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Mobilidade urbana sustentável Dezembro 2012 | Nº 5 | ISSN 2179-2275 Revista LAB VERDE

Mobilidade urbana sustentavel

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Mobilidade urbana sustentável

Dezembro 2012 | Nº 5 | ISSN 2179-2275

RevistaLABVERDE

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REVISTA LABVERDEV. I – Nº 5

LABVERDE – Laboratório VERDEFAUUSP – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo

DEZEMBRO 2012ISSN

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Ficha Catalográfica

Serviço de Biblioteca e Informação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP

REVISTA LABVERDE/Universidade de São Paulo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Departamento de Projeto. LABVERDE – Laboratório Verde – v.1, n.5 (2012) –. São Paulo: FAUUSP, 2012 –

Semestralv.: cm.

v.1, n.5, dez. 2012

ISSN: 2179-2275

1. Arquitetura – Periódicos 2. Planejamento Ambiental 3. Desenho Ambiental 4. SustentabilidadeI. Universidade de São Paulo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo.Departamento de Projeto. LABVERDE. II. Título

CDD 712

Revista LABVERDE, V.I, N° 5

LABVERDE- Laboratório VerdeRua do Lago, 876 - Cidade Universitária, Bairro do ButantãCEP: 05508-900 São Paulo-SPTel: (11) 3091-4535

Capa: Rizia Sales Carneiro

e-mail: [email protected]

Home page: www.usp.br/fau/depprojeto/revistalabverde

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Dezembro de 2012 Revista LABVERDE n°5

Revista LABVERDEDezembro – 2012ISSN: 2179-2275

Maria Ângela Faggin Pereira Leite (FAUUSP)Maria Cecília França Lourenço (FAUUSP)Maria de Assunção Ribeiro Franco (FAUUSP)Maria de Lourdes Pereira Fonseca (UFABC)Miranda M. E. Martinelli Magnoli (FAUUSP)Paulo Renato Mesquita Pellegrino (FAUUSP)Saide Kahtouni (FAUUFRJ)Silvio Soares Macedo (FAUUSP)Vladimir Bartalini (FAUUSP)

Apoio TécnicoJosé Tadeu de Azevedo MaiaLina RosaMarcia ChoueriFrancisca Batista de SouzaEliane Alves KatibianLilian Aparecida DucciRizia Sales Carneiro

ColaboradoresAntonio FrancoOscar Utescher

DiagramaçãoRizia Sales Carneiro

Desenvolvimento de WebEdson MouraRizia Sales Carneiro

Universidade de São PauloJoão Grandino Rodas (Reitor)Hélio Nogueira da Cruz (Vice-Reitor)

Faculdade de Arquitetura e UrbanismoMarcelo de Andrade Romero (Diretor)Maria Cristina da Silva Leme (Vice-Diretora)

Editor ResponsávelMaria de Assunção Ribeiro Franco

Comissão EditorialCecília Polacow HerzogMaria de Assunção Ribeiro FrancoPaulo Renato Mesquita Pellegrino

Conselho EditorialCatharina Pinheiro Cordeiro dos Santos Lima (FAUUSP)Cecília Polacow Herzog (FAUUFRJ)Denise Duarte (FAUUSP)Demóstenes Ferreira da Silva Filho (ESALQ)Eduardo de Jesus Rodrigues (FAUUUSP)Eugenio Fernandes Queiroga (FAUUSP)Euler Sandeville Júnior (FAUUSP)Fábio Mariz Gonçalves (FAUUSP)Giovanna Teixeira Damis Vital (UFU)Helena Aparecida Ayoub Silva (FAUUSP)José Carlos Ferreira (UNL-Portugal)João Reis Machado (UNL-Portugal)João Sette Whitaker (FAUUSP)Larissa Leite Tosetti (ESALQ)Lourdes Zunino Rosa (FAUUFRJ)Marcelo de Andrade Romero (FAUUSP)Márcia Peinado Alucci (FAUUSP)

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Dezembro de 2012Revista LABVERDE n°5 – Sumário

SUMÁRIO

1. EDITORIAL

008 Maria de Assunção Ribeiro Franco

2. ARTIGOS

011 ANÁLISE ESTRATÉGICA DO RELEVO E PLANEJAMENTO TERRITO-RIAL URBANO: COMPARTIMENTOS AMBIENTAIS ESTRUTURANTES NA MACROMETRÓPOLE DE SÃO PAULO

Strategic analysis of topography and urban land planning: structuring environmental compartments in macro-metropolis of São Paulo José Guilherme Schutzer

037 CONTRIBUIÇÃO PARA PAISAGEM SONORA DE QUALIDADE NO PAR-QUE LINEAR BRÁS-LAPA

Contribution to sound quality landscape at linear park Brás-Lapa Claudia Lambertini e Eliseu Genari

051 HIPÓTESES DE INFRAESTRUTURA VERDE PARA CRIAÇÃO DO PAR-QUE LINEAR BRÁS-LAPA

Hypothesis of green infrastructure for creation of the linear park Brás-Lapa Giorgia Yoshiko Rossignolo Suzumura

075 ADENSAMENTO DA HABITAÇÃO COLETIVA E MOBILIDADE SUSTENTÁ-VEL: O CASO DA BARRA FUNDA

Colectivehousingdensificationandsustainablemobility:BarraFundacase Bibiana Carreño Zambra

093 IDENTIFICAÇÃO DAS ÁREAS VERDES NO DISTRITO DA BARRA FUNDA PARA A PROPOSTA DO PARQUE LINEAR BRÁS-LAPA E SUA CONTRIBUI-ÇÃO PARA A INFRAESTRUTURA VERDE NA CIDADE DE SÃO PAULO

IdentificationofgreenareasatBarraFundaDistrict for theproposalof linear park Brás-Lapa and its contribution to green infrastructure in the city of São Paulo Neila Custódio e Ursula Brinker

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Dezembro de 2012 Revista LABVERDE n°5 – Sumário

117 RECUPERAÇÃO DE CÓRREGOS URBANOS DA BARRA FUNDA COMO CONTRIBUIÇÃO PARA A MOBILOIDADE SUSTENTÁVEL RecuperationofurbanstreamsatBarraFundaDistrictasacontributionto the sustainable mobility Brigitte Langreney e Regina Quartim Barbosa Rioli

141 INCLUSÃO DA MOBILIDADE SUSTENTÁVEL NA REESTRUTURAÇÃO DA CIDADE DE SÃO BERNARDO DO CAMPO

Sustainable mobility inclusion in the restructuration of the City of São Bernardo do Campo Patrícia Helen Lima

155 MOBILIDADE URBANA, TRANSPORTE CONSCIENTE EM BUSCA DA SUSTENTABILIDADE Urban mobility, conscious transportation aiming sustainability Léa Yamaguchi Dobbert, Sabrina Mieko Viana, Miriam Stella Rother, Gustavo Nazato Furlan, Márcia Piva, Renata Fernandes Viecili

171 MOBILIDADE URBANA SUSTENTÁVEL PARA A CIDADE DO RIO DE JANEIRO

Sustainable urban mobility for the City of Rio de Janeiro Lourdes Zunino Rosa, Cecilia Herzog e Ricardo Esteves

197 HAFENCITY: MOBILIDADE, ACESSIBILIDADE E ESPAÇOS PÚBLICOS EM HAMBURGO, ALEMANHA.

HafenCity: mobility, accessibility and public spaces in Hamburg, Germany. Pérola Felipette Brocaneli

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Dezembro de 2012Revista LABVERDE n°5 – Sumário

3. ENTREVISTAS

230 MOBILIDADE URBANA SUSTENTÁVEL Sustainable Mobility in Sao Paulo Maria Ermelina Brosch Malatesta

4. DEPOIMENTOS

237 CIDADES E BIODIVERSIDADE: EVENTOS NA ÍNDIA REFLETEM URGêNCIA NESSA CONCILIAÇÃO

Cities and biodiversity: events in India show emergency for such a conciliation Cecília Polacow Herzog

5. COMUNICADOS

245 Normas para Apresentação de Trabalhos

Revista LABVERDE Dezembro de 2012 – ISSN 2179-2275

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1. EDITORIAL

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EDITORIAL

Este número, cujo tema principal foi o da “Mobilidade Urbana Sustentável”, recebeu con-tribuições interessantes de vários pesquisadores, de dentro e fora da USP, que trouxeram bons exemplos de intervenções urbanas pautadas por princípios que atenderam não só à temática da Revista LABVERDE, como também às metas de infraestrutura verde e pre-servação da biodiversidade, como estratégias de resiliência, na conservação dos ecos-sistemas urbanos. Os mesmos parâmetros também foram aplicados ao trabalho deste semestre, na disciplina AUP 5879 - Projeto Sustentável - do curso de pós-graduação da FAU-USP. Desse laboratório foram selecionados os textos do segundo ao sexto artigo, re-lacionados respectivamente com assuntos como: paisagem sonora, proposta do parque linear Brás-Lapa, habitação coletiva, áreas verdes remanescentes e recuperação de cór-regos e áreas úmidas nos bairros paulistanos da Água Branca, Barra Funda e Bom Retiro.

Abre a Revista LABVERDE o artigo de Schutzer, propondo uma análise estratégica do relevo para um planejamento territorial urbano, abordando questões como a importân-cia de se entender a estruturação do relevo como fator fundamental para minimização dos impactos dos usos e ocupações da forma urbana, uma vez que o espalhamento das regiões metropolitanas sobre os territórios é hoje responsável por grande parte dos problemas ambientais em todo o mundo.

O segundo artigo, de Lambertini e Genari, aborda o tema de “paisagem sonora” no trecho em que os trilhos da CPTM separam os Bairros do Bom Retiro e Santa Cecília, onde a dupla realizou sua pesquisa, tendo por hipóteses o rebaixamento da via férrea e a criação do parque linear Brás-Lapa, como elemento integrador dos dois bairros.

Suzumura, no terceiro artigo, parte da hipótese do Parque Linear Brás-Lapa, enquanto cor-redor verde, constituir o elemento principal de um plano de infraestrutura verde e mobilidade sustentável para a cidade de São Paulo, interligando bairros paulistanos do Brás até a Lapa.

O quarto artigo, de Carreño, vê na criação do Parque Linear Brás-Lapa uma oportuni-dade para adensamento de habitação coletiva em suas bordas, dirigido a várias classes de renda, provendo de mobilidade e acessibilidade sustentáveis os bairros adjacentes.

Custódio e Brinker, no quinto artigo, fazem um levantamento das áreas verdes e usos do solo existentes no distrito da Barra Funda, relacionando esses fatores com a “ilha de calor” incidente na área, enfatizando os benefícios de uma proposta consistente de arborização urbana para a amenização microclimática da área de estudo.

No sexto artigo, Langreney e Rioli relacionam os benefícios da recuperação dos cór-

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regos e suas margens, na Barra Funda, como uma oportunidade para a ampliação de uma rede de ciclovias e de calçadas, promovendo a mobilidade e acessibilidade sustentáveis, num novo planejamento urbano pautado na qualidade de vida.

Lima no sétimo artigo defende a idéia de que as inúmeras intervenções urbanas, pre-vistas e em andamento, na cidade de São Bernardo do Campo, poderão reestruturar a mesma, alinhadas a uma política e gestão que acolham um plano de infraestrutura verde e mobilidade sustentável para a cidade e seu município.

O grupo de pesquisadores liderados por Dobbert, no oitavo artigo, preocupados com a crescente motorização da população urbana e a constante pressão do mercado imobiliá-rio sobre a paisagem urbana, em detrimento do bem estar dos cidadãos, trazem uma pes-quisa feita junto a um grupo de pessoas da cidade de Piracicaba, visando a educação e sensibilização sobre o alinhamento das políticas públicas à realidade local, especialmente no que toca as questões de mobilidade e seu impacto no meio ambiente urbano.

O nono artigo, de Rosa, Herzog e Esteves, busca soluções para o desenvolvimento urbano da cidade do Rio de Janeiro, trazendo exemplos de boas práticas em outras partes do mundo, estando aquela cidade na eminência de sediar grandes eventos esportivos de projeção mundial, e tendo a oportunidade de constituir um legado de mobilidade visando a sustentabilidade.

Brocaneli traz, no décimo artigo, a experiência e cuidado de HafenCity, em Hambur-go, na questão da criação de espaços livres públicos em áreas urbanas inundáveis, chamando a atenção para o descuido das políticas públicas, nessa questão, no caso da cidade de São Paulo.

O depoimento de Herzog fala-nos de sua participação em dois eventos na Índia, nes-te semestre, um em Mumbai e outro em Hyderabad, onde o assunto principal foi a questão da incorporação de princípios de biodiversidade no planejamento urbano e regional, tendo por objetivo o equilíbrio ecossistêmico das cidades.

A entrevista com Malatesta fecha esta edição, trazendo-nos a questão da adoção da bicicleta pelos paulistanos como meio de transporte para o trabalho e o lazer, bem como informando-nos sobre problemas surgidos na implantação das ciclovias e ciclo-faixas na cidade de São Paulo.

Tenham todos uma boa leitura!

Maria de Assunção Ribeiro Franco

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2. ARTIGOS

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ARTIGO Nº1

ANÁLISE ESTRATÉGICA DO RELEVO E PLANEJAMENTO TERRITORIAL URBANO: COMPARTIMENTOS AMBIENTAIS ESTRUTURANTES NA

MACROMETRÓPOLE DE SÃO PAULOSTRATEGIC ANALYSIS OF TOPOGRAPHY AND URBAN LAND PLANNING:

STRUCTURING ENVIRONMENTAL COMPARTMENTS IN MACRO-METROPOLIS OF SÃO PAULO

José Guilherme Schutzer

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Revista LABVERDE n°5 – Artigo n°01 Dezembro de 2012

ANÁLISE ESTRATÉGICA DO RELEVO E PLANEJAMENTO TERRITORIAL URBANO: COMPARTIMENTOS AMBIENTAIS ESTRUTURANTES NA

MACROMETRÓPOLE DE SÃO PAULO

José Guilherme Schutzer*

* Geógrafo pela FFLCH/USP, mestre em urbanismo pela FAU/USP, doutor em Geografia Física pela FFLCH/USP, consultor em planejamento territorial e ambiental e professor de Desenho da Paisagem

na Associação Escola da Cidade. Email: [email protected].

RESUMO

O grande espalhamento urbano ocorrido nas regiões metropolitanas mundiais, ainda em intenso movimento de expansão urbana sobre antigos territórios rurais, colocou em evidência que os problemas ambientais que mais impactam os territórios, hoje, são os decorrentes dos processos de urbanização intensiva. Nesse sentido, a deci-são sobre onde e como ocupar um território deve perpassar uma outra análise sobre o relevo, não mais apenas como um elemento estático e passivo, que se amolda aos diversos usos urbanos solicitados, mas com uma abordagem estratégica vinculada ao planejamento territorial e ambiental urbano. Ao destacar as principais linhas e com-partimentos ambientais estruturantes de uma paisagem, sob o aspecto do relevo e dos processos de sua esculturação, pode-se entrever melhor as relações que os pro-cessos urbanos e suas infraestruturas impostas estabelecem com essas porções es-tratégicas da paisagem, podendo direcionar, assim, formas de uso e de ocupação do relevo mais condizentes com os processos urbanos e naturais, objetivando a eleição dos principais setores do relevo destinados aos serviços ambientais da preservação dos espaços de ocorrência dos processos naturais.

Palavras-chave: Planejamento ambiental urbano, geomorfologia urbana, desenho da paisagem, meio ambiente, compartimentos ambientais da paisagem.

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STRATEGIC ANALYSIS OF TOPOGRAPHY AND URBAN LAND PLANNING: STRUCTURING ENVIRONMENTAL COMPARTMENTS IN

MACRO-METROPOLIS OF SÃO PAULO

ABSTRACT

The great urban spreading occurred in metropolitan areas worldwide, still in intense move-ment of urban expansion on old rural areas, evidenced that the environmental problems, which most affect the territories nowadays, are the result of intensive urbanization proces-ses. In this sense, the decision about where and how to occupy a territorial area must pass through a different analysis on the topography, not anymore as just as static and passive element, which conforms to the several urban uses requested for a strategic approach linked to the urban territorial and environmental planning. By highlighting the main lines and environmental structuring compartments of a landscape under the topographic aspect and the processes of its geomorphologic form, it is possible to better glimpse the relationships urban processes and imposed infrastructures establish with these strategic landscape por-tions, which allow to define ways of use and land occupancy more suitable to urban and natural processes, aiming the selection of the main topographic sectors designated to envi-ronmental services for preservation of spaces of natural processes occurrence.

Key words: Urban Environment Planning, Urban Geomorphology, Landscape Design, Environment, Landscape Environmental Compartments.

INTRODUÇÃO

Abordar a categoria relevo nas relações entre sociedade e natureza tem sido objeto dos planejadores do espaço territorial brasileiro, em diferentes escalas de projeto de intervenção urbana.

Na escala regional, o relevo tende a ser abordado de forma mais generalista, observando o conjunto de unidades, caracterizadas por suas formas ou grandes compartimentos, como planaltos, serras e planícies. São os grandes conjuntos que são analisados, sobre-tudo ante as formas de ocupação econômica, entendendo-se que as formas de ocupa-ção agrária são as que mais se relacionam com as alterações fisiográficas e fisionômicas da paisagem, dando menor relevância para os efeitos da urbanização do território.

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Já na escala local, a tendência recai sobre a investigação da cidade e da zona ru-ral próxima, aquela de interesse periurbano, ou de expansão urbana. Nesta escala, observa-se a ocupação das vertentes e dos fundos de vale inseridos nos relevos de morros, colinas e planícies. Assim, analisam-se setores de um conjunto de formas de relevo, individualizadas em espigão, morros, colinas, várzeas, terraços, fundos de vale, dando-se pouca atenção aos conjuntos de relevo que exercem um maior contro-le sobre os processos de funcionamento da paisagem.

O relevo é tratado, tanto na escala regional como na local, sob o enfoque antropocên-trico (Casseti, 1995, p. 35), tido como um recurso natural, mas importante naquilo que ele desempenha para o homem, inserido em um território e parte constituinte deste. Dessa forma, sua análise tem significância, quando a abordagem se relaciona com o território usado, sinônimo de espaço geográfico, portanto, categoria de análise geo-gráfica. (Santos, 2008, p. 19).

É fato que o relevo deve ser entendido como herança de processos passados, natu-rais e sociais, e como recurso atual da sociedade, mas também como herança para as sociedades futuras. Neste sentido, ganha relevância a análise das formas de ocu-pação e de utilização do território, e, contidas dentro dessa categoria, as formas de utilização e de apropriação do relevo.

Como os usos são diferentes, nos diversos momentos da história das sociedades, cada um carrega um peso diverso, entre novidade e heranças registradas nas formas do relevo e da paisagem (Santos, 2008, p. 20). O uso do território se intensificou, a partir do início do século passado, à medida que o crescimento populacional explodia em termos mundiais. Com a intensificação da urbanização, a partir da segunda meta-de do século XX, um número cada vez menor de lugares passa a abrigar um número cada vez maior de pessoas, significando uma maior divisão do trabalho e, ao mesmo tempo, uma imobilização relativa, que é também resultado de uma fluidez aumentada no território. (Santos, 2008, p. 21).

Nesse contexto, a urbanização modifica seu conteúdo, alterando e imobilizando uma maior parte do território, diminuindo e restringindo os espaços de domínio dos objetos da natureza, incluindo até a restrição dos espaços agrários (rurais).

O relevo é apropriado cada vez mais, e com mais intensidade, pelos usos urbanos. No contexto da cidade moderna, da organização territorial alinhada a um controle cen-

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tralizado e hierarquizado das redes urbanas, decorreu uma tendência à compactação da mancha urbana da cidade e das áreas que se metropolizavam. Já no contexto da cidade contemporânea, descentralização e dispersão caracterizam o desenho das funções e morfologia da ocupação em curso1. No primeiro caso, todos os comparti-mentos do relevo, desde várzeas, fundos de vale, variados tipos de vertentes, topo de morros de diversos matizes, foram sendo ocupados pelos usos e funções nitidamente urbanas. No segundo, fragmentos do mundo rural ou natural (incluindo a segunda na-tureza) vão figurando em espaços intersticiais à ocupação que se efetiva, em face da fluidez aumentada sobre o território. Neste contexto, as infraestruturas de mobilidade tendem a imobilizar uma porção cada vez maior de áreas urbanas e rurais, e ampliam sua interferência sobre o relevo e sobre as condições ambientais, sobretudo em virtu-de de sua natureza linear.

Como acentuou Soja (1994, p. 154),

[...] as dinâmicas do desenvolvimento metropolitano já não são, hoje, tão decididamente monocêntricas, tão determinadas por um modo singular-mente polarizado de forças centrífugas e centrípetas, por um padrão de crescimento urbano que gira em torno de um centro definitivo da cidade.

Disso decorre uma expansão horizontal sem precedentes da urbanização, e um im-pacto sobre o relevo e sobre o ambiente local, também, até então, não imaginável.

A urbanização extensiva sobre o território, no contexto abordado por Monte-Mór (1994), também impulsionou um redirecionamento do próprio entendimento do con-ceito de natureza e da sua relação com a sociedade. É nesse sentido que é possível afirmar, como Santos (1994, p. 15), que hoje a natureza é histórica, inclusive o chama-do “meio ambiente”, e que seu valor local se torna relativo, ou, em todo caso, relativi-zado. Assim é que, quando jovens, percebíamos como natureza uma paisagem rural já totalmente modificada pela ação humana.

O homem torna-se, na atualidade, um dado da valorização dos elementos naturais, porque é capaz de ação. O sistema natureza ganha, assim, um novo significado. É

1 Essas características foram analisadas em capítulo da tese de doutorado - “Dispersão urbana e apropriação do relevo na macrometrópole paulista” - apresentada à FFLCH-USP, em agosto de 2012.

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nesse sentido que Santos (1988, p. 90) argumenta que “o homem é sujeito, enquanto a terra é objeto”, pois ele utiliza “suas forças intelectuais e físicas contra um conjun-to de objetos naturais que seleciona como indispensáveis para se manter enquanto grupo”. Mas, se o homem tem poder de modificar a intensidade da ação das forças da natureza, esta também impõe aos grupos humanos a necessidade de adaptações, ou seja, em qualquer escala da intervenção humana sobre a natureza, o progresso técnico não elimina a ação da natureza e algumas das imposições territoriais, dentre elas, a de certas situações do relevo (Santos, 1988, p. 91)2.

A COMPARTIMENTAÇÃO DA PAISAGEM COMO ETAPA PARA A SÍNTESE DA PAISAGEM E DO RELEVO

Na integração das diversas leituras temáticas que se podem extrair de uma paisagem, ou de um território, a sobreposição de cartas, mapas físicos e das infraestruturas existentes é um dos recursos utilizados, para se distinguir unidades de paisagens, segundo suas características físicas e critérios de homogeneidade ou heterogeneidade. Não se pode negar certa dose de interpretação contida neste método, em virtude da visão seletiva de quem analisa os diversos layers que carregam as informações daquela paisagem.

Tem-se denominado “unidades de paisagem” às separações e agrupamentos de ti-pologias afins, sejam elas de padrão uniforme ou complexo. Essas unidades de pai-sagem são distinguidas segundo as variadas categorias selecionadas para a análise, desde as que se baseiam predominantemente nos aspectos físicos, ou em parte dos elementos físicos da paisagem, até as abordagens que incluem temas do universo social e econômico da paisagem estudada.

De outro lado, na produção de sínteses interpretativas da base física, um recurso cos-tumeiramente utilizado na Geografia Física e na Geomorfologia tem sido a comparti-mentação preliminar do relevo, incluindo o estudo de suas formas, como método de simplificar a leitura da paisagem observada em poucas unidades tipológicas, para que delas se possam extrair elementos que se constituam em premissas de abordagens propositivas. Para Ab’Saber (1975), “toda paisagem possui uma certa compartimenta-ção de relevo”. Como a superfície do planeta apresenta porções de território altas e

2 O homem não comanda as intempéries, mas tem conhecimento prévio de sua eclosão. (Santos, 1988, p. 92)

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baixas, formas aguçadas ou planas, homogêneas ou complexas quanto à ocorrência de suas formas, é relativamente fácil extrair do relevo uma leitura de seus comparti-mentos. Numa primeira aproximação, pode-se dizer que essa leitura está representa-da por aquilo que se convencionou designar por planaltos, planícies e serras.

Dessa forma, entende-se, por compartimento de relevo, qualquer conjunto topográfico situado entre áreas topograficamente mais elevadas, ou aqueles situados entre áreas topograficamente mais baixas. (Ab’Saber, 1975). É claro que esse primeiro escalona-mento do relevo assume características internas diferenciadas, em função das cotas de altitude predominantes, da estrutura superficial da paisagem e da ossatura geoló-gica que o sustenta, bem como dos diversos arranjos de padrão de formas de relevo, passíveis de ocorrer em função das dinâmicas climáticas atuais e pretéritas.

Em Geomorfologia, segundo Ab’Saber (1969), o que se pretende com a compartimen-tação do relevo vai um pouco além do mero escalonamento topográfico da superfície. Ele entende que “desde que se faça também o estudo dos diferentes tipos de depósi-tos superficiais e considerações adequadas sobre sua significação paleogeográfica”, o que se almeja mesmo é um estudo da compartimentação da paisagem, sendo estes compartimentos derivados de uma gênese evolutiva desencadeada pelos processos de funcionamento da paisagem pretérita e pelos processos atuais que possam indicar tendências evolutivas futuras.

Assim, toda paisagem pode ser dividida em compartimentos, setores e unidades, se-gundo critérios que se estabelecem para a análise a ser empreendida.

A COMPARTIMENTAÇÃO TOPOGRÁFICA

A compartimentação topográfica é uma técnica de abordagem do relevo, e um nível de pesquisa considerado elementar na Geomorfologia, embora muitos pesquisado-res desconsiderem a importância dessa análise preliminar da paisagem, nos estudos geomorfológicos. É certo que, muito além do que havia expressado Ab’Saber, em 1969 (p. 3), quanto ao extraordinário desenvolvimento da cartografia àquela época e a disponibilidade de cartas topográficas e fotografias aéreas, não há muito o que fazer no campo da compartimentação dos terrenos, pois as ferramentas de que se dispõe facilitam sobremaneira a visualização da compartimentação topográfica de uma pai-sagem, em um nível muito superior ao obtido pelo trânsito na área.

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Ab’Saber, defensor desse método básico de pesquisa geomorfológica, explicava, em 1969 (Ab’Saber, 1969, p. 3-4), a importância dessa abordagem do relevo, para a inte-ração com as disciplinas vizinhas, bem como para facilitar a compreensão do relevo e sua dinâmica, pelos profissionais de diversos ramos do saber implicados com o planejamento e o uso do território. Para esse autor, a compartimentação topográfica se relaciona com os níveis topográficos e com os depósitos superficiais ou estruturas rochosas do embasamento, e também com a posição relativa entre eles. É por isso que fica implícito, no estudo da compartimentação topográfica da paisagem, aspectos da própria fisiologia da paisagem. Por isso, a importância e a validade do método, conforme sugeria Ab’Saber.

Na Geomorfologia, a compartimentação topográfica corresponde à individualização de um conjunto de formas com características semelhantes, em que se admite que tenham sido elaboradas em determinadas condições morfogenéticas ou morfoclimá-ticas parecidas, e/ou que apresentem relações litoestratigráficas oriundas de uma mesma gênese. A interpenetração das diferentes forças ao longo do tempo leva à individualização e à caracterização das formas de relevo, da situação topográfica ou altimétrica, bem como da existência de traços genéticos comuns.

A expressividade dessas forças atuantes na elaboração do modelado depende tanto da intensidade, quanto da duração dos fenômenos, e, nesse sentido, a compartimen-tação topográfica visa evidenciar o resultado dessas relações processuais e respec-tivas implicações tectônico-estruturais registradas ao longo do tempo, que tendem a originar formas diferenciadas, em face das alternâncias climáticas e das variações estruturais. Portanto a compartimentação topográfica visa, em suma, diferenciar con-juntos, por formas e processos atuantes.

Dentre os subsídios que a compartimentação do relevo, na perspectiva geomorfo-lógica, oferece ao planejamento territorial urbano, destacam-se a vulnerabilidade e a potencialidade. Considera-se vulnerabilidade o indicador da suscetibilidade erosiva do relevo, tanto em condições naturais, quanto prognosticáveis, em fun-ção de determinados usos ou tipo de ocupação. Já a potencialidade tem a ver com determinadas individualidades, que podem ser racionalmente apropriadas para fins específicos, como o caso de áreas portadoras de depósitos de cobertura com fertilidade natural, destinadas a atividades agrícolas; ou o potencial mineral; ou ainda morfologias especiais, como as cársticas e falhadas, voltadas à explo-ração turística.

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A metodologia utilizada nos estudos de compartimentação do relevo depende da dimensão ou da escala do estudo, que deverá estar ajustada a um determinado ní-vel taxonômico. Depende também dos objetivos e do nível de abordagem proposto para o estudo. A função da compartimentação é subdividir o relevo em unidades que permitam tratamento individual, em função de sua ordem de grandeza. Como já mencionado, essas unidades são representadas por meio de um conjunto de formas de relevo que guardam similitude e posição altimétrica individualizada, po-dendo ser divididas em subunidades que identifiquem particularidades regionais, pelo posicionamento altimétrico e fatores genéticos. A própria classificação do re-levo apresentada desde os mapas escolares já se trata de uma compartimentação da paisagem. Planaltos, planícies, depressões são termos que evocam comparti-mentos de relevo.

A elaboração de perfis dessa compartimentação topográfica é uma prática asso-ciada à elaboração da cartografia geomorfológica, facilitando a visualização dos compartimentos e a posição relativa em que se encontram. A análise e descri-ção das formas de relevo associadas a cada compartimento proporcionam uma primeira aproximação mental e dedutiva, acerca da fisiologia da paisagem em operação naquela porção do território. Evidentemente, não é possível ao pesqui-sador a abordagem analítica dos complexos indicadores das ações morfológicas, pedogênicas e hidrodinâmicas integradas de uma paisagem. No entanto, a sim-ples consciência desses fatos já constitui um bom ponto de partida, para iniciar o entendimento daquela paisagem.

A COMPARTIMENTAÇÃO AMBIENTAL

Diferente da compartimentação topográfica, a compartimentação ambiental introduz, de forma enfática, na compartimentação topográfica, a ideia de valores de uso e de ocupação do relevo para a sociedade urbana. À fisiologia da paisagem, que conduz a esculturação evolutiva do relevo, associa-se o funcionamento da sociedade, por meio do funcionamento da cidade e do campo, das ações humanas e do acréscimo de formas artificiais da engenharia humana. A compartimentação ambiental, na forma aqui analisada, visa associar, ao compartimento de relevo, sua aptidão ou fragilidade em responder às funções urbanas que lhe quer dar a sociedade. Portanto trata-se de um conceito de cunho eminentemente urbano, operacional, para avaliar e planejar a urbanização de um território.

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Não se quer dizer, com isso, que a compartimentação topográfica feita nos estudos de geomorfologia não relacione as fragilidades e potencialidades dos compartimentos para a sociedade. No entanto, trabalha com diretrizes gerais, enquanto a comparti-mentação ambiental visa subsidiar o desenho urbano e a urbanização do território, com uma leitura estratégica do relevo, para fins propositivos de escolha efetiva dos espaços a ocupar ou preservar.

Na realidade, as duas formas de compartimentação do relevo, a topográfica e a am-biental, parecem mesmo ser a mesma coisa. A compartimentação topográfica é uma etapa da análise ambiental. Ou seja, para se chegar a uma compartimentação am-biental, é necessário realizar uma primeira aproximação dela, que se faz por meio de uma compartimentação topográfica minuciosa. Somente após, introduz-se a análise valorativa dos compartimentos topográficos. Quais são suas potencialidades e fragili-dades, para responder às necessidades de uso e ocupação do solo para fins urbanos e periurbanos? Não estamos falando aqui de necessidade de preservação ambiental, pois esta faz parte das necessidades de uso do território. Hoje já é compreensível, para a maior parte das pessoas, que o uso intensivo dos recursos da natureza requer espaços de preservação, dos recursos e dos processos naturais.

Então, quais são os valores associados à compartimentação ambiental da paisagem? Pode-se dizer que o valor central, para a sociedade, é a manutenção de certa esta-bilidade dos processos naturais, ou seja, um equilíbrio dinâmico e dialético entre os processos urbanos e processos naturais, que permita a sustentabilidade do território. Mas que sustentabilidade é essa?3

Se observarmos sob o ponto de vista do conceito de geossistema, é necessário ga-rantir as propriedades sociorreprodutoras do sistema local, ou seja, assegurar espa-ços para a reprodução social do morar, trabalhar, ter lazer, produzir alimentos e re-cursos materiais (mineração, silvicultura etc., ou seja, propriedades geoeconômicas). Portanto, para que isto se dê, a pergunta que se faz deve versar sobre quais são os compartimentos de relevo que possuem maior ou menor aptidão para o desempenho dessas funções necessárias à sociedade, relativos ao espaço em que se está pla-nejando o uso e ocupação. Qual é o seu potencial de uso ou de ocupação? Pode-se

3 Fazemos referência à sustentabilidade em um sentido genérico, referente à manutenção de certas condições de estabilidade da vida social em relação ao ambiente, à natureza. Não é intenção entrar no mérito da discussão de sustentabilidade, que, embora em voga e na moda, é bastante controverso e eivado de carga ideológica.

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até relacionar a esta pergunta qual é a segurança de seu uso, se pensarmos na cor-riqueira condição de ocupação destinada às populações de baixa renda, que habitam áreas alagáveis ou encostas sujeitas a riscos de deslizamento. Acrescente-se aqui, também, a presença de valores culturais instalados no compartimento, ou ainda aque-les relativos ao próprio valor sentimental de uma paisagem natural.

Por outro lado, a sustentabilidade do território também perpassa a garantia das pro-priedades geoecológicas da paisagem em uso e com planos de expansão. Aqui se fala das propriedades biofísicas da natureza, da qual o relevo faz parte. Trata-se de se perguntar quais compartimentos prestam serviços ambientais importantes para a sociedade, como o fornecimento de água potável, zonas de amenização climática por meio de florestas, bosques, lagos, ou por abrigar reservatórios etc. Inclui-se também a necessidade de manutenção da biodiversidade dos biomas, ou as áreas de refúgio de fauna ou de sua reprodução, refúgios da flora e outras potencialidades paisagísticas. Aqui se quer destacar a importância da manutenção dos recursos da natureza, mas também a dos processos naturais.

Portanto, na análise geomorfológica da compartimentação topográfica, a fim de se compreender a cinemática da paisagem, inquiria-se a fisiologia da paisagem, no que concerne a modelos predominantemente naturais ou de pouca interferência humana. Mesmo quando esta interferência existia, a análise tendia à constatação, e muito pou-co à obtenção de prognósticos do futuro da paisagem.

Entendida desta maneira, a compartimentação ambiental poderá não coincidir com o detalhamento proposto pela compartimentação topográfica. Compartimentos topográfi-cos diferentes poderão ter a mesma função para os interesses sociais, naquele momen-to, ou naquela sociedade. Assim, poderão configurar um só compartimento ambiental.

Percebe-se, desta forma, que a compartimentação ambiental é uma síntese da paisa-gem, naquilo em que esta interessa para a urbanização do território. Assim, compar-timentos ambientais serão mais bem definidos nas áreas mais urbanizadas ou den-samente povoadas, pois se faz necessária uma ordenação do uso do território, para explorar as potencialidades e preservar as áreas de maior fragilidade ambiental, ou necessárias à manutenção do equilíbrio urbano. Nas áreas pouco povoadas, ela tam-bém pode ser importante, no sentido de direcionar o crescimento e o uso do território, mas, em virtude da pequena escala da urbanização, ante os demais espaços agrá-rios e naturais, a compartimentação ambiental perde relevância. Outros instrumentos,

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como o Zoneamento Econômico-Ecológico, são mais apropriados ao planejamento territorial de grandes regiões. Nas áreas fracamente povoadas, a condição é seme-lhante, em termos de impactos ambientais, ao que ocorria, no passado, em cidades e áreas rurais de pequena expressão populacional, em que os impactos ambientais da urbanização (incipiente) eram plenamente absorvidos pela natureza local.

A compartimentação ambiental visa entender a fisiologia de cada compartimento e sua função na paisagem, os impactos que recebe de processos desenvolvidos em outros compartimentos, ou aqueles que induz ou provoca nos demais compartimentos da pai-sagem. Nesse sentido, interessa também, como valor ou necessidade, inquirir sobre o estágio de degradação da paisagem e do compartimento, e sua situação de resiliência.

Os compartimentos assim analisados podem sugerir estratégias e índices de uso e ocupação, ou até de preservação. Revelam, também, suas potencialidades para ou-tros usos, que até então não haviam sido chamados a executar-se.

Nesse contexto, um aspecto importante, na análise da compartimentação ambiental, vem a ser a questão de sua abrangência em superfície, ou seja, da dimensão de cada compartimento ambiental, e de sua área de influência ou de impacto, seja negativo ou positivo, para a manutenção dos indicadores de qualidade ambiental. Cabe avaliar se um compartimento sofre impactos provenientes de muitos outros, ou de uma vas-ta área; ou, então, se o compartimento promove impactos a uma área relativamente grande. Nessa mensuração, concorre a análise da superfície de contato com a dinâ-mica do clima (radiação, chuvas, emissividade de calor, influência na circulação do ar) e com a dinâmica da água (escoamento, infiltração, percolação, erosão laminar, erosão), assunto já abordado por este autor no livro “Cidade e Meio Ambiente: a apro-priação do relevo no desenho ambiental urbano” (Schutzer, 2012).

É certo que, muitas vezes, poder-se-á confundir a compartimentação ambiental da paisagem com a identificação de unidades de paisagem, conceito muito utilizado re-centemente por geógrafos, arquitetos, urbanistas, biólogos e ecologistas de diversos matizes. E também com a definição de zoneamento ambiental e zoneamento eco-nômico-ecológico. Ou, ainda, com as unidades geomorfológicas de uma paisagem, muitas vezes mais associada ao conjunto de formas de relevo homogêneas.

De fato, todos esses estudos se baseiam também na identificação das potencialida-des e fragilidades, para fins de uso do território e de seus recursos para a sociedade,

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como subsídios à gestão do território. No entanto, há que se ressaltar diferenças de escala importantes. Como exemplo, cita-se o caso do Zoneamento Ecológico-Econô-mico da Amazônia Legal, que, mesmo fundamentado nos conceitos ecodinâmicos de Tricart (1977), tendo o relevo como componente básico, foi realizado em uma base cartográfica na escala 1:250.000, portanto, uma abordagem de nível regional, rela-cionando grandes diretrizes de utilização do território. Neste caso, realiza-se uma macrocompartimentação topográfica da paisagem. Dentro de cada conjunto, tem-se uma rede de cidades em desenvolvimento, em que cada componente da rede realiza sua relação dialética com um relevo local, pouco detalhado em seus compartimentos, em virtude da escala trabalhada (1:250.000).

Tanto a compartimentação topográfica, como a compartimentação ambiental não apresentam uma escala definida, pois dependem de cada situação regional e local da paisagem. Entretanto, para a compartimentação ambiental, há que se ter uma finalidade de uso urbano do território, senão ela perde sentido e utilidade. Portanto a compartimentação ambiental está intrinsecamente ligada às áreas de ocupação humana mais densa.

COMPARTIMENTOS AMBIENTAIS ESTRUTURANTES

Com base no exposto até aqui, é possível falar, então, de compartimentos ambientais estruturantes de uma paisagem. Estes se definem como aqueles que colaboram em maior grau para a preservação dos valores associados aos compartimentos do terri-tório estudado, sobretudo daqueles valores relativos às propriedades geoecológicas do território. Trata-se, assim, de uma avaliação estratégica do relevo e das condições físico-ecológicas, para fins de ocupação e de preservação, preservação essa em du-plo sentido: a dos recursos de flora, fauna, água e solos férteis, e a da preservação dos processos naturais sem alterar em muito sua intensidade normal.

Vem agregada, a essa identificação, uma noção de escala de abrangência do com-partimento estruturante dos processos naturais e urbanos, ou seja, aquele conjunto – compartimento ou setor dele – que mais interfere nos processos naturais da região estudada, e que mais colabora na preservação do equilíbrio natural-urbano e dos re-cursos naturais imprescindíveis à vida da cidade, como água potável, clima ameno, entre outros. Os compartimentos estruturantes são aqueles dos quais derivam influ-ências (positivas ou negativas) aos demais compartimentos, ou então aqueles que re-

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cebem interferência de uma vasta área, de outros compartimentos, interferência essa em duplo sentido, o de impactos diretos e o da indução de processos.

São estruturantes, também, aqueles compartimentos que possam agregar condicio-nantes ecológicas importantes para a preservação da flora e da fauna associada, como a criação de corredores ecológicos, a junção de áreas de concentração de nas-centes e seus anfiteatros, a preservação das margens (APPs) dos mais importantes canais de drenagem, a preservação das encostas íngremes de compartimentos que interferem na circulação dos ventos etc. Nesse sentido, um compartimento ambiental estratégico é aquele que colabora para combater a fragmentação da paisagem, no sentido da preservação dos biomas e habitats para a fauna, como também o que mais colabora para regulação da ocorrência dos processos naturais relativos às dinâmicas da água e do clima.

Qual deve ser, então, a posição de um compartimento estruturante, na paisagem? Como já mencionado, existem compartimentos que influenciam ou impulsionam a ativação ou a intensificação dos processos naturais de outros compartimentos. Como exemplo, podem ser citadas as regiões serranas; os grandes alinhamentos de divisores de água, que determinam a intensidade do escoamento superficial e interferem na circulação atmosférica; aqueles que regulam a oferta de água duran-te o ano etc. Existem aqueles outros compartimentos que recebem influência dos demais, ou de uma área expressiva, como as grandes várzeas ou planícies costei-ras, ou embutidas em macrocompartimentos de planalto. O exemplo clássico dessa influência está na ocorrência das cheias naturais dos rios, ou nas enchentes que impactam a vida das cidades.

Dessa forma, existem compartimentos indutores de processos, e compartimentos re-ceptores de processos, ou seja, para onde se dirigem e onde se concentram proces-sos induzidos em áreas distantes de outros compartimentos.

A mensuração do tamanho da área de influência é, de certa forma, uma tarefa mais subjetiva, pois derivaria de estudos mais complexos e detalhados da fisiologia da paisagem, objeto dessa avaliação estratégica do relevo. É mais tranquila a determi-nação da influência indutiva ou passiva dos processos relativos à dinâmica da água, pois ela é dada e controlada, em boa parte, pela delimitação das bacias hidrográfi-cas. Nesse sentido, tanto os divisores de água, quanto os fundos de vale receptores da água infiltrada, escoada ou percolada em seu entorno podem ter sua delimitação

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mais precisa. Para os divisores de água, serão os canais principais de drenagem de seu entorno. Para os fundos de vale, serão os divisores de água de seu entorno. Pode-se perceber, pela descrição, que essas delimitações podem se imbricar na paisagem, induzindo a avaliação da importância de toda essa região, na preserva-ção dos processos naturais.

Já para a dinâmica do clima, essa mensuração é mais difícil, por isso, torna-se mais subjetiva, devendo ser balizada por indicadores que possuem implicações com a circulação atmosférica (barreiras ao vento e indução de chuvas orográficas, canalização dos ventos, na dispersão de poluentes, na conformação das ilhas de calor, nos índices de umidade relativa do ar, na mensuração da temperatura de superfície etc.).

Entre os dois elementos da paisagem citados, que configurariam compartimentos ambientais estruturantes, os divisores de água - indutores de processos - e os fundos de vale – receptores –, estão os setores de vertentes que interligam essas duas linhas estruturantes da paisagem. Essas vertentes podem ter declividades suaves ou elevadas, e são as áreas por onde passam e se desenvolvem os pro-cessos naturais. Seriam, assim, áreas receptoras e transmissoras, ao mesmo tempo, mas não somente, pois nelas também se desenvolvem processos naturais que induzirão impactos a jusante, ou seja, distribuindo-os para outros comparti-mentos. Portanto, embora se configurem em áreas mais passíveis de ocupação urbana, quando não muito íngremes, elas também devem ser objeto de regulação da forma e intensidade de sua ocupação, quando se constituam em indutoras de processos para outros compartimentos, principalmente para aqueles considera-dos estruturantes.

A percepção do relevo pelo homem sempre ressaltou esses dois elementos signifi-cativos de uma paisagem – os rios e os morros, vales e serras. Nestes, os grupos humanos buscavam definir seus caminhos, suas trilhas, aproveitando tanto os fundos de vale, como os alinhamentos de divisores, como percursos mais suavizados do re-levo e com menores interrupções bruscas do caminho. São, portanto, compartimentos de relevo que sempre interessaram à mobilidade do homem, e por onde foram sen-do implantadas as infraestruturas fixas de ferrovias, estradas, e, mais recentemente, rodovias e avenidas (fundo de vale). Buscavam, também, ora a proximidade com a água, ora a segurança das vistas de paisagem, o controle do território por meio de localizações escolhidas, de eixos visuais abrangentes.

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Nesse sentido, como ilustração, vale apreciar o mapa topográfico de 1875 (Figura 1), em que aparecem, em destaque, essas grandes linhas da paisagem, que sintetiza-vam, para a época, as feições mais relevantes do relevo, que se impunham como obs-táculos ou como oportunidades. Observe a expressão dada ao desenho dos divisores de água das suaves colinas do interior, situadas na depressão Periférica. Tratava-se dos principais caminhos de penetração por terra, para o sertão de São Paulo, livres da transposição dos afluentes do rio Tietê e dos outros rios que tinham seu curso na direção do interior (noroeste). Ou, então, a partir da passagem do planalto Atlântico para a depressão Periférica, poder-se-ia atingir o interior do Brasil pelos rios navegá-veis, como o rio Tietê.

COMPARTIMENTOS AMBIENTAIS ESTRUTURANTES DA MACROMETRÓ-POLE DE SÃO PAULO

A identificação dos compartimentos ambientais estruturantes na macrometrópole de São Paulo aqui apresentada tem apenas caráter exploratório, em face da escala tra-

Figura 1 – Mapa Topográfico da Província de São Paulo – 1875. Fonte: Godoy (2007)

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balhada e dos objetivos assumidos na hipótese da pesquisa4, da qual este artigo é um pequeno recorte. Não se pretendeu elaborar um mapeamento preciso da área de cada compartimento, bem como de seus limites divisórios com outros compartimen-tos. Na leitura estratégica do relevo, para a identificação dos compartimentos am-bientais estruturantes da paisagem, observou-se o critério de identificar os conjuntos indutores e os receptores de processos das dinâmicas do clima e água. Num segundo momento, verificou-se a extensão de cada conjunto ou compartimento, e a sua área de influência, principalmente no que tange à dinâmica da água, especialmente a do escoamento superficial.

Para identificar os principais compartimentos ambientais indutores de processos natu-rais, ou seja, aqueles potencializadores da intensidade desses processos em face da energia que dissipa, foram levantados os principais divisores de água das bacias hi-drográficas existentes na área estudada, sobretudo aqueles onde se encontram maio-res altitudes e desníveis topográficos. Portanto são os divisores de água compostos pelos alinhamentos serranos e/ou de topo de morrarias que compõem uma parte des-se quadro das linhas estruturantes de uma paisagem.

Mas não são todos os divisores que satisfazem essas exigências de altitude e desní-vel topográfico mais pronunciado. Aliam-se, a esses dois elementos, a extensão do alinhamento do divisor pela paisagem, e a área de influência de seus efeitos. Assim, incorporam-se a esses compartimentos ambientais estruturantes as principais áreas de concentração de nascentes, os principais anfiteatros de nascentes, e os principais alinhamentos que as unem. Dessa forma, teremos satisfeitas exigências ecológicas de corredores que interligam essas áreas de concentração de nascentes. Os limites desses compartimentos de topo, quando mapeados em escala apropriada, serão da-dos pelas linhas de ruptura de declividade das vertentes, que incorporem os setores de topo e das encostas de alta declividade.

De outro lado, atentou-se para as principais áreas receptoras de processos naturais induzidos de outros compartimentos mais elevados. Nesse sentido, o olhar se direcio-nou aos fundos de vale, ou seja, para as áreas mais baixas do relevo, baixas no senti-do relativo, pois em relação ao entorno imediato dessas áreas. Assim, reconhecem-se

4 Trata-se da tese de doutorado apresentada à FFLCH/USP, em 2012, sob o título “Dispersão urbana e apro-priação do relevo na macrometrópole de São Paulo”.

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os principais canais de drenagem da rede hidrográfica local e regional, ou seja, os ca-nais coletores de cada bacia ou sub-bacia. Dessa forma, tem-se o segundo conjunto de linhas estruturantes da paisagem.

Os mapas das figuras 2 e 3 visam ilustrar esses elementos estruturantes da paisagem da área da macrometrópole de São Paulo. Para melhor visualização, optou-se pela utilização de uma base antiga, porém de fácil leitura. Trata-se de uma figura, publica-

da em 1958, no livro “A cidade de São Paulo: estudos de geografia urbana”, organizado por Aroldo de Azevedo, referente ao mapa hipsométrico da região de São Paulo e áreas vizinhas. No mapa da Figura 2, estão representados os principais compartimentos am-bientais estruturantes que assu-mem uma posição de indutores de processos da natureza que perpassam pela superfície. Como já mencionado, trata-se dos prin-cipais divisores de água do relevo, que delimitam as bacias hidrográ-ficas aí existentes. Neste mapa, já é possível perceber que alguns destes compartimentos são mais expressivos, pois formam um line-amento mais contínuo e longo, e também apresentam uma largura mais pronunciada.

Nesse sentido, pode ser destacado o conjunto de serras que formam os contrafor-tes da serra do Mar e o conjunto da serra da Cantareira. Os contrafortes da serra do Mar constituem-se em uma borda de planalto cujos divisores estão alinhados entre 750 e 850 metros de altitude. Forma toda a borda sul-sudeste da bacia do Alto Tietê, onde nascem os principais rios que drenam a região de São Paulo. Essas cabeceiras de drenagem se estendem por aproximadamente 140 km, de Salesópolis a Embu-Guaçu.

Figura 2 – Desenho esquemático dos principais com-partimentos ambientais estruturantes da paisagem – li-neamento de divisores de água. Fonte: Azevedo (1958), adaptado pelo autor.

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Já o conjunto formado pela serra da Cantareira, serra do Itaberaba e serra da Pedra Branca, passando pelo setor do pico do Jaraguá e morro Botucavaru, na região de Alphaville, caracteriza-se por um expressivo lineamento serrano, que se estende por aproximadamente 90 km, desde Piracaia - Igaratá, até Barueri. A altitude média fica em torno de 1.100 m (Cantareira, Jaraguá). A serra do Itaberaba apresenta as maiores elevações, em torno de 1.300 m, enquanto a serra de Pedra Branca se situa em torno de 1.000 metros. Na região de Alphaville, o morro do Botucavaru se nivela em torno de 800 a 900 metros.

Um terceiro conjunto expressivo de lineamento de divisores pode ser reconhecido en-tre os rios Tietê - Juqueri e Jundiaí. É formado pelo conjunto de serras que se estende desde Atibaia até Jundiaí, separadas por colos estreitos ou mais alongados, mas que formam um mesmo alinhamento, constituído pelas serras da Pedra Vermelha, do Bo-turuju, Juqueri, dos Cristais e do Japi. As altitudes começam em torno de 1.200 m, na serra da Pedra Vermelha, decaem para 1.100 m, na serra do Juqueri, ficam em torno de 1.000 m, nas serras do Boturuju e dos Cristais, e se elevam novamente para 1.200 m, na serra do Japi.

Influências estruturais impostas pela história geológica do embasamento cristalino do planalto Atlântico, nessa região, colaboraram para a configuração de uma rede de dre-nagem de tipo retangular, em alguns setores que apresentam interflúvios pouco dis-tantes. Isto pode ser observado nos divisores de água das bacias dos rios Atibaia e Jaguari; e entre o rio Atibaia e o rio Jundiaí. Como se pode observar no mapa da Figura 2, esses divisores formam lineamentos razoavelmente extensos, porém estreitos. For-mam compartimentos ambientais localmente importantes para os municípios de Atibaia, Bragança Paulista, Itatiba, Campo Limpo Paulista, Jarinu, Jundiaí, Louveira e Vinhedo.

O divisor de águas dos rios Atibaia e Jaguari é formado por algumas serras conheci-das localmente por serra do Juncal, entre Piracaia e Joanópolis; montanha Leite Sol, em Bragança Paulista; e serra das Cabras, em Morungaba. As altitudes vão declinan-do, desde os 1.000-1.100 metros, na região das cabeceiras em Piracaia e Bragança Paulista; entre 900 e 1.000 metros na serra das Cabras; declinando consideravel-mente, quando deixa os terrenos cristalinos e adentra a depressão Periférica, ficando entre 600 e 700 metros na região de Jaguariúna.

As principais serras dessa região estudada, assim como os principais divisores de água das bacias que drenam esse território, apresentam forte controle estrutural, de-

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rivado da presença de falhas ou saliências de intrusões graníticas. Além disso, a pro-vável existência de dois ciclos erosivos antigos de aplainamento da superfície foram objeto de investigação de muitos geólogos e geomorfólogos, e estão relatados nas obras de Almeida (1958) e Ab’Saber (1958), dentre outros. O nivelamento das cristas dos principais divisores de água dessa região do planalto Atlântico sugere a existên-cia, na história dessa paisagem, de uma superfície de aplainamento em torno dos 1.100 metros, e outra nivelada na faixa dos 800 metros, cujos topos se confundem com os das camadas terciárias da bacia sedimentar de São Paulo.

A maior parte do conjunto de serras que ocorre nessa região da macrometrópole de São Paulo tem constituição granítica, e tem suas cristas niveladas a 1.100 ± 50 me-tros. O conjunto litológico do planalto Atlântico, nessa região, apresenta-se dominado por rochas graníticas e numerosas intercalações de xistos e gnaisses, restos do teto do batólito granítico, que, devido à erosão diferencial de resistência dessas rochas, ressaltou na paisagem a presença desses conjuntos serranos graníticos.

Cabe salientar que os terrenos derivados da decomposição de rochas graníticas apre-sentam solo de alteração de rocha altamente suscetível à erosão, quando exposto por cortes em obras viárias e de edificação, sem o tratamento adequado. Assim, em face das declividades das vertentes, preponderantemente elevadas nessas regiões serranas, ou em suas morrarias do entorno, não é recomendada a ocupação urbana, sobretudo para loteamentos para a população de baixa renda, realizados com intenso parcelamento, em lotes pequenos.

Em termos de expressão territorial de sua influência na dinâmica da água e na cir-culação atmosférica, dentre outros fatores naturais e socioambientais, o alinhamento de divisores das serras da Cantareira, do Itaberaba e da Pedra Grande, incluindo os morros do Jaraguá e do Botucavaru, constitui um dos principais compartimentos am-bientais da região central da macrometrópole de São Paulo.

Não cabe aqui detalhar suas características físicas, e nem sua expressividade nas implicações ambientais do território, pois estas já são bem conhecidas. Acrescente-se o fato de que boa parte de sua extensão já se encontra sob proteção legal, por meio da criação de unidades de conservação. O decreto nº 55.662/2010, de criação do Parque Estadual de Itaberaba, Parque Estadual de Itapetinga, Floresta Estadual de Guarulhos e Monumento Natural Estadual da Pedra Grande, já salienta a importância desses divisores para a região, ao afirmar a relevância do setor norte-nordeste da

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serra da Cantareira, para a conservação da biodiversidade, pois, ao longo das últi-mas décadas, tem sido objeto de inúmeros estudos, que ressaltam a importância do Corredor Cantareira - Mantiqueira, para a conectividade da flora e da fauna, e pela necessidade de proteção de seus recursos hídricos.

No mapa da Figura 3, estão representados os principais compartimentos ambien-tais estruturantes que assumem dominantemente uma posição de receptores de processos da natureza que perpassam pela superfície. Aqui estão identificados os principais canais de drenagem da região, ou seja, os principais rios que dão nome às bacias e sub-bacias hidrográficas que drenam essa região do planalto Atlântico e da depressão Periférica. Estão representados apenas os lineamentos principais, e não a sua expressão em área, seja de planície aluvial ou de fundo de vale, em face de que a escala do mapa não permite uma identificação mais efetiva da área do compartimento, também pelo fato das sutis diferenças que nele ocorrem, em suas configurações de várzeas e terraços de diferentes matizes e gênese. Os dois com-partimentos mais relevantes e sensíveis aos processos naturais e urbanos na ma-crometrópole são os eixos formados pelo rio Tietê e pelo rio Paraíba do Sul, embora o primeiro assuma uma con-dição de centralidade muito mais relevante, em termos da ocupação metropolitana.

Figura 3 – Desenho esquemático dos principais compartimentos

ambientais estruturantes da paisagem – lineamento de fundos

de vale. Fonte: Azevedo (1958), adaptado pelo autor.

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Os rios representados no mapa se constituem nos principais setores de fragilidade ambiental do território como um todo, mas particularmente do entorno das regiões que drenam, e das quais sofrem impactos diretos, tanto derivados da ocupação urbana, como da rural. Como se trata de uma região densamente povoada, os impactos re-lativos ao uso urbano são mais intensos. Das fragilidades, há que ressaltar os riscos da relação entre a ocupação dos setores de várzeas, terraços e das planícies aluviais restritas, e a administração da vazão desses cursos, que colocam espaços urbanos em prováveis situações de enchentes, durante os cada vez mais concentrados even-tos chuvosos. Basta lembrar os recentes e frequentes casos ocorridos no setor de várzeas do Tietê (Jd. Pantanal) e seus afluentes, como o Aricanduva e Tamanduateí, além do ocorrido em Caieiras, com as cheias do Juqueri.

A área de influência desses compartimentos ambientais estruturantes é a própria área da bacia que drenam, por isso, os compartimentos mais importantes e relevantes ao ordenamento ambiental são os dois principais coletores de suas bacias, o rio Tietê e o rio Paraíba. Os dois possuem parte de seu curso em áreas de fundo de vale encai-xado nas vertentes inclinadas das colinas, morros e serras da região, onde adquirem velocidade maior em sua corrente d’água, que muitas vezes se transformaram em potencial de represamento para produção de água potável e de energia. Ambos pos-suem, também, parte de seu percurso aninhado em planícies aluviais mais expres-sivas, que formaram setores significativos de várzeas e de terraços, sítio este muito utilizado para a ocupação urbana.

Outros três cursos d’água possuem expressividade na região, em termos de área drenada, mas também em termos de impactos da urbanização, que se densificou ao extremo nas três últimas décadas. São eles os rios Pinheiros, Jundiaí e Atibaia.

O rio Pinheiros, já historicamente utilizado para a produção de energia e água potável, teve o fundo de seu vale e de seus formadores utilizado para represamento, a partir da década de 1910 (represa Guarapiranga, construída em 1907). No final da década de 1920, é formada a represa Billings, com o represamento dos afluentes Jurubatuba, rio Grande e rio Pequeno.

Já o rio Jundiaí, em seu pequeno curso de aproximadamente 70 km, passa pela área urbana de cinco cidades – Campo Limpo Paulista, Várzea Paulista, Jundiaí, Itupeva e Indaiatuba -, antes de desaguar no rio Tietê. É praticamente um rio urbano, tendo

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poucos trechos de seu percurso livres de ocupação de suas margens. O mais grave é que apresenta uma razoável planície aluvial, em boa parte também ocupada pela mancha urbana dessas cidades. Trata-se de um compartimento ambiental importante, em termos locais.

O rio Atibaia se estende por aproximadamente 130 km, e passa lateralmente por cinco cidades, em seu alto e médio curso (Nazaré Paulista, Bom Jesus dos Perdões, Ati-baia, Itatiba e periferia de Campinas). Sua planície aluvial mais expressiva, embora de pequena dimensão, ocorre entre Bom Jesus dos Perdões e Atibaia. Deve ser con-siderado um compartimento ambiental estruturante, em face de sua extensão e área, e também pelo avanço expressivo da ocupação de loteamentos dispersos (condomí-nios), às suas margens.

Embora com menor dimensão, aproximadamente 55 km de extensão, o rio Juqueri drena uma área importante, de aproximadamente 800 km². Trata-se do coletor prin-cipal de uma importante área de nascentes, confinado pelas serras da Cantareira, de um lado, e do Juqueri, Pedra Vermelha e Boturuju, de outro. Hoje pode ser consi-derado um compartimento ambiental estruturante, não só local, mas regionalmente, em face de sua posição muito próxima da metrópole, e por ser um importante ma-nancial de abastecimento para a metrópole de São Paulo. A amplitude topográfica entre divisores e fundo de vale é expressiva, o que denota a existência de setores de vertentes de alta declividade, em área considerável. Abriga, também, um represa-mento formado pela represa Paiva Castro, da Sabesp. As vertentes que drena são alvo de pressão imobiliária, por ocupação de condomínios fechados de alta e média renda. Passa lateralmente pelas áreas urbanas das cidades de Mairiporã, Franco da Rocha, Caieiras, e bairros dispersos de Cajamar e Santana de Parnaíba, antes de desaguar no rio Tietê.

Alguns desses compartimentos citados já recebem alguma regulação legal. No nível estadual, apenas a várzea do Embu (Embu Guaçu) teve parte do trecho do rio pre-servada de ocupação (128 ha), como parque estadual, segundo tipologia do SNUC. As demais áreas são reguladas por APAs – áreas de proteção ambiental –, que permitem uma série de tipologias de uso, e dependentes, para sua real proteção, de fiscalização e controle sistemático e firme do Estado, o que, sabe-se, nem sempre acontece a contento da preservação necessária, também por abranger áreas de grande povoamento e de interesses comerciais e imobiliários.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta análise ambiental estratégica do relevo induz-nos a refletir sobre as formas de ocupação do território que vêm se dando historicamente na macrometrópole de São Paulo e em outras regiões metropolitanas. Tanto os aspectos físicos da natureza, materializados no relevo e sobre ele, como os aspectos da urbanização abrangem matrizes que se configuram em espaços nitidamente lineares, ou em areolares, mas que são intrinsecamente interdependentes. Neste artigo, colocaram-se em destaque as principais linhas estruturantes de uma paisagem, as dispersoras e as receptoras de processos, que foram e são objeto de interesse de instalação das infraestruturas primordiais na urbanização do território, ou seja, as infraestruturas de mobilidade

Seja na escala regional, seja na local, os fundos de vale, com suas planícies aluviais ou vales encaixados, foram e são ainda setores de relevo preferenciais, para a im-plantação dos caminhos de mobilidade – rodovias, avenidas, ruas, estradas de ferro –, que reduzem sua eficiência no desempenho de suas funções reguladoras dos pro-cessos naturais, sobretudo agora, em face da pressão cada vez mais intensa que os processos urbanos lhes impõem.

De outro lado, os divisores de água, que também conformam lineamentos paisagísti-cos e apresentam potencialidades estratégicas relevantes em termos ambientais, fo-ram objeto de ocupação por diversas estruturas urbanas, valendo lembrar as estradas e avenidas utilizadas como eixos de penetração/expansão urbana, em que a cidade se estendia pelas vertentes, pressionando e ocupando os setores de nascentes.

Pensar estrategicamente o relevo, na atualidade, requer outra reflexão sobre os es-paços de implantação das estruturas urbanas em geral, e, dentre elas, as de mobili-dade, a fim de que se possam preservar minimamente os principais compartimentos ambientais estruturantes de uma paisagem.

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ARTIGO Nº2

CONTRIBUIÇÃO PARA PAISAGEM SONORA DE QUALIDADENO PARQUE LINEAR BRÁS-LAPA

CONTRIBUTION TO SOUND QUALITY LANDSCAPE AT LINEAR PARK BRÁS-LAPA

Claudia Lambertini e Eliseu Genari

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CONTRIBUIÇÃO PARA PAISAGEM SONORA DE QUALIDADE NO PARQUE LINEAR BRÁS - LAPA

Claudia Lambertini* e Eliseu Genari**

* Arquiteta e Urbanista pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. E-mail: [email protected]

** Arquiteto e Urbanista, mestrando em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo. E-mail: [email protected]

RESUMO

A proposta de rebaixamento do sistema de transporte sobre trilhos propiciou vislumbrar a implantação de áreas livres, numa região degradada, ruidosa e dividida pelos trilhos dos trens da CPTM, formando o Parque Linear Brás-Lapa. Este trabalho analisou a ne-cessidade e importância dos espaços livres, especificamente no trecho compreendido entre as ruas Silva Pinto e Anhanguera, localizado no bairro de Santa Cecília e Bom Retiro (São Paulo, Brasil), dentro da área onde seria proposto o Parque Linear Brás – Lapa, para o estabelecimento da continuidade do tecido urbano, minimizando a dificul-dade de mobilidade e contribuindo para uma paisagem sonora de qualidade.

Palavras-chave: Áreas livres, conectividade, paisagem sonora, parque linear.

CONTRIBUTION TO SOUND QUALITY LANDSCAPE AT LINEAR PARK BRÁS-LAPA

ABSTRACT

The proposal for lowering the rail transportation system led to glimpse the implementation of free areas in a region degraded, noisy and split by the rails of CPTM trains, forming the Li-near Park Brás - Lapa. This study analyzed the need and importance of open spaces speci-fically in the section between the streets Silva Pinto and Anhanguera, located in the districts Santa Cecilia and Bom Retiro (São Paulo, Brazil), which is inside the area where the Linear Park Brás - Lapa would be proposed, establishing the continuity of the urban area aiming to diminish the mobility difficulty and to contribute to a better sound quality landscape.

Key words: Free Areas, Connectivity, Sound Landscape, Linear Park.

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INTRODUÇÃO

Espaços construídos e espaços livres

O meio urbano, contido nos limites definidos por legislação municipal, é composto por três sistemas: sistema de espaços construídos, sistema de espaços livres de constru-ção e sistema de espaços de integração urbana (BUCCHERI FILHO e NUCCI, 2006 apud CAVALHEIRO et al, 1999).

Mesclando a infraestrutura verde com a cinza (áreas edificadas), é possível obter efeitos paisagísticos com importantes funções, não só estéticas, mas também auxilia-doras no microclima local. Os espaços livres e verdes necessitam ter uma ambiência urbana agradável, que estimule o uso, a circulação e a permanência das pessoas nos mesmos. Pensando na melhora da qualidade de vida da população local e no desen-volvimento da cidade, propomos a criação de um Parque Linear Brás-Lapa, que ligaria essas duas estações da CPTM através de áreas subaproveitadas nas linhas de trens e seus arredores, formando assim um corredor verde na cidade de São Paulo.

Segundo Botteldooren (2011), podemos destacar conceito geralmente aceito a res-peito de soundscapes: “O soundscape é formado dentro de um contexto. Este con-texto é formado por todos os estímulos sensoriais, dentre os quais, a visão é o mais importante, e pelo conhecimento acumulado pelas pessoas sobre o espaço, seu uso, seus propósitos, seu significado cultural, suas próprias motivações e propósitos por estarem ali etc. A qualidade do soundscape, no entanto, pode ter efeitos a longo prazo sobre a qualidade de vida e saúde da população”.

Segundo Caporrusso (2008), baseada em Vieira (2004), as áreas verdes desempe-nham diversas funções: a função social relacionada ao lazer; estética, porque com-põe uma paisagem diversificada e agradável aos olhos; ecológica, contribuindo com fatores como clima, ar, água, solo; função educativa, no que tange às questões am-bientais e psicológica, permitindo o alívio das tensões diárias, lazer, recreação, além de destacar o papel da vegetação como um fator termorregulador do microclima, pois contribui de forma considerável no controle da radiação solar, na temperatura, na umi-dade do ar, na ação dos ventos e das chuvas e, inclusive, na melhoria da qualidade do ar, ao amenizar sua poluição (MASCARÓ e MASCARÓ, 2009).

Essas massas verdes diminuem a amplitude e a sensação térmica e também auxiliam

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na conservação da água; redução da erosão e economia de energia elétrica; na pro-moção da biodiversidade; na redução do dióxido de carbono atmosférico; melhorando a qualidade do ar e minimizando a aridez da paisagem (MASCARÓ, 2010).

O ser humano (BOTTELDOOREN, 2011) pode suportar grandes doses de stress (até mesmo o stress causado por excesso de ruído), desde que tenha momen-tos de recuperação. Pelo foco em espaços abertos, o projeto do soundscape pode contribuir, principalmente, para esses momentos de recuperação.

Para Holtz (2012), o projeto de parques pode levar em conta que a criação do sounds-cape (experiência auditiva) pode ser análoga à construção do landscape (experiência visual), em que a diversidade de vegetação, mobiliário, texturas, luzes etc. já é feita pelos arquitetos paisagistas de maneira mais evidente. A percepção do soundscape, quando comparada à percepção do landcaspe, se dá de maneira mais sutil, invisível, porém com um componente emocional muito forte. Músicas, sons de crianças, cantos de pássaros etc. podem ser gatilhos para sensações de eventos anteriores, enrique-cendo a experiência.

Breve histórico sobre a ferrovia em São Paulo

A ferrovia teve importante papel no processo de industrialização da Grande São Pau-lo, ligando os assentamentos urbanos do Estado à capital. A atividade de transporte suburbano de passageiros teve, por muitos anos, caráter secundário, sendo a de transporte de carga a fundamental.

O bairro da Luz teve uma típica ocupação de bairros centrais de São Paulo. A Luz era conhecida como campos do Guarépe ou Guaré, uma planície que se estendia ao lon-go do rio Tamanduateí, até o rio Tietê. Até 1800, o bairro era pouco denso e ocupado principalmente por chácaras, porém já era visto pela elite como a área mais adequada à expansão residencial, já que a região Sul comportava equipamentos poluidores e de desprestígio, e, na parte leste, o Brás se separava da cidade pela várzea do Taman-duateí. Para a população de alta renda, ficou a região da Luz, ao norte, e a Cidade Nova, a oeste.

A vizinhança do bairro da Luz foi claramente beneficiada com o início do funciona-mento da ferrovia, pois a ligava de modo rápido ao porto de Santos e ao interior pau-

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lista, produtor de café. Isto determinou a ascensão econômica, financeira e política de São Paulo.

De acordo com Campos (2005), foi após 1880 que as áreas próximas à Luz atingi-ram o nível máximo de prestígio. Depois do incêndio de 1946 na Estação da Luz e os problemas gerados pelo aumento do tráfego ferroviário, a população mais abastada começou a se transferir para bairros mais tranquilos, como Campos Elísios, Higienó-polis, o entorno da Avenida Paulista, e até o bairro da Liberdade. Assim, a Estação da Luz começava a ser desprezada pelos muito ricos, que preferiam áreas situadas na zona sudoeste da cidade.

Em relação aos problemas estruturais, embora estes se apresentem com intensidade variável, a ferrovia cindiu esse espaço, ocasionando padrões bastante distintos de de-senvolvimento urbano, de um lado e de outro. Já a situação geográfica - várzeas dos rios Tietê e Tamanduateí -, se apresenta na forma de inundações constantes.

Embora, na porção mais próxima ao centro histórico da cidade, a cicatriz ferroviária tenha sido mais bem absorvida, apresentando bordas ocupadas, as dificuldades de realizar sua transposição constituem ainda um fator de isolamento de extensas áreas, com a consequente degradação.

A migração das indústrias para o interior, ou para áreas periféricas, deixou como le-gado instalações por vezes abandonadas ou mal conservadas, ao lado da ferrovia, levando o entorno a uma crescente deterioração.

Na porção mais a oeste, as bordas da orla ferroviária têm ocupação mais recente, e é comum observar grandes áreas ainda vazias, embora não contínuas, junto às ferrovias.

Nos interstícios, tanto a norte quanto a sul, vem ocorrendo intenso processo de ver-ticalização, que demonstra a necessidade de se equacionar a questão da inserção urbanística dos sistemas de transporte de alta capacidade.

Atualmente, muitas das ferrovias urbanas, mesmo as linhas que mantêm operação, apresentam graves problemas, com áreas ocupadas por favelas, criando situações de risco para os moradores e de redução de desempenho operacional, devido à redução da velocidade e à maior incidência de acidentes.

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ÁREA DE ESTUDO

A área escolhida para a proposta está compreendida entre as ruas Silva Pinto e Anhanguera, localizadas no bairro de Santa Cecília e Bom Retiro. Mas antes foi rea-lizada uma caminhada exploratória, com registros fotográficos, a fim de determinar a situação que se encontrava a região.

O levantamento a pé de toda a área lindeira à linha férrea da CPTM, desde a Estação da Luz até a Estação Barra Funda, nos permitiu levantar e registrar a situação daque-las áreas, para planejar novas formas de ocupação das áreas mal utilizadas em volta da linha férrea.

A grande área foi dividida em trechos: 01, 02 e 03, para melhor compreensão na to-mada de decisão quanto às propostas. A partir desta setorização, em termos de ocu-pação, desocupação, abandono, crescimento e de sons, aprofundamo-nos no trecho que nos chamou mais a atenção: o trecho 02.

Figura 1: Grande área de estudo – Dividida nos trechos 01, 02 e 03.

Os trechos 01 e 03, mais próximos às estações ferroviárias Barra Funda e Luz, têm um movimento de pessoas, veículos, do comércio etc. tão intenso e movimentado, que quase não se conseguia distinguir os sons dos trens, em relação ao ruído de outras atividades dessas áreas. Os sons dos automóveis na av. Pacaembu, por exem-plo, chega a mascarar os sons dos trens.

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No trecho 02, existem terrenos vazios onde aparentemente foram demolidas algumas construções, além da Favela do Moinho, que sofreu com um incêndio parcial, no dia 17 de setembro de 2012. Nesse trecho, apesar de ser uma zona mista, existe a pre-sença de prédios residenciais e de residências. Já neste trecho, o ruído dos trens era percebido com muito mais clareza, pois era uma área realmente mais silenciosa do que os trechos 01 e 03.

No trecho 02, delimitado pelas Ruas Silva Pinto e Anhanguera, percebem-se áreas de permanência e moradia, e muitas pessoas que moram na região, bastante diferente dos trechos 01 e 03. Outra observação que pôde ser efetuada, foi que, apesar da

Figura 2: Trecho 02 – Pontos das fotos (F. 4,5,6,7,8 e 9)

Figura 3: Trecho 02 – Pontos de medição sonora.

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quantidade de pedestres e pessoas que aparentemente residem nessa área, não há áreas de estar. Foram realizadas algumas medições sonoras, a fim de se obter um panorama da influência do ruído gerado pelos trens. Os níveis sonoros medidos em dB(A), sem a passagem dos trens, variava em 52 – 55 dB(A); quando da passagem de trem, variou de 70 – 76 dB(A), nos pontos 3, 4, 5 e 6 (Fig. 2).

A partir do Viaduto Engenheiro Orlando Murgel, vemos a ferrovia, que tem dois sen-tidos de trânsito e se divide em duas linhas, que são espaçadas e ocupadas interna-mente pela Favela do Moinho. (ver fig. 3, 4, 5 e 6).

Figura 4 e 5: Trecho 02. Área desocupada na lateral, do viaduto Eng. Orlando Murgel.

Figura 6 e 7: Trecho 02. Parte Favela do Moinho. Foto tirada do viaduto Eng. Orlando Murgel.

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Para a criação dessa área livre, propomos a relocação da linha férrea, de modo a que esta ocupe a menor área possível, dentro dos padrões de segurança da CPTM, enterrando-a num determinado trecho, para que sejam criadas ligações entre os dois lados do bairro de Santa Cecília. A superação da barreira da linha férrea se dará por meio de seu enterramento, transformando-a num sistema subterrâneo de aproxima-damente um quilômetro de extensão.

Figura 9: Trecho 02.Figura 8: Trecho 02.

Figura 10: Proposta de uma área livre com ligações entre os dois lados, atualmente divididos pela linha férrea, mas que poderiam ser interligados por um parque linear e dar continuidade às ruas que atualmente são interrompidas pela linha dos trens.

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Como exemplo, na região do Grande ABC – SP, existe a proposta de um metrô subter-râneo, para 2025, a linha 20, que terá 25 quilômetros e ligará São Bernardo ao bairro da Lapa. O remanejamento de linha de trem também é objeto de projeto em Canoas – RS, onde há a proposta de tornar a linha de trem subterrânea em 2,1 quilômetros, na área central da cidade. Este remanejamento, além de melhorar a mobilidade urbana, contará com a expansão do Parque Getúlio Vargas, o que trará maior qualidade de vida para a população.

Neste trabalho, propomos o rebaixamento da linha férrea, como forma de trazer qua-lidade de vida à população e interligar os bairros que foram cortados pela ferrovia. Esta proposta está inserida num conceito de sustentabilidade, em que o transporte coletivo, de massa, é o principal sistema de mobilidade para longos trajetos. Para os trajetos menores, dentro dos bairros, haveria a possibilidade de andar de bicicleta ou a pé, pelo parque linear que propomos, pois, além de mais agradável, também é mais sustentável do que utilizar o automóvel.

A sustentabilidade tem como pressuposto que as intervenções humanas tenham o menor impacto possível no meio ambiente, e que estas intervenções beneficiem eco-nômica e socialmente os assentamentos humanos, o que traduz o conceito de “pega-da leve” ou “pegada ecológica”.

A “pegada ecológica”, segundo Cecília Herzog (Inverde, 2010), “é uma medida ampla do uso de recursos naturais que enfatiza que o consumo excede os limites ambien-tais. A pegada ecológica utiliza unidades de medida de área bioprodutiva (hectares globais) para levantar a natureza e a escala dos impactos ambientais de um país, uma região, uma comunidade, uma organização, um produto ou um serviço”.

Mobilidade urbana pressupõe intermobilidade entre infraestruturas de transporte coleti-vo “limpo” (meios de transporte não poluentes), associada ao andar a pé e de bicicleta nas cidades. Uma sociedade sem mobilidade fica estagnada. A “infraestrutura verde” é um conceito que organiza as áreas verdes num sistema interconectado, composto fundamentalmente por núcleos (parques com vegetação e áreas expressivas), fragmen-tos (praças e pequenas áreas verdes) e corredores verdes (parques lineares). Assim sendo, os parques precisam estar conectados uns aos outros, através de corredores verdes ou caminhos verdes, não sendo suficiente serem núcleos “soltos”, na grande malha cinza urbana, já que estes pequenos núcleos não são suficientes para a melhora na qualidade de vida da população local e dos visitantes do bairro. As ciclovias também

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precisam de uma infraestrutura própria, ligando um lugar a outro, e devem ser seguras, afastadas de pistas perigosas, ou delas separadas por meio de barreiras físicas, que garantam a sua segurança e que possam fazer outros caminhos, em que o carro não passe, pois é extremamente interessante que os usuários das ciclovias passem por am-bientes onde a poluição sonora seja mínima, e onde a paisagem seja agradável.

Segundo Miranda Martinelli Magnoli, o espaço livre pode ser definido como todo espaço em áreas urbanas não cobertas por edifícios. Porém percebemos que a população não cria vínculos com esses pequenos espaços “soltos” na cidade. Para que isto aconteça, é necessário, não que exista grande quantidade de pequenos jardins separados pelos edifí-cios da cidade, mas que se possa contar com áreas livres maiores, que sejam percebidas pela sociedade como parques, nas escalas dos bairros, metrópoles, sub-regiões etc.

Outro problema dos parques paulistanos é a proximidade espacial, pois muitos se en-contram distantes de glebas residenciais e, por isto, o usuário depende da mobilidade urbana para chegar aos parques.

“Andar a pé constitui a forma mais direta de provimento individual dos meios de transporte.” Vasconcellos

“O deslocamento a pé é um dos mais importantes modos de transporte urbano. É o modo mais utilizado para percorrer pequenas distâncias, incluindo a complementação das viagens realizadas por outros modos de transporte.” Ferraz e Fontes

“Estes andarilhos renitentes são também viajantes no sistema urbano, e o planejamento deve reconhecer que andar a pé é, e permanecerá uma forma de transporte válida para a maioria das pessoas.” Tolley e Torton

Figura 11: Corte esquemático para a proposta de enterrar li-nha férrea no trecho 02.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

De toda a área analisada, o trecho 02 foi o que mais nos chamou a atenção, pelo potencial de se tornar um polo transformador da região. Acreditamos que, com a relocação da linha férrea e seu rebaixamento, poderá ser criado um parque linear, ligando a Fundação Memorial da América Latina e o Parque da Luz, além de servir como local de lazer para a população local, e eliminar a barreira atualmente exis-tente - linha férrea.

Por meio desta proposta, será possível ligar os dois lados da ferrovia, que se desen-volveram de formas diferentes, mas que, ao serem religados, iniciarão um processo de qualificação natural da área, pois esta deixará de ser a borda do bairro, para se tornar uma área de lazer e descanso para os moradores do bairro.

Proposta de formação de redes de áreas verdes e espaços públicos de uso coletivo – Encadeamento e hierarquização, de acordo com o porte, abrangência e função.

A cidade de São Paulo atualmente é formada por bairros que muitas vezes não se interligam com os vizinhos. A Prefeitura de São Paulo criou instrumentos legais, como a Operação Urbana Lapa – Brás, que tinha como objetivo a reestruturação de bairros como Santa Cecília e Bom Retiro, que ainda possuem áreas livres que necessitam de qualificação.

Os bairros que sofreram com a desvalorização imobiliária, geralmente, são os que possuem áreas livres que precisam de requalificação urbana, com novas infraestrutu-ras e novos projetos urbanísticos. Por possuir estas características, a área de estudo, nos arredores da Favela do Moinho, na área central da cidade, foi selecionada.

A proposta de relocação da via férrea - e assim ganhar mais espaço e ligar os bairros que foram separados pela ferrovia, tirando partido da implantação do terreno - poderá melhorar a qualidade de vida dos moradores da região, que atualmente sofrem com o ruído causado pelos trens.

Tirando partido da implantação do terreno, propomos enterrar a linha férrea, formando uma barreira acústica natural através do terreno, e ganhando espaço para a criação de um parque, que, além de contribuir para a redução dos ruídos, também poderá colaborar com a melhora da experiência sonora.

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A paisagem sonora tem, como principais aspectos, o visual da paisagem, que co-labora para que o usuário não preste atenção ao ruído de fundo, e as barreiras acústicas, que absorvem e diminuem os ruídos da cidade. O Parque Linear, com o enterramento da linha férrea e tratamento sustentável da paisagem, colabora com a paisagem sonora, para o relaxamento dos usuários do parque.

A remoção da população das favelas e cortiços existentes no local é ponto funda-mental para a recuperação da área. Para isto, deve ser pensada a construção de Habitação de Interesse Social na região, para que esta população também possa utilizar o parque proposto.

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ARTIGO Nº3

HIpóTeses de INfRA-esTRuTuRA veRde pARA cRIAçãO dO pARque lINeAR BRás – lApA.

HYPOTHESIS OF GREEN INFRASTRUCTURE FOR CREATION OF THE LINEAR PARK BRÁS-LAPA.

Giorgia Yoshiko Rossignolo suzumura

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Revista LABVERDE n°5 – Artigo n°03 dezembro de 2012

HIPÓTESES DE INFRAESTRUTURA VERDE PARA CRIAÇÃO DO PARQUE LINEAR BRÁS-LAPA

Giorgia Yoshiko Rossignolo suzumura*

* Arquiteta e urbanista pela fAu-usJT; licenciatura pela fatec-sp; Professora de Edificações do IFSP – campus Itapetininga.

[email protected]

RESUMO

Este artigo tem por objetivo analisar a ligação férrea feita atualmente entre as áreas do Parque da Luz e Parque da Água Branca, e discutir a proposta de intervenção nes-ta, próxima ao Parque da Água Branca, a qual, como consta no Plano Diretor de São Paulo, visa um melhoramento viário, propondo enterrar toda a linha férrea e construir sobre esta uma avenida para os automóveis, com canteiros centrais e laterais sendo considerados “parques lineares”, com ciclovias.

O objetivo principal deste artigo é analisar e esclarecer os conceitos de projeto de parque linear, visando o desenho ambiental, o projeto de parque sustentável e a mo-bilidade urbana sustentável, além de identificar os problemas encontrados atualmente no local, em visita executada pelos alunos da disciplina de Projeto Sustentável do Pro-grama de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, em agosto de 2012.

O artigo visa direcionar hipóteses de infraestrutura verde para criação do parque li-near Brás-Lapa, desconsiderando as diretrizes que não condizem com os conceitos abordados no âmbito de projeto sustentável, principalmente aquelas levantadas em pesquisa, pelo que relata a Operação Urbana da Água Branca e Lapa – Brás.

O enfoque é recuperar o local, propondo mudanças no projeto de intervenção. Pre-tende-se propor hipóteses possíveis, como metodologias para dirimir diretrizes de im-plantação de um parque linear na área do trilho do trem, tendo em vista os conceitos abordados em aula, sendo estes o de projeto, com ênfase no desenho ambiental, de parque linear com mobilidade urbana sustentável, entre o Brás e a Lapa, interferindo na linha férrea, e considerando que a melhor proposta estabelece que o trilho deverá ser modificado, ora estando subterrâneo, ora estando em nível.

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Palavras-chave: Parque Linear Brás-Lapa, parque linear sustentável, mobilidade ur-bana, mobilidade urbana sustentável, infraestrutura verde.

HYPOTHESIS OF GREEN INFRASTRUCTURE FOR CREATION OF THE LINEAR PARK BRÁS-LAPA.

ABSTRACT

This article aims to analyze the current railroad connection between the areas of Par-que da Luz and Parque da Água Branca, as well as to discuss the proposal of interven-tion there, close to Parque da Água Branca, which as stated in the Master Plan of São Paulo, targets the improvement of roads, proposing to bury the whole railway and to build on it an avenue for cars with medians and sides, to be considered “linear parks” with bike lanes.

The main target of this study is to analyze and clarify the project concepts of a linear park, focusing the environmental design, the project of a sustainable park and sus-tainable urban mobility, as well as to identify the problems currently found at that site by visits of students of the subject Sustainable Project of post-graduation program at Faculty of Architecture and Urbanism at University of São Paulo in August 2012.

The study also aims to focus the hypothesis of green infrastructure to develop the Linear Park Brás - Lapa, disregarding the guidelines that are not consistent with the concepts discussed in the context of sustainable project, especially those raised in research by reporting the Operation Urban Água Branca and Lapa - Brás.

The approach is to recover the site, proposing changes in the intervention project, by the proposition of feasible hypothesis as methodologies to resolve implementation guidance of a linear park in the area of the train rails targeting the concepts covered in class, i.e., the linear park project with sustainable urban mobility aiming the environ-mental design between Lapa and Brás, and interfering with the railroad, considering that the best proposal is that which the rails are to be moved, sometimes being under-ground, sometimes in level.

Key words: Linear Park Brás - Lapa; Sustainable Linear Park; Urban Mobility; Sustai-nable Urban Mobility; Green Infrastructure.

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INTRODUÇÃO

Este artigo é resultado de um trabalho feito para a disciplina de Projeto Sustentá-vel, no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, ministrada pela professora doutora Maria de Assunção Ribeiro franco.

como proposta da disciplina, primeiramente foram estudadas algumas referências bibliográficas, para melhor entendimento sobre os diversos assuntos abordados no âmbito do projeto sustentável. Com isso, foram feitas, em aula, algumas apresen-tações sobre os levantamentos bibliográficos analisados e, sendo assim, houve um maior e melhor entendimento sobre essa linha de pesquisa.

Após a análise dos conceitos bibliográficos, dois estudos de caso foram levanta-dos pela professora, para que os alunos da disciplina pudessem analisar e propor medidas de melhorias para estes, sendo, o primeiro, o parque da luz, e o segun-do, o Parque da Água Branca, visando principalmente sua interligação pela linha férrea.

Como se sabe, a Operação Urbana Água Branca e Lapa – Brás propõe a integração entre as estações por um “parque linear”, sendo este melhor definido como uma avenida com canteiros centrais, que fará a ligação entre os bairros, por onde hoje passa a linha férrea, sendo que esta ficará subterrânea à avenida proposta.

Um dos principais motivos para a idealização deste artigo foi analisar essa proposta, relatar, criticar e identificar os impactos por essa intervenção, mostrando que pode haver uma proposta melhor, mais sustentável, seguindo os conceitos assimilados ao longo da disciplina estudada, e privilegiando, sobretudo, o pedestre, o meio ambiente e a locomoção.

Com o estudo da proposta da Operação Urbana da Água Branca, neste artigo, a pesquisadora faz uma análise e propõe hipóteses de um parque linear sustentável entre o Brás e a Lapa, pela linha férrea, que ora pode ser subterrânea, ora não, visando a mobilidade urbana, a preocupação com o entorno e, principalmente, pro-pondo que esse parque linear siga os conceitos do desenho ambiental e do projeto

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sustentável, para garantir a melhoria na qualidade de vida dos moradores, do entor-no e da população que usará esse local.

Localização

A área descrita a seguir é a interligação entre os bairros Brás e Lapa, pelo percurso da linha férrea. O mapa a seguir mostra a ligação entre o Parque da Luz e o Parque da água Branca, que foram o foco inicial, como estudo da disciplina de projeto sus-tentável no programa de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.

Como parte do estudo, foi verificado que, no Plano Diretor da cidade de São Paulo, mais precisamente na Operação Urbana da Água Branca, há uma proposta de inter-venção e interligação dessas áreas, visando um melhoramento, na parte do sistema viário e da drenagem, de onde atualmente se encontra a linha de trem da CPTM – Companhia Paulista de Trens Metropolitanos. O que o plano propõe é que a loco-moção entre os bairros seja feita por avenidas no nível da rua, por modais urbanos, e, consequentemente, a linha férrea correria subterraneamente a essa avenida, e a drenagem seria feita por canteiros centrais e laterais.

No mapa abaixo pode-se verificar a distância entre os dois parques, muito conhecidos e frequentados na cidade, tendo sido ambos analisados pela equipe de pós-graduação. A distância entre o Parque da Luz e o Parque da Água Branca é de aproximadamente qua-tro quilômetros. Como o objetivo deste artigo é analisar as diretrizes estabelecidas pela Operação Urbana Água Branca e Lapa – Brás e propor melhores hipóteses de infraestru-tura verde, a pesquisadora ampliou a área de estudo do bairro da Lapa até o Brás, aumen-tando, assim, aproximadamente oito quilômetros à distância mencionada anteriormente.

Este aumento na área de estudo se dá, principalmente, pela visão da pesquisadora, em querer analisar o que está sendo proposto na Operação Urbana Lapa – Brás, e também correlacionar o que estuda e pesquisa, sem esquecer o grande volume de usuários e transeuntes que passam diariamente pelos trens, principalmente na esta-ção Brás, e também considerando a interligação desta estação com outros modais, e sua relação com o terminal da Lapa.

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O mapa acima mostra a relevância do trajeto entre esses pontos, considerando ainda os parques próximos e outros equipamentos.

O percurso entre as zonas Leste e Oeste é intenso. Como transporte para fazer essa ligação, temos as linhas de trens, metrôs e o sistema viário, e tudo isso ainda é muito complicado, pois não dá assistência suficiente, porque o sistema de transporte de São Paulo é ineficiente, ocasionando muito trânsito, problemas ambientais e, sobretudo, problemas relacionados à vida da população.

Figura 02: Linha férrea entre Barra Funda, Luz e Brás. Mapa: googlemaps.com (2012)

Figura 01: Trajeto entre Parque da Água Branca e Parque da Luz. Mapa: Franco (2012)

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De acordo com o projeto da Operação Urbana Lapa – Brás, a pista ferroviária será realizada em um sistema subterrâneo, ligando a Lapa ao Brás, numa extensão de aproximadamente 12 quilômetros. Na superfície, o projeto prevê uma via diferenciada, com parques e ciclovias.

segundo a imagem abaixo, que saiu no portal do jornal O Estado de S. Paulo, um dos objetivos que está por trás da Operação Urbana Lapa - Brás é possibilitar a demolição do “Minhocão”, o Elevado Costa e Silva, o tão polêmico sistema viário que faz a liga-ção do eixo Leste – Oeste.

Figura 03: Mapa da área de abrangência da Operação Urbana Lapa – Brás. Foto: http://www.diariodalapa.com.br/noti_lapa/lapabras_edital911.htm

Figura 04: Operação Urbana Lapa - Brás. Foto: http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,prefeitura-quer-tunel-de-12-km-para-circulacao-de-trens-entre-lapa-e-bras

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Com a execução da avenida sobre o sistema ferroviário subterrâneo, relatam que me-lhoraria o trânsito e, com isso, seria viabilizada a demolição do viaduto.

Mas não é só essa a questão. Até onde vão as intenções dos governantes?

Até onde eles estão realmente pensando na população?

Até onde as diretrizes propostas no projeto seguem realmente o que eles relatam como diagnósticos para melhorar a situação local?

Sabe-se da evolução e da importância da área estudada, principalmente quan-do, em observação in loco, se notam vários equipamentos ao longo do trecho analisado.

Críticas à Operação Água Branca e Lapa - Brás

egundo o que se pode observar no documento da Operação Urbana Lapa – Brás, seu objetivo declarado é o de promover o desenvolvimento da região de modo equilibrado, dando condições para que as potencialidades regionais sejam devi-damente efetivadas.

Até aí, os objetivos que constam na Operação Urbana Lapa – Brás demonstram uma intenção favorável de mudança e de possíveis requalificações do local, visando à me-lhoria e reestruturação do ambiente e entorno.

Continuando a análise da Operação Urbana Lapa – Brás, no documento se afirma que deve haver a superação da barreira metroferroviária e a reurbanização de sua orla, de modo a ser o principal elemento estruturador e ordenador do território, do ponto de vista urbanístico geral, abrangendo a melhoria da mobilidade, da acessi-bilidade, a reconstituição do tecido urbano pela continuidade do sistema de circu-lação, a possibilidade de ocupar ordenadamente áreas vazias ou subutilizadas, no aumento da permeabilidade do solo, da cobertura vegetal, dos espaços públicos de convívio e lazer.

A imagem abaixo mostra que a linha férrea de 12 quilômetros entre a Lapa e o Brás foi enterrada, e sobre esta foi proposta uma avenida com canteiros centrais.

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Figura 05: Proposta da Operação Urbana – Avenida com canteiros centrais e laterais sobre a linha férrea enterrada. Foto:http://www.ideosfera.ggf.br/wp-content/uploads/2011/06/CPTM-Opera-Urbana-lapa-Br%c3%A1s-01.png

Figura 06: Proposta da Operação Urbana Lapa – Brás – Linha férrea totalmente enterrada nos seus 12 km de extensão. Foto: http://www.estadao.com.br/fotos/NO_TEXTlapa_600.jpg

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Como proposta específica, a operação propõe o rebaixamento das calhas ferroviárias, desde as proximidades da Lapa, até as proximidades do Brás. E, como objetivos es-pecíficos, foram determinados os seguintes itens, que serão criticados sob o ponto de vista da pesquisadora:

Implantar um conjunto de melhoramentos viários visando ligações de longo percurso;

Verificando-se a imagem que mostra a situação pretendida e a proposta da operação urbana, nota-se que uma avenida não é o melhor método de sistema viário para liga-ção de longo percurso, mantendo ainda a linha férrea totalmente subterrânea.

Melhorar os sistemas de macro e micro drenagem, para diminuir os problemas de inundação ocasionados pela deficiência das redes e galerias existentes;

Como se melhora o sistema de drenagem e se propõe diminuir os problemas de inun-dação ocasionados pela deficiência das redes e galerias, com uma proposta de deixar a linha férrea totalmente subterrânea durante o seu percurso de 12 quilômetros entre a Lapa e o Brás? E, além disso, ao longo do percurso, sobre a linha férrea, propõe-se uma avenida com canteiros centrais e laterais, que sirvam de “áreas verdes” e ciclovias para os pedestres. Lembrando que esses canteiros centrais não fazem parte da concepção de um parque linear, não se trata de uma área toda permeável, portanto não é a melhor diretriz para propor com o objetivo de melhorar o sistema de drenagem na cidade.

Implantar espaços públicos;

De acordo com o projeto previsto pela Operação Urbana, osespaços públicos a se-rem implantados serão segmentados pelos canteiros e ciclovias, entre as avenidas e ruas adjacentes.

Implantar equipamentos de interesse da comunidade;

Os equipamentos só poderão ser implantados nos espaços públicos, na sua maioria, segmentados e fragilizados.

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Promover a reestruturação e a requalificação urbanística e ambiental do território;

Deveria haver um melhor planejamento e desenvolvimento de proposta para a área, em que reestruturar e requalificar o local não signifique apenas enterrar aquilo que consideram como um problema, no caso, a linha férrea, e colocar uma avenida sobre a mesma, para melhorar o tráfego no “minhocão” e, assim, possibilitar sua demolição. E, como proposta de áreas verdes e “permeáveis” sobre a ferrovia, contar com canteiros centrais e laterais para fazer o papel de “parque linear”, com proposta de ciclovia e equipamentos para a população.

Integrar os tecidos atualmente segregados pelo sistema sobre trilhos, amplian-do as conexões entre os fluxos de circulação;

A avenida continuará fazendo o papel de divisora entre um lado e o outro, criando ainda cruzamentos em nível, trazendo mais problemas no sistema viário e mantendo o proble-ma que queriam eliminar, só que de outra forma, com outro tipo de sistema de transporte.

Aumentar e promover a criação, ampliação e requalificação de áreas verdes e espaços livres de uso público, aumentando a permeabilidade e área verde e lo-cais de convivência e relações sociais;

Para aumentar e promover a criação, ampliação e requalificação de áreas verdes e espaços públicos, antes de tudo eles devem ser voltados para a população, com equi-pamentos de lazer, áreas não fragmentadas, áreas que tenham conexão com o trajeto dos pedestres. Para serem permeáveis, não podem ser executadas sobre uma linha férrea, e sim mantidas em solo. Tem dee se tratar de uma infraestrutura verde para a cidade, e não apenas canteiros ao longo de uma avenida, dizendo que se preocupa-ram, e pincelando verdes sobre o solo, ao longo da avenida.

A nova via proposta deverá ter caráter estrutural, com uso lindeiro intenso, cruzamen-tos em nível, passeios e canteiros centrais amplos, que lhe confiram características de urbanidade e permanência, e não apenas de sistema de passagem.

Pois bem, isso é intervenção que podemos chamar de infraestrutura verde? Isso é im-plantar um conjunto de melhoramentos viários, visando ligações de longo percurso?

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Conseguimos melhorar o sistema de drenagem e inundação fazendo apenas cantei-ros centrais e propondo linhas férreas subterrâneas? Espaços públicos são os can-teiros centrais entre as avenidas? Cadê os espaços públicos e semipúblicos de estar, lazer e de circulação para pedestres?

As diretrizes propostas pela operação urbana são, em sua grande maioria, absurdas e equivocadas, essas mudanças não melhorarão em nada a região, muito pelo contrá-rio, piorarão em muito, apenas pincelando o verde e enganando a população.

Na operação urbana Lapa – Brás, dentre as diretrizes gerais da política urbana que de-vem ser garantidas, estão o direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transpor-te e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações.

ESTUDOS DE CASOS DE PARQUES LINEARES SUSTENTÁVEIS PRÓxIMOS A TRILHOS DE TREM

High Line – Manhattan

O High Line é um espaço público criado em Nova York, a partir de um conjunto de trilhos abandonados, no maior setor industrial de Manhattan. Os trilhos do trem, construídos

entre 1929 e 1934, eram utilizados para transporte de alimentos, e a estrutura foi chamada de High Line.

Com a evolução da cidade, os trilhos se tornaram obsoletos, e em 1999 foi feito um plano para converter o espaço aban-donado em um parque suspenso a oito metros do chão. Em 2002, surgiu a ideia de transformar a área em algum tipo de parque, que fosse público e pudesse ser utilizado por muito tempo.

A proposta do High Line é baseada em um sistema de sustentabilidade e reciclagem.

Figura 07: O acesso ao parque é por escada, como uma passarela.

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Figura 08: Estruturas para alimentação de pássaros. Figura 09: Visão do parque entre os prédios.

Fotos: http://sementesustentavel.blogspot.com.br/2012/04/um-parque-nos-trilhos-do-trem.html

Figura 10: O trilho ainda faz parte da paisagem. Figura 11: Vegetação nas alturas.

Diversos canteiros com plantas e jardins estão espalhados por toda a sua extensão, in-cluindo o Sun Deck Water Feature que libera água pelo chão, nos dias mais quentes, para refrescar os pés de quem está passeando pelo parque. Bancos de madeira, espreguiçadei-ras e guarda-sóis também são encontrados facilmente, e são os lugares mais procurados.

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A ideia de se utilizar a estrutura do trem que ia ser demolida para construir um parque é excelente e inovadora. Isso é sustentabilidade, é reutilizar e ainda trazer um bem maior à comunidade.

Parque Ecológico no Peru

Figuras 12. Fotos: http://blog.naturaekos.com.br/ruinas-de-trilho-de-trem-viram-parque-ecologico-no-peru/

As colunas da obra, que nada seguravam, pareciam imitar os filmes de ficção e, na criatividade da população, surgiu o trem imaginário. Os moradores da região já ha-viam apelidado as ruínas de Trem Fantasma. A construção dos trilhos foi abandonada no meio, e seus restos foram deixados de lado. O grupo Basurama viu ali uma oportu-nidade, e construiu um parque ecológico de diversão para adultos e crianças.

A nova área de lazer, cujos brinquedos são feitos de materiais recicláveis, levou o nome das lendas: Parque do Trem Fantasma. A ideia principal foi criar e trabalhar, nos espaços públicos, para as pessoas, e não para os meios de transporte.

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Railroad Park – Birmingham – Alabama

O Railroad Park, no Alabama, é um parque que conta com 19 hectares, no centro de Birmingham, e que celebra o patrimônio industrial e artístico da cidade.

A equipe que projetou o parque passou cinco anos trabalhando intensamente, numa parceria público / privada, para construir este parque central. A empresa responsável pelo projeto conseguiu uma grande equipe de consultores, incluindo arquitetos, pai-sagistas e engenheiros, que trabalharam e tiveram sempre como tema, constante em todo o projeto, as linhas ferroviárias inseridas no terreno, como foco principal do parque.

O terreno do parque é um antigo armazém, e o parque é formado com materiais recu-perados de usos históricos do local.

Além de a sustentabilidade ser encontrada na concepção da sua construção, pelos mate-riais utilizados na obra, também há a captação de água pluvial, com a proposta de criação de um grande reservatório para irrigação, que também descarrega, através de um fluxo, a uma série de lagoas, como uma fonte de verão, que trabalha com a reutilização da água e como “piscinões”, para contenção da água das chuvas nos períodos de cheias.

Figuras 13. Fotos: http://blog.naturaekos.com.br/ruinas-de-trilho-de-trem-viram-par-que-ecologico-no-peru/

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Figuras 14, 15, 16 e 17: Imagens do Railroad park. Fotos: http://www.railroadpark.org/ e http://www.tomleader.com/

Figura 18: Linha férrea e disposição do Railroad Park. Foto: http://www.tomleader.com/

Tom leader, arquiteto de Berkeley, na califórnia, que liderou o projeto do parque, dis-se que Birmingham representou um desafio particular. Parques urbanos muitas vezes são construídos às margens de um rio, mas Birmingham não tem um rio, e sim um trilho, disse ele.

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O parque é formado por várias lagoas. Uma praça aberta foi construída, com me-sas e cadeiras protegidas por uma vasta cobertura. um pequeno parque infantil, equipamentos de ginástica e um pequeno parque de skate foram adicionados, mas grande parte da área cultivada foi reservada como espaço verde, para utilização dos visitantes.

O objetivo principal do parque, ao ser criado, era de ser uma ponte entre o southside e o centro, além de a esperança para este parque ter sido a de que as coisas iriam se desenvolver em torno dele.

De muitas maneiras, Railroad Park é o clássico oásis verde multiuso em um ambiente urbano, com gramados, fontes, trilhas para caminhada, um riacho e muito mais. Mas, de certa forma, o parque se distingue, é um paraíso de trainspotter. Os visitantes po-dem sentar e relaxar, em uma série de colinas ao longo do viaduto, observando de perto os trensque deslizam.

Mobilidade Urbana Sustentável

Mobilidade é o grande desafio das cidades contemporâneas, em todas as partes do mundo. A opção pelo automóvel parecia ser a resposta eficiente do século XX à ne-cessidade de circulação e locomoção, e isso acabou levando à paralisia do trânsito, com desperdício de tempo e combustível, além dos problemas ambientais de poluição atmosférica e de ocupação do espaço público.

Segundo o diretor Ricky Ribeiro, do Mobilize Brasil, a mobilidade urbana sustentável é a integração inteligente de vários modos de transporte urbano, com a maior eficiên-cia e conforto possível para os passageiros, com o menor impacto ambiental para os espaços urbanos.

Alguns exemplos de modais urbanos sustentáveis envolvem a implantação de sis-temas sobre trilhos, como metrôs, trens e bondes modernos (VLTs – Veículos Leves sobre Trilhos), ou podendo ser também ônibus “limpos”, sendo estes, ônibus elétricos ou por biodiesel. Estes meios deverão ter integração com ciclovias, esteiras rolantes, entre outros, caso sejam necessários. E soluções inovadoras, como os teleféricos de Medellín (Colômbia), ou sistemas de bicicletas públicas, como os implantados em Paris, Barcelona, Boston e várias outras cidades mundiais.

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Por fim, a mobilidade urbana também demanda calçadas confortáveis, niveladas, sem buracos e obstáculos, porque um terço das viagens realizadas nas cidades brasileiras é feita a pé ou em cadeiras de rodas.

Segundo Malatesta (2012), Seul também se tornou referência, ao programar medidas vol-tadas à sustentabilidade, como a derrubada de uma via elevada sobre um rio canalizado. Acreditou na necessidade da mudança da matriz de mobilidade e investiu em programas que valorizam e estimulam modos de transporte não motorizados, em especial o modo de transporte a pé e por bicicleta, ao mesmo tempo em que valorizam a paisagem.

Figuras 19 e 20. Fotos: MALATESTA 2012.

HIPÓTESES DE INFRAESTRUTURA VERDE PARA CRIAÇÃO DO PARQUE LINEAR BRÁS – LAPA

Como hipóteses de infraestrutura verde para criação do parque linear, a pesquisadora contou com alguns artigos estudados, e outros que estavam sendo desenvolvidos ao longo da disciplina de pós-graduação Projeto Sustentável, da FAUUSP – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, em agosto de 2012, que possibilitaram novos parâmetros e hipóteses para criação do parque linear Brás – Lapa.Inicialmente, é importante relembrar que a área estudada trata-se de uma linha férrea da CPTM – Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, que, na proposta da Operação Urbana Lapa – Brás, será enterrada em seus 12 quilômetros de extensão,

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tendo sobre ela uma avenida com canteiros, para melhorar a área verde da cidade.

Nos estudos de caso apresentados, nota-se a importância de se visualizar o meio de transporte originário do local, visualizando in loco e entendendo a historicidade e a integração entre pedestre e meio de modo geral, e isto não foi feito na proposta da Operação Urbana, muito pelo contrário, eles enterram totalmente a linha férrea, como um problema que deve ser ignorado.

Ainda de acordo com os estudos de caso, em todos aparece a figura bem marcada do histórico do local, ou, então, de sua passagem em partes.

Então, como se pode integrar o meio ambiente, o transporte e o pedestre?

São escalas muito distintas, e é preciso ter muito cuidado, para não se cometer um erro e acabar afastando ainda mais, ao invés de integrar.

Uma primeira hipótese seria a intervenção diretamente na linha férrea, ora tornado-a subterrânea, ora não, para garantir a relação desta com o meio, e fazer a interligação em nível com o pedestre e outros modais, garantindo, assim, um transporte ainda mais eficiente. Quando os diferentes modais se encontram, estes podem abastecer e melho-rar a locomoção dos pedestres ao longo do entorno, enquanto o trem faz a ligação de longa distância entre a zona Leste e a zona Oeste, entre os bairros da Lapa e Brás.

Sobre as críticas feitas no item anterior, no levantamento da Operação Urbana Lapa – Brás, a pesquisadora nesta etapa vai levantar hipóteses para estas, seguindo a in-fraestrutura verde, para criação do parque linear Brás – Lapa, garantindo os conceitos abordados para o projeto sustentável.

Hipóteses para implantar um conjunto de melhoramentos viários visando ligações de longo percurso.

A primeira hipótese seria o enterramento de parte da linha férrea que faz o desloca-mento mais longo, pois, quando esta se mantiver no nível, fará a ligação com outros modais que abastecerão o entorno próximo. Sobre a ferrovia, haverá o parque linear com faixa para caminhada de pedestres e ciclovias, bondes elétricos fazendo o trans-porte de trajetos curtos, além de equipamentos de lazer.

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Quando a linha férrea estiver em nível, o parque poderá se deslocar acima do solo, ou para as laterais da linha férrea, deixando-a descoberta. A importância de a linha férrea aparecer na paisagem é para mostrar sua relevância no local e demarcar as estações e interligações entre meios de transportes.

Hipóteses para melhorar os sistemas de macro e micro drenagem, para diminuir os problemas de inundação;

Trabalhando com um parque linear ao longo do eixo do trilho da CPTM – Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, ora sobre a linha férrea, ora em suas laterais, pode-se aumentar a infraestrutura verde urbana ao longo do percurso, melhorando, assim, os sis-temas de macro e micro drenagem, diminuindo, com isso, os problemas de inundação.

Hipóteses para implantar espaços públicos;

Na hipótese do parque linear, os espaços promovidos ao longo do percurso do trilho do trem tornam-se espaços de passagem, de troca de transporte, de lazer para a po-pulação, tornando-se espaços públicos também como área de permanência e áreas de melhorias de paisagem para o local de intervenção.

Hipóteses para implantar equipamentos do interesse da comunidade;

Por se tratar de uma área de interesse da comunidade, o espaço público que conta com áreas de permanência e áreas de lazer pode ainda contar, ao longo do percurso de caminhada, com equipamentos urbanos para estar e equipamentos urbanos, para utilização da população, visando a saúde e bem-estar, tornando o parque linear tam-bém atrativo àqueles que visam frequentar para manter a saúde e a boa forma, e não apenas àqueles que estão de passagem.

Hipóteses para promover a reestruturação e a requalificação urbanística e am-biental do território;

O parque linear e toda sua proposta de melhoria com circulação e transporte promo-

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verão que a infraestrutura funcione melhor na região. Com isso, o local poderá ser reestruturado, tanto urbanisticamente, quanto ambientalmente, considerando a infra-estrutura verde proposta ao longo do parque linear.

Hipóteses para integrar os tecidos atualmente segregados pelo sistema sobre trilhos, ampliando as conexões entre os fluxos de circulação;

Com a hipótese de rebaixar parte do trilho, pode-se unir, através do parque linear, os bairros até então separados. A ideia é que o parque linear faça a ligação e mantenha, em certos pontos, as estações de trem em nível, interligando com outros modais e com o próprio parque, o que proporcionará um transporte leve local, facilitando e am-pliando as conexões entre os fluxos de circulação.

Hipóteses para aumentar e promover a criação, ampliação e requalificação de áreas verdes e espaços livres de uso público, aumentando a permeabilidade e área verde, e locais de convivência e relações sociais;

A hipótese de criação de um parque linear ao longo dos 12 quilômetros do eixo da linha férrea Lapa – Brás, que estará ora subterrânea, e, portanto, com o parque sobre esta, ora em nível, e o parque linear ao lado desta, ou até mesmo promovendo uma superfície tipo HighLine sobre a linha férrea, promoverá a ampliação e, consequentemente, a requalifica-ção das áreas verdes como objeto de intervenção, aumentando os espaços livres de uso público e áreas de convivência, como, também, aumentando a permeabilidade da cidade de São Paulo, que é sempre muito questionada, nas intervenções urbanas.

CONSIDERAÇõES FINAIS

Neste estudo, a pesquisadora percebeu que nem sempre as propostas feitas pelos órgãos públicos são as melhores como solução para a cidade, ou, então, não vislum-bram os objetivos que hoje fazem parte do principal conceito, que é tornar a cidade cada vez mais sustentável, para que não haja prejuízo para as gerações futuras.

A infraestrutura verde é essencial para manter uma cidade bem estruturada, organi-zada e delimitada, em que as pessoas sejam muito mais valorizadas do que os trans-

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portes, tendo sua integração direta com o meio ambiente e equipamentos essenciais para o seu dia a dia. A infraestrutura verde consiste em redes multifuncionais de frag-mentos permeáveis e vegetados (preferencialmente arborizados), interconectados, reestruturando o mosaico da paisagem. visa manter ou restabelecer os processos e fluxos naturais e culturais que asseguram a qualidade de vida urbana, segundo Her-zog (2010), lembrando Benedict e McMahon (2006) e Ahern (2007).

Os estudos de caso sobre a mesma temática são essenciais para uma melhor propos-ta de intervenção, como diretrizes para o local.

Nenhuma medida deve ser tomada sem um mínimo de estudo, referencial teórico, análise do local e entorno. As consequências podem ser danosas e bem piores do que as encontradas até antes mesmo da intervenção.

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ARTIGO Nº4

ADENSAMENTO DA HABITAÇÃO COLETIVA E MOBILIDADE SUSTENTÁVEL.O CASO DA BARRA FUNDA

COLLECTIVE HOUSING DENSIFICATION AND SUSTAINABLE MOBILITY: BARRA FUNDA CASE

Bibiana Carreño Zambra

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ADENSAMENTO DA HABITAÇÃO COLETIVA E MOBILIDADE SUSTENTÁVEL. O CASO DA BARRA FUNDA

Bibiana Carreño Zambra*

*Arquiteta pela Faculdade de Arquitetura da Universidad de la República, Uruguay. Mestranda em Projeto de Arquitetura pela FAUUSP. [email protected]

RESUMO

Tendo como hipótese a criação do parque linear Brás-Lapa, este artigo científico trata do adensamento da habitação coletiva na área da Barra Funda, próximo às linhas de transporte, buscando a mobilidade e acessibilidade sustentável.

Serão analisadas se estão dadas as condições para suportar esse adensamento, e quais poderiam ser as consequências, nesse território, se isso acontecer; quais são as formas de ocupação que estão gerando as Operações Urbanas Consorciadas na cidade de São Paulo, e se efetivamente é o que se entende por cidade compacta o que tenta promover tal operação, tendo como contraposição dois projetos que têm dado bons resultados na reestruturação de áreas pós-industriais em Paris.

Palavras-chave: Habitação coletiva, habitação mista, parque linear Brás-Lapa, mobi-lidade urbana sustentável, cidade compacta, Barra Funda, adensamento.

COLLECTIVE HOUSING DENSIFICATION AND SUSTAINABLE MOBILITY: BARRA FUNDA CASE

ABSTRACT

Considering the hypothesis to develop the Linear Park Brás-Lapa, this study focus the densification of multifamily housing in the area of Barra Funda, close to transportation lines, seeking sustainable mobility and accessibility.

It will be analyzed if the necessary conditions to support mentioned increase of den-

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1 Estatuto da Cidade.2 Prefeitura de São Paulo. Secretaria de Desenvolvimento Urbano.

sity are proposed, and which consequences at that territory would be if that happens; which are the occupation ways that are being generated by the Urban Operations Con-sortium in São Paulo, and if it is effectively the meaning of a compact city, which tries to promote such operation and having as contraposition two projects that have been giving good results in the restructuring of post-industrial areas in Paris.

Key words: Collective Housing, Mixed Housing, Linear Park Brás-Lapa, Sustainable Urban Mobility, Compact City, Barra Funda, Densification.

INTRODUÇÃO

A aprovação da Lei Federal n° 10.257, de 10 de julho de 2001- Estatuto da Cidade, representou um avanço significativo no desenvolvimento da política urbana munici-pal. Regulamentou os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, estabelecendo as diretrizes a serem observadas no desenvolvimento da política urbana municipal e, ao mesmo tempo, oferecendo um conjunto de instrumentos, que podem ser utilizados pelos municípios, para alcançar essas finalidades1.

Dentre as diretrizes gerais da política urbana, estão a garantia do direito a cidades sustentáveis, entendida como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações; a gestão democrática, por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade, na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano, e a cooperação entre os governos, a iniciativa privada e demais setores da sociedade, no processo de urbanização, atendido o inte-resse público.2

Quando pensamos em cidades sustentáveis, devemos pensar em vários termos e suas interligações. A questão da habitação é fundamental, quando pensamos na construção da cidade, mas ela deve ser interligada a questões também fundamentais, como a criação de equipamentos coletivos, a integração a soluções de usos mistos,

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a conexão às redes de transporte público, a busca da preservação da qualidade am-biental, a busca da integração social pelo convívio e utilização do mesmo espaço-cidade para todos seus cidadãos. Estas favorecem a integração e a transformação da habitação em capital valorizável, tanto para o usuário, quanto para a cidade.

Este artigo pretende estudar os espaços disponíveis para a implantação de habitação coletiva que ofereça possibilidade de moradia aos cidadãos. Moradia urbana, num bairro consolidado, com infraestrutura de transportes e serviços, com potencialidade de resgate da sua ecologia, no trabalho, nas ruas, parques e praças, rios e córregos. Uma opção que escape às intenções imobiliárias da operação Água Branca3, e tente misturar no bairro a população da Favela do Moinho, a qual será relocalizada para a criação do Parque Linear4. Mistura de rendas, numa infraestrutura urbana bem abas-tecida, bem conectada e que vise desenvolver um sistema de mobilidade urbana sus-tentável, integrando modos de circular, privilegiando os espaços de uso público, de circulação de pedestres e bicicletas.

A área de estudo, Barra Funda, se insere, de acordo com o Plano Diretor Estratégico da Cidade de São Paulo, na operação Urbana Lapa - Brás.5

3 Operação Urbana Água Branca. Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano.4 Áreas Livres, contribuição para uma paisagem sonora de qualidade.5 Operação Urbana Lapa-Brás. Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano.

Figura 1: Operação urbana Lapa-Brás. Área de abrangência. Fonte: www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/se-cretarias/upload/chamadas/LAPABRAS_ABRANG_1273183814.pdf

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A operação Urbana Lapa - Brás, agrupa as operações Água Branca, Diagonal Norte e Diagonal Sul, e tem como objetivo principal eliminar a dificuldade de mobilidade e acessibilidade gerada pela presença da ferrovia, que separa os bairros situados ao norte e ao sul dela, e estabelecer um plano de drenagem dos bairros, ao longo das várzeas dos rios Tietê e Tamanduateí.6

Figura 2. Fonte: www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/desenvolvimento_urbano/novas_operacoes_urbanas/termos_de_refe-rencia/index.php?p=17816

Figura 3: Operação urbana Lapa-Brás. Setores de Projeto. Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/chamadas/OUC_LAPABRAS_SETORES_1273183839.pdf

Este projeto prevê o rebaixamento da linha férrea, desde a estação da Lapa até a do Brás, alcançando uma extensão de 12 quilômetros. Na superfície, a proposta prevê uma via de porte estrutural, mas com características urbanísticas diferenciadas - de uso lindeiro intenso, com parques e ciclovias -, que promoverá melhorias na acessibili-dade e permitirá que os eixos transversais de ambos os lados, hoje interrompidos pela presença dos trilhos, possam se conectar. A implantação dessa via criará condições para a demolição do Elevado Costa e Silva e a revitalização de seu entorno.7

6 Operação Urbana Lapa-Brás. Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano.7 Operação Urbana Lapa-Brás. Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano.

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Esta porção territorial apresenta certa homogeneidade, no que toca aos problemas es-truturais, embora estes se apresentem com intensidade variável: a ferrovia cindiu esse espaço, ocasionando padrões bastante distintos de desenvolvimento urbano, de um lado e de outro; a situação geográfica – várzeas dos rios Tietê e Tamanduateí - se apresenta na forma de inundações constantes. Embora, na porção mais próxima ao centro histórico da cidade, a cicatriz ferroviária tenha sido melhor absorvida, apresentando bordas ocupadas, as dificuldades de realizar sua transposição constituem ainda um fator de isolamento de extensas áreas, com a consequente degradação. Na porção mais a oeste, as bordas da orla ferroviária têm ocupação mais recente, e é comum observar grandes áreas ainda va-zias, embora não contínuas, junto às ferrovias. Nos interstícios, tanto ao norte quanto ao sul, vem ocorrendo um intenso processo de verticalização, o que demonstra a necessida-de de se equacionar a questão da inserção urbanística dos sistemas de transporte de alta capacidade. Neste setor, é visível a descontinuidade e desarticulação do sistema viário.8

Com a criação do parque linear Brás - Lapa, a Prefeitura espera atrair, somente para esta região, mais 400 mil moradores, nos próximos 20 anos, o que representa 200 habitantes por hectare. Atualmente, a área tem 135 mil moradores - há áreas de apenas 20 habitantes por hectare.

Figura 4: Implantação do parque e morfologia urbana. Mapa área de estudo, elaborado pela autora. Base de dados: mapa Habisp.

8 Operação Urbana Lapa-Brás.

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A BARRA FUNDA

Figuras 5, 6, 7 e 8: Fotos da área do Moinho, mostrando a área ocupada pela favela e a área vazia. Fonte: www.nelsonkon.com.br

A localização da Barra Funda, no contexto geral da cidade, oferece grandes vantagens de acessibilidade, dada sua proximidade da área central e seu potencial de articulação com outras regiões do Município, facilitado pelas infraestruturas viárias e de transporte. Alem das linhas de trem 6 e 7, conta com as linhas de metrô 1, 2 e recentemente a 4. Tem também o Terminal Rodoviário Barra Funda e uma grande quantidade de infra-estruturas viárias, como a Marginal do Tie-tê, a Avenida do Estado etc. Estas grandes infraestruturas de transporte e viárias hoje cindem seu território, pelo fato de que não compõem um sistema articulado.

Figura 9: Área do Memorial da América Latina Foto: Divulgação/opatifundio.com

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Além disto, a herança da época industrial deixou grandes marcas em sua trama, mas hoje oferece uma grande quantidade de terra disponível na área central da cidade, com potencial de transformação. Seu território oferece os elementos que evidenciam esse potencial, porém os maiores obstáculos ficam por conta dos problemas fundiá-rios e das limitações da legislação urbana para interferir em tal problemática.

Inserida neste contexto, a área da Barra Funda apresenta condições bastante parti-culares, no que se refere à habitação, devido à diversidade de níveis de renda que coexistem, com a Favela do Moinho e a grande quantidade de cortiços da zona co-existindo em uma área consolidada da cidade, com boas infraestruturas e serviços, e os novos grandes empreendimentos imobiliários de médio padrão. Isto poderia ser uma característica muito favorável na construção de uma cidade mais compacta, mas a falta de um projeto urbano integrado, com a consequente falta de espaços urbanos de qualidade, ruas, calçadas e praças, favorece cada vez mais o uso do automóvel, o que se soma à existência da ferrovia, que cinde a trama urbana, e a cidade que dá as costas a ela, gerando, assim, descontínuos urbanos cada vez mais marcados.

Figura 10: Mapa da área de estudo, elaborado pela autora. Base de dados: mapa Habisp.

A Favela do Moinho, que surgiu no ano de 2004, quando 30 famílias ocuparam o ter-reno que na época pertencia à CPTM9, conta com 375 núcleos familiares e uma po-

9 Alonso Lopez, arq., Diretor da Habi Centro. “sao paulo- projetos de urbanização de favelas” SP 2010

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pulação de aproximadamente 150010 moradores, e os cortiços somam 98511 núcleos familiares, totalizando 1360 famílias.

Figura 11: Foto da borda da linha férrea e a Favela do Moinho. Fonte: http://blog.pittsburgh.com.br

A IMPLANTAÇÃO DO PARQUE URBANO LINEAR E A ARTICULAÇÃO COM A CI-DADE PELO ADENSAMENTO DA HABITAÇÃO COLETIVA

Figura 12: Mapa da área de estudo, elaborado pela autora. Base de dados mapa: Habisp

10 Alonso Lopez, arq., Diretor da Habi Centro. “sao paulo- projetos de urbanização de favelas” SP 2010.11 Habisp

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“Quanto mais se expandem as cidades, menos rentáveis são os sistemas de transportes coletivos, e mais dependem seus cidadãos dos veículos individuais. A criação da moderna cidade compacta requer a superação de um urbanismo de única função e predomínio do carro. A questão é como desenhar cidades nas quais as comunidades aumentem e favoreçam sua mobilidade, como satisfazer as necessidades de mobilidade pessoal sem que o carro engula nossa vida co-munitária, como acelerar a implantação de sistemas de transportes ecológicos e equilibrar a utilização dos espaços públicos ao serviço do pedestre e da vida comunitária. A cidade compacta considera todas estas questões, cresce ao redor dos centros com atividade social e comercial conectados pelo transporte público, se constituindo em focos ao redor dos quais crescem os bairros, a cidade com-pacta cria uma rede de bairros com seus próprios parques e espaços públicos, onde se integra toda a variedade de atividades publicas e privadas.”12

A superação da barreira metro-ferroviária, com a criação do Parque Linear e a con-sequente reurbanização de sua borda, se apresenta como um importante elemento estruturador e ordenador do território, do ponto de vista urbanístico geral, abrangen-do assim a melhoria da mobilidade, da acessibilidade, da reconstituição do tecido urbano pela continuidade do sistema de circulação, com a possibilidade de ocupar ordenadamente áreas vazias ou subutilizadas, com a indução à ocupação de áreas já urbanizadas, com novos padrões fundados no aumento da densidade populacional e construtiva, procurando o equilíbrio entre oferta de moradia e de postos de trabalho, em relação ao aumento da permeabilidade do solo, da cobertura vegetal e dos espa-ços públicos de convívio e lazer.

A implantação do parque tem por objetivo articular as tramas urbanas cindidas, prover de espaços de qualidade uma área carente deles, e promover a mobilidade e acessibi-lidade urbana, numa área muito favorecida, pela localização central na cidade de São Paulo. A área de estudo conta com uma interessante área destinada a habitação social, ZEIS. São 40.000 metros quadrados, alinhados à linha férrea e futuro Parque Linear; esta localização oferece opções muito adequadas para a construção de novas moradias na área, permitindo seu adensamento, a relocalização da população da Favela do Moi-nho sem serem retirados do bairro, assim como a oferta de novas moradias, tanto de aluguel social, como para faixas de mercado mais altas, tudo isto integrado numa área que pode proporcionar qualidades de infraestrutura e serviços urbanos.

12 Cidades para um pequeno Planeta, Richard Rogers, 2000

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A atual lei geral de zoneamento classifica a maior parte dessa porção urbana como zonas mistas e zonas de centralidade13, indicando a nova ocupação desejada para as áreas da cidade que já possuem infraestrutura instalada e com maior acessibilidade ao sistema de transporte, em especial o transporte de alta capacidade, caracterizando o que se convencionou chamar de “volta ao centro” e “cidade compacta”14

O adensamento habitacional nas áreas centrais consolida a construção da “cidade compacta, densa e socialmente diversa, onde as atividades sociais e econômicas se superpõem e onde as comunidades possam se integrar à vizinhança”. 15

A área está sendo objeto de múltiplas operações, tentando reconverter as estruturas ociosas em uma área de usos residencial, comercial e de serviços, conforme o esta-belecido pelo Plano Diretor de 2004, transformando o local numa zona mista, permitin-do a outorga onerosa, o que continua o processo de verticalização da cidade. Isto tem permitido o surgimento de novos empreendimentos imobiliários, de grande impacto na trama existente. Estes empreendimentos continuam a fechar a cidade, criando grandes blocos isolados da trama urbana, que favorecem o uso do automóvel, já que não se integram aos sistemas de transporte de massas, nem promovem a mobilidade.

O seguinte exemplo mostra quais são os projetos que estão sendo promovidos. A Prefeitura vai ce-der um terreno de 9.500 m2, para a construção de 600 unidades, localizado na zona ZEIS, em regime PPP (parceria público-privada), à incorporadora que vencer a licitação do empreen-dimento. Em troca, a empresa privada deve repassar 150 apar-

tamentos para a Prefeitura destinar à locação social – o valor de cada aluguel não ultrapassará 25% da renda familiar dos interessados, além do condomínio.16

13 Plano Diretor Estratégico da Cidade de São Paulo.14 Plano Diretor Estratégico da Cidade de São Paulo.15 Cidades para um pequeno planeta. Richard Rogers, 2000.16 revista Renova SP, Nº12.

Figura 13. fonte: revista renova SP Nº12

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O Concurso Bairro Novo de 200417, para a área da Barra Funda, teve como objetivo a criação do debate sobre como deveria ser o bairro da cidade de São Paulo no século XXI, desenvolvendo os critérios de implantação de usos mistos, seu relacionamento com as calçadas e as ruas, o uso do transporte coletivo e do automóvel, assim como a criação de espaços públicos.

Todo isto leva a pensar em como deveria se articular o bairro da Barra Funda, dentro do panorama favorável no qual se encontra, e com as grandes oportunidades na re-conversão de grandes glebas e estruturas ociosas.

A busca por uma cidade mais sustentável nos leva a repensar as estruturas pelas quais a cidade se expande. “O transporte é o que fará com que uma cidade seja sustentável. As comunidades compactas com usos múltiplos deveriam se agrupar no entorno dos nós de transporte, enquanto as comunidades menores estarão comuni-cadas a distâncias para se fazer a pé ou de bicicleta.”18

A seguir serão apresentados dois projetos, em Paris, para a reconversão urbana de uma área pós-industrial ao longo do Sena. Esta reestruturação se fez por meio do adensamento com consciência da área, do impacto do aumento da população no bairro, da articulação com espaços públicos de qualidade.

São intervenções de escala intermédia, para locar novos usos, como habitação, co-mércios e equipamentos públicos, que procuram a reconversão estrutural de áreas da cidade, integrando as partes que a compõem e marcando estratégias que possam dirigir os interesses do mercado imobiliário em favor da construção da cidade. Enten-dendo a cidade não como uma mera somatória de partes independentes, conectadas somente a partir de infraestruturas viárias, suporte do transporte individual.

BERCY

O projeto urbano foi desenvolvido por Ber-nard Huet. É um desenvolvimento não sistemático, específico de um programa

17 http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/04.044/239818 Cidades para um pequeno planeta. Richard Rogers, 2000.

Figura 14. Fonte: www.stephanekirkland.com

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misto, que começou a transformação da área a partir do estabelecimento de uma série de orientações básicas e sugestões contextuais, que fixavam um marco para arquiteturas variadas.

O programa exigia a reconversão de uma área industrial, desvalorizada, carente de serviços e infraestruturas de transporte coletivo, totalmente cindida do tecido urbano que a rodeia, por meio da criação de um parque de 12,5 hectares, 1500 unidades ha-bitacionais (baixa e média renda), 113 mil metros quadrados de escritórios, e 40 mil metros quadrados de serviços

Foram definidas as peles e a relação cheios-vazios. O desenho específico da habita-ção foi desenvolvido por Jean-Pierre Buffi.

Figuras 15, 16, 17 e 18.

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MASSENA

Figuras 19 e 20. Fonte: http://www.arthitectural.com/atelier-christian-de-portzamparc-quartier-masse-na/portzamparc-massena_photo_nicolas_borel_01/

Neste projeto, Portzamparc propõe uma nova tipologia de blocos de apartamentos, originada pela variedade de elementos interligados, que estabelecem sua individu-alidade sem deixar de manter relações mútuas. Grandes blocos urbanos, que são furados de forma seletiva, estabelecendo diversidade de espaços abertos. Mais do que um estrito plano de massas, o projeto foi concebido como uma série de regras, que permitem variedade.

Faz uso do seu conceito, desenvolvido na década dos 80, de Cidade para a Terceira Geração, com a definição do espaço público e da permeabilidade de forma flexível, calibrada de acordo com o contexto específico. A moradia transcorre entre o espaço público da rua e os espaços criados pelo conjunto, com una definição clara e ao mes-mo tempo permeável, fazendo que os limites se diluam.

Figuras 21 e 22.

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O programa do projeto urbano se desenvolve num área de 12,5 hectares, com a construção de 67.200 metros quadrados de habitação, 39.000 metros quadrados de comércios, 117.600 metros quadrados de escritórios e 5.200 metros quadrados de serviços, 1,2 hectares de jardins públicos.

Figuras 23, 24, 25, 26, 27 e 28.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Operação Urbana Água Branca busca o investimento imobiliário na área, “promovendo um crescimento urbano ordenado, utilizando novos padrões de ocupação do solo e incen-tivando o uso dos espaços vazios, para a criação de um polo de serviços na zona Oeste equipado com novos espaços públicos e semipúblicos de estar, lazer e circulação” 19

“As propostas de participação já aprovadas permitirão a construção de novas unidades residenciais, contribuindo para o repovoamento do distrito da Barra Funda, que vem perdendo população nas ultimas três décadas.”20

“Ha um mito nostálgico de que bastaria termos dinheiro suficiente para er-radicar todos os nossos cortiços em dez anos, reverter a decadência dos grandes bolsões apagados e monótonos que foram os subúrbios de ontem e anteontem, fixar a classe media itinerante e o capital circulante de seus impostos e talvez até solucionar o problema do trânsito.

Mas veja só o que construímos com os primeiros bilhões: conjuntos habita-

cionais de baixa renda que se tornaram núcleos de delinquência, vandalismo e desesperança social generalizada, piores do que pretendiam substituir; conjuntos habitacionais de renda média que são verdadeiros monumentos à monotonia e à padronização, fechados a qualquer tipo de exuberância ou vivacidade de vida urbana; conjuntos habitacionais de luxo que atenuam sua vacuidade, ou tentam atenuá-la, com uma vulgaridade insípida; cen-tros comerciais que são fracas imitações de lojas suburbanas padronizadas; passeios públicos que vão do nada a lugar nenhum e nos quais não há gen-te passeando; vias expressas que evisceram as grandes cidades. Isso não é reurbanizar as cidades, é saqueá-las.”21

Cabe se perguntar, com base nos conceitos desenvolvidos neste artigo científico, qual vai ser o rumo que vai tomar a Operação Urbana nessa área, com a evidência de que a zona ZEIS está sendo cedida ao mercado imobiliário, esquecendo o propósito pelo qual foram criadas - de uso social da terra -, com projetos fora de escala, de alto impacto na área e que não se vinculam ao bairro, onde são implantados, repetindo um modelo que não tem em consideração a mobilidade, a acessibilidade e a articulação nas suas diversas escalas.

19 Habisp20 Habisp21 Morte e Vida de Grandes Cidades, Jane Jacobs.

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A criação do Parque Linear será uma compensação urbana muito importante, numa área carente de espaços públicos de qualidade, com grandes problemas no que se refere à mobilidade urbana e em transformação morfológica. Tudo isto cria um pano de fundo muito propício para a implantação de tecidos urbanos mistos, que incorporem habitação, serviços, comércios e escritórios, articulando a grande infraestrutura existente numa es-cala de cidade desenhada para o morador, que propicie o encontro na rua, e devolva esse espaço democrático a todos seus habitantes, na área central da cidade de São Paulo.

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ARTIGO Nº5

IDENTIFICAÇÃO DAS ÁREAS VERDES NO DISTRITO DA BARRA FUNDA, PARA A PROPOSTA DO PARQUE LINEAR BRÁS-LAPA E SUA CONTRIBUI-ÇÃO PARA UMA INFRAESTRUTURA VERDE NA CIDADE DE SÃO PAULO

IDENTIFICATION OF GREEN AREAS AT BARRA FUNDA DISTRICT FOR THE PROPOSAL OF LINEAR PARK BRÁS-LAPA AND ITS CONTRIBUTION

TO GREEN INFRASTRUCTURE IN THE CITY OF SÃO PAULO Neila Custódio e Ursula Brinker

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IDENTIFICAÇÃO DAS ÁREAS VERDES NO DISTRITO DA BARRA FUNDA, PARA A PROPOSTA DO PARQUE LINEAR BRÁS-LAPA E SUA CONTRIBUI-ÇÃO PARA UMA INFRAESTRUTURA VERDE NA CIDADE DE SÃO PAULO

Neila Custódio* e Ursula Brinker**

* Arquiteta e urbanista formada pela Universidade Braz Cubas. Trabalha no Metrô, na área de Projeto com Paisagismo e Urbanização - [email protected].

** Arquiteta e urbanista formada pela Universidade Federal da Bahia - [email protected].

RESUMO

A partir da proposta da disciplina de Projeto Sustentável para um Parque Linear Brás-Lapa, analisamos o distrito da Barra Funda (município de São Paulo), sua formação histórica, e a proposta do Plano Diretor Estratégico Regional da Lapa (PDER). Le-vantamos as áreas verdes existentes e sua relação com os aspectos de microclima/ilha de calor da localidade, assim como a importância dos usos do distrito hoje e suas tendências. Descrevemos os benefícios da vegetação urbana, especificamente a arborização viária, para o ecossistema dessa região. A partir das análises, levanta-mos algumas hipóteses, alterando a configuração de algumas ruas importantes, como forma de agregar valor ao distrito da Barra Funda, por meio do desenvolvimento de um plano para uma infraestrutura verde interligando corredores, e caminhos verdes ligando ao parque proposto.

Palavras-chave: Parque Linear Brás-Lapa, ilha de calor, microclima, áreas verdes.

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IDENTIFICATION OF GREEN AREAS AT BARRA FUNDA DISTRICT FOR THE PROPOSAL OF LINEAR PARK BRÁS-LAPA AND ITS CONTRIBUTION TO GRE-

EN INFRASTRUCTURE IN THE CITY OF SÃO PAULO

ABSTRACT

Starting with the proposal of the subject Sustainable Design for a Linear Park Brás-Lapa, it is analyzed the district of Barra Funda (City of São Paulo), its historical for-mation and the proposed “Lapa Regional Strategic Plan” (PDER). It was searched the existing green areas and its relationship to aspects of microclimate/local heat island as well as the importance of the current uses of the district and its trends. It is described the benefits of urban vegetation, specifically the street tree program for the ecosystem of that region. From such analyzes it was considered some hypothesis by changing the configuration of some important streets as a way to add value to the district of Barra Funda by developing a green infrastructure plan connecting corridors and green pa-thways linking the proposed park.

Key words: Linear Park Brás-Lapa, Heat Island, Microclimate, Green Areas.

INTRODUÇÃO

O grupo da disciplina Projeto Sustentável propõe a criação de um parque linear deno-minado Brás-Lapa, a fim de trabalhar com a mobilidade urbana sustentável na cidade de São Paulo, exatamente na área da Operação Urbana Água Branca.

O estudo para o projeto do Parque Linear Brás-Lapa apresentará áreas e corredores verdes, conexão entre as áreas verdes e os equipamentos culturais e sociais relevan-tes, hierarquização do sistema viário, transporte público, potencial do uso do solo e readequação da via férrea – CPTM.

Como o Parque Linear Brás-Lapa conterá elementos estruturadores, como calçadas verdes, corredores verdes e ciclovias, entendemos que o resultado será de um parque que se torne uma infraestrutura verde significativa na paisagem urbana da cidade de São Paulo. Sua funcionalidade está atrelada, quando propomos uma rede de espaços interconectados, tratando as questões relacionadas ao manejo das águas urbanas, conforto ambiental, biodiversidade, alternativas de circulação, acessibilidade, imagem

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local e lazer, promovendo benefícios à sociedade.

Este artigo tem a finalidade de apontar como a modificação do perfil de algumas ruas, com equipamentos voltados para a mobilidade urbana e a distribuição de árvo-res, contribuirá para uma infraestrutura verde dentro de uma área que já se encontra bastante urbanizada, implicando significativamente no incremento da qualidade am-biental. Utilizando a infraestrutura verde, podemos, então, reconhecer e aproveitar os serviços que a natureza pode realizar no ambiente urbano.

DISTRITO DA BARRA FUNDA

Na segunda metade do século XIX, surge o transporte sobre trilhos em São Paulo, a estrada de ferro Sorocabana e a Santos - Jundiaí. As planícies, antes vazias, começa-ram a ser ocupadas, influenciando na formação de vários bairros, e não foi diferente com o bairro da Barra Funda.

O bairro caracterizou-se pelo uso misto – área industrial e de habitação operária -, tendo seu traçado permanecido o mesmo, desde seu início até hoje: um plano prati-camente ortogonal de ruas, convergindo para a estrada de ferro, que corta o bairro ao meio. A divisão do bairro pela estrada de ferro é tão marcante, que cada uma de suas partes recebeu uma denominação: Barra Funda de Baixo ou Várzea da Barra Funda – área compreendida entre o Tietê e a via férrea, formando, com o Bom Retiro, quase que um corpo único -, e a Barra Funda de Cima, área entre a via férrea e um trecho antigo da Rua das Palmeiras, atual Avenida General Olímpio da Silveira.

A paisagem urbana começou a modificar-se nas áreas suburbanas, com uma diferen-ciação mais nítida entre zona fabril e residencial. Na Várzea da Barra Funda, as fábri-cas foram-se distribuindo de maneira mais esparsa, ocupando áreas maiores, sem a antiga concentração de habitação operária em seu entorno. A Barra Funda de Cima, mais influenciada pelos bairros de Santa Cecília, Perdizes e Campos Elísios, assistiu a um processo de expulsão de suas indústrias maiores, caracterizando-se como zona residencial para classe média, pequena indústria e oficina, conservando poucos tra-ços físicos característicos de bairro operário italiano.

O bairro foi formado principalmente pelos italianos, responsáveis por boa parte do povoamento do bairro, na primeira metade do século XX. Os negros também tiveram

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sua importância na constituição de grande parte da população do bairro, residindo nos cortiços, cômodos ou porões das casas.

Em 1900, era inaugurada a primeira linha de bondes elétricos da Capital, unindo a Barra Funda ao centro da cidade. O bonde não influiu no tipo de formação do bairro, que já estava com seu traçado determinado. Seu trilho, porém, correndo em trechos das ruas Barra Funda e Brigadeiro Galvão, concentrou ao longo delas o principal co-mércio e os serviços do bairro.

Na década de 70, a verticalização começava lentamente a fazer parte da realidade desse bairro, com poucos edifícios de apartamentos. Seu perfil horizontal ainda é um contraste, na paisagem de uma região da cidade cercada pelos espigões dos bair-ros vizinhos. Os poucos prédios existentes formam uma paisagem estranha, dentro de um ambiente constituído principalmente por um comércio variado, porém pouco expressivo, e residências antigas e simples, com detalhes arquitetônicos entalhados no início do século XX. Os casarões antigos foram transformados em cortiços e vilas. As primeiras indústrias da cidade foram substituídas pelas oficinas e por pequenas e médias fábricas.

Em 1988 começa a construção do Terminal Intermodal da Barra Funda – o maior da cidade – do Rodoviário Oeste e, em 1989, é inaugurado o Memorial da América Lati-na, com projeto de Oscar Niemeyer.

O Plano Diretor Regional apresenta vários objetivos para o desenvolvimento urbano da região, porém aqui atentaremos especialmente para a qualidade ambiental. São eles:

1. Promover a preservação, recuperação e melhoria das condições de ocupação do solo, de forma a garantir o controle da permeabilidade, em especial na extensa planície aluvial;

2. Promover intensas e extensas ações para diminuir os graves problemas ambientais de drenagem, poluição atmosférica, sonora e de desconforto térmico, adotando pla-nos e programas de gestão ambiental;

3. Viabilizar as transformações urbanísticas e ambientais, fazendo uso das operações urbanas consorciadas da Diagonal Norte Lapa/Vila Leopoldina/ Jaguaré, estabele-cidas pelo PDE, bem como propor alterações na Lei nº. 11.774, de 18 de maio de 1995, que dispõe sobre a Operação Água Branca.

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A Operação Urbana tem como propósito a reurbanização da orla da ferrovia, visan-do integrar as diretrizes da CPTM ao plano urbanístico; a recuperação da impor-tância da ferrovia funcional e paisagística; a criação de novos eixos, incentivando o percurso do andar a pé, e facilitar acesso de automóveis, ônibus e pedestres às estações de trens e metrô.

Segundo o plano Diretor Regional da Subprefeitura da Lapa, a Operação Urbana Água Branca deve ser revista, visando a inclusão dos novos instrumentos de política urbana, definidos no PDE e no Estatuto da Cidade.

A Operação Urbana Água Branca hoje apresenta dados não mais consistentes, com relação à proposta para residência e uso comercial. Atualmente, a área apresenta uma defasagem na relação uso residencial e não residencial.

RESUMO DOS ESTOQUES

Residencial Não residencial

Limite de estoque 300.000,00 900.000,00

Consumo 184.288,38 233.897,09

Em análise 141.296,83 10.092,85

DISPONÍVEL 115.711,62 666.102, 91

Outra questão a ser avaliada pela Operação Urbana é a criação de uma avenida que substituiria o volume de carros hoje abrigado pelo Minhocão, que seria demolido.

Quando a Operação Urbana Água Branca fala da recuperação das referências pai-sagísticas, não deixa claro quais são essas referências. Aqui entendemos, como referências paisagísticas, elementos presentes na cidade que marquem o local, que deem identidade, ajudando a definir a qualidade da paisagem, para que haja inte-resse em seu uso.

Fonte: site da prefeitura de São Paulo – Operação Urbana

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IDENTIFICAÇÃO DAS ÁREAS VERDES DO DISTRITO DA BARRA FUNDA

Mapa 1: Distrito da Barra Funda, com o levantamento das áreas verdes. Crédito: Ursula Brinker.

Ao observar o mapa acima, percebemos claramente a falta de áreas verdes na re-gião. Entendemos aqui, como área verde, áreas permeáveis, pois na grande maioria não há arborização significativa. O que vemos de áreas verdes são, na sua maioria, áreas residuais do sistema viário, como rotatórias, alças de acessos, áreas residuais ladeadas pela linha férrea, algumas áreas privadas, como o São Paulo Futebol Clube, Clube Palmeiras, área livre próxima ao Circo dos Sonhos.

O que temos de mais significativo de área verde com arborização e equipamentos é o Parque da Água Branca e a Praça Conde Francisco Matarazzo Junior, em frente a casa das Caldeiras. Consideraremos, portanto, o Parque da Água Branca um núcleo verde, dada a sua importância como área verde pública, dentre a grande malha cinza urbana. Encontramos, também, um resquício de vegetação ciliar, nos córregos expos-tos Água Branca, Quirino dos Santos e Pacaembu.

Também encontramos algumas ruas arborizadas esparsamente na área residencial

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mais próxima ao Parque da Água Branca, subindo para Perdizes. Algumas ruas largas, na região da Barra Funda baixa – várzea -, apresentam algumas árvores já bem forma-das. Com relação a grandes avenidas, somente um pequeno trecho da Av. Francisco Matarazzo, em frente ao Shopping Bourbon. Neste trecho, há de se observar que a identidade da avenida é diferenciada, há um acolhimento, aconchego, com um clima mais agradável, tanto visualmente, quanto com relação à temperatura, porém, quando passamos pelo Viaduto Pompeia, indo em direção ao Minhocão, tudo fica árido.

O resultado da escassez de áreas verdes na região em questão está exposto no mapa abaixo, referente à temperatura. Percebemos que estamos em uma região com tem-peraturas entre 29,5 e 31 graus, como demonstra o mapa abaixo.

Figura 1: Temperatura do distrito da Barra Funda, comparado às demais áreas. So-mente próximo ao Parque da Água Branca, em direção a Santa Cecília, começa a me-lhorar a temperatura, estendendo-se para a Consolação, Bela Vista e Jardim Paulista.Fonte: Atlas Ambiental do Município de São Paulo – Temperatura da Superfície.

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Com a análise do mapa acima, percebemos que as áreas verdes são importantes no contexto urbano, podendo agir na regularização do clima local, com a redução das tem-peraturas e da poluição, aumento da drenagem, e, portanto, da qualidade de vida urbana.

IDENTIFICAÇÃO DOS USOS NO DISTRITO DA BARRA FUNDA

Mapa 2: Distrito da Barra Funda com a predominância dos usos. Crédito: Ursula Brinker.

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O distrito da Barra Funda apresenta muitas áreas subaproveitadas e impermeáveis, como grandes estacionamentos, que poderiam se tornar parques, formando áreas nú-cleos. Outra forma para trabalhar a permeabilidade e para a melhoria da ilha de calor na região seria a arborização urbana.

De acordo com Furlan (2004), a cidade poderia aumentar sua arborização por meio das estruturas viárias, porém um dos problemas são as múltiplas funções dadas às calçadas e aos canteiros centrais, apesar de a Prefeitura diagnosticar que seria um ganho na melhoria da qualidade ambiental dos bairros.

As intervenções associadas ao aumento dos espaços verdes melhorariam a qualida-de ambiental dos lugares altamente adensados, ampliariam as áreas sombreadas, reduziriam a temperatura, elevariam o percentual da umidade relativa etc., pois, de acordo com Freitas e Lombardo (2007, p. 70), “[...] o planejamento urbano é um pro-cesso constante que permite diagnosticar os problemas locais visando promover o ordenamento racional, a avaliação da qualidade ambiental [...]”.

Para Mascaró (2010), as árvores, os arbustos e outras plantas menores e em seu con-junto constituem elementos da estrutura urbana. Caracterizam os espaços da cidade, por suas formas, cores e modo de agrupamento; são elementos de composição e de desenho urbano, ao contribuir para organizar, definir e até delimitar esses espaços. De-sempenham funções importantes para o recinto urbano e para seus habitantes, ajudam no controle do clima e da poluição, na conservação da água, na redução da erosão e na economia de energia. Além disso, promovem a biodiversidade e o bem-estar dos habi-tantes, valorizam áreas, servem como complementação alimentícia e fonte de remédios para as populações carentes, embelezando seus deteriorados espaços de moradia.

BENEFíCIOS DA VEgETAÇÃO

Entendemos que uma paisagem formada com vegetação em seus espaços públicos traz vários benefícios. Sob o ponto de vista dos aspectos ambientais, a vegetação atua nos microclimas urbanos, contribuindo para melhorar a ambiência urbana sob diversos aspectos: ameniza a radiação solar, diminuindo a temperatura e aumentan-do a umidade relativa do ar; modifica a velocidade e direção dos ventos; atua como barreira acústica; quando em grande quantidade, interfere na frequência das chuvas e, por meio da fotossíntese e da respiração, reduz a poluição do ar.

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Desta forma, apresentamos a seguir os aspectos importantes que dão suporte ao ecossistema do local onde será inserido o Parque Linear Brás-Lapa como infraestru-tura verde, permitindo conexões através de corredores verdes, ruas mais arborizadas, ciclovias e passeios mais adequados.

1. Valores qualitativos e quantitativos

Os valores qualitativos estão relacionados com a criação das sensa-ções estéticas e visuais, dando qualidade ao ambiente. Agrupamentos arbóreos homogêneos ou heterogêneos podem ter várias funções, como barreiras ambientais, definidores do espaço ou acontecimento espacial com função ornamental, como o alinhamento de palmeiras, que pode ressaltar a perspectiva ,ou sugerir imponência aos espaços, sem vedá-los. Neste caso, as palmeiras não contribuem para amenização do cli-ma. Já quando as copas de árvores se cruzam com efeito geométrico do plantio, o clima é minimizado, aumentando o sombreamento, que se dá com árvores de porte médio ou grande.

Foto 1: A Rua Lincoln Albuquerque é um dos poucos exemplos que temos, na área de estudo, com sombreamento de árvores que se cruzam. Esse sombreamento ocorre apenas em um quarteirão da rua. Essa rua está situada ao lado do Parque da Água Branca, em área residencial, onde inicia o bairro de Perdizes. Crédito: Neila Custódio.

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Os valores quantitativos tratam efetivamente não só da quantidade de áreas verdes, mas como essas são distribuídas, para que tragam bene-fícios climáticos. A quantidade de vegetação está intimamente ligada ao conforto térmico. As plantas possuem volumes com porte, forma, textura, cor, densidade de folhagem, floração, galharia e características ambien-tais, que variam de espécie para espécie. Árvores plantadas isoladas têm potencial para amenizar o desconforto do microclima urbano, porém seus efeitos de sombreamento, diminuição da temperatura e elevação da umidade relativa do ar só serão sentidos sob sua copa.

As imagens a seguir mostram a diferença entre propriedades privadas e calçadas não vegetadas com as vegetadas.

Figura 2: Rua sem vegetação, os muros estreitam seus espaços. Fonte: Mascaró, 2010.

Figura 3: A vegetação protege o muro e amplia psicologicamente os espaços urbanos, melho-rando sua ambiência. Fonte: Mascaró, 2010.

2. Aspectos climáticos – microclima e ilhas de calor

A função das árvores na cidade, quanto aos aspectos climáticos, é de remover partículas poluentes, por meio das aberturas dos estômatos, onde os gases poluentes são dissolvidos nos espaços intercelulares e podem ser absorvidos para gerar ácidos, ou reagir com as superfícies internas da folha. Assim, as árvores também removem temporariamente os poluentes, ao reter as partículas na superfície da folha, que podem entrar ou retornar à atmosfera, serem levadas pelas águas da chuva, ou ainda ficarem incorporadas ao solo, quando a folha se desprender.

Através da evapotranspiração – perda de água que ocorre pela evapora-ção da superfície do solo e pela transpiração estomática e cuticular das

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plantas –, podemos abaixar em até três graus a temperatura dos ambien-tes onde se insere a vegetação. Desta forma, a intervenção dos espaços propondo áreas vegetadas pode beneficiar quanto à intensidade e direção dos ventos, proteção ao ruído urbano, conforto térmico quanto ao sombre-amento, e amenização do clima, diminuindo a ilha de calor.

Figura 4: Redução da temperatura na sombra de uma sibipiruna, e alteração da umidade relativa do ar. Fonte: Mascaró, 2010.

Figura 5: Ilustração mos-trando a incidência solar em diferentes matérias. Fonte: Laurie, 1978.

3. Manejo de água e permeabilidade de piso

O tratamento dos espaços públicos com pisos permeáveis e calçadas mais amplas permite que possamos intervir na captação da água de chuva, por meio da criação de canteiros pluviais, biovaletas e jardins de chuva, contribuindo para a qualidade ambiental, quando filtram as águas da chuva, que podem ser reaproveitadas, e quando retêm as águas da chuva, não saturando o sistema de águas pluviais da cidade.

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4. Aspectos da saúde humana

A presença de áreas verdes na cidade influencia diretamente na psique e no bem-estar do ser humano. A própria cor verde é mais fácil de ser percebida e conforta os olhos, quando cansados, pois se encontra em uma posição no espectro visível de luz verde (faixa entre 400 a 700 mm), que, quando projetada na retina, exige o mínimo de esforço mus-cular em relação às demais cores (pesquisa feita por Paula Shinsato. Curso Paisagismo Sustentável, 2012). Desta forma, podemos entender que, quanto mais verde tivermos, melhor para a saúde das pessoas e, consequentemente, a saúde da cidade. Neste aspecto, contemos não somente com as áreas livres públicas, mas também com a implantação de paredes verdes e tetos verdes.

Figura 6: Calçadas mais largas viabilizam árvores e canteiros maiores, consequente-mente mais sombra e permeabilidade.Fonte: Mascaró, 2010.

Foto 2: Praça Conde Francisco Matarazzo Junior, uma das poucas áreas públicas com arborização significativa e equipamento de lazer e conforto térmico. A praça aju-da a compor parte da Av. Francisco Matarazzo,cujo can-teiro central não está mais arborizado, permitindo dar identidade a este trecho da avenida, com qualidade pelo aconchego do verde. Crédito: Neila Custódio.

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5. Aspectos econômicos

Com relação aos aspectos econômicos, sabemos que um empreendi-mento tem seu valor aumentado, quando próximo a áreas verdes. Segun-do a pesquisadora Paula Shinsato, nas cidades de Emmen, Appledoorm e Leiden, na Holanda, edifícios com vista para um parque aumentaram o valor dos apartamentos em 8%, a proximidade com uma área verde valoriza a propriedade em 10%, e com um espelho d’água valoriza a re-sidência em 7%. Por outro lado, a vista para outro edifício desvaloriza a propriedade em 7%.

Fotos 3 e 4: Parque da Água Branca - área pública para descanso e lazer. O bambuzal em especial é direcionado às pessoas que praticam yoga, meditação, assim como o caminhar. Crédito: Neila Custódio.

Foto 5: Av. Francisco Matarazzo cruzando com a Av. Pompeia. No-vos empreendimentos de alto pa-drão, voltados para ruas áridas ou para os próprios edifícios. Apenas uma pequena parte da Av. Francisco Matarazzo, em frente ao Shopping Bourbon, está com o canteiro central arborizado. Crédito: Neila Custódio.

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COMPENSAÇÃO AMBIENTAL COMO MECANISMO PARA INFRAESTRUTURA VERDE – PLANTIO DE ÁRVORES

Projetos arquitetônicos ambientalmente adequados levam a efeitos consistentes e, consequentemente, a benefícios para o meio urbano.

O plantio de árvores por compensação urbana tem diferenciações, se realizado em um sistema viário, ladeando um curso d’água, ou em logradouros, como praças, jar-dins e parques. Ele é efetivo quando associado a espaços livres que a ele dão su-porte, e quando passa pela reflexão dos critérios da qualidade da paisagem, seja ela ambiental, estética ou funcional.

As compensações deveriam seguir projetos que incluam esses três critérios, para que não ocorra simplesmente a plantação de árvores para cumprir a obrigatoriedade de um TCA (Termo de Compromisso Ambiental). O uso inadequado da arborização, ou pela demanda do local, ou pelo mero cumprimento burocrático, pode atuar de forma a não contribuir com a melhoria ambiental e na qualidade da vida urbana.

A seguir, trataremos das hipóteses para o distrito da Barra Fundo, voltadas para a me-lhoria da qualidade ambiental no que se refere ao microclima, com o plantio massivo de árvores. Desta forma, a eficácia dessa arborização deve ser tratada aqui como ele-mento indutor da qualidade ambiental, indo ao encontro das compensações ambientais, uma vez que as áreas permeáveis estão cedendo lugar a novos empreendimentos.

HIPóTESES PARA O DISTRITO DA BARRA FUNDA

A partir da análise da região, percebemos que há possibilidades do incremento de vegetação, utilizando-se alterações dos perfis de algumas avenidas e ruas, para o plantio de arborização. Na área de estudo, a intenção é o incremento voltado para a quantidade de vegetação a ser plantada.

Entendemos que a quantidade de árvores inseridas em algumas ruas e avenidas, aliada à possibilidade de caminhos interligados por ciclovias e calçadas confortáveis para ca-minhadas, contribuirá significativamente para amenização do clima, hoje problemático na região. A inserção destes equipamentos, como meio de transporte e lazer, permite que a região adquira mobilidade urbana e acessibilidade a pontos importantes da área.

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As hipóteses levantadas são possíveis conexões por caminhos verdes, e abertura de áreas permeáveis mal aproveitadas, como de estacionamentos transformados em parques, como áreas núcleos próximas às áreas de interesse social.

Mapa 2: Análise das hipóteses.

Para as ligações longitudinais, juntamente com a proposta do Parque Brás-Lapa, estão a Marginal do Tietê e a Avenida Marquês de São Vicente. Junto ao muro da CPTM, a Rua da Várzea, passando pelo Terminal da Barra Funda, junto à Unesp seguida pela da Rua Gustav Willi Borgoff, que se estenderia até a Rua Santa Ma-rina, pela lateral da área férrea. No lado oposto, também junto ao muro da CPTM, a Av. Auro Soares de Moura Andrade, passando por trás da Casa das Caldeiras, estendendo-se até a Rua Santa Marina. Ainda a Rua Tagipuru, a Av. Francisco Matarazzo e a Rua Turiassu.

A alteração das tipologias dessas avenidas compreende especificamente a diminui-ção do leito carroçável e acréscimo da largura das calçadas e canteiros centrais, para abrigar ciclovia. Para as ruas não tão largas, aumentaríamos significativamente as calçadas, pondo arborização e canteiros pluviais, e um dos lados abrigaria a ciclovia.

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As ligações transversais são os viadutos Pacaembu, Antártica e Pompeia, que terão seu perfil alterado também, com a diminuição do leito carroçável, para um canteiro central que abrigue o caminhar seguro do pedestre e a ciclovia.

Ainda transversalmente, temos a Av. Thomas Edison, desde a Marginal até a Rua da Vár-zea, a Rua Prof. José Nelo Lorenzon, cortando o Nacional Clube até chegar à extensão da Rua Gustav Willi Borgof, e a Rua Quirino dos Santos, junto ao córrego de mesmo nome. Do lado oposto ao parque, teremos, iniciando a oeste, a Rua Joaquim Ferreira até a Rua Carlos Vicare, que intermedeia as avenidas longitudinais Santa Marina e Francisco Matarazzo, a Rua Dona Germaine Burchard, e a Rua Cardoso de Almeida com a Rua Turiassu.

As demais ruas apontadas no mapa seriam ruas arborizadas, podendo também ter alterada sua tipologia, sem abrigar efetivamente ciclovias.

A seguir, mostraremos algumas fotos das ruas apontadas acima, para as conexões transversais e longitudinais do distrito da Barra Funda.

Fotos 6 e 7: Ligações longitudinais: Rua da Várzea, com 12 metros de largura, e Av. Marquês de São Vicente, com 36 metros de largura. Crédito: Neila Custódio.

Fotos 8 e 9: Ligações longitudinais: Rua junto ao Terminal Barra Funda e a Rua Gustav Willi Borghoff, junto ao muro da CPTM – lado norte. Crédito: Neila Custódio.

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Fotos 10 e 11: Ligações longitudinais: Av. Auro Soares de Moura Andrade, junto ao muro da CPTM, ao su,l e Av. Francisco Matarazzo. Crédito: Neila Custódio.

Fotos 12 e 13: Ligações transversais: Rua Quirino dos Santos, antes e depois da Av. Marquês de São Vicente. Crédito: Neila Custódio.

Fotos 14 e 15: Ligações transversais: Av. Thomas Edison, voltada para a Marginal do Tietê e voltada para o Terminal Barra Funda. Crédito: Neila Custódio.

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Fotos 18 e 19: Ligações transversais: Viaduto Pompeia e a curva da Av. Auro Soares de Moura Andrade, chegando à Av. Francisco Matarazzo, junto à Praça Conde Francisco Matarazzo Junior. Crédito: Neila Custódio.

Fotos 20 e 21: Ligações transversais: viela a ser aberta entre a Rua Tagipuru e Av. Francisco Matarazzo. Crédito: Neila Custódio.

Fotos 16 e 17: Ligações transversais: Ruas sem saída, não formalizadas, que poderia ser rasgadas pelas grandes áreas de estacionamento próximas ao Viaduto Pompeia. Crédito: Neila Custódio.

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A seguir, mostraremos algumas tipologias prováveis para as alterações das avenidas e ruas, com a finalidade de proporcionar acessibilidade e mobilidade às pessoas.

Figura 7: Nesta planta, podemos perceber a escassez de arborização, resultando em uma área árida, e principalmente a priorização dos automóveis, em detrimento dos pedestres. Crédito: Neila Custódio.

Figura 8: Nesta planta, mostramos como é viável a melhoria da Av. Marquês de São Vicente, com a proposta de alargamento das calçadas e canteiro central com ciclovia, arborização e canteiros verdes, que funcionariam como jardins de chuvas. Crédito: Neila Custódio.

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Figura 9: Neste corte, mostramos especialmente a estruturação da arborização em portes peque-no, médio e grande, e a forma da copa mais aberta na lateral esquerda, ou mais centralizada no canteiro, para que o ônibus não faça a poda, ou mais colunar, para não atrapalhar a fiação elétrica. Crédito: Neila Custódio.

Figura 10: Neste corte, vemos especialmente a estruturação da arborização em portes pequenos no canteiro central, para abrigar a ciclovia, e nas laterais, onde não há fiação elétrica, as de grande porte, e as de médio e pequeno onde há fiação. Crédito: Neila Custódio.

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CONSIDERAÇõES FINAIS

A análise da área de estudo denominada distrito da Barra Funda indica que a região apresenta uma necessidade extrema de novas áreas verdes e arborização viária, já que nela só existe o Parque da Água Branca como núcleo verde, e as ruas são pouco ou nada arborizadas. A utilização da vegetação procura reduzir os efeitos de ilha de calor e da poluição urbana. Desta forma, as diretrizes aqui traçadas para arborizar a região, seguindo os critérios da infraestrutura verde integrada à cidade, resulta em aberturas de áreas verdes permeáveis, como novos parques formando núcleos ver-des, massiva arborização nas ruas formando caminhos verdes, e a criação do Parque Linear Brás-Lapa, que seria o elo dessa nova malha verde. Estas novas áreas e ruas seriam também utilizadas para a acessibilidade e mobilidade urbana, com a implanta-ção de ciclovias e valorizando o “andar a pé”, formando uma trama de conexões.

A arborização viária de ruas e avenidas se torna aplicável, de acordo com nosso estudo sobre a região, quando observamos suas configurações, sendo estas de grandes dimensões, com muitas faixas, possibilitando o alargamento dos cantei-ros centrais para a implantação de ciclovias, caminhos de pedestres e plantação de árvores, assim como o alargamento e plantio de árvores nos passeios. Essas ruas e avenidas seriam conectadas com o metrô e o trem, formando uma rede de mobilidade urbana de baixo carbono. A área também apresenta grandes áreas ociosas, aptas a abrigar parques formando áreas núcleos. Portanto a ligação dos fragmentos e núcleos verdes, aliada à arborização de áreas ociosas e a implanta-ção de ciclovia, será de grande valia do ponto de vista ecológico, térmico e social, além de valorizar a região.

Entendemos que, para que haja esse plano de arborização, há necessidade de que as políticas públicas estejam voltadas de fato para a questão ambiental, com um plano diretor de arborização, políticas de manutenção, educação e conscienti-zação da população.

REFERêNCIAS BIBLIOgRÁFICAS

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MASCARó, Lucia e Juan. Vegetação Urbana. 3 ed. Porto Alegre: Editora 4, 2010.Revista LabVerde. Infraestrutura verde em São Paulo: O caso do corredor verde Ibi-rapuera-Villa Lobos. São Paulo, n.1, p. 134-154, 2010.

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SHINSATO, Paula. Curso Paisagismo Sustentável: Estratégias de Integração no Projeto de Edifícios e Cidades Sustentáveis – dias 18 e 19 de outubro de 2012, no Espaço Vista Paulista – São Paulo.

SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Planejamento Urbano/Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente. Atlas ambiental do município de São Paulo, São Paulo, 2007.

_______. Secretaria Municipal de Planejamento Urbano. Plano Diretor Estratégico. Lei n. 13.430 de 13 de setembro de 2002. São Paulo, 2002.

SÃO PAULO (Estado). Secretaria do Meio Ambiente/Secretaria Municipal de Planeja-mento. Vegetação significativa do município de São Paulo. São Paulo, 1988.

Sites pesquisados:

http://www.suapesquisa.com/o_que_e/ilha_de_calor.htmhttp://www.revistalabverde.fau.usp.br/edicoes.html

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ARTIGO Nº6

RECUPERAÇÃO DE CÓRREGOS URBANOS DA BARRA FUNDA COMO CONTRIBUIÇÃO PARA A MOBILIDADE SUSTENTÁVEL

RECUPERATION OF URBAN STREAMS AT BARRA FUNDA DISTRICT AS A CONTRIBUTION TO THE SUSTAINABLE MOBILITY

Brigitte Langreney e Regina Quartim Barbosa Rioli

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RECUPERAÇÃO DE CÓRREGOS URBANOS DA BARRA FUNDA COMO CONTRIBUIÇÃO PARA A MOBILIDADE SUSTENTÁVEL

Brigitte Langreney* e Regina Quartim Barbosa Rioli**

*Arquiteta e urbanista, graduada pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Fundação Armando Álvares Penteado - FAAP – E-mail: [email protected]

**Arquiteta e urbanista, graduada pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Belas Artes de São Paulo – Febasp – E-mail: [email protected]

RESUMO

O intenso processo ce urbanização das cidades, em função dos automóveis, já apre-senta nítidos sinais de decadência, na nossa atual civilização, e a questão da mo-bilidade urbana sustentável começa a ganhar espaço e valor, no planejamento das cidades. A ideia de recuperar os córregos da região da Barra Funda, na cidade de São Paulo, e aproveitar suas margens revitalizadas para a mobilidade sustentável, constitui o objetivo desta pesquisa. Caminhar a pé, correr e andar de bicicleta,são atividades que contemplam a mobilidade sustentável. Além da preocupação social, ambiental e econômica, que formam o tripé da sustentabilidade, é preciso que haja uma nova visão de mundo, com outro olhar sobre a ocupação urbana. A recuperação de córregos urbanos providencia esta releitura de espaço, hoje uma tendência mun-dial, quando se pensa em planejamento urbano sustentável.

Palavras-chave: recuperação de córrego, projeto sustentável, mobilidade urbana.

RECUPERATION OF URBAN STREAMS AT BARRA FUNDA DISTRICT AS A CONTRIBUTION TO THE SUSTAINABLE MOBILITY

ABSTRACT

The intense and growing process of cities urbanization, due to the increase of cars, al-ready shows clear signs of decay in our civilization and the issue of sustainable urban mobility begins to gain space and value in the planning of cities. The idea to recupe-

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rate the streams at Barra Funda District in São Paulo, seizing its revitalized banks for sustainable mobility, is the objective of this research. Walking, running and cycling are activities that include sustainable mobility. Besides the social, environmental and eco-nomic concerns, which form the tripod of sustainability, there must have a new vision of the world with another look on the urban occupation. The restoration of urban streams provides a new vision of the site, a worldwide trend nowadays, when sustainable urban planning is focused.

Key words: Stream Recovery, Sustainable Project, Urban Mobility.

INTRODUÇÃO

O bairro da Lapa fica localizado na zona oeste do Município de São Paulo, capital do Estado de São Paulo – Brasil. O distrito da Barra Funda faz parte da administração regional da Lapa, e fica entre o rio Tietê e a Rua Turiassú. Foram nos últimos 50 anos que o local sofreu maior crescimento urbano, devido a fatores econômicos, industria-lização e também por ser um dos últimos locais com espaço disponível, próximo ao centro da cidade.

A área é cortada por uma linha férrea com estação de trem, que data de 1867 e liga Santos a Jundiaí. Hoje, este local deu lugar ao terminal intermodal da Barra Funda, o qual dispõe para a população ônibus, trem e metrô. Hoje por ser zona mista, possui nos seus arredores comércio, residências e equipamentos culturais como o Memorial da América Latina, diversas escolas profissionalizantes e universidades.

O objeto de estudo desta pesquisa é a área que fica na região da Barra Funda, entre as avenidas marginais do rio Tietê e o Parque da Água Branca. O relevo é plano pró-ximo ao rio e possui diversos córregos que nascem nas cotas mais altas, não muito distantes do local. A linha férrea já está em um nível acima do rio, sobre os antigos terraços que circundam o rio Tietê, assim como a maioria das ruas e edificações da cidade. A parte mais plana entre a ferrovia e o rio, no passado atraiu indústrias, que se beneficiavam da água do rio e do transporte do trem, dando início assim à ocupação urbana das margens dos córregos da região.

A questão é pensar a cidade com respeito ao meio ambiente, através de uma releitura do espaço urbano atual, que apresenta seus córregos canalizados ou degradados,

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sem boas propostas de uso, e analisar a possibilidade de inserir nos novos projetos urbanos existentes para este local, os aspectos de lazer, valorização da caminhada e do uso da bicicleta para recriar um ambiente mais naturalizado, esquecido pela cidade neste processo de desprezo da natureza, devido a pavimentação do solo e desenho urbano em função do automóvel.

É preciso resgatar este potencial de ambiente natural que os córregos ainda ofere-cem. Não somente através da recuperação de seu trecho não canalizado, mas buscar sua nascente e traçado original como patrimônio ecológico em respeito à identidade local, a qual se perdeu ao longo da história da cidade e também como ideal de sus-tentabilidade urbana.

Figura 1: Ilustração: Mapa histórico da área em estudo de 1913. Fonte: Planta da cidade de São Paulo – eng. Civil Alexandre M. Cucuci e L. Fruc-tuoso F. Costa –Companhia Lithographica Hart-mann – Reichenbach de 1913.

Figura 2: Ilustração: Mapa hidrográfico do muni-cípio de São Paulo com a identificação da área de estudo. Fonte: Gegran

O rio Tietê compõe os principais Rios que atravessam o município de São Paulo, nas-ce a leste na serra do Mar e corre a oeste para o interior do continente onde se junta com o Rio Paraná até desaguar, mais ao sul do continente, no oceano Atlântico, como o Rio da Prata. Historicamente, o rio Tietê foi o responsável pela conquista do interior de São Paulo e do Brasil. Os caminhos terrestres e suas águas navegáveis, levaram os exploradores europeus a descobrirem novos lugares, serviu também como alimento, fornecendo água potável e diversos tipos de peixes para a província e para os viajantes.

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Até a metade do século XX o rio Tietê cumpriu esplendidamente com seu potencial ambiental sustentável, proporcionando recreio, esporte e bom convívio social entre as pessoas com a natureza (fig. 3 e 4). Foi a partir de 1950, com o crescimento da expansão urbana não sustentável, que o rio e seus afluentes começaram a sofrer o processo de poluição e degradação de suas margens e de seu traçado natural, o que resultou em um ambiente hostil sem vida natural, sujeito à inundações e doenças, hoje cenário da cidade.

Figuras 3 e 4: Ilustrações: imagens históricas - Rio Tietê na cidade de São Paulo. Fonte: NÚCLEO UNIÃO PRÓ-TIETÊ. Fundação SOS Mata Atlântica - Ilustrações Beth Kok Desenvolvimento AR Gestão Ambien-tal Solução Estúdio Girassol - (http://www.arcplan.com.br/rededasaguas/nucleo/na_memoria.htm)

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O relevo que a natureza levou milhões de anos para formar, os terraços, as curvas sinuosas de toda a rede de pequenos rios, que compõe sua bacia, foram ocupados e modificados em curto espaço de tempo, pela ação do homem. A atuação sanitarista levou à impermeabilização do solo junto aos cursos d’água, canalização e retificação de quase todo o sistema que compõe o rio Tietê no trecho metropolitano da cidade de São Paulo. Na figura 1 pode-se verificar a região da Lapa em 1913, com os meandros naturais do rio Tietê, antes dele ser retificado.

O objetivo desta pesquisa é verificar as condições para a recuperação dos córregos da região da Barra Funda na cidade de São Paulo, a fim de aproveitar suas margens revitalizadas para a mobilidade sustentável. Esta pesquisa é importante para possibi-litar o resgate do antigo bom convívio da cidade com a natureza. Hoje a ocupação ur-bana das margens dos rios e córregos da cidade gera inúmeros problemas ambientais e prejudica a cidade. Para que isso não ocorra, faz-se necessário um planejamento urbano, onde a gestão ambiental esteja inserida e atrelada a uma ação conjunta, com os diversos órgãos que atuam nestas bacias hidrográficas. O atual modelo de ocupa-ção e uso dos cursos d’água, não será revertido em curto prazo, existem interesses econômicos que empurram a urbanização e, portanto, é necessário que ocorram in-tervenções nos três níveis de governo e profundas mudanças na sociedade, para que se crie condições para esta nova visão de mundo.

A metodologia utilizada para o desenvolvimento desta pesquisa foi a comparação entre mapas históricos e mapas atuais, pela sobreposição das imagens com desenho auxiliado por computador, através do programa AutoCAD. Foi realizado um levanta-mento fotográfico na visita ao local, pesquisa na literatura e nas fotos antigas para obtenção de dados e conceitos, e a digitalização em tela dos córregos e do sistema viário, sobre a imagem da cidade como pano de fundo.

COMPREENSÃO E VISÃO DO TODO

As ocupações urbanas das grandes metrópoles são formadas por extensas áreas pavimentadas, que impedem a respiração do solo, prejudicando a permeabilidade natural da terra, e inviabilizam a presença de vegetais. As espécies arbóreas não con-seguem formar grupos para amenizar o calor nos dias quentes, e isto gera as “ilhas de calor” (fig. 5) que em alguns setores da cidade, chegam a ser insuportáveis, atingindo até 10 graus Celcius a mais que as áreas arborizadas (Lombardo, 1985).

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Figura 5: Áreas urbanizadas versus ilhas de calor em São Paulo. Fonte: http://institutocidadejardim.wordpress.com

A ocupação total da área de várzea dos rios e córregos leva a destruição dos recursos naturais, matas e antigos lagos da cidade, aumenta a poluição do ar, gera maior ruído e desconforto, e cria uma população doente. Hoje a metrópole vive no limite do suportável e ações que levam em consideração o respeito ao meio ambiente natural, passam a ser agora fundamentais para o urbanismo.

A poluição e descaracterização do local ocupado antigamente pelo rio, a destruição da fauna e flora, assim como a alteração de seu traçado original (fig. 6 e 7), aliado a ligação indiscrimi-nada da rede de coleta de esgoto e pluvial ao seu leito, modificaram violentamente sua pai-sagem urbana colonial. Hoje, o desenho do Rio Tietê e córregos da região em nada lembram aquela época, em que a cidade ainda recebia a boa contribuição ambiental do Rio e seus habitantes podiam aproveitar este ecossistema natural, para a prática de esporte e lazer.

Figura 6: Mapa Topográfico do Município de São Paulo, executado pela empresa Sara Brasil, 1930 – Publicado pela Prefeitura Municipal de São Paulo – traçado original do Rio Tietê. Trecho entre o Rio Tamanduateí ( à direita ) e o Rio Pinheiros ( à esquerda)

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A recuperação dos córregos da região da Barra Funda, servirá para fazer a conexão com mobilidade sustentável entre a Av. Marginal do rio Tietê e o bairro, através de caminhada e do uso de bicicleta, e transpor a ferrovia, ou integrá-la também como futura área verde. Este caminho proporcionará a ligação com o Parque da Água Branca, passando pelo terminal intermodal Barra Funda e o Memorial da América Latina, criando um corredor verde, somente para pedestres e ciclistas, formando uma rede sustentável entre estes dois pólos e a cidade. A hipótese de transformar o espaço ocupado pela ferrovia em uma grande área verde, é uma tendência mundial que vem ganhando força, devido à necessidade da implementação de sustentabili-dade urbana nas cidades.

CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO

Os córregos do Cortume, Água Branca, Água Preta, Sumaré, Quirino dos Santos e Pacaembú, fazem parte de um conjunto de micro-bacias, que compõe a região da Barra Funda (fig. 8). As micro-bacias denominadas: Água Branca, Quirino dos Santos

Figura 7: Ilustração: Mapa hidrográfico de São Paulo – Rio Tietê retificado – Trecho entre o Rio Taman-duateí ( à direita em vermelho ) e Rio Pinheiros ( à esquerda). Fonte: Gegran

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e Pacaembú, são afluentes da margem esquerda do rio Tietê, as quais ainda possuem um trecho não canalizado, e são portanto nosso objeto de estudo.

Da esquerda para a direita:

• Córrego do Cortume

• Córrego Água Branca

• Córrego Água Preta

• Córrego Sumaré

• Córrego Quirino dos Santos

• Córrego Pacaembú

Figura 8: Ilustração: Área em estudo - Mapa da região da Barra Funda com o desenho das pequenas bacias dos córregos que abastecem o rio principal: Tietê. Fonte: Detalhe do Mapa Hidrográfico do Município de São Paulo com divisão de bacias – Fundação Centro Tecnológico de Hidráulica, 2012 * modificado pelos autores: acréscimo do córrego Água Branca

Córrego Quirino de Santos

O córrego Quirino dos Santos pertence a uma destas micro-bacias que existem na área em estudo, que servem como drenagem natural para a cidade no sentido sul – norte. Este córrego está retificado e segue canalizado por baixo da Rua Quirino dos Santos, atravessando a Av. Marquês de São Vicente. A partir do cruzamento destas duas ruas mencionadas ele se torna um canal retificado a céu aberto (foto 1) que pas-sa por dentro de antigo parque de diversões e deságua no rio Tietê entre as pontes do Limão e da Casa Verde. O trecho em canal aberto encontra-se bastante degradado sem, praticamente, nenhuma vegetação ciliar (foto2).

O trecho que atravessa o parque de diversões, embora poluído, está arborizado e apre-senta vegetação ao longo do córrego. Uma via não pavimentada surge no trecho fora do terreno do parque de diversões e acompanha o córrego, que neste local encontra-se mais devastado, possuindo apenas algumas árvores espalhadas, entulho e lixo ao lon-go do percurso até desaparecer na Av. Marquês de São Vicente. Próximo a Av. Marquês de São Vicente, observa-se a presença de algumas espécies de Fícus e Bananeira. Estas espécies arbóreas atraem a avifauna, mas o predomínio maior é das gramíneas.

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Foto 1: córrego Quirino dos Santos: início do tre-cho do canal aberto – presença de entulho. Fonte: dos autores

Foto 2: córrego Quirino dos Santos: trecho próxi-mo ao antigo parque de diversões. Fonte: dos autores

Córrego Pacaembu

O córrego Pacaembu encontra-se no limite leste da área destinada à Operação Urba-na Água Branca. Na área de estudo, o mesmo segue pela Av. Doutor Abraão Ribeiro, sentido norte, até desaguar no rio Tietê. Após o trecho canalizado por via subterrânea, no cruzamento entre a Avenida Abraão Ribeiro e Rua Padre Luis Alves de Siqueira, o córrego corre a céu aberto (foto 3). Segundo o Estudo de Impacto Ambiental feito para a Operação Urbana Água Branca, muitas espécies registradas nesta área têm grande potencial para atração de aves (foto 4), como a embaúba, aroeira-pimenta, e as frutí-feras amoreiras, pitangueira e goiabeira. Por outro lado, observou-se a presença de entulho e principalmente sacolas plásticas no trecho aberto.

Foto 3: córrego Pacaembu: início do trecho do canal aberto – presença de entulho *(recebe as águas do córrego anhanguera). Fonte: dos autores

Foto 4: córrego Pacaembu: presença de aves no local. Fonte: dos autores

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Córrego Água Branca

O córrego Água Branca se desenvolve em direção ao rio Tietê paralelo à Rua Profes-sor José Nelo Lorenzon, passando pelo estabelecimento comercial Telha Norte que fica na marginal do Rio Tietê. Este córrego passa por dentro da favela do Sapo, a qual contribui para a degradação ambiental através da ocupação desordenada e do lança-mento direto no córrego de vários resíduos de lixo (foto 5). Após o trecho canalizado por via subterrânea, onde corre a céu aberto, observa-se a ausência praticamente total de vegetação ciliar arbórea. Não se encontra no local, espécies atraentes para a avifauna. Assim como os outros corpos d’água mencionados anteriormente, o córrego da Água Branca apresenta-se visivelmente degradado (foto 6).

Foto 5: córrego Água Branca: ao lado da favela do Sapo, presença de muito lixo e entulho. Fonte: dos autores

Foto 6: córrego Água Branca: trecho próximo á Marginal do Rio Tietê, sentido Sul. Fonte: dos autores

Devido aos lançamentos de esgotos sanitários, tanto doméstico como industrial, aci-ma das respectivas capacidades, estes cursos d’água estão em condições ambientais muito precárias, e na área em que estes córregos se encontram, existe uma carência de linhas de drenagem. Esta é uma das principais causas das constantes inundações nesta região no período de chuvas.

Os córregos estão inseridos em uma zona muito urbanizada, que durante a sua histó-ria sofreram alterações nas características de seus cursos naturais como retificações, canalizações e se tornaram receptores dos diversos tipos de detritos que alteram a qualidade das águas e provocam o seu assoreamento.

Como a planície aluvial do rio Tietê é formada por extensas áreas de várzea e brejo,

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frequentemente são feitos aterramentos, favorecendo as erosões urbanas e reduções de várzeas tornando os cursos d’água locais mais suscetíveis aos assoreamentos.

A recuperação e integração do rio Tietê e seus cursos d’água com a cidade de São Paulo é importante também para a implantação do sistema de drenagem, com áreas verdes permeáveis, a fim de proporcionar melhores condições ambientais. Para isso um Plano de Desassoreamento e limpeza periódica das galerias dos córregos já estão sendo feitos pela Prefeitura Municipal de São Paulo. A Operação Urbana Água Branca do município de São Paulo tem como objetivo principal, diminuir os problemas relacio-nados às inundações.

A MOBILIDADE SUSTENTÁVEL E A INFRAESTRUTURA VERDE

A sustentabilidade para a mobilidade urbana é: “a capacidade de fazer as viagens necessárias para realização dos direitos dos cidadãos com o menor gasto de ener-gia possível e menor impacto ao meio ambiente.” (Ministério das cidades, 2007ª). A condicionante necessidade de deslocamento e a crise em que se encontra o atual modelo de transporte individual por automóveis, para o qual não há mais espaço nas cidades, indicam a necessidade de se criar novos corredores urbanos, para o pedestre e o ciclista, para garantir a circulação urbana visando a melhoria da qua-lidade de vida das pessoas em relação à saúde física e mental. A boa mobilidade aumenta o acesso a serviços essenciais e também aos serviços que tornam a vida mais agradável, dando mais opções sobre onde queremos viver e o estilo de vida que queremos ter.

Torna-se cada vez maior a necessidade da limitação das viagens motorizadas nas cidades. Para isso é preciso aproximar os locais de moradia dos locais de trabalho, o acesso aos serviços essenciais, ou ampliar o modo coletivo e os meios não motori-zados de transporte. O principal objetivo da mobilidade sustentável é a redução dos impactos ambientais e sociais da mobilidade motorizada existente.

A inclusão dos meios não motorizados nos deslocamentos urbanos deve ser aborda-da como complemento do conceito de Mobilidade Urbana para cidades sustentáveis como forma de inclusão social, de redução e eliminação de agentes poluentes e me-lhoria da saúde da população. Conforme caderno de referência PlanMob do Ministério das cidades, 2007b:

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“A integração da bicicleta nos atuais sistemas de circulação é possível, mas ela deve ser considerada como elemento integrante de um novo desenho urbano, que contemple a implantação de infra-estruturas, bem como novas reflexões sobre o uso e a ocupação do solo urbano”

Para a área em estudo, existe um Plano Cicloviário feito para o bairro da Lapa. Esse plano da Subprefeitura da Lapa foi apresentado à população em 26 de abril de 2012 e está em processo de aprovação junto ao CET (Companhia de engenha-ria de tráfego) e a Secretaria Municipal de Transportes. O plano foi desenvolvido pela Ativa - Engenharia, Arquitetura e Urbanismo e custeado pela Secretaria do Verde e Meio Ambiente (fig. 9).

Segundo a Ciclocidade (Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo), o plano prevê a construção de ciclovias, ciclofaixas e trânsito compartilhado com sinalização – conhecida também como ciclorrota – e instalação de paraciclos. Ao todo seriam 100 km de estrutura construída, dividida em três momentos: o primeiro de reformas mais simples (38 km de ciclofaixas e ciclorrotas), em até 2 anos; o segundo, com 27 km, prevê obras pequenas e sinalização, já incluindo ciclovias; o terceiro, com 35 km e obras de maior porte, deve demorar até 10 anos para estar concluído. O plano tam-bém propõe a ligação da infraestrutura cicloviária às estações de trem e de metrô da região e considera locais de maior interesse, como igrejas, comércio e faculdades, e as vias em que, segundo o estudo, circulam mais ciclistas.

Figura 9: Ilustração: Planta geral do Plano Cicloviário da Subprefeitura da Lapa. Fonte: Ativa - Engenharia, Arquitetura e Urbanismo – custeado pela Secretaria do Verde e Meio Ambiente do Município de São Paulo.

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Para que haja esta mobilidade sustentável, faz-se necessário incorporar nesta rota do plano cicloviário, a região dos córregos Água Branca, Quirino dos Santos e Pacaem-bu, que deverão ser recuperados. Os parques lineares destes córregos contribuirão para o bem estar e qualidade de vida das pessoas da região e para a acessibilidade entre as áreas verdes e os outros locais de interesse.

ESTUDOS DE CASO DE REVITALIZAÇÃO DE CÓRREGOS E RIOS URBANOS

Na Córeia do sul, em Seul, o córrego Cheong Gye Cheon hoje é um modelo de revi-talização (foto 7 e 8). Ele foi totalmente despoluído e as vias e o viaduto que cobriam este canal urbano foram demolidos e apagados da paisagem da cidade.Segundo informações do site Rede Nossa São Paulo e o Sr. In-Heun Lee que coorde-nou o projeto de recuperação:

“...do começo ao fim, o projeto custou US$ 380 milhões. Houve uma redução da temperatura de 3,6 graus na área, queda de 38% nas emis-sões de poluentes, valorização dos imóveis no entorno e um aumento de 4 para 25 espécies de peixes e de 6 para 36 espécies de aves.”

Os resultados mostraram que estes investimentos asseguraram a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos a partir da paisagem restaurada. (http://www.nossasaopaulo.org.br).

Foto 7: Córrego Cheong gye cheon, em Seul, na Coréia do Sul antes da demolição do viaduto que cobria o canal. Fonte: Instituto SOS Rios do Brasil - http://sosriosdobrasil.blogspot.com.br

Na China, o distrito de Liwan, a oeste das antigas muralhas da cidade de Guangzhou, foi no passado um bairro tranquilo, com muitos canais, lagos e ruas estreitas. O canal Lizhiwan (foto 9 e 10) ligava o Rio das Pérolas, aos jardins imperiais de Liwan. Com o passar do tempo devido ao processo de urbanização da cidade, o canal Lizhiwan foi

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Foto 9: Canal Lizhiwan- China: as obras e o desenvolvimento das hidrovias. Fonte: ITDP / http://mobilidadesustentavel.blog.uol.com.br

coberto, transformando-se na estrada Xiguanguwan e em uma vala para drenagem de esgotos (http://mobilidadesustentavel.blog.uol.com.br). Segundo Lincoln Paiva, do site Mobilidade Sustentável:

“na década de 1990, Guangzhou começou a restaurar todo o sistema hidrológico no Distrito Liwan. Com a construção ocorrendo principal-mente durante 2009-2010, foram restaurados 121 segmentos do rio e sistema de canal começou incluindo o canal Lizhiwan. Os esgotos foram conectados a tubulações novas, o canal foi dragado e desconta-minados, as paredes do canal foi reconstituída e a terra ao longo do canal foi limpo, adicionando novas passarelas e um novo paisagismo. O canal foi ligado novamente ao Lago Liwan para permitir a água cir-culação dos canais. Em 2009, o distrito Liwan criou um novo distrito de 58 hectares que ficou conhecido como a Lizhiwan cultural , numa área circundante para preservar e restaurar muitos dos edifícios histó-ricos ao redor que viraram museus.”

No Brasil, estado de São Paulo, Município de Sorocaba a prefeitura tem se des-tacado pelos seus trabalhos de ações integradas no projeto de recuperação e revitalização do Rio Sorocaba e de córregos urbanos. Os trabalhos envolvem, além do tratamento de esgotos domésticos, a construção de bacias de conten-ção, recuperação das margens e de áreas degradadas, construção de conjuntos habitacionais para famílias que vivem em áreas de risco, ciclovias e parques integrados (fotos 11 e 12).

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Foto 11: Rio Sorocaba: longo trabalho para a despoluição das águas. Fonte: SAAE-Sorocaba – Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Sorocaba

Foto 12: Rio Sorocaba: revitalização e integração com parques e ciclovias. Fonte: Associação Nacional dos Órgãos Municipais de Meio Ambiente

Também no Brasil, estado de São Paulo e Município de São Paulo, o Córrego Pira-rungáua, passou por um processo de revitalização (fotos 13 e 14). Esse córrego é um dos formadores do Riacho do Ipiranga e sua nascente encontra-se dentro dos limites do Jardim Botânico, que faz parte do Parque Estadual das Fontes do Ipiranga.

O córrego corria por um canal subterrâneo construído em 1940, sem muita tecnologia, com paredes de tijolo e uma laje. Como um trecho da Alameda Fernando Costa, que cobria o córrego, cedeu e os técnicos constataram que o local estava condenado por inteiro, do ponto de vista estrutural, a revitalização tornou-se possível. O calçamento existente foi retirado e a recuperação das margens do Pirarungáua foi iniciada, permi-tindo que o córrego voltasse a correr a céu aberto.

O paisagismo das margens do córrego foi regenerado, com a utilização de espécies da Mata Atlântica, retiradas dos locais onde estão as obras do trecho sul do Rodoa-nel de São Paulo. O corredor de entrada foi adaptado para permitir a acessibilidade de pessoas com dificuldade de locomoção. O projeto é do arquiteto Paulo Ganzelli (http://www.ambiente.sp.gov.br).

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Foto 13: Córrego Pirarungáua: no canal subter-râneo, antes da retirada do calçamento. Fonte: ONG Vira Mundo ( http://saopaulo-sp-aac.blogspot.com.br/)

Foto 14: Córrego Pirarungáua: integrado a decks e passarelas na entrada do Jardim Botânico. Fonte: Portas de Interlagos (http://www.portaldeinterlagos.com.br)

DIRETRIZES GERAIS DA RECUPERAÇÃO DOS CÓRREGOS E NATURALI-ZAÇÃO DA MALHA URBANA

No estudo realizado, pode-se constatar que os córregos descritos na região da Barra Funda, sofreram grandes alterações em seus traçados originais. O relevo da região foi modificado através de aterramentos, os córregos foram canalizados, a vegetação e a permeabilidade da área diminuíram, a temperatura ambiente aumentou e as enchen-tes são frequentes neste local. Trata-se da ocupação urbana de uma área de várzea de rio, cujo solo é frágil, formado por um complexo sistema de drenagem natural, desenhado pela natureza durante milhões de anos, que passou a ser modificado por ação antrópica de maneira predatória. Os estudos apontam que no passado, houve um momento em que a bacia hidrográfica convivia em harmonia com a cidade e seus habitantes, diferentemente do que ocorre hoje. O que se percebe é um ambiente hos-til, desumano totalmente descaracterizado.

A recuperação dos córregos da região da Barra Funda na cidade de São Paulo, e o aproveitamento de suas margens revitalizadas para a mobilidade sustentável, servi-rão para melhorar a qualidade de vida dos habitantes, através da conexão do Parque da Água Branca e ampliação das áreas verdes com vias públicas mais confortáveis, eficientes e ecológicas.

Para garantir uma melhora significativa na qualidade de vida da população e resgate

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do antigo convívio social com a natureza, o ambiente urbano precisa oferecer áreas verdes interligadas umas as outras, ligadas à malha urbana, com meio de transporte sem o uso de veículos motorizados e poluentes. As vias de pedestre serão os capi-lares da rede de transporte sustentável e deverão ser implantadas a nível local, para percorrer pequenas distâncias nos bairros (residências, serviços e comércio) e formar conexões com os córregos revitalizados e as áreas de lazer.

É preciso criar vias de pedestre e ciclovias, com infraestrutura verde, que façam a liga-ção entre os parques lineares dos córregos revitalizados e o Parque da Água Branca, passando pela linha férrea, a qual divide o bairro ao meio. A integração de áreas divi-didas por rodovia e/ou linha férrea é um desafio antigo para quem trabalha com plane-jamento urbano. O espaço hoje ocupado pela ferrovia será considerado como o futuro Parque Linear Brás-Lapa, que é uma proposta da disciplina Projeto Sustentável da Pós-Graduação da Universidade de São Paulo, onde a ferrovia deverá ser rebaixada em alguns trechos para que a área superficial seja aproveitada como Parque Linear conforme os princípios da mobilidade sustentável. Esta área poderá integrar nossa proposta, ampliando assim a rede de infraestrutura verde na região.

A via de pedestre e ciclovia proposta precisará ter um trecho elevado, para transpor a linha férrea que neste setor permanecerá na superfície, devido à proximidade com

Figura 16: Ilustração: Área em estudo. Fonte: Desenho dos autores sobre imagem do site Google.

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o terminal intermodal Barra Funda. Desta maneira será possível estabelecer a co-nexão direta das ciclovias, calçadas da região e dos córregos a serem recuperados: Água Branca, Quirino dos Santos e Pacaembú, com o Terminal Barra Funda, inclusive com serviço de apoio ao usuário através da construção de um bicicletário neste local. Conforme analisado no mapa, há outros pontos de interesse e áreas verdes na Barra Funda, que poderiam ser melhor utilizados pela população. O Fórum Criminal, situado entre a Av. Dr. Abraão Ribeiro e a Av. Marginal Tietê, reserva em bom espaço para re-vitalização na malha urbana; ali existe espaço para a criação de um lago, que poderá servir para o controle das águas, e para tornar o ambiente mais fresco e agradável.

Do outro lado da linha férrea, a linha de pedestres elevada deverá descer até o nível do Memorial da América Latina de onde seguirá em nível até o Parque da Água Bran-ca, com jardins, ciclovia e pista de caminhada, proporcionando a integração deste im-portante parque cultural com as pessoas da cidade (inclusão social). Segundo análise dos mapas da região, no local onde hoje está implantado o Memorial da América La-tina, havia um córrego, provavelmente o atual Córrego Quirino dos Santos, é preciso que haja a descanalização deste trecho do córrego e a localização e revitalização de sua nascente. A intenção é mostrar sua importância como patrimônio natural e trazer de volta sua singela contribuição ao meio ambiente.

Este sistema aéreo para pedestres precisará conter elevador, esteira rolante e escada comum, para permitir a passagem livre e mecanizada do usuário com bicicleta, cadeira de rodas, carrinhos de bebê e de carga, a fim de permitir acessibilidade a todas as pessoas.

Os estudos demonstram que há a necessidade de integração do Memorial da Amé-rica Latina com o Parque da Água Branca através de infraestrutura verde, que neste percurso é quase inexistente. Esta integração proporcionará a conexão da população do bairro dividido pela linha férrea, com mobilidade urbana sustentável, oferecendo lazer, esporte e sociabilidade, para trazer melhor qualidade de vida, e contribuir com uma nova visão de mundo para as cidades. Faz-se necessário também a integração deste setor, com as ações da Operação Urbana Água Branca, e a ligação com a ci-dade através do futuro parque linear, ao longo do trilho do trem, Brás – Lapa. Esse parque servirá para levar as pessoas para outros parques e equipamentos culturais mais distantes, através da linha férrea subterrânea e da rede de metrô.

A pesquisa nos leva a concluir que, os córregos precisam de novas propostas de uso, com uma faixa de proteção ambiental maior, para de fato atender as questões

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Figura 17: Ilustração: Corte esquemático de novo declive e o espaço proposto.

Figura 18: Ilustra-ção: Croqui da área em estudo recupera-da. Fonte: desenho dos autores

de lazer, valorização dos pedestres e ciclistas, e assim recriar um ambiente mais na-tural, abandonado pela cidade nestes últimos anos. Para aumentar as áreas verdes, o município poderá usar o instrumento legal do Direito de Preempção, onde poderá delimitar as áreas em lei específica e, nos cinco anos seguintes terá a preferência para adquirir imóvel urbano em razão das diretrizes da política urbana. Segundo estu-do dos arquitetos da SWA, o ideal para as margens dos córregos, seria a instalação de um sistema de gabião contínuo, reparação da vegetação e a construção de novo declive com 33% de inclinação, para manter os fluxos hidrológicos do córrego e ofe-recer espaço e acessibilidade para a população. Uma inclinação maior, de 50% deixa o solo exposto à erosão e também não é capaz de sustentar grandes vegetações ou atividades de recreação e transporte.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A defasagem das cidades em infraestrutura verde faz com que ela sofra com a degra-dação do meio ambiente natural e conseqüente deterioração da saúde e qualidade de vida. Os córregos analisados neste trabalho de pesquisa, são tratados hoje como dutos e calhas de drenagem urbana. Suas margens estão muito íngremes, impossibi-litando o uso para caminhada e bicicleta.

É necessário sensibilizar os diversos níveis de governo, a partir da Subprefeitura da Lapa, para que se possa verificar a importância de resgatar todo o potencial do am-biente natural, providenciando a desconstrução de áreas urbanizadas, salientando os exemplos reais que resultaram em ações altamente efetivas, positivas, como as apresentadas nos Estudos de Caso desta pesquisa. A inclusão de um corredor verde entre o Rio Tietê e o Parque da Água Branca, é essencial a ser considerado nos futu-ros projetos voltados à mobilidade sustentável.

Ao contrário do que se pensa atualmente, a “desconstrução” das cidades começa a mostrar sinais de força e a desencadear um processo irreversível; haja visto que nega a sua condição real; prenuncia uma nova imagem urbana, transformadora e aponta uma saída para o caos urbano em que se vive hoje na cidade.

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ARTIGO Nº7

INCLUSÃO DA MOBILIDADE SUSTENTÁVEL NA REESTRUTURAÇÃO DA CIDADE DE SÃO BERNARDO DO CAMPO

SUSTAINABLE MOBILITY INCLUSION IN THE RESTRUCTURATION OF THE CITY OF SÃO BERNARDO DO CAMPO

Patrícia Helen Lima

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INCLUSÃO DA MOBILIDADE SUSTENTÁVEL NA REESTRUTURAÇÃO DA CIDADE DE SÃO BERNARDO DO CAMPO

Patrícia Helen Lima, Arquiteto Urbanista*

* Mestre em Projeto Sustentável pela FAUUSP, Doutoranda em Infraestrutura Verde pela FAUUSP

Coordenadora da Seção de Informação da Qualidade Ambiental da PMSBCE-mail: [email protected]

RESUMO

Este artigo trata da relação do espaço público da cidade com o poder econômico, político e social, e de como a mobilidade e a infraestrutura verde podem, muito além de interconectar áreas do território, propor novas espacialidades que traga significado aos novos projetos que estão sendo criados nas metrópoles atuais, transformando a sociedade e a forma urbana.

São apresentadas inúmeras intervenções no município de São Bernardo do Campo, que possibilitam construir novos espaços, melhorar os já existentes, propondo valores objetivos, subjetivos e coletivos, abrindo espaço para uma reestruturação da cidade.Palavras-chave: Espaço público, Mobilidade, Infraestrutura verde, Forma urbana, Va-lores coletivos.

SUSTAINABLE MOBILITY INCLUSION IN THE RESTRUCTURATION OF THE CITY OF SÃO BERNARDO DO CAMPO

ABTRACT

This article deals with the relation of the public space of the city with the economic, po-litical and social authorities, and how the mobility and green infrastructure can, besides interconnect areas the territory, propose new environments that bring significance to new projects being created in cities today, transforming the society and the urban form.

Several interventions in the city of São Bernardo do Campo are presented, enabling to

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build new spaces, improve existing ones, and propose objective , individual and collec-tive values, making room for a restructuration of the city.

Key words: Public Space, Mobility, Green Infrastructure, Urban Form, Collective Values .

INTRODUÇÃO

A cidade é um assunto que engloba tudo, desenvolvimento econômico, cultura, re-cursos ambientais, justiça social, memória, locomoção, comunidades, mas traça ca-minhos independentes sem ser pensada como parte de um sistema global único, partilhando elementos de referência urbana comuns.

Somos testemunhas de visões urbanas utópicas ou sistemas políticos que permitiram caminhos da ostentação do crescimento. Cidades demolidas e reconstruídas, devas-tadas em sua natureza, indefinido em seus espaços públicos. Este é o ponto mais crítico do limite que alcançamos nas cidades e metrópoles neste início de século em que vivemos.

Uma cidade precisa ser clara acerca do seu espaço privado e público e de seus pa-drões de movimentação. O espaço público exige a possibilidade do movimento e este significa acesso, que significa pensar o espaço simbólico, natural e técnico, o espaço que percebemos e que nos apropriamos associado aos custos e as obrigações de fazermos parte dele. Isso é mobilidade.

O problema da mobilidade urbana é visto apenas como um problema de trânsito, sen-do necessário superar outros gargalos do modelo de transporte relacionado a outros aspectos da vida urbana, como acesso ao emprego, ao estudo e ao lazer.

“O fenômeno da mobilidade envolve uma série de fatores e processos distintos que estão, ao mesmo tempo, na base estrutural do sistema produtivo e no cotidiano vivido das pessoas, englobando todo o siste-ma de transportes e a gestão pública desses espaços, passando pela forma urbana, as interações espaciais até as dinâmicas demográficas específicas (estrutura familiar, migração, ciclo vital). Urge um olhar mais amplo sobre a mobilidade, que não a associe de forma direta e rasteira ao deslocamento físico, mas que lhe conceda os atributos de um fenômeno propriamente dito (MARANDOLA, 2008)”.

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Neste contexto, é preciso reconhecer a fragmentação criada nas cidades e buscar possibilidade de conexões, que nos coloque frente aos desafios da infraestrutura de transporte e infraestrutura verde que possibilitem a mobilidade em sua integridade.

A fORMA DA CIDADE

A violência urbana induz à recusa da convivência e os muros reforçam a condição de segregação. São criados parques urbanos desconectados, espaços e vias públicas muitas vezes fechadas ao acesso de pessoas. As cidades com seus investimentos imobiliários em qualquer localização infraestruturada afastam populações menos pri-vilegiadas e obrigam o espalhamento urbano desenfreado e irresponsável.

As cidades precisam ser mais inclusivas, pensadas em suas especificidades bus-cando conectar seu tecido social com a intenção de alcançar um equilíbrio no espaço, cuidar de suas riquezas naturais e promover condições prazerosas e efi-cientes de mobilidade.

A qualidade do domínio público é importante e nos conduzem ao orgulho e satisfação de onde moramos, nos leva à percepção dos espaços, da qualidade de onde esta-mos, o sentido de inclusão. Esta nova abordagem da percepção dos espaços públi-cos, ambiental e da qualidade da mobilidade agem como canais de integração.

MOBILIDADE URBANA

O conceito de mobilidade, conforme indicado na Lei de Diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana nº 12.587/2012, refere-se à condição em que se realizam os deslocamentos de pessoas e cargas no espaço urbano, e pode ser entendido como a facilidade de deslocamento. Por vezes é vinculada àqueles que são transportados ou se transportam e, por outras, relacionado à cidade ou ao local onde o deslocamento pode acontecer.

Neste trabalho, focamos com maior ênfase artigos da Lei que remetem a cidade e o lo-cal onde os deslocamentos podem acontecer. Dentre as principais medidas propostas, para seguir o raciocínio da importância do espaço público para a conexão urbana e, portanto, para os deslocamentos, destacamos o Desenvolvimento sustentável das cida-

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des e Equidade no uso do espaço público de circulação (Art. nº 5), Integração com as políticas de uso do solo e desenvolvimento urbano (habitação, saneamento); Mitigação dos custos ambientais dos deslocamentos de pessoas e cargas na cidade (Art. nº 6).

A lei estabelece diretriz e instrumentos para que os municípios possam executar uma política de mobilidade urbana que promova o acesso universal à cidade e contribua para o desenvolvimento urbano sustentável, no entanto, a questão da Equidade no uso do espaço público nos remete às questões da apropriação seletiva e diferencia-da de espaços, citado anteriormente, induzindo à segregação que hoje encontramos nas cidades e o papel do Estado e do Mercado na conformação deste espaço público urbano. Serpa (2004) evidencia, ainda, a dificuldade de relacionar as dimensões po-líticas e sociais de uma esfera pública urbana e os aspectos formais e estruturais dos espaços públicos “concretos”, para alertar de que forma intervir para que a cidade seja acessível a todos. Esta diretriz deve embasar a produção do espaço, no planejamento urbano, arquitetônico, ambiental e paisagístico.

A preocupação com a sustentabilidade está relacionada com as diferentes atividades que são desenvolvidas na cidade e que resultam em determinadas pressões e impac-tos ambientais. As atividades têm diferentes impactos em função da sua localização e tipologia, sendo necessário analisar as políticas do uso do solo que permitam equi-líbrio do desenvolvimento socioeconômico e atividades. A mobilidade em seu objetivo deve interligar todas as atividades definidas pelo uso do solo. Desta forma, se estabe-lece uma inter-relação entre Desenvolvimento, Políticas de Transporte e Uso do Solo.

As pressões e impactos ambientais remetem ao debate ecológico estabelecido des-de o final do século XX, começando a ser entendido como condição necessária do pensamento urbano, onde a expansão da cidade deve ser repensada e as conexões devem ser preponderantes nos diversos níveis: social, espacial, cultural, político etc.

A nova Lei, portanto, reconhece a existência de desigualdades no uso do espaço pú-blico, fornece segurança jurídica para que os municípios possam tomar medidas de priorização de usos coletivos, e abre a possibilidade para que ações e investimentos das prefeituras que venham a contrariar as diretrizes fixadas na lei possam ser con-testados pela sociedade, porém, Ela não é suficiente para garantir sustentabilidade das cidades, sendo necessário que o Poder Público Municipal faça as devidas ade-quações e implementações às diretrizes e instrumentos da lei à realidade de suas cidades (IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2012).

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INfRAESTRUTURA VERDE

Adequação à realidade das cidades requer detalhado conhecimento do padrão de dis-tribuição de usos no território e a compreensão sobre a complexidade dos elementos que compõe o meio. A infraestrutura verde, utilizando uma metodologia sistêmica de Planejamento e Gestão Ambiental, subsidiada pela cartografia e sistemas de informa-ções geográficas possibilita uma visão crítica do espaço fragmentado das cidades1.

BENEDDICT, MCMAHON, 2006 definem infraestrutura verde como uma rede inter-conectada de áreas naturais e outros espaços abertos que conservam valores e fun-ções de ecossistemas naturais, diferindo da abordagem de conservação e proteção convencional por considerar desenvolvimento e planejamento ambiental como parte do mesmo sistema. Orienta a criação de um sistema de áreas, de espaços abertos, espaços verdes conectados e que associados aos espaços recreativos dão suporte a conservação ambiental entrelaçado aos usos de forma adequada da terra.

A criação de um sistema de áreas, baseado no uso da terra, condicionantes físicas e identificação social possibilitarão a definição de Unidades de configuração homogê-nea que apresentem suas vocações para proteção, recuperação ambiental ou conser-vação, em conjunto com a caracterização dos espaços livres definirão as conexões naturais e urbanas possíveis. A mobilidade urbana se conforma por tais análises.

Este modelo que gerencia, com base no diagnóstico urbano, as intervenções no am-biente coloca em foco as conexões ambientais e a mobilidade como espinha dorsal.

Sabemos que solução de mobilidade com base no automóvel é dominante de forma desproporcional, porém investimentos em transporte público com novas tecnologias e legislações para mobilidade urbana apontam para as políticas de sustentabilidade e com esforços para aproximar estratégia de padrões de uso da terra e padrões de mobilidade, ou seja, a criação de malhas de transporte público, integradas e operacio-nais, que se estenda por uma ampla área urbana e ambiental, deverá trazer um novo modelo de mobilidade sustentável.

1 O Planejamento e Gestão ambiental objetivam compatibilizar o crescimento físico-territorial com seus usos, segundo suas características ambientais e a representação cartográfica tem fundamental importância. O mape-amento identifica e delimita padrões de distribuição e a relação entre os componentes distribuídos no espaço, favorecendo a síntese da informação e a sistematização dos elementos (SANTOS, 2004).

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IMAgEM DA CIDADE

“A cidade é uma construção no espaço, mas uma construção em grande escala.”

Kevin Lynch, 1997

Um ambiente urbano raramente é percebido em sua totalidade pelos seus habitantes, que praticamente não tem consciência do valor potencial de entornos harmoniosos, daquilo que um determinado espaço pode significar em termos de prazer cotidiano. É preciso levar em consideração não apenas a cidade em si, mas a cidade do modo como é percebida por seus habitantes (LYNCH, 1997).

A apropriação do local por seus moradores traz em si respeito e orgulho. O sentido de coletividade se manifesta e o comprometimento e as ações para a melhoria ambiental e de vida patrocinam a identidade daquele lugar, novos hábitos, novos valores, que repercutem junto à sociedade como um todo.

Um novo objeto pode dar a impressão de uma identidade sólida e positiva devido a características físicas notáveis que sugerem e até mesmo pode impor seu próprio padrão de beleza e qualidade em um ambiente que venha a ser usado por muitas pessoas.

As imagens públicas comuns a vastos contingentes de habitantes de uma cidade po-dem criar áreas consensuais que pode se esperar que surja uma cultura comum e de uma natureza básica.

“O mundo pode ser organizado em torno de um conjunto de pontos fo-cais, ou fragmentado em regiões designadas por nomes, ou ainda, in-terligado por caminhos passíveis de serem lembrados. Variados como são esses métodos, e inesgotáveis como parecem ser os indicadores potenciais que um homem pode selecionar para diferenciar seu mun-do, eles proporcionam interessantes informações subsidiárias sobre os meios que hoje usamos para nos localizarmos em nosso mundo urbano. (LYNCH, 1997).”

Segundo LYNCH (1997), uma imagem é composta de identidade (individualidade), estrutura (relação espacial) e significado (emocional para o observador). Uma vez que este é um processo interativo entre o observador e o que se observa é possível refor-

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çar a imagem através de artifícios simbólicos. Da mesma forma, somos capazes de apreender as formas da natureza nas cidades, com a nossa percepção do ambiente.É no sistema de relações com o que lhe é externo, ou seja, com a alteridade, que a territorialidade pode ser definida. Ela está impregnada de laços de identidade, que tentam de alguma forma homogeneizar esse território, dotá-lo de uma área/superfície minimamente igualizante, seja por uma identidade territorial, seja por uma fronteira definidora de alteridade (Serpa, 2004).

A proposta de conexões ambientais e da mobilidade como espinha dorsal pode, neste momento de grandes mudanças, criar valores estabelecidos na melhoria de sua forma urbana e no padrão de seus projetos estruturais. Estamos diante da oportunidade de adequação aos novos parâmetros ambientais consensuados democraticamente e da oportunidade de definir um conjunto de princípios e regras orientadoras para os agen-tes que constroem e utilizam o espaço urbano.

A sociedade começa a mudar a percepção de seu papel passivo diante dos impactos na natureza, sejam pelas alterações climáticas, vulnerabilidades físicas. Os espaços antrópicos decorrentes dos impactos das atividades humanas já trouxeram severos danos aos sistemas naturais e que geram muitas vezes efeitos imprevisíveis. A ca-pacidade de o sistema natural absorver perturbações e reorganizar-se, ou seja, a resiliência de suportar perturbações e se auto-organizar poderá definir parâmetros para construir valores e relacionamentos que possibilitem atingir objetivos de desen-volvimento que determinem um futuro melhor.

De acordo com (Berkes and Folke 1998; Barnett 2001) citados no relatório Urban Re-silience. Research Prospectus (CSIRO, 2007), diferente do que geralmente se pensa, a resiliência urbana não está tanto no contexto de resposta a um impacto, mas sim numa lógica de sistema com a sua capacidade de mudança e adaptação contínua, considerando os seus fluxos, as suas dinâmicas sociais, as redes de governança, o ambiente biofísico, etc. As mudanças bruscas nas cidades dependem de perspectivas espaciais e temporais.

POLíTICAS DE TRANSPORTE

A presidente Dilma Rousseff anunciou em 24/04/12 os projetos selecionados pelo Pro-grama de Aceleração do Crescimento (PAC) para a área de mobilidade urbana nas

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grandes cidades. Ela defendeu a necessidade de ampliar os investimentos na constru-ção de metrôs para dar mais agilidade e conforto aos usuários do transporte urbano.

O Município de São Bernardo do Campo encontra-se entre estas cidades e tem o Es-tudo de Impacto Ambiental – EIA e seu correspondente Relatório de Impacto Ambien-tal - RIMA, relativos à “Implantação da Linha 18 – Bronze - Trecho Tamanduateí –Alvarenga”,em análise pela CETESB/SMA.

O Município possui uma população de 746.718 habitantes, segundo Censo IBGE 2010, e um território com 407km2. Cerca de 50% ou 210 km² do Município estão in-seridos na Área de Proteção e Recuperação dos Mananciais do Reservatório Billings (APRM - B), maior reservatório de água da Região Metropolitana, com cerca de 76km² ocupados só pelo espelho d´água do reservatório, quase 19% da área total do muni-cípio, e outros 6km² referentes ao espelho d´água do Reservatório Rio das Pedras. Comporta importante reserva ambiental referente ao Parque Estadual da Serra do Mar2, integrando a Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo.

Além da forte caracterização ambiental e da apresentação do EIA-RIMA à CETESM/SMA, estão em processo programas de intervenção territorial, com ênfase no Plano Local de Habitação de Interesse Social – PLHIS e em paralelo teve no ultimo ano a revi-são do Plano Diretor, adequando-se aos novos parâmetros da Lei específica da Billings. Outro grande desafio é o empreendimento Rodoanel Mário Covas – Trecho Sul, inaugu-rado em 1º de abril de 2010. Trata-se de um empreendimento entre impactos positivos e negativos, pois dados o vulto da obra rodoviária e a fragilidade das regiões por onde se projetou seu traçado, são previsíveis impactos significativos sobre os já escassos remanescentes de Mata Atlântica existentes na Região Metropolitana de São Paulo.

A implantação da Linha do metrô apresenta-se em meio ao desenvolvimento desses trabalhos em curso que, seguidamente, se confrontam com temáticas fragmenta-das e não interligadas e justificam a necessidade da adequabilidade de todas as intervenções, onde a infraestrutura verde apresenta-se como suporte para tantas propostas sobre a cidade.

2 A área do Parque Estadual no município é de aproximadamente 135 km² ou 13.544 hectares. Recentemente houve inclusão de áreas no Parque, o que no município corresponde a um aumento de 1791 hectares de área protegida (PMSBC).

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Este empreendimento consolidará uma ligação metropolitana de média capacidade, articulando o Município de São Bernardo do Campo e região do ABC com a Rede Metroferroviária da RMSP, no Município de São Paulo, utilizando como ponto de inte-gração a Estação Tamanduateí da Linha 2 – Verde do Metrô e a Linha 10 – Turquesa da Companhia Paulista de trens Metropolitanos - CPTM.

A extensão total dessa linha proposta somará aproximadamente 20 km, estando nela projetadas 18 estações, cujo traçado do eixo principal se iniciará na região de Alvaren-ga, na porção sudoeste do Município de São Bernardo do Campo, passando pela re-gião central e Paço Municipal, seguindo pelo eixo da Av. Lauro Gomes, na divisa com os municípios de Santo André e São Caetano do Sul, e pelo eixo da Av. Guido Aliberti, divisa entre os municípios de São Paulo e São Caetano do Sul, até atingir a região das Estações Tamanduateí da CPTM e do Metrô, na Cidade de São Paulo (Fig.1).

figura 1: Apresentação da região de inserção do Trecho Tamanduateí – Alvarenga, da Linha 18 – Bronze. Fonte: Metrô. Gestão ambiental.

Esta ligação está prevista para operar com praticamente a totalidade do traçado em elevado e o trecho nas proximidades da Estação Tamanduateí em nível, partilhando a faixa de domínio ferroviária, contando, ainda, com a tecnologia Monotrilho e as esta-ções elevadas (Fig.2).

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MOBILIDADE

Como objetivo geral, a Linha 18 - Bronze visa proporcionar, para a população residen-te na região metropolitana, um transporte público seguro, rápido, acessível e ambien-talmente sustentado.

Da mesma forma, irá preencher uma lacuna, em termos de integração metropolitana, através da Rede Metro ferroviária, permitindo ainda que os municípios de Santo André, São Caetano do Sul e mesmo São Paulo possam adotar novas estratégias de articu-lação metropolitana através de vias e suas regiões de entorno, atualmente com pouco uso pelo transporte coletivo, como é o caso das avenidas Lauro Gomes e Guido Aliberti, ambas na diretriz viária estabelecida para o traçado do novo sistema de transporte.

Objetivos da implementação da linha 18:

I - garantir e melhorar a circulação e o transporte urbano proporcionando desloca-mentos intra e interurbanos que atendam às necessidades da população;

II - priorizar o transporte coletivo ao transporte individual;III - tornar mais homogênea a acessibilidade em toda a área urbanizada da Cidade;IV - aumentar a acessibilidade e mobilidade da população de baixa renda;V - proporcionar maior segurança e conforto aos deslocamentos de pessoas e bens,

com redução dos tempos e custos;VI - reduzir a ocorrência de acidentes e mortes no trânsito;VII - tornar o sistema de transporte coletivo um provedor eficaz e democrático de mo-

bilidade e acessibilidade urbana;

figuras 2 e 3: Proposta de Monotrilho elevado. Fonte: Metrô. Gestão ambiental

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IX - ampliar e melhorar as condições de circulação de pedestres e de grupos específi-cos, como idosos, portadores de deficiência especial e crianças;

X - garantir a universalidade do transporte público;XII - reduzir a carga poluidora gerada pelo sistema de transportes, incluindo a implan-

tação gradativa de ônibus movidos a fonte de energia limpa, de modo a respei-tar os índices de qualidade ambiental definidos pela legislação do órgão técnico competente; (Metrô. EIA-RIMA – Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental LINHA 18 – BRONZE – Trecho Tamanduateí / Alvarenga).

A proposta da Linha 18 – Bronze busca aprimorar o sistema de transporte, mas é preciso pensar na transformação da paisagem onde as infra-estruturas (da mobilidade) serão construídas, que além de contribuir para o crescimento do espaço urbanizado, transforma os modos de deslocamentos, modifica a relação com o espaço, impõem novo ritmo urba-no e onde o natural e o artificial devem se entrelaçar para que haja um desenvolvimento pouco predador no território, capaz de adequar estas novas práticas do espaço.

As superposições de novas intervenções no território demandam identificar interfe-rências de tantos projetos e combinações na direção da construção de novas ade-quações cidade-paisagem, novos princípios de organização e novos tipos de espa-ços públicos, para que seja possível a leitura deste novo cenário pelos habitantes.

Avalização dos impactos ambientais

A identificação e a avaliação dos impactos serão realizadas relacionando-se as ações do empreendimento, nas suas distintas fases, consideradas como geradoras de inter-ferências em uma dada área de influência, nos aspectos ambientais diagnosticados, cada um com maior ou menor grau de vulnerabilidade.

Conhecido o processo potencial de mudança na qualidade ambiental preexistente, os impactos serão avaliados segundo um conjunto de atributos, sendo que todo este conjunto de atributos permitirá classificar a magnitude dos impactos. Na avaliação dos impactos ainda será possível a mensuração de alguns deles, por meio de indicadores.

Por sua vez, na avaliação final dos impactos serão destacados aqueles de maior impor-tância no contexto das áreas de influência do empreendimento projetado, subsidiando

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as conclusões sobre as condições pelas quais se poderá garantir a viabilidade ambien-tal da implantação da Linha 18 – Bronze – Trecho Tamanduateí/Alvarenga (Fig.4).

figura 4: Apresentação da ciclovia que será implantada em todo o trajeto da linha. Fonte: Metrô. Gestão ambiental

CONSIDERAÇõES fINAIS

A abordagem da questão urbana é complexa e exige observar os efeitos das interven-ções na cidade e implica na avaliação de grande volume de informações. Diante dos inúmeros projetos em andamento e recém-aplicados em São Bernardo do Campo, com a nova proposta de mobilidade sustentável torna-se imperativo a construção de novas bases com mudanças profundas no modo de vida de cada um dos atores da cidade, e exige um questionamento intenso das representações e das praticas urbanas habituais.

Este momento marca um exemplo de reestruturação da cidade e cria uma nova ur-banidade metropolitana que deve ser considerada. Na base dessas transformações estão importantes reformulações em diversos campos que confrontam com novos valores. A condição urbana resultante exige novos tipos de organização espacial cujos

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princípios ordenadores são muito diferentes dos anteriores. Essa nova condição de-verá ser nutrida pela qualidade dos novos espaços que serão criados e a percepção que os habitantes têm destes espaços públicos volta a ter grande relevância.

Ao poder público cabe criar os mecanismos de reformulação territorial para atender a esfera urbana contemporânea, possibilitando novas relações entre áreas públicas e a transposição da cidade, que deverão ser organizadas através da alta qualidade urbanística, paisagística e arquitetônica.

A cidade tem uma capacidade de suporte que deve ser entendida, respeitada e pro-movida com qualidade que o projeto deve possibilitar, respeitando o sistema da resili-ência urbana, assim como a resiliência específica de cada tema, com habilidade para que a sociedade possa absorver, se adaptar e se reorganizar.

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ARTIGO Nº8

MOBILIDADE URBANA, TRANSPORTE CONSCIENTE EM BUSCA DA SUSTENTABILIDADE

URBAN MOBILITY, CONSCIOUS TRANSPORTATION AIMING SUSTAINABILITY

Léa Yamaguchi Dobbert, Sabrina Mieko Viana, Miriam Stella Rother, Gustavo Nazato Furlan, Márcia Piva, Renata Fernandes Viecili

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MOBILIDADE URBANA, TRANSPORTE CONSCIENTE EM BUSCA DA SUSTENTABILIDADE

Léa Yamaguchi Dobbert1, Sabrina Mieko Viana2, Miriam Stella Rother3,Gustavo Nazato Furlan4, Márcia Piva5, Renata Fernandes Viecili6

1 Arquiteta, doutoranda em Recursos Florestais pela Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da Universidade de São Paulo, Piracicaba – SP. E-mail: [email protected]

2 Bióloga, doutoranda em Recursos Florestais pela Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da Universidade de São Paulo, Piracicaba – SP. E-mail: [email protected]

3 Publicitária, doutoranda em Ecologia Aplicada pela Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da Universidade de São Paulo, Piracicaba – SP. E-mail: [email protected]

4 Educador Físico, mestrando em Ecologia Aplicada pela Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da Universidade de São Paulo, Piracicaba – SP. E-mail: [email protected]

5 Administradora de empresa, mestrando em Recursos Florestais pela Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da Universidade de São Paulo, Piracicaba – SP. E-mail: [email protected]

6 Engenheira Florestal, mestre pelo departamento de Recursos Florestais pela Escola Su-perior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da Universidade de São Paulo, Piracicaba – SP. E-mail: [email protected]

RESUMO

Atualmente, uma das questões que mais preocupam especialistas e governos são o tráfego e o aumento da motorização da população urbana. Suas consequências para a sociedade, a saúde humana e o meio ambiente ocorrem em níveis locais, regionais e globais. A paisagem urbana, detentora de grande potencial econômico e tecnológico, continua se rendendo à pressão do mercado imobiliário, em detrimento da busca pelo bem-estar da população que nela habita. É neste panorama que a questão da mobilida-de urbana e seu impacto no meio ambiente está inserida. O presente trabalho tem por objetivo possibilitar que o educando, por meio do diálogo coletivo, construa uma reflexão própria sobre a questão da mobilidade urbana, possibilitando que ele se sensibilize e se posicione quanto à importância do uso cotidiano da bicicleta como meio de transporte, esporte e lazer. Com o intuito de provocar a comunidade local, realizou-se uma inter-

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venção educadora, visando a sensibilização de um grupo, como ponto de partida para a apropriação de políticas públicas existentes alinhadas à realidade local, que reflitam as mudanças necessárias no campo da educação ambiental. Para tanto, foi realizada uma pequena intervenção, na qual cinquenta pessoas, na cidade de Piracicaba/SP, foram entrevistadas e, a partir da análise de conteúdo das entrevistas, avaliou-se o grau de percepção da população local, no que se refere aos problemas da mobilidade urbana. Com todo o exposto, pode-se concluir que, para que se possam criar alternativas para o problema atual de mobilidade urbana, é imprescindível que se reflita coletivamente sobre as necessidades que a realidade nos apresenta.

Palavras-chave: Tráfego, paisagem urbana, meio de transporte, meio ambiente.

URBAN MOBILITY, CONSCIOUS TRANSPORTATION AIMING SUSTAINABILITY

ABSTRACT

The issues of most concern to experts and governments are, currently, traffic and incre-asing utilization of vehicles by urban population. The impact on society, human health and environment, occur at local, regional and global areas. Urban landscape, by holding great economic and technological potential, is still compelled to surrender to the pressu-re from the real estate market to the detriment of the search for the people welfare that live therein. This is the scenario the issue of the urban mobility and its impact on the en-vironment is inserted. Aiming to enable the students, through collective dialogue, to form themselves a reflection on the issue of urban mobility, enabling them to be positioned and sensitize on the importance of daily use of bicycles as means of transport, sport and leisure. Aiming to make the local community to think about, it was adopted an educa-tional intervention to make sensitive to a group, as a starting point for the appropriation of existing public policies aligned to local realities, reflecting the changes needed in the field of environmental education. Therefore, it was performed a short action in which fifty people of the city of Piracicaba (SP) were interviewed. From the content analysis of the interviews, it was evaluated the perception stage of the local population regarding to problems of urban mobility. With all the above, it is possible to conclude that to make fe-asible the adoption of alternative solutions to solve the current problem of urban mobility, it is essential a collective reflection on the needs that the reality presents.

Key words: Traffic, Urban Landscape; Means of Transport; Environment.

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INTRODUÇÃO

Atualmente, uma das questões que mais preocupam especialistas e governos é o tráfego e o aumento da motorização da população urbana. Suas consequências para a socie-dade, a saúde humana e o meio ambiente ocorrem em níveis locais, regionais e globais. Entretanto, o que vemos no Brasil é o constante incentivo dos governos federal, estaduais e municipais à implementação da indústria automobilística no país, bem como das institui-ções financeiras, que cada vez mais facilitam a aquisição de um veículo motorizado, com a concessão de crédito a taxas de juros cada vez menores, para as classes populares.

A poluição sonora e do ar, por emissão de gases e ruídos, compromete a qualidade de vida das pessoas que se deslocam no meio urbano. O tráfego intenso de veículos motorizados, além do prejuízo dos congestionamentos, pode causar males físicos e psicológicos em motoristas e passageiros, sem contar o número de acidentes que vitimam milhares de pessoas todos os dias (SANTOS et al., 2010).

De acordo com dados do Denatran, a frota de veículos no Brasil, para o ano de 2010, era de 64.817.848 veículos, o que seria o equivalente a um autoveículo a cada 2,9 habitantes (SILVA, 2011).

Acompanhando a tendência mundial, no Brasil, a propriedade do automóvel depende basicamente da situação socioeconômica. Segundo Svendsen (2010), as compras para satisfação de necessidades reais, a exemplo de comida, bebida ou locomoção, ocupam um espaço cada vez menor no consumo. Sob esta perspectiva, torna-se possível imaginar que uma parcela da população tenha adquirido um veículo para satisfazer outras necessidades, que não necessariamente a de locomoção. No caso de consumidores que residem em centros urbanos menores, em que as distâncias a serem percorridas poderiam ser feitas a pé, de bicicleta ou em transporte coletivo, com economia e sem grandes desperdícios de tempo, esta suposição é fortalecida.

Começamos, então, a penetrar na complexidade da questão da mobilidade urbana, que envolve muito mais que ir e vir. Engloba inúmeras facetas da realidade social: a cultura e os valores, a educação, os aspectos geográficos, econômicos e políticos de cada localidade.

Diante deste contexto, de acordo com os princípios que norteiam a mobilidade urbana sustentável (BRASIL, 2007), as cidades devem estimular, em ordem de prioridade, a

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seguinte sequência de circulação: pedestres, propulsão humana, transportes coleti-vos, caronas e, por último, o uso de veículos particulares. Porém a realidade que se observa atualmente é a política inversa. Muito se fala em expansão de vias de tráfego, em detrimento do estímulo de alternativas sustentáveis de locomoção urbana.

O uso da bicicleta, além de aumentar o contato com o meio que nos rodeia, com a paisagem observada, assume outra dimensão, proporcionando, inclusive, maior inte-gração social. Andar de bicicleta pode também ser um estimulo a atingir objetivos, a superar obstáculos. Um percurso mais longo, uma trilha ou uma ladeira, trajetos muito esburacados, tudo isso nos incentiva a reconhecer e ultrapassar limites.

Para chegar a esta compreensão e aceitação da bicicleta como meio de transporte, é preciso que a sociedade passe por uma revisão profunda de valores. Com a bicicleta, talvez aprendamos a fazer tudo que já fazemos, com mais calma e com mais solida-riedade com o espaço que o outro ocupa. Permitir-se entrar em contato com outras pessoas promove a riqueza dos vínculos sociais, dos quais nós, seres humanos, de-pendemos profundamente.

Entretanto não podemos deixar de mencionar alguns aspectos que podem limitar o uso contínuo da bicicleta como meio de transporte, como: aspectos relacionados às intempéries, como fortes chuvas e temperaturas extremas (altas ou baixas demais); insegurança em relação ao próprio meio de transporte e referente à falta de educação no trânsito; necessidade de transportar bagagens pesadas, causando desconforto e até mesmo insegurança ao ciclista, tanto pela locomoção em si, como pelo risco de furto, ao expor mais os equipamentos, que em um meio de transporte mais fechado, como o transporte coletivo ou automóvel.

Processos educativos que visam trabalhar comportamentos para padrões socialmen-te desejáveis engendrarão abordagens pedagógicas muito diferentes, daqueles com uma visão de educação como motivação para mudanças mais radicais na sociedade como um todo (SAUVÉ, 1997; GUIMARÃES, 2000).

Quando se fala na educação como um modo de se formar indivíduos, com suas es-pecificidades, para o exercício da cidadania, é importante fazer uma reflexão sobre os lugares-comuns a respeito do papel da educação, de forma a repensar quais os significados do que é “exercer a cidadania”. Estes questionamentos e a exposição das contradições são essenciais para a prática real, pois, dependendo das características

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que assumem, podem estar reproduzindo e reforçando as mesmas relações de poder existentes na atual sociedade. Em outras palavras, apenas nomear a educação am-biental como ação política não garante que suas práticas terão força de transformação social (CARVALHO, 2006). É imprescindível, portanto, que haja vontade política de colocar novas políticas públicas em prática.

Um fator bastante valorizado pelo movimento ambientalista e pelos educadores in-teressados no tratamento de questões dessa natureza está relacionado ao desen-volvimento da capacidade de participação política dos indivíduos, na construção da cidadania e de uma sociedade democrática (SORRENTINO, 1998; MANZOCHI, 1994; GIORDAN e SOUCHON, 1995; DÍAZ, 1995).

Nesse sentido, são vários os autores que consideram o envolvimento e a participação coletiva dos indivíduos na busca de soluções para os diversos problemas ambientais como um dos objetivos fundamentais dos trabalhos educativos. Esse nível de envol-vimento é visto, assim, como uma grande oportunidade para o desenvolvimento de atitudes relativas à participação política e ao processo de construção da cidadania. Uma das consequências práticas dessa concepção é a busca de procedimentos di-dáticos que contribuam para o desenvolvimento de um espírito cooperativo e solidário (CARVALHO, 2006).

Dentre os princípios orientadores, assume-se, para esta intervenção, a necessida-de do diálogo de saberes, com o diálogo democrático sobre a realidade vivida, o estímulo à capacidade dos membros das sociedades contemporâneas de refletir conscientemente sobre as condições de sua existência e, por conseguinte, trans-formá-las (BRASIL, 2006). Este deverá contemplar a complementaridade dos sabe-res e práticas, com a interação dos conhecimentos científicos e do cotidiano, sem hierarquização de quais seriam os mais importantes, e com exercício constante da ressignificação do sentido do mundo e dos objetivos visados, inclusive com seus conflitos e contrariedades (FLORIANI, 2007). Segundo Leff (2002), citado por Car-valho (2006), é necessário que sejamos “levados a repensar e reaprender o mundo a partir de perguntas sobre o mundo”.

Este mesmo autor fala sobre “a desconstrução pensada para se pensar não pensa-do”, como abertura para questionamentos sobre concepções da nossa atual socie-dade e transformação dos atuais padrões de relação entre nós e a natureza, ou seja, de como o homem torna a natureza presente em sua vida, assumindo a concepção

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de natureza culturalmente construída e contextualizada em “através do tempo his-tórico das sociedades humanas e da teia de suas múltiplas configurações culturais” (FLORIANI, 2007).

Essa desconstrução desafia o consenso aparente, pelo questionamento dos interes-ses individuais e coletivos, dando ênfase na ampliação da sociodiversidade.

Vale ressaltar que a paisagem urbana, detentora de grande potencial econômico e tecnológico, continua se rendendo à pressão do mercado imobiliário, em detrimento da busca pelo bem-estar da população que nela habita. É neste panorama que a questão da mobilidade urbana e seu impacto no meio ambiente está inserida.

O Programa Brasileiro de Mobilidade por Bicicleta tem por objetivo estimular os gover-nos Municipais, Estaduais e do Distrito Federal a desenvolver e aperfeiçoar ações que favoreçam o uso mais seguro da bicicleta como meio de transporte, pela construção de ciclovias e ciclofaixas, e da inclusão do conceito de vias cicláveis, que consistem em vias de tráfego compartilhado adaptadas ao uso seguro da bicicleta. A inclusão da bicicleta como modalidade de transporte regular no conceito de Mobilidade Urbana Sustentável, além de representar redução de custos para o cidadão, torna a cidade mais próxima do conceito de Cidade Sustentável (BRASIL, 2007).

Apesar de se reconhecer que a forma como a mobilidade urbana vem sendo tratada pelas esferas públicas federais no Brasil, a exemplo de vários países desenvolvidos do mundo, já avançou em direção à sustentabilidade, a grande maioria das adminis-trações públicas municipais do país não se encontra alinhada com seus conceitos (XAVIER, 2007).

Em se tratando de sustentabilidade urbana, Girardet (2007) considera que criar cidades sustentáveis seja uma questão de planejamento da utilização da terra e do uso de re-cursos. Portanto uma cidade sustentável deve ser organizada de modo a proporcionar a todos os seus cidadãos satisfação de suas necessidades, visando a busca de seu bem-estar, sem prejudicar o meio natural e sem colocar em risco a vida de outras pessoas.

Os investimentos na infraestrutura de trânsito e transporte nas cidades ainda privile-giam os veículos motorizados, e são empregados na construção de mais ruas, ave-nidas, estacionamentos etc. Existe a possibilidade que a razão desse descompasso esteja na continuidade de um processo de sustentação política do sistema econômico

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vigente, com quem a estrutura dessas administrações está burocrática e historica-mente comprometida (WALLERSTEIN, 2002).

Dentre os dez princípios da nova visão de mobilidade urbana, propostos na Política Nacional de Desenvolvimento Urbano - PNDU e na Política Nacional de Mobilidade Urbana Sustentável do Ministério das Cidades, constam as propostas de redução dos impactos ambientais da mobilidade urbana, e o desenvolvimento de meios não mo-torizados de transporte, pela valorização do uso da bicicleta como meio importante, integrado com modalidades de transporte coletivo (BRASIL, 2007).

Sendo assim, a adoção desse meio alternativo de transporte não é tarefa fácil, porém vale a pena o incentivo, na tentativa de termos a flexibilidade de poder optar, na me-dida do possível, pela adoção de maneiras menos impactantes no meio ambiente, em busca de sua sustentabilidade.

Tendo em vista lutar contra o teatro do absurdo que vivemos, onde se prioriza o indi-víduo em detrimento do coletivo, o presente estudo se propõe a estimular o diálogo, quanto ao uso de alternativas para a melhoria da mobilidade urbana.

O presente trabalho tem por objetivo possibilitar que o educando, por meio do diálogo coletivo, construa uma reflexão própria sobre a questão da mobilidade urbana, possi-bilitando que ele se sensibilize e se posicione quanto à importância do uso cotidiano da bicicleta como meio de transporte, esporte e lazer. Desta forma, para atingirmos este fim, há que se reinventar, renovar, muito do que está posto quanto à busca pela sustentabilidade ambiental.

MATERIAIS E MÉTODOS

Piracicaba, localizada na região que detém alguns dos melhores indicadores de de-senvolvimento do país, não foge à regra da maioria das cidades, apesar de contar com um Plano Diretor de Mobilidade do ano de 2006, e também um traçado do Plano Cicloviário do ano de 2005, em conformidade com a Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU).

De janeiro de 2000 a janeiro de 2011, o número de veículos motorizados em Piracicaba passou de 133.636 para 231.226 veículos (aumento de 73,02%), sendo que, no mes-

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mo período, a população do município cresceu de 319.104 para 364.872 (14,34%), como pode ser observado na figura 1.

Figura 1: Número de veículos motori-zados em Piracicaba. Fonte: Secreta-ria Municipal de Trânsito e Transportes de Piracicaba – SEMUTTRAN

Houve um crescimento de 0,41 para 0,63 veículos por habitante. Se tomarmos o nú-mero de habitantes maiores de dezoito anos, ou seja, aptos a tirar uma carteira de habilitação, esse número cresce para 0,87 veículos por pessoa.

Além disso, o que se observa atualmente são calçadas irregulares e esburacadas, muitas vezes com degraus, aclives e declives. que privilegiam a entrada suave dos carros nas garagens das casas e comprometem a segurança e liberdade do ir e vir de pedestres, sobretudo idosos e portadores de necessidades especiais.

O transporte coletivo apresenta-se insuficiente e precário, o trânsito de veículos automotores, caótico e perigoso, desproporcional para o porte da cidade, e, para agravar ainda mais a situação, a presença de veículos de carga pesados em aveni-das arteriais é frequente.

Aliadas a estes fatores, as recentes obras de remodelação e revitalização urbanas reali-zadas na cidade, como a reabertura de ruas na região central e a duplicação de pontes sem vias adequadas à circulação, prejudicaram ainda mais os pedestres e ciclistas.

À baixa qualidade do ar, já bastante prejudicada pelos efeitos das queimadas durante a colheita de cana de açúcar, soma-se à poluição sonora nos bairros centrais da cidade.

Em 2007, a Secretaria de Transporte e Mobilidade Urbana – SeMob, do Ministério das Cidades, criou o Programa Brasileiro de Mobilidade por Bicicleta, no qual o conceito de

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Mobilidade Urbana Sustentável aparece, como resultado de um conjunto de políticas de circulação e transporte, que buscam proporcionar um acesso mais democrático ao espaço urbano, pela priorização dos modos de transporte coletivo e não motorizados, de maneira socialmente inclusiva (BRASIL, 2007).

O uso crescente da bicicleta como meio de transporte nos deslocamentos urbanos das cidades brasileiras, para diversos fins (trabalho, estudos, lazer e outros), deman-da políticas públicas específicas, que possam oferecer infraestrutura para o desloca-mento seguro de milhões de pessoas.

Em Piracicaba, a falta de investimentos na infraestrutura cicloviária tem sido justifica-da, pelos gestores públicos, pela crescente motorização da população urbana e pelo baixo uso de bicicletas por trabalhadores. Além disso, o relevo da cidade também tem sido frequentemente usado como argumento.

O município de Piracicaba apresenta uma depressão maior na parte central de seu território. Essa depressão segue o sentido leste – oeste do curso do Rio Piracicaba, ficando mais acentuada dentro dos limites da área urbana a partir do salto do Rio Piracicaba. Uma região mais elevada, que fica evidente na parte central do município, divide as ba-cias dos Rios Piracicaba e Tietê. (BARRETO et al., 2006)

Entretanto existem várias avenidas em fundos de vale e divisores de águas, que são considerados ideais para a implantação de ciclovias ou ciclofaixas, por serem pratica-mente planas. Como exemplo, os 50 quilômetros de ciclovias implantados na cidade vizinha de Sorocaba – SP, grande parte delas, em avenidas marginais. Há ainda a opção de usar o transporte coletivo integrado ao sistema cicloviário, em terrenos mais acidentados, como é feito, por exemplo, na Holanda.

De acordo com dados da Prefeitura Municipal de Piracicaba, em 1990, o sistema pú-blico transportava mais de 30 milhões de passageiros ao ano, hoje são 25 milhões, porque a população substituiu o transporte público pelo uso de veículos particulares.

Com o intuito de provocar a comunidade local, realizou-se uma intervenção educado-ra, visando a sensibilização de um grupo, como ponto de partida para a apropriação de políticas públicas existentes, alinhadas à realidade local, que reflitam as mudanças necessárias no campo da educação ambiental.

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A intervenção educadora foi realizada no Largo do Pescador, localizado na Avenida Beira Rio, no domingo, dia 6 de maio de 2012, durante o período das 9 às 17 horas. Destaca-se que, na data em questão, acontecia também a IV Festa da Tapioca, e que, portanto, transitava pelo local um público bastante diverso e em maior volume do que o notado em finais de semanas comuns.

No dia anterior à intervenção, foram levados materiais para a construção de um pa-raciclo, feito a partir da utilização de costaneiras (sobras de madeira proveniente de desdobro de toras).

Com o objetivo de chamar a atenção do público presente, construiu-se um boneco ciclis-ta, a partir da mesma técnica utilizada pelo artesão piracicabano Elias dos Bonecos, que, por anos, povoou as margens do Piracicaba com seus personagens, construídos com madeira descartada nos lixos da cidade e vestidos com roupas doadas pelos moradores.

Contou-se com a ajuda de dois voluntários: Antonio Carlos Morelato, artista plástico, residente no próprio Largo do Pescador, e Jacob das Artes, também artista plástico e artesão, que produz suas obras a partir dos mais diversos materiais descartados nos lixos da cidade.

Foi utilizado também um “carro” de madeira com as inscrições “Menos Carro, Mais Bicicleta”, um jargão do cicloativismo brasileiro (Figuras 2 e 3).

Figura 2: Local da inter-venção: Rua do Porto em Piracicaba/SP.

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Foram aplicadas, no local, 50 entrevistas, que serviram de base para a realização da análise de conteúdo.

Segundo Bardin, a análise de conteúdo é:

Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/re-cepção (variáveis inferidas) dessas mensagens. BARDIN (1977, p. 42)

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados da pesquisa demonstraram que a maioria das pessoas chegou à Rua do Porto de carro ou moto, poucas a pé ou em transporte coletivo, e somente duas pessoas de bicicleta. Esse fato foi justificado, pela maioria dos entrevistados, por mo-rarem distantes do local da pesquisa.

Em relação à distância do trabalho, a maioria dos entrevistados relatou trabalhar longe da residência, e a resposta quanto ao transporte utilizado foi bastante diversificada:

Figura 3: População de Piracicaba, interagindo com a intervenção no Largo dos Pescadores, em Piracicaba/SP.

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alguns se locomovem de carro ou moto, outros de ônibus e poucos a pé, porém ne-nhum de bicicleta. Segundo eles, a adoção da bicicleta como meio de transporte para o trabalho não era interessante por motivos como: suor, falta de segurança e respeito no trânsito, e o relevo acentuado da cidade. Esse fato pode estar relacionado ao reduzido hábito da prática de esportes. Os entrevistados ressaltaram a má qualidade do trânsito de Piracicaba, apesar de alguns relatos de melhora devido às novas vias de acesso.

Por fim, a questão que gerou maior reflexão nos entrevistados foi a relacionada a quais medidas tomar para melhorar o trânsito da cidade.

Em relação à ciclovia, a maioria mostrou-se favorável, principalmente em relação à questão ambiental, mas com apontamentos contrários quanto à topografia, calor, a falta de segurança em todos os sentidos e a necessidade de mais educação no trân-sito, entretanto apenas dois entrevistados afirmaram que fariam uso da ciclovia, se fosse realmente implantada.

Em relação à opinião dos entrevistados no que se refere à mobilidade urbana, pode-se constatar que:

a. A implantação de ciclovias, ciclofaixas e vias compartilhadas não se re-laciona apenas a um problema de infraestrutura, mas também à falta de cultura da população;

b. Poucos entrevistados vislumbram o uso da bicicleta como alternativa para a mobilidade urbana sustentável;

c. O medo relacionado à falta de segurança, tanto de roubos, como de colisão, é uma importante barreira para a utilização de bicicletas. Outro fator ressal-tado pelos entrevistados é a falta de educação e respeito no trânsito, provo-cando insegurança nos ciclistas;

d. A maioria dos entrevistados aceita a bicicleta como forma de lazer, mas não como meio efetivo de transporte;

e. Provocou-se um início de reflexão, entre os entrevistados, relacionada à questão de o que fazer para melhorar o trânsito; e

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f. Os entrevistados mencionaram a questão ambiental como a principal razão levantada a favor das ciclovias.

A intervenção foi eficaz, na medida em que promoveu o diálogo relacionado à proble-mática atual da mobilidade urbana, levando os envolvidos a um exercício de reflexão, contribuindo, assim, de forma autônoma, à construção de ideias. Reforçou, ainda, a ideia de que as questões de mobilidade urbana envolvem a cultura e a educação dos moradores da cidade, além dos aspectos geográficos, econômicos, políticos e as ou-tras prioridades locais.

Com todo o exposto, pode-se concluir que, para que se possam criar alternativas para o problema atual de mobilidade urbana, é imprescindível que se reflita coletivamente sobre as necessidades que a realidade nos apresenta, como destacou Bauman (2001).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente intervenção buscou levantar questionamentos que gerassem múltiplas re-flexões coletivas quanto à mobilidade urbana. Neste sentido, estimulou-se a formação crítica e transformadora dos sujeitos, no intuito de viabilizar um posicionamento políti-co em relação a sua visão de mundo.

Faz-se necessário, porém, dar continuidade a este processo de reflexão, por meio das seguintes atividades:

a. divulgação e apoio por meio das redes sociais; b. exposições de fotos em locais de grande circulação; c. estímulo a movimentos de reivindicação da criação de ciclofaixas; e e. discussões por meio de redes sociais, com exposições de fotos, vídeos e

textos, proporcionando uma provocação em prol do movimento de reivindi-cação da criação de ciclovias, ciclofaixas e cumprimento do Plano Diretor de Piracicaba de Mobilidade Urbana.

Além dessas ações, propõem-se ainda novas intervenções, em diversos locais, bus-cando a continuidade do diálogo, que permita, àqueles que foram sensibilizados du-rante os trabalhos, desenvolver suas próprias reflexões e um conteúdo emancipatório, que, por fim, fornecerá ao indivíduo a capacidade de se posicionar com autonomia, quanto à questão da mobilidade urbana em Piracicaba.

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ARTIGO Nº9

MOBILIDADE URBANA SUSTENTÁVEL PARA A CIDADE DO RIO DE JANEIROSUSTAINABLE URBAN MOBILITY FOR THE CITY OF RIO DE JANEIRO

Lourdes Zunino Rosa, Cecilia Herzog, Ricardo Esteves

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MOBILIDADE URBANA SUSTENTÁVEL PARA A CIDADE DO RIO DE JANEIRO

Lourdes Zunino Rosa*, Cecilia Herzog**, Ricardo Esteves***

*Arquiteta urbanista (UP 6, Paris 1983), Mestrado em Conforto Ambiental (M.Sc.,UFRJ, 1992) e Doutorado em Engenharia de Transportes (D.Sc., UFRJ, 2007), consultora e professora em temas

relacionados a Conforto Ambiental, Economia de Energia e Mobilidade Sustentável. [email protected]

**Administradora de empresas (Universidade Cândido Mendes, 1981), paisagista (Universidade Veiga de Almeida, 2005), Mestrado em Urbanismo (M.Sc., FAU/UFRJ, 2009), Presidente do Inverde - Insti-tuto de Estudos, Pesquisas e Projetos em Infraestrutura Verde e Ecologia Urbana, consultora e pro-fessora de temas relacionados a Infraestrutura Verde, Ecologia Urbana. [email protected]

***Arquiteto urbanista (FAU/UFRJ, 1980), Mestrado em Engenharia de Transportes (M.Sc.,UFRJ, 1985) e Doutorado em Engenharia de Produção (D.Sc., UFRJ, 2003), professor de disciplinas e

consultor em temas relacionados a Planejamento Urbano, Planos Diretores e Mobilidade Sustentável. [email protected]

RESUMO

A cidade do Rio de Janeiro foi escolhida como sede de importantes eventos espor-tivos, tendo a oportunidade de constituir um legado de mobilidade urbana visando à sustentabilidade. Este artigo traça historicamente a busca de soluções para o desen-volvimento urbano, e apresenta levantamento de diretrizes, atributos, características e critérios da mobilidade urbana sustentável, ilustradas com exemplos de boas práticas. Questiona-se se as transformações em curso e projetadas para a cidade atendem às diretrizes preconizadas.

Palavras-chave: Mobilidade sustentável, planejamento urbano, infraestrutura verde, urbanismo, sustentabilidade.

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SUSTAINABLE URBAN MOBILITY FOR THE CITY OF RIO DE JANEIRO

ABSTRACT

The city of Rio de Janeiro has been chosen to host important sports events, what made feasible the opportunity to create a legacy of urban mobility aiming sustainability. This article traces historically the search for solutions to urban development and shows survey guidelines, attributes, characteristics and criteria of sustainable urban mobility, shown with examples of good practice. It is questioned whether the changes currently adopted and projected to town, meet the recommended guidelines.

Key words: Sustainable Mobility, Urban Planning, Green Infrastructure, Urbanism, Sustainability.

INTRODUÇÃO

O Rio de Janeiro passa por momento de investimentos expressivos, por conta dos grandes eventos esportivos programados para os próximos anos, como uma das ci-dades da Copa do Mundo de Futebol de 2014 e sede dos Jogos Olímpicos de 2016. Desde que sua candidatura a sede dos Jogos foi aceita, em outubro de 2009, uma sé-rie de propostas relacionadas à mobilidade, algumas já executadas ou em execução, geram questionamentos e expectativas.

O que é mobilidade urbana sustentável e como situá-la historicamente? Quais suas diretrizes, atributos, características e critérios? O quanto avançamos, e o que se es-pera, como legado dos eventos esportivos para a cidade do Rio de Janeiro?

Atualmente, uma mobilidade bem mais próxima da sustentabilidade já é realidade em várias cidades, como Bogotá, Amsterdam, Copenhage, Freiburg (Alemanha), Paris, Londres, Seul e Nova York. O processo de mudança de paradigma, de transporte in-dividual para o de massa, deixou de ser utópico para se tornar realidade, em cidades de todos os portes. No entanto, muitas cidades do mundo convivem com problemas relacionados à mobilidade, como congestionamentos, acidentes, poluição ambiental, distribuição desigual do espaço viário entre seus usuários, especulação urbana, se-dentarismo e suas consequências. O modelo vigente nesses ecossistemas urbanos, centrado em meios individuais, reforça o egocentrismo na percepção e gestão das

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cidades, ao mesmo tempo em que engole os espaços públicos, reduzindo as ameni-dades e, por consequência, a atratividade das vizinhanças à presença de seus mora-dores e visitantes. Moradores, trabalhadores e visitantes pedestres foram, historica-mente, sendo empurrados para os lados, para o espaço remanescente da calçada, cada vez mais desvalorizada, no sentido de se atender às demandas por espaço para as circulações motorizadas, especialmente de automóveis particulares.

Por razões concretas, referindo-se, por exemplo, ao consumo de combustíveis e per-da de tempo, entre outros custos, mas também por razões intangíveis (ainda), como a capacidade de oferecer espaços para convivência, discussões e fortalecimento das organizações sociais, o atual modelo de circulação tornou-se caro, social e ecologi-camente impactante, e precisa ser repensado e alterado. Estudos desenvolvidos em São Paulo dão conta de custo (generalizado) do congestionamento diário, da ordem de R$ 34 bilhões por ano, muito maior do que o investimento necessário para a maio-ria dos sistemas públicos coletivos. Ao mesmo tempo, pesquisas realizadas pela LSE (London School of Economics) estimam a economia (positiva) atualmente girada pelo uso da bicicleta como sendo de £ 3,3 milhões, com custos econômicos, sociais e am-bientais bem menores do que os impostos atualmente pelo tráfego motorizado.

Segundo Lester Brown, fundador e pesquisador do “The WorldWatch Institute” – instituto de pesquisa privado, sem fins lucrativos, destinado à análise das questões ambientais globais -, o processo de urbanização motivado pela atração urbana é impulsionado pela falta de oportunidades no campo. Na maioria dos países em desen-volvimento, esse fluxo das zonas rurais excede a capacidade de os centros urbanos proporcionarem emprego, habitação, eletricidade, água, esgotos e serviços sociais,

provocando o surgimento de favelas, onde multi-dões convivem sob condições marginais e degra-dantes. “Cidades são lugares dinâmicos, cheios de vida e oportunidades, mas também podem ser sujas, violentas, superpopulosas. Hoje represen-tam 2% da superfície da terra, mas usam 75% de seus recursos” (BROWN, 2003).

Nas cidades, cada vez maiores, mais populosas e com sistemas de transporte público deficitários,

Figura 1: Círculo Vicioso (LUDD, 2004)

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o automóvel tornou-se símbolo de status, já que, frequentemente, representa a opção mais confortável de deslocamento, criando um círculo vicioso. Quanto mais aumen-tam as distâncias e os custos, aumenta também o interesse pelo automóvel, que é estimulado, pois representa igualmente trabalho e renda.

O desenho do cartunista Singer retrata com humor a situação.

MOBILIDADE URBANA SUSTENTÁVEL: A BUSCA DA CIDADE IDEAL

O site do Ministério das Cidades introduz a Política Nacional da Mobilidade Urbana1, com a seguinte definição2:

“A Mobilidade Urbana Sustentável pode ser definida como o resultado de um conjunto de políticas de transporte e circulação que visa pro-porcionar o acesso amplo e democrático ao espaço urbano, através da priorização dos modos não-motorizados e coletivos de transportes, de forma efetiva, que não gere segregações espaciais, socialmente inclusiva e ecologicamente sustentável.”

Já o Victoria Transport Policy Institute3 afirma que não há definição universal de susten-tabilidade, desenvolvimento sustentável ou transporte sustentável, e lista algumas de-finições, dentre elas, a da Conferência Europeia de Ministros de Transporte, em 2004:

“Um sistema de transporte sustentável é aquele que é acessível, se-guro, amigável ao meio ambiente, e economicamente viável.”

A questão da mobilidade permeia a busca da cidade ideal ao longo do tempo.

1 Lei 12.587, de 3 de janeiro de 2012. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12587.htm.

2 http://www.cidades.gov.br/index.php/politica-nacional-de-mobilidade-urbana.3 http://www.vtpi.org/tdm/tdm67.htm

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Busca de Soluções para o Desenvolvimento Urbano

“As sociedades primitivas opunham-se ao poder arbitrário de um único indivíduo e estimulavam a cooperação em lugar da compe-tição. O planejamento, nesses grupos, diversamente do que viria a suceder em culturas mais adiantadas, tendia para o consenso” (GUIMARÃES, 2004).

O homem se desenvolveu buscando sua sobrevivência. Hoje entende que precisa cuidar também da sobrevivência da natureza em seu entorno, para sua própria perpe-tuação enquanto espécie. Supõe-se que culturas ainda mais adiantadas conseguirão retomar o consenso, a cooperação necessária para equilibrar o desenvolvimento ur-bano e o meio ambiente, em busca da sustentabilidade.

Com o desenvolvimento urbano, surge a busca pela cidade ideal. Cidades fortificadas, fundamentadas em critérios somente racionais e geométricos, marcaram época, res-pondendo aos anseios de defesa do seu momento histórico.

A mobilidade entre as cidades, durante muitos séculos, foi restrita à energia humana e animal. Os impactos ambientais do sistema de transportes não faziam parte das pre-ocupações cotidianas, até o início da revolução industrial, quando o transporte marca o desenvolvimento urbano, por meio das ferrovias.

“A partir de 1840, a estrada de ferro e o capitalismo teriam um desenvolvimento co-nexo, com a estrada de ferro tornando-se a mais poderosa arma da economia” (GUI-MARÃES, 2004). Como consequência, a especulação do solo urbano se acelera, e muitas cidades se tornam insalubres, pela proximidade com as fábricas e com as es-tradas de ferro. A primeira metade do século XIX seria marcada por protestos contra a sordidez, a sujeira e a miséria.

A reação surge com novos paradigmas de organização das cidades, como o planeja-mento urbano de Paris, por Hausmann, e de Barcelona, por Cerdá, que derrubam as muralhas medievais da cidade, permitindo sua expansão, com uma malha geométrica inovadora, enquanto sistema viário, e quadras com jardins internos que se comunicam com as ruas, permitindo aeração e iluminação das construções (VALLEJO & TOR-NER, 2002). Note-se aqui que o planejamento urbano, na época, buscava privilegiar a ordenação do espaço, eliminando barreiras, para iluminar e ventilar (Sanitarismo).

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Em contraposição ao movimento de expansão das cidades, a reação também se dá na forma de cidades-jardins, comunidades autossuficientes, interferindo no ambiente natural e construído, visando a uma vida mais saudável. Idealizadas com ruas largas e arborizadas, tinham na área central as construções públicas (teatro, museu, ad-ministração pública, hospital, galeria de artes), além de terrenos espaçosos para as residências, escolas, igrejas, quadras de jogos, e um cinturão verde envolvendo todo esse espaço. Após o cinturão, estariam o comércio e as indústrias, próximos à estrada de ferro, para facilitar a entrada e saída de mercadorias. Quando a população não pu-desse mais crescer de forma ordenada, outra cidade-jardim seria construída, com as mesmas diretrizes, e a implantação de um meio de transporte faria a integração entre as cidades (CHOAY, 1965). Espalharam-se na Europa e nos Estados Unidos, a partir dos anos 1920, mas poucas existem ainda, como Letchworth e Radburn.

Figuras 2 e 3: Letchworth na Inglaterra e Radburn nos EUA (imagens da web).

Do conceito de cidade-jardim, perdurou até os dias de hoje o conceito de cinturão ver-de (green belt), que faz parte da política de desenvolvimento sustentável em países da Europa. No Canadá, surgiu na década de 60, para conter o espalhamento das ci-dades. O sistema é considerado como infraestrutura verde e elemento de organização da mobilidade, visando sustentabilidade.

No início do século XX, a busca da cidade ideal surge com o movimento moderno, fun-cionalista, empreendido por Le Corbusier, Gropius e outros seguidores, acreditando que um estilo e uma prática internacionalizados ultrapassariam as fronteiras geográfi-cas e temporais, em busca de uma realidade total para a raça humana.

Ao contrário dos blocos de edificações fechadas, planejados em quadras, típicos do movimento de expansão das cidades europeias na segunda metade do século XIX,

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os novos princípios de organização sugerem grupamentos de edificações abertas. Os quatro princípios que sustentam o funcionamento da cidade são: habitar, trabalhar, cultivar o corpo e o espírito e circular com relação a essas atividades. O zoneamen-to, com sua segregação espacial, se consolida como condição de eficácia funcional da cidade moderna. A nova concepção de cidade é justificada na Carta de Atenas (manifesto urbanístico resultante de Congresso Internacional de Arquitetura Moderna, realizado em Atenas, em 1933):

A cidade não é mais do que uma parte do conjunto econômico, social e político que constitui uma região; o crescimento da cidade devo-ra incontrolavelmente suas periferias verdes, privando os seres vivos de sol, espaço e vegetação; as novas construções em altura deverão situar-se distanciadas entre si, liberando espaços verdes que devem conter construções de uso comunitário ligadas às habitações residen-ciais; setores industriais devem ser independentes, localizados junto à água, ferrovias e auto-estradas; os centros de negócios deverão se situar na confluência das vias de circulação.

Figura 4 : Projeto Ville Radieuse Le Corbusier (GUIMARÃES, 2004).

A Carta de Atenas torna-se a base para o planejamento internacional das cidades. A imagem do modernismo domina o planejamento urbano do século, mas o caráter da cidade ideal, aos poucos, se perde. Niemeyer e Lucio Costa estão entre os urbanistas

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brasileiros de maior destaque desse período. Fundamentado na energia fóssil neces-sária para a fabricação de aço, vidro, concreto e, sobretudo, para o deslocamento nas cidades planejadas para veículos motorizados, o estilo internacional não foi superado.

Durante o século XX, os impactos ambientais urbanos se propagam, com a mecani-zação na indústria em geral e com o crescimento e expansão da indústria automobi-lística em particular. Surgem as highways. Os carros passam a representar conforto e um novo estilo de vida. O ritmo de vida se acelera.

Ivan Illich, teórico em educação, energia e ecologia, em um artigo sobre energia e equida-de escrito em 1973, atacou conceitos estabelecidos na época pela sociedade ocidental, afirmando, por exemplo, que os automóveis contribuíam para diminuir a velocidade dos deslocamentos, e que, mais importante do que procurar novas fontes de energia, seria mudar seu consumo (ILLICH, 1973). A favor das cidades compactas, Illich afirma que “existe um lugar para um mundo de maturidade tecnológica. Em termos de circulação, este é o mundo daqueles que ampliaram seus horizontes a treze quilômetros montados em sua bicicleta [...]. A reestruturação do espaço que oferece a cada pessoa a experiência, constantemente renovada, o conhecimento de que o centro do mundo é onde ela vive”.

DIRETRIZES, ATRIBUTOS, CARACTERÍSTICAS E CRITÉRIOS

EXEMPLOS DE BOAS PRÁTICAS

Diversos autores e instituições listam diretrizes, características e critérios para a mo-bilidade urbana sustentável (HEIERLI, 1995; LINDQUIST, 1998; ESTEVES, 2003; LITMAN, 2003; COM, 2004; BODMER & MARTINS, 2005; CRAWFORD, 2006; ITDP 2010). Notaram-se diversas possibilidades de apresentação dos fatores, visando seu êxito. Propõe-se a divisão em três grupos recorrentes: Planejamento e Implantação, Educação e Divulgação, Gerenciamento e Monitoramento (adaptado de ROSA, 2007). Algumas diretrizes foram ilustradas com exemplos de boas práticas:

Quanto ao Planejamento e à Implantação (forma urbana / uso do solo)

• Criar “zonas ambientais” definidas como unidade territorial, cujo acesso à rede es-truturada de transporte da cidade preserve seu interior da necessidade de viagem motorizada e de tráfego de passagem;

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Exemplo de boa prática: Em Amsterdam algumas áreas resi-denciais foram projetadas com ruas para crianças. São equi-padas com brinquedos, cercas para prevenir acidentes, co-modidades como bancos, para supervisão dos pais, e toda sorte de sinalização e restrição a qualquer tipo de transporte (NILSSON, 1998).

Figura 5: Rua para crianças em Amsterdam (NILSSON, 1998).

• Promover a integração de micro e macro acessibilidade. Promover ligações diretas, privilegiando a mobilidade não motorizada, integrando atividades e localidades;

• Promover a integração do transporte e do uso do solo, por meio da implantação, no interior de polos geradores de tráfego, do embarque e desembarque dos usuá-rios, assim como, prestar informações e vender passagens;

• Ampliar ou implantar sistemas de transporte de alta capacidade, eficientes e de qualidade;

• Buscar a apropriação equitativa do espaço e do tempo na circulação urbana, prio-rizando os modos de transporte coletivo, a pé, de bicicleta e de pessoas com restrição à mobilidade, em relação ao automóvel particular. Espaços seguros e confortáveis para se andar a pé, ou com transporte não motorizado;

• Promover o reordenamento dos espaços e das atividades urbanas, priorizando in-vestimentos em novos centros, ou reforçando centros de bairro, criando restrições ou reduzindo as necessidades de deslocamento motorizado e seus custos;

• Promover a mistura de usos do solo, maiores densidades urbanas em torno de estações e terminais de transportes públicos, e redes viárias mais conectadas.

Exemplo de boa prática: No sul da Alemanha, a cidade de Freiburg, além de ser um modelo de cidade compacta, que utiliza energia limpa, com prioridade para transpor-

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tes não poluentes, é também exemplo de infraestrutura verde. A articulação dos meios de transporte de baixo impacto pode ser conferida no edifício verde (utiliza energia solar) onde os ciclistas guardam as bicicletas, anexo ao sistema multimodal de trans-porte, que alia VLT, trens ou ônibus, e que também abriga hotel, comércio, serviços e escritórios, muito próximo ao centro histórico, que fica a uma curta distância, e ao qual os pedestres têm rápido acesso (HERZOG, 2010).

Figuras 6 e7: Freiburg. Vista do edifício garagem de bicicletas e do viaduto por onde passa o VLT. Interior do edifício. Crédito: Cecília Herzog.

• Introdução de medidas de moderação do tráfego (físicas ou de gestão), como es-treitamento ou elevação de pista em cruzamentos, redução de velocidade e quan-tidade de tráfego, tratamento ambiental, como a definição de zonas com prioridade para pedestres e ciclistas, e sinalização de velocidade controlada. Privilegiar zo-nas residenciais e escolares;

• Criação ou consolidação de caminhos e trilhas em locais propícios;

Exemplo de boa prática: Na França, em Nanterre, área periférica próxima à La Défense, o parque Chémin d´Île4 é multifuncional. Centrado em atraentes alagados construídos, que filtram as águas antes de irem para o rio Sena, por eles se pode circular em passare-las e observar os caminhos das águas e a variedade de espécies de flora e fauna presen-tes no local. Aproveita uma área sob a autoestrada que chega à cidade (HERZOG, 2010).

4 Disponível em http://www.hauts-de-seine.net/cadre-de-vie/protection-environnement/espace-naturel/chemin-de-l-ile-promenade-bleue, acesso em 25 de junho de 2010.

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• Projetar novas expansões urbanas, a partir de exemplos bem sucedidos, adaptan-do-os às condições espaciais, econômicas e sociais do local, incentivando integra-ção e inclusão social;

• Projetar o conforto urbano por meio de arborização, travessias, calçadas e vias para ciclos adequadas ao local de implantação;

• Projetar soluções para estacionamentos dos diversos modais de transporte, visan-do a equidade;

Quanto à Educação, Divulgação e Pesquisa:

• Desenvolver campanhas educativas sobre Mobilidade Sustentável, em es-colas, associações e mídia, periódica e continuamente;

Exemplo de boa prática: Site do Depar-tamento de Transporte da cidade de Por-tland, EUA. No item segurança e educa-ção, uma página indica várias maneiras de contribuir para a redução da poluição no ar.

Figura 8: Nanterre, Parque Chemin d’Île. Alagado construído. Crédito: Cecília Herzog.

Figura 9: Informação para o Cidadão: Como Contribuir na Redução da Poluição do Ar (PORTLANDONLINE, 2006).

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• Criar campanhas educativas, para que os motoristas respeitem os ciclistas e para que os ciclistas respeitem os pedestres;

• Mudar o conceito de bicicleta como artigo de esporte, incentivar empresas a usar a integração metrô-bicicleta como meio de transporte, criar bicicletários em metrôs, e vestiários em fábricas e prédios comerciais, destacando o conceito da saúde para o usuário e para o planeta;

• Envolver a sociedade civil, de maneira geral, na implementação, utilização e moni-toramento de medidas visando à Mobilidade Sustentável;

• Ampliar o conceito de transporte para o de comunicação, por meio da utilização de tecnologias relacionadas a telecomunicações e informática, tirando maior partido das infraestruturas existentes;

• Incentivar o uso de sistemas de compartilhamento de automóveis;

• Contribuir para a eficiência energética, desenvolvendo veículos e combustíveis que reduzam consumo e emissão de agentes poluidores, sonoros e atmosféricos;

Quanto à Gestão e Monitoramento:

• Substituir a lógica da expansão (mais vias), pela gestão e integração (melhores vias para todos);

Exemplo de boa prática: Seul, a capital da Coreia, é uma megaci-dade em processo de transforma-ção urbana. Apesar da dependên-cia dos automóveis, promoveu a abertura do córrego Cheonggye, que estava coberto por vias e um elevado. A recuperação foi voltada para os usos humanos e a biodi-versidade no interior da cidade (HERZOG, 2010). Figura 10.

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• Tarifar circulação por meio das revisões de controle de poluição e estacionamen-tos de automóveis particulares, favorecendo o uso de transportes públicos (zonas congestionadas e horário de pico);

• Controlar a poluição do ar e sonora, com multa aos motoristas transgressores e tarifação diferenciada para veículos que poluam menos;

• Incentivar investimentos em transporte público, utilizando energia limpa e controle de ruído;

• Determinar que empreendimentos urbanos de grande porte devam assumir res-ponsabilidade socioambiental, por meio da implantação de planos de mobilidade para seus usuários, respeitando-se os limites de capacidade ambiental;

• Desenvolver o gerenciamento de recursos, que distribua o ônus da mobilidade e garanta a sustentabilidade de seus agentes, a um custo tolerável para os usuários;

• Promover a eficiência e a qualidade nos serviços de transporte público, com apro-priação social dos ganhos de produtividade decorrentes;

• Promover a segurança no transporte público e não motorizado;

• Todo novo investimento em transporte motorizado deve prever o mesmo valor inves-tido em transporte não motorizado, acompanhado de análise de custo-benefício e de impactos ambientais e sociais, com consulta pública para avaliação das alternativas;

Figuras 10 e 11: Seul, Coreia. Pai-sagem urbana com o viaduto, mo-dernos edifícios residenciais, cidade orientada para automóveis, anos 1980 e 1990. Rio Cheonggye rena-turalizado em 2005, multifuncional, com melhoria da qualidade de vida na cidade. Crédito: Cecília Herzog.

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• Promover a figura do gestor de mobilidade e a integração entre os diversos atores envolvidos nas ações de gerenciamento;

Exemplo de boa prática: Brugge, na Bélgica, onde as escolas solicitam anualmente a presença de policiais para verificar se as bicicletas dos alunos atendem às normas de segurança. As crianças recebem cartões verdes, se estão de acordo com as nor-mas, ou vermelhos, se a verificação for negativa, tendo o compromisso de atender aos itens em desacordo.5

Figura 12: Gestão de mobili-dade em escolas em Brugge (NILSSON, 1998).

• Fixação de objetivos quantificados a curto, médio e longo prazo, com um sistema de acompanhamento eficaz.

• Preservar, defender e promover, nos projetos e políticas públicas voltadas ao trans-porte público e à circulação urbana, a qualidade do ambiente natural e construído e o patrimônio histórico, cultural e artístico das cidades;

• Nas reformas e expansão do espaço urbano, promover o uso de materiais e tecno-logias locais, ambientalmente amigáveis e duráveis, reduzindo manutenção;

• Gerenciar o transporte de carga, incentivando o transporte marítimo, fluvial e ferroviário.

5 Apesar de tão longe da realidade recente do Rio de Janeiro, é um exemplo que pode ser adequado para a polícia pacificadora carioca.

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Esta é uma classificação circular, já que todos os itens implicam ações de planeja-mento, implantação e de gestão. Além do fato de que todas as recomendações po-derão ter maior chance de sucesso, se forem aplicadas a partir de ações educativas, com monitoramento para sua possível melhoria, de acordo com cada situação.Sabe-se que muitas das diretrizes listadas dependem de variáveis locais (geográfi-cas, sociais e econômicas), para que se obtenha êxito na mobilidade sustentável. No entanto, neste levantamento, percebeu-se uma afinidade, na maioria das propostas, entre especialistas de vários países.

Ainda que políticas sobre mobilidade no Brasil sejam recentes, a própria existência da Secretaria Nacional da Mobilidade (SEMOB), desde 2004, com objetivo de promover a mobilidade sustentável, já constitui uma mudança de rumo no setor de transportes, diversificando o foco, que, até então, somente priorizara a indústria automobilística. Espera-se que esta indústria aos poucos se transforme, para atender ao transporte público de qualidade, continuando a gerar renda e trabalho.

LEGADO DOS JOGOS OLÍMPICOS NO RIO DE JANEIRO

Quais dessas diretrizes, características e critérios estão planejadas, ou sendo exe-cutadas, para a cidade do Rio de Janeiro? A seguir, levantamento de notícias e fatos sobre o tema, comentados pelos autores deste artigo.

No portal da prefeitura do Rio de Janeiro, destaca-se, como legado mais significati-vo, a implantação do sistema BRT (Bus Rapid Transit) e do Programa Morar Carioca (urbanização de favelas). A promessa é que todas as favelas cariocas estejam urbani-zadas até 2020, e que os usuários de transporte de alta capacidade passem de 18% para 63%, quando os quatro corredores de BRT estiverem prontos6.

O Morar Carioca tem grandes chances de pôr em prática a cultura participativa, e espera-se que a política de remoções da população de baixa renda não continue a repetir a má prática de conjuntos habitacionais longe de seus locais de origem e sem a infraestrutura adequada aos dias atuais. Espera-se, também, que considerem con-

6 http://www.rio.rj.gov.br/web/guest/exibeconteudo?article-id=3308728

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ceitos de arquitetura bioclimática e de paisagismo integrado à natureza do entorno, visando qualidade de vida, com redução no consumo de energia.

O sistema de BRT vai reduzir a emissão de gases de efeito estufa, à medida que efetivamente seja reduzida a frota de ônibus da cidade. No entanto perde-se a oportu-nidade de um investimento maior em transporte sobre trilhos, que beneficiaria parcela mais significativa da população carioca.

Um fato relevante aconteceu durante a construção da linha de BRT Transoeste, no trecho que corta a Barra da Tijuca e Recreio dos Bandeirantes, ao longo da Av. das Américas. Ciclistas invadiram as pistas antes da inauguração, para seus deslocamen-tos diários. Novas ciclovias não fizeram parte dos investimentos para o local, fato que poderia ter sido revertido, se práticas de participação em Conselhos Municipais de Políticas Públicas fossem estimuladas, para se tornarem realidade.

Quanto à linha de BRT em operação, constatou-se a circulação de ônibus superlo-tados em horário de pico, enquanto outros vazios esperam o horário de partida no terminal Alvorada, apontando problemas de gestão.

Ainda sobre o BRT, não foram, até o momento, considerados os fluxos naturais que ocorrem na paisagem, e as pistas da Transoeste têm sofrido alagamentos constantes, em chuvas mais fortes, com a retenção das águas, que impedem a circulação. No caso da bacia de Guaratiba, a dinâmica das águas que descem do maciço e alimen-tam o manguezal, foi alterada. Como resultado, tem causado impactos no grau de sa-linidade que mantém a ecologia do manguezal. Esse processo está sendo estudado por pesquisadores da UERJ que atuam na área.7

Estão previstos também a expansão do metrô até a Barra da Tijuca e a implanta-ção de VLT (veículo leve sobre trilhos) na área central da cidade, conectando a Vila da Mídia, na área do porto, ao aeroporto doméstico e outros sistemas de transporte. Perde-se a oportunidade de ligação sobre trilhos, do aeroporto internacional da cidade a outros modais de transporte. Está prevista uma das linhas do BRT para atender o aeroporto internacional.

7 Entrevistas com Dr. Mario Soares, professor pesquisador de manguezais, do Departamento de Oceanografia da UERJ (maio de 2012).

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Conforme o site oficial do Porto Ma-ravilha, a previsão é de que a primei-ra etapa de instalação do VLT seja concluída em 2014, com duas linhas em funcionamento. As outras quatro entram em operação até 2016. Já o portal da prefeitura informa, em no-tícia de 21/06/2012, que a licitação para implantação do sistema deveria ser concluída em 30 de setembro, mas, procurando nos avisos de lici-tação disponíveis até dezembro de 2012, não foram encontradas refe-rências ao VLT.

Quanto ao Porto Maravilha, uma questão polêmica divide opiniões: a demolição da Av. Perimetral, que liga

Figuras 13 e 14: Montagem gráfica da implantação do VLT na Praça Mauá e na Av. Rio Branco. Fonte: http://www.portomaravilha.com.br/web/esq/projEspVLT.aspx

Figuras 15 e 16: Projeto do Arquiteto Ricardo Kawamoto, vestindo a perimetral com tratamento acús-tico e estético. Um calçadão coberto pela avenida privilegiaria os deslocamentos a pé ou de bicicleta, ligando as ciclovias já existentes na orla ao porto revitalizado. Imagens de acervo da equipe vencedora.

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o centro da cidade a Niterói, Av. Brasil e linha Vermelha, vias com fluxo diário intenso (140 mil veículos/dia, segundo o engenheiro Fernando Mac Dowell). A demolição tem apoiadores, que defendem o caráter estético, pois, construída em várias etapas, ela não tem uniformidade e enfeia a paisagem. No entanto, em 2004, a prefeitura organi-zou um concurso para solucionar este problema e também tratar a via acusticamente. A solução vencedora foi para a gaveta, com uma mudança de gestão. Era tecnica-mente funcional e passaria a valorizar a paisagem.

Ainda como alternativa à demolição, orçada em 2010 em R$ 1,2 bilhão, uma equipe de alunos e pesquisadores, liderada pelo professor Cristovão Duarte, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ, desenvolveu um projeto de monorail, uma apli-cação bem mais eficaz para a verba destinada à demolição.

Figuras 17 e 18: Monorail proposto para a Av. Perimetral. Fonte: edição 309 da revista da UFRJ – Olhar Virtual, agosto de 2010.

Algumas tentativas foram feitas, por meio de debates e abaixo-assinado, para entrar com ação civil contra a demolição, até que a sociedade pudesse se manifestar de ma-neira mais democrática. Nos dias 16 e 17 de maio de 2011, foi realizado um seminário para debater essa questão de importância capital para o destino da área portuária. No entanto os resultados não foram levados em consideração pelos tomadores de deci-sões.8 Atualmente, são apenas reclamações na seção de cartas do jornal O Globo, e eventuais manifestações de técnicos, preocupados com futuros engarrafamentos ainda

8 O seminário Porto Maravilha: Desafios e Problemas foi realizado no auditório do Instituto Histórico e Geo-gráfico Brasileiro (IHGB), com apoio do Prourb-UFRJ, e o próprio IHGB. O vice-prefeito e secretário do Meio Ambiente participou, juntamente com pesquisadores e profissionais que atuam na área.

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mais graves que os atuais. A falta de transparência e participação efetiva da sociedade civil organizada tem marcado o ritmo das propostas de intervenção urbana e obras rela-cionadas aos grandes eventos, sem um planejamento integrado de longo prazo.

O projeto do Porto Maravilha inclui a construção de um túnel (mergulhão), para substi-tuir a Perimetral. Como a região foi construída sobre aterro, o túnel será parcialmente submerso, e terá reforços para suportar o elevado, até que fique totalmente pronto, permitindo a demolição do elevado e encarecendo ainda mais a obra.

Com conclusão prevista para 2015, deverá ser o terceiro maior túnel do Rio de Ja-neiro, com 1.800 m9 e prováveis alagamentos.10 Um dos pontos mais inquietantes é a manutenção de investimentos no modelo rodoviarista, antagônico à mobilidade sus-tentável, com expressivas quantias de dinheiro público. Apesar de previstas parcerias público-privadas, no dia 31 de outubro de 2012, o prefeito do Rio de Janeiro negociou com o governo federal o aumento da capacidade de endividamento da cidade.11

Ainda no Porto Maravilha, todos os novos empreendimentos seguem a legislação ur-banística, com obrigatoriedade de vagas. Uma garagem com 900 vagas sob a Praça Mauá será também construída. Prédios de até 50 andares são esperados na região, certamente com andares exclusivos para automóveis.

Em nome da mobilidade urbana sustentável e da saúde da população carioca, é tem-po de mudança no Código de Obras, para permitir que regiões servidas por transporte público tenham isenção de obrigatoriedade de vagas, e que as construtoras assumam custos de infraestrutura para melhorar a qualidade do transporte público e a acessi-bilidade em geral na região em que implantam novas demandas. Este, sim, seria um legado transformador.

Outro local que, em princípio, receberá o legado dos Jogos Olímpicos é o bairro de Deodoro. Está prevista nova infraestrutura de centros comerciais e de lazer, assim

9 http://extra.globo.com/noticias/rio/tunel-para-substituir-perimetral-ficara-pronto-em-2015-mas-especialistas-recomendam-cautela-3317550.html

10 Deve ser considerado o aumento do nível do mar, que deverá se intensificar e atingir essa área, que é vicinal à Baía de Guanabara. Haverá necessidade de bombeamento de águas constante, no caso de chuvas.

11 Conforme notícia da rádio CBN, na tarde de hoje, dia do fechamento deste artigo.

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como o Parque Radical, insta-lação que receberá algumas competições12. Uma linha de BRT passará no local.

Atualmente, Deodoro tem uma estação de trem integrada ao metrô, que leva boa parte dos torcedores que vão ao novo es-tádio, apelidado de Engenhão, legado dos Jogos Pan- Ame-ricanos de 2007. No entanto a integração com a estação de trem não foi bem planejada e causa aglomerações.

Quem opta pelo automóvel enfrenta engarrafamentos e dificuldades para estacionar (o estádio tem 1.660 vagas). Como referência de boas práticas, tem-se os Jogos Olímpi-cos de Londres, em que os usuários eram incentivados a usar o metrô, o trem e bicicle-tas para ter acesso ao local. Os estádios foram projetados com poucas vagas e, mesmo durante as obras, as equipes envolvidas chegavam ao local em transporte público.

Foi-nos relatado, por usuário do ramal da Supervia que passa por Deodoro, que vários dos novos vagões coreanos estão parados, enquanto os antigos continuam operando, sem condições de conforto. No site da empresa, não há informações a esse respeito. É urgente a adaptação das vias de trem, estações e vagões, para que tenham a qua-lidade do metrô, e que ambos os sistemas tenham vagões e linhas projetadas para a demanda atual e futura.

E no estádio do Maracanã, um dos símbolos cariocas, está previsto trocar pistas de atletismo e parque aquático por garagens com capacidade para 2000 vagas. A infor-mação está no jornal eletrônico O Dia14, de 23 de outubro de 2012.

Figura 19: O Engenhão, em Deodoro. Fonte: Site R713

12 http://rio2016.org/search/node?search_text=legado13 http://noticias.r7.com/rio-de-janeiro/noticias/r7-testou-conheca-os-caminhos-para-o-engenhao-20101002.html14 http://odia.ig.com.br/portal/rio/maraca-gestor-vai-derrubar-pista-e-parque-aqu%C3%A1tico-1.505972

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Novo estádio de atletismo e parque aquático são projetados, do outro lado da Av. Radial Oeste, mas não há informações sobre estacionamentos. Digamos que outras mil vagas sejam projetadas. Estímulo à indústria automobilística, ao lado de uma linha

Figura 20: Trocar área de esporte por garagens e restaurantes.

Figura 21: Novas pistas de atletismo e piscinas.

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de trem e metrô integrado. A reportagem informa também sobre manifestações con-tra a demolição do Museu do Índio, vizinho ao estádio, para dar lugar a mais vagas. Estacionamentos para bicicletas não foram cogitados, apesar de nova ciclovia ligar a estação de metrô Saens Pena ao estádio.

Para facilitar o deslocamento da família Olímpica, informação do jornal O Globo desta semana15 relata que a prefeitura estuda a construção de túnel, como alternativa a uma terceira faixa para automóveis no elevado do Joá, uma das ligações entre a zona sul da cidade e a Barra da Tijuca. Segundo a reportagem, as melhorias no Joá seriam um dos legados olímpicos para o Rio. Já conforme as diretrizes de mobilidade sustentável, o enfoque deveria ser em transporte público de qualidade, para que, justamente, menos pessoas precisassem usar automóveis em seus deslocamentos diários.

Na Barra da Tijuca, conforme o portal da prefeitura, além dos equipamentos esporti-vos previstos para os Jogos Olímpicos, as prioridades são programas de recupera-ção de parques e redes fluviais.

Barcos movidos a energia solar poderiam fazer parte dos projetos de mobilidade, aproveitando as redes fluviais. Visando a mobilidade em um bairro planejado para deslocamentos em automóvel, preconiza-se a construção de passarelas-jardim, lar-gas o suficiente para permitir a circulação confortável de pedestres e ciclistas, além de jardins e equipamentos urbanos, criando ligações seguras sobre a Av. das Amé-ricas, em alguns pontos estratégicos, associados a rebaixos nas vias para reduzir a altura das passarelas, onde hoje moradores de grandes condomínios usam o carro para levar seus filhos à escola ou para ir ao shopping, do outro lado da avenida. Ci-clovias e calçadas arborizadas e seguras, próximas às edificações, seriam também bem-vindas. Investimentos que seguramente gerariam benefícios, como o exemplo de Londres, citado na introdução deste artigo.

Ainda na Barra da Tijuca, um campo de golfe com cerca de um milhão de metros qua-drados, para atender às especificações olímpicas, foi escolhido em concurso público. A questão está gerando polêmica, por estar em Área de Preservação Ambiental, e fazer parte de acordo liberando também a construção de 22 blocos de apartamentos com 22 andares. Certamente, todos terão vagas para carros. Espera-se que os vencedores do

15 31.10.2012, p. 14 – Um plano B pra o Joá.

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concurso tenham pensado no legado e previsto transformação do uso em parque pú-blico, após os jogos, e que os empreendedores dos novos apartamentos invistam em infraestrutura para mobilidade de todos, como forma de compensação ambiental.

Figura 22: Imagem IAB RJ, convite para a cerimônia de premiação.

CONCLUSÃO

Em termos de mobilidade urbana sustentável, a cidade do Rio de Janeiro terá avan-çado, após os eventos esportivos, mas ainda haverá muito a avançar. A maioria das diretrizes, características e critérios apontados por especialistas, não foram sequer considerados. Alguns exemplos destacados:

Sistema de BRT – Problemas de gerenciamento, ônibus vazios ou superlotados, aci-dentes em travessias, falta de investimento simultâneo em transporte não motorizado. A alegação de custo alto para investimento em transporte de maior capacidade não é coerente com um investimento de bilhões para demolição do viaduto da Perimetral, por exemplo. Não foram atendidas as diretrizes para projetar o conforto urbano por meio de arborização, travessias, calçadas e vias para ciclos adequadas ao local de implantação; para promover a figura do gestor de mobilidade e a integração entre os diversos atores envolvidos nas ações de gerenciamento; não se teve em conta que

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todo novo investimento em transporte motorizado deve prever o mesmo valor investi-do em transporte não motorizado.

Porto Maravilha – Não foram atendidas as diretrizes para substituir a lógica da ex-pansão (mais vias) pela gestão e integração (melhores vias para todos); mudar o conceito de bicicleta como artigo de esporte, incentivar empresas a usar a integração metrô-bicicleta como meio de transporte, criar bicicletários em metrôs, e vestiários em fábricas e prédios comerciais, destacando o conceito da saúde para o usuário e para o planeta; projetar novas expansões urbanas a partir de exemplos bem sucedidos, adaptando-os às condições espaciais, econômicas e sociais do local, incentivando integração e inclusão social.

Maracanã – Modernizar o estádio com painéis fotovoltaicos16, que vão gerar energia para sua operação e manutenção, é contribuir com economia de energia, investimen-to que se paga com o uso. Se, com a recente reforma, o estádio terá capacidade para cerca de 78.800 espectadores, as novas duas mil vagas para automóveis poderiam ser no antigo quartel do exército, e o investimento maior seria nas integrações da estação local de metrô/trem com outros modais, e aplicação do conceito de passare-la-jardim, criando “corredores verdes”, ligando o estacionamento e a Quinta da Boa Vista, com o Maracanã e a grande Tijuca. Ligando pessoas e biodiversidade. Menos engarrafamentos, acidentes, poluição do ar e sonora.

Não foram atendidas as diretrizes para preservar, defender e promover, nos projetos e políticas públicas voltadas ao transporte público e à circulação urbana, a qualidade do ambiente natural e construído e o patrimônio histórico, cultural e artístico das cidades; projetar soluções para estacionamentos dos diversos modais de transporte, visando a equidade; promover ligações diretas, privilegiando a mobilidade não motorizada, integrando atividades e localidades.

Espera-se que algumas destas diretrizes possam ainda ser atendidas, e que o movi-mento em busca do desenvolvimento sustentável supere o estilo internacional preco-nizado pela Carta de Atenas.

16 http://www.estadao.com.br/especiais/maracana-fica-mais-moderno-sem-abrir-mao-de-suahistoria,182163.htm

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ARTIGO Nº10

HAFENCITY: MOBILIDADE, ACESSIBILIDADE E ESPAÇOS PÚBLICOS EM HAMBURGO, ALEMANHA.

HAFENCITY: MOBILITY, ACCESSIBILITY AND PUBLIC SPACES IN HAMBURG, GERMANY.Pérola Felipette Brocaneli

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HAfEnCity: moBiLiDADE, ACEssiBiLiDADE E EspAços púBLiCos Em HAmBuRgo, ALEmAnHA

Arqt.a Prof.a Dr.a Pérola Felipette Brocaneli

REsumo

A questão dos espaços públicos em áreas inundáveis é um assunto de preocupação internacional, mas que, na cidade de São Paulo, parece relegada a segundo plano, quando se observa que, no desenho da cidade, vias expressas e arteriais se desen-volvem em cotas de inundação. O projeto urbano HafenCity, em fase de implantação, apresenta um desenho interessante de espaços públicos e acessíveis, que considera as cotas de inundação, permitindo percursos em qualquer situação de cheia. Em maio de 2012, foi realizada viagem de estudo a HafenCity, para registro de alguns desses espaços públicos em fase de implantação. A visita in loco e o registro fotográfico des-se projeto urbano revelaram detalhes interessantes da paisagem urbana de HafenCi-ty, que se estendem além da preocupação com as cheias recorrentes, priorizando a mobilidade e a acessibilidade aos espaços públicos.

palavras-chave: HafenCity, espaços públicos, áreas inundáveis, reestruturação urba-na, acessibilidade e mobilidade.

HAFENCITY: MOBILITY, ACCESSIBILITY AND PUBLIC SPACES IN HAMBURG, GERMANY.

ABSTRACT

The issue of public spaces on wetlands is a matter of international concern. In spite of this fact, this question seems to be relegated to the background in the city of São Paulo, once it is observed expressways and arterial roads developed on flooding levels inside the city. The HafenCity urban project, under implementation, presents an interesting design of public and accessible spaces, which considers flood quotas allowing paths in any situation of flood. In May 2012, held a study trip to HafenCity, aiming to record some of these public spaces being implemented. The visit to that site and photogra-phic report of this urban project revealed interesting details of the urban landscape of

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HafenCity, which extend beyond the concern with recurring floods, prioritizing mobility and accessibility to public spaces.

Key words: HafenCity, Public Spaces, Wetlands, Urban Restructuring, Accessibility and Mobility.

intRoDução

Hamburgo é a segunda maior cidade da Alemanha, na foz do rio Elba, onde, dando acesso ao comércio fluvial e marítimo, está instalado o porto de Hamburgo, em meio ao segundo maior polo industrial do país.

O porto de Hamburgo completou 822 anos em 2012. Ocupa uma área de 75 km², o que representa um décimo da superfície total de Hamburgo, em uma situação ge-ográfica ideal, já que a cidade hanseática, coloca-se como ponto de trânsito entre a Escandinávia e os países do Leste da Europa. Esta localização torna o porto de Hamburgo extremamente interessante para as empresas de ultramar – da América à Ásia. Composto de 60 docas grandes e pequenas, diversos terminais para contêine-res, pode receber simultaneamente mais de 300 navios para carga e descarga. Com capacidade para movimentar três milhões de contêineres ao ano, atualmente opera com 80% de sua capacidade.

Devido às características marítimo-fluviais, o porto de Hamburgo é procurado por na-vios cargueiros marítimos que sobem a foz do rio Elba, e também por barcaças fluviais provenientes do Alto Elba, que trazem cargas do interior da Alemanha e da República Tcheca, cortada pelo rio.

Em 2003, há quase uma década, a imprensa especializada1 já apontava esse porto como o segundo maior e mais importante da Europa, superado apenas pelo de Roter-dã, na Holanda.

1 porto de Hamburgo em expansão contínua. Disponível em http://www.dw.de/porto-de-hamburgo-em-expans%C3%A3o-cont%C3%ADnua/a-919605-1, visitado em 10/10/2012

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O porto de Hamburgo é o motor econômico e social de toda a região e tem condições econômicas, técnicas e estratégicas para expandir suas atividades, sendo um espaço de grande mobilidade.

Neste contexto, surge o projeto urbano HafenCity, a fim de reestruturar parte da cida-de de Hamburgo diretamente ligada ao porto, e que se localiza em cotas inundáveis.

HAfEnCity

HafenCity é um antigo setor portuário de Hamburgo, objeto de projeto urbano, a fim de promover a transformação, reestruturação e revitalização dessa zona úmida, pre-servando as características do conjunto arquitetônico, constituído para dar suporte às enormes estruturas portuárias existentes no local. A zona úmida de HafenCity é bastante peculiar, pois apresenta até nove metros de altura de inundação, de forma que o desenvolvimento dos espaços públicos também equacionou com primazia a acessibilidade, nos diferentes níveis de atividade.

A modernização e reorganização dos espaços públicos, buscando uma melhor estru-turação da área, incluem questões relacionadas à sustentabilidade urbana, preser-vando a memória portuária, inseparável da história local.

Richardsson (2005) afirma que o conceito de mobilidade permanece extremamente dependente do contexto a que se aplica, e cada país o desenvolve de forma diferente e em diferentes níveis, refletindo prioridades locais e regionais. Sistemas de trans-porte são complexos e respondem às diferentes demandas estruturais existentes, às diferentes organizações envolvidas, ao planejamento e à gestão local e regional. A complexidade da mobilidade se dá também devido aos sistemas regulatórios e de financiamento, tecnologias e modelos de uso do solo.

O projeto de HafenCity está em construção desde 2000, e a previsão de conclusão é para 2025, quando o projeto completo prevê moradia para 12.000 habitantes, e 40.000 postos de trabalho. Este projeto estimulará o crescimento do centro urbano de Hamburgo em até 40%.

O objetivo do projeto elaborado para HafenCity é municiar, com uma rede de infraes-trutura e espaços públicos acessíveis, esse setor da cidade que possui as qualidades

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de um centro urbano histórico, capaz de desenvolver as relações e funções de uma pequena metrópole, pois conta com parques, praças, passeios, serviços, museus, co-mércio, formando uma rede de espaços públicos capaz de identificar este antigo setor portuário de Hamburgo.

figura 1: Localização de HafenCity (área A) em Hamburgo. Fonte disponível em https://maps.google.com.br/maps?hl=pt-BR&tab=wl,visitado em 20/07/2012.

objetivos

Apresentar alguns detalhes do projeto de espaços públicos desenvolvido em Hafen-City, Hamburgo, que vai além do projeto de espaços públicos e cotas inundáveis, com base na leitura de paisagem efetuada durante visita de estudo ao local, em maio de 2012.

metodologia

Para o desenvolvimento desta pesquisa, foi realizado levantamento e análise de bibliografia específica sobre o assunto, e uma visita ao projeto urbano de HafenCi-ty, em Hamburgo, Alemanha, a fim de registrar os espaços públicos urbanos, de-senvolvidos como instrumento de reestruturação urbana, em áreas de inundação recorrente.

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Foi considerado, como limite maior para a análise dos espaços públicos em HafenCity, o território delimitado para elaboração do projeto urbano. A visita fotográfica realizada in loco revelou detalhes da paisagem da cidade que extrapolam a preocupação com os níveis de inundação, sendo a questão da acessibilidade um aspecto importante, no projeto da paisagem da cidade.

EspAços púBLiCos Em HAfEnCity

O projeto urbano de HafenCity contradiz afirmações, como as de Pereira Leite (1997, p. 141), que expressam enfaticamente o desinteresse da população pelos espaços coletivos:

A renúncia ao espaço público da cidade fica caracterizada por uma série deprocedimentos diferentes: nas camadas mais altas de renda, pelo desenvolvimento privado de atividades culturais e de lazer; nas de baixo poder aquisitivo, pela impossibilidade de participar de ativi-dades públicas ou culturais, seja pelo temor de sair de casa após o anoitecer - pois não há garantia de segurança - seja por sua margi-nalização do processo de desenvolvimento cultural; a atuação do po-der público agrava essa situação, pelos procedimentos intimidatórios dos espaços públicos de uso coletivo, visando atender as alegações de caráter essencialmente discriminatório: falta de segurança gerada pela permanência, nas praças, parques e jardins, de desocupados ou suspeitos, falta de condições intelectuais para a participação em ati-vidades culturais. A cidade responde a essa rejeição recíproca entre as classes sociais e o poder público, exibindo uma paisagem frag-mentada e desorganizada: espaços privados fortemente defendidos e espaços públicos abandonados e deteriorados. (PEREIRA LEITE apud LOBODA, DE ANGELIS, 2005)

HafenCity apresenta-se como uma esperança para o desenho das cidades contemporâ-neas, pois o espaço urbano é alinhavado por espaços públicos, que por vezes são verdes, mas que, acima de tudo, estão interligando a cidade durante a época das cheias.

O projeto de HafenCity atende melhor às colocações sobre o espaço público de Da-Matta (1997), que tem uma abordagem centrada nas diferenciações entre o privado e o público a partir de estudos antropológicos entre a casa e a rua, considerando a

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espacialidade física e moral, admitindo, no entanto, o estabelecimento de uma relação dinâmica e complementar entre os espaços públicos e privados, do que às colocações de Hertzberger (1999), que acredita em uma diferenciação gradual entre estes polos – público e privado, e foca sua discussão teórica em questões como acessibilidade, forma de uso e população usuária.

Os espaços públicos projetados em cotas de inundação apresentam material e acaba-mento resistentes aos períodos de cheia, como demonstram as figuras 2, 3 e 4.

figura 2: Diferentes áreas de estar, acompanhando as cotas de inunda-ção, são projetadas de forma que o espaço possa ser aproveitado durante diferentes épocas de cheias. Foto da autora, maio/2012.

figura 3: Os desníveis são acompa-nhados por bancos, que se apresen-tam também como equipamento de iluminação e identidade visual do pro-jeto. Foto da autora, maio/2012.

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A acessibilidade arquitetônica projetada para os diferentes níveis, conferem a mobili-dade necessária ao uso e ocupação dos espaços públicos, fator fundamental para o sucesso da reestruturação urbana em HafenCity.

ÁREAs VERDEs púBLiCAs Em HAfEnCity

O desenvolvimento de espaços públicos associados a áreas verdes é uma questão projetual contemporânea, pois a estruturação dos espaços públicos nem sempre é verde, e muitas vezes não se estabelece de forma estruturada.

Dos significados de espaços urbanos e suburbanos encontrados, àqueles definidos por Di Fidio (1990) são bastante condizentes com o sistema de espaços públicos pro-jetados em HafenCity, sendo que a definição de espaços verdes urbanos públicos é a que melhor descreve os espaços visitados.

figura 4: O desenho do espaço pú-blico desenvolve a acessibilidade e a mobilidade, distribuindo passeios agradáveis, em uma sequência de rampas e escadas que percorrem os nove metros de desnível, entre a cota de maior inundação e os percursos secos da área de HafenCity. Foto da autora, maio/2012.

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Espaços verdes urbanos públicos: praças; parques urbanos; verde balneário e es-portivo; jardim botânico; jardim zoológico; mostra ou feira de jardins; cemitério; faixa de ligação entre áreas verdes; arborização urbana.

figura 5: A sutile-za do desenho de piso permite uma

leitura clara do espaço, e a esca-la é adequada ao

passeio público. Foto da autora,

maio/2012.

A abertura, como “uma leitura de paisagem”, é descrita por Cul-len (1981) como uma técnica de construção dos espaços públicos que se apresenta neste espaço, pois o percurso de pedestres se abre em uma praça pública, em meio a um conjunto de residên-cias, comércio e serviços.

Nas figuras 6 e 7, o uso da estrutu-ra dos bancos lineares, que percor-re toda a praça, se apresenta como a “grande vedete” deste espaço público, pois abrange funções es-truturais, de lazer ativo e passivo.

figura 06: Este equipamento urbano pode ser utilizado de diversas formas e por diferentes faixas etá-rias, criando um espaço verde urbano público, democrático e interessante. Foto da autora, maio/2012.

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As figuras 8 e 9 ilustram o discurso de Benevolo (1993), quando enfatiza que os espaços livres apropriados à recreação e lazer devem se distribuir pela cidade, de forma que haja áreas verdes destinadas ao jogo e ao es-porte, perto das residências.

Os bancos que surgem em meio ao gramado não são peças escultóricas, são equipamentos iguais aos que es-tão ao longo do caminho de pedes-tres, em percurso semipermeável.

figura 7: O desenho do mobiliário urbano é condizente com o relevo criado para a pra-ça, e colabora na sustentação dos volumes de terra. Este equipamento urbano poderia ser denominado como um “banco linear”, mas seu uso é diverso, tornando o espaço mais interessante. As luminárias se repetem em todo o projeto, e são inspiradas na leitu-ra da paisagem dos grandes guindastes do porto, reforçando a identidade local do pro-jeto. Foto da autora, maio/2012.

figura 8: Crianças brincando na praça. Foto da autora, maio/2012.

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figura 9: Crianças utilizando os

bancos da praça. Foto da autora,

maio/2012.

O posicionamento de bancos em meio ao gramado garante à população um acesso democrático ao espaço, estimulando o passeio sobre a grama, uma situação proibida em vários espaços verdes brasileiros.

Nas figuras 10 e 11, pode-se observar que o sistema de espaços públicos de HafenCi-ty apresenta uma sequência de espaços livres e verdes, conceituados e apresentados por Llardent (1982, p. 151).

sistemas de espaços livres: Conjunto de espaços urbanos ao ar livre destinados ao pedestre, para o descanso, o passeio, a prática esportiva e, em geral, o recreio e entretenimento, em sua hora de ócio;

Espaço livre: Quaisquer das distintas áreas verdes que formam o sistema de es-paços livres;

Zonas verdes, espaços verdes, áreas verdes, equipamento verde: Qualquer es-

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paço livre no qual predominam as áreas plantadas de vegetação, correspondendo, em geral, ao que se conhece como parques, jardins ou praças.

figura 10: O piso semipermeável apresenta placas grandes, que o tornam confortável ao passeio do pedestre e facilitam os deslocamentos de pessoas com mobilidade reduzida. A estrutura que dá forma aos bancos lineares também organiza passeios e espaços de estar em diferentes níveis. Foto da autora, maio/2012.

figura 11: O espaço público proporciona o distanciamento necessário para a observação da arquitetura na paisagem da cidade. Foto da autora, maio/2012.

Para Milano (1988), as áreas verdes na cidade se dividem em dois grupos: áre-as verdes e arborização urbana, pois a cobertura arbórea das áreas privadas pode desaparecer, mas a arborização urbana dos espaços públicos deve pre-valecer, sendo, assim, de responsabili-dade do poder público, a manutenção e gestão dos espaços verdes na cidade.

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Os tanques de areia aproximam crianças e adultos e têm um desenho interessante, que, apesar do ângulo agudo, está executado de forma adequada para assegurar a segurança necessária a todos os usuários do espaço.

A acessibilidade até alguns espaços é restrita, pois os caminhos existem até alguns pontos centrais da praça, mas, ainda assim, permitem o acesso às áreas verdes, tornando-as democráticas.

Entre o espaço em cota seca desta praça e os espaços em cotas de inundação, há um percurso de aproximadamente 800 metros, onde estão instalados um mirante e uma roda-gigante (ver figura 13).

Ainda em cota seca, estes equipamentos urbanos são muito interessantes, pois per-mitem a observação da cidade em uma perspectiva aérea, que também revela deta-lhes interessantes do projeto urbano de HafenCity.

figura 12: Em primeiro plano, tanques de areia, e, ao fundo, mulher com carrinho. Foto da autora, maio/2012.

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A roda-gigante também funciona como elemento de referência urbana, pois, devido a suas magníficas dimensões, é vista em grande parte do percurso desenvolvido em cotas de possível inundação.

figura 13: Em meio aos espaços públi-cos, surge um miran-te, para que alguns desses espaços pos-sam ser visualizados em seu conjunto de implantação. Foto da autora, maio/2012.

moBiLiDADE Do EspAço púBLiCo: ACEssiBiLiDADE às DifEREntEs CotAs DE inunDAção

Os espaços públicos mais próximos às águas são os mais suscetíveis de inundar-se. Por essa razão, apresentam menor quantidade de espaços permeáveis, mas, ainda assim, as árvores estão presentes.

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figura 14: Espaço de estar na primeira cota de inundação. Foto da autora, maio /2012.

figura 15: Os espaços de estar com vista para as águas apresentam diferentes possibilidades, para sentar ou deitar sobre decks de madeira. Foto da autora, maio /2012.

Nas figuras 15 e 16, um mesmo símbolo, em forma de gota, aparece junto à ilumi-nação embutida nos bancos.

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Esta gota se repete em tanques de areia, da figura 12, e também nas golas das ár-vores, parece ser uma referência de identidade do projeto. Em uma leitura lúdica, esta forma pode ser uma “gota”, mas também lembra a “quilha das embarcações”. O importante é a identidade visual e paisagística que confere aos diferentes espaços, unindo-os pela delicadeza expressa nos detalhes temáticos e técnicos.

figura 16: Bancos em meio às esca-das são comuns em HafenCity. Foto da autora, maio/2012.

figura 17: Na figura 16, este mes-mo banco, com poucas adaptações, está reposicionado, com função de mesa, em meio às escadas. Foto da autora, maio/2012.

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figura 18: O desenho do piso conduz sutilmente o olhar para a área de estar. Foto da autora, maio/2012.

Em HafenCity, nomes como Richard Meier, David Chi-pperfield, Rem Koolhaas, Zaha Hadid, Herzog & de-Meuron (ver figura 19), Hadi Terrani e Stefan Behnisch as-sinam obras emblemáticas, e responsáveis, em parte, pelo sucesso do empreendimen-to, tanto para turistas, como para empresários.

figura 19: As luminárias são uma releitura da imagem dos guindas-tes portuários, mas também se confundem com os guindastes da construção civil, na paisagem da cidade em reconstrução. Foto da autora, maio/2012.

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As figuras 20, 21 e 22 apresentam um percurso junto às águas, com espaços de es-tar, passeio e comércio, ao longo dos quais se desenvolve um mosaico em diferentes tonalidades de tijolo.

Na região mais antiga de HafenCity, todos os antigos edifícios portuários têm tijolos bem escuros, devido ao material e à forma de produção característica da região.

figura 20: Belvedere para o porto. Foto da autora, maio/2012.

figura 21: Ao longo do belvedere para o porto, há espaços de estar, com bancos, árvores e um painel de tijolos, que acom-panham todo o percurso. O percurso, demarcado em material de menor atrito, proporciona melhor deslocamento de ca-deirantes e pessoas com mobilidade redu-zida. Foto da autora, maio/2012.

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Estes bancos (figura 22), com um desenho que se assemelha a conchas, se inserem no espaço público com um caráter de “escultura”, mas com função de banco, e pro-movem um interesse especial por este espaço de estar, que está tangente à rota de circulação do projeto.

A figura 22, nas palavras de Milton Santos (1985), é um exemplo de como podem ser identificados, no espaço público, alguns elementos de permanência e de passagem, os quais sinalizam que há uma abordagem do espaço que considera tanto os espaços de estar, quanto os fluxos que o percorrem.

Logo após estes bancos em forma de ostras, surgem cafés e restaurantes, que man-têm suas mesas ao longo do projeto, configurando um uso “semipúblico” do espaço, conforme se vê na figura 23.

figura 22: Alguns espaços de estar têm equipamentos com de-senho especial. Foto da autora, maio/2012.

figura 23: Mesas de bares e res-taurantes ao longo do percurso. Ao fundo, observa-se grande mo-bilidade, característica de um es-paço democrático. Foto da autora, maio/2012.

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Para Vieira (1997), a ocupação plural do espaço público pode trazer desequilíbrios na relação entre os atores sociais e o sistema político, com o predomínio da sociedade política, que passa a selecionar a inserção das associações civis no Estado, conferin-do-lhes um status semipúblico.

HafenCity se vale da inserção de usos privados em espaço público e, segundo Avrit-zer (1996), ocorre, no espaço, “um hiato entre as formas de ocupação do espaço público e as formas de legalização da vida associativa e da relação entre sociedade civil e sociedade política”.

Os circuitos definem-se como “percursos urbanos”, por permitirem a mobilidade de pessoas e veículos. Podem ser exclusivamente para peões (os percursos pedonais), mistos (para peões e veículos) ou exclusivamente para veículos, incluindo também espaços reservados ao estacionamento de veículos. Este tipo de espaço público torna-se cada vez mais presente no espaço urbano-metropolitano, uma vez que as deslocações adquirem uma maior importância e se tornam cada vez mais precoces no seio familiar - passamos todos cada vez mais tempo nos espaços afectados ao transporte - e, muitas vezes, a sua qualidade não tem em conta o ponto de vista do automobilista ou do utilizador dos transportes. (MATOS, 2010, p. 22)

Após este uso do espaço público, que pode ser considerado “elitizado”, pois con-fere o uso de alguns equipamentos apenas àqueles que estão se servindo dos restaurante, surgem espaços também de alimentação, porém de uso público (fotos 24 e 25)

As figuras 24 e 25 ilustram bem como a população se apropria dos espaços de estar existentes no espaço público. Algumas pessoas fazem lanches nos espaços de estar, em meio às escadas, de frente para as águas.

Nas palavras de Salgueiro (1998, p. 228):

“O aumento da mobilidade e a diversidade de contactos abertos aos indivíduos permite-lhes, não só, desmultiplicarem-se por diversos pa-péis e identidades, mas também pertencerem a diversas redes frag-mentadas por diversos lugares afastados”

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Estes espaços estão em cotas de inundação, o que se pode perceber pela presença de escadas e rampas, que sobem nove metros e são visíveis nas fotos. Entretanto, executados com excelente qualidade, não se configuram como escadarias em “zo-nas de fronteira”, mas como espaços projetados para abrigar o desenvolvimento de relações democráticas e cidadãs.

figura 24: Espaço de es-tar em meio à escada, em primeiro plano, e mobili-dade entre os diferentes níveis do projeto, marcada pela presença das rampas em segundo plano. Foto da autora, maio/2012.

Segundo Lefèbvre (2001), as cidades são centros da vida social e política, local onde se acumulam riquezas, conhecimento, tecnologias, obras de arte e monumentos. Desta for-ma, a reestruturação da cidade, por meio de um conjunto de espaços pú-blicos interligados, forta-lece as relações urba-nas e humanas.

figura 25: Mesas em meio às escadas são utilizadas para lanches ao ar livre, na hora do almoço. Ao fun-do, as rampas necessárias para acessar os níveis su-periores do projeto urbano. Foto da autora, maio/2012.

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Se observados isoladamente, estes comporiam mais um exemplo de projeto de es-paço público que fragmenta o espaço, suas funções e usos. No entanto o percurso à margem das águas interliga todos os espaços em uma perspectiva urbana, onde a paisagem é o grande elemento de integração, pois todos os espaços desfrutam demo-craticamente da mesma paisagem, como se vê nas figuras 26 e 27.

A roda-gigante, ao fundo, dá a dimensão da escala do espaço público e atua como elemento de referência da paisagem urbana. As edificações se abrem, em terraços e janelas, para a paisagem das águas da cidade de Hamburgo.

figura 26: Espaço público de estar, em meio à escada, em primeiro plano, e espaços de uso pri-vado, junto às águas, em segundo plano, ambos parcialmente acessíveis aos cadeirantes e pesso-as de mobilidade reduzida, presentes nesta figu-ra, são características de espaços onde a acessi-bilidade atitudinal é promovida pela acessibilidade arquitetônica, conferindo aos espaços públicos alta mobilidade. Foto da autora, maio/2012.

figura 27: A arquitetura da cidade, com suas sa-cadas e janelas, volta-se para a paisagem da ci-dade e o eixo de circulação à beira das águas. As rampas tornam acessíveis as cotas mais baixas do conjunto de espaços públicos e estão integra-das ao desenho do espaço, participando da pai-sagem do local de forma delicada e elegante, con-ferindo dignidade aos cadeirantes e pessoas com mobilidade reduzida. Ao fundo, a roda-gigante e o mirante. Foto da autora, maio/2012.

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Após a sequência de espaços de estar, o percurso apresenta nova transição de nível, como pode ser observado nas figuras 28 e 29.

figura 29: Transposição entre as cotas inundá-veis e as cotas secas da cidade, feita por rampas. Foto da autora, maio/2012.

figura 28: A presença dos tijolos escuros, carac-terísticos da região portuária de Hamburgo, em contraste com o projeto de reestruturação do es-paço público. As rampas de acesso aos diferentes níveis compõem o cenário de aproximação do ho-mem com a natureza. Foto da autora, maio/2012.

Mais adiante, outro percurso ao longo das águas apresenta os painéis de tijolos que acompanham todo o trajeto.

figura 30: Painel de tijolos, que acompanha o tra-jeto e dá frente para a figura 32. Foto da autora, maio/2012.

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figura 31: Detalhe da composi-ção dos tijolos do painel. Foto da autora, maio/2012.

figura 32: Paisagem da cidade, nova e antiga, que se observa no passeio ao longo do painel de tijolos, na margem oposta. Foto da autora, maio/2012.

figura 33: Contraste entre a cidade histórica e a arquitetura contemporânea, tendo em primeiro plano a complexa mobilidade de Hamburgo. Foto da autora, maio/2012.

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O tijolo é um material típico e tradicional da arquitetura de Hamburgo e norte da Ale-manha, região que pertence, em grande parte, ao estuário do rio Elba, onde abun-da o solo denominado marsch1, no qual não há predominância de rochas. Desta forma, a indústria de tijolos se aprimorou.

Na paisagem de Hamburgo, observa-se que as igrejas góticas, desde a Idade Mé-dia, foram executadas em tijolos, arqui-tetura denominada Backsteingotik2, e a arquitetura contemporânea de Hamburgo mantém relação com a paisagem da cida-de e a história local, ao utilizar os tijolos tradicionais da região.

2 Marsch significa terreno pantanoso, e é a denominação de um tipo de solo, excelente para agricultura.3 Backsteingotik significa gótico do tijolo.

figura 34: Detalhe dos tijolos da arquitetura típica de Hamburgo, com tonalidades diferentes, devido ao material e à queima, características do proces-so de produção. Foto da autora, maio/2012.

A partir da observação deste detalhe da arquitetura, fica evidente a inspiração uti-lizada para o desenho e a produção dos painéis, que se apresentam em muitos pontos do projeto urbano de HafenCity.

figura 35: O desenho de piso que abre-se para a escada é simples e interessante, pois indica flu-xos e inclui vegetação com gola adequada para seu desenvolvimento. Os materiais utilizados no piso também sempre são adequados, ou seja, não escorregam e permitem o passeio seguro, foto da autora maio/2012..

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Se considerarmos os aspectos técnicos, HafenCity tem tudo calcula-do. Com uma rede de passeios de pedestres interligados acima oito metros do nível do mar, garagens à prova d’água e sem residências no térreo dos edifícios, o bairro está preparado para enchentes. Assim como está se armando para o acesso da área a partir de linhas de metrô e ônibus. Ao mesmo tempo em que o bairro se afasta vertical-mente da água, ele entra em contato direto com praças formadas por degraus, platôs e rampas que vão suavemente integrando o espaço altamente densificado com as águas do rio, criando áreas de contem-plação e descanso. Contemporaneu#04, p. 484

figura 36: As escadas, necessárias à transposição entre as cotas inundáveis e secas, se convertem em espaços de estar, com a instalação de bancos e mesas em meio aos degraus. É interessante ob-servar que esta paisagem “limpa” se deve a muitos fatores, entre eles, a possibilidade de uma escada deste porte não precisar de corrimão. Isto se deve a uma legislação diferente e à qualidade e conforto da escada. É importante ressaltar que a acessibilidade se faz aos patamares e níveis, porém não há hipocrisia em pensar espaços acessíveis em meio às escadas. Foto da autora, maio/2012.

4 Revista Contemporaneu, lançada em 2010, apenas em formato digital, disponível em http://www.contempo-raneu.com.br/p/revista.html, acesso em 10/09/2012.

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figura 37: Os guindastes portuários surgem em meio ao desenho dos espaços públicos, fortalecen-do a identidade do local e valorizando um percurso acessível a todos. Foto da autora, maio/2012.

figura 38: Os guindastes portuários são incorpo-rados ao desenho do espaço público, como ele-mentos estruturadores do percurso à beira das águas. Foto da autora, maio/2012.

figura 39: Os guindastes portuários permanecem na paisa-gem da cidade e se constituem como elementos referenciais do espaço público. Foto da autora, maio/2012.

A paisagem de HafenCity valo-riza de todas as formas a histó-ria desta região portuária e sua complexa mobilidade, incorpo-rando materiais e elementos que fortalecem a identidade local. A valorização das águas cria uma agradável e contem-porânea paisagem para a cida-de de Hamburgo. Para que os espaços urbanos sejam demo-cráticos, é necessário que tam-bém sejam acessíveis a todos.

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HAmBuRgo Vs. são pAuLo.

O Plano Diretor Estratégico para o município de São Paulo (PDE), aprovado em 2002, traz novas perspectivas para a área urbanizada da cidade, para as áreas às mar-gens dos rios e córregos, pois estabelece extensas áreas denominadas “operações urbanas”. No entanto o desenho da cidade junto aos corpos hídricos não contempla as reais possibilidades de inundação, nem tampouco áreas de lazer que valorizem a preservação da relação do homem com a natureza.

A gestão do território ribeirinho deve ser efectuada com a compreensão das suas características e dos seus valores intrínsecos de modo a impul-sionar a realização de actividades, do turismo, bem como a preservação e o uso sustentável dos recursos ali existentes. (ROSA, 2011, p. 38)

No entanto não se apoia no planejamento ambiental ou no desenho ambiental, como ferramentas importantes para a melhoria da qualidade de vida na cidade, e/ou para o estabelecimento de metas de desenvolvimento econômico.

HafenCity, ao contrário, se coloca como uma cidade que planeja seus espaços urba-nos de acordo com suas potencialidades de crescimento econômico, o que mantém um equilíbrio social e vitaliza as questões culturais.

É muito importante observar que, pelo que foi pesquisado in loco, a reformulação ur-bana não tem necessidade de atingir índices urbanísticos, mas sim de impregnar, com boa qualidade de vida e boa qualidade ambiental, toda a rede de espaços públicos da cidade, projetando uma cidade acessível a todos.

Em termos de Brasil, uma referência que devemos ter como guia para avaliação da qualidade urbana em função da oferta de es-paços livres é a da “Carta a Londrina e Ibiporã” (SBAU, 1996), na qual, após conferências entre pesquisadores e especialistas, é divulgado o padrão mínimo de 15 m²/hab. de espaços livres de-dicados ao lazer. Observa-se aqui o termo “lazer”, que revela o cuidado da SBAU em diferenciar os vários tipos e funções dos es-paços livres, excluindo desse índice aqueles espaços qualificados como verde viário, cemitérios, hortas ou unidades de conservação. (FONTES, CARVALHO, 2008)

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Partindo da afirmação acima, e com o olhar voltado para o projeto urbano de Hafen-City, surgem duas questões: ainda é válido julgar uma cidade ou um ambiente urbano por alguma quantificação de espaços verdes e públicos? A acessibilidade pode ser medida por cartilhas e normas que proporcionam desenhos de rampas e soluções arquitetônicas ruins, destinadas apenas a cumprir normas?

Segundo Brocaneli (2007, p. 208):

Através da incorporação dos conceitos ambientalistas no âmbito das operações urbanas, tendo como foco a regeneração do meio ambien-te na cidade, haveria a formulação de cenários interessantes à inicia-tiva privada e ao poder público devido à valorização do território e da cidade, de forma que as operações urbanas autônomas, rompendo os padrões urbanísticos estabelecidos, formulariam demonstrações das diferentes formas de reestruturação ambiental nas quais a cidade adquiriria qualidade de vida e qualidade ambiental, além de promover outras fontes de renda associadas ao lazer e ao turismo.

Apesar de HafenCity não considerar a bacia hidrográfica como a menor unidade de gestão ambiental, como definido por Odum (1988), ainda assim, apresenta preocupações com o fluxo das águas, ao considerar a dinâmica das inundações, que a área de HafenCity deve absorver e sopesar, mesmo que sem um trabalho de “borda” relevante e condizente com a “teoria dos ecossistemas” de Dramstad, Olsom e Formam (1996).

A delicadeza dos espaços públicos em HafenCity não contemplou o desenho ecossis-têmico, no que tange à reprodução e à preservação de nichos para a fauna local, mas o projeto assume um macrodesenho de características ecossistêmicas interessantes, quando contempla a questão das cheias recorrentes.

A cidade de Hamburgo difere drasticamente da cidade de São Paulo, porém apresen-ta exemplos interessantes e inspiradores para o desenho e a reestruturação desta cidade, no conjunto das áreas das operações urbanas, sendo, HafenCity, inspiração para o desenvolvimento de uma rede de espaços urbanos verdes e públicos, em cotas secas ou inundáveis, a fim de reestruturar a qualidade de vida do paulistano de forma mais acessível.

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REsuLtADos

HafenCity surge no início do século XXI, como “extensão” de um pensamento ecos-sistêmico que respeita as características ambientais do espaço urbano, em antiga área portuária e com cheias recorrentes, desenvolvendo com primazia uma rede de espaços públicos acessíveis, inundáveis, secos e semi-inundáveis, como instrumento de reestruturação urbana.

No cenário internacional, HafenCity apresenta possibilidades para a reestruturação urbana em áreas de inundação recorrente, considerando-as como espaços de boa qualidade e democráticos, acessíveis a todos.

HafenCity é um exemplo, internacional e contemporâneo, de que a mobilidade depen-de do contexto a que se aplica e, quando aliada à acessibilidade arquitetônica, deve refletir prioridades e particularidades locais e regionais.

O conjunto das áreas das operações urbanas em São Paulo apresenta uma série de pontos de inundação, e um desenho urbano que favorece o distanciamento da água, inibindo sua observação, devido à inexistência de espaços a ela dedicados. HafenCity é uma inspiração para o redesenho das margens dos rios paulistanos, principalmente em áreas de operações urbanas, nas quais os instrumentos urbanísticos poderiam auxiliar na recuperação da cidade, com a restituição de áreas públicas verdes e úmi-das, que colaborassem para a melhoria da qualidade de vida e da qualidade ambien-tal em São Paulo.

REfERênCiAs BiBLiogRÁfiCAs

AVRITZER, L. A moralidade da democracia. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1996.

BENEVOLO, L. História da cidade. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1993.

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Dezembro de 2012 Revista LABVERDE n°5 – Artigo n°10

______________. matrizes naturais e matrizes urbanas: limites e bordas na pai-sagem da cidade de são paulo. 4º Forum de Pesquisa FAU-Mackenzie, 20 a 24 outubro 2008. Mackenzie, SP.

CULLEN, G. paisagem urbana: tratado de estética urbanística. Barcelona: Blume, 1981.

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HERTZBERGER, H. Lições de Arquitetura. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1999.

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Revista LABVERDE n°5 – Artigo n°10 Dezembro de 2012

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3. ENTREVISTAS

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Maria Ermelina Brosch MalatestaMoBiLiDADE URBAnA SUStEntáVEL EM SÃo pAULoSUSTAINABLE MOBILITY IN SAO PAULO

ENTREVISTAS | INTERVIEW

Formação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Presbite-riana Mackenzie. Mestra pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, na cadeira de Paisagem e Ambiente, com a dissertação “Andar a Pé: Um Modo de Transporte para a Cida-de de São Paulo” – Orientadora: Profª Drª Maria de Assunção Ribeiro Franco. Doutoranda pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, na cadeira de Planejamento Urbano e Regional, desenvolvendo tese sobre o uso cotidiano da bicicleta como transporte – Orientadora: Profª Drª Klara Kaiser Mori

ExperiênciaProfissionalemTransporteNãoMotorizado,hámaisde30anos,naCompanhiadeEngenhariadeTráfegodaPrefeituradoMunicípio de São Paulo. Coordenou o Departamento de Circulação e Acessibilidade de Pedestres e atualmente coordena o Departamento dePlanejamentoCicloviário.

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Estaentrevistatemcomoassuntoa“MobilidadeUrbanaSustentávelemSãoPau-lo”, tema da Revista LABVERDE nº 05, e baseou-se numa pauta com dez questões elaboradas pela Revista.

1. LABVERDE – Meli, como você define “Mobilidade Urbana Sustentável”?MALATESTA – “Mobilidade Urbana Sustentável” são formas de se deslocar em áreas urbanas, utilizando meios de transporte que utilizem de forma racional os recursos energéticos, espaciais e ambientais disponíveis, ou que possuam autonomia em rela-ção a estes recursos. São constituídos basicamente pelos Modos de Transporte Não Motorizados – a Pé e por Bicicleta - e pelos modais coletivos, em especial os de alta capacidade, movidos por formas de energia limpa. Também é considerada uma Mo-bilidade Urbana Sustentável a que proporciona melhor segurança ao cidadão, no que se refere à eliminação dos acidentes de trânsito.

2. LABVERDE – A seu ver, que relação existe entre mobilidade e acessibilidade?MALATESTA – Estão intensamente relacionados. Para haver mobilidade, é necessário que haja acesso aos meios que a possibilitam. É importante ressaltar que acessibilida-de não se relaciona somente ao aspecto da universalidade, no que se refere ao aten-dimento ao caminhamento a pé da população, incluindo os que demandam condições especiais. Acessibilidade significa também políticas tarifárias, para possibilitar que os sistemas de transporte público sejam acessíveis a toda a população, principalmente aos moradores de regiões mais distantes da cidade e que necessitam utilizar mais de um meio de transporte diariamente, como é o caso do Bilhete Único, por exemplo, que integra todos os sistemas de transporte do Município de São Paulo e os sistemas sobre trilhos da Região Metropolitana de São Paulo.

3. LABVERDE – Podemos considerar que, em São Paulo, há “Mobilidade Urbana Sus-tentável”? Se existe, quais os bairros mais beneficiados com isso, na atualidade?MALATESTA – Não, São Paulo não tem sua mobilidade urbana majoritariamente apoiada nos modais sustentáveis. A última Pesquisa de Origem e Destino realizada pelo Metrô apontou que as viagens paulistanas estão igualmente distribuídas (apro-ximadamente 1/3 para cada), entre os modais Transporte Não Motorizado (a Pé e Bicicleta), Transporte Coletivo (ônibus, trens e metrô) e Transporte Motorizado Indivi-dual (automóveis e motocicletas). Para caracterizar um cenário de Mobilidade Urbana Sustentável, o município de São Paulo deveria ter sua mobilidade majoritariamente calcada nos modais de transporte sustentáveis (transporte coletivo e transporte não motorizado), com pequena parte das viagens sendo realizadas por automóvel e moto.

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4. LABVERDE – Qual o papel da ciclovia, na Mobilidade Sustentável?MALATESTA – A ciclovia, assim como a ciclofaixa, a rota de bicicleta, o compartilha-mento da calçada entre ciclistas e pedestres (quando possível) são tipologias de infra-estrutura cicloviária de circulação, essenciais à viabilização de uma das formas de Mo-bilidade Sustentável, por meio do uso da bicicleta como forma de transporte cotidiana, para viagens de até oito quilômetros.

5. LABVERDE – E o do “andar a pé”?MALATESTA – Andar a pé é a forma mais essencial e preliminar de mobilidade. Ape-sar de sempre relegada a um segundo pla-no, pelas políticas públicas de forma geral, haja vista as leis municipais que delegam ao proprietário do lote a obrigação de con-servação da calçada, a falha da fiscaliza-ção de invasões de calçadas por rampas de garagem, mesas de bares, bancas de manobristas, camelôs, mobiliário urbano, poderia ser priorizada e se consolidar como forma de mobilidade para viagens de pequena extensão (até dois quilôme-tros aproximadamente). Com isso, ganha-ria a cidade, pela melhoria da qualidade de vida urbana, por meio das ações necessá-rias para viabilizar esta diretriz, como, por exemplo, melhoria das calçadas, melhoria da paisagem urbana e melhoria das condi-ções de saúde da população, pela prática de exercício físico.

6. LABVERDE – Ainda existe lugar para o bonde na cidade de São Paulo? Se existe, onde você o colocaria?MALATESTA – Quando menina, usava o bonde para ir à escola diariamente. Era um meio de transporte limpo e confiável, que infelizmente foi banido da cidade, no

Figuras 1 e 2: Imagens da ciclofaixa na avenida Paulista, São Paulo – Brasil. Foto:MariaErmelinaBroschMalatesta.

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processo de motorização do país, na década de 60. Em muitas cidades europeias, o bonde convive com os pedestres nos calçadões e, portanto, julgo viável a criação de linhas de bondes nas vias mais largas dos nossos calçadões, como, por exemplo, o Vale do Anhangabaú, Rua Barão de Itapetininga, Ladeira General Carneiro, Rua XV de Novembro. Mas, para tanto, deveria preliminarmente ser dado tratamento urbanís-tico, para adequar estas vias, pela reordenação do mobiliário urbano, tratamento de piso, assim como o controle de velocidade do veículo.

7. LABVERDE – Neste semestre, a disciplina de pós-graduação da FAUUSP “Pro-jeto Sustentável” teve como tema de seu laboratório o “Parque Linear Brás-Lapa”, acolhendo como hipóteses o “enterramento” da Ferrovia da CPTM, naquele trecho, e a “recostura” dos bairros adjacentes, hoje separados pela ferrovia. O Laboratório apresentou, como proposições, a criação de um corredor verde servido por três modais de transporte ao longo do parque: o andar a pé, a ciclovia e o bonde. Como você vê esse experimento, sob o ponto de vista da Mobilidade Sustentável ?MALATESTA – Considero uma proposta muito interessante, uma vez que é calcada nas formas de Mobilidade Sustentável. Cabe somente lembrar que os modais não motori-zados têm uma escala de atendimento para se viabilizarem (já mencionei os valores nas respostas anteriores, sendo, em média, até dois quilômetros de distância, para o transporte a pé, e de cinco a oito quilômetros, para o transporte cicloviário), em função de suas características intrínsecas, que se baseiam no esforço físico. Também deve ser ressaltado que a convivência do bonde com os modais não motorizados exige sua operação em velocidade reduzida, o que significa o aumento do tempo de percurso, o que não reduz sua atratividade enquanto transporte para pequenas extensões. Desde que atendidos estes aspectos, tenho certeza de que o ganho urbanístico desta proposta para a Cidade de São Paulo é imensurável, e se constituirá em paradigma.

8. LABVERDE – Como você vê a ciclovia ao longo do rio Pinheiros, sob os aspec-tos da Mobilidade e da Acessibilidade?MALATESTA – Esta ciclovia apresenta alguns pontos positivos e outros problemá-ticos. Como positivo, temos, sob o ponto de vista da Mobilidade, o seu trajeto, que atualmente conta com 21,5 quilômetros, estendendo-se desde o Parque Villa Lobos até próximo ao Autódromo de Interlagos, e sua proximidade ao rio Pinheiros, o que permite sua descoberta e resgate pela população, e certamente causará um impacto muito positivo na pressão que já está sendo exercida, junto ao poder público, para a recuperação do rio e de sua área lindeira. Como pontos problemáticos, temos a difi-culdade de Acessibilidade à ciclovia, uma vez que está confinada entre a linha do trem

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da CPTM e o rio Pinheiros, além da pista expressa e local da Marginal Pinheiros. Esta situação provocou soluções de acessibilidade que acabaram por criar sérios proble-mas de segurança para seus usuários. Como exemplo, citamos o caso da Ponte da Cidade Universitária, com a construção de uma rampa que sai da calçada da ponte, na altura do tabuleiro, em direção à ciclovia. À primeira vista, a solução poderia pa-recer adequada, entretanto ela traz como consequências um extremo desconforto e perigo, pelo aumento da circulação de ciclistas na estreita calçada da ponte, já total-mente ocupada pelo alto volume de pedestres, oriundos da Estação da CPTM Cidade Universitária, em direção ao Campus do Butantã.Outro problema causado por esta solução de acesso mal resolvida é mais grave, e está relacionado ao grande aumento de travessia de ciclsitas nas duas alças da Ponte Cidade Universitária, sendo que, numa delas, junto ao portão do campus da USP, onde existe uma faixa de travessia de pedestres, o problema se agrava, porque a largura do canteiro central, no local onde está situada esta faixa de travessia, é estreito demais para acomodar uma bicicleta. Provavelmente, o número de acidentes e incidentes deve ter aumentado. A solução ideal seria a implantação de uma passarela exclusiva para pedestres e ciclistas, conectando o campus da USP, ciclovia do rio Pinheiros e o bairro do Alto de Pinheiros, que atenderia a pedestres e ciclistas, que são numerosos no local. Vai aí uma sugestão de laboratório para os alunos de Projeto Sustentável.

9. LABVERDE – Quais os trechos de ciclovia que você citaria como casos de su-cesso em São Paulo?MALATESTA – Até o momento, a infraestrutura cicloviária de maior sucesso são as Ciclofaixas Operacionais de Lazer de São Paulo, que foram iniciadas no segundo semestre de 2009, com 10 quilômetros, e que agora possuem 109 quilômetros. São frequentadas por mais de 50 mil paulistanos, todos os domingos e feriados nacionais, das 07h às 16h, e muito bem avaliadas pela população, que desfruta de lazer seguro e saudável. É uma tipologia de infraestrutura cicloviária criada e desenvolvida pela Pre-feitura de São Paulo, e que está sendo copiada agora por outras cidades brasileiras.

10. LABVERDE – O que falta em São Paulo, para termos “Mobilidade Urbana Sustentável”?MALATESTA – Para viabilizar a “Mobilidade Urbana Sustentável”, são necessárias duas ações básicas: 1. investimento público nos modos de Mobilidade Urbana Sus-tentável, com qualidade, segurança e conforto, que incluem, além do transporte pú-blico de alta capacidade (trem e metrô), corredores de ônibus. Também investimento público voltado à implantação de infraestruturas para a mobilidade não motorizada,

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através de rede cicloviária integrada aos sistemas de transporte (bicicletários) e rede para o transporte a pé, melhorando a qualidade das calçadas e travessias;2. investimento nos meios de comunicação, para operar mudança de mentalidade da população, em especial a classe média, que atualmente enxerga, no uso do automó-vel, a única possibilidade de se deslocar na cidade, e resiste à adoção de formas de transporte que compõem a Mobilidade Urbana Sustentável, ressaltando que este com-portamento viciado já compromete seriamente a existência de vida com qualidade em São Paulo. Somente com o engajamento e o comprometimento de todos os setores da população, será possível garantirmos a cidade que queremos para o futuro.

A Revista LABVERDE agradece à entrevistada.

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4. DEPOIMENTOS

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CIDADES E BIODIVERSIDADE: EVENTOS NA ÍNDIA REFLETEM URGÊNCIA NESSA CONCILIAÇÃO | CITIES AND BIODIVERSITY: EVENTS IN INDIA SHOW EMERGENCY FOR SUCH A CONCILIATION

No mês de outubro, tive a oportunidade de participar de dois eventos internacionais de peso que aconteceram na Índia. O primeiro encontro foi a terceira edição da Conferên-cia Internacional Urbio 2012 – Urban Biodi-versity and Design, de 8 a 12, em Mumbai. O segundo foi o Cities for Life, em Hydera-bad, durante a CoP11, nos dias 15 e 16.

O Urbio é uma rede mundial de pesqui-sadores que nasceu em Erfurt, na Ale-manha, em 2008, com o intuito de reunir pesquisadores e apresentar trabalhos em áreas que trazem a biodiversidade urba-na para o centro da cena mundial. Ante-cedeu a CoP de Bonn, do mesmo ano, que debateu urgentes questões relativas à biodiversidade, essa rede de vida da qual fazemos parte e dependemos para viver, enquanto espécie humana.

Cecília Polacow Herzog

DEPOIMENTOS | TESTIMONY

É paisagista ecológica, especialista em Preservação Ambiental das Cidades e mestre em Urbanismo, pelo PROURBFAU-UFRJ. Dire-tora da organização sem fins lucrativos Inverde - Sustentabilidade Urbana e Infraestrutura Verde e Conselheira da OSCIP Associação dos Amigos do Parque Nacional da Tijuca, Rio de Janeiro. Pesquisa sobre infraestrutura verde urbana, sustentabilidade e resiliência das cidades nas diversas escalas, no Brasil e exterior. [email protected]

Figura 1: Cecilia Herzog apresenta o trabalho “In-fraestrutura Verde para reconciliar urbanização, biodiversidade e serviços ecossistêmicos – Estu-do de caso no Rio de Janeiro, Brasil” no URBIO 2012 realizado no IITB (India Institute of Techno-logy Bombay) em Mumbai, no dia 11 de outubro.

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Revista LABVERDE n°5 – Depoimentos Dezembro de 2012

Dois anos depois, o Urbio 2010 foi realizado em Nagoya, em conferência preparatória para a CoP 10. As cidades começaram a entrar no cenário mundial, por meio desse e de outros movimentos, como os encabeçados pelo CBD1, pelo Centro de Resiliência de Estocolmo2, o Iclei3 (veja artigo do Russell Galt, em http://www.thenatureofcities.com/author/russellgalt/, em que ele detalha o desenvolvimento desse processo mundial).

Este foi meu terceiro Urbio, e nele apresentei os resultados de minhas pesquisas aqui no Rio de Janeiro. Fiquei feliz por encontrar o Yuri Rocha, da Geografia da USP. Foi o primeiro conterrâneo a apresentar trabalho e participar efetivamente da conferência. A troca de conhecimentos e experiências, o cultivo de conexões internacionais e nacionais fazem parte desses eventos, onde uns aprendem com os outros, e buscam soluções que possam ser desenvolvidas e adaptadas às di-ferentes realidades locais. O Comitê do Urbio é internacional, mas falta represen-tação de países latino-americanos. Precisamos ser mais proativos nessa área de pesquisa, e de fato entrar com tudo para conhecer e valorizar a biodiversidade nas cidades e seus serviços ecossistêmicos.

Figura 2: Abertura do URBIO 2012 em 8 de outubro. Ao centro Pavan Sukhdev, autor principal do TEEB – The Eco-nomics of Ecosystems and Biodiversity.

1 CBD – Convention on BioDiversity – fruto das negociações da Rio 92.- http://www.cbd.int/ Visita 30.10.20122 Stockholm Resilience Center - http://www.stockholmresilience.org/ Visita 30.10.20123 Iclei – Governos Locais pela Sustentabilidade http://www.iclei.org/index.php?id=579 Visita 30.10.2012

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Dezembro de 2012 Revista LABVERDE n°5 – Depoimentos

Este ano, os temas foram:

1. Vulnerabilidade dos ecossistemas urbanos e da biodiversidade, e seu manejo.

2. O papel da biodiversidade urbana e dos ecossistemas na mitigação das mudanças climáticas.

3. Ferramentas e indicadores para medir sustentabilidade urbana.

4. O papel da infraestrutura verde e do projeto.

5. O papel de mecanismos inovadores de financiamento, para a conservação da bio-diversidade e a mitigação e adaptação às mudanças climáticas.

6. Conexões entre urbanização, biodiversidade e serviços ecossistêmicos.

7. Relações entre rural e urbano

O III Urbio foi organizado pela Prof.ª Haripryia Gundimeda, no Indian Institute of Techno-logy of Bombay (IITB), em Mumbai. É uma universidade localizada ao norte da cidade, em área extremamente arborizada, ao longo do Lago Powai. Era um prazer caminhar por suas ruas e vielas, a qualquer hora do dia, pois, mesmo com o calor local, o ambien-te estava sempre fresco e agradável – graças à BIODIVERSIDADE LOCAL! Os patro-nos da conferência foram o brasileiro Secretário Executivo do CBD: Bráulio F. de Souza Dias, e o Diretor do IITB, além de ter o apoio do Ministério do Ambiente e Florestas.

Foram mais de 250 participantes, de países de todos os continentes. Os palestrantes con-vidados foram Pavan Sukhdev (líder do importantíssimo estudo sobre a valoração de ser-viços ecossistêmicos – The Economics of Ecosystems and Biodiversity – TEEB, do qual Haripryia Gundimeda foi uma das coautoras); Glenn Stewart, da Nova Zelândia; Thomas Elmqvist, do Centro de Resiliência de Estocolmo; Madhusudan Katti, da Universidade da Califórnia, em Fresno; Mark Hostetler, da Universidade da Flórida, em Gainesville.4

No Cities for Life organizado pelo Iclei em conjunto com o CBD, em Hyderabad, foi a vez de as cidades mostrarem o que estão fazendo. Prefeitos, representantes, pesqui-sadores participaram de sessões que trataram de inúmeros temas. Um dos mais im-

4 Para maiores informações, confira no site http://www.hss.iitb.ac.in/urbio2012/ Visita 01.11.2012

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Revista LABVERDE n°5 – Depoimentos Dezembro de 2012

portantes, para mim pessoalmente, foi o lançamento oficial da primeira parte do Cities and Biodiversity Outlook – CBO 15, que trata dos planos e ações que cidades de todo o mundo têm implementado (Foto). As metas principais do CBO 1 são:

• Primeira síntese global, que compreende material científico, de como a urbaniza-ção afeta a biodiversidade e a dinâmica dos ecossistemas

• Aborda como a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos podem ser manejados e projetados de maneiras inovadoras, para reduzir a vulnerabilidade das cidades às mudanças climáticas e outras perturbações

• Serve como referência para os tomadores de decisões e legisladores que atuam nas esferas complementares nacional, subnacional e local, para preservar a biodiversidade.

As 10 recomendações-chave do CBO 1 são:

1. A urbanização é tanto um desafio como uma oportunidade de manejar os serviços ecossis-têmicos globalmente.

Figura 3: Lançamento da publicação CBO 1 – Cities and Biodiversity Outlook. Da esquerda para a direita: Gino Van Begin (ICLEI – Gover-nos Locais pela Sustentabilidade), Thomas El-mqvist (Stockholm Resilience Centre), Bráulio de Souza Dias (Secretário Executivo da CBD - Convenção da Biodiversidade da ONU), Kobie Brand (diretora regional ICLEI Africa e coorde-nadora do Centro Mundial de Biodiversidade), Majid Huassain (prefeito de Hyderabad)

5 Disponível para baixar em inglês, francês e espanhol, e vai sair em português < http://www.cbd.int/en/sub-national/partners-and-initiatives/cbo>. Mais abaixo, está disponível o depoimento de Thomas Elqvist sobre o CBO1. Visita 05.11.2012

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2. Rica biodiversidade pode existir em cidades. 3. Biodiversidade e serviços ecossistêmicos são capital natural de importância fundamental.

4. Manter o funcionamento dos ecossistemas urbanos pode melhorar significativa-mente a saúde e o bem-estar humanos.

5. Serviços ecossistêmicos urbanos e biodiversidade podem contribuir para a mitiga-

ção e adaptação às mudanças climáticas. 6. Aumentar a biodiversidade dos sistemas de produção de alimentos nas cidades

pode melhorar a nutrição e a segurança alimentar. 7. Serviços ecossistêmicos precisam ser integrados ao planejamento e às políticas urbanas. 8. Manejo bem sucedido da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos precisa ser

fundamentado em bases multiescalares, multissetoriais, e com o envolvimento de todos os atores envolvidos no processo.

9. Cidades oferecem oportunidades únicas para aprender e educar sobre um futuro

resiliente e sustentável. 10. Cities têm um imenso potencial

para gerar inovações e ferramen-tas de governança e, portanto, podem – e precisam – liderar o desenvolvimento sustentável.

Nesse mesmo evento, foi lançado um volu-me específico sobre a biodiversidade urba-na na Índia, que teve uma tremenda reper-cussão e foi reimpresso do dia para a noite, para atender à demanda dos administrado-res e técnicos das cidades indianas, que buscam novos caminhos rumo à sustenta-bilidade e melhoria da qualidade de vida, além de contribuir para melhorar a biodiver-sidade e mitigar/adaptar, para enfrentar os desafios das mudanças climáticas.

Figura 4: Vista parcial da plateia do Cities for Nature, evento paralelo da 11ª. Convenção so-bre Biodiversidade (CoP 11). A biodiversidade urbana entrando na agenda mundial.

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Foi ótimo ver Curitiba - Paraná, São Paulo estado e capital, e o estado de Goiás pre-sentes. No entanto, as cidades brasileiras precisam participar em massa e ativamente desse movimento, em busca de sustentabilidade e resiliência, com a maior urgência. Tive o prazer de representar o Instituto Inverde, sediado no Rio de Janeiro, a convite do Centro de Resiliência de Estocolmo, pois estou colaborando na segunda parte do CBO1, a versão científica que deverá ser lançada no início de 2013.

A Índia me surpreendeu positivamente. Possui inúmeros problemas, que se as-semelham aos nossos, no que tange ao abismo socioeconômico de sua socieda-de, com concentração de renda, que se reflete na urbanização sem planejamen-to, indutora de ocupação de paisagens vulneráveis, como áreas baixas sujeitas a enchentes e beiras de rios, córregos e encostas. A globalização das paisagens ocorre, como em outras cidades, que buscam se tornar “cidades globais”, com domínio de um mercado imobiliário pode-roso e predador do ambiente natural e da cultura local. No entanto, pude visitar áre-as que estão sendo regeneradas, como manguezais, florestas e o surpreendente Maharashtra Nature Park. É localizado bem no centro da cidade, onde era um “lixão” que se tornou um parque ecoló-gico, com uma área para captação em um lago, para retenção e tratamento das águas das chuvas. Estive lá no domingo, quando acontecia uma feira orgânica de fazer inveja (foto). Além de produtores comercializarem alimentos frescos, tam-bém tinha pequenos produtores de comi-da, que vendiam seus produtos para le-var, e também para consumir, em mesas agradavelmente situadas sob as árvores.

Figura 5: Vista de dentro do Maharashtra Nature Park para a cidade com o rio, onde se vê a rege-neração da biodiversidade no coração da megaci-dade de Mumbai.

Figura 6: Entrada do Maharashtra Nature Park em Mumbai, com indicação da Feira Orgânica (Farmer’s Market) no domingo.

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Figura 7: Vista parcial da Feira Orgânica.

Produtos derivados da biodiversidade local, como cosméticos e remédios “naturais”, também faziam parte desse rico mercado, baseado em cultivos biológicos, sem uso de agrotóxicos, e que geram renda para a população.

Adquiri um conhecimento que não esperava, para além das conferências e trocas com colegas. Com isso, espero poder contribuir para a melhoria de nossas cidades, com a conservação, melhoria e reintrodução de biodiversidade, em todas as áreas possíveis. Precisamos mudar o paradigma urbano imediatamente, dar valor ao que é mais impor-tante: a VIDA EM TODAS AS SUAS FORMAS. Só assim, chegaremos a cidades com índices de qualidade de vida altos, com pessoas felizes, convivendo com a NATUREZA!

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5. COMUNICADOS

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COMUNICADOS

REVISTA LABVERDE – NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DE TRABALHOS

A Revista LABVERDE, criada em 2010, é um periódico científico eletrônico, semestral (abril e outubro), do Laboratório LABVERDE, multidisciplinar, com foco em Paisagem e Sustentabilidade, atualmente estruturado em 9 áreas: Planejamento Ambiental, De-senho Ambiental, Infraestrutura Verde, Arquitetura da Paisagem, Engenharia Ambien-tal, Certificação Verde, Ecologia Urbana, Floresta Urbana e Projeto Sustentável.

Normas para Apresentação de Trabalhos

1. O Conselho Editorial da Revista LABVERDE decidirá quais artigos, ensaios, entre-vistas, conferências, debates, resenhas relatos de experiências e notas técnicas serão publicadas, levando em conta a consistência teórica e a pertinência do tema em conformidade com a linha editorial.

2. O Apresentação dos Trabalhos: Em mídia eletrônica (CD, DVD), utilizando o proces-sador de texto WORD 6.0 ou superior, sem formatação, entrelinhas =1,5 – margens =2,5. Número de páginas entre 10 e 25, incluindo, imagens, tabelas, gráficos, refe-rências, etc. Deverá conter entre 21.000 a 45.000 caracteres, incluindo o resumo, o abstract e a introdução. Deverão ser entregues com o CD/DVD, três cópias impres-sas do arquivo. O resumo e o abstract não deverão ultrapassar 2.000 caracteres.

3. Os títulos e os subtítulos deverão aparecer em maiúsculas, pois é importante que no original fique clara a sua natureza. Também deverão ser concisos e explícitos Quanto ao conteúdo tratado. Deverão ser apresentadas, no mínimo 5 palavras-chave.

4. As contribuições deverão ser acompanhadas da versão em língua inglesa do título, subtítulo, resumo e palavras-chave.

5. Logo após o título, devem constar o nome do autor, sua qualificação, procedência e endereço eletrônico.

6. As notas e referências bibliográficas deverão ser agrupadas no final do texto e devidamente referenciadas.

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7. Não serão aceitas reproduções de imagens publicadas em livros, revistas ou perió-dicos, sem a expressa autorização do(s) autor(es) das mesmas.

8. Os textos assinados serão de inteira responsabilidade dos autores e não haverá alteração de seu conteúdo sem prévia autorização.

9. Os trabalhos deverão ser entregues pelos autores com a autorização expressa, cedendo o direito de publicação à REVISTA LABVERDE.

10. Os editores se reservam o direito de não publicar artigos que, mesmo selecio-nados, não estejam rigorosamente de acordo com estas instruções. São Paulo, junho de 2012.

Profa. Dra. Maria de Assunção Ribeiro FrancoProfessora TitularCoordenadora do LABVERDEEditora da Revista LABVERDE