferta de terrenos baratos para abrigar essa população

pobre que chega cada vez em maior número, ocorrendo, então, a urbanização de áreas antes desertas

em outras municipalidades adjacentes.

Além dos primeiros traços dos processos de desconcentração populacional e metropolização

que se consolidariam nas décadas posteriores, nas décadas de 50 e 60, também se observaria a

produção de uma divisão social do espaço intrarregional que pode ser verificada nos dias atuais.

Segundo último autor citado, há uma clara “clivagem social” entre as ocupações ao longo da orla,

com: o setor norte - correspondente ao distrito de Bertioga, à época pertencente a Santos e o

município do Guarujá; Santos e São Vicente ao centro; e, o setor sul – que continha Praia Grande,

Mongaguá, Itanhaém e Peruíbe. Esse padrão de estruturação urbano-regional viria a se constituir no

que Cano (1982) apud Colantonio (2009) chamaria de “organização urbana tripartite”.

Os fenômenos do turismo de veraneio, e, posteriormente, a segunda residência, irão

desempenhar um papel determinante para vigência de tal estratificação social da região, tendo em

vista que o:

padrão de ocupação no espaço desta rede de hotelaria que irá definir aspectos econômicos e

urbanos de cada município e irá se acentuar nos períodos mais recentes: a segregação

espacial da oferta por classe social / de renda desta prestação de serviço. Enquanto que nas

regiões do litoral da Baixada mais ao norte (na época, Santos e principalmente Guarujá) há

uma rede terciária envolvida no segmento voltada para as classes mais abastadas, o litoral sul

(Itanhaém e São Vicente) atendem a classes média e média baixa.(COLANTONIO, 2009:27).

Os anos 70 marcariam a intensificação dos efeitos de indução agora propiciados pelo polo

de indústria de base de Cubatão e pela implementação de toda infraestrutura a ele vinculada.

Conforme é apontado por Colantonio (2009), além dos milhares de empregos gerados diretamente,

os efeitos indiretos se traduzem no aumento expressivo dos setores de atividade da construção civil

e do terciário em todas as suas divisões, totalizando um aumento de 147,6 mil trabalhadores na

região,ou 67% na década.

Com a intensificação do processo de metropolização corrente na época, torna-se notável o

processo de desconcentração espacial da população dos municípios centrais para os mais

periféricos. Isso fica bem claro com o gráfico 1, onde municípios centrais (Cubatão, São Vicente,

Santos e Guarujá), tendem a manter ou diminuir sua participação, enquanto que os municípios

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periféricos até então (Praia Grande, Mongaguá, Itanhaém, Peruíbe) tendem a aumentar seu peso no

total da população regional, ao longo do período que cobre o intervalo de 1970 até 2010. Sendo

mais específico, se de um lado, Santos, que em 1970 era representativo de mais de 50% da

população regional, vê sua participação fica restrita a cerca de 25% em 2010, de outro, Praia

Grande, que, no período inicial era representativa de apenas 3% da populacional, detém em torno de

15% da população regional no período mais recente.

Esses dados são ainda complementados pelo mapa 1, que mostra a acentuação do ritmo de

crescimento de alguns municípios da Região a partir da década de 70. “A maior taxa foi exibida

pelo município de Praia Grande, com aproximadamente 13% a.a. Segue-se o município de Peruíbe

com uma taxa de crescimento populacional acima de 10% a.a., no período 1970/80. Nessa etapa, a

sede regional apresentou uma taxa de 1,89% a.a.” (BAENINGER e SIQUEIRA, 2009: 37).

Por sua vez, a década de 80 representa um ponto de inflexão relativa do crescimento que a

Baixada Santista registrou ao longo de sua trajetória, especialmente após a década de 50. Tendo

seus principais “fios condutores” produtivos vinculados diretamente a investimentos estatais, a

região não ficou imune à crise econômica do Estado brasileiro vigente no período em questão.

No âmbito regional Colantonio (2009), por sua vez, argumenta que a região perdeu peso no

total do interior devido aos efeitos menos pronunciados da recessão econômica do período em

outras áreas do interior paulista, mais especificamente as aglomerações urbano-regionais de

Campinas e do Vale do Paraíba. Estas foram contempladas com as políticas de interiorização do

desenvolvimento desenvolvidas pelo governo paulista na época, atraindo fluxos de pessoas

relativamente maiores do que a Baixada Santista .

Em consonância à tendência de esvaziamento econômico vivenciada no período pela

metrópole de Santos, Baeninger e Siqueira. (2009: 42) destacam que dentre as regiões mais

importantes do Estado de São Paulo, a Região Metropolitana da Baixada Santista registrou, na

década de 1980, a menor taxa decrescimento (2,19% a.a.). “Abaixo da taxa média interiorana que

foi de 2,30% a.a. Nos anos1990 e 2000 esta taxa continua a reduzir, ficando em torno de 2,17% a.a.

e 1,92% a.a..” .

Como efeito desse processo em internamente a região, observa-se um arrefecimento das

taxas de crescimento dos municípios, cujos valores não atingem mais a marca de dois dígitos. A

visualização do mapa 1, todavia, evidencia o fato que o processo de desconcentração espacial não

para, tendo vista que, apesar da tendência de redução do ritmo de crescimento, os municípios

periféricos mencionados acima, sempre apresentam taxas geométricas de crescimento relativamente

mais altas aos municípios centrais de ocupação mais antiga.

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Gráfico 1 – Participação relativa na população regional. RMBS. Municípios selecionados. 1970-

2010.

* O município de Bertioga era um distrito de Santos até o Censo Demográfico de 1991. Para fins de comparação, seus valores foram considerados

separados desde o Censo Demográfico de 1970. Fonte: FIBGE. Dados do universo do Censo Demográfico 1970, 1980, 1991, 2000 e 2010. Tabulações especiais

Mapa 1 - Taxas médias geométricas anuais de crescimento populacional. RMBS. Municípios

selecionados. 1970-2010.

Fonte: FIBGE. Dados do universo do Censo Demográfico 1970, 1980, 1991, 2000 e 2010. Tabulações especiais

Bertioga Cubatão Guarujá Itanhaé

m

Mongag

uá Peruíbe

Praia

Grande Santos*

São

Vicente

1970 0,5 7,8 14,4 2,2 0,8 1,1 3,0 52,3 17,8

1980 0,4 8,2 15,7 2,9 1,0 1,9 6,9 42,9 20,1

1991 0,9 7,5 17,2 3,8 1,6 2,7 10,1 34,2 22,0

2000 2,0 7,3 17,9 4,9 2,4 3,5 13,1 28,3 20,6

2010 2,9 7,1 17,5 5,2 2,8 3,6 15,7 25,2 20,0

0

10

20

30

40

50

60 %

13

b. DOS FLUXOS MIGRATÓRIOS

Se para o país com um todo, conforme se expos anteriormente no texto, os anos 80 marcam

um turning point da dinâmica demográfica nacional, com aceleração da queda da fecundidade, e

redução do protagonismo dos fluxos migratórios de longa distância no processo de redistribuição da

populacional nacional. Especialmente, a partir dos 90, se observam mudanças semelhantes na

RMBS. Como foi atestado no mapa 1, as taxas de crescimento dos municípios apresentam quedas

significativas a partir desse momento. Em contrapartida, conforme pode ser verificado no mapa 2,

que mostra a composição do crescimento populacional nas décadas de 90 e 2000, a migração

continua aferido protagonismo na REP regional.

Enquanto nos municípios que conformam o núcleo metropolitano (Cubatão, São Vicente,

Santos e Guarujá), o peso da migração sobre o crescimento populacional tende a diminuir,

assumindo valores nulos, no último período. As principais frentes de expansão populacional na

região, ao Sul, com Praia Grande, Mongaguá, Itanhaém e Peruíbe, e, ao norte, com Bertioga,

apresentam elevados pesos da migração sobre o crescimento populacional, sempre acima de 50%, a

exceção do penúltimo município citado em 2000-2010.

Mapa 2 - Composição do crescimento populacional. RMBS. Municípios selecionados. 1991-2010.

Fonte: FIBGE. Microdados da amostra dos Censos Demográficos 1991, 2000 e 2010. Tabulações especiais.

14

Se a migração ainda é um fator estruturante da redistribuição interna da população da

RMBS, quando se desagrega a variável em questão segundo suas diferentes modalidades (gráfico

2), percebe-se o ganho em importância relativa dos fluxos provenientes da outras regiões

metropolitanas de São Paulo e, principalmente, daqueles de caráter intrametropolitano.

Especialmente, nos já referidos municípios centrais, a emigração intrametropolitana

responde por quase 50% dos fluxos de saída. Concomitantemente, nos municípios periféricos, em

espacial no “trio” formado por Mongaguá, Itanhaém e Peruíbe, registra-se um peso expressivo da

imigração oriunda da RMSP, responsável por quase 60% dos fluxos de entrada. A melhoria do

sistema viário, aliada a geomorfologia regional, onde os municípios mais periféricos

geograficamente acabam distando equivalentemente tanto do núcleo metropolitano localizado na

Ilha de São Vicente quanto das localidades mais ao sul da RMSP, concorre para maneira como se

deu a articulação com esta região, evidenciada pelos fluxos migratórios. Pressupõe-se, que muitos

destes imigrantes ainda se mantenham trabalhando na metrópole paulista, embora tenham migrado

para tais municípios da RMBS.

Apesar da tendência de redução, não se pode desprezar a ainda representativa participação

da imigração de caráter interestadual em algumas municipalidades, como Cubatão, onde tal

modalidade é responsável por parte majoritária da imigração. Jakob (2003) aventa como explicação

para tal fato, a existência de redes sociais de migração, estabelecidas, principalmente, com os

estados do Nordeste, que remontam a fluxos mais longevos no tempo, vinculado aos efeitos

indutores da instalação do polo industrial nesse município.

Gráfico 2 - Modalidades Migratórias. RMBS. Municípios selecionados. 1995 -2000 / 2005-2010

Fonte: FIBGE. Microdados da amostra dos Censos Demográficos 2000 e 2010. Tabulações especiais.

Emigração Imigração

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

1995-2000

2005-2010

15

Se os fluxos migratórios obedecem a uma orientação centrífuga própria do processo de

desconcentração populacional das grandes aglomerações metropolitanas brasileiras na atualidade.

Devemos retroceder um pouco no tempo, para entender como cada fluxo metropolitano se qualifica

em função das variáveis sócio-demográficas idade e nível de instrução.

De acordo com Negreiros (1992), a evolução da ocupação da região, a partir da década de

70 quando houve intensificação do processo de metropolização, orientou-se segundo três eixos:

Santos/São Vicente/Cubatão; Praia Grande; e, Guarujá/Bertioga). Com relação ao primeiro caso, a

expansão de Santos em direção a São Vicente apresenta uma mancha contínua e homogênea com os

mesmos padrões urbanísticos de Santos. Assim como a última municipalidade, São Vicente tem na

sua porção noroeste as áreas ocupadas por população de renda mais baixa e que vem se deslocando

para Cubatão, identificando-se assim o vetor noroeste – São Vicente/Cubatão, situado ao longo da

Via Anchieta e da Via Imigrantes – caracterizado pelo complexo industrial de Cubatão e pela forte

presença de conjuntos habitacionais. O Estado foi o principal agente indutor do referido tipo de

ocupação, já que através da atuação da Companhia de Habitação (COHAB) concentrou sua atuação

aí, sendo responsável diretamente pela construção de 10 conjuntos habitacionais nessa área.

O segundo vetor de expansão dirige-se à Praia Grande, determinado pelo processo de

redirecionamento populacional, dos estratos de renda média e pela dinâmica turística das camadas

médias e baixas rendas de Santos e São Vicente, já descrito nos parágrafos precedentes. Como se

pode constatar a partir das tabelas 2 e 3, os imigrantes intrametropolitanos de Praia Grande, tendem

a serem mais rejuvenescidos e menos instruídos comparativamente àqueles que se destinam aos

municípios centrais, numa dinâmica demográfica própria de expansão das chamadas periferias

“tradicionais” metropolitanas (CUNHA, 2015). Tal panorama pode ser estendido aos municípios de

Mongaguá, Itanhaém e Peruíbe, que apresentaram os mesmos padrões para esses indicadores. Não,

por acaso, tais munícipios seriam a continuidade do referido eixo de expansão metropolitana nas

décadas de 90 e 2000.

Para o terceiro eixo de expansão – Guarujá/Bertioga – ressalta-se a existência de duas

frentes: o distrito de Vicente de Carvalho, ocupado originalmente pelo deslocamento da população

de Santos decorrente dos desmoronamentos de morros de Santos, no ano de 1958; a outra frente se

situa ao longo da orla do Guarujá, reproduzindo os padrões urbanísticos verificados na orla santista,

destinados a população permanente e flutuante de rendas médias e altas. Novamente, as tabelas 2 e

3, ilustram a qualificação sócio-demográfica desse eixo de expansão. Isso porque, especificamente

na vertente direcionada a Bertioga, os fluxos de imigrantes intrametropolitanos são novamente

compostos por uma população relativamente mais jovem, em estágios menos avançados do seu

ciclo de vida. No entanto, ela é mais instruída comparativamente àquela que se direciona ao 2º eixo

16

de expansão. Ainda segundo Cunha (2015), tais padrões sócio-demográficos seriam próprios à

formação de uma periferia “elitizada”.

Tabela 2 - Percentagem de imigrantes intrametropolitanos por grupos etários. RMBS. Municípios

selecionados. 1995-2000 e 2005-2010.

Fonte: FIBGE. Microdados da amostra dos Censos Demográficos 2000 e 2010. Tabulações especiais.

Tabela 3 - Percentagem de imigrantes intrametropolitanos de “data fixa”, responsáveis pelos

domicílios por nível de instrução. RMBS. Municípios selecionados. 1995-2000 e 2005-2010.

Fonte: FIBGE. Microdados da amostra dos Censos Demográficos 2000 e 2010. Tabulações especiais.

17

c. DIMENSIONANDO A SEGREGAÇÃO

A partir do histórico de urbanização, assim como, da trajetória dos migrantes

intrametropolitanos dentro da região nas duas últimas décadas, consegue-se delinear uma

estratificação socioeconômica entre o 2º eixo e o 3º eixo de expansão metropolitana, identificados

por Negreiros (1992). De fato, esses são os dois eixos de expansão metropolitana que se encontram

“ativos” na atualidade, dado a saturação da ocupação no núcleo da região. Esta última zona,

concentrava em 2010, pouco mais de 60% da população regional em uma área praticamente sem

possibilidade de expansão horizontal da população. Tal realidade se reflete na sua densidade

demográfica, que é uma das maiores do Brasil, chegando a cerca de 106habs./hectare. Em

contrapartida, observa-se a existência de apenas 5,08% de áreas livres a construção de novas

moradias na RMBS, em sua maioria concentradas nos municípios mais periféricos.

O primeiro eixo de expansão e a vertente de Vicente de Carvalho do 3º eixo correspondem

justamente a essa zona “saturada” para ocupação. Não, por acaso, esta áreas foram as que menos

responderam ao crescimento impulsionado pela migração intrametropolitana, conforme pôde ser

visto no mapa 2.

O mapa 3 ilustra a estratificação social dos dois eixos “ativos” de expansão metropolitana na

atualidade, através da categorização dos rendimentos médios mensais dos responsáveis dos

domicílios segundo o indicador de autocorrelação espacial local de Moran. Pode-se verificar que o

cluster de setores censitários com menor renda média domiciliar (baixo-baixo), se localiza em uma

mancha contínua que começa na zona ístmica de São Vicente, passa por Praia Grande indo até

Peruíbe, sempre ao norte da rodovia Padre Manoel da Nóbrega. Deve-se, ressaltar a

heterogeneidade desse eixo de expansão, já que zona mais próxima a linha de costa, delimitada ao

norte pela mesma rodovia, é ocupada por setores da população com status sócio-econômico mais

alto, atraídos pela amenidade natural principal da região, que é a proximidade com o mar (JAKOB e

CUNHA, 2006).

Por sua vez, os clusters que concentraram os setores com domicílios com renda média mais

alta foram aqueles localizados na Ilha de São Vicente, mais precisamente no município de Santos

perto da linha de Costa. O eixo de expansão 3, ainda em expansão na vertente Guarujá-Bertioga, de

2000 para 2010, tendeu a diminuir os clusters na categoria baixo-baixo e aumentar a participação

dos clusters do tipo alto-alto e baixo-alto, mostrando o curso do processo de “elitização” de sua

ocupação.

18

Mapa 3 – Categorização dos rendimentos médios mensais dos responsáveis dos domicílios segundo

o indicador de autocorrelação espacial local de Moran. RMBS. Setores censitários urbanos

selecionados. 2000 e 2010.

Fonte: FIBGE. Dados do universo do Censo Demográfico 2000 e 2010. Tabulações especiais.

Para a análise do arranjo espacial da geografia de oportunidades metropolitana, a partir da

perspectiva da disponibilidade de infra-estrutura urbana, utilizou-se os clusters do mapa 3. Nesse

sentido, os dados do entorno domicílio, disponibilizados no Censo Demográfico de 2010, se

mostraram muito úteis para o dimensionamento do alcance das políticas de infra-estrutura urbana na

região.

Desse modo, o cruzamento dos clusters de setores censitários em função de sua renda média

domiciliar com as variáveis do entorno do domicílio em 2010 (gráfico 3), permitiram observar

nitidamente uma diferenciação da disponibilidade da infra-estrutura urbana entre as áreas mais e

menos segregadas residencialmente. Com relação à existência de iluminação pública,

pavimentação, calçada e algum sistema de drenagem no logradouro, os setores censitários

pertencentes aos clusters alto-alto e baixo-alto (periferias “tradicionais”), sempre apresentaram os

piores resultados, chegando, em alguns casos, a ultrapassar o patamar de mais de 50% dos

domicílios com entorno sem as infra-estruturas citadas. Para as variáveis, presença de esgoto a céu

aberto e lixo no logradouro, o resultado não foi diferente, visto que, os mesmos clusters sempre

apresentaram os piores resultados.

19

Gráfico 3 – Existência de infra-estrutura urbano no entorno dos domicílios segundo “clusters

espaciais” de setores censitários urbanos. RMBS. Setores censitários urbanos selecionados. 2010.

Fonte: FIBGE. Dados do universo do Censo Demográfico 2010. Tabulações especiais.

4. POSSÍVEIS NEXOS?

Dimensionados os processos de redistribuição espacial da população e de segregação

residencial na RMBS, foi possível identificar um leque de relações entre os mesmos. Em primeira

análise, apesar da tendência de arrefecimento do crescimento populacional e da escassez de novas

áreas propícia a novas ocupações na região, observa-se claramente a migração intrametropolitana

enquanto um fator estruturante da REP metropolitana. Isso porque, os dois eixos de expansão

metropolitana (Praia Grande - Litoral Sul e Guarujá- Bertioga), ainda se mostram ativos, tanto com

relação ao crescimento populacional relativo maior, como pela maior peso da imigração neste

processo.

Concomitantemente, observa-se claramente uma seletividade sócio-demográfica da

imigração direcionada aos dois eixos. O primeiro eixo é destino de uma população com menor

status socioeconômico relativamente aquela que se dirige ao outro eixo de expansão em questão.

Todavia, é justamento no primeiro, onde se observou menor presença das políticas de infra-

estrutura urbana, em comparação ao que se pode verificar nas áreas centrais, donde provém a maior

parte dessa população, assim como, ao eixo Guarujá-Bertioga, cada vez mais “elitizado”.

Pressupõe-se, pois, que além de estar incrementando o conteúdo populacional das áreas

periféricas mais segregadas da região. A migração intrametropolitana no sentido núcleo periferia

20

“tradicional” pode estar sendo, sim, um fator que está afetando negativamente o acesso às

geografias de oportunidades metropolitanas por parte da população envolvida neste fenômeno.

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