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1 Modelo de Fração de Cura: Uma Aplicação a Dados de Sobrevida de Mulheres Acometidas pelo Câncer de Mama Gleici da Silva Castro Perdoná DMS, FMRP/USP Juliana Cobre DEs, UFSCar Ana Maria de Almeida EERP, USP Francisco Louzada-Neto DEs, UFSCar 1. Introdução A natureza complexa dos problemas oncológicos faz com que a formulação de um modelo que contemple todas as características do fenômeno câncer seja uma tarefa difícil, se não impossível. O que se faz muitas vezes é modelar um processo biologicamente conhecido por modelos de sobrevivência (Yakolev, et al., 1996). Entretanto, usualmente os diferentes esquemas de tratamento não são incorporados adequadamente nas análises estatísticas. Geralmente estas informações são consideradas como variáveis independentes de confundimento (co-variáveis) relacionadas com a variável dependente (resposta) de forma usual. Neste trabalho, considerando como base o modelo proposto por Hanin, et al. (2001), o qual permite a incorporação várias informações relacionadas a doença de forma mecanística, abordamos a problemática do câncer de um ponto de vista macro. Consideraremos particularmente o problema do câncer de mama, por ser este um dos cânceres de maior incidência em mulheres no mundo. Este artigo é organizado da seguinte forma. Na Seção 2 apresentamos um caso particular do modelo proposto por Hanin (2001), motivado pelo problema oncológico. Na Seção 3 discutimos o procedimento de estimação dos parâmetros do modelo. Na Seção 4 apresentamos resultados de estudo de simulação para avaliar procedimentos assintóticos. Na Seção 5 ajustamos o modelo a um conjunto de dados real de câncer de mama. Na Seção 6, comentários finais são apresentados. 2. Modelando o problema de câncer de mama O câncer de mama é um problema de saúde pública mundial. Para 2010 são previstos 49.000 novos casos de câncer de mama no Brasil (Brasil, 2010). Na população feminina brasileira o câncer de mama, além de ser a patologia maligna prevalente, apresenta índices crescentes de mortalidade. Esse quadro pode ser explicado, entre outros fatores, pelo estabelecimento tardio do diagnóstico: 60% dos diagnósticos iniciais da doença são compostos por tumores de estadiamento III e IV (TNM Classificação Internacional de Tumores da União Internacional Contra o Câncer UICC), na maioria das instituições nacionais de câncer (Brasil, 2008).

Modelo de Fração de Cura: Uma Aplicação a Dados de ... · aleatório de linfonodos contaminados i expostos ao tratamento quimioterápico de n ... O gráfico TTTplot foi utilizado

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Modelo de Fração de Cura: Uma Aplicação a Dados de Sobrevida de Mulheres

Acometidas pelo Câncer de Mama

Gleici da Silva Castro Perdoná – DMS, FMRP/USP

Juliana Cobre – DEs, UFSCar

Ana Maria de Almeida – EERP, USP

Francisco Louzada-Neto – DEs, UFSCar

1. Introdução

A natureza complexa dos problemas oncológicos faz com que a formulação de um modelo

que contemple todas as características do fenômeno câncer seja uma tarefa difícil, se não

impossível. O que se faz muitas vezes é modelar um processo biologicamente conhecido por

modelos de sobrevivência (Yakolev, et al., 1996). Entretanto, usualmente os diferentes

esquemas de tratamento não são incorporados adequadamente nas análises estatísticas.

Geralmente estas informações são consideradas como variáveis independentes de

confundimento (co-variáveis) relacionadas com a variável dependente (resposta) de forma

usual.

Neste trabalho, considerando como base o modelo proposto por Hanin, et al. (2001), o qual

permite a incorporação várias informações relacionadas a doença de forma mecanística,

abordamos a problemática do câncer de um ponto de vista macro. Consideraremos

particularmente o problema do câncer de mama, por ser este um dos cânceres de maior

incidência em mulheres no mundo.

Este artigo é organizado da seguinte forma. Na Seção 2 apresentamos um caso particular do

modelo proposto por Hanin (2001), motivado pelo problema oncológico. Na Seção 3 discutimos

o procedimento de estimação dos parâmetros do modelo. Na Seção 4 apresentamos resultados

de estudo de simulação para avaliar procedimentos assintóticos. Na Seção 5 ajustamos o modelo

a um conjunto de dados real de câncer de mama. Na Seção 6, comentários finais são

apresentados.

2. Modelando o problema de câncer de mama

O câncer de mama é um problema de saúde pública mundial. Para 2010 são previstos

49.000 novos casos de câncer de mama no Brasil (Brasil, 2010). Na população feminina

brasileira o câncer de mama, além de ser a patologia maligna prevalente, apresenta índices

crescentes de mortalidade. Esse quadro pode ser explicado, entre outros fatores, pelo

estabelecimento tardio do diagnóstico: 60% dos diagnósticos iniciais da doença são compostos

por tumores de estadiamento III e IV (TNM – Classificação Internacional de Tumores da União

Internacional Contra o Câncer – UICC), na maioria das instituições nacionais de câncer (Brasil,

2008).

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Detectado o câncer de mama, por mamografia e/ou por biópsia, é definido o tipo do câncer

e o estadiamento que são fatores de prognóstico para a doença. Os fatores de prognósticos

podem ser compreendidos como parâmetros mensuráveis que podem ser identificados no

diagnóstico da doença ou no momento da cirurgia, e são úteis como preditores da sobrevivência

total ou do tempo livre da doença. Os fatores preditivos são parâmetros diretamente associados

à terapia adotada. Alguns fatores como os receptores de hormônios ovarianos podem ser

entendidos como preditivos e de prognóstico (Cianfrocca, 2004). Inúmeros estudos

demonstram que o número de linfonodos acometidos como fator de prognostico relacionado

diretamente com a sobrevida. Assim sendo, a presença de acometimento axilar serve como

indicativo de que o tumor pertence a um grupo de tumores mais agressivos, e o grau de

agressividade é avaliado pelo número absoluto de linfonodos comprometidos pelo câncer.

Diversos estudos demonstraram que há uma sobrevida menor observada em pacientes que

tiveram linfonodos acometidos quando comparadas as pacientes que não apresentam

acometimento (Cianfrocca, 2004; Rosenberg,2005; Decker,2006; Murthy,2007). Além disso,

esse fator é utilizado para determinar o tratamento adjuvante, previne a recorrência regional e a

potencialidade completa da erradicação do câncer de mama, melhorando a sobrevida da mulher.

Um linfonodo é parte do sistema linfático do corpo. No sistema linfático uma rede de vasos

linfáticos carrega fluido claro chamado linfa. Os vasos linfáticos levam aos linfonodos, os quais

são pequenos órgãos redondos que capturam células cancerosas, bactérias, ou outras substâncias

danosas que podem estar na linfa. Grupos de linfonodos são encontrados no pescoço, axilas

(linfonodos axilares), peito, abdômen e virilha. Para aplicação deste modelo consideraremos a

cadeia axilar, e dentro dessa cadeia vários linfonodos competindo para disseminação do câncer.

Neste trabalho consideramos a suposição que a cadeia axilar contém um número inicial não

aleatório de linfonodos contaminados i expostos ao tratamento quimioterápico de n intervalos

de k doses separadas por um intervalo de tempo (). Assumindo que cada linfonodo é exposto a

dose k com a mesma probabilidade =(k), dado que o linfonodo não foi afetado diante a uma

exposição anterior, e são independentes entre si, que a descontaminação (não afetado) do

linfonodo tratado é efetivamente instantânea e que a contaminação da cadeia axilar entre as

doses pode ser modelada como um processo de Markov de nascimento-morte com taxa de

nascimento >0 e taxa espontânea de morte 0 (no caso dos linfonodos consideramos que

= 0). Seja e 𝜑𝑀 a função geradora de probabilidade.

Seja M a variável aleatória número de linfonodos contaminados restantes de um tratamento.

Assuma que cada linfonodo é não afetado (sobrevivente) pode ser caracterizado por um tempo

latente e são i.i.d. Desta forma, a contaminação do linfonodo pode ser vista como o número de

causas competitivas latentes relacionadas à contaminação de outro linfonodo.

Hanin, 2001, deriva uma expressão explicita para a distribuição da variável aleatória M, onde M

é o número de células clonogenicas restantes a um tratamento, como uma distribuição binomial

negativa generalizada (BNG). A correspondente função geradora de probabilidade é dada por,

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𝜑𝑀 𝑢 = 𝑎−𝑏𝑢

𝑐−𝑑𝑢 𝑖, |u|≤1. Sugerindo uma função de sobrevivência para o tempo de recorrência

do tumor. No nosso caso, assumimos M = m, uma variável aleatória que denota o número de

causas competitivas latentes (numero de linfonodos) e Zl; l = 1; : : : m, tempos de ocorrência

do evento de interesse devido a l-ésima causa competitiva. Consideramos que Zl são variáveis

aleatórias independentes e identicamente distribuídas com função distribuição de parâmetro ,

que independe de M, dada por em que denota a função de

sobrevivência. Assim, o tempo de sobrevivência para cada indivíduo é definido pelo mínimo

entre os tempos com uma fração da população não susceptível

ocorrência do evento, dada por p0.

(1)

(2)

(3)

(4)

4

Nesta formulação os linfonodos agem como causas competitivas para alastrar o câncer pelo

corpo. Assumos que o tempo até a contaminação de cada linfonodo tem distribuição Weibull.

Neste contexto, o modelo binomial negativa generalizado Weibull (BNGW) permite analisar o

efeito dos linfonodos como causas competitivas para predizer a sobrevivência da paciente.

A vantagem desta formulação é poder descrever a taxa de proliferação dos linfonodos

contaminados, a probabilidade de o linfonodo contaminado sobreviver a cada dose do

tratamento (eficácia da dose), além de estimar quais são as covariáveis com efeito significativo.

(5)

(6)

(2)

5

3. Procedimento de Estimação

3.1. Função de Máxima Verossimilhaça

(7)

(8)

(7)

(5) (6)

(9)

(10)

(2)

6

3.2. Estimação de Máxima Verossimilhaça

(12)

(11)

Para o momento consideramos a distribuição Weibull para o tempo até a ocorrência da

causa de interesse, no caso, contaminação de cada linfonodo, cuja distribuição e função

densidade de probabilidade são dadas, respectivamente, por

or

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4. Estudo de simulação

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(14)

Aarset (1987).

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(1 ) (2) (3)

(Lawless,2002)

(1 ) (5) (6)

(7)

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3

2

1

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7

6

5

4

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5. Câncer de mama: Aplicação do modelo

Apesar dos inúmeros progressos descritos em literatura, as causas da enorme variabilidade

verificada na evolução clínica do câncer de mama, não estão inteiramente esclarecidas e, por

isso, têm sido intensamente investigada. Essa variação é provavelmente determinada por uma

interação complexa de mecanismos – como a velocidade de divisão e o potencial de

metastização das células tumorais – influenciados por diferenças observadas nas características

anatômica, imunológica, hormonal e nutricional de cada paciente (Kumar, 2008).

O conjunto de dados estudado é parte da amostra considerada por Gozzo (2008),

consistindo de 40 mulheres com carcinoma ductal invasivo tratadas no Hospital Universitário da

Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto submetidas a um esquema especial de tratamento

quimioterápico no período de 2003 a 2006. As pacientes foram submetidas a tratamento

neoadjuvante e adjuvante, que são tratamentos quimioterápicos antes e pós cirurgia. As

pacientes tinham em média 50,6 anos e com desvio padrão de 6,0 anos, glóbulos brancos em

média 7,5x10000mm3 e 2,1x10000mm3 de desvio-padrão, a 1,6mm2 de superfície corporal, e

com desvio padrão 0,1mm2, utilizaram duas drogas durante o tratamento Taxotere (Docetaxel)

com média de 121,9mg e desvio padrão de 8,1mg por dose e Epirrubicina, em média 88,8mg e

9,7mg de desvio padrão por dose, sendo que as doses variaram de 4 a 6. Consideramos o tempo

livre da doença, que é o tempo decorrido após a cirurgia neste estudo como o tempo de

sobrevivência.

Nesta amostra 75% das pacientes tiveram seus tempos censurados devido ao

acompanhamento encerrar em 2008. Depois de serem tratadas, as pacientes realizaram a cirurgia

para a retirada da região atingida pelo câncer onde foi detectado o número de linfonodos

acometidos.

O gráfico TTTplot foi utilizado como um indicador para verificar a forma da função de risco

adequada para estes dados. A curva obtida indica uma função de risco crescente podendo então

ser representada pela distribuição Weibull (Figura 1).

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Figura 1: Gráfico TTTplot dos dados de câncer de mama

Os resultados das estimativas de máxima verossimilhança dos parâmetros do ajuste do modelo

BNGW, seus desvios padrão e seus intervalos de confiança assintóticos de 95% são

apresentados na Tabela 8 e mostram que as variáveis que explicam a sobrevida são os

medicamentos Taxotere e Epirrubicina, pois seus intervalos de confiança não contêm o zero.

A Figura 2 apresenta a estimativa de Kaplan-Meier e função de sobrevivência estimada pelo

modelo BNGW o numero de linfondos igual a 1 e maior que . Observamos que para valores

maiores que um o sobrevida apresenta um decréscimo após 2 anos aproximadamente.

Figura 2: Estimativa de Kaplan-Meier e funçao de sobrevivência estimada pelo modelo BNGW

: i = 1 (- _ - _ -) e i > 1 (- - -).

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A Tabela 9 apresenta a probabilidade de cura estimada, p0, para diferentes números de

linfonodos contaminados inicialmente e para 4 ou 6 doses recebidos de tratamento.

Observamos que esta probabilidade decresce à medida que o numero de linfonodos

contaminados aumenta.

Devido à formulação do modelo BNGW, podemos obter a taxa de proliferação da

contaminação do linfonodo, , cuja estimativa é aproximadamente igual a 0,6 linfonodos por

mês. O parâmetro denota a probabilidade do linfonodo permanecer contaminado a cada dose

do tratamento, com estimativa de aproximadamente 70%. Logo, assumindo doses

independentes, a probabilidade do linfonodo resistir ao tratamento depois de 4 doses é igual a

4, ou seja, 24, 1%, e depois de 6 doses é igual a 6, ou seja, 11, 8%. Esta formulação também

nos permite calcular a eficiência de cada dose definida por 1-, ou seja, cada dose tem,

individualmente, 30% de eficácia. A probabilidade de cura depende do número de doses do

tratamento, que se completo é dado em 6 doses. Então, receber o tratamento completo impacta

positivamente na sobrevida da paciente, aumentando sua probabilidade de cura. O medicamento

Taxotere produz aumento da sobrevivência, o que está em acordo com a literatura, Sparano, et

al (2008).

A estimativa do parâmetro 1 é aproximadamente igual a 3, significando uma taxa de falha

crescente para uma distribuição Weibull, implicando que o risco de morte aumenta com o

tempo, o que está em concordância com o gráfico TTT plot.

6. Comentários Finais

Neste trabalho abordamos abordar a problemática do câncer de um ponto de vista “macro”,

no qual o objetivo era modelar o tempo livre da doença em questão, o câncer de mama.

Utilizamos um modelo de sobrevivência geral para acomodar dados de sobrevivência na

presença de causas competitivas e uma distribuição Weibull para os tempos de ocorrência,

obtendo o modelo BNGW (binomial negativa generalizada Weibull). Esta formulação nos

permitiu obter duas importantes quantidades na prática do tratamento de câncer de mama: a

velocidade de como a doença se espalha (taxa) e a eficacia de cada dose do tratamento.

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Consideraremos particularmente o problema do câncer de mama, por ser este um dos cânceres

de maior incidência em mulheres no mundo.

Referências

Aarset, M. V. (1985). The null distribution for a test of constant versus \bathtub" failure rate.

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Tese de doutorado, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, USP, Ribeirão Preto, Brasil.

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