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1 Modernização do Estado Brasileiro: Diferenciação Social e Redes Interorganizacionais Gustavo Melo-Silva (Universidade Federal de São João del-Rei) [email protected] Resumo A modernização do Estado e a reforma da administração pública ocorrem em um processo de construção social efetivado pelo Estado e pelo mercado imersos na s o c i o l o g i a e c o n ô m i c a d o c a p i t a l i s m o b r a s i l e i r o . Para uma análise desta sociologia do Estado e do mercado brasileiro, este artigo aborda, por um lado, o estado de Minas Gerais que foi pioneiro no país ao adotar um marco legal sobre as parcerias público-privadas (PPPs). E, por outro lado, os investimentos para a Copa do Mundo FIFA de 2014 em 12 estados brasileiros na construção ou adequação de: aeroportos, arenas esportivas, mobilidade urbana, portos e outros. Os resultados evidenciam a modernização do Estado com a especialização das organizações, que foram geradas pelas oportunidades e alternativas dos relacionamentos com atores privados, que por sua vez exerceram o poder de referência e intermediação nos relacionamentos. Estes relacionamentos tiveram como consequências não intencionais a influência do poder econômico no atendimento das demandas públicas e na extensão dos relacionamentos com os partidos políticos. Palavras chave: Modernização do Estado, Reforma Administrativa, Parcerias Público-Privadas, e Sociologia Econômica e das Organizações. Brazilian State Modernization: Differentiation Social and Interorganizational Networks Abstract The modernization of the state and public administration reform take place in a social construction process performed by the State and the market embeddedness in economic sociology of Brazilian capitalism. For an analysis of this sociology of the state and the Brazilian market, this article discusses, on the one hand, the state of Minas Gerais who pioneered the country to adopt a legal framework on public-private partnerships (PPPs). On the other hand, investments for the FIFA World Cup 2014 in 12 Brazilian states in the construction or adaptation: airports, sports arenas, urban mobility, ports and others. The results show the modernization of the state with the expertise of organizations that have been generated by the opportunities and alternatives for relationships with private actors, which in turn exercised the power reference and brokerage relationships. These relationships had the unintended consequences of the influence of economic power in meeting public demands and extent of relationships with political parties. Key-words: State Modernizations, Administration Reform, Public-Private Partnerships, and Economic and Organizational Sociology 1. Introdução A organização do Estado brasileiro faz parte de um processo de construção social, por um lado, das esferas político-administrativas da união, estados e municípios e, por outro lado, pela esfera privada e de relacionamentos interorganizacionais entre o Estado e o mercado. As parcerias entre a esfera pública e o interesse privado como, por exemplo, as parcerias público- privadas chamam atenção da sociedade sobre seu processo de construção social. No discurso de seus promotores a principal justificativa para as parcerias formatadas em arranjos organizacionais entre o Estado e a iniciativa privada está, por um lado, na necessidade de investimentos em infraestrutura e, por outro lado, nas limitações orçamentárias do Estado que obrigam os governos a recorrer a atores privados para construção, operação e manutenção de serviços de utilidade pública.

Modernização do Estado Brasileiro: Diferenciação Social e ... · Para uma análise desta sociologia do Estado e do mercado ... A organização do Estado brasileiro faz parte de

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Modernização do Estado Brasileiro: Diferenciação Social e Redes Interorganizacionais

Gustavo Melo-Silva (Universidade Federal de São João del-Rei) [email protected] Resumo A modernização do Estado e a reforma da administração pública ocorrem em um processo de construção social efetivado pelo Estado e pelo mercado imersos na s o c i o l o g i a e c o n ô m i c a d o c a p i t a l i s m o b r a s i l e i r o . Para uma análise desta sociologia do Estado e do mercado brasileiro, este artigo aborda, por um lado, o estado de Minas Gerais que foi pioneiro no país ao adotar um marco legal sobre as parcerias público-privadas (PPPs). E, por outro lado, os investimentos para a Copa do Mundo FIFA de 2014 em 12 estados brasileiros na construção ou adequação de: aeroportos, arenas esportivas, mobilidade urbana, portos e outros. Os resultados evidenciam a modernização do Estado com a especialização das organizações, que foram geradas pelas oportunidades e alternativas dos relacionamentos com atores privados, que por sua vez exerceram o poder de referência e intermediação nos relacionamentos. Estes relacionamentos tiveram como consequências não intencionais a influência do poder econômico no atendimento das demandas públicas e na extensão dos relacionamentos com os partidos políticos. Palavras chave: Modernização do Estado, Reforma Administrativa, Parcerias Público-Privadas, e Sociologia Econômica e das Organizações.

Brazilian State Modernization: Differentiation Social and Interorganizational Networks

Abstract The modernization of the state and public administration reform take place in a social construction process performed by the State and the market embeddedness in economic sociology of Brazilian capitalism. For an analysis of this sociology of the state and the Brazilian market, this article discusses, on the one hand, the state of Minas Gerais who pioneered the country to adopt a legal framework on public-private partnerships (PPPs). On the other hand, investments for the FIFA World Cup 2014 in 12 Brazilian states in the construction or adaptation: airports, sports arenas, urban mobility, ports and others. The results show the modernization of the state with the expertise of organizations that have been generated by the opportunities and alternatives for relationships with private actors, which in turn exercised the power reference and brokerage relationships. These relationships had the unintended consequences of the influence of economic power in meeting public demands and extent of relationships with political parties. Key-words: State Modernizations, Administration Reform, Public-Private Partnerships, and Economic and Organizational Sociology 1. Introdução A organização do Estado brasileiro faz parte de um processo de construção social, por um lado, das esferas político-administrativas da união, estados e municípios e, por outro lado, pela esfera privada e de relacionamentos interorganizacionais entre o Estado e o mercado. As parcerias entre a esfera pública e o interesse privado como, por exemplo, as parcerias público-privadas chamam atenção da sociedade sobre seu processo de construção social. No discurso de seus promotores a principal justificativa para as parcerias formatadas em arranjos organizacionais entre o Estado e a iniciativa privada está, por um lado, na necessidade de investimentos em infraestrutura e, por outro lado, nas limitações orçamentárias do Estado que obrigam os governos a recorrer a atores privados para construção, operação e manutenção de serviços de utilidade pública.

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O Estado recorre frequentemente ao setor privado para obter serviços ou bens necessários ao seu funcionamento ou para realização do atendimento do interesse público, não se restringindo a proposições recentes como as parcerias público-privadas como, por exemplo, as concessões de rodovias, geração de energia etc. A articulação entre o ator público e o privado é regulada por meio de contratos administrativos. Para Mello (2004), os contratos administrativos são uma figura jurídica perfeitamente conhecida e representam instrumentos legais que regulam relacionamentos contratuais entre o Estado e outros sujeitos imersos em interesses privados, que expandem sua atuação na Administração Pública, principalmente, a partir da Reforma Administrativa brasileira do início da década de 1990 (BRESSER-PERREIRA, 2007 e 1998). Conforme Brito e Silveira (2005) e Trosa (2001) a parceria público-privada é uma concepção de um modelo institucional transparente e eficiente decorrente do aprimoramento do modelo contratual da Administração Pública. A legitimação da interseção da ação pública com a iniciativa privada em relações contratuais é justificada, conforme Brito e Silveira (2005), pela crescente complexidade das relações sociais e pela demanda da população por serviços e produtos públicos cada vez mais especializados, que aliados a escassez orçamentária, pressionam o Estado brasileiro a novos formatos organizacionais que integram a esfera pública e privada da sociedade brasileira. Conforme Moore (2007), os cidadãos parecem depositar crescente confiança no poder do setor privado para melhorar as condições de suas sociedades por meio das parcerias público-privadas. Estas podem ajudar governos com dificuldades em alcançar seus esforços de promoção da prosperidade econômica, sociabilidade e justiça, entretanto, esses arranjos não podem ser prejudiciais para o interesse público (MOORE, 2007).

O processo de construção social da organização pública brasileira é influenciado por pressões e interesses da sociedade. Neste trabalho, dando continuidade a apresentação de resultados de agenda de pesquisa sobre as parcerias entre e inter organizações do Estado e do mercado, foi apresentada a sociologia econômica e das organizações do capitalismo contemporâneo brasileiro como consequência objetiva de uma estrutura social. No contexto do fenômeno de modernização do Estado brasileiro e da potencialização de redes organizacionais emergiu a pergunta que norteou este artigo: como foram organizados os entes federados da República brasileira e do mercado por meio de parcerias público-privadas em Minas Gerais e de investimentos para Copa do Mundo FIFA de 2014? Diante deste problema foi definido como objetivo geral deste artigo a análise do processo de modernização do Estado brasileiro por meio da divisão, organização e das redes empresariais de parcerias entre o público e o privado. Para tanto, os objetivos específicos foram: 1) identificação das parcerias público-privadas firmadas a partir de 2000 no território de Minas Gerais e nos investimento da Copa do Mundo FIFA de 2014 no país; 2) identificação das empresas e consórcios vencedores dos processos licitatórios com a definição de possíveis divisões do trabalho entre as organizações; 3) análise das redes empresariais apresentadas por Melo-Silva (2016a e 2016b). 2. Diferenciação da organização social e vínculos estruturais em redes

A sociologia econômica clássica considera, na sociedade dividida pelo trabalho e regulada pelos contratos, a moral com o papel de permitir a realização e adequação entre os interesses individuais e coletivos. Nesta perspectiva as regras morais são fundamentais para a estabilidade da sociedade, uma vez que asseguram o respeito às instituições básicas. Estas instituições, por sua vez, asseguram a confiança no mercado, mesmo entre pessoas que não se

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conhecem diretamente, pelo respeito aos maiores valores fundamentais da sociedade moderna, ou seja, os direitos dos indivíduos (RAUD-MATTEDI, 2005). Na abordagem microsocietal da sociologia econômica funcionalista, os indivíduos perseguem seus próprios interesses com harmonia social, que deriva essencialmente da divisão do trabalho e que consiste numa cooperação que se produz automaticamente. Basta que cada indivíduo se consagre a uma função especial para se encontrar solidário aos outros papéis existentes na organização industrial. O interesse individual de se consagrar a uma determinada função e conviver em harmonia com as demais funções exercidas por indivíduos distintos indica a existência implícita de normas e regras sociais que influenciam o comportamento humano. Para que os indivíduos cooperem não basta à relação o sentimento de dependência, mas torna-se necessário que direitos e deveres sejam estabelecidos como, por exemplo, por meio de relações contratuais. Estas condições são fatores coletivos e determinam à ação social dos indivíduos (DURKHEIM, 1999).

Toda sociedade é uma sociedade moral e este caráter passa a ser mais pronunciado nas sociedades organizadas pelo trabalho dividido. O indivíduo não se basta e é da sociedade que ele recebe tudo o que lhe é necessário, como é para ela que ele trabalha. O adensamento e o número total dos membros da sociedade influenciam a divisão do trabalho social, mas é preciso que os indivíduos estejam em contato bastante íntimo para que possam agir e reagir uns sobre os outros (DURKHEIM, 1999). Portanto, o trabalho se divide mais à medida que as sociedades se tornam mais volumosas e mais densas moralmente, entretanto, os rivais ou competidores não são obrigados a se eliminarem mutuamente, estes podem coexistir um ao lado do outro, cada qual com sua especialidade, ou seja, sua individualidade ocupacional. Por um lado, à medida que a divisão do trabalho social (DTS) se desenvolve os indivíduos especializados têm os meios para se manterem e sobreviverem. Por outro lado, uma indústria só pode viver se corresponder a alguma necessidade. O trabalho como um fator de produção econômico só pode se dividir se o seu resultado, a especialização, funcionalmente corresponder a uma necessidade da sociedade. O resultado utilitário econômico da nova especialização é a tendência de aumento da produção. A relação econômica com o progresso da DTS também é definida pela pressão social que os indivíduos exercem sobre a organização social, especificamente, por sentirem realmente a necessidade de produtos mais abundantes e de valor econômico unitário mais acessível. Além dos aspectos de volume e densidade social e do atendimento de necessidades de consumo, conforme Durkheim (1999), para grupos sociais serem organizadas a partir do trabalho torna-se necessário um sistema desenvolvido de regras que predeterminam o funcionamento de cada órgão. Portanto, à medida que o trabalho se divide, constitui-se uma multidão de morais e de direitos profissionais, porém essa regulamentação não deixa menos ampliada a esfera da ação do indivíduo (DURKHEIM, 1999).

A perspectiva da sociologia econômica clássica durkheiminiana apresenta uma grande capacidade explicativa para a realidade organizacional de modernização do Estado brasileiro. Durkheim (1999) aplica suas categorias analíticas para organizações econômicas, até mesmo para as cidades que tendem a se especializar e ter uma funcionalidade para a organização econômica da sociedade capitalista, mas seu foco está na organização do trabalho tendo como referência o indivíduo na sociedade. Entretanto, neste trabalho defendo que a capacidade categoria da sociologia económica clássica durkheiminiana é aplicável ao campo das organizações para compreensão da divisão e organização do trabalho interorganizacional. A perspectiva durkheiminiana aponta a diferenciação social em sociedades em que mercados fazem parte de sua organização, mas por limitações do estágio de desenvolvimento capitalista,

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o autor restringiu-se aos indivíduos e não abordou as organizações como na perspectiva da nova sociologia econômica. Portanto, em um contexto contemporâneo, para a nova sociologia econômica, o mercado também é influenciado por uma realidade que emerge do contexto social, por exemplo, conforme Granovetter (2002), por meio de costumes, hábitos ou normas. Além do indivíduo, grupos, relações sociais e outras variáveis como, por exemplo, gosto, conhecimento, educação, etnia e família podem influenciar a ação econômica, portanto, seus interesses (GRANOVETTER, 2002; STEINER, 2006). As análises econômicas de sociólogos como M. Granovetter, R. Swedberg e N. Smelser são decorrentes da observação de fenômenos de médio alcance, especificamente de aspectos estruturais como, por exemplo, as estruturas de mercados de trabalho, desenvolvimento local, formação de grupos, etc. A delimitação da estrutura é apropriada para a compreensão do mercado que será construído com os serviços para atender o interesse público que serão operacionalizados, por exemplo, por parcerias público-privadas, que são um fenômeno organizacional não isolado do mundo que o cerca, portanto, conectado com outros indivíduos e grupos de seu tempo social. O mercado é um fato social que a nova sociologia econômica busca compreender especificamente a partir da estrutura das redes sociais que influenciam a ação coletiva com a geração e com seu contexto cultural. A ação econômica é influenciada por aspectos como, por exemplo, racionais e político-econômicos, que definem restrições de recursos escassos em estruturas sociais. A economia é parte integrante da sociedade, que é sua base de referência e que pode ser analisada a partir de descrições e explanações feitas a partir de métodos históricos comparativos. O modelo sociológico pressupõe que a ação econômica individual é influenciada por padrões institucionais, por induções estruturais e pelo desenvolvimento social, que tem como resultados índices institucionais que consequentemente influenciam a racionalidade humana e ajustam os padrões institucionais iniciais (SMELSER e SWEDBERG, 1994).

Granovetter (2002) retoma a abordagem sociológica dos fenômenos econômicos com discussões que mostram a influência das relações sociais na ação, resultados e instituições econômicas e impulsiona os estudos com conceitos fundamentais para a análise da vida econômica como rede e imersão. A análise de redes de relacionamento tem como vantagem o fato de constituir, conforme Swedberg (2004), uma ferramenta flexível por meio da qual se pode lidar com um número considerável de fenômenos sociais e econômicos no mercado. A análise de redes tem sido usada, por exemplo, para explorar diversos tipos de interações econômicas que não podem ser classificadas nem como costumes nem como algum tipo de organização econômica. Essas formas sociais intermediárias são, por vezes, referidas como formas de organização em rede (SWEDBERG, 2004).

Estas análises têm, conforme Swedberg (2009), dado ênfase a fenômenos de médio alcance e mostram que os interesses são socialmente definidos e que só podem ser concretizados por meio de relações sociais. Estas abordagens consideram a economia como um processo que começa na produção, prossegue com a distribuição para atender o consumo (SWEDBERG, 2009). Portanto, com a observação específica da esfera econômica da distribuição da produção retomam a fecundidade dos conceitos de Polanyi (2000) de redistribuição, reciprocidade e troca. A redistribuição costuma ser realizada pelo Estado ou alguma outra autoridade política, em que o que é redistribuído é consumido e o crescimento da economia segue discussões políticas ao invés de uma lógica interna e independente do mercado. A reciprocidade implica em uma forma horizontal de distribuição como, por exemplo, em uma

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economia familiar ou de parentesco, portanto, uma economia que tende ao tradicionalismo e a alguma forma de equidade. A troca é uma forma de distribuição da produção que pode levar a um sistema econômico com uma economia sempre crescente (POLANYI, 2000).

Conforme Swedberg (2009), a troca caracteriza a organização capitalista da economia e este tipo desenvolve sua dinâmica a partir do fato de que a meta final do processo econômico não é exclusivamente o consumo, mas também o lucro. E, quanto mais este lucro é reinvestido na produção, mais dinâmica será a economia. Portanto, em outras palavras os dois mecanismos chave deste processo social são a troca organizada, ou seja, o mercado e o ciclo de realimentação do lucro para a produção. A sociologia econômica dos mercados deve observar as mudanças no mecanismo de troca que alimentam o processo dinâmico do capitalismo e que tem no mercado sua instituição central, entretanto, o mercado tem este papel central somente quando por este passa a maior parte do que é produzido para o consumo (SWEDBERG, 2009).

Os interesses econômicos de mercado estão para a nova sociologia econômica imersos em redes pessoais e de grupos sociais. O mercado, portanto, não se constitui de firmas isoladas, como nos modelos de concorrência perfeita da ciência econômica, mas de aglomerados de firmas que formam uma estrutura social (SWEDBERG, 1994). Conforme Granovetter (1994), um ponto importante que distingui os grupos econômicos de simples aglomerados financeiros, como os conglomerados, é a existência de solidariedade social e de uma estrutura social entre as firmas que o compõem. Solidariedade que está imersa em laços ou vínculos sociais como, por exemplo, os familiares, de amizade ou étnicos. As redes sociais facilitam a circulação de informações e asseguram confiança ao limitar os comportamentos oportunistas, já que, o mercado tem uma estrutura social (GRANOVETTER, 2002).

É importante salientar que as relações sociais não passam necessariamente por relações pessoais. A dimensão social das relações econômicas decorre do fato de que, no quadro da troca mercantil, os atores econômicos não levam em conta somente seus interesses próprios, mas também o contexto institucional, em particular as regras jurídicas, morais e tradicionais (RAUD-MATTEDI, 2005). 3. Modernização do Estado e reforma da administração pública brasileira

Independente do projeto político-partidário, as parcerias entre o Estado e a iniciativa privada são propostas como uma opção de compartilhamento da operacionalização de ações demandadas pela sociedade por meio de parcerias reguladas contratualmente. A intensificação dos relacionamentos entre o interesse público e privado ocorrem em uma agenda de modernização do Estado e de reforma da administração pública. O processo de construção social da administração pública brasileira passou por pressões de interesses da sociedade que influenciaram modelos administrativos patrimonialistas, burocráticos, gerenciais e pró governança pública (ABRUCIO, 2007; COSTA, 2008; PAIVA, 2009).

As reformas administrativas do aparato burocrático do Estado estão relacionadas ao contexto político, social e cultural dos países, portanto, não se restringem aos aspectos legais e técnicos da administração pública (COSTA, 2008; PAIVA, 2009). Na história do Brasil existiu, desde a colônia até os dias atuais, três modelos de administração pública: o patrimonialista, o burocrático e o gerencial. Os momentos político-administrativos, em que emergiram do contexto nacional estes modelos administrativos, tem como marcos históricos, por exemplo, o Império, a Velha República, o período Vargas, os governos militares e o período de redemocratização. As reformas que ocorreram nestes mais de 200 anos possibilitaram centralizações e descentralizações do processo decisório do Estado, criações, fusões e extinções de órgãos da administração pública direta e indireta e a construção do serviço

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público nacional (COSTA, 2008).

Conforme Paiva (2009), a organização da administração pública brasileira tem sua gênese na implementação de um governo central Português nos assuntos locais da Colônia brasileira e posteriormente do Império Unido. Desde o período colonial até meados da primeira metade do século XX, a transformação de um modelo patrimonialista para um burocrático ocorreu com a construção de um Estado nacional e consequentemente de sua estrutura como um processo amplo e relativamente contínuo. As reformas administrativas implementadas desde a década de 1.990 trouxeram, conforme Abrucio (2007), avanços e inovações, mas também apresentaram resultados desiguais e fragmentados para o conjunto do Estado.

A “Nova Gestão Pública”, que foi o principal foco das reformas dos últimos 20 anos no país, foram espelhadas em reformas de outros países, principalmente de origem nórdica. As reformas buscam instrumentos gerenciais e democráticos para o combate aos problemas que o Estado enfrenta no mundo contemporâneo (ABRUCIO, 2007). A partir do final dos anos 1980 começa a emergir, em paralelo com a pressão social pela abertura política e pela redemocratização, a demanda por um novo modelo de administração pública no país que rompa com as limitações do modelo burocrático. A realidade nacional e o cenário internacional influenciaram as reformas no país em direção a uma série de conceitos de atuação e gestão da máquina pública que foram denominados como New Public Management (NPM). Este modelo de administração pública teve como objetivo viabilizar a apropriação, por parte do Estado, de um pragmatismo gerencial que viabilizasse administradores públicos mais autônomos e responsáveis, e as agências executoras dos serviços públicos mais descentralizadas e eficientes. Neste sentido, nas últimas décadas ocorreu no Brasil uma reforma administrativa do Estado que buscou modificar a forma de administrar a oferta dos serviços públicos. Conforme Bresser-Pereira (1998) e Martins (1997), as técnicas de inovação nas práticas da administração pública nacional foram introduzidas ao mesmo tempo em que se implantavam programas de ajuste estrutural de enfrentamento da crise fiscal do Estado. A reforma da administração pública no final do século XX pode ser caracterizada pelo esforço dos dirigentes públicos e pela transição de um modelo essencialmente burocrático para um modelo de gerenciamento público. Os principais fatores impulsionadores foram a necessidade de priorização dos gastos, aumento da eficiência do recolhimento de impostos e economicidade no uso dos recursos, com responsabilidade fiscal e estabilização macroeconômica. A priorização dos gastos foi justificada pela consideração da relação entre os cidadãos beneficiados e os interesses públicos atendidos. O modelo questionava a gestão pública em relação aos custos e benefícios das opções (MARTINS, 1997). Um marco recente do avanço da modernização do Estado brasileiro ocorrei na década de 2000, com a iniciativa governamental do Estado subnacional de Minas Gerais, onde foi instituído pioneiramente no país uma normatização especifica para parcerias público-privadas. A viabilização de investimentos, de interesse do Estado e da sociedade, via relacionamentos econômicos com o mercado foi, conforme Abrucio (2007), um caminho da reforma administrativa gerencial dos últimos 20 anos que propôs, de forma estruturada, o compartilhamento de tarefas com o setor privado para fortalecimento da ação governamental.

A relação público-privada e o redirecionamento das operações do Estado abriram espaços para a atuação do setor privado em atividades tradicionalmente exclusivas de empresas estatais na América Latina. Neste contexto e dando continuidade à modernização do Estado, as parcerias público-privadas (PPPs), por um lado, consolidaram as políticas de liberalização das atividades do Estado (Broadbent e Laughling, 2003). Por outro lado, foram uma alternativa para crescente demanda da população por serviços públicos. A instituição da nova

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forma de relacionamento socioeconômico ocorreu em termos de valores e resultados dos serviços públicos. Para Broadbent e Laughling (2003), as PPPs incluem novas possibilidades para prestação de serviços públicos, advindos de organizações que exploram as relações interinstitucionais entre o Estado e o mercado. As atividades exploradas por estas organizações, inclusive as privadas, possibilitaram a exploração de serviços que antes eram de propriedade e controle do setor público. A modernização do Estado caminhou no sentido de apontar que com as PPPs estes serviços poderiam ser de propriedade e controlados tanto pelo Estado como pela iniciativa privada ou até mesmo de forma compartilhada entre Estado e mercado. Vale ressaltar, fazendo uso de Joyner (2007), que vários fatores estimulam esta dinâmica socioeconômica de compartilhamento de interesses entre o público e o privado como, por exemplo, alguns serviços que nem o governo ou o setor privado sozinho podem oferecer de maneira eficaz e eficiente para a sociedade. Entretanto, a análise das relações existentes, entre os interesses do Estado e do mercado, não pode desconsiderar o desenvolvimento institucional e as relações de poder interorganizacionais. A modernização do Estado com a formalização da organização explícita com o mercado pode ser questionada, conforme Moore (2007), a partir da definição do valor público a ser produzido a partir das parcerias. De acordo com Moore (2007), ao longo da história capitalista, o público e o privado vêm cooperando em grandes empreendimentos econômicos e no estabelecimento da ordem social e devem ser reconhecidos em macro arranjos institucionais. Vale ressaltar, ainda conforme Moore (2007), que as PPPs explicitam relacionamentos em micro arranjos, ou seja, em negociações específicas estabelecidas entre representantes, de um lado, de organizações do setor privado, por meio da classe de dirigentes do mercado e, do outro lado, de organizações do setor público, por meio dos burocratas e políticos. Outro aspecto relevante dos relacionamentos entre o Estado e o mercado é a concentração de poder nas classes dirigentes. As organizações públicas e privadas desempenham papel político estratégico na organização da vida cotidiana dos cidadãos. Classes de dirigentes formadas, por um lado, pela burguesia composta por empresários e rentistas e, por outro lado, pela burocracia política constituída por burocratas profissionais e políticos eleitos. Neste sentido, esta realidade aponta o poder das classes dirigentes do mercado e dos burocratas e políticos do Estado. Tanto os dirigentes, da iniciativa privada, como os burocratas, da estrutura administrativa do Estado, têm consciência de que seu poder e prestígio dependem, essencialmente, da autonomia e da força do Estado-nação que dirigem. Portanto, o interesse na autonomia e força do Estado-nação os leva a ter interesses comuns que superam eventuais divergências ideológicas (BRESSER-PEREIRA, 2007).

A intensificação dos relacionamentos entre Estado e mercado, de acordo com Moore (2007), chama atenção pela diferenciação na sociedade em micro arranjos e, conforme Bresser-Pereira (2007), pelo poder das classes dirigentes, tanto da administração pública como das empresas privadas. A modernização do Estado e a intensificação de relacionamento com o mercado pode ser compreendida na vida cotidiana, por meio dos contratos de PPPs, concessões e de compras governamentais. Estes contratos interorganizacionais foram intensificados com a reforma administrativa dos últimos 20 anos no Brasil e possuem sua sociologia estrutural e de posicionamento de poder.

4. Percurso metodológico Este trabalho conta com análises específicas apresentadas em Melo-Silva (2016a e 2016b). Em Melo-Silva (2016a) foram representados graficamente e descritos sociometricamente os relacionamentos, entre o Estado e o mercado, nas parcerias público-privadas (PPPs) e nos

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investimentos para Copa do Mundo FIFA de 2014 no território de Minas Gerais. Em Melo-Silva (2016b) foram representados graficamente e descritos sociometricamente os relacionamentos, entre o Estado e o mercado, nos investimentos para Copa do Mundo FIFA de 2014. Fazendo uso de Vergara (2007), esta pesquisa pode ser categorizada a partir da estratégia descritivo-analítica, por ter como objetivo a descrição de características de determinada população ou fenômeno, ou então, o estabelecimento de relações entre variáveis. A descrição e análise das relações caracterizam este trabalho como um estudo de caso que é, conforme Morra e Friedlander (1999), um meio de aprendizagem acerca de um objeto complexo, baseado num amplo entendimento por meio de uma descrição extensiva e de análise em determinado contexto (MORRA e FRIEDLANDER, 1999).

A pesquisa contou, para a coleta de dados, com a análise dos processos licitatórios e de contratos publicizados em meios de comunicações oficiais da União e de Minas Gerais. Os dados foram coletados a partir da execução das seguintes atividades: identificação das parcerias público-privadas, consórcios e licitações por meio dos contratos publicados no diário oficial; análise de documentos sobre processos licitatórios, compras governamentais e parcerias público-privadas divulgados no site Copa Transparente e Copa 2014; identificação das empresas e consórcios formados para prestação dos serviços públicos; representação gráfica das redes; descrição das medidas de centralidade dos atores; e, entrevista com os professores Alketa Peci da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas e Luiz Carlos Bresser-Pereira da Escola de Economia de São Paulo, ambas da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Os dados secundários foram agrupados e organizados em tabelas com a identificação das relações entre as organizações, dos setores econômicos e da atuação do Estado e do mercado. Estes foram analisados a partir da frequência encontrada entre empresas, setores e administração pública, direta e indireta, com o objetivo de caracterizar o mercado dos serviços públicos concedidos. Os dados das organizações públicas e privadas disponíveis nos contratos foram sistematizados por: código alfanumérico, denominação da organização, CNPJ, representantes, Certificado de Pessoa Física, intervenientes anuentes ou fiadores com CNPJ e valor do contrato. Para a análise sociométrica a organização e sistematização dos dados foi evidenciada em uma rede de PPPs e investimentos em Minas Gerais e na Copa do Mundo FIFA de 2014, que foram representadas graficamente e as medidas de densidade da rede e de posição dos atores (centralidade, proximidade e intermediação) foram analisadas, por meio do software Ucinet for Windows. Para facilitar a representação gráfica as organizações foram caracterizadas com códigos alfanuméricos, sendo que foram definidas letras para categorias organizacionais e números sequenciais para as organizações em suas categorias. As categorias organizacionais e seus respectivos códigos alfabéticos foram os seguintes: organizações públicas – letra A; empresas privadas – letra P, consórcios empresariais – letra R; e, bancos, públicos e privados – letra V. 5. Divisão, organização pública e redes interorganizacionais

As redes analisadas apresentam similaridades e diferenciações em suas estruturas e posicionamento de atores. Foram representadas graficamente duas redes. A rede de PPPs e investimento para a Copa do Mundo FIFA de 2014 em MG (FIG.1) e a rede de investimentos para Copa do Mundo FIFA de 2014 (FIG.2). A representação gráfica das redes está apresentada na FIG.1 e 2.

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Figura 1 – Rede de PPPs e Investimentos para Copa do Mundo FIFA em Minas Gerais entre 2000 e 2014.

Figura 2 – Figura 1 – Rede de investimentos para Copa do Mundo FIFA de 2014.

Organizações públicas Consórcios empresariais Empresas privadas Bancos (públicos e de economia mista)

Fonte: Elaborado pelo autor, 2015. A rede de PPPs e investimentos para Copa do Mundo FIFA de 2014 (FIG.1) era composta por 127 atores. O valor total aproximado dos contratos foi de 6,7 bilhões de reais. Por um lado, 16 atores eram públicos e, por outro lado, existiam 25 concessionárias, 83 empresas ou grupos empresariais e 3 bancos. A rede de investimentos para a Copa do Mundo FIFA de 2014 (FIG.2) era composta por 446 atores, que se relacionaram em contratos administrativos de aproximadamente 24 bilhões de reais. Destes atores, 299 eram empresas privadas, que estavam organizadas em 80 consórcios empresariais, que atenderam demandas de 61 organizações públicas contratantes e que foram financiadas por 6 bancos, sendo 4 públicos e 2 privados.

A análise da estrutura em rede representadas nas FIG. 1 e 2, entre organizações do Estado e do mercado, possibilita indicar que as PPPs e os investimentos para a Copa do Mundo FIFA de 2014 ocorreram, conforme Abrucio (2007), Bresser-Pereira (1998) e Martins (1997), na direção da renovação da agenda das reformas administrativas e de modernização do Estado brasileiro. Tal afirmação tem como referência a constatação de que a efetivação dos investimentos ocorreu com a divisão do trabalho social entre o Estado e o mercado, em que organizações públicas demandaram por relações contratuais de mercado que foram operacionalizados por organizações privadas, que em sua maioria, aproximaram e intermediaram, conforme Broadbent e Laughling (2003), Joyner (2007) e Moore (2007), relações de cooperação entre o interesse público e o privado.

Conforme Melo-Silva (2016, a e b), existe um posicionamento diferenciado na rede das organizações públicas, responsáveis pela regulação e oferta dos serviços públicos e das organizações privadas, responsáveis pelo compartilhamento dos investimentos, no caso das

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sociedades de propósito específico que exploraram parcerias público-privadas (PPPs) e as construtoras que foram responsáveis pela execução dos investimentos. Também ficou evidente a própria divisão do trabalho entre os entes federados, União, Estados e municípios. Sendo que o ente federado União ficou responsável pelas contratações referentes as demandas dos aeroportos, portos e até mesmo por serviços específicos de segurança pública, os Estados- membro da federação ficaram responsáveis por investimentos como, por exemplo, nas arenas esportivas e o ente federado município ficou responsável por investimentos como o de mobilidade urbana. A análise sociométrica apresentada por Melo-Silva (2016, a e b) indica com seus resultados aspectos em consonância com os trabalhos de Bresser-Perreira (1998), Martins (1997) e Broadbent e Laughling (2003), entre outros apontando que o Estado passa a agir como um agente regulador, por meio da oferta de contratos, e financeiro como, por exemplo, com a atuação de destaque dos bancos públicos ou em diferentes níveis, sejam eles, órgãos de Estados-membro da federação ou de municípios, que se especializam por ente federado nas demandas da sociedade como, por exemplo, em aeroportos, arenas esportivas e mobilidade urbana. As relações contratuais das PPPs e dos investimentos para a Copa do Mundo FIFA de 2014 foram estruturadas em rede de relacionamentos público-privadas, fazendo uso de Swedberg (2009), que fortaleceram a economia como um processo que começou na produção, prosseguiu com a distribuição para atender o consumo, nestes casos de serviços públicos, por exemplo, de entretenimento, segurança e de transportes urbanos. A modernização do Estado brasileiro, portanto, teve continuidade como uma construção social em que o mercado exerceu papel fundamental no desenvolvimento de atividades do Estado, que passam a ser trocadas com a sociedade por meio de PPPs, concessões e compras governamentais, portanto, por meio de contratos administrativos que, por sua vez, proporcionaram atendimentos públicos em troca de lucratividade do interesse privado. Neste caso e recorrendo a Granovetter (1973), podemos compreender que estes relacionamentos contratuais foram estimulados para uma liberação das atividades do Estado por meio de ações de mercado inseridas em estruturas mais amplas de relações e intercâmbios sociais com o interesse privado.

Entretanto, a confiança subjacente e o interesse socialmente definido, conforme Granovetter (1993) e Swedberg (2004), entre os atores públicos e privados, pode não se exaurir somente nas relações contratuais existentes entre estes nas PPPs, concessões e compras públicas. De acordo com Raud-Mattedi (2005), aspectos morais entre os atores podem fomentar as relações entre o Estadno e o mercado, possibilitando que os relacionamentos formalmente descritos, por exemplo, nos contratos das PPPs extrapolem a atividade econômica e possibilitem o atendimento de interesses diversos. Portanto, a rede, conforme Granovetter (1993 e 2002), Swedberg e Granovetter (1992) e Swedberg (2004 e 2009), apresentada na FIG.1, pode extrapolar os interesses econômicos dos atores privados e de atendimento dos interesses públicos, viabilizando os interesses, por exemplo, conforme Bresser-Pereira (2007), de grupos de poder de dirigentes públicos (burocratas e políticos) e privados.

Por um lado, na rede representada na FIG.1 ficou evidente que nas campanhas eleitorais para governador de Minas Gerais nos anos de 2002, 2006 e 2010, conforme Melo-Silva (2016a), tanto candidatos como partidos políticos foram financiados pelos atores privados que se posicionavam na rede interorganizacional. Os dados das campanhas eleitorais confirmam a existência de relações entre o interesse privado com o processo político eleitoral no território subnacional em que as empresas exploraram atuações compartilhadas com o Estado.

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Considerando, fazendo uso aqui de Bresser-Pereira (2007), que as classes dirigentes públicas e privadas desempenham papel político estratégico, podendo exercer seu poder e se apropriar da confiança, existente entre os atores das PPPs e dos investimentos em Minas Gerais, para geração de vantagens comparativas, pelo lado dos dirigentes públicos no processo eleitoral democrático e pelo lado dos dirigentes privados na exploração das atividades públicas.

Por outro lado, entre os atores privados da rede representada na FIG.2 existem alguns que estão envolvidos na atuação do Ministério Público Federal (MPF), por meio da Operação Lava Jato. Portanto, conforme Bresser-Pereira (2007), os relacionamentos entre o Estado e o mercado evidenciam, mais uma vez, a concentração de poder em classes dirigentes de organizações públicas e privadas. Entretanto, vale ressaltar, de acordo com Moore (2007), que os resultados da atuação do MPF apontam questões éticas que emergem dos relacionamentos dos dirigentes de empresas, órgãos públicos e de partidos políticos brasileiros. Neste sentido, corroborando com Moore (2007) e Bresser-Pereira (2007), das 16 empresas denunciadas, pelo MPF na Operação Lava Jato, 7 realizaram contratos administrativos com o Estado para obras da Copa do mundo FIFA 2014. Portanto, os atos administrativos necessários para efetivação dos investimentos para Copa do Mundo FIFA de 2014 também podem ser analisados com a emergência de questões morais da sociologia econômica do capitalismo brasileiro, com a inclusão nestas redes de organizações partidárias. 6. Considerações finais Este trabalho analisou o fenômeno das parcerias interorganizacionais entre o Estado e a iniciativa privada, por meio de contratos de PPPs, concessões e compras públicas que ocorreram na efetivação dos investimentos para Copa do Mundo FIFA de 2014. Estas relações econômicas, entre o público e o privado, foram estruturadas em uma rede de relacionamentos que foi representada graficamente com o posicionamento dos atores por meio de medidas de centralidade.

O estreitamento da relação entre o Estado e o mercado e sua intensificação foi compreendido, neste trabalho, como um esforço de continuidade da reforma da administração pública brasileira. As redes interorganizacionais entre o Estado e o mercado para Copa do Mundo FIFA de 2014 indicam que o Estado, por meio de organizações públicas, contrata no mercado serviços e produtos para ofertar a população. A sociologia econômica e da organização público-privada evidenciadas nas redes interorganizacionais indicam uma divisão do trabalho entre órgãos da administração pública federal. Portanto, o Estado ao invés de atuar no mercado, por exemplo, como prestador de serviços, passa a solicitar do mercado a satisfação de necessidades públicas, exercendo um papel de gestor de contratos. Outro aspecto é que o Estado passa a se relacionar com maior intensidade com o mercado demandando que empresas se apropriem e explorem atividades públicas compartilhando os riscos dos investimentos.

Os relacionamentos interorganizacionais no campo público brasileiro ocorrem em uma realidade complexa que, por um lado, convive com uma administração do Estado que, em meados da segunda década do século XXI, apresenta um hibridismo de modelos em que ocorrem casos de nepotismo, pessoalidade e falta de gerenciamento dos recursos disponíveis. Esta realidade é mais complexa quando consideramos que podemos estar vivenciando nos modelos de administração pública uma mudança na concentração de poder de uma aristocracia portuguesa colonizadora, do modelo patrimonialista, para uma elite política e econômica contemporânea formadas pelos dirigentes partidários e empresariais, do modelo gerencialista.

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