57
FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA UNIR CAMPUS PROFESSOR FRANCISCO GONÇALVES QUILES - CACOAL DEPARTAMENTO DE DIREITO THIAGO TORRES SOARES O PAPEL DO PROFISSIONAL DO DIREITO NA BUSCA DA CONSOLIDAÇÃO DE UM SISTEMA DE PRECEDENTES TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO MONOGRAFIA CACOAL, RO 2018

Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

  • Upload
    others

  • View
    1

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA – UNIR

CAMPUS PROFESSOR FRANCISCO GONÇALVES QUILES - CACOAL

DEPARTAMENTO DE DIREITO

THIAGO TORRES SOARES

O PAPEL DO PROFISSIONAL DO DIREITO NA BUSCA DA CONSOLIDAÇÃO DE

UM SISTEMA DE PRECEDENTES

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

MONOGRAFIA

CACOAL, RO

2018

Page 2: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

THIAGO TORRES SOARES

O PAPEL DO PROFISSIONAL DO DIREITO NA BUSCA DA CONSOLIDAÇÃO DE

UM SISTEMA DE PRECEDENTES

Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, elaborada sob a orientação do professor Esp. William Ricardo Grilli Gama.

CACOAL, RO

2018

Page 3: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

O PAPEL DO PROFISSIONAL DO DIREITO NA BUSCA DA CONSOLIDAÇÃO DE

UM SISTEMA DE PRECEDENTES

Por

THIAGO TORRES SOARES

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Fundação Universidade Federal de

Rondônia – Campus Prof. Francisco Gonçalves Quiles – Cacoal, para obtenção do

grau de Bacharel em Direito, mediante a Banca Examinadora formada por:

__________________________________________________

Profª Esp. William Ricardo Grilli Gama - Presidente

__________________________________________________

Prof - Dr. Afonso Maria das Chagas - Membro

__________________________________________________

Prof. – Roberto de Paula - Membro

Conceito: 89 9

Cacoal / RO, 2018

Page 4: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

É dedicado a minha família, João Batista Soares, Enesteril Bertoldo Torres, Rogério Torres Soares e Keila Cunha Soares, que de alguma forma vibram positivamente com minhas conquistas.

Page 5: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

AGRADECIMENTOS

A etapa de conclusão do Ensino Superior não poderia deixar de ter registrado

meus agradecimentos àqueles que contribuíram de alguma forma para a chegada

até aqui.

Dessa maneira, sou grato primeiramente a Deus, pela dádiva da vida, socorro

nas horas de angústia, e por ser o guardião de meu destino.

Aos meus pais, por sempre acreditarem no meu empenho e não medirem

esforços para que esse dia chegasse e pudesse ser concluído com louvor.

À minha namorada Ana Cláudia Muler, por sempre se posicionar de forma a

acalorar os ânimos, por muito exaltados nessa etapa de escrita do TCC e estar

comigo nessa caminhada com a maior fidelidade do que possa ser conhecido como

companheirismo.

Ao meu professor Orientador, esp. William Ricardo Grilli Gama, pela tutoria

impecável na condução da confecção desse trabalho de conclusão de curso.

À instituição de Ensino Superior, da qual faço parte como acadêmico,

Fundação Universidade Federal de Rondônia, por ter sido esteio a essa etapa de

conclusão do curso de Bacharel em Direito.

Page 6: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

“O que você faz na vida, ecoa na eternidade”

(Gladiador)

Page 7: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

RESUMO

O presente trabalho faz avaliação do papel do advogado na busca da consolidação de um sistema precedencialista no ordenamento jurídico pátrio, utilizando, para tanto, o método dogmático de pesquisa. Avalia a mudança na legislação processual civil que alterou substancialmente o múnus do advogado - adequado ao tempo de democracia atual. Trata-se de demonstrar, a partir da concepção do rompimento de uma atividade de decisão silogística do juiz para à resolução dos casos complexos pelo judiciário, a alteração da dinâmica processual que incide alterando o múnus das partes em relação a construção de suas argumentações jurídicas, que passam a ter integrado, o chamado direito jurisprudencial. Em tempos de democracia acredita-se na existência de um novo paradigma para o direito brasileiro, sob o qual paira a avaliação da teoria da decisão, sob a ótica de Ronald Dworkin, do qual se extrai a concepção de linearidade das decisões judiciais, que é caminho para um ideal de segurança jurídica, vedação de justiça lotérica e decisões arraigadas numa atividade subjetiva do juiz. Para tanto, o Código de Processo Civil de 2015 estabeleceu como instrumento para uniformização da jurisprudência e sistematização na forma de decidir, espelho em casos passados. Ocorre que, a participação do advogado na relação jurídico-processual é mais do que protocolar. Neste cenário de utilização de jurisprudência como fonte do direito, faz surgir a necessidade da extração de uma ratio decidendi na busca por um sistema precedencialista no ordenamento jurídico pátrio, que seja adequado ao caso e que consiga manter-se estável no tempo, assim como é a disposição do art. 926 do Código de Processo Civil de 2015.

Palavras-chave: Processo civil – Teoria da decisão – Precedentes judiciais.

Page 8: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

ABSTRACT

The present work evaluates the role of the lawyer in the search for the consolidation of a precedentialist system in the legal order of the country, using, for that, the dogmatic method of research. It assesses the change in civil procedural law that substantially altered the lawyer's function - adequate to the time of current democracy. It is to demonstrate, from the conception of the rupture of a syllogistic decision-making activity of the judge to the resolution of the complex cases by the judiciary, the alteration of the procedural dynamics that affects changing the function of the parties in relation to the construction of their legal arguments, which come to have integrated, so-called jurisprudential law. In times of democracy, we believe in the existence of a new paradigm for Brazilian law, under which Ronald Dworkin views the evaluation of decision theory, from which the conception of linearity of judicial decisions is extracted. path to an ideal of legal certainty, a lottery justice fence and decisions rooted in a subjective activity of the judge. To this end, the Code of Civil Procedure of 2015 established as an instrument for standardization of jurisprudence and systematization in the form of deciding, mirror in past cases. It occurs that, the participation of the lawyer in the legal-procedural relationship is more than protocol. In this scenario of use of jurisprudence as a source of law, the need arises for the extraction of a ratio decidendi in the search for a precedentialist system in the legal order of the country, that is appropriate to the case and that is able to remain stable over time, just as it is the provision of art. 926 of Code of Civil Procedure of the 2015.

Keywords: Civil procedure - Theory of decision - Legal precedents

Page 9: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

SUMÁRIO

1 PROCESSO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO ................................................... 13 1.1 ESCOLA POSITIVISTA ....................................................................................... 14 1.2 POSITIVISMO LEGALISTA E A ESCOLA DA EXEGESE. ................................. 16

1.3 ESCOLA NORMATIVISTA .................................................................................. 18 1.4 O CONSTITUCIONALISMO NO BRASIL FRENTE AO MODELO JURÍDICO DE IMPORTAÇÃO GERMÂNICO-ROMANO .................................................................. 21

1.5 A DECISÃO JUDICIAL CONSUBSTANCIADA NA TEORIA DA INTEGRIDADE DO DIREITO DE RONALD DWORKIN ..................................................................... 23 2 ASPECTO HISTÓRICO DO PRECEDENTE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ............................................................................................................ 28

2.1 APONTAMENTOS SOBRE OS PRECEDENTES JUDICIAIS NO BRASIL NA ERA COLONIAL ........................................................................................................ 28

2.2 SISTEMA DE PRECEDENTES NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015 . 31 2.2.1 Noções introdutórias ..................................................................................... 31

2.2.2 Ontologia dos precedentes judiciais ............................................................ 33 2.2.3 Parâmetros que gravitam em torno do precedente ..................................... 40 2.2.3.1 Ratio decidendi ............................................................................................ 40 2.2.3.2 Obiter dictum ............................................................................................... 42

2.2.3.3 Distinguishing ............................................................................................. 43 3 PROCESSO COMPARTICIPATIVO E O ÔNUS DO ADVOGADO PARA CONSOLIDAÇÃO DE UM SISTEMA DE PRECEDENTES ...................................... 29 3.1 QUESTÕES PROPEDÊUTICAS ......................................................................... 29

3.2 DEFESA TÉCNICA CONSTITUCIONAL ............................................................. 49

3.2.1 Ônus argumentativo: a quebra do estigma da inércia revisional .............. 51

COSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................... 54 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 56

Page 10: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

INTRODUÇÃO

Ao passo que o Estado democrático de Direito promove as garantias dos

direitos fundamentais no processo judicial, estabelecendo um sistema de adequação

verticalizada com a Constituição vigente, surge a necessidade de instrumentalizar a

forma de decidir, para que os processos postos a serem solucionados pelo judiciário

não sofram com a subjetividade do julgador, e isso oferte decisões conflitantes com

situações fáticas iguais.

Nessa perspectiva, o presente estudo se deita na discussão da

instrumentalização do sistema de precedentes no ordenamento jurídico Brasileiro, ao

passo que traz à baila, o papel do advogado na busca da consolidação do sistema

precedencialista no Brasil.

Na transição do Estado Absolutista para o Estado Liberal, ainda na Revolução

Francesa, o advento dos códigos, com a lei escrita, foi à época, pensado para

instrumentalizar o processo de decisão judicial dos conflitos, pois, pensava-se que a

lei iria definir os caminhos a serem percorridos pelo juiz na decisão do caso

concreto, e, por esse motivo, os indivíduos submetidos ao poder do Estado estariam

resguardados quanto ao arbítrio deste. Ocorre que, a legislação posta, não foi

suficiente para acobertar o emaranhado de situações decorrentes do convívio

humano, ocasionando lacunas no processo de decisão e houve novamente o

surgimento da atividade subjetiva do julgador para resolução do caso concreto.

Consigna-se que, naquele momento a atividade interpretativa do juiz limitava-se às

disposições contidas nos códigos. Nesse contexto, a premissa, “lei é lei”, foi

instaurada para ser substrato à segurança jurídica.

Contudo, a atividade jurisdicional limitava-se aos ditames da lei, e por esse

motivo, a problemática das decisões conflitantes para casos semelhantes persistiu

Page 11: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

11

Com o processo do Constitucionalismo, o direito passou a ser interpretado

conforme as disposições da carta maior, que incorporou não apenas leis, mas serviu

como guardiã dos direitos e garantias fundamentais contra o arbítrio do Estado.

No Brasil, após a promulgação da Constituição de 1988, a necessidade de

instrumentalizar o processo judicial para servir como efetivo e potencial

concretizador dos direitos e garantias fundamentais não foi diferente. Na arquitetura

jurídica denominada Civil Law - que o Brasil utiliza, houve a sistematização da

jurisprudência oriunda dos Tribunais Superiores no vigente Código de Processo Civil

de 2015.

A instrumentalização do sistema de jurisprudência foi trazida ao arcabouço

legal brasileiro no art. 926 do Código de Processo Civil de 2015, ao qual dispõe

sobre a edição de Súmulas sobre a uniformização da jurisprudência dos Tribunais

em questão.

Dessa maneira, com esteio na segurança jurídica de ordem pública, em que

casos semelhantes serão decididos de forma igual, sem estar ao poder da decisão

solipsista do juiz numa atividade interpretativa subjetiva, surgindo assim no direito

Brasileiro, a sistematização da jurisprudência, discutindo este trabalho, o papel que

desenvolve o advogado neste processo.

O primeiro capítulo destina-se ao estudo do processo constitucional Brasileiro,

abordando as origens do constitucionalismo e a arquitetura jurídica do Brasil de

origem germânico-romana, bem como a atividade jurisdicional de resolução dos

conflitos, sob a perspectiva da teoria da integridade de Ronald Dworkin.

Em seguida, a discussão centra-se na análise do precedente no ordenamento

jurídico brasileiro, traçando os caminhos de origem dos precedentes na arquitetura

jurídica Commom Law, até sua sistematização no Código de Processo Civil vigente

(2015), havendo por aproximação, desta maneira, dos sistemas retromencionados.

Avalia-se, neste sentido, como se compreende o direito em tempos de

sistematização do direito escrito no Brasil, frente à necessidade, sob o esteio do

Estado Democrático de Direito, de se haver por consignar a segurança jurídica na

decisão dos casos trazidos ao crivo do judiciário.

Neste sentido, cuida-se no capítulo posterior, à avaliação da utilização da

jurisprudência como fonte do direito no ordenamento jurídico brasileiro, quanto á sua

eficácia enquanto origem e vinculação das decisões futuras, no sentido de ser

utilizada como parâmetro para resolução do conflito, tido como base, as situações

Page 12: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

12

fáticas subjacentes semelhantes. Por esse motivo, na busca de uma linearidade das

decisões, a jurisprudência é estudada sob a o enfoque de um rompimento de uma

leitura solipsista do juiz para resolução dos conflitos e passa a ser avaliada como

instrumento de aparelhamento do judiciário para ter-se consolidado os ideias de

justiça e segurança jurídica para com os jurisdicionados, no tocante ser uma

discussão fora da relação processual em análise que surte efeito na relação jurídica

posta à frente do judiciário.

Ao passo que se discute o papel da jurisprudência no ordenamento jurídico

brasileiro, avalia-se a denominada ratio decidendi, que é a razão de decidir extraída

da decisão utilizada futuramente como parâmetro para decisão do caso semelhante.

Nessa toada, a participação do advogado na dialeticidade do encontro de uma ratio

decidendi, é avaliada sob a perspectiva de um processo comparticipativo, utilizando

como parâmetro, a vedação da decisão surpresa, insculpida no art. 10 do Código de

Processo Civil de 2015, em que pese a participação efetiva e não apenas protocolar

do advogado na discussão sob a razão de decidir do caso que se adéque ao

ordenamento jurídico com vistas à consolidação da sistematização da jurisprudência

conforme deseja os preceitos do art. 926 do Código de Processo Civil de 2015, in

verbis: “ Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável,

íntegra e coerente” (BRASIL, 2015).

Neste esteio, constrói no último capítulo, matéria que avalia a participação do

advogado para dar efetividade aos preceitos do Código de Processo Civil de 2015,

que buscou estabelecer formas de sistematização da jurisprudência no ordenamento

jurídico brasileiro, muito embora, as decisões passadas já eram utilizadas como

parâmetros para a decisão judicial, mesmo não constando no arcabouço legal no

Brasil. No mais, com fundamento nas alterações legais do vigente Código de

Processo Civil (2015), é que se encerra a discussão da possível mudança de

paradigma que paira sobre o direito e no modo como se dá sua aplicação no Brasil.

Page 13: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

1 PROCESSO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO

O cerne deste capítulo é o estudo do Processo Civil como instrumento para a

tutela jurisdicional balizada pelos ditames Constitucionais e Democráticos na

resolução dos conflitos surgidos na sociedade. Para isso, se faz necessária a

elucidação histórica do modelo jurídico Civil Law, bem como sua arquitetura e as

funções que os juízes desempenham em cada segmento, para então, desembocar

na atual constitucionalização do Processo Civil.

Cumpre destacar inicialmente que o Estado se organiza para resolver as

controvérsias surgidas no âmago de sua existência. Assim, surgem os modelos

jurídicos ao longo da história que passam a ser observados e utilizados como

instrumento pelo Estado de Direito na pacificação social. Há, então, a confrontação

de dois grandes modelos jurídicos contemporâneos. Nessa toada, Zannet Júnior

(2005, p. 86) aborda a temática da seguinte maneira:

[...] tal espanto leva a uma contraposição entre os modelos das duas típicas tradições jurídicas contemporâneas. De um lado, o processo constitucional predominantemente formado pelo ideal de justiça e de prevalência da ação ao direito (remedies precede rights), que caracterizam a tradição Common Law e deita suas raízes na recepção do direito constitucional norte-americano na Primeira República (Constituição Republicana de 1981); de outro, o processo infraconstitucional predominantemente voltado à realização dos direitos individuais e centrado no direito privado, predominantemente de tradição romano-germânica, principalmente após o advento do Código de Processo Civil de 1973.

Segundo leciona Pellegrini (2014), desde que o Estado tomou para si a

responsabilidade de tutelar os interesses da coletividade, tirando das mãos dos

particulares a chamada, vingança privada, espera-se que este, após esse momento,

o faça, com a prestação da tutela jurisdicional efetiva. Nesse sentido, a tutela

jurisdicional será efetivada por meio de uma relação jurídico-processual composta

pela triangulação, autor, réu e o Estado-Juiz. Composta essa relação, a prestação

jurisdicional estará apta a surtir efeitos. Contudo, o surgimento dos efeitos da

decisão, à medida que se avança no Estado Democrático de Direito, deve-se

coadunar com as prerrogativas previstas na Carta Magna, com vistas à

concretização de um processo constitucional, possível de garantir direitos na solução

do conflito surgido.

Page 14: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

1.1 ESCOLA POSITIVISTA

Historicamente, as circunstâncias culturais e políticas nas tradições dos

sistemas jurídicos ora mencionados, são completamente distintas. Dessa forma, a

arquitetura do Civil Law e Common Law foram naturalmente diferenciadas.

A partir da revolução Francesa, o sistema Civil Law carrega consigo dogmas

que se formaram a partir de uma concepção separatista dos poderes e de mera

declaração da lei, sendo que, no Common Law, houve a discussão sobre o

significado da decisão judicial e a sua própria função jurisdicional, quer seja, se

somente declara ou constitui o direito (MARINONI, 2016, p. 26).

Ainda em relação ao modelo romano-germânico, a necessidade de se

desvincular do autoritarismo de um Estado Absolutista fez surgir a criação de um

direito capaz de representar a segurança jurídica contra os abusos. Conforme nos

ensina Zannet Júnior (2005, p. 35)

[...] a ideia de segurança jurídica estaria na legislação por todos conhecida e aplicável a todas as situações da vida. A segurança jurídica foi erigida a valor supremo, garantia absoluta em prol da certeza, e a lei sua expressão gramatical, triunfo dos “povos civilizados”. Essa certeza é a reação ao instável período de pluralismo radical no direito medieval, e ao excesso de poder dos déspotas do absolutismo. Não outro era o ideal o Código de Napoleão, que no auge do racionalismo pregava: o juiz é a boca da lei, é vedado ao juiz e ao jurista interpretar a lei.

Assim, fugindo do arbítrio de um Estado Absolutista, a lei deveria representar

um pensamento uno, que não pudesse deixar espaço de interpretação ao juiz ou ao

intérprete, possível de ser maculada pelos interesses autoritários do Estado

Absolutista, por meio da discricionariedade do Juiz na aplicação do direito. Dessa

maneira, o direito foi encarado como atividade intelectual, técnica, precisa, e

procurou estabelecer na lei a segurança jurídica, que pudesse então, retirar do

Estado a força de seu autoritarismo.

Como bem ensina Marinoni, (2016, p. 46), a proposta de separação dos

poderes nessa época nasceu de Montesquieu. Segundo ele, para que houvesse a

desvinculação do Estado Absolutista na transição para o Estado Liberal, deveria,

então, existir separação dos poderes, a saber, Legislativo, Executivo e Judiciário.

Isso seria capaz de imacular o processo de decisão do juiz, que estaria adstrito ao

pronunciamento da vontade da lei no caso concreto. Segue dizendo que, a

Page 15: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

15

preocupação em desenvolver um direito que permitisse o desabrochar de uma nova

sociedade, foi premissa para a admissão dos argumentos de Montesquieu, em que

pese à separação dos poderes, impondo uma distinção entre as funções do

Legislativo e Judiciário. O juiz, nesse modelo, tem sua atividade limitada e

subordinada ao Parlamento, que deveria representar os anseios do povo.

A transição do Estado Absolutista para o Estado Liberal, com a Revolução

Francesa, deu ao direito, nova característica.

Diz Marinoni (2016, p. 49), a respeito do tema acima descrito:

A Revolução Francesa, porém, procurou criar um direito que fosse capaz de eliminar o passado e as tradições até então herdadas de outros povos, mediante não só o esquecimento do direito francês antigo, como também da negação da autoridade do ius commue. O direito comum havia de ser substituído pelo direito nacional e esse tinha que ser claro, e completo para não permitir qualquer interferência judicial. Não havia como confiar nos juízes, que até pouco tempo estavam ao lado dos senhores feudais e mantendo forte oposição à centralização do poder. Significa que, além da rejeição do direito novo, foi imprescindível, a subordinação do juiz ao Parlamento. O direito contaria com um grave e insuportável obstáculo caso fosse entregue nas mãos dos magistrados. Ou melhor, havia bom motivo para não dar aos juízes o poder de interpretar as normas traçadas pelos “representantes do povo”.

Em relação a atividade interpretativa do juiz, no cenário liberal da Revolução

Francesa, havia a proibição do exercício de subjetividade, devendo o juiz, caso

constatasse lacuna na legislação, socorrer-se ao Legislativo, por meio do instituto,

référé legisla.

Nas lições de Marinoni (2016, p. 50), houve a exclusão da possibilidade desse

órgão de controle ser constituído por juízes, pois, o judiciário não poderia tutelar

também o legislativo e não poderia deixar o controle no poder então questionado.

Note-se que, nesse diapasão formado entre o estado absolutista e o novo

paradigma do positivismo, em que o direito, por meio da lei, seria capaz de proteger

o cidadão da arbitrariedade, surge a ideia de segurança jurídica na arquitetura Civil

Law.

Se, por um lado, a preocupação no momento histórico anterior era formada

pela instabilidade, pois, o juiz estava assentado no Estado Absolutista e decidia

conforme os ditames arbitrários do poder objetivo, de outro o positivismo

protagonizou a “estabilidade” nas decisões, uma vez que o pensamento era a lei

como contraposição ao exercício subjetivo do juiz.

Page 16: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

16

Nessa toada, de forma clara, Marinoni (2016, p. 52) afirma:

[...] entendeu-se que a certeza jurídica seria imprescindível diante das decisões judiciais, uma vez que, caso os juízes pudessem produzir decisões destoantes da lei, os propósitos do “novo regime” estariam perdidos. Manter o juiz preso à lei seria sinônimo de segurança jurídica. Montesquieu fez coro pela segurança jurídica fundada na aplicação da lei quando disse que, se julgamentos “fossem uma opinião particular do juiz, viver-se-ia na sociedade sem saber precisamente os compromissos que nela são assumidos”.

Nas lições de Streck (2010, p. 3), sobre o assunto, aborda da seguinte

maneira:

O positivismo é uma postura que se solidifica de maneira decisiva no século XIX. O “positivo” a que se refere o termo positivismo é entendido aqui como sendo os fatos [...] evidentemente, fatos, aqui, correspondem a uma determinada interpretação da realidade que engloba apenas aquilo que se pode contar, medir ou pesar ou, no limite, algo que se possa definir por meio de um experimento. No âmbito do direito, essa mensurabilidade positivista será encontrada num primeiro momento no produto do parlamento, ou seja, nas leis, mais especificamente, num determinado tipo de lei: os Códigos. É preciso destacar que esse legalismo apresenta notas distintas, na medida em que se olha esse fenômeno numa determinada tradição jurídica (como exemplo, podemos nos referir: ao positivismo inglês, de cunho utilitarista; ao positivismo francês, onde predomina um exegetismo da legislação [...].

A tão almejada estabilidade nas decisões, onde o juiz está adstrito à lei, e por

esse motivo, não há espaço para subjetivismo ou autoritarismo do Estado, deu lugar

à problemática da individualização das decisões no plano do civil law. Uma vez

presente a atribuição de sentido da norma pelo juiz, a atividade subjetiva foi

novamente trazida à baila, uma vez que os elementos metafísicos não eram próprios

do positivismo. Dessa maneira, “Num primeiro momento, a resposta será dada a

partir de uma análise da própria codificação: a Escola da Exegese, na França”

(STRECK, 2010, p. 4).

1.2 POSITIVISMO LEGALISTA E A ESCOLA DA EXEGESE.

Após a Revolução Francesa, onde houve a codificação do direito com o

advento do código de Napoleão, surgindo como alternativa ao arbítrio do Estado

Absolutista. Ao ser aplicado na resolução dos conflitos, necessitava de interpretação.

Desse modo, lei e direito eram tidos como sinônimos, uma vez que o juiz, para dizer

o direito, estava adstrito a lei e somente a ela.

Page 17: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

17

Em sua primeira faceta, a Escola da Exegese Francesa, iniciada no século

XIX, limitava-se à declaração da lei. (ABBOUD, 2018, p. 75)

Para uma melhor compreensão do positivismo legalista, é importante o

contraponto com a Escola Histórica, teorizada por Savigny e que antecede ao

modelo de entendimento do direito Francês no século XIX (ABBOUD, 2018, p. 74).

Na ótica da Escola Histórica, os valores que a sociedade produz, são levados

ao conhecimento do direito onde são expressos por meio da Lei. Entende o direito,

por seu turno, como um fenômeno de produção viva, em que, à medida que a

sociedade muda, o direito integra essas mudanças na lei (ABBOUD, 2018, p. 74). O

direito, portanto, é visto como produto da sociedade, e não do legislador. Não há

criação do direito por meio da lei, mas sim, uma observação dos fenômenos

ocorridos na sociedade e a partir daí, integrados no mundo jurídico.

Ao se analisar a Escola Exegética, nesse sentido, após as considerações de

contraponto com a Escola Histórica, Abboud (2018, p. 75). elucida:

As disposições contidas nos estatutos, conforme se professava à época, eram dotadas de um sentido único, pronto e acabadas. A única interpretação possível era a literal. Qualquer outra conduziria a uma inconcebível distorção dos artigos da lei. Cabia ao intérprete, portanto, extrair dos dispositivos legais o significado unívoco que abrigavam por meio de um processo declaratório. [...] é possível afirmar que a interpretação, sob o viés exegético, estava restrita ao plano sintático: “Nesse caso, a simples determinação rigorosa da conexão lógica dos signos que compõe a ‘obra sagrada’ (Código) seria o suficiente para resolver o problema da interpretação do direito”.

O processo de aplicação do direito, à luz da Escola da Exegese, obedecia a

um sistema silogístico. A lei, tomada como premissa maior, a subsunção do juiz ao

caso concreto, a premissa menor e a sentença, como resultado.

Com finalidade de preencher as lacunas que a codificação do direito trouxe,

precisamente no tocante ao processo de subsunção, o juiz estava salvaguardado

para interpretar os códigos. A problemática permanece, pois, a única fonte

reconhecida pelo positivismo para esse processo, era a própria lei, que não abrange

toda a superfície das relações humanas. Assim ensina Streck (2010, p. 4) sobre o

tema:

A principal característica desse “primeiro momento” do positivismo jurídico, no que tange ao problema da interpretação do direito, será a realização de uma análise que, nos termos propostos por Rudolf Carnap, poderíamos chamar de sintático. Neste caso, a simples determinação rigorosa da

Page 18: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

18

conexão lógica dos signos que compõem a “obra sagrada” (Código) seria o suficiente para resolver o problema da interpretação do direito. Assim, conceitos como o de analogia e princípios gerais do direito devem ser encarados também nessa perspectiva de construção de um quadro conceitual rigoroso que representariam as hipóteses – extremamente excepcionais – de inadequação dos casos às hipóteses legislativas.

Levando em consideração esses aspectos, em que houve a transição de um

Estado Absolutista na França no século XIX, a então necessidade de codificação

das leis, é que a tradição do positivismo inaugurou-se. O processo de interpretação

do direito acompanhou as imperfeições que cada Escola concebeu. No que diz

respeito ao positivismo legalista, todo o processo de interpretação do direito se dava

no entorno da lei. Tem-se uma concepção, que a partir do modelo de interpretação

por subsunção, que o sentido da norma, já estaria incutido nela, quando da sua

criação, não sendo o direito, enriquecido ou produzido pela interpretação.

1.3 ESCOLA NORMATIVISTA

Em análise sobre o positivismo, não se pode furtar ao estudo de um dos mais

clássicos paradigmas do direito dessa escola, tal qual é o positivismo normativista.

Seu principal expoente é Hans Kelsen. Em linhas gerais, apresenta uma concepção

de direito que o reduz a norma, ao invés da lei, bem como era no pensamento do

positivismo legalista.

Em seus estudos, Kelsen propõe uma concepção de direito que regule o

dever ser dos homens, que não se confunde com o ser da natureza. Avalia, neste

sentido, que os fenômenos da natureza coincidem com o ser, e aquelas condutas

direcionadas ao homem para que realize tal ato ou conduta, são denominadas dever

ser. Ao ponto que, não necessariamente, um ser corresponda a um dever ser, mas

que, um dever ser é contido numa expressão do comando normativo, propriamente,

uma norma.

Escreve Kelsen (1999, p. 4) sobre o tema:

Ora, o conhecimento jurídico dirige-se a estas normas que possuem o caráter de normas jurídicas e conferem a determinados fatos o caráter de atos jurídicos (ou antijurídicos). Na verdade, o Direito que constitui o objeto deste conhecimento, é uma ordem normativa da conduta humana, ou seja, um sistema de normas que regulam o comportamento humano. Com o termo “norma” se quer significar que algo deve ser ou acontecer, especialmente que um homem se deve conduzir de determinada maneira. É

Page 19: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

19

este o sentido que possuem determinados atos humanos que intencionalmente se dirigem à conduta de outrem não só quando a permitem e, especialmente, quando conferem o poder de realizar, isto é, quando a outrem é atribuído um determinado poder, especialmente o poder de ele próprio estabelecer normas.

O poder regulador do Estado no início do séc. XX cresceu de forma

exponencial. Juntamente com a problemática da indeterminação do direito, advindas

do período anterior do positivismo legalista, o qual se mostrava ainda sem solução,

foi substrato para o surgimento da teoria de Hans Kelsen (STRECK, 2010, p.161).

A questão da indeterminação do direito, a utilização do subjetivismo judicial

nas decisões protagonizada pela chamada Jurisprudência dos Interesses

características do período anterior, fez surgir a proposta de Hans Kelsen para o

aperfeiçoamento do rigor jurídico para com o direito/ciência jurídica.

O estudo de Kelsen apresenta, então, a partir do loteamento na quadra

histórica, o direito reduzido à norma, e as investigações sobre a ciência jurídica,

suas descrições e relações por estas constituídas (ABBOUD, 2018, p. 78).

Para a defesa de sua teoria de redução do direito a norma, apresenta o

conceito de norma hipotética fundamental, que seria resultado de uma ação

condicionada ao conhecimento jurídico e não impositivo da vontade. Contudo, surge

a questão de como a ordem jurídica proposta por atos meramente pensados poderia

transmutar-se em atos de validade com sentido objetivo para o Direito, a fim de

corrigir os desvios possibilitados pela indeterminação e jurisprudência dos conceitos,

conforme relatado acima.

Em lição a respeito do tema, Streck (2010, p. 161) escreve:

É nesse ambiente que aparece Hans Kelsen. Por certo, Kelsen não quer destruir a tradição positivista que foi construída pela Jurisprudência dos conceitos. Pelo contrário, é possível afirmar que seu principal objetivo era reforçar o método analítico proposto pelos conceitualistas de modo a responder ao crescente desfalecimento do rigor jurídico que estava sendo propagado pelo crescimento da Jurisprudência dos Interesses e à Escola do Direito Livre – que favoreciam, sobremedida, o aparecimento de argumentos psicológicos, políticos e ideológicos na Interpretação do direito. Isso é feito por Kelsen a partir de uma radical constatação: o problema do direito é muito mais semântico do que sintático. Desse modo, temos aqui uma ênfase na semântica.

Para a teoria kelsiana, a norma não se limita apenas a lei, ora protagonista no

exegetismo, mas comportam, no normativismo, derivações da própria aplicação e

interpretação do direito.

Page 20: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

20

Kelsen escreve sua teoria a partir de uma busca por uma pureza que pudesse

o direito ter status de Ciência pura, uma vez que reconhece a pluralidade dos

conceitos com os quais trabalha a ciência jurídica, principalmente, desde o século

passado (ABBOUD, 2018, p. 83). Sua pretensão, a partir desse reconhecimento, foi

a de estabelecer uma ciência pura, que reduziria os fenômenos jurídicos a uma

dimensão única e própria. É dizer, capaz de ser entendida como normativa, não

sendo possível a presença de elementos de juízo de valor próprio de outras áreas,

ou elementos metafísicos, também constitutivos de outras áreas. Desse modo,

segundo Georges Abboud, há alteração no status da ciência do direito, que passa a

se preocupar com o que deve ser direito, rompendo com a tradição anterior da

determinação do que materialmente sempre foi direito. (2018, p. 84).

No desiderato de Kelsen sobre a criação de uma Ciência do Direito

autônoma, também propõe uma teoria sobre a interpretação normativa. Divide-as em

dois segmentos: interpretação autêntica e inautêntica.

A primeira é entendida como produto feito pela interpretação dos órgãos

judiciais oficiais, que são incumbidos de aplicar o direito. A segunda é, basicamente,

fruto da interpretação dos juristas. Assim, a interpretação inautêntica, na teoria

Kelsiana, é a única produzida por um ato de conhecimento, uma vez que se opõe a

autêntica, no sentido de ser esta, produto da descrição do legislador como ato de

vontade, não possibilitando, por esse motivo, que receba oposição de juízos de

valor.

Em estudo sobre o assunto, Abboud (2018, p. 89) escreve:

Essa diferenciação decorre da separação que Kelsen opera entre Ciência do Direito e direito, entre ser e dever ser, entre juízos descritivos e juízos de valor, entre descrição e prescrição. A Ciência do Direito descreve as coisas como são, por isso mesmo apenas lista as interpretações possíveis; pertence ao mundo do ser e para lhes garantir objetividade não se autoriza o intérprete a optar por qualquer das possibilidades de sentido. O direito pertence ao mundo do dever-ser, ele se origina de um processo político contaminado pelos valores políticos e morais. A decisão jurídica, como direito novo e prescritivo que é, também nasce de uma escolha política a ser realizada pelo juiz no processo de interpretação autêntica.

Portanto, percebe-se nesse momento histórico em que Kelsen propõe sua

teoria pura do direito, a busca por uma ciência livre das influências das outras áreas

do conhecimento, a elevação do status, do direito ao crivo normativo, havendo como

base para tal, o entendimento de matriz Kantiana, sobre o ser e dever ser. Ciência

Page 21: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

21

do Direito como descritivo, e, após a positivação do direito pela lei, inexiste oposição

dos juízos de valor, pois, simplesmente já escolheu por ato de vontade quais as

possibilidades de sentido que paira sobre a norma.

1.4 O CONSTITUCIONALISMO NO BRASIL FRENTE AO MODELO JURÍDICO DE

IMPORTAÇÃO GERMÂNICO-ROMANO

A noção de norma, definida nos moldes da Revolução Francesa, como

comando geral, abstrato, e concebida como vontade geral do povo, acompanhou as

mudanças históricas ocorridas no decorrer do tempo. Era possível que o Parlamento

não definisse as leis conforme os anseios do povo, portanto, no processo de

constitucionalização, os desejos e as vontades do povo foram incorporados nas

Constituições, para que fosse então, pedra filosofal e guardiã da vontade geral da

população. A lei perde seu posto de supremacia, e passa então a guardar

conformidade com os princípios constitucionais (MARINON, 2016, p.57).

O constitucionalismo surge como forma de limitação do poder, bem como, um

movimento de racionalização para proteção dos direitos fundamentais (ABBOUD,

2018, p. 57).

Nas lições de Abboud (2018, p.58) nesse sentido:

[...] surge como fenômeno histórico-político, cuja função consiste em limitar e racionalizar o poder político, estabelecendo todas as regras normativas a partir das quais o Estado pode agir. Ademais, é o constitucionalismo que impõe limites ao poder soberano, mediante a divisão dos poderes, estabelecendo como valores primordiais da sociedade, a liberdade, igualdade, e a preservação dos direitos fundamentais. No Estado Constitucional, a Constituição passa a ser a salvaguarda da própria sociedade. Isso porque ela limita a soberania do Estado, ou seja, no constitucionalismo, é impensável qualquer sujeito político amplamente soberano que não encontre limites no texto Constitucional.

Nessa senda, o processo de constitucionalização, abarca a incorporação dos

princípios na Constituição do Estado, e não somente uma menção na lei desses

princípios. É dizer, embora se pudesse acreditar que a constitucionalização fosse

nada menos que um passo a mais no respeito estrito à lei, esse pensamento é

reducionista com o movimento histórico-político, uma vez reconhecida a Constituição

como guardiã dos princípios e a partir dela, a adequação das demais leis.

Page 22: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

22

Por esse motivo, o principio da legalidade passa a ter sentido outro significado

no contexto Constitucional. Transmuta-se de um cunho formal para substancial

(MARINONI, 2016, p. 57).

A arquitetura Civil Law, passou por um processo de transformação, no tocante

à constitucionalização. “Ora, se no direito, não está mais na lei, mas na Constituição,

a jurisdição não mais se destina a declarar a vontade da lei, mas a conformar a lei

aos direitos contidos na Constituição”. (MARINONI, 2016, p. 58).

A concepção de aplicação da lei em conformidade com a constituição conferiu

ao juiz atividade distinta daquela tradicionalmente desenvolvida, até então no

sistema Civil Law. Como não há mais supremacia da lei, o produto do parlamento

não é somente declarado pelo juiz, mas é, a partir de uma adequação da resolução

do conflito aos princípios constitucionais, criativa. Registre-se que, o juiz, ao

solucionar o conflito, pode dar sentido diverso à lei, atribuindo conformidade com o

texto constitucional, ou, havendo lacuna na lei, será então suprimido a partir da

omissão do legislador.

No cenário atual de vigência da Constituição de 1988, a estrutura pela qual se

sustenta o Estado Democrático de Direito é direcionada para consolidação de

garantia dos direitos fundamentais. Assim, o constitucionalismo surge como esteio

para uma sociedade democrática.

Nesse sentido, Zannet Junior (2016, p. 28), professa:

A unidade da Constituição está presente na sua unidade argumentativa. Um remédio aos efeitos destrutivos e desagregadores dos excessos legislativos contemporâneos. Dessa forma, a Constituição deve ser entendida como um direito superior, vinculando inclusive para o legislador. Mas, não só, o seu mais importante aspecto está na presença simultânea de regras, princípios, direitos fundamentais e Justiça, como elementos mínimos. Agregados pela exigência extra de adequação e razoabilidade entre caso concreto e a lei, em certa medida.

A constituição é então, um conglomerado normativo que a partir dela será

estabelecido a forma de exercício do poder do Estado, sua organização e onde está

alocado o próprio particular nessa estrutura.

O constitucionalismo visto sob a perspectiva histórica induz dizer que fora das

instituições democráticas, tudo se transforma em força. Daí porque, desde a

Constituição de 1988, tem-se no Brasil uma arquitetura jurídica democrática em que

Page 23: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

23

são definidas as funções dos poderes e a garantia ao cidadão da proteção de seus

direitos e garantias fundamentais.

As decisões judiciais, nesse escopo, devem guardar estrita obediência às

normas Constitucionais, uma vez reconhecida a supremacia da Constituição como

garantia de defesa dos direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito.

Qualquer desatenção a essa premissa é tido como atentatório à democracia.

Portanto, é importante o registro de que, em tempos de Democracia, o

pensamento que limita a atividade interpretativa do juiz deve ser rechaçado. Não se

pode deixar a lei com finalidade em si mesma, ou dizer, “lei é lei”, afinal, por mais

que foi um avanço o registro da lei nos códigos, e posterior adequação num plano

verticalizado à Constituição, ela é ponto de partida e não de chegada.

1.5 A DECISÃO JUDICIAL CONSUBSTANCIADA NA TEORIA DA INTEGRIDADE

DO DIREITO DE RONALD DWORKIN

Nesta parte do texto, a discussão centra-se a respeito da decisão judicial,

avaliando a problemática da existência de decisões conflitantes que dizem respeito a

mesma situação fática. Por seu turno, a análise a respeito da atividade judicial no

que toca o solipsismo referente aos pronunciamentos judiciais, será palco para se

discutir a proposta de Ronald Dworkin sobre o direito como Integridade.

Antes de iniciar o estudo sobre Dworkin, é necessário consignar qual a base

para o surgimento de tal escrita. Em contraposição com o positivismo normativista

em Hart, em que pese à existência de uma discricionariedade no momento da

decisão judicial para dar uma resposta à solução do caso, uma vez não existindo

norma em específico, agindo como espécie de legislador. Contudo, com respeito a

tripartição dos poderes, o juiz não pode usurpar o poder do legislativo, e é nesse

cenário que Dworkin propõe a teoria do direito como integridade para dar solução a

partir de uma leitura do conjunto normativo e de princípios que rodeiam a

comunidade para dar solução ao caso difícil.

Em análise breve sobre a obra de Hart, Lenio Streck e Francisco José Borges

Motta (2018, p. 61) assim elucidam:

[...] para Hart não importa qual seja a estratégia eleita para a transmissão de padrões de comportamento (seja o precedente ou a legislação); nalgum

Page 24: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

24

momento esses padrões mostrar-se-ão imprecisos e sua aplicação será posta em dúvida. Esses padrões terão em todo o caso, assim, o que se chama de textura aberta: uma característica geral da linguagem humana, que gera incerteza nas zonas limítrofes. No positivismo Hartiano, esta característica acaba deslocando aos intérpretes oficiais (v.g. autoridades judiciais) um grande poder: o de, no âmbito de aplicação normativa concreto, solucionar o caso por meio de uma escolha.

Dworkin combate esse entendimento aduzindo que o processo de “escolha”

pelo qual o juiz passaria, não está centrado apenas na norma, mas que haveria uma

série de outros elementos que gravitam em torno da decisão judicial frente aos

casos difíceis e que balizam o processo de resolução do caso difícil.

Seguindo a análise, é possível perceber o contraste em Hart e a proposta de

Dworkin sobre o poder discricionário. No primeiro, quando existir dúvidas sobre a

aplicação das regras, ou, quando inexistir regra que incida para resolução do caso, a

decisão judicial discricionária cria, a seu modo, um novo elemento da legislação.

Não há, portanto, dada a indeterminação das regras, direitos institucionais a serem

preservados. De forma contrária, para Dworkin, mesmo nesses casos, o juiz deve

articular com os princípios uma argumentação capaz de favorecer o direito das

partes (STRECK, MOTTA, 2018, p. 64)

Após essa breve conceituação sobre a contraposição em que Dworkin se

apresenta, com esteio em críticas sobre o positivismo normativista em Hart, no que

diz respeito a atividade discricionária que desenvolve o juiz frente à solução dos

casos complexos, passa-se ao estudo, propriamente relacionado com a proposta

Dworkiana e a decisão judicial em tempos de vigência do Código de Processo Civil

de 2015, para que se alcance os ideais de uniformização da jurisprudência conforme

inseridos nos art. 926 e 927 do referido código.

A dialeticidade que circunda o direito, sob o enfoque do pronunciamento

judicial é tão antigo quanto a própria concepção de direito. Nas tradições das

escolas jurídicas, denominadas de Common Law e Civil Law, já existia o

questionamento a respeito da natureza jurídica do pronunciamento judicial - se

constitutiva ou declaratória.

Na Inglaterra, o questionamento a respeito da função do juiz buscava

esclarecer qual a natureza da decisão, se declaratória ou constitutiva.

Conforme bem explica Luiz Guilherme e Marinoni (2016, pág. 26),

Page 25: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

25

[...] Sustentou-se na Inglaterra a tese de que o juiz apenas declarava o direito, sendo um dos seus principais defensores Willian Blackstone. Em seu entendimento, existiria a lex non scripta - o direito não escrito ou o common Law – e a lei escrita- o direito escrito ou o statue law. O common law propriamente dito espelharia tanto costumes gerais (“costumes estabelecidos e regras máximas estabelecidas”), quanto os costumes particulares de algumas partes do reino, bem como aqueles observdos apenas em algumas cortes e jurisdições. A suposição de que o common law consiste nos costumes gerais faz sentir a teoria declaratória ou em outra perspectiva, ou melhor, a própria teoria declaratória sob disfarce. Partindo-se da ideia de que o common law está nos costumes gerais observados entre Englishmen, o juiz não cria, mas tão somente o declara.

Note-se que, o substrato para o surgimento do direito consuetudinário anglo-

americano, foi capaz de integrar os costumes na decisão judicial, ou a partir dele, o

juiz, além de declarar, afirmava e reafirmava um direito que já estava presente na

dinâmica da sociedade, não havendo, portanto, atividade criativa do juiz nesse

sentido.

Neste contexto, avaliando o direito no aspecto legislativo e como a atividade

jurisdicional se desenvolvia, o jurista norte-americano Ronald Dworkin propõe outra

perspectiva a respeito da decisão judicial - o direito visto como integridade.

Em seu livro, Império do Direito já se preocupava em registrar seu

posicionamento a respeito do tema (DWORKIN, 2007, pág. 271, apud FERRI, 2018)

conforme se lê:

[...] O direito como integridade nega que as manifestações do direito sejam relatos factuais do convencionalismo, voltados para o passado, ou programas instrumentais do pragmatismo jurídico, voltados para o futuro. Insiste em que as afirmações jurídicas são opiniões interpretativas que, por esse motivo, combinam elementos que se voltam tanto para o passado quanto para o futuro; interpretam a prática jurídica contemporânea como uma política em processo de desenvolvimento. Assim, o direito como integridade rejeita, por considerar inútil, a questão de se os juízes descobrem ou inventam o direito; sugere que só entendemos o raciocínio jurídico tendo em vista que os juízes fazem as duas coisas e nenhuma delas.

A avaliação de Dworkin a respeito da atividade jurisdicional centra-se em

entender o direito sobre dois aspectos distintos, em sua atividade e tempo. Inicia na

sociedade como emissora da vontade para qual o legislativo irá atuar e se volta para

ela como sendo destinatária do provimento jurisdicional, em que o juiz irá atribuir o

mesmo sentido ao direito que quis a sociedade emissora do comando inicial. Assim,

a sociedade é entendida como emissora da vontade para qual o legislador irá definir

as leis, de modo a existir coesão entre esses dois aspectos. Noutro vértice, na

Page 26: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

26

avaliação Dworkiana, está a decisão judicial, onde o julgador utilizará os parâmetros

definidos pela sociedade e incorporados ao direito pelo legislador. A decisão judicial

então, à luz da teoria da integridade, será concebida ao sabor da vontade inicial

geral do povo e servirá como baliza nas decisões judiciais.

O parâmetro utilizado a partir da decisão judicial em Dworkin assegura a

estabilidade do direito e seu aspecto construtivo, uma vez que as decisões se voltam

para o passado, e se preocupam com o presente e futuro. Nesse sentido, LIRA e

HOMMERDING, (2015, p. 100) assim explicam:

[...] quando este sustenta que a prática jurídica deve ser interpretada como uma política de desenvolvimento e que as afirmações jurídicas são opiniões interpretativas que combinam o convencionalismo e o pragmatismo. A integridade, pois, oferece um suporte de padrões para as decisões pelo julgador nos casos concretos. A integridade, então, é a chave da melhor interpretação construtiva das diferentes práticas judiciais, especialmente quando os julgadores estão diante de uma decisão para um caso difícil.

Neste desiderato, para que a decisão judicial guarde os ideais de justiça,

equidade, linearidade, as decisões devem voltar-se para a sociedade, que é ao

mesmo tempo, autora e recebedora do direito.

As decisões judiciais subjetivas, decididas por mera subsunção do texto legal

- em muito, solipsistas, encontram contraposição em Dworkin. Ao tratar da resolução

de casos complexos, a atividade jurisdicional tem o dever de interpretar o direito de

forma a conseguir a melhor resposta ao caso, sem que seja decidido com padrões e

métodos subjetivos, ou que não correspondam aos parâmetros interpretativos

capazes de conduzir a decisão judicial ao futuro, projetando o direito na forma do

pronunciamento para ser utilizado na resolução de caso semelhante. “Daí a

sustentação de que, a integridade possibilita uma produção de respostas adequadas

à Constituição no âmbito da jurisdição” (LIRA e HOMMERDING, 2015, p. 101).

Na avaliação de Dworkin, a integridade do direito se depara com o direito que

as pessoas têm de receber uma decisão judicial capaz de voltar-se para o passado,

funcionando como um resgate a um padrão de decisão que é entendido como

elementar para os ideais de justiça, na sociedade.

Em acepção a respeito do aspecto legislativo sobre a integridade, a proposta

é de existir um conjunto de leis que são retornadas para a sociedade quando da

decisão judicial, para tanto, a sociedade não considera como fonte de um conjunto

Page 27: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

27

de leis incoerente em princípios. Em explicação sobre o assunto, Streck e Motta

(2018, p. 71), asseveram:

Dworkin parte do pressuposto de que a “integridade política”, entendida como a necessidade de que [...] o governo tenha uma só voz e aja de modo coerente e fundamentado em princípio com todos os seus cidadãos, para estender a cada um os padrões fundamentais de justiça e equidade que usa para alguns [...] é uma virtude política, uma exigência específica da moralidade política de um Estado que deve tratar os indivíduos com igual consideração e respeito. Mas trata-se de uma exigência do autogoverno, na medida em que “[...], um cidadão não pode considerar-se autor de um conjunto de leis incoerentes em princípio [...]”, quer dizer: a integridade está ligada à questão da legitimidade da coerção oficial.

Contudo, a decisão judicial balizada sob a ótica de Dworkin, estabelece a

ligação entre a vontade geral inicial da sociedade e o pronunciamento judicial, que

deve ser coeso com os parâmetros estabelecidos a partir da vontade da sociedade.

O juiz, na aplicação do direito ao resolver os casos, deve se preocupar em atender a

essa vontade, pois, na ótica da teoria da integridade, é um desrespeito com os

indivíduos o não atendimento de suas premissas iniciais pactuadas e, além disso,

guardar relação com as premissas já decididas em casos anteriores.

É dizer, haverá uma adequação a respeito da integridade no momento

legislativo, e judicial. No judicial, a integridade promoverá um retorno ao passado, na

medida em que se valerá de casos análogos, para se decidir e então melhorar a

situação a ser decidida, projetando-se para o futuro. Essa inter-relação, Dworkin

denominou romance em cadeia, onde cada juiz, dada a sua parcela de construção

de um romance, na escrita de cada capítulo, deverá dar continuidade na escrita do

romance, de forma que lerá os demais capítulos anteriores e a partir deles,

escreverá o seu, de forma que haja coerência (integridade) a respeito do que já foi

escrito (decidido), devendo, portanto, também servir de referência para o próximo

romancista (juiz).

Page 28: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

28

2 ASPECTO HISTÓRICO DO PRECEDENTE NO ORDENAMENTO JURÍDICO

BRASILEIRO

2.1 APONTAMENTOS SOBRE OS PRECEDENTES JUDICIAIS NO BRASIL NA

ERA COLONIAL

Antes de se analisar a sistematização da jurisprudência no Brasil, a partir das

alterações trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015, é necessário o estudo da

origem da utilização dos precedentes, mesmo antes da sistematização

retromencionada. A utilização do direito jurisprudencial já se fazia presente no Brasil

Colonial, ainda no século XVI, e, portanto, a discussão sobre sua incorporação no

ordenamento jurídico pátrio, a partir da inovação do Código de Processo Civil de

2015, não encontra fertilidade, frente à existência - tímida, porém, presente, de

estruturas jurídicas que permitiam a utilização do chamado direito jurisprudencial.

Nesse sentido, Nunes e Viana (2018, p. 179) escrevem:

Caso não tenha ficado claro, trata-se de um tema importante, pois, nos últimos anos cresce, em profusão, a referência à “jurisprudencialização” do direito brasileiro, dando a entender, à evidencia, que o fenômeno, seria recente. Precisamos, entretanto, melhor compreender esta quadra. A estruturação do direito brasileiro teve, logo em sua gênese, a marcante influência das leis e codificação, certamente por herança lusitana. [...] nos anos 1548-49 é criado e implementado o Governo Geral. A partir daí, nascem não apenas alguns cargos de feição jurisdicional, mas, também, ensaia-se uma completa estruturação e hierarquização dos órgãos judiciais, com a possibilidade de apresentação de recursos. O Tribunal de apelação – também conhecido como Relação ou Casa de Relação [...].

A estrutura jurídica à época do Brasil colonial, contava com a existência do

Desembargo do Paço, no qual, consistia ter uma aproximação com o Rei, e era por

esse, presidido. A sua função era nuclear, que não competia o julgamento de

recursos, mas em outro sentido, funcionava como conselho governamental.

Segundo Antônio Cardoso (2008, s.p.) em nome do rei, tinha atribuições de

expedição de alvarás e provisões referentes a questões judiciais.

Nessa toada, houve o surgimento de conflitos oriundos dos pronunciamentos

das diversas instituições governamentais e o Tribunal de Relação. Assim, ensina

Nunes e Viana (2018, p. 180) sobre o assunto:

Page 29: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

29

Com esse quadro, não tardou para surgirem os primeiros conflitos entre outras instituições governamentais e o Tribunal de Relação, acusado de se meter em assuntos que não lhe competiam. Com base nesse último apontamento, suspeita-se que, mesmo ao tempo da formação do direito brasileiro, ainda colonial, o aparato burocrático judiciário já dava mostras de assunção de certo protagonismo.

Por esse motivo, aduzir que as mudanças trazidas pelo Código de Processo

Civil de 2015, foi inovador, no sentido de negar a existência de estruturas

organizacionais jurídicas de uso e valorização da jurisprudência, não é a melhor

leitura. É possível afirmar que, a partir do Código de Processo Civil de 2015, a

tendência na valorização e aumento do direito jurisprudencial é nítida. Entender as

recentes reformas como alterações do status quo, é negar as características do

Direito do Império e do Direito Português, que valorizavam a jurisprudência e os

precedentes de modo mais intenso do que se imagina (SOUZA, DIDIER. JR, apud

NUNES, VIANA, 2018, p, 181).

É cediço que Portugal estabeleceu relação de colônia com o Brasil

essencialmente econômica. Após as ocupações do séc. XVI, com o projeto de

ocupação do litoral, a Coroa Portuguesa instalou no Brasil, órgãos de fiscalização

alfandegária, e da justiça, para um aperfeiçoamento do controle sobre a colônia.

(SOUZA, 2014, p. 49).

O Brasil colonial, então, tinha como característica a inexistência de um

modelo jurídico próprio, uma vez que a coroa, importava sua forma de organização

judiciária para sua colônia. Não havia distinção no status civitatis, uma vez que os

nascidos no Brasil, mas que posteriormente fossem residir em Portugal, se submetia

as regras de lá, e, da mesma maneira, seria para o português que viesse a residir na

colônia, estando sujeito as regras desta.

Como não havia uma estrutura jurídica no Brasil colonial, própria para esta, as

experiências jurídicas e o modo de condução da resolução dos conflitos eram

importados da coroa. Assim, a ausência de regras específicas para o Brasil seria

oportuno para a defesa que de que não havia um direito local brasileiro naquela

época. Porém, como havia um distanciamento dos ditames legais, ou do modelo e

experiências jurídicas em Portugal, que não se adequavam ao modo de vida no

Brasil, logo os conflitos e inadequação de importação de sistema próprio da coroa,

logo se fizeram presentes.

Page 30: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

30

Em estudo sobre o assunto, assim professa Hespanha (apud, SOUZA, 2014, p.

51).

[...] possível identificar um Direito colonial brasileiro, individualizável em certa medida, apesar da vigência e eficácia do Direito português no Brasil, considerando a capacidade das comunidades locais de preencher os espaços jurídicos de abertura ou indeterminação existentes na estrutura do Direito comum. Este permitia e facilitava, por meio de princípios doutrinas e de modelos de funcionamento normativo, que coexistissem a ordem jurídica central e particularismos normativos.

Por essa razão, pode-se identificar uma pluralidade de fontes do direito nessa

época, em que pese a inexistência de uma estrutura jurídica própria para o modo de

vida no Brasil Colonial, pelo distanciamento das experiências da maneira de

condução da coroa sobre as vivências de sua colônia. Assim, não há motivação para

defesa de um direito uno, que seria centrado na lei, própria da metrópole ou

registrada em terras coloniais, mas ao contrário, encontra-se substrato para a defesa

de um direito local, que pudesse, a partir das lacunas do regramento da coroa

portuguesa, dar solução aos casos pelos juízes e tribunais coloniais.

Note-se que, não há negativa sobre a vigência ou existência do Direito

português no Brasil colonial, mas a consignação sobre as indeterminações e lacunas

desse modelo próprio da coroa, que possibilitava o preenchimento pelas regras de

modo de vida comum na colônia. Portanto, coexistiam, naquele tempo, tanto as

determinações legais emanadas do Direito português, quanto o preenchimento da

vagueza desta, pelos usos e costumes comuns. O precedente funcionava em caráter

subsidiário, reconhecido apenas quando não havia regulamentação, ou fosse

necessário para possibilitar a aplicação das regras gerais da coroa.

Nessa toada, o princípio que balizou o direito nesta quadra histórica, não foi o

da unidade normativa, mas, de forma oposta houve a primazia das normas

particulares sobre as gerais. Contudo, segundo Marcus Seixas Souza (2014, p. 52) o

ius commune, admitia a correção das normas gerais para adequação as

necessidades individuais, porém, quando da existência de Direto particular (pessoal

ou territorial) era afastado, dado seu caráter subsidiário.

Portanto, muito embora não houvesse com precisão uma estrutura jurídica

própria para o Brasil, é possível admitir a existência de um direito jurisprudencial no

Brasil colonial, no que diz respeito ao preenchimento da vagueza e das

indeterminações do Direito português vigente naquela quadra histórica, no que se

Page 31: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

31

refere a criação de solução jurídicas próprias para a localidade que serviram para

dar conformidade com as regras gerais da coroa, aplicada pelos tribunais e juízes

coloniais.

2.2 SISTEMA DE PRECEDENTES NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015

2.2.1 Noções introdutórias

Para uma melhor compreensão do panorama de uso do direito jurisprudencial

no Brasil, se faz necessário a elucidação do que venha a ser o instituto do

precedente judicial, e suas implicações de balizamento ao poder jurisdicional.

Desta feita, é importante consignar o instituto do precedente e sua distinção

com a jurisprudência, tendo como base, o ordenamento jurídico brasileiro e a

arquitetura jurídica Civil Law.

Como dito no capítulo anterior a respeito do Constitucionalismo, a lei é

entendida como ponto de partida e não de chegada, e o papel do juiz não se limita a

declaração da lei - é dizer, propõe-se, no contemporâneo Estado Democrático de

Direito, como oposição a aplicação silogística da norma. De forma contrária, a

atividade jurisdicional é criativa, no sentido da extração da ratio decidendi, própria

para resolução do caso.

A decisão judicial tem, portanto, duplo caráter. Se por um lado, há a

perspectiva endoprocessual, na qual o juiz decide conforme interpretação do

ordenamento jurídico - conforme a Constituição, resolvendo o caso com os

dispositivos legais postos na sentença, por outro vértice, em razão da preocupação

com a segurança jurídica e, com vistas a idealização da justiça no traçado da like

cases should be treated alike, a ratio decidendi constitui elemento prescritivo

extraprocessual, no tocante ser referência para a resolução de casos análogos.

Nesse diapasão, bem elucida Souza (2014, p. 24):

A resolução de uma questão posta à apreciação judicial depende da norma jurídica do caso – aquela resultante da passagem da norma jurídica abstrata à situação concreta sob apreciação. Assim, a fundamentação da decisão tem como finalidade interpretar o problema concreto e delimitar-lhe o Direito aplicável, garantindo às partes um processo justo – no Brasil, processo devido, direito positivado nos arts. 5º, LIV, e 93, IX da Constituição Federal.

Page 32: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

32

Mas a fundamentação da decisão judicial não se reporta unicamente à dimensão interna do processo, isto é, à justificação do dispositivo da sentença; ela realiza um duplo discurso, porquanto contempla também a promoção da unidade de interpretação do Direito e a ideia de justiça [...] esta segunda dimensão da decisão judicial pode ser associada à expansão dos âmbitos de proteção dos princípios da segurança jurídica32 e da igualdade, esta concebida não em face do discurso legislativo, mas referente à aplicação judicial da lei.

A necessidade de ter-se uma aplicação exata da lei, e que isso pudesse ser

transmutado para os demais casos postos à resolução do judiciário fez os Tribunais

Superiores adquirirem a função de dar unidade ao direito, de forma a dar um sentido

completo ao direito e pudesse ser a partir deles, emanadas decisões calçadas no

cânone interpretativo já discutido nos Tribunais Superiores. Contudo, essa postura

foi alvo de críticas, uma vez que reconhecia um sentido unívoco da lei revelada por

intermédio dos Tribunais (SOUZA, 2014, p. 25).

A partir de uma releitura do paradigma acima mencionado, em tempos

contemporâneos de democracia, pode-se afirmar a postura orientadora dos

Tribunais Superiores no Brasil, ao passo que suas decisões servem como parâmetro

para os demais casos análogos, como no caso do julgamento de Recurso

Extraordinário, onde a questão sub judice, gera efeitos extraprocessuais, afetando

aos demais jurisdicionados, quando da enunciação do entendimento sobre a matéria

contida no caso.

A estrutura da decisão contém, como mencionado acima, duas premissas.

Uma de caráter endoprocessual, que diz respeito a aplicação da norma para o caso

sub judice. Engloba, portanto, as concepções de fundamentação, dispositivo e coisa

julgada (SOUZA, 2014, p. 26).

No outro vértice da questão, há a existência dos aspectos extraprocessuais,

para o qual se voltará para os demais jurisdicionados – sociedade. São conceitos

como, ratio decidendi, obiter dictum e distinguishing. Não obstante a discussão sobre

a caracterização e diferenciação desses institutos se dará no capitulo que se segue,

a fim de dar clareza no uso de um direito jurisprudencial, ou no sistema

precedencialista que se destinaram as mudanças ocorridas com a vigência do

Código de Processo Civil de 2015.

Page 33: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

33

2.2.2 Ontologia dos precedentes judiciais

Retoma-se nesta senda, a discussão sobre a ambivalência da decisão judicial

em tempos contemporâneos de democracia e busca por um sistema

precedencialista com protagonismo do direito jurisprudencial. Neste tocante, é

necessária a inteligência sobre a natureza, origem e distinção do precedente judicial

com a jurisprudência, para que se possa, de forma real e satisfatória, utilizar o

instituto como paradigma do direito de forma correta à finalidade a que se destina.

No Brasil, a Emenda Constitucional 45/2003 instituiu a súmula vinculante.

Passou-se a partir de então ao discurso de que teria sido implementado em terras

tupuniquins a decisão judicial regrada pelo stare decisis, própria da arquitetura

jurídica Common Law (ABBOUD, 2018, p. 892). Com essa perspectiva, importa

referenciar a diferenciação dos institutos da súmula vinculante, com os precedentes

judiciais do Common Law.

Nessa avaliação, Abboud (2018, p. 892) escreve:

Ocorre que, após uma breve análise do common law, e, respectivamente, da doutrina dos precedentes e do sistema do stare decisis, torna-se fácil constatar a impossibilidade de pretender instituir esses mecanismos no Brasil, mediante alterações legislativas. Isso porque o sistema de precedentes e o stare decisis não surgiram e se consolidaram no Common Law repentinamente. Muito diversamente, são frutos do desenvolvimento histórico daquelas comunidades, de modo tão evidente que, na Inglaterra ou Estados Unidos, o respeito ao precedente é possível mesmo inexistindo qualquer regra legal ou constitucional que explicite a obrigatoriedade de se seguir o precedente, ou que lhe atribua efeito vinculante. Aliás, lido corretamente o CPC vigente, em seu artigo 927, sequer deve ser considerado como tentativa de implementação do stare decisis, uma vez que nenhum dos incisos do art. 927 existem nos EUA. Na realidade, ele consiste em um mecanismo normativo de enfrentamento de litigiosidade repetitiva [...].

Dessa maneira, pode-se destacar a diferença entre precedente judicial e os

institutos com efeito vinculantes, da seguinte forma. A respeito do precedente

judicial, como forma de ingresso no sistema jurídico, é entendido como uma tradição

perpetrada pela comunidade, sem que haja a necessidade de regra escrita para

estabelecer obrigatoriedade e vinculação (STRECK, apud, ABBOUD, 2018, p. 933).

De igual forma, Harold Berman (apud ABOUD, 2018, p. 933) traduz o precedente

Page 34: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

34

judicial nos países com sistema jurídico common law como fruto de uma evolução

histórica e informal, por um procedimento livre e não escrito.

Contrariamente ao precedente judicial, a súmula vinculante tem validade

explicitada pelo seu enunciado genérico e não se insere no ordenamento jurídico

através de uma construção evolutiva histórica, mas sim, seu valor está contido na

definição abstrata sob o qual foi forjada.

Com relação a aplicação, importa o registro de que o precedente judicial, com

raízes no sistema common law, oferta farta possibilidade de discussão sobre o caso

a ser analisado, uma vez que não carrega no seu bojo, o que é ou não vinculante

para os demais casos, mas sim, constitui-se como ponto de partida para a discussão

e exposição das razões de decidir, ao passo que as partes argumentam a respeito

do cerne que constitui o precedente.

No âmago dessa discussão, Abboud (2018, p. 936) professa:

[...] já se pode inferir a diferença do precedente para a decisão judicial dotada de efeito vinculante no que diz respeito ao modo de sua aplicação; o precedente constitui-se em um critério jurídico que serve como problematização e fundamentação para os casos análogos, cuja solução necessita de uma ponderação material de referência concreta ou casuística, cuja solução não está logicamente predeterminada, mas vai se constituindo através daquela ponderação.

No afã de introduzir no sistema jurídico brasileiro as regras do stare decisis,

por meio de alterações legislativas, acaba-se por mitigar a dinâmica do sistema

precedencialista, no sentido de haver a necessidade de uma mudança de postura

pelos integrantes da relação jurídico-processual, frente ao que deva ser considerado

como uma cultura do sistema de padronização e respeito ao precedente. É dizer,

não bastam apenas as mudanças da produção legislativa para que se tenha um

sistema precedencialista, tal qual é nos países de arquitetura jurídica common Law.

Para tal desiderato, é necessária a superação da aplicação da lei por

subsunção, mas sim, uma construção dialética e hermenêutica na resolução dos

casos, para que se possa extrair das decisões conteúdo jurídico suficiente a

embasar a ratio decidendi, razão que traduz os efeitos extraprocessuais conforme

relatado no subitem anterior. Nesse ponto, esclarece-se a inconsonância entre o

raciocínio puramente dedutivo e o interpretativo hermenêutico. Aquele se preocupa

com a atividade formalista de padronização, importando mais a coerência do que o

conteúdo. Este, todavia, a partir do desenvolvimento interpretativo, dita a

Page 35: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

35

conveniência de uso do precedente e nunca a equivalência entre texto e sentido de

texto. Aperfeiçoa-se na qualidade de apresentar projetos de sentido e não de juízos

preconcebidos (ABBOUD, 201, p. 898).

Importa registrar a necessidade de existência de uma atividade interpretativa

do direito para a busca de um sistema precedencialista. Uma vez que a mera

reprodução de textos de lei, ou de conteúdos jurídicos, trazidos no bojo das decisões

judiciais é reducionista de ponto de vista interpretativo hermenêutico, pois, como

anotado por Lenio Streck, o texto não carrega seu próprio sentido (apud, ABBOUD,

2018, p. 900).

Definindo a importância do desenvolvimento de técnicas interpretativas, de

forma uníssona, Nunes e Viana (2018, p. 181) escrevem:

Um fator deve ser logo destacado devido a sua grande importância. Trata-se de atentar para o fato de as técnicas precedencialistas terem sido desenvolvidas e aprimoradas especialmente nos países de common law. No direito brasileiro, por sua vez, é possível perceber uma colossal escassez técnico-teórica no manuseio dos precedentes, talvez em virtude da herança histórica que ainda situa no Brasil, de modo estanque, entre os países de tradição civil law, acreditando-se portanto, no protagonismo do legislador.

Diante da diferenciação protagonizada pelos precedentes judiciais e os

demais institutos com efeito vinculantes, importa esclarecer sobre a alteração

legislativa propriamente dita no art.s 926 e 927 do Código de Processo Civil de 2015

(BRASIL, 2015):

Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. § 1o Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante. § 2o Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação. Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II - os enunciados de súmula vinculante; III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados. § 1o Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1o, quando decidirem com fundamento neste artigo.

Page 36: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

36

§ 2o A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese. § 3o Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica. § 4o A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia. § 5o Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores.

No tocante a esses dispositivos legais e tomando como referência o que foi

explicitado acima, com efeito, se assevera haver sido introduzido sistema de

precedentes no direito brasileiro, que a seu turno, não se coaduna com aquele

sistema propriamente dito do sistema Common Law, mas sim, nas palavras de

Abboud (2018, p. 936), o art. 927 criou um sistema de provimentos vinculantes via

atribuição legal. Para esclarecer melhor o assunto, o autor aduz (ABBOUD, 2018, p.

936):

Vale dizer, se de fato não é possível criar legislativamente o genuíno sistema de precedentes do Common Law porque ele é fruto de uma evolução histórica, fato é que o CPC, em seu art. 927, elenca rol de provimentos vinculantes a serem observados na ocasião da decisão judicial. Exatamente nessa perspectiva que ocorreu a gênese do CPC/2015 que não pode ser lido como a cristalização do Common Law no Brasil e sim uma criação legislativa. Isso porque o sistema de precedentes e o stare decisis não surgiram e se consolidaram no Common Law repentinamente. Muito diversamente, são frutos do desenvolvimento histórico daquelas comunidades, de modo tão evidente que, na Inglaterra ou Estados Unidos, o respeito ao precedente é possível mesmo inexistindo qualquer regra legal ou constitucional que explicite a obrigatoriedade de se seguir o precedente, ou que lhe atribua efeito vinculante.

Nessa senda, a avaliação lúcida do instituto reformulado pelo Código de

Processo Civil de 2015 é a de que não é possível afirmar uma introdução de um

sistema precedencialista genuinamente como no sistema common law, uma vez

tomando como partida, os critérios de distinção elencados acima. Para tanto, a

vinculação de que trata as decisões dos tribunais, em fazer réplica de seu

entendimento é, com efeito, tradução de uma sistemática que possibilita evitar o

conflito de decisões com a mesma situação fática existente, dada sua característica

Page 37: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

37

de generalidade e abstração com os demais casos análogos, postos à decisão,

porém, não se confunde com o sistema de precedentes do Common Law.

Por esse motivo, apresenta-se o sistema existente no Código de Processo

Civil de 2015, com uma leitura constitucional, para que, dessa maneira, surtam

efeitos de integridade a respeito do sistema jurídico. É dizer, como crítica que se

assenta sobre os provimentos vinculantes, ao passo que se construiu entendimento

até aqui, sobre o repudio as decisões por técnica silogística, e que a norma não

carrega sentido em si, devendo haver possibilidade de interpretação ou aplicação de

sentido próprio para resolução do caso. Assim, entender os provimentos vinculantes

como decisões prontas dotadas de sentido próprio é admitir a existência de um

sistema que não interpreta a norma decisória, mas, tão somente aplica-as.

Em relação ao tema, Alexandre Câmara (apud ABBOUD, 2018, p. 938), adverte:

[...] defende a insuficiência do art. 927 do CPC como recurso único e precursor de uma série de padrões decisórios aptos a vincular normativamente os juízes e tribunais brasileiros. No entanto, [...] não por isso cabe concluir pela insignificância desses provimentos, haja vista que eles devem ser lidos como “princípios argumentativos” quando da tomada de decisão, vale dizer, antes de constituírem-se em normas universais, tais provimentos são textos jurídicos cuja reflexão deve participar o juiz.

Desta feita, como leitura do art. 927 do Código de Processo Civil de 2015, o

verbo inserido caput é: “observarão”. Com isso, tem-se a ideia de eficácia

argumentativa do sistema e não persuasiva, uma vez que o juiz, ao julgar caso

análogo deverá examinar atentamente os motivos de fixação do padrão decisório,

uma vez que não se pode ter reconhecido o fim da história quando da edição de

enunciado de súmula ou qualquer outro instituto com força vinculativa.

Em prosseguimento sobre a distinção a respeito do precedente judicial e as

decisões judiciais com efeito vinculante, tem-se a seguinte assertiva. Com efeito, a

decisão, pretende substituir a análise a respeito da matéria a ser decidida nos casos

semelhantes, de forma extraprocessual. Haverá, portanto, a problematização e os

fundamentos normativos constituídos fora do processo, sem que haja possibilidade

da parte apresentar qualquer argumento a respeito da controvérsia existente. De

forma contrária, o instituto se apresenta como uma regra decisória universal para a

resolução de processos. Vem como uma norma pronta e acabada como se

substituísse as alegações das partes, a fundamentação e a problematização

decisional (ABBOUD, 2018, p. 939).

Page 38: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

38

Dessa maneira, distinguindo os institutos, é possível perceber que um sistema

de decisão judicial que se propõe a ser considerado sistema precedencialista, não

pode esgotar sua análise a respeito do efeito vinculante em mera percepção dos

ditames dos tribunais, razão pela qual, se fundamenta a dialeticidade a respeito do

que deve ser considerado como fundamento à formulação de um precedente

judicial, em que se opere a cuidadosa análise pelo magistrado e as partes do

processo, que, de forma comparticipativa, perceberão a ratio decidendi, que servirá

de padrão num genuíno sistema precedencialista, substituindo a mera aplicação

silogística de mais um comando geral e abstrato.

Para finalizar a distinção do precedente à moda Common Law e o brasileiro,

incrementado em tempos de vigência do Código de Processo Civil de 2015, passa-

se a análise de três aspectos básicos: Histórico, hermenêutico e democrático.

No que se refere ao aspecto histórico, o sistema de precedentes de origem

anglo-americana, valorizou a influência da história, que aliada a filosofia da

casuística e inexistência de um direito dogmático (ABBOUD, 2018, p. 951)

estruturou-se com raízes na prática cotidiana do direito.

Em se tratando do fator hermenêutico, de início importa o registro que se fala

da quadra histórica em tempos de pós-positivismo, em que se superou a redução de

norma a seu texto; não cabe mais nesse momento decisões com técnica de decisão

silogísticas, e ao contrário, se apresenta como uma necessidade de adequação da

estruturação do direito sob uma perspectiva problemática de enfrentamento da

questão de forma comparticipativa.

Por esse motivo, admitir um sistema que se propõe a automaticamente

abduzir a dialeticidade, ora presente nas questões necessárias de base

precedencialista Common Law não é adequado para a argumentação de que houve

um translado paradigmático do sistema do jurídico. Nas palavras de Abboud, (2018,

p. 951) “não há ganho para a democracia em se superar o juiz boca da lei pelo juiz

boca da súmula”.

Em última análise, apresenta-se o caráter democrático de distinção dos

precedentes do sistema Common Law e o brasileiro.

Fato é que a partir de uma concepção hermenêutica, é possível perceber o

precedente em ambivalência quando de seu surgimento e aplicação. O mecanismo

de decisão por precedentes é então, um processo de tradução da ratio decidendi,

que a seu turno, não se limita a aspectos escritos, mas, de forma diversa, é

Page 39: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

39

constituída pelo reiterado uso ou aceitação de sua fundamentação. É dizer, no

sistema Common Law, o precedente é forjado por via histórica de uso, aceitação e

aperfeiçoamento. No que se refere ao Brasil, com as características próprias do

nosso sistema, por força da legislação, diversas decisões já surgem com status

vinculativo que não depende de sua qualidade.

Até aqui, o consignado foi de avaliação do sistema dito precedencialista

brasileiro em contraponto com o modelo de importação do sistema Common Law, no

que diz respeito as diferenças existentes entre os dois institutos inseridos sob

arquiteturas jurídicas distintas sob a avaliação de Georges Abboud em que pese a

negativa da existência de um sistema de precedentes, mas sim, uma mera

vinculação jurisprudencial.

Dessa maneira, passa-se a partir de agora, a elucidação da estrutura

existente no Código de Processo Civil de 2015 que se dá a o surgimento e aplicação

dos precedentes sob outra ótica.

O pano de fundo para o surgimento dos precedentes no Código de Processo

Civil de 2015 foi a preocupação com o surgimento de oscilações jurisprudenciais que

abalassem a segurança jurídica do sistema. Por esse motivo, os Tribunais

Superiores, incumbiram-se de moldar a jurisprudência como forma de evitar as

oscilações e as demandas repetitivas a respeito da mesma situação fática, sobre a

qual o tribunal já havia se manifestado.

Nesse ínterim, a respeito da afirmação sobre a existência ou inexistência de

um “sistema” de precedentes, elucidam Nunes e Viana (2018, p. 202) sobre o tema:

[...] Lançou-se a hipótese de inexistência de demarcação teórica quanto ao uso da noção de sistema na Exposição de Motivos do Código. Nesse cenário de inquietante definição, basta indicar que, à configuração de determinado sistema (ou subsistema) jurídico, de menor significância é a quantidade de enunciados normativos ou batismo jurídico como sistema, como normalmente ocorre com os códigos, nos quais se presume o atributo da sistematicidade. Diferentemente, o que mais importa para a configuração de um sistema de precedentes judiciais - poder-se-ia falar em subsistema - , para nós, poderia ser resumido em três aspectos: a) a coerência de enunciados legais que convergem em prol de uma finalidade específica; b) a estrutura organizacional de emissão de pronunciamentos; e c) a autoridade exercida pela estrutura organizacional anteriormente mencionada.

Portanto, apesar das críticas que o artigo 927 do Código de Processo Civil de

2015 recebe, é possível afirmar a característica da existência, por via legal, de um

Page 40: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

40

sistema precedencialista que não se confunde com o de tradição common law, mas

nele se aprimora, na medida em que se importem conceitos que formem uma

tradição jurídica no Brasil própria, porém com as mesmas bases integrativas do

direito aplicado com mais linearidade conforme é no sistema que se contrapõe o

civil law.

2.2.3 Parâmetros que gravitam em torno do precedente

2.2.3.1 Ratio decidendi

A respeito do estudo sobre os aspectos extraprocessuais, é necessário que

se consiga identificar os parâmetros que gravitam a decisão judicial tida como

precedente.

Inicialmente, a decisão judicial importa para o juiz, quando da aplicação do

direito com vistas a integridade com o conjunto normativo e casos passados, e para

o jurisdicionado que espera ter um pronunciamento judicial que traduza segurança

jurídica. Para tal feito, é necessária a identificação do núcleo central da decisão

judicial, que traduzem as razões de decidir daquele caso, seja na sentença ou

acórdão proferido por tribunal. É portanto, ligada aos aspectos da fundamentação da

decisão judicial, mas tem aí seu ponto de partida, não se esgotando a esse mero

aspecto endoprocessual. A razão é num primeiro momento a tese jurídica invocada

na decisão e a fundamentação não se confundem com a ratio decidendi, mas nela

se encontra (MARONINI, 2016, p. 162).

É preciso ter em mente que, de forma periférica, outras questões jurídicas

estão presentes na decisão judicial e não por esse motivo, são consideradas

automaticamente como razão de decidir, mas, de forma diversa, a extração da razão

de decidir é tarefa árdua que busca evidenciar quais elementos caracteriza a tomada

de postura pelo juiz frente aquele caso.

Não é incomum haver decisões judiciais com excesso ou escassez de

fundamentação, por esse motivo, o uso do sistema de precedentes, com a

identificação da ratio decidendi, serve para solucionar o problema da clareza sobre o

posicionamento a respeito daquele tema, uma vez que a investigação irá procurar o

significado da decisão judicial e partir daí surgirem os questionamentos a respeito do

Page 41: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

41

possível conflito de posturas frente aos casos semelhantes que possam vir a ser

solucionados de forma diversa.

Para Bustamante (apud, NUNES e VIANA, 2018, p. 375) o assunto é abordado da

seguinte maneira:

[...] a grande questão a ser respondida por um teoria descritiva dos precedentes judiciais é: “o que vale como precedente judicial?”. Como optamos por uma teoria normativa do precedente, nosso problema é: “o que deve contar como precedente judicial para fins de aplicação no raciocínio jurídico?”. Ao reformularmos a pergunta inicial, abandonamos a perspectiva do observador e adotamos a do participante. Precedentes judiciais são, como enunciados legislativos, textos dotados de autoridade que carecem de interpretação. É trabalho do aplicador do Direito extrair a ratio decidendi – o elemento vinculante – do caso a ser utilizado como paradigma.

O precedente é, portanto, encarado numa perspectiva de leitura da ratio

decidendi dos pronunciamentos judiciais, como extração dos fundamentos

motivadores essenciais da decisão. No Brasil, a ausência de técnicas para esse

desiderato faz com que o sistema precedencialista desmorone. Ao decidir com base

nos precedentes, o juiz também investiga quais sejam as possíveis causas de

superação e distinção do precedente. Por essa razão, é que a existência de técnicas

racionais sobre a extração da razão de decidir se torna importante na

contemporaneidade. Caso contrário, teremos uma mistura de elementos que não se

coadunam com as proposições de racionalização das decisões e conformidade com

padrões de decidir que atendam com louvor os parâmetros de decisão conforme

integridade.

Por fim, não se pode limitar o sistema de uso de precedentes a uma réplica

ou transcrição de ementas judiciais pelos advogados e outras situações dessa

alcunha, ou ao pronunciamento judicial com base em copia e cola de casos

anteriores sem a necessária investigação dos motivos ensejadores da decisão, mas

de forma contrária, para se obter a ratio decidendi, advogados, juízes e demais

partes na relação jurídico-processual, a fim de racionalizar o processo de decisão e

proporcionar um efetivo sistema de precedentes, devem investigar cuidadosamente

os casos passados para obterem carga argumentativa suficientemente coerente e

adequada.

Page 42: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

42

2.2.3.2 Obiter dictum

Neste segmento busca-se a avaliação sobre a classificação do termo obiter

dictum, dentro da estrutura sistemática precedencialista.

A noção do referido instituto é tão antiga quanto a de ratio decidendi, uma vez

que seus conceitos estão atrelados e mantém-se em estreita participação na

investigação dos precedentes.

Constituiu-se no subitem anterior a necessidade de extração da razão de

decidir como parâmetro para uma projeção futura e retorno ao passado da decisão

judicial. Para tanto, a qualificação da fundamentação no entorno do pronunciamento

judicial, é o critério de distinção entre ratio decidendi e obiter dictum.

Para Marinoni (2016, p. 168), no Séc. XVII, o obiter dictum, apesar de ser um

pronunciamento judicial era entendido como um elemento de caráter extrajudicial.

No sistema jurídico de arquitetura common law, sempre houve a preocupação

de distinção entre esses institutos, uma vez que há valorização dos fundamentos da

decisão. Ao passo que a razão de decidir é investigada, as decisões judiciais são

dissecadas. Nesse cenário, aquela fundamentação usada para decidir o caso, que

se constitui o cerne, é a ratio decidendi. Porventura, os demais conjuntos normativos

que são puramente caminhos para a decisão judicial, é o significado de obiter

dictum.

Na leitura de Marinoni (2016, p. 169):

Para se obter o significado de obiter dictum, ainda que na dimensão do common law, torna-se necessário sublinhar que a ratio decidendi seria um passo necessário ao alcance da decisão. Isso fundamentalmente porque, quando se olha para uma questão perguntando-se se ela constitui ratio decidendi ou obiter dictum, indaga-se sobre a necessidade ou não de seu enfrentamento a fim de se chagar à decisão. Algumas questões são indiscutivelmente desnecessárias ao alcance da decisão e, assim, são certamente obiter dicta.

Aquelas considerações incidentais que versam na decisão, são, de toda sorte,

consideradas como obiter dictum, uma vez que, não se constituem como elemento

que enfrenta o juiz no pronunciamento judicial. De toda sorte, aquilo que não

constitui proposição necessária à resolução do caso, mas, mero caminho incidental,

deve ser identificado pelos agentes imbuídos de analisá-los, a fim de se estabelecer

o sistema de precedentes. É importante, portanto, para uma racionalidade nos

Page 43: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

43

processos de decisão que utilizam um direito jurisprudencial, que se volte a atenção

para as técnicas de uso e manejo dos precedentes judiciais.

2.2.3.3 Distinguishing

Conforme foi demonstrado até aqui nos subitens anteriores, no processo de

investigação sobre as razões contidas nas decisões judiciais, em que pese a

separação necessária sobre a ratio decidendi e obiter dictum, a questão a ser

abordada está contida na distinção dos precedentes (após identificação da ratio

decidendi) para que seja, no caso concreto, afastada sua incidência.

Sob a análise dos aspectos de projeção futura das decisões judiciais, é dizer,

com referência aos elementos extraprocessuais do pronunciamento judicial, é que se

sustenta o instituo do distinguishing. Apresenta-se para saber se haverá

subordinação do caso sub judice a algum precedente, por meio da técnica de

distinção entre os dois casos. O tomado como paradigma e sob julgamento.

Em relação ao uso racional dos precedentes e a técnica do distinguishinhg,

Nunes e Viana (2018, p. 383) dispõem:

Para tanto, nota-se que o raciocínio por meio de precedentes é constituído por comparações, analogias e contra-analogias entre situações, fatos, hipóteses, qualidades e atributos, buscando-se compreender se determinado caso anterior deve servir de orientação para a decisão. Nesse contexto, utiliza-se da técnica de distinção ou distinguishing como fundamento de aplicação ou não do precedente em determinado caso [...] se a analogia constitui importante método de aplicação do precedente e se dá pela conclusão de existirem certos pontos de aproximação entre o caso passado e o presente, o distinguishing se dá ao inverso, já que corresponde a uma contra-analogia, na qual se identificam padrões de distanciamento entre o caso e o presente.

Portanto, é de fundamental importância que, na argumentação jurídica, desde

a petição inicial, o advogado utilize as técnicas de aproximação ou distinção com os

padrões decisórios de seu caso sub judice, para que a fim de se racionalizar os

processos de decisão, a carga argumentativa seja suficiente ao combate de

decisões sem fundamento adequado às situações de fato presentes na demanda.

Esse pensamento vem em substituição àquele em que o juiz era protagonista em

relação ao provimento jurisdicional.

Page 44: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

44

Lançando mão das técnicas de aproximação e distinção de casos

paradigmáticos, a carga argumentativa do advogado, deve-se coadunar com a

quadra histórica em que o desenvolver do pronunciamento judicial, requer

identificação das razões de decidir, diferenciação quantos aos aspectos puramente

incidentais no processo e técnicas de distinção do uso ou não do precedente (casos

análogos)

Page 45: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

3 PROCESSO COMPARTICIPATIVO E O ÔNUS DO ADVOGADO PARA

CONSOLIDAÇÃO DE UM SISTEMA DE PRECEDENTES

3.1 QUESTÕES PROPEDÊUTICAS

Antes de discutir-se a respeito do ônus argumentativo do advogado, que

participa da relação jurídico-processual engendrada pela sistemática do Código de

Processo Civil de 2015 em tempos de democracia, é necessário o retorno à leitura

sobre o positivismo jurídico. Neste momento, a análise centra-se em reavaliar como

as teorias dadas naquele momento histórico, influenciaram a doutrina, e a sob qual

estrutura, ou paradigma se assenta a alteração trazida pelo Código de Processo

Civil de 2015 no que se refere ao uso do direito jurisprudencial (precedente).

A análise sobre a existência de um sistema de precedentes vinculativos

requer um balizamento sobre as influências que foram protagonistas para

“importação” de um sistema que utiliza direito jurisprudencial, comum dos países que

utilizam o direito consuetudinário, para o Brasil, que tem arquitetura jurídica civil law.

O retorno aos aspectos positivistas tem por fundamento, chamar a atenção

sobre os riscos de ter-se no Brasil, frente ao uso do direito jurisprudencial, aspectos

positivistas ou técnicas dessa natureza como elementares no processo de

julgamento.

Nessa perspectiva, advertem Nunes e Viana (2018, p. 304):

[...] fica muito evidente pela reforma empreendida pela Lei 13256/2016, pois, em virtude da prematura mudança do CPC/2015, instala-se um rígido modelo de obrigatoriedade, acarretando o empobrecimento do sistema processual, verificável pelas hipóteses normativas que inserem o precedente numa espécie de fortaleza impenetrável, tornando potencialmente vãs as tentativas de sua superação.

De forma elucidativa, por meio da leitura do art.s 1.030 e 1.042 do Código de

Processo Civil de 2015 é possível verificar o engessamento quanto à (re) discussão

do padrão decisório pelas partes envolvidas, demonstrado a seguir:

Art. 1.030 (BRASIL, 2015)

Page 46: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

46

Recebida a petição do recurso pela secretaria do tribunal, o recorrido será intimado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, findo o qual os autos serão conclusos ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, que deverá: I – negar seguimento a) a recurso extraordinário que discuta questão constitucional à qual o Supremo Tribunal Federal não tenha reconhecido a existência de repercussão geral ou a recurso extraordinário interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal exarado no regime de repercussão geral b) a recurso extraordinário ou a recurso especial interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, respectivamente, exarado no regime de julgamento de recursos repetitivos II – encaminhar o processo ao órgão julgador para realização do juízo de retratação, se o acórdão recorrido divergir do entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça exarado, conforme o caso, nos regimes de repercussão geral ou de recursos repetitivos; III – sobrestar o recurso que versar sobre controvérsia de caráter repetitivo ainda não decidida pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme se trate de matéria constitucional ou infraconstitucional; IV – selecionar o recurso como representativo de controvérsia constitucional ou infraconstitucional, nos termos do § 6º do art. 1.036; V – realizar o juízo de admissibilidade e, se positivo, remeter o feito ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça, desde que: a) o recurso ainda não tenha sido submetido ao regime de repercussão geral ou de julgamento de recursos repetitivos b) o recurso tenha sido selecionado como representativo da controvérsia; c) o tribunal recorrido tenha refutado o juízo de retratação. § 1º Da decisão de inadmissibilidade proferida com fundamento no inciso V caberá agravo ao tribunal superior, nos termos do art. 1.042. § 2º Da decisão proferida com fundamento nos incisos I e III caberá agravo interno, nos termos do art. 1.021.

Art. 1.042 (BRASIL, 2015):

Cabe agravo contra decisão do presidente ou do vice-presidente do tribunal recorrido que inadmitir recurso extraordinário ou recurso especial, salvo quando fundada na aplicação de entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos.

Neste cenário, observa-se o engessamento da (re) discussão sobre o padrão

decisório já posto pelos Tribunais Superiores, uma vez que decidem conforme

eleição de um padrão decisório. Esse tipo de atividade é resultado de uma

compreensão positivista frente aos ditames dos tribunais do que venha a ser

considerado direito, com a automática réplica pelos órgãos a eles subordinados,

deixando de lado as construções racionais a respeito da formação do entendimento

a respeito do caso.

Page 47: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

47

A fim de tecer algumas considerações a respeito do positivismo jurídico, já

abordado em capítulo anterior, cumpre registrar as anotações de Robert Alexy (apud

NUNES; VIANA, 2018, p. 306) a respeito do tema,

[...] a disputa entre positivistas e não positivistas gira em torno da conexão necessária entre direito e moral. As teorias positivistas defendem a tese da separação, segundo a qual o conceito de direito se define sem nenhum elemento moral, portanto, são compostas por apenas dois elementos definitórios, a saber, a legalidade autoritativa e a eficácia social. As teorias não positivistas “defendem, ao contrário, a tese da conexão”. Ela [a tese da conexão] afirma que o conceito de direito deve ser definido de modo que contenha elementos morais.

As teorias estruturantes do direito são inúmeras. A respeito desse assunto,

importa saber quais são as influências de ter-se como partida este ou aquele

segmento. Como dito até aqui, é temeroso que se adote postura positivista, frente ao

modelo surgido no bojo do Código de Processo Civil de 2015, uma vez que a

aplicação da lei/norma é, nesse modelo, predominantemente analítica. Inclusive, a

crítica sobre esse paradigma se assenta na razão da existência de julgamentos com

aplicação silogística e subsuntiva da norma.

Conjuntamente com este cenário em questão, de igual pecha, é o surgimento

das chamadas “LegalTechs” que nada mais são do que ferramentas tecnológicas

utilizadas para dispersão de decisões ou que traduzem uma verdadeira

sistematização de pronunciamentos judiciais, que nada mais fazem do que distanciar

o raciocínio jurídico necessário para construção das teses jurídicas a respeito do que

deve ser entendido como um pronunciamento jurisdicional satisfatório aos ideais de

justiça, segurança jurídica e outros, mas, de forma mecânica e empobrecedora,

incentiva a aplicação de um direito automático, não racional.

Retomando a questão do processo judicial reservado ao enfrentamento das

balizas positivistas, tem-se a retomada em alusão a Ronald Dworkin. A lista de

críticas a respeito de sua abordagem não afasta a possibilidade de aproveitamento

de sua teoria, para com o intuito do Código de Processo Civil de 2015 em

incrementar o sistema precedencialista. Tem-se, portanto, a importação do

pensamento que supera a ambivalência da questão de que se o ato jurisdicional

descobre ou cria o direito. Em suas próprias palavras (apud NUNES; VIANA, 2018,

p. 321-2).

Page 48: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

48

Decidir casos controversos no direito é mais ou menos como esse estranho exercício literário. A similaridade é mais evidente quando os juízes examinam e decidem casos do Common Law, isto é, quando nenhuma lei ocupa posição central na questão jurídica e o argumento gira em torno de quais regras ou princípios do direito “subjazem” a decisões de outros juízes, no passado, sobre matéria semelhante. Cada juiz, então, é como um romancista na corrente. Ele deve ler tudo o que os outros juízes escreveram no passado, não apenas para descobrir o que disseram, ou seu estado de espírito quando disseram, mas para chegar a uma opinião sobre o que esses juízes fizeram coletivamente, da maneira como cada um de nossos romancistas formou uma opinião sobre o coletivo escrito até então. Qualquer juiz obrigado a decidir uma demanda descobrirá, se olhar nos livros adequados, registros de muitos casos plausivelmente similares, decididos há décadas ou mesmo séculos por muitos outros juízes, de estilos e filosofias judiciais e políticas diferentes, em períodos nos quais o processo e as convenções judiciais era diferentes. Ao decidir o caso novo, cada juiz deve considerar-se como parceiro de um complexo empreendimento em cadeia, do qual, essas inúmeras decisões, estruturas, convenções e práticas são a história; é seu trabalho continuar essa história no futuro por meio do que ele faz agora. Ele deve interpretar o que aconteceu antes porque tem a responsabilidade de levar adiante a incumbência que tem em mãos e não a partir de uma nova direção.

A perspectiva buscada para enfrentamento da questão problemática deste

trabalho é esta. O afastamento da abordagem positivista e a adoção de uma

premissa comparticipativa que seja capaz de romper com o paradigma de

pronunciamentos judiciais solitários, sem adequação com aspectos decisórios

passados, em que os juízes recebem o crédito de serem guardiões da norma, como

se não compartilhassem da construção jurídica, as demais partes do processo

judicial.

Nessa toada, o Código de Processo Civil de 2015 tem um dispositivo que

estabelece o dever do juiz em dialogar com as partes antes de tomar qualquer

decisão ou se pronunciar. Com efeito, isso garante a eficiência do principio da

vedação da decisão surpresa, que não se coaduna com o momento do

contemporâneo Estado Democrático de Direito. O dispositivo legal em questão é o

art. 10 do Código de Processo Civil de 2015 in verbis: O juiz não pode decidir em

grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha

dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a

qual deva decidir de ofício (BRASIL, 2015).

Segundo Nunes e Viana (2018, p. 323) há uma reconstrução do sistema

processual, que passa a ter como perspectiva o modelo constitucional de processo.

Muito embora, pareça simples a menção do Código de Processo Civil de

2015, a manifestação das partes no processo, mesmo sendo matéria que o juiz

Page 49: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

49

decida por ele próprio, a rigor, isso traduz o modelo comparticipativo aqui defendido,

uma vez que, percebe-se esse instrumento como fomento a um processo

constitucional democrático.

Com a finalidade de elucidar o modelo constitucional de processo, Nunes e

Viana (2018, p. 331) apresentam:

[...] o modelo constitucional de processo ao qual se adere não possui conteúdo axiológico-instrumental. Ao contrário, parte-se de um ambiente comunicacional e da percepção da inexistência de um consenso sobre aquilo que se possa entender como bem comum, com o decorrente afastamento da ideia de existência de um sujeito com acesso privilegiado aos ideais de justiça. Em suma, não se trata de mera metodologia para obtenção de direitos fundamentais, dada a equivocidade do conteúdo jurídico, mas sem descurar dos aspectos técnicos em prol do rompimento com o protagonismo decisório. O modelo constitucional de processo visa a implementação da comparticipação, permitindo-se a visualização de um sistema processual capaz de transformar o espaço onde todos os temas e contribuições devam ser intersubjetivamente discutidos, de modo preventivo ou sucessivo a todos os provimentos, assegurando técnicas de fomento ao debate, que não descurem o fator tempo-espacial de seu desenvolvimento.

Desta feita, consigna-se o substrato para formação do processo, em que é

oportunizado ao advogado a participação efetiva no iter decisório. Propõe-se, a partir

do rompimento do pensamento romântico em que o juiz é o centro do provimento

jurisdicional - inclusive com a ópera antiga de que havia o “livre convencimento

motivado” do juiz, um provimento com característica policêntrica, e deve ser lido a

partir dos escritos de Dworkin, que, por razão do processo comparticipativo, conclui-

se pela mudança de paradigma e a mutação no ônus argumentativo, capaz de

alterar a profunda e enraizada ideia de decidir conforme a própria consciência.

3.2 DEFESA TÉCNICA CONSTITUCIONAL

A Constituição Federal de 1988 concede importante status ao advogado.

Segundo prevê o Art. 133. “O advogado é indispensável à administração da justiça,

sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites

da lei” (BRASIL, 1988). É sabido que há normas que excepcionam a participação do

advogado, quando do pronunciamento judicial. Porém, esse desiderato não reduz a

importância do profissional, frente à busca do cidadão pela resolução de seu conflito.

Page 50: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

50

Anote-se que, mesmo que haja um pensamento a respeito da atividade

profissional do advogado, em relação ao íntegro respeito aos interesses de seus

clientes, esse pensamento é deixado em segundo plano, haja vista não conseguir

diminuir a importância do profissional em relação ao provimento jurisdicional que a

própria Constituição Federal de 1988 estabeleceu.

Parte-se, portanto, do entendimento da lisura com a qual o profissional do

direito se compromete, em tempos de democracia.

No ordenamento jurídico pátrio, é vedado ao particular, exercer justiça com as

próprias razões. Para conseguir resolver seu conflito, deve recorrer-se ao Estado,

que se organiza na forma do poder judiciário. Denomina-se direito de ação,

constitucionalmente presente e ligado ao acesso à justiça, presentes no art. 5º,

inciso XXXV, Constituição Federal de 1988.

Dada à complexidade do sistema jurídico brasileiro em referência a existência

de inúmeras leis e decisões que podem servir como paradigmáticas, um leigo não

conseguiria satisfazer com louvor sua pretensão jurídica perante o Estado.

Por esse motivo, Soares (apud, NUNES; VIANA, 2018, p. 340) escreve:

É o advogado, nesse paradigma, agente garantidor da legitimidade da

decisão judicial, uma vez que é o mesmo juridicamente capaz de

estabelecer um diálogo técnico-jurídico que permite a construção do

provimento em simétrica paridade, garantindo o contraditório e a ampla

defesa, bem como um controle da jurisdição, nos processos litigiosos ou

não, pouco importando o valor atribuído à causa [...] Deixou o advogado de

ser a excrescência por alguns ou a simples facção litigante encarada na sua

parcialidade obrigatória como elemento perturbador da veneranda

serenidade do juízo.

Neste cenário, o intuito é demonstrar a missão do advogado na seara

processual. Longe de querer argumentar sobre a adequação desta ou daquela

técnica argumentativa, de forma inversa, a razão de argumentar sobre a tutela dos

interesses individuais pelo profissional do direito, cuida de estabelecer, a partir da

leitura do exposto até aqui, que, a partir da mudança introduzida pelo Código de

Processo Civil de 2015, em que há um aumento do uso de um direito jurisprudencial,

é tarefa do advogado adequar-se ao novo modelo/paradigma, uma vez que será

Page 51: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

51

igualmente protagonista na confecção das decisões judiciais ora submetidas ao

patamar de um processo comparticipativo.

3.2.1 Ônus argumentativo: a quebra do estigma da inércia

revisional

Para tratar do assunto, em exatidão no que diz respeito à responsabilidade do

advogado em tecer sua argumentação jurídica frente à resolução dos casos judiciais,

é necessário clarear o pensamento sobre algumas teorias da argumentação. A partir

de então, é possível definir qual é o ônus que incumbe ao advogado, frente ao

modelo jurídico atual que requer alteração substancial ao seu modus operandi.

Até aqui a discussão e análise se deu a respeito da demonstração das teorias

estruturantes do direito sob a visão positivista, para que se pudesse, então,

consentir com a premissa de que a forma de leitura do ordenamento jurídico altera

substancialmente o modo com o qual se tem o pronunciamento judicial. Retomam-se

a fim de esclarecer o assunto, os dizeres sobre a inadequação de uma leitura

positivista dos dispositivos do Código de Processo Civil de 2015, haja vista, que

incorreria em diminuir ou até mesmo estatizar as discussões nas esferas abaixo dos

Tribunais Superiores, havendo por saquear a carga argumentativa que tanto pode

contribuir para o cenário de um conjunto de decisões judiciais mais estáveis e com

nível de percepção, de justiça, maiores.

Percebe-se, por esse motivo, que tão importante quanto desenvolver um

raciocínio jurídico ligado às questões de integridade do direito - no Brasil, é o

desenvolvimento de técnicas jurídicas para que se alcance esse objetivo. Como

demonstrado anteriormente, a extração da ratio decidendi, obiter dictum e

distinguishing, é uma questão de sobrevivência da boa técnica jurídica processual

que recai sobre a argumentação jurídica, importantíssima em tempos que se utiliza e

valoriza o direito jurisprudencial, após a largada – não histórica, mas usual, do

Código de Processo Civil de 2015.

Superadas essas considerações iniciais, segundo Atienza (apud NUNES;

VIANA, 2018, p. 343) ninguém duvida de que a prática jurídica consista em

argumentar. Existem inúmeras teorias que versam sobre a argumentação jurídica, e

Page 52: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

52

o objetivo do estudo não é o esgotamento de nenhuma delas, porém, são

necessários alguns enfrentamentos sobre a teoria da argumentação para que se

chegue ao âmago desta obra, qual seja, o ônus argumentativo que recai sobre o

advogado.

Na visão Habermasiana (apud NUNES; VIANA 2018, p. 347) sobre a teoria da

argumentação, tem-se:

[...] apresenta o seu princípio da universalização, e a ideia de generalizabilidade se apoia numa situação ideal de fala, que pode ser sintetizada por uma abstração com as seguintes características: não há nenhum tipo de coação interna ou externa; todos os potenciais participantes do discurso têm direitos iguais; todos devem ter direito a realizar interpretações, explicações, problematizações, contestações; só são admitidos agentes com as mesmas condições de utilizar atos de fala; e, por fim, todos os falantes devem ter as mesmas possibilidades de usar atos de fala regulativos.

A partir do pensamento de Habermas, Alexy (apud, NUNES; VIANA, 2018, p. 351)

formula críticas e propõe uma releitura da teoria da argumentação que consiste em

afirmar que a proposta de Habermas só pode ser alcançada de modo aproximado e

para tanto, aduz:

Em geral, a observância do precedente é obrigatória. O desvio deve ser a exceção. Uma mera cognição melhor ou uma mera razão melhor não é suficiente para isso. Razões que “claramente pesam mais” são necessárias, e “razões absolutamente convincentes” são mais favoráveis para o tribunal. Isso equivale à regra: quem quer que se afaste de um precedente carrega o ônus do argumento.

Com efeito, na visão de Alexy, no processo de decisão do juiz, ainda há

espaço para o protagonismo judicial, que se verifica pela inesquecível teoria da

ponderação dos princípios. Ocorre que, a aceitação dessa ordem, incorre em

perspectiva diversa daquela trazida pelo Código de Processo Civil de 2015, no que

diz respeito ao pronunciamento judicial que pode trazer disfarces quanto ao

protagonismo judicial, já superado em tempos contemporâneos.

Anote-se a denúncia que se faz às decisões com aplicação da lei por

subsunção, e que entender o ônus argumentativo no sistema jurídico que permite

decisões com base em precedentes, é admitir um sistema revisional racional dos

pronunciamentos judiciais, pois, ao contrário, negando a carga argumentativa

suscitada pelas partes – advogado é saquear a própria racionalização do processo e

Page 53: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

53

inserção de um ambiente infértil para discussão, com estrita valorização do princípio

da inércia, em que as decisões – sentenças ou acórdãos, devem permanecer como

estão (o padrão decisório) simplesmente porque há necessidade de padronização

da Jurisprudência

Page 54: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

COSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio de uma leitura constitucional do processo comparticipativo foi

possível perceber o papel que desenvolve o advogado em tempos de vigência do

Código de Processo Civil de 2015, concebida como uma mudança paradigmática. A

respeito do tema, importa ressaltar os caminhos e percepções que as teorias

estruturantes do direito propuseram.

Ao passo que se discutiu sobre os períodos antecedentes à Revolução

Francesa e o rompimento do Estado Absolutista para o Estado Liberal, foi possível

observar que o positivismo jurídico naquela quadra histórica teve um cenário frutífero

de nascimento, uma vez que a lei foi entendida como garantia contra os arbítrios do

Estado, anteriormente, Absolutista.

Contudo, de forma a sintetizar os períodos que se seguem na jornada

histórica, muitos teóricos se depararam com a problemática da indeterminação do

direito, de maneira que serviu de esteio para que mais problemas em relação à

decisão judicial surgissem, como exemplo, decisões conflitantes ou mesmo decisões

solipsistas e que aplicavam a técnica de decidir de forma subsuntiva ou silogística.

Ter-se, então, como cenário de fundo, fé na legislação em relação ao

desenvolvimento de uma solução justa frente aos casos, não foi suficiente para

resolver a questão da aplicação silogística da norma.

Encarar o direito com base em orientação teórica positivista, centrada em

protagonismo da lei ou como foi no caso da Escola da Exegese Francesa, que

atribuiu ao juiz o preenchimento das indeterminações legais, não enfrenta com

louvor nessa quadra histórica, as dificuldades de uma diversidade de atribuição de

sentido à norma, tal qual como se dá hoje no Brasil.

Page 55: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

55

Compreendidas as bases que se assentaram a edificação do direito positivo,

das quais o Brasil faz parte em sua arquitetura jurídica, passou-se a análise do

instituto do precedente judicial, tanto na sua forma genuína, quanto no seu modelo

implantado pelo Código de Processo Civil de 2015.

O cenário de investigação do sistema de precedentes é bastante caloroso.

Por mais que haja críticas ao contrário, o Código de Processo Civil de 2015

sistematizou o uso do direito jurisprudencial, na medida em que casos passados têm

influência na decisão dos casos futuros.

Por essa razão, em que se apresenta a sistemática do direito jurisprudencial

no Brasil, conclui-se pela mudança de postura do advogado, no sentido de ser

guardião das técnicas-jurídicas que serão reproduzidas ao longo de todo o processo

judicial. É sua tarefa, na medida de sua responsabilidade estar atendo aos padrões

decisórios, quando em conformidade com as situações fáticas do seu caso e

amoldar sua carga argumentativa par obter um provimento jurisdicional efetivo que

atenda aspectos de coerência e integridade do direito tal qual é a menção do art.

926 do Código de Processo Civil de 2015.

Desta feita, o ônus argumentativo surge como o dever do advogado em fazer

surgir suas teses jurídicas capazes de romper o princípio da inércia do judiciário em

relação à manutenção do estado de coisas. É mais do que argumentar, é criar um

ambiente de discussão no iter processual, haja vista a racionalização do processo de

decisão para a consolidação efetiva de um sistema de precedentes.

Nesta medida, pensar num sistema de precedentes só é possível quando o

cenário for a democracia. É dizer, de forma que é necessária a extração da razão de

decidir, para que seja então, ou aplicado o entendimento igual, ou por meio da

distinção, afastar sua incidência, apenas se mantém quando há apresentação de

todas as partes – e aqui inclui o ônus do advogado, para provimento jurisdicional

suficientemente fundamentado, e que tenha carga argumentativa com qualidade

para que se possa conceder estabilidade nas decisões, superando a velha e

conhecida, “O que é isso? Decido conforme minha consciência”.

Page 56: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

REFERÊNCIAS

_______ (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituição/constituição.html>. Brasília, DF, Senado Federal, 1988. Acesso em: 02 nov. 2018.

_______ (2015). Codigo de processo civil de 2015.. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20152018/2015/Lei/L13105.htm#art1045>Brasília,16 de março de 2015. Acesso em 11 out 2018.

ABBOUD, Georges. Processo Constitucional Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil. CARDOSO, Antonio Pessoa. Desembargo de Paço era o tribunal supremo do Reino Português. 2008. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2008-abr-29/desembargo_paco_tribunal_supremo_portugues.> Acesso em: 12 nov. 2018. DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins fontes, 2009. FERRI, Caroline Ferraz. Teoria da Integridade: Uma abordagem da sistematização de Ronald Dworkin. Âmbito jurídico. Disponível em : <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=13123%3E> Acesso em: 10 nov. 2018. JUNIOR, Janeti Hermes. A constitucionalização do Processo: a virada do paradigma racional e político no processo civil brasileiro do estado democrático constitucional. 2005. 408 folhas. Tese de doutorado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Setembro de 2005. Disponível em: <https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/4525/000502097.pdf>. Acesso em: 13 out 2018. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo. Martins Fontes. 1998. LIRA, Cláudio Rogério Sousa; HOMMERDING, Adalberto Narciso. A teoria do como integridade de Ronald Dworkin como condição para a positivação do

Page 57: Modelo - Projeto de Monografia · Monografia apresentada ao curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Professor Francisco Gonçalves Quiles, como

57

direito. Rev. Fac. Dir. Sul de Minas. Pouso Alegre, v- 31, n, 1 p. 97 – 122. Jan/Jun 2010. MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 5. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2016 MOTTA, Francisco José Borges; STRECK, Lenio Luiz. Relendo o debate entre Hart e Dworkin: uma crítica aos positivismos interpretativos. Revista Brasileira de Direito. Passo fundo. V. 14, n, 1, p. 54- 87. Jan/Abr. 2018. Disponível em: < https://seer.imed.edu.br/index.php/revistadedireito/article/view/2451>. Acesso em: 17 out. 2018. NUNES, Dierle; VIANA, Aurélio. Precedentes: A mutação no ônus argumentativo. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2018. SOUZA, Seixas Marcus. Os precedentes na história do direito processual civil brasileiro: Colônia e império. 2014. 195 folhas. Dissertação de mestrado. Universidade Federal da Bahia. Salvador, Maio de 2014. STRECK, Lenio Luiz. Aplicar a “letra da lei” é uma atitude positivista?. Estudos jurídicos. Revista NEJ – Eletrônica, Vol. 15 – n, 1. p. 158 – 173. Janeiro de 2010.