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 1 Modelos de gestão aplicáveis às unidades de conservação do Brasil   SÉRIE  0 2 Diagnóstico Brasil 2015 Modelos de Gestão Aplicáveis às Unidades de Conservação do Brasil

Modelos de Gestão de Unidades de Conservação

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Modelos de gestão para unidades de conservação

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  • 1Modelos de gesto aplicveis s unidades de conservao do Brasil

    SRIE 02DiagnsticoBrasil

    20152015

    Modelos de Gesto Aplicveis s Unidades de Conservao do Brasil

  • O Semeia uma instituio sem fins lucrativos que desde 2011 trabalha pela misso de transformar as reas protegidas em motivo de orgulho para todos os brasileiros. Acreditamos que essas reas podem ser fontes de riqueza para o Brasil, contribuindo para a gerao de oportunidades de lazer, emprego, renda e bem-estar para os brasileiros. A construo de parcerias do setor pblico seja com o setor privado empresarial ou com organizaes da sociedade civil, para aportar novos recursos e ferramentas para a gesto desses espaos, pode ajudar a tornar esse potencial uma realidade.

    A viso do Semeia ser referncia na articulao entre os setores pblico e privado para o desenvolvimento e aplicaes de modelos de gesto inovadores, que valorizem a conservao, o uso pblico e a sociodiversidade no entorno das reas protegidas, com foco em parques. Para isso, desenvolvemos e divulgamos contedo, difundimos melhores prticas, buscamos o engajamento com os setores pblico, privado, com os gestores desses espaos e com a mdia para dar visibilidade nossa causa. Tambm construmos projetos aplicados junto a governos municipais, estaduais e federais, para implementar, na prtica, modelos de gesto que promovam, a partir dessas reas, experincias inovadoras e oportunidades para a populao e para o Pas.

    Para saber mais, consulte: www.semeia.org.br

    Diretoria Executiva:Ana Luisa Da Riva

    Gesto e Produo de Conhecimento:Fernanda AidarCaio DiasGabriel Palladini

    Comunicao e Engajamento:Edilaine de AbreuJoice TolentinoGustavo Nunes

    Administrativo:Lorena AssisEletheia Mendes

    Endereo:Rua Viradouro, 63 Conjunto 122Itaim Bibi, So Paulo, SP CEP: 04538-110E-mail: [email protected]

    Foto capa:Parque Nacional da Serra da Capivara, Piau, Brasil - Carol Da Riva

    Autores desta publicao:Ana Luisa Da Riva (Semeia)Fernanda Aidar (Semeia)Marco Aurlio de Barcelos Silva

    Modelos de gesto aplicveis s unidades de conservao do Brasil / Instituto Semeia. So Paulo: Semeia, 2015. 59 p.

    ISBN: 9788568336021

    1. Meio ambiente. 2. Reservas naturais - Brasil. 3. Poltica ambiental. 4. Conservao da natureza. 5. Unidades de Conservao. 6. Modelos de Gesto. 7. Gesto Pblica. 8. Organizaes Sociais 9. Concesses 10. Parcerias Pblico-Privadas (PPP)

    CDU 504.06(81)

  • Instituto Semeia

    Modelos de Gesto Aplicveis sUnidades de Conservao do Brasil

    Srie Diagnstico Brasil | 02

    1 edio

    So Paulo/SP2015

  • Modelos de gesto aplicveis s unidades de conservao do Brasil4

    Parque Estadual do Cristalino, Mato Grosso, Brasil

    Carol Da Riva

  • sumrioSumrio executivo 6

    Introduo 9

    1. Os modelos de gesto estatais 14

    1.1 As estruturas da Administrao Direta 14

    1.2. As estruturas da administrao indireta 18

    1.2.1. As autarquias e as fundaes pblicas 19

    1.2.2. As empresas pblicas e as sociedades de economia mista 22

    2. Os modelos de gesto no estatais 25

    2.1. Estruturas do terceiro setor 26

    2.1.1. As OS e as OSCIP 26

    2.1.2. As ONG e as entidades privadas colaborativas 31

    2.2. Estruturas do mercado: as concesses 34

    2.2.1. As concesses no prestacionais 34

    2.2.2. As concesses prestacionais 39

    Concluso 46

    Lista de abreviaturas 50

    Referncias 51

    Bibliografia 57

  • Modelos de gesto aplicveis s unidades de conservao do Brasil6

    As Unidades de Conservao, ou UC, so reas especialmente delimitadas em um dado territrio, haja vista as caractersticas dos elementos naturais, culturais ou histricos que elas renem. No Brasil, existe uma legislao destinada a disciplinar a preservao e a conservao1 desses espaos, que reflete a grande preocupao do Poder Pblico com o desenvolvimento,a manuteno dos ecossistemas e a fruio sustentvel das Unidades por toda a coletividade.

    Estimativas apontam para a existncia de mais de 1.800 UC institudas no Pas, incorporadas em todos os nveis de governo: o federal, o estadual e o municipal. Nesses casos, predominam frmulas de gesto que pressupem a atuao do prprio Estado na conduo das atividades da UC, com seus recursos humanos, materiais e financeiros, e com o seu regime jurdico especial.

    A gesto estatal das UC se d, basicamente, por meio da adoo de estruturas como rgos pblicos e autarquias. Tais estruturas carregam consigo, porm, graves limitaes de ordem gerencial, o que tem suscitado, na atualidade, a busca por modelos alternativos para o funcionamento daquelas Unidades.

    No s a escassez de recursos oramentrios, o modelo tradicional de gesto das UC tambm enfrenta desafios relacionados eficincia do gasto dos recursos nelas empregados, alm da efetivao dos objetivos almejados com a sua criao. Para contribuir com esse debate, o Semeia, em conjunto com o autor Marco Aurlio de Barcelos Silva2, apresenta o estudo a seguir, que busca reunir algumas reflexes sobre os modelos institucionais disponveis no Pas para a aplicao em UC, apontando-se algumas das vantagens e desvantagens inerentes a cada modelo identificado, em vista, especialmente, dos contornos dados a eles pela legislao brasileira.

    O texto explora, sob essa tica, frmulas que transcendem as figuras tradicionais representadas pelos rgos e autarquias pblicas, alcanando modelos que

    SumrioExecutivo

  • 7Modelos de gesto aplicveis s unidades de conservao do Brasil

    se encontram, at mesmo, fora da esfera do Estado a exemplo das organizaes da sociedade civil, dos concessionrios e de parceiros privados, no mbito das denominadas Parcerias Pblico-Privadas (PPP).

    Dentre os aspectos utilizados a ttulo de comparao entre os modelos avaliados, ganha destaque a flexibilidade gerencial que cada estrutura apresenta, que pode ser interpretada como um aspecto desejvel e vantajoso das alternativas ante o cenrio de ineficincia e de pouca capacidade de obteno de resultados das polticas tradicionais de conservao das UC do Brasil.

    Ser visto, assim, que as autarquias e os rgos pblicos fruem de pouca plasticidade e de reduzida capacidade de gesto, sendo factvel pensar-se, em relao a eles, no exerccio de atribuies que envolvam definies estratgicas e regulatrias, inclusive para os setores ligados conservao do meio ambiente. De outro lado, ainda no mbito da Administrao Pblica, tambm ser avaliada a figura das empresas pblicas e das sociedades de economia mista que gozam de relativa flexibilidade para a conduo das suas atividades, mas se mantm, ainda, submetidas s limitaes prprias dos rgos pblicos como a licitao e o concurso pblico. Para essas estruturas, poder-se-ia pensar na realizao de atividades econmicas deficitrias e para as quais o mercado ainda no estivesse desenvolvido, cabendo ao Estado desenvolv-las por meio de tais instrumentos.

    Fora da abrangncia estatal, emerge como tendncia a participao de Organizaes No Governamentais (ONG) e Organizaes da Sociedade

    Sumrio Executivo

    Parque Nacional de Itatiaia, Rio de Janeiro, Brasil

    Joo Paulo de Vasconcelos / CC BY 2.0

  • Modelos de gesto aplicveis s unidades de conservao do Brasil8

    Civil de Interesse Pblico (OSCIP), e de empresas privadas orientadas a explorar economicamente empreendimentos pblicos, como o caso das UC. Tais alternativas no estatais trazem, como trao diferencial, a maior flexibilidade para a gesto dos seus negcios, no se submetendo, em regra, aos procedimentos formais tpicos do Poder Pblico. Mesmo em relao a elas, todavia, possvel visualizar desafios e obstculos, a exemplo da fixao de parmetros contratuais mais bem definidos e do estabelecimento de polticas de fomento e de controle mais bem elaboradas para alguns setores, nos quais se encaixam as UC. Especialmente para as PPP, a propsito, ainda se verifica a necessidade de ingresso de novos atores e a consolidao de alguns mercados, como o mercado destinado gesto das prprias Unidades de Conservao.

    Como o estudo demonstrar ao final, na verdade no existe um modelo nico a ser utilizado para as UC do Brasil, permanecendo uma mirade de opes que devem se adequar, em maior ou menor escala, s caractersticas de cada situao concreta que as autoridades responsveis pela gesto das Unidades de Conservao vierem a enfrentar. O texto, nesse caso, tem carter reflexivo e visa a provocar a busca e a avaliao de caminhos distintos para o fortalecimento do Sistema Nacional de Unidades de Conservao (SNUC), garantindo para a sociedade a efetiva conservao dos seus espaos de especial interesse, com equilbrio entre os esforos de preservao, conservao e capacidade de gerao de riquezas.

  • 9Modelos de gesto aplicveis s unidades de conservao do Brasil

    A gesto de bens e servios de interesse da coletividade traduz um desafio crnico para gestores e autoridades pblicas, no s no Brasil, mas ao redor de todo o planeta. Concretizar os objetivos de interesse geral fixados na legislao, entender a dinmica e os diversos anseios da sociedade e incorporar prticas modernas de organizao e mtodos para viabilizar a aplicao eficiente dos recursos pblicos so pautas constantes nos mais variados fruns de debate.

    Haja vista a importncia que o tema apresenta, a busca pelo aprimoramento de modelos de gesto tambm tem sido uma preocupao crescente em relao ao que se denomina, no Brasil, de Unidades de Conservao (UC). Nesse caso, a escassez de recursos, a necessidade de investimentos na manuteno das Unidades, a explorao responsvel do potencial econmico das reas envolvidas e a construo de uma poltica sustentvel de conservao se destacam como os grandes desafios a serem enfrentados.

    O presente estudo tem por objetivo descrever e analisar comparativamente as frmulas e os modelos de gesto aplicveis s UC do Pas, ressaltando os pontos fortes e os pontos fracos de cada alternativa disponvel, assim como os aspectos crticos e os principais obstculos ainda existentes para a sua utilizao. A ideia levar a pblico um documento que auxilie a compreenso e o processo de formulao das polticas pblicas na rea de conservao ambiental, de fcil acesso para estudiosos, membros da sociedade civil organizada e, principalmente, para agentes do governo.

    O texto comea pela identificao do objeto central para o qual o estudo est voltado, isto , o conceito de UC. Em seguida, observa os principais modelos de gesto admitidos na legislao brasileira, que sero apresentados em dois grandes grupos, conforme se reconhea, ou no, a participao direta de entidades pblicas na gesto das Unidades. O primeiro grupo, contendo os modelos de gesto estatais, apontar alternativas que levem em conta a atuao de rgos especializados da

    Introduo

  • Modelos de gesto aplicveis s unidades de conservao do Brasil10

    Administrao Pblica ou entidades da administrao indireta, como as autarquias (a exemplo do ICMBio), as fundaes pblicas, as empresas pblicas e as sociedades de economia mista. O segundo grupo, relativo aos modelos de gesto no estatais, listar as variadas frmulas que se fundam, em ltima instncia, na contratualizao de entidades privadas, sejam as pertencentes ao terceiro setor (como as ONG), sejam as pertencentes ao mercado (com destaque para a adoo de concesses e/ou parcerias pblico-privadas).

    Ao final, tendo-se em vista as peculiaridades de cada estrutura avaliada, e reconhecendo-se a necessidade de se fomentar a busca por iniciativas eficazes para os problemas de gesto das UC, sero sugeridos os melhores caminhos a serem explorados no futuro, com sugesto de boas prticas e identificao de potenciais obstculos a serem ainda superados para a extrao do que h de melhor nos modelos.

    O que uma UC?

    No Brasil e no mundo, possvel listar uma srie de critrios para se delimitar o conceito de uma UC. Entre todos, o aspecto que mais chama ateno envolve a ideia da conservao de um dado espao geogrfico que rene elementos de especial interesse ou relevncia sociedade, relacionados aos atributos naturais, culturais ou histricos ali encontrados, bem como aos benefcios materiais e imateriais que podem ser proporcionados s geraes atuais e futuras. Tomando-se como ilustrao o conceito adotado pela Unio Internacional para a Conservao da Natureza (UICN, em ingls), v-se que:

    Un rea protegida es un espacio geogrfico claramente definido, reconocido, dedicado y manejado, a travs de medios legales u otros medios efectivos, para lograr la conservacin en el largo plazo de la naturaleza con sus servicios ambientales y valores culturales asociados.

    No Brasil, a definio de uma UC obedece a parmetros anlogos, e encontra seu amparo na prpria legislao. De acordo com o inciso I do art. 2 da Lei Federal n 9.985/00 (Lei do SNUC), uma UC o

    espao territorial e seus recursos ambientais, incluindo as guas jurisdicionais, com caractersticas naturais relevantes, legalmente institudo pelo Poder Pblico, com objetivos de conservao e limites definidos, sob regime especial de administrao, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteo. A legislao brasileira amplia a funo social das reas abrangidas para alm da conservao da biodiversidade, pressupondo uma utilizao responsvel dos espaos para se gerarem benefcios que possam ser experimentados tambm pelas geraes futuras. Nesse sentido, a Lei do SNUC prescreve, no inciso I do art. 2, que a conservao da natureza

    o manejo do uso humano da natureza, compreendendo a preservao, a manuteno, a utilizao sustentvel, a restaurao e a recuperao do ambiente natural, para que possa produzir o maior benefcio, em bases sustentveis, s atuais geraes, mantendo seu potencial de satisfazer as necessidades e aspiraes das geraes futuras, e garantindo a sobrevivncia dos seres vivos em geral.

  • 11Modelos de gesto aplicveis s unidades de conservao do Brasil

    Do conceito legal de uma UC no Pas possvel extrair importantes elementos: no importa s o aspecto territorial ou geogrfico, existe ainda a necessidade de valorao das caractersticas naturais referentes rea a ser protegida, com a consequente imposio de regras limitadoras ao seu uso, visando conservao da natureza e compreendendo a manuteno, a utilizao sustentvel e o desenvolvimento das reas consideradas.

    Assim, somente espaos geogrficos relevantes podem ganhar o status de Unidade de Conservao, sendo o Poder Pblico, em ltima anlise, o responsvel por decidir quais reas so ou no relevantes para fins de criao de uma Unidade. Podem existir UC federais, estaduais e municipais, de acordo com a autoridade que tomar a iniciativa de tal deciso, observada a legislao local. Em todo caso, para a constituio da Unidade, exige-se a realizao de estudos tcnicos prvios e consulta pblica junto a potenciais beneficirios ou afetados pela medida, com o intuito de conferir uma mnima racionalizao e legitimao da deciso do rgo competente junto comunidade.

    Ainda segundo a Lei do SNUC, as UC so divididas em dois grandes grupos: o grupo das Unidades de Uso Sustentvel (concebidas com o intuito de compatibilizar a conservao da natureza com o uso sustentvel de parcela dos seus recursos naturais) e o grupo das Unidades de Proteo Integral (que admitem, salvo excees legais, o uso indireto dos respectivos recursos naturais).

    Na maioria dos casos, a criao de uma UC enseja a transferncia do domnio das reas particulares envolvidas para o Poder Pblico mediante desapropriao (que pode ser tanto amigvel quanto judicial)3. Sobre a Unidade deve incidir um regime especial de administrao, o que traduz outro elemento de destaque no conceito fixado na Lei Federal n 9.985/00. Nesse caso, so impostas sensveis restries legais para o uso da UC, tal como a limitao para o exerccio de atividades que impactem o ecossistema ou que prevejam o uso de espcies em extino e levem insero de espcies no autctones. Outras restries so ainda fixadas no principal instrumento de disciplinamento das UC: o seu plano de manejo. No plano de manejo que cada Unidade deve possuir, definido o seu zoneamento e so listadas as normas especficas que orientaro o uso das reas e o manejo dos recursos naturais4. Nesse plano, portanto, sero encontradas as caractersticas especficas e a real dimenso do regime especial de administrao da Unidade, a que faz meno a legislao nacional.

    Categorias de UC inseridas no grupo de Unidades de Proteo Integral:

    Estao Ecolgica;

    Reserva Biolgica;

    Parque Nacional;

    Monumento Natural;

    Refgio de Vida Silvestre.

    Categorias de UC inseridas no grupo de Unidades de Uso Sustentvel:

    rea de Proteo Ambiental;

    rea de Relevante Interesse Ecolgico;

    Florestas;

    Reserva Extrativista;

    Reserva de Fauna;

    Reserva de Desenvolvimento Sustentvel;

    Reserva Particular do Patrimnio Natural.

  • Modelos de gesto aplicveis s unidades de conservao do Brasil12

    Ser em relao a essas unidades especiais, criadas formalmente pelo Poder Pblico (e cujas reas so, em muitos casos, transferidas sua propriedade) e submetidas a um regime especial definido essencialmente no plano de manejo, que se avaliaro os distintos modelos de gesto aplicveis, em conformidade com os parmetros estabelecidos pela legislao.

    Modelos de gesto para as UC

    Sabendo-se que a criao de uma UC, em regra, atrai para o Poder Pblico a responsabilidade pela conservao das reas e dos recursos naturais relacionados, esperado que o tema da gesto desses elementos alimente de modo permanente a preocupao das autoridades pblicas competentes. Neste estudo, entende-se por gesto o conjunto de aes que, reunindo sistematicamente a alocao de recursos financeiros, materiais e humanos, dirige-se realizao de um objetivo ou resultado especificamente definido (no caso: a conservao de reas especiais).

    Para o Poder Pblico, sem dvida, existe um cardpio variado de alternativas cuja adoo poderia ser livremente feita pelos governantes com o intuito de melhor ajust-las s especificidades de uma situao concreta. No Brasil, tais alternativas ou modelos de gesto so encontrados na prpria legislao, que define os contornos e a arquitetura apresentados por cada opo.

    De forma bastante simples e para o contexto deste estudo, pode-se dizer que os modelos de gesto admitidos para uma UC estariam divididos, num primeiro momento, em dois grandes grupos: os modelos de gesto estatais e os modelos de gesto no estatais. Um e outro se diferenciariam na medida em que se identificasse, ou no, a participao direta de entes da Administrao Pblica nas atividades gerenciais do empreendimento. Cada um desses dois grandes grupos ainda traria subdivises, que poderiam ser ilustradas, de maneira tambm bastante simplificada, na figura a seguir:

    No Prestacionais

    Prestacionais

    Modelos de Gesto No Estatais

    OS e OSCIP

    Estruturas doTerceiro Setor

    ONG e entidadesprivadas colaborativas

    Concesses

    Modelos de Gesto Estatais

    rgos da Administrao Direta

    Entidades da AdministraoIndireta

    Autarquias

    Fundaes Pblicas

    Empresas Pblicas

    Sociedades deEconomia Mista

    Figura 1: Modelos de Gesto Estatais e No Estatais

  • 13Modelos de gesto aplicveis s unidades de conservao do Brasil

    Os itens subsequentes cuidaro de aprofundar, uma a uma, as opes dis-ponveis na lei para a gesto das UC. Em especial, buscar-se- apontar, tanto quanto possvel, os aspectos vantajosos e desvantajosos especficos a:

    responsabilidade pelos investimentos na UC; administrao de riscos relacionados gesto da UC; eficincia na gesto da UC; controle de resultados e fiscalizao.

  • Modelos de gesto aplicveis s unidades de conservao do Brasil14

    1. Os modelos de gesto estatais

    Os modelos de gesto estatais guardam forte ligao com as estruturas inseridas dentro do conceito de Administrao Pblica no Brasil. Sinteticamente, pode-se afirmar que a Administrao Pblica diz respeito ao conjunto de rgos e entidades criados pela lei, submetidos a um regime jurdico especial e voltados para a prestao de servios ou a execuo de atividades de interesse pblico. No h dvidas de que esse corresponde a um enunciado bastante simples para explicitar toda a dimenso e a complexidade que esto por trs da organizao e das tarefas relacionadas Administrao Pblica, mas ele ajuda a identificar alguns quesitos relevantes para a anlise pretendida no estudo. Por exemplo, j se pode perceber que, tratando-se de modelos de gesto estatais, h alternativas que circulam ao redor de diferentes estruturas organizacionais (os prprios rgos e as entidades integrantes da Administrao Pblica), as quais esto submetidas, em regra, a um regime jurdico especial (o regime jurdico de direito pblico).

    Como ser visto mais adiante, esse regime jurdico especial que dar, tanto aos rgos quanto s entidades da Administrao, as prerrogativas e as sujeies que caracterizaro a sua arquitetura e condicionaro o seu modo de atuar. Investigar tal regime auxiliar, assim, o processo de diferenciao dos modelos que melhor podero ser empregados nas UC do Brasil.

    1.1. As estruturas da Administrao DiretaA fim de que se deixem claras as definies utilizadas neste documento, importante revisitar, ainda que brevemente, a distino feita no Pas entre a Administrao Pblica Direta e a Administrao Pblica Indireta. Antes de ser uma abordagem meramente acadmica, tal diferenciao consta hoje do prprio texto da Constituio Federal5, mostrando que estruturas de dentro da prpria Administrao Pblica podem estar sujeitas a regras diferenciadas. Para se ter uma primeira imagem dos elementos inseridos em um e outro conceito, vale observar a ilustrao a seguir:

  • 15Modelos de gesto aplicveis s unidades de conservao do Brasil

    Figura 2: Estruturas da Administrao Pblica

    Com efeito, no mbito da assim chamada Administrao Direta, encontram-se os entes polticos (Unio, Estados e Municpios), com os numerosos rgos em que estariam divididos internamente. O sujeito de direitos (a pessoa jurdica), nesses casos, no seriam os rgos, em si, mas os respectivos entes polticos aos quais eles estariam atrelados. Essa constatao leva a vrios desdobramentos, como o tratamento das questes vinculadas responsabilizao civil. Por exemplo: o municpio de Cuiab seria um ente poltico e a sua Secretaria de Sade um rgo pblico. Diz-se que quem responde por danos causados a terceiros no o rgo (Secretaria de Sade), mas a pessoa jurdica em que ele est inserido (municpio de Cuiab). De toda forma, o mais importante aqui ter em mente que, ao se falar em Administrao Direta, est a se considerar um modelo de gesto com foco em departamentos ou subdivises pertencentes prpria Unio, aos estados federados ou a um dentre os milhares de municpios do Brasil.

    De outro lado, relativamente Administrao Indireta, ela transcende a figura dos rgos internos dos entes polticos, atingindo entidades autnomas criadas ou autorizadas por lei, com capacidade administrativa e, muitas vezes, oramentos prprios, aptas a assumir tarefas tipicamente desempenhadas pelos rgos da Administrao Direta a elas repassadas por fora da lei. Tais entidades esto submetidas, em alguns casos, a regramentos quase idnticos aos dos entes estatais destacando-se a necessidade de observarem princpios como os da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficincia6.

    Optar pela criao de um rgo da prpria Unio para executar uma atividade de interesse pblico, ainda assim, pode trazer como efeito uma relativa perda de autonomia gerencial comparativamente utilizao de entidades da Administrao Indireta em face, por exemplo, da prpria autonomia e da especializao que essas ltimas detm. Sendo criadas, em rigor, para isso, essas entidades reuniriam melhores condies de aplicar toda a sua estrutura e os seus recursos para as tarefas que viessem a assumir.

    Unio e seusrgos

    (Ministrios)

    EstadosFederados eseus rgos(Secretarias)

    Municpios e seusrgos

    (Secretarias)

    AutarquiasFundaesPblicas

    EmpresasPblicas

    Sociedadesde Economia

    Mista

    AdministraoDireta

    AdministraoIndireta

    Administrao Pblica

  • Modelos de gesto aplicveis s unidades de conservao do Brasil16

    Em todo caso, a opo que priorizasse o uso de rgos da Administrao Direta no mereceria, ainda assim, ser descartada. Esse modelo continua tendo grande valor nas hipteses em que est em jogo a necessidade de coeso das estruturas e agentes envolvidos, inclusive sob o aspecto poltico, e ainda, quando se deva trabalhar num cenrio de maior controle e/ou maior capacidade de interveno da autoridade governamental central. No por outra razo que h, no Brasil, uma abundncia de rgos da Administrao Direta, destinados, por exemplo, definio de polticas pblicas setoriais como o prprio Ministrio do Meio Ambiente (MMA)7.

    So exemplos de rgos da Administrao Direta: o Ministrio do Meio Ambiente (MMA) no plano Federal e as Secretarias de Meio Ambiente nos nveis estaduais e municipais.

    Conceber e fixar diretrizes e polticas setoriais seriam, ento, tarefas para as quais os rgos da Administrao Direta pareceriam estar naturalmente vocacionados. Atividades operacionais de gesto (a includa a gesto das UC), com a complexidade e a dinmica que lhes so inerentes, encontrariam maior dificuldade para girar dentro de um rgo que mais engessado, que est sujeito a grandes custos de transao para a execuo das suas tarefas mais rotineiras8, que padece de uma poltica enrijecida de recursos humanos9 e que tem de distribuir esforos e recursos entre vrias prioridades, competindo, ainda, com as prioridades de tantos outros rgos estatais.

    Vale ressaltar que, nesse contexto, custos de transao so os custos que os agentes enfrentam quando recorrem ao mercado para adquirir equipamentos, insumos, servios, ou quando estabelecem uma interface com outro agente. Esses custos envolvem, por exemplo, custos de negociar, redigir e garantir o cumprimento de um contrato, formal ou informal.

    Para melhor ilustrar os aspectos pertencentes aos rgos da Administrao Direta que mais repercutem para a anlise objeto deste estudo, vale observar o quadro sinttico abaixo, que tem como pano de fundo a gesto de uma Unidade de Conservao.

  • 17Modelos de gesto aplicveis s unidades de conservao do Brasil

    ESTRUTURAS DA ADMINISTRAO DIRETArgos Pblicos

    Responsabilidade pelos investimentos na UC

    Do prprio Poder Pblico

    So necessrios recursos pblicos disponveis up front para fazer frente aos investimentos nas UC existentes e em eventuais novas UC.

    Eficincia na gesto da UC

    Perfil dos funcionrios

    Pouco otimizada

    Regime especial (servidores pblicos estatutrios)

    Os servidores que integram os quadros de um rgo pblico so, em regra, recrutados mediante concurso pblico (o qual nem sempre privilegia a experincia especfica pretrita dos candidatos na realizao de tarefas vinculadas gesto de UC). Tais servidores submetem-se a um regime especial (estatutrio), que no se enquadra ao da CLT. Eles gozam de maiores prerrogativas, como a estabilidade na carreira.

    O regime jurdico de direito pblico e as limitaes que ele impe, como a licitao prvia aos contratos e o concurso pblico para o recrutamento de pessoal, acarretam custos de transao mais altos para os rgos pblicos vis--vis opes que levem em conta alternativas de mercado.

    Riscos so administrados pelo prprio Poder Pblico, na condio de gestor, independentemente da capacidade de mitig-los.

    Pouco racionalizada10

    Administrao de riscos

    Controle de resultados e fiscalizao

    Pouco otimizado

    Ainda no h, na prxis administrativa brasileira, uma poltica de controle de resultados consolidada dentro do prprio Poder Pblico. Existem, no entanto, ferramentas que podem ser adotadas para melhor-la.

    Proximidade com a autoridade central governamental, controle hierrquico sobre agentes e rgos subordinados, capacidade para o exerccio de poderes pblicos como a polcia administrativa e a fiscalizao.

    Contras

    Grande ingerncia poltica da autoridade governamental, dependncia do oramento central e das disponibilidades financeiras existentes, imposio de fortes limitaes para a contratao de bens e para recrutamento/poltica de pessoal.

    Prs

    ITENS DE ANLISE DESCRIO/AVALIAO OBSERVAES

    Legislao de Referncia

    No h uma legislao especfica que discipline o regime dos rgos da Administrao Direta. Suas caractersticas so definidas, grosso modo, no texto da Constituio Federal e nas leis que criam cada rgo em si.

  • Modelos de gesto aplicveis s unidades de conservao do Brasil18

    1.2. As estruturas da Administrao IndiretaNa Administrao Pblica Indireta j se antecipou que as entidades que a integram gozariam de maior autonomia administrativa, tendo condies de se especializarem nos assuntos que assumissem no mbito de sua competncia. A mecnica gerencial vinculada concepo dessas estruturas organizacionais parece, assim, bem simples: dividir trabalhos e especializar funes.

    Na legislao brasileira, compem a Administrao Indireta quatro diferentes tipos de pessoas jurdicas: as autarquias, as fundaes pblicas, as empresas pblicas e as sociedades de economia mista todas j referidas anteriormente11. Tais entidades ainda podem ser categorizadas em dois grupos menores, tomando-se por referncia a incidncia, sobre elas, de normas prprias do regime jurdico de direito pblico. Essa diviso apresentada na ilustrao a seguir:

    Muito embora estejam includas no conceito de Administrao Pblica Indireta, nem todas as entidades compartilham do mesmo regime jurdico sendo essa, talvez, a principal diferena entre elas.

    A presena do regime de direito pblico (prprio dos rgos da Administrao Direta) reflete, de um lado, a existncia de prerrogativas e sujeies muito especiais para as autarquias e fundaes pblicas (com destaque para regras mais rgidas de contabilidade e oramentao, remunerao de funcionrios, publicidade de informaes); e, de outro lado, implica a titularidade de poderes (como o de fiscalizao, aplicao de sanes e o poder de polcia).

    Na verdade, porm, mesmo para as empresas estatais (a includas as empresas pblicas e as sociedades de economia mista), que estariam submetidas ao outro regime o de direito privado no haveria plena equivalncia com a sistemtica das empresas privadas em geral, j que alguns resqucios do regime de direito pblico continuariam a influenci-las.

    Sob esse panorama, vale sem dvida aprofundar esses e outros pontos de relevo, comeando-se, todavia, pelo enquadramento das autarquias e das fundaes pblicas, e pela avaliao de como elas poderiam figurar como uma alternativa de gesto desejvel para as UC do Pas.

    AutarquiasFundaesPblicas

    EmpresasPblicas

    Sociedadesde Economia

    Mista

    Regime Jurdico de Direito Pblico

    Regime Jurdico de Direito Privado

    Figura 3: Estruturas da Administrao Pblica Indireta

  • 19Modelos de gesto aplicveis s unidades de conservao do Brasil

    1.2.1. As autarquias e as fundaes pblicasNa doutrina jurdica especializada brasileira, existe controvrsia sobre a natureza e as peculiaridades que permitiriam distinguir entre as figuras das autarquias e as das fundaes pblicas. O detalhamento dessas discusses fugiria, evidentemente, dos propsitos e dos limites do presente estudo. Vale deixar registrado, ainda assim, o fato de as fundaes pblicas tanto poderem assumir o regime jurdico de direito pblico (hiptese em que guardariam estreita semelhana com as autarquias, ao ponto de alguns autores as apelidarem de fundaes autrquicas), quanto de direito privado (hiptese em que seu regime, grosso modo, seria assemelhvel ao de uma empresa pblica). Para os fins desta seo, ser avaliado o regime das fundaes pblicas de direito pblico, que viro colocadas no mesmo patamar das autarquias.

    So exemplos de fundaes de direito pblico federais: a Fundao Nacional do ndio (Funai), a Fundao Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Fundao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE).

    Na realidade nacional, as autarquias desempenham uma infinidade de funes. Por fora do regime a que esto submetidas, o qual lhes d importantes prerrogativas, muitas das autarquias so criadas para executar atividades fiscalizatrias e regulatrias como o caso das agncias reguladoras e do Banco Central, no plano federal. Os autores, genericamente, costumam se referir a essas entidades como servios pblicos personificados, enfatizando que, alm da fiscalizao e da polcia administrativa, elas tambm poderiam assumir a responsabilidade pela prestao de servios de interesse pblico.

    So exemplos de autarquias intimamente ligadas ao exerccio de atividades regulatrias e fiscalizatrias: as agncias reguladoras, como a ANEEL e a ANATEL, o Banco Central e o INMETRO. So exemplos de autarquias que prestam servios pblicos: os denominados servios autnomos de gua e esgoto em alguns municpios, a exemplo dos SAAE de Guarulhos, Sorocaba e So Carlos, no Estado de So Paulo.

    Sob essa tica, tratando-se da gesto de UC, nada impediria que uma autarquia fosse implantada para o exerccio dessa especfica tarefa ou, ainda, desempenhasse a fiscalizao da conservao eventualmente realizada por terceiros. Perceba, a propsito, que essa foi a opo utilizada pela Unio, ao criar, em 2007, o Instituto Chico Mendes de Conservao da Biodiversidade (ICMBio).

    De acordo com a Lei Federal n 11.516/07, o ICMBio, autarquia federal dotada de personalidade jurdica de direito pblico, autonomia administrativa e financeira, e vinculada ao Ministrio do Meio Ambiente, tem por finalidade, dentre outras: executar aes da poltica nacional de Unidades de Conservao da natureza, referentes s atribuies federais relativas proposio, implantao, gesto, proteo, fiscalizao e monitoramento das Unidades de Conservao institudas pela Unio e exercer o poder de polcia ambiental para a proteo das Unidades de Conservao institudas pela Unio.

    No quesito relacionado gesto, as autarquias refletem um sensvel avano em comparao ao modelo que privilegia o emprego de rgos da Administrao Direta. Dentre as vantagens dessa alternativa, destaca-se

  • Modelos de gesto aplicveis s unidades de conservao do Brasil20

    a autonomizao administrativa dos servios, a permitir o enfoque maior da estrutura organizacional sobre o funcionamento do empreendimento. Nesse caso, a viso estratgica da entidade poderia estar exclusivamente centrada na criao e no funcionamento das UC, sendo dedicados recursos e mo de obra especializada para o atendimento das exigncias dos servios correlatos. Como resultado, ainda assim, do regime jurdico de direito pblico a que esto sujeitas tanto as autarquias quanto as fundaes pblicas, no seria despropositado questionar a opo que as considerasse para a gesto de UC e outros empreendimentos, sabendo-se que, tal qual os rgos estatais, uma e outra padecem de sensvel enrijecimento, maiores custos de transao e baixa eficincia operacional.

    O quadro a seguir sintetiza alguns dos pontos crticos referentes s entidades estatais citadas, tendo novamente como pano de fundo a gesto de UC:

  • 21Modelos de gesto aplicveis s unidades de conservao do Brasil

    ESTRUTURAS DA ADMINISTRAO INDIRETAAutarquias e Fundaes Pblicas

    Do prprio Poder Pblico (por meio das autarquias ou

    fundaes pblicas)

    So necessrios recursos pblicos dis-ponveis up front para fazer frente aos in-vestimentos nas UC existentes e em even-tuais novas UC.

    Pouco otimizada

    Regime especial (servidores pblicos estatutrios)

    Prevalncia de limitaes para a contratao de bens, concorrncia por verbas do oramento do governo central (s vezes com maior grau de prioridade, como as vinculadas sade) e enrijecimento da poltica de recursos humanos.

    Os servidores que integram os quadros de uma autarquia e de uma fundao pblica tambm so, em regra, recrutados mediante concurso pblico (que no necessariamente est focado na experincia especfica pretrita dos candidatos na realizao de tarefas vinculadas gesto de UC). Alm disso, em razo de entendimento jurisprudencial recente12, eles devem estar submetidos ao regime estatutrio, que no se enquadra ao da CLT. Tais servidores, assim, gozam de maiores prerrogativas, como a estabilidade na carreira.

    O regime jurdico de direito pblico e as limitaes que ele impe, como a licitao prvia aos contratos e o concurso pblico para recrutamento de pessoal, impem custos de transao mais altos para as autarquias e fundaes pblicas vis--vis opes que levem em conta alternativas de mercado.

    Os riscos de gesto so administrados pelo prprio Poder Pblico (por meio das autarquias ou fundaes pblicas), sem maiores ponderaes sobre a capacidade que as entidades envolvidas teriam de mitig-los.

    Pouco racionalizada

    Pouco otimizado

    Ainda no h, na prxis administrativa brasileira, uma poltica de controle de resultados de gesto consolidada internamente no Poder Pblico, mesmo nas autarquias e nas fundaes pblicas. H, no entanto, ferramentas que podem ser adotadas para melhor-la, a exemplo da fixao de metas de desempenho para as entidades e remunerao varivel para os respectivos funcionrios.

    Especializao e maior autonomia frente administrao central. Possibilidade do exerccio de poderes pblicos, como polcia, regulao e fiscalizao.

    Constituio Federal, art. 37, inciso XIXDecreto-Lei n 200/67

    ITENS DE ANLISE DESCRIO/AVALIAO OBSERVAES

    IbamaICMBio

    Responsabilidade pelos investimentos na UC

    Eficincia na gesto da UC

    Perfil dos funcionrios

    Administrao de riscos

    Controle de resultados e fiscalizao

    Contras

    Prs

    Legislao de Referncia

    Exemplos

  • Modelos de gesto aplicveis s unidades de conservao do Brasil22

    1.2.2. As empresas pblicas e as sociedades de economia mistaEmpresas pblicas e sociedades de economia mista compartilham muitas caractersticas em comum no Brasil o que favorece o seu estudo em conjunto neste subitem13. Um dos aspectos a ser destacado, nesse sentido, a submisso de uma e de outra ao regime jurdico de direito privado, o que deveria significar, primeira vista, maior flexibilidade dessas empresas frente s demais estruturas at ento analisadas14. Outro atributo tambm comum a ambas as entidades a vocao que teriam para a prestao de servios pblicos ou a explorao de atividades econmicas15.

    Na experincia brasileira, as empresas estatais foram uma alternativa bastante utilizada pelo Poder Pblico, em especial durante a dcada de 70, avanando em diferentes setores da economia desde o mercado de telecomunicaes at a prestao de servios financeiros e gozando de grande plasticidade. Foi a Constituio de 1988, efetivamente, que acabou por restringir o regime de tais entidades16, impondo-lhes a submisso aos princpios gerais da Administrao Pblica (legalidade, impessoalidade etc.)17 e sujeitando-as a algumas regras emblemticas do direito pblico, como a obrigatoriedade de realizao de licitao prvia aos contratos celebrados18, bem como de concurso para o recrutamento da sua mo de obra19.

    So exemplos de empresas pblicas no mbito da Unio: a Caixa Econmica Federal e a Empresa Pblica de Correios e Telgrafos (Correios). Tambm no plano federal, so exemplos de sociedades de economia mista o Banco do Brasil e a Petrobrs.

    Em vista desse cenrio, estruturado pela Constituio, no mais se poderia afirmar que as empresas pblicas e as sociedades de economia mista estariam submetidas, de modo puro, ao regime jurdico caracterstico das empresas privadas, nem que teriam, de outro lado, o mesmo regime dos rgos da Administrao Direta. H, na realidade, uma situao hbrida pairando sobre elas: se, de um lado, tais empresas sofreriam sujeies e restries, de outro, elas fruiriam de autonomia administrativa e financeira, gozariam de oramento prprio e poderiam se valer, dentre outras coisas, de uma poltica remuneratria prpria, desvinculada do padro das entidades de direito pblico20. Ainda quanto s regras de licitao, seria admitido que as empresas estatais se utilizassem de um estatuto prprio, contendo normas diferenciadas de seleo e contratao de fornecedores e prestadores de servios21. Por fim, seus empregados, apesar de concursados, no gozariam, em princpio, da estabilidade prpria dos cargos pblicos22.

    Com base nesses atributos e sob a tica gerencial, as empresas pblicas e as sociedades de economia mista traduziriam, em comparao com as autarquias, as fundaes pblicas e os rgos da Administrao Direta, um avano, revelando-se como alternativa mais flexvel a ser considerada entre os modelos de gesto para as UC do Pas.

    Para o Poder Pblico, assim, talvez fosse o caso de avaliar a constituio de uma empresa pblica ou de uma sociedade de economia mista que fosse incumbida da administrao dos bens e da gesto dos servios, bem como da contratao da mo de obra para as UC, recebendo remunerao pela qualidade das aes executadas e pelas metas alcanadas, sob o acompanhamento de uma outra estrutura administrativa (como o ICMBio na esfera federal) mais bem preparada para o exerccio da atividade fiscalizatria

  • 23Modelos de gesto aplicveis s unidades de conservao do Brasil

    e para a definio das metas que aderissem s diretrizes e polticas fixadas pela autoridade governamental central23.

    Esse modelo, ainda assim, no perfeito. As limitaes do direito pblico que permanecem sobre as empresas pblicas e as sociedades de economia mista e a sua sujeio ao dirigismo poltico so fatores que colocam em xeque a otimizao do arranjo. Embora se trate de um desvirtuamento, no raro encontrar, nas estatais, dirigentes pouco familiarizados com as competncias da empresa e sem histrico profissional executivo, alm de quadros inchados de funcionrios e sobrecustos, deixando de lado a ausncia de uma poltica centrada em resultados operacionais ou financeiros.

    O quadro sinttico contendo as caractersticas relevantes das empresas pblicas e das sociedades de economia mista pode ser, para efeito deste estudo, assim retratado:

    ESTRUTURAS DA ADMINISTRAO INDIRETA Empresas Pblicas e Sociedades de Economia Mista

    Responsabilidade pelos investimentos na UC

    Do Poder Pblico (ou do Poder Pblico e dos scios privados, por meio da sua participao nas sociedades de economia mista)

    A no ser que conte com mecanismos de captao de recursos junto ao mercado, fruto, por exemplo, de operaes societrias e do ingresso de capital de scios privados, o Poder Pblico tem de disponibilizar recursos do seu oramento para fazer frente aos investimentos em UC sob a responsabilidade de uma empresa estatal.

    Quando as empresas pblicas e as socie-dades de economia mista assumem um dado empreendimento, costumam chamar para si todos os riscos relacionados. No normal que elas se utilizem de uma teia contratual subjacente em que transfiram a terceiros a realizao de tarefas para as quais eles tenham maiores condies de minimizar a ocorrncia ou mitigar os efeitos dos riscos de insucesso correspon-dentes. Quando tais empresas contratam, na verdade, replicam a lgica estanque de diviso de riscos da Lei de Licitaes e Contratos Administrativos, prpria dos rgos da Administrao Direta.

    Ainda pouco racionalizadaAdministrao de riscos

    ITENS DE ANLISE DESCRIO/AVALIAO OBSERVAES

  • Modelos de gesto aplicveis s unidades de conservao do Brasil24

    Perfil dos funcionriosRegime de mercado

    (empregados celetistas)

    Os funcionrios que integram os quadros das empresas pblicas e das sociedades de economia mista so recrutados, salvo para as posies comissionadas, mediante concurso pblico. Eles se submetem, no entanto, ao regime da CLT, comum ao dos empregados das empresas privadas. Ainda assim, embora a Constituio no lhes tenha conferido o direito estabilidade, existe entendimento jurisprudencial que reconhece limitaes sua demisso, como a obrigatoriedade de motivao do ato demissrio importante dizer, deve ser observado um procedimentalismo mnimo para o seu desligamento das empresas.

    Controle de resultados e fiscalizao

    Pouco otimizado

    Sob a perspectiva de foco em resultados operacionais, ainda no h, na prxis administrativa brasileira, uma poltica de controle efetivamente consolidada no mbito do Poder Pblico, mesmo para as empresas estatais. A lei, no entanto, j prev alguns desses mecanismos, como os contratos de gesto em que so pac-tuadas metas e distribudos incentivos, que valeriam ser explorados.

    Maior especializao, autonomia e flexibilidade em relao aos demais modelos de gesto estatais, especialmente no que toca a poltica salarial dos funcionrios, que pode se desvincular dos padres e dos limites remuneratrios dos rgos da Administrao Direta.

    Contras

    Prevalncia de algumas limitaes do regime administrativo para a contratao de bens e recrutamento de pessoal.

    Prs

    Legislao de Referncia

    Constituio Federal, art. 37, incisos XIX e XXDecreto-Lei n 200/67

    Eficincia na gesto da UC

    Ainda pouco otimizada

    O regime jurdico hbrido e as limitaes que ele tambm impe, como a licitao prvia aos contratos e o concurso pblico para recrutamento de pessoal, trazem custos de transao altos para as empresas estatais vis--vis a atuao de empresas privadas. A despeito da maior flexibilidade de que gozam, as empresas pblicas e as sociedades de economia mista ainda costumam ser menos eficientes que as suas concorrentes no mercado.

  • 25Modelos de gesto aplicveis s unidades de conservao do Brasil

    Ao redor do mundo, ideias alternativas sobre a prestao e a gesto de servios de interesse pblico tm sido fortemente debatidas e progressivamente aplicadas pela Administrao Pblica. De maneira geral, percebe-se um esforo orientado para a construo de tcnicas mais flexveis, inspiradas, em grande medida, por prticas de gesto consolidadas no dia a dia operacional de organizaes do setor privado. Sob esse cenrio, ganham especial relevo a figura do contrato (que o mecanismo sobre o qual muitas das novas ideias tm sido concebidas) e o princpio da eficincia (que tem sempre acompanhado as justificativas para as mudanas at ento propostas).

    Por meio do contrato, o Poder Pblico se vale da participao de entidades que esto fora da sua estrutura organizacional, para a execuo de atividades predeterminadas. O vnculo constitudo no hierrquico, e o Estado compra servios, ao invs de imp-los ou de ele mesmo execut-los.

    O uso de contratos pela Administrao Pblica, todavia, no , em si, o grande aspecto inovador por trs das mudanas observadas atualmente. O que h de novo a sofisticao das estruturas negociais empregadas, que contemplam um conjunto de atribuies complexas e ordenadas de maneira sistmica: por alm de tarefas acessrias ou isoladas (como a construo, apenas, de uma ponte ou o fornecimento, apenas, de equipamentos), as organizaes contratadas tm assumido o nus de prover solues integrais para problemas do Poder Pblico, levando consolidao do que se pode entender como contratos de gesto pblica ou contratos de gesto de empreendimentos pblicos. Variadas razes auxiliam a compreender o porqu do fenmeno da contratualizao da gesto pblica no Brasil e no mundo. Entre outras, merecem destaque: i) o fato de as organizaes contratadas encontrarem maiores incentivos sua especializao e atuao eficiente j que disso pode depender a sua sobrevivncia no mercado;

    2. Os modelos de gesto no estatais

  • Modelos de gesto aplicveis s unidades de conservao do Brasil26

    ii) a individualizao e a predeterminao (customizao) das obrigaes e dos riscos transferidos a tais organizaes contratadas;

    iii) a liberdade metodolgica e a maior flexibilidade que elas detm at mesmo por fora do regime jurdico (de direito privado) a que esto submetidas. Nos subitens a seguir, sero apresentados os tipos jurdicos por meio dos quais se tem desenvolvido, basicamente, a experincia da gesto de empreendimentos pblicos por contratos no Pas.

    2.1. Estruturas do terceiro setorChama-se de terceiro setor o conjunto de entidades que, sem fins lucrativos, engajam-se na execuo de servios de interesse ou de utilidade pblica, os quais costumam estar alocados sob a responsabilidade do Estado. no terceiro setor que atuam as assim genericamente denominadas organizaes no governamentais (ONG) e/ou entidades da sociedade civil organizada.

    2.1.1. As OS e as OSCIPA legislao, no Brasil, conferiu um status jurdico bem prprio a algumas dessas organizaes, prevendo a possibilidade de elas receberem, em certas hipteses, uma qualificao especial. As organizaes sociais (OS)24 e as organizaes da sociedade civil de interesse pblico (OSCIP)25 so, portanto, isto: uma qualificao atribuda pelo Poder Pblico a entidades privadas sem fins lucrativos (associaes ou fundaes privadas) que mostrem ter preenchido os requisitos da lei26, passando a estar aptas a receber recursos pblicos para a realizao das suas atividades.

    Tanto as OSCIP quanto as OS foram concebidas na dcada de 90, sob o contexto da reforma administrativa que ensejou a Emenda Constitucional n 19/98. Segundo o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, poca elaborado pelo Governo Federal, e que serviu de guia para muitas das alteraes sugeridas na legislao nacional,

    o Projeto das Organizaes Sociais tem como objetivo permitir a descentralizao de atividades no setor de prestao de servios no exclusivos, nos quais no existe o exerccio do poder de Estado, a partir do pressuposto que esses servios sero mais eficientemente realizados se, mantendo o financiamento do Estado, forem realizados pelo setor pblico no estatal.27

    As justificativas para a instituio desse modelo esto claramente vinculadas ao discurso da eficientizao dos servios pblicos. E a principal caracterstica das organizaes do terceiro setor, que tanto as aproximaria do iderio da eficincia, a ainda maior flexibilidade operacional de que elas gozariam, fruto do regime jurdico de direito privado ao qual estariam, pelo menos em tese, submetidas.

    De acordo com o que estabelece a Lei Federal n 9.637/98, uma OS seria constituda para desenvolver atividades dirigidas ao ensino, pesquisa cientfica, ao desenvolvimento tecnolgico, proteo e preservao do meio ambiente, cultura e sade28. Uma OSCIP, por sua vez, teria um universo de atuao mais abrangente, podendo se incumbir, nos termos da Lei Federal n 9.790/99, de atividades relacionadas desde a assistncia social e a promoo do voluntariado, at a defesa, preservao e conservao do meio ambiente e a promoo do desenvolvimento sustentvel29.

  • 27Modelos de gesto aplicveis s unidades de conservao do Brasil

    So exemplos de OSCIP que atuam na temtica das Unidades de Conservao: a Fundao do Homem Americano30 e a Associao dos Amigos do Parque Nacional da Tijuca31.

    Sem dvida, uma e outra figura guardam significativas semelhanas entre si. Elas so, conforme j visto, uma qualificao atribuda pelo Poder Pblico a entidades privadas sem fins lucrativos, que se dedicam execuo de tarefas de interesse pblico no exclusivas do Estado. Em ambos os casos, as organizaes assim qualificadas tambm se habilitam a receber, por meio de instrumentos especficos, auxlio direto do Estado (como o repasse de recursos pblicos, por exemplo) para funcionarem32.

    Em que pesem, porm, as semelhanas de que compartilham, a legislao cuida de fixar diferenas entre as OS e as OSCIP, que, por alm do espectro de atuao mais alargado dessas ltimas, dizem respeito s exigncias sobre a estrutura orgnica de uma e de outra, assim como aos tipos de auxlio que elas podem vir a receber.

    Assim, relativamente s OS, a Lei n 9.637/98 impe a criao de um conselho de administrao responsvel pela alta direo da entidade, a ser composto por membros representantes do Poder Pblico e membros representantes da sociedade civil, alm de pessoas de notria capacidade profissional e reconhecida idoneidade moral33. A existncia do Conselho de Administrao composto por representantes pblicos pode significar a reduo da autonomia da organizao, que fica exposta a ingerncias de ordem poltica no mbito da sua gesto. Sob a tica do Poder Pblico, entretanto, e especialmente quando se esteja diante de governos reticentes ideia de parcerias com o setor privado, essa participao pode ser entendida como um elemento positivo sobre o tema das UC, garantindo-se aos atores pblicos uma participao mnima nas decises relacionadas gesto da Unidade. A mesma exigncia no se aplica s OSCIP, que tm ampla liberdade para escolher os seus respectivos dirigentes.

    As OS celebram com o Poder Pblico o denominado contrato de gesto, fazendo jus transferncia de recursos pblicos, cesso de bens e de servidores da Administrao Pblica. As OSCIP, por sua vez, firmam o termo de parceria, recebendo, apenas, recursos pblicos. Para ambos os casos, a transferncia dos recursos e dos bens est condicionada ao estabelecimento de metas de desempenho a serem alcanadas pelas duas entidades nos instrumentos jurdicos que celebram sendo essa, alis, no uma diferena, mas uma uniformidade.

    De maneira ilustrativa, a mecnica subjacente a cada uma dessas figuras pode ser visualizada conforme o esquema grfico a seguir:

  • Modelos de gesto aplicveis s unidades de conservao do Brasil28

    Figura 4: As OS e as OSCIP - Instrumentos e Recursos

    Existem exemplos interessantes de utilizao das organizaes da sociedade civil de interesse pblico e das organizaes sociais no Brasil. Muitos estados tm buscado, por exemplo, o contrato de gesto com as OS para a prestao de servios de sade, tal como ocorre no Estado de So Paulo34. No mbito federal, por sua vez, existe um nmero considervel de entidades qualificadas como OSCIP, atuando nos mais distintos seguimentos, como educao, assistncia social e defesa do meio ambiente35.

    Mesmo com o grande nmero de entidades dessa natureza no Brasil, algumas advertncias e cuidados ainda merecem especial ateno em relao ao modelo inclusive para efeito da gesto de uma UC. Com efeito, o prprio Decreto Federal n 4.340/03, que regulamenta a Lei do SNUC, prev a possibilidade da gesto compartilhada das UC por meio de OSCIP36. Tanto as OSCIP quanto as OS, todavia, no devem ser vislumbradas como um antdoto para todas as adversidades da Administrao Pblica, especialmente no que toca as UC.

    Em razo do entendimento construdo pelo Tribunal de Contas da Unio, aquelas entidades (apesar de no se inserirem na estrutura organizacional da Administrao Pblica) esto sujeitas, pelo menos nas hipteses em que recebam recursos pblicos, aos princpios gerais da Administrao e s normas gerais de licitao do Poder Pblico, a serem fixadas em regulamento prprio editado por cada organizao especfica37. No h dvidas de que esse entendimento reflete uma preocupao vlida por parte dos rgos de controle sobre o uso dos recursos governamentais repassados a essas organizaes38.

    Entretanto, sob o ponto de vista gerencial, a imposio de normas anlogas da licitao pblica leva reduo da flexibilidade de que as OS e as OSCIP gozariam o que teria justificado, no incio, a sua criao. A consequncia disso o incremento dos custos de transao para a realizao das atividades s quais as organizaes se dedicam, bem como o incremento do risco de se construir um cenrio no qual, pelas restries criadas, tanto

    Contrato deGesto

    OS Bens PblicosServidores Pblicos

    Termo deParceria

    OSCIP

    Associaes ou fundaesprivadas que realizamtarefas de interesse

    pblico recebemqualificao como

    OS e OSCIP.

    Associaes ou fundaesprivadas, qualificadas como

    OS ou OSCIP, podem celebrar instrumentos com

    o Poder Pblico para receber benefcios.

    OS e OSCIP que celebramtais instrumentos assumem metas de desempenho e podem receber apoio

    do Poder Pblico, desde recursosat a cesso de bens e servidores.

  • 29Modelos de gesto aplicveis s unidades de conservao do Brasil

    organizaes sociais quanto organizaes da sociedade civil de interesse pblico funcionem imagem e semelhana dos tradicionais rgos da Administrao.

    Outro ponto a ser destacado a limitada capacidade financeira de ambas as entidades, fruto da natureza do seu objeto e do seu carter filantrpico. O modelo das OSCIP e das OS no contribui de maneira decisiva para o problema da demanda represada por vultosos investimentos em empreendimentos de interesse da coletividade a includas as prprias UC. Na verdade, embora no haja impedimentos para que sejam levantadas receitas em projetos acessrios ou outras atividades, em muitos casos sero do prprio Estado os recursos a serem executados pelas organizaes referidas, a elas repassados por meio dos termos de parceria e dos contratos de gesto.

    Por fim, ainda cabe uma breve nota sobre a poltica de recursos humanos no mbito das OS e das OSCIP: ela idntica das demais entidades privadas, no se exigindo o concurso pblico para a contratao dos seus empregados, os quais tampouco gozam de estabilidade39.

    Chega-se, com base nessas consideraes, ideia de que as OS e as OSCIP traduzem alguns avanos em face dos modelos de gesto ligados figura do Estado. De um lado, a especializao e o grau ainda maior de autonomia para a execuo dos servios traz grande potencial de obteno de ganhos de eficincia. De outro lado, a possibilidade de trabalharem com normas anlogas (mas no idnticas) da licitao pblica proporciona uma maior plasticidade no seu processo de contratao, com potencial reduo dos custos transacionais correspondentes40. Finalmente, a autonomia quanto poltica de recursos humanos permite a adoo de mecanismos de gesto mais eficientes, com enfoque em metas de resultado e remunerao lastreada em critrios claros de meritocracia. O quadro sinttico do modelo das OS e das OSCIP pode ser assim ilustrado:

    MODELOS DE GESTO NO ESTATAIS OSCIP e OS41

    Compartilhada entre a OSCIP ou OS e o Poder Pblico

    Os recursos utilizados na atividade so provenientes do oramento prprio das entidades e das receitas que captarem junto sociedade, bem como do oramento do Poder Pblico, por meio dos contratos de gesto ou termos de parceria formalizados.

    Embora no haja norma expressa na legislao correspondente que estimule ou veja o compartilhamento de riscos entre as entidades envolvidas, a prxis mostra existir, ainda, uma pequena preocupao com a alocao de riscos nos contratos celebrados por OS e OSCIP junto ao Poder Pblico.

    Pouco racionalizada

    ITENS DE ANLISE DESCRIO/AVALIAO OBSERVAES

    Responsabilidade pelos investimentos na UC

    Administrao de riscos

  • Modelos de gesto aplicveis s unidades de conservao do Brasil30

    IntermediriaEficincia na gesto da UC

    Pouco otimizado

    Uma das crticas ainda impostas ao modelo das OS e das OSCIP a falta de transparncia, alm das dificuldades de se fiscalizar a aplicao devida dos recursos. Nesse sentido, so possveis melhorias, que podem passar pelo fomento participao da sociedade civil no acompanhamento dos contratos e fixao de metas contratuais e parmetros de desempenho mais claros e objetivos.

    Controle de resultados e fiscalizao

    Pouca capacidade de investimento das entidades, que tm perfil filantrpico; incidncia, ainda que abrandada, de regras prprias do Poder Pblico, notadamente na execuo dos recursos pblicos a elas transferidos.l.

    Os funcionrios que integram os quadros das OS e das OSCIP no precisam ser recrutados mediante concurso pblico. Eles se submetem ao regime da CLT, comum ao dos empregados das empresas privadas, e no gozam de estabilidade.

    Maior especializao, autonomia e flexibilidade, especialmente no mbito das polticas de recursos humanos.

    Lei Federal n 9.637/98 (OS)Lei Federal n 9.790/99 (OSCIP)

    Contras

    Prs

    Legislao de Referncia

    Perfil dos funcionrios

    Regime de mercado(empregados celistas)

    A flexibilidade de que as OS e OSCIP gozam maior que a das entidades inseridas dentro do modelo de gesto estatal. As regras para a execuo dos recursos, mesmo quando provenientes do Poder Pblico, podem ser ajustadas caso a caso pelas entidades nos regulamentos que editarem, no necessariamente devendo refletir a literalidade da Lei de Licitaes e Contratos a que est submetida a Administrao Pblica. Tambm existe maior flexibilidade na gesto de recursos humanos, com abertura para a contratao com base em regras de mercado e no garantia de estabilidade aos funcionrios contratados. Tambm se destaca a possibilidade de fixao de metas de desempenho como contrapartida para a liberao dos recursos repassados pelo Poder Pblico nos contratos de gesto ou termos de parceria celebrados.

  • 31Modelos de gesto aplicveis s unidades de conservao do Brasil

    2.1.2. As ONG e as entidades privadas colaborativasVistas algumas das principais caractersticas das OS e das OSCIP no Brasil, cabe reiterar que elas no exaurem as frmulas de atuao de grupos no estatais que, movidos menos pelo desejo de retorno financeiro e mais pela motivao de contribuir para a conservao e o desenvolvimento de espaos de interesse comum, podem exercer papel relevante para a gesto de UC.

    Tais grupos costumam se constituir independentemente da participao ou do apoio do Poder Pblico e funcionam, igualmente, sem a ajuda financeira de qualquer entidade estatal. Uma vez criados, eles no recebem qualificao especial e podem sobreviver sem celebrar contratos com o Poder Pblico.

    Tratando-se de organizaes no direcionadas para o lucro, elas podem assumir, nos moldes da legislao brasileira (e a exemplo do que tambm acontece para as OS e as OSCIP), a forma de associaes ou de fundaes privadas. No h a necessidade de autorizao prvia do Poder Pblico para o registro de quaisquer delas, sendo vedado, no entanto, o exerccio de atividades consideradas ilcitas (como o trfico de drogas ou a promoo do racismo, por exemplo).

    Em princpio, a designao dos seus dirigentes, a definio de seus objetivos e a sua forma de operao tambm podem ocorrer sem qualquer ingerncia pblica. Como pertencentes ao gnero ONG, possvel que essas fundaes ou associaes privadas assumam as mais variadas misses, desde a proteo de espcies animais, a despoluio de lagoas e a capacitao de cuidadores de idosos, at a pesquisa para o desenvolvimento de medicamentos, a promoo de eventos culturais ou a divulgao de publicaes cientficas. H um sem nmero de possibilidades para a atuao dessas organizaes, estando includa, nesse volumoso rol, a gesto de UC.

    Na realidade internacional, como a dos Estados Unidos, figuras anlogas tambm tm sido imaginadas dentro desse esprito de solidariedade comunitria e no mbito das nonprofit organizations (NPO) para a conservao de espaos pblicos como o caso, por exemplo, dos parques urbanos. Conforme as peculiaridades legais daquele pas, h formas distintas de arranjos nas quais se prev a atuao direta, em parceria com o Poder Pblico, de grupos de cidados organizados na gesto e no financiamento de espaos pblicos que servem a coletividade, como o prprio Central Park, em Nova Iorque, ou ainda o Bryant Park, na mesma cidade42.

    O Semeia tambm tem buscado compreender, com maior profundidade, o modelo norte-americano das organizaes da sociedade civil que contribuem para a conservao dos parques nacionais e estaduais dos EUA. Essas organizaes contam com uma rede de aproximadamente 250 mil voluntrios e, em muitos casos, arrecadam doaes para subsidiar as aes e as atividades realizadas dentro dos parques.

    A anlise desses modelos exigiria uma avaliao pormenorizada do regime jurdico daquele pas, o que fugiria proposta original deste trabalho. Contudo, vlido questionar em que medida tais arranjos poderiam contribuir para a experincia brasileira, e como as ONG poderiam estar engajadas de maneira mais efetiva e organizada na conservao dos parques brasileiros. Um estudo desse tipo renderia boas reflexes e merece ser avaliado.

  • Modelos de gesto aplicveis s unidades de conservao do Brasil32

    No se beneficiando da qualificao de uma OSCIP ou de uma OS (hiptese em que poderiam fazer jus aos repasses de dinheiro pblico por instrumentos como o termo de parceria ou o contrato de gesto), uma associao desse tipo angariaria recursos por meio de doaes dos seus prprios associados ou parceiros43.

    A forma e a periodicidade dessas doaes, ou, ainda, a execuo de atividades com potencial de gerao de receita (venda de souvenires ou produtos artesanais, realizao de eventos destinados ao levantamento de fundos), dependeria do que estabelecesse o seu estatuto ou do que definissem os seus dirigentes. No h, na verdade, uma frmula padro a ser seguida, restando grande plasticidade para a conduo das misses pensadas para tais entidades no Brasil, dentro da sua esfera de autonomia.

    Talvez uma questo limitadora mais sensvel pudesse ser visualizada em relao atuao dessas organizaes no mbito das UC. Conforme pde ser visto mais acima, a transformao de uma rea de especial interesse em uma UC faz-se acompanhar, em regra, da transferncia do seu domnio para o Poder Pblico isto , os bens, inclusive o terreno, passam a ser de propriedade do ente responsvel pela instituio da Unidade, alando o status de bem pblico de uso especial. Sob essa tica, o ingresso ou a interveno de organizaes de carter colaborativo ficariam necessariamente condicionados anuncia prvia da entidade ou do rgo pblico donos do terreno, quer se trate de grandes reas, quer se trate de parques urbanos de menores dimenses. No s isso: a atuao desses grupos tambm haveria sempre de obedecer ao que estabelecesse o respectivo plano de manejo da UC, devendo novamente a ser esperada a intervenincia do Poder Pblico, para efeitos de fiscalizao e acompanhamento.

    Aqui, igualmente, no possvel conceber uma receita predefinida para as frmulas que as autoridades pblicas utilizaro em cada situao para anuir com as atividades daquelas organizaes sabendo-se, alis, que tal anuncia se encontra inserida na esfera de discricionariedade do Poder Pblico. Seria possvel pensar, eventualmente, numa autorizao escrita, numa autorizao verbal e precria, ou, ainda, na formalizao de um convnio discriminando os compromissos assumidos pelas partes, com eventual fixao dos resultados esperados ou at mesmo metas de qualidade44.

    Em qualquer cenrio, contudo, a alternativa sempre pressupor a necessidade de concordncia prvia do Poder Pblico (no mbito de um juzo discricionrio), de maneira que, mesmo reunindo um nmero suficiente de associados fortemente engajados com a iniciativa e dispostos a ceder recursos financeiros prprios para o desenvolvimento e conservao da UC, a organizao pode no conseguir viabilizar seus objetivos.

    Ainda assim, vale destacar que os montantes reunidos por tais organizaes, sendo aplicados nas demandas da Unidade, no haveriam de se confundir com recursos pblicos, o que dispensaria a observncia das formalidades tpicas exigidas no processo de contratao estatal (licitao), com ganhos de eficincia e flexibilidade na conduo dos negcios cotidianos vinculados administrao da UC.

  • 33Modelos de gesto aplicveis s unidades de conservao do Brasil

    MODELOS DE GESTO NO ESTATAIS Organizaes Colaborativas

    Da organizao privada e do Poder Pblico

    Os recursos utilizados na atividade so provenientes de fundos arrecadados pela organizao privada (que podem ser diretamente aplicados nas atividades da UC), sem prejuzo, porm, da realizao de investimentos pelo prprio Poder Pblico.

    Otimizada

    Regime livre

    Os prestadores de servio no mbito de uma organizao colaborativa podem ser contratados diretamente do mercado (nesse caso, sem necessidade de realizao de concurso), podem ser admitidos para compor o quadro da associao ou exer-cerem suas atividades pontual e voluntari-amente, sem necessidade de formalizao de um vnculo contratual.

    A flexibilidade de que as organizaes privadas colaborativas gozam bem maior que a das entidades inseridas dentro do modelo de gesto estatal e mesmo que a das OS e das OSCIP. As regras para a execuo dos recursos disponibilizados por tais organizaes no obedecem ao rito da Lei de Licitaes e Contratos, havendo, ainda, maior flexibilidade na gesto de recursos humanos, com abertura para a contratao de pessoal baseada em regras de mercado ou a admisso de colaboradores como associados.

    Como no h, em regra, um instrumento especfico que discipline a atuao das organizaes colaborativas nas UC (que no so, tambm em regra, contratadas pelo Poder Pblico), a atribuio de tarefas feita na maioria das vezes de maneira ad hoc, sem grande preocupao com a alocao de riscos entre a entidade pblica responsvel pela Unidade e a organizao privada autorizada a nela funcionar.

    Pouco racionalizada

    Pouco otimizado

    No h uma frmula consolidada de controle sobre a atuao das organizaes colaborativas em UC. Pode-se pensar na celebrao de convnios ou contratos ou, ainda, condicionar a vigncia da autorizao para que elas atuem em uma UC voltadas ao cumprimento de parmetros predeterminados.

    ITENS DE ANLISE DESCRIO/AVALIAO OBSERVAES

    Responsabilidade pelos investimentos na UC

    Eficincia na gesto da UC

    Perfil dos funcionrios

    Administrao de riscos

    Controle de resultados e fiscalizao

    O quadro sinttico do modelo das organizaes aqui denominadas de colaborativas encontra-se logo a seguir:

  • Modelos de gesto aplicveis s unidades de conservao do Brasil34

    Necessidade de anuncia prvia do Poder Pblico para atuao no mbito de uma UC.

    Maior autonomia, flexibilidade e possibilidade de levantamento de recursos adicionais para a gesto de uma UC.

    No h legislao especfica que discipline o modelo.

    Contras

    Prs

    Legislao de Referncia

    2.2. Estruturas do mercado: as concessesNo Brasil, as concesses costumam estar ligadas, basicamente, ideia de atribuio de um direito a um terceiro. Mais que isso, a concesso seria um contrato um instrumento jurdico em que se negociam obrigaes e contraobrigaes. Quando, por um lado, as contraprestaes envolvem a participao do concessionrio em algum tipo de servio ou o oferecimento de utilidades, diz-se que as concesses so prestacionais (esse seria o caso da concesso de servios pblicos). Quando, por outro lado, o concessionrio recebe o direito, fruindo-o passivamente, diz-se que as concesses so meramente atributivas (e esse seria, em princpio, o caso das concesses de uso de bens pblicos).

    Nas concesses de servios pblicos, o concessionrio recebe o direito de explorar uma atividade que de titularidade do Poder Pblico, mas se obriga a ofertar aos cidados utilidades e servios de qualidade. Trata-se de um modelo no qual o governo no aliena seus bens a terceiros e, neste sentido, ele completamente diferente de uma privatizao, sendo equivocada a ideia que muitas vezes circula nos debates, de que parcerias em UC seriam uma forma de privatizao.

    Tratando-se da gesto de um dado empreendimento ou ativo, e em especial de uma UC, as concesses despontam como uma alternativa que oferece grande grau de flexibilidade. Na legislao brasileira, alis, existem frmulas jurdicas que viabilizam a construo de modelos variados de concesso, que podem englobar desde a contratao da gesto das UC em si (includas a operao e a manuteno das reas e dos ativos nelas existentes), at a concesso do direito de meramente se explorar turisticamente o espao.

    A seguir, sero apresentadas as principais variaes dos tipos concessrios incorporados na legislao brasileira, com foco naquelas que apresentam maior relevncia para o contexto deste estudo. Tanto quanto possvel, sero mencionadas frmulas e experincias verificadas sobre o tema no cenrio internacional.

    2.2.1. As concesses no prestacionaisNo mbito deste trabalho, consideram-se concesses no prestacionais aquelas que implicam a transferncia ou outorga de um direito a terceiros, os quais no se veem obrigados, em princpio, a prestar um servio ou utilidade como troca pelo direito recebido. Costuma-se apontar, como exemplos dessa categoria concessria, a concesso de aposentadoria e a concesso de frias a um servidor pblico e, ainda mais importante para fins desta anlise, a concesso de uso de bens pertencentes Administrao Pblica.

  • 35Modelos de gesto aplicveis s unidades de conservao do Brasil

    Relativamente aos bens pblicos, pode-se dizer que eles esto, em regra, sob o domnio dos respectivos titulares, que alm da fruio, devem se incumbir da sua guarda e conservao. A Constituio Federal de 1988 traz uma listagem de bens que seriam de titularidade da Unio e dos Estados Federados no Brasil45. Paralelamente a essa lista, tambm seriam pblicos os bens adquiridos pelos respectivos entes estatais por meio de contrato ou, a exemplo do que geralmente sucede na instituio de uma UC, por meio de desapropriao.

    Apesar do senso geral de que os bens, tanto pblicos quanto particulares, estariam sob o domnio dos respectivos titulares, nada impediria que eles pudessem ser alienados a terceiros, os quais, sem necessariamente se tornarem os seus novos proprietrios, poderiam ainda assim fruir das suas utilidades. dentro desse contexto que h de se abordar, no mbito da Administrao Pblica, as concesses de uso de bem pblico.

    O uso de bens pblicos por particulares pode ocorrer, no Brasil, por meio de trs frmulas jurdicas. Alm da j mencionada concesso, tambm poderiam ser utilizadas a permisso e a autorizao de uso daqueles mesmos bens. Ainda no h, na doutrina especializada, a identificao de um critrio nico para se diferenciar a permisso da autorizao de uso. Ambas se assemelhariam pela precariedade do vnculo que criam entre o Poder Pblico e o permissionrio ou o autorizatrio caracterstica que no se replica na concesso, a qual presume maior estabilidade da relao. Nesse sentido, vale a leitura da seguinte passagem:

    A autorizao de uso e a permisso de uso so caracterizadas pela precariedade do vnculo que estabelecem. Ambos, apesar de conferirem direitos aos outorgados contra terceiros (a exclusividade no uso dos bens pblicos), no estabelecem direitos frente Administrao por isso so precrios , podendo a qualquer tempo ser revogados por razes de interesse pblico, sem qualquer violao esfera de direitos dos particulares46.

    Dizer que o vnculo jurdico entre as partes precrio significa reconhecer que o Poder Pblico, titular do bem, tem a prerrogativa de extinguir, a qualquer tempo e por razes de mera convenincia, a permisso ou a autorizao, sem pagamento de indenizao. Na concesso, ao contrrio, a estabilidade do vnculo significa dizer que devem existir regras claramente postas que prevejam um perodo em que o concessionrio do bem goza do direito de explor-lo, antes do qual a revogao da concesso resultar no pagamento de uma compensao pela quebra da expectativa quanto continuidade da relao.

    Nesse contexto, se a outorga do uso do bem demandar a aplicao incisiva de recursos tal como a montagem de um restaurante dentro de um prdio pblico para o atendimento dos numerosos funcionrios que ali trabalham , poder haver o receio, por parte do particular, de assumir os nus dos investimentos diante da incerteza da continuidade do vnculo negocial. Para essa hiptese, uma autorizao ou permisso traria baixa atratividade, sendo apropriado que a Administrao Pblica privilegiasse o uso da concesso de uso do espao necessrio instalao e ao funcionamento do empreendimento. Em sentido oposto, porm, tratando-se de um pequeno quiosque de vendas de bijuterias dentro do mesmo prdio, montado para a realizao de uma feira temporria de artesanato, outra poderia ser a soluo.

  • Modelos de gesto aplicveis s unidades de conservao do Brasil36

    So exemplos de concesses de uso esparsas em Unidades de Conservao no Brasil: a conduo de visitantes e o passeio em veculo 4X4 no Parque Nacional dos Lenis Maranhenses, a cobrana de ingressos, o transporte interno e o estacionamento no Parque Nacional da Tijuca.

    No existe uma frmula precisa que indique quando deva ser adotada a concesso, em detrimento da permisso ou da autorizao de uso, e vice-versa. Tudo depender, em ltima anlise, das circunstncias de cada caso, sabendo-se que a caracterizao do modelo estar condicionada muito mais ao contedo e natureza das regras que o disciplinam do que ao nome atribudo operao. possvel, portanto, estar-se diante de um contrato intitulado de permisso, mas que no fundo caracterize uma verdadeira concesso. possvel, mais ainda, que tanto uma concesso quanto uma permisso de uso, ao invs de garantirem ao concessionrio ou permissionrio uma posio passiva, de mero fruidor do direito, prevejam a execuo de servios ou a assuno de outras obrigaes pelo particular, levando, nesse caso, consolidao de uma concesso prestacional.

    No Brasil, tendo-se em vista algumas UC a exemplo de parques nacionais ou estaduais comum verificar a adoo da figura da autorizao dita precria, bem como da prpria permisso de uso. Porm, conforme j ressaltado anteriormente, o importante em todos os casos avaliar a essncia das frmulas empregadas, para ento chegar-se concluso de que se trata realmente da hiptese de uma permisso ou autorizao, at mesmo em vista da alegada precariedade da relao que o Poder Pblico estaria firmando com o particular.

    Nas UC, assim, o que se costuma verificar a disponibilizao de espaos especficos, nos quais se admite que o autorizatrio ou permissionrio explore atividades em sua maioria ligadas ao setor de comrcio ou ao mercado turstico47. Na realidade, algumas dessas operaes sequer so formalizadas, o que evidencia o carter precrio da relao. Outras, ainda, so formalizadas mediante contrato, exigindo-se o pagamento de valores em pecnia, tal como o aluguel pelos espaos utilizados. Nesses casos, a propsito, nada impediria que a Administrao cobrasse no s pelo direito de explorao dado ao particular, mas que viesse a estabelecer, por meio do mesmo contrato, obrigaes de fazer ao beneficirio, englobando tarefas voltadas para a manuteno e a conservao da UC.

    Em certa medida, essa confluncia de modelos, em que se confere a um beneficirio o direito de uso, exigindo-se dele a realizao de servios para a preservao do espao concedido, aproxima-se do que se tem verificado na experincia de algumas concesses em parques de nvel nacional no mbito dos Estados Unidos (as concessions).

    L, as concesses em alguns parques nacionais importantes, como o Grand Canyon e o Yellowstone, esto focadas na explorao econmica dos espaos correspondentes, levando-se em conta um instrumento conhecido como land assignments. Em tais instrumentos ou acordos, delimitada a rea assumida pela concessionria (geralmente bem menor que o total do prprio parque) e o beneficirio assume tarefas como manuteno dos prdios utilizados e estacionamento disponibilizado ao pblico, paisagismo, remoo de neve e armazenagem de lixo, segurana e responsabilizao por acidentes ocorridos, na sua respectiva rea de atuao.

  • 37Modelos de gesto aplicveis s unidades de conservao do Brasil

    No se pode negar que tambm existe uma preocupao com a adoo de medidas de proteo dos recursos naturais e a consolidao de polticas de sustentabilidade nesses espaos, embora o particular no assuma o nus da conservao e da manuteno do parque em seu todo. Este , em muitos casos, o modelo adotado no nvel federal pelo rgo responsvel, o National Park Service. Em algumas situaes, vrios concessionrios menores coexistem no mesmo parque, prestando atividades autnomas como acomodao (lodging), traslados, vendas de produtos, alimentos e servios de carter turstico aos visitantes, tal qual o oferecimento de visitas guiadas por trilhas e monumentos. Vale notar que, no plano estadual, existem algumas iniciativas nas quais se pressupe a concesso integral da rea (whole park) a um operador privado, que extrair suas receitas a partir da gesto do parque como um todo48.

    Dessa maneira, ento, em vez de se estruturar sobre a ideia de um contrato de gesto para a conservao do empreendimento, grande parte das concessions norte-americanas aproxima-se do modelo das concesses de uso brasileiras, esparramadas em diversos pontos do parque e entre diversos concessionrios, com diferentes servios e distintas dimenses.

    Sem dvida, transpostas para o cenrio das UC no Brasil, o modelo das concesses esparsas, como o adotado em alguns parques nacionais dos EUA, at poderia contribuir para o incremento da atratividade e da visitao de algumas unidades, que passariam a oferecer melhores estruturas e equipamentos para os seus visitantes. Tal alternativa, ainda assim, ofereceria uma viso no global a respeito dos problemas relativos conservao da UC em si, retirando de um gestor centralizado a capacidade de, por exemplo, definir as estratgias de operao e de desenvolvimento de mdio e longo prazo do local. Permanece, igualmente, o risco de haver redundncias, lacunas, assimetrias informacionais e ineficincias entre os distintos operadores atuando na Unidade de Conservao, j que o foco estaria concentrado na concesso de reas, e no na concesso da gesto da Unidade, de forma integral.

    Ainda para as concesses no prestacionais ou concesses de uso esparsas (mesmo quando envolverem a imposio de obrigaes ao concessionrio, como nas hipteses encontradas na experincia norte-americana), pende um obstculo residual: nelas, a remunerao do particular est ancorada na capacidade de as reas concedidas gerarem receitas operacionais, resultado das vendas de bens de consumo, ingressos, prestao de servios tursticos, acomodao etc. o que representa um dificultador para as UC nas quais no exista potencial de explorao econmica das reas, seja por limitaes naturais ou legais, seja pelo baixo ndice de visitao ou pelo baixo apelo turstico da regio. Na verdade, mesmo para as UC com maior movimentao de pessoas, poder subsistir uma limitao para que todas as reas sejam beneficiadas com os recursos gerados a partir dos empreendimentos isolados. Por exemplo: no seria de se esperar que a explorao do servio de traslado at o Cristo Redentor no Rio de Janeiro fosse o bastante para garantir a conservao de todo o Parque Nacional da Tijuca, com sua enorme extenso.

    O quadro esquemtico sobre o modelo anteriormente descrito pode ser assim sintetizado:

  • Modelos de gesto aplicveis s unidades de conservao do Brasil38

    MODELOS DE GESTO NO ESTATAIS Concesses de uso esparsas

    Do concessionrio

    Pouco racionalizada

    O modelo, como visto, no contempla a gesto da UC em sua integralidade, apenas dos espaos concedidos. Haja vista a possibilidade de redundncias, lacunas e assimetrias informacionais entre os diversos concessionrios, pode-se dizer que a gesto da Unidade pouco racionalizada.

    De novo, o modelo est apoiado numa sistemtica que considera espaos e tarefas isolados. Os riscos das atividades executadas pelo concessionrio (como aqueles inerentes explorao comercial das reas) dele prprio. Mas os riscos referentes manuteno das UC e dos seus recursos naturais, como um todo, mantm-se, em regra, com o Poder Pblico.

    Pouco otimizada

    Pouco otimizado

    O mesmo problema referente quebra da explorao dos espaos da UC em diversos empreendimentos menores permite dizer que o controle de resultados, relativos gesto da Unidade, pouco otimizado. possvel controlar-se as atividades isoladas, em si. Entretanto, difcil assegurar que o benefcio resultante compreender a efetiva melhoria da conservao da Unidade.

    ITENS DE ANLISE DESCRIO/AVALIAO OBSERVAES

    Responsabilidade pelos investimentos na UC

    Eficincia na gesto da UC

    Administrao de riscos

    Controle de resultados e fiscalizao

    O modelo est assentado em espaos isolados da UC. O investimento para esses espaos, quando houver, de responsabilidade do concessionrio. Mas, a no ser que haja um contrato assinado entre as partes estipulando o contrrio, no h, em regra, investimentos garantidos para todas as reas da UC.

    Regime de mercado (empregados celetistas)

    Os funcionrios que integram os quadros dos concessionrios de uso, em si, no precisam ser recrutados mediante concurso pblico. Eles se submetem ao regime da CLT, comum ao dos empregados das empresas privadas, e no gozam de estabilidade. Poderia haver dvidas quanto possibilidade de os con-cessionrios tambm contratarem pessoal para atuar fora das reas de concesso. Em princpio, tratando-se de atividade de vigiln-cia, apenas, e no de polcia, seria possvel a contratao dessa espcie de profissionais ou de outros incumbidos de funes varia-das. Essa contratao serviria de um encargo para o concessionrio, como contraparte ao direito de usar os espaos da UC.

    Perfil dos funcionrios

  • 39Modelos de gesto aplicveis s unidades de conservao do Brasil

    No se privilegia uma concepo global da UC. As obrigaes eventualmente exigidas dos concessionrios no aproveitam toda a Unidade, e a prpria concesso, em si, depende da atratividade econmica do espao objeto da explorao.

    Grande flexibilidade do concessionrio, que pode aplicar seu prprio modelo de gesto aos servios ofertados aos usurios, sem os engessamentos do regime de direito pblico incidentes sobre as polticas de compra e gesto de recursos humanos da Administrao Pblica.

    No h uma lei geral a respeito do tema. Vale o que est disposto nas respectivas leis locais de cada ente da Federao, podendo se fazer tambm aplicao subsidiria da Lei Federal n 8.666/93 (Lei de Licitaes e Contratos Administrativos).

    Contras

    Prs

    Legislao de Referncia

    2.2.2. As concesses prestacionaisAs concesses, aqui referidas como prestacionais, sempre estiveram, no Brasil, vinculadas ideia de delegao de servios pblicos. O conceito de servio pblico tortuoso para a doutrina jurdica especializada (que ainda busca delimitar os contornos atuais desse instituto), j que tem sido, por sua vez, atrelado figura de tarifas cobradas dos respectivos usurios.

    Em razo da lgica de pagamentos lastreada em tarifas de terceiros, sempre houve uma natural resistncia no Pas admisso de um modelo de concesses prestacionais ligado explorao de atividades nas quais no se pudesse determinar individualmente o consumo dos servios frudos pelos respectivos beneficirios (seria o caso, por exemplo, da tarifao da coleta de lixo: como indicar, precisamente, quanto cada pessoa consome desse servio?). Do mesmo modo, tambm seria impraticvel conceber a concesso de atividades para as quais a legislao proibisse a tarifao (aqui, j seria o caso, por exemplo, da tarifao da coleta de lixo: como indicar precisamente quanto cada pessoa consome desse servio?).

    A alternativa para essa viso limitadora dos mecanismos de pagamento admitidos nas concesses e, por consequncia, a ampliao dos possveis objetos desse tipo de contrato s veio a ocorrer no Brasil em 2004, por meio da legislao que instituiu as denominadas parcerias pblico-privadas (PPP). As PPP so, nos termos da Lei Federal n 11.079, de 30 de dezembro de 2004, contratos de concesso, subdivididos, porm, em duas modalidades: a concesso patrocinada e a concesso administrativa.

    Em linhas gerais, as concesses do tipo patrocinadas tm por objeto a delegao de servios pblicos e pressupem, portanto, a cobrana de tarifas, a exemplo do que j ocorria nas concesses anteriormente existentes e ora designadas de concesses comuns. A inovao, no que diz respeito a essa modalidade, est no fato de que o Poder Pblico, conforme for estabelecido no respectivo contrato, pode complementar a receita do concessionrio, patrocinando as tarifas obtidas junto aos usurios. Essas concesses, assim, seriam prprias para servios pblicos tarifveis, porm, deficitrios.

    Maiores mudanas, de um jeito ou de outro, seriam encontradas nas concesses administrativas. Elas retiraram do conceito da concesso a

  • Modelos de gesto aplicveis s unidades de conservao do Brasil40

    ideia de servios pblicos, assim como a prpria ideia de tarifas cobradas dos usurios. A partir da Lei Federal n 11.079/04, passou-se a admitir a transferncia da gesto de uma pluralidade de empreendimentos pblicos a um particular, em contratos de longo prazo, cujo pagamento seria realizado diretamente pelo Poder Pblico.

    Estdios de futebol, centros administrativos, presdios e UC poderiam figurar no objeto concedido a um parceiro privado, que se remuneraria de acordo com a disponibilidade e a qualidade dos servios contratados pela Administrao.

    Em ltima anlise, as alteraes promovidas pela Lei Federal n 11.079/04 no marco legal das contrataes pblicas no Brasil permitiriam visualizar o seguinte quadro esquemtico, em que se registra a existncia de um gnero concessrio, do qual seriam espcies as concesses do tipo comum, do tipo patrocinada e do tipo administrativa, cada qual com os seus respectivos objetos.

    Com efeito, ao se considerar uma UC, no difcil enxerg-la como uma estrutura complexa, especialmente quando se considera a integralidade das atividades e dos servios que a sua manuteno e o seu desenvolvimento pressupem. Nesse sentido, um contrato de PPP (ou concesso administrati-va), que tivesse por objeto uma UC, no estaria focando tarefas isol