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18 CAPITULO II O CAIÇARA : MODO DE VIDA, SUSTENTO E NOMADISMO. Cultura caiçara é uma herança decorrente da miscigenação entre o português e o indígena do litoral brasileiro, com influencia mais tardia do negro. O caiçara tirava seu sustento da pesca e do roçado e morava em casas de pau-a-pique (ou estuque), feita de uma grade de paus e bambus amarrados com cipó preenchida com barro. Cercavam as plantações com bambus ou galhos fincados à terra (esse tipo de cerca é o significado original da palavra caiçara). O modo de vida é organizado de forma que o uso dos recursos fica distribído entre a pesca e a roça, complementado por atividade de coleta. As duas estações do ano bem marcadas – verão e inverno – garantem a alternância da pesca: no inverno, o ponto mais alto da atividade com o “arrasto da tainha” e o verão, com outras espécies. A pesca de arrasto envolve grande parte da comunidade, é uma atividade coletiva, onde o produto é distribuído pelos participantes. Já a pesca com caniço e rede de espera é individual. No Aventureiro, por exemplo, muitos homens pescam” embarcados”, alto mar, e passam muitos dias longe de casa. (VILAÇA & MAIA; 2006). Em sua obra Ensaios de Antropologia Indígena e Caiçara, Giconda Mussolini (1980), descreve a cultura caiçara em um ensaio de grande importância dentro das ciências sociais, chamando atenção para a dieta da mandioca, peixe seco, e de toda diversidade que compunha a subsistência caiçara. O sistema de plantio era a roça de toco oou coivara, ou seja, derrubada e queima da mata, seguindo-se um período de abandono ou pousio da terra para restauração da fertilidade do solo. A agricultura deixou suas marcas na floresta da ilha como, por exemplo, grande mosaico de florestas secundárias com diferentes idades de acordo com o pousio da terra. Hoje poucas pessoas praticam a agricutura de subsistencia na Ilha Grande, mais muitas ainda moram em casas de pau-a-pique, praticam a pesca artesanal e reclamam que não há mais tanto peixe, como antes.

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CAPITULO II

O CAIÇARA : MODO DE VIDA, SUSTENTO E NOMADISMO.

Cultura caiçara é uma herança decorrente da miscigenação entre o português e o

indígena do litoral brasileiro, com influencia mais tardia do negro. O caiçara tirava seu

sustento da pesca e do roçado e morava em casas de pau-a-pique (ou estuque), feita de

uma grade de paus e bambus amarrados com cipó preenchida com barro. Cercavam as

plantações com bambus ou galhos fincados à terra (esse tipo de cerca é o significado

original da palavra caiçara).

O modo de vida é organizado de forma que o uso dos recursos fica distribído

entre a pesca e a roça, complementado por atividade de coleta. As duas estações do ano

bem marcadas – verão e inverno – garantem a alternância da pesca: no inverno, o ponto

mais alto da atividade com o “arrasto da tainha” e o verão, com outras espécies. A pesca

de arrasto envolve grande parte da comunidade, é uma atividade coletiva, onde o

produto é distribuído pelos participantes. Já a pesca com caniço e rede de espera é

individual. No Aventureiro, por exemplo, muitos homens pescam” embarcados”, alto

mar, e passam muitos dias longe de casa. (VILAÇA & MAIA; 2006).

Em sua obra Ensaios de Antropologia Indígena e Caiçara, Giconda Mussolini

(1980), descreve a cultura caiçara em um ensaio de grande importância dentro das

ciências sociais, chamando atenção para a dieta da mandioca, peixe seco, e de toda

diversidade que compunha a subsistência caiçara.

O sistema de plantio era a roça de toco oou coivara, ou seja, derrubada e queima

da mata, seguindo-se um período de abandono ou pousio da terra para restauração da

fertilidade do solo. A agricultura deixou suas marcas na floresta da ilha como, por

exemplo, grande mosaico de florestas secundárias com diferentes idades de acordo com

o pousio da terra. Hoje poucas pessoas praticam a agricutura de subsistencia na Ilha

Grande, mais muitas ainda moram em casas de pau-a-pique, praticam a pesca artesanal

e reclamam que não há mais tanto peixe, como antes.

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Desde o litoral do Paraná, passando por São Paulo até o litoral

Sul Fluminense, entre as serras úmidas e o mar, ocorre a 500

anos a presença de uma população cuja a cultura está entranhada

nessa natureza. Os Caiçaras são representantes da história do

Brasil assim como outras comunidades tradicionais minoritárias

em nossa sociedade. (WIEFESLS; 2009: 02)

Caiçara é uma palavra de origem tupi que refere-se aos habitantes das zonas

litorâneas formadas principalmente no litoral do Estado de São Paulo. Também existe a

“cultura caiçara” no litoral paranaense e no litoral sul do Estado do Rio de Janeiro.

Inicialmente designava apenas a indivíduos que viviam da pesca de subsistência. As

comunidades caiçaras nasceram a partir do século XVI da miscigenação de brancos de

origem portuguesa com grupos indígenas das regiões litorâneas do Estado de São Paulo

(tupinambás).

A palavra caa-içara é de origem tupi-guarani. Separadas, as duas palavras

sugerem uma definição: caa significa galhos, paus, “mato”, enquanto que içara significa

armadilha. A idéia provinda desta junção seria, a primeira vista, uma armadilha de

galhos.

E pelo que se entende por caiçara é de que ele pesca, caça e planta:

Ao longo dos séculos a população sempre esteve presente

vivendo da roça de subsistência, do extrativismo vegetal, da

caça e da pesca artesanal; os caiçaras com o seu característico

modo de vida...Um povo que conhece muito bem o seu território

ancestral e a dinâmica da natureza e que nos ensina a viver em

simbiose nela dando uma lição de ecologia para toda a

população urbana. (WIEFESLS; 2009: 03)

As populações caiçaras que habitam o litoral dos estados do

Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro, têm origem na miscigenação

entre o colonizador português, o índio e o negro, ocorrida a

partir das primeiras décadas da colonização. Historicamente, sua

subsistência baseou-se na agricultura itinerante (mandioca,

milho, feijão, batata doce, arroz e cana-de-açúcar), associada à

pesca, caça, extração vegetal, e serviços para terceiros

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(principalmente turistas), numa proporção variável, dependendo

da época e da região consideradas. (SILVA; 2005)

A família é ponto central em torno do qual se organiza a unidade de produção

caiçara. As relações de trabalho articuladas no seio do grupo doméstico que envolvem a

roça, casa e pesca. - bem como as relações externas de cada unidade que passam por

determinações das relações familiares, principalmente da força de trabalho disponível

na família

Sabemos, como diz o professor Rogério Ribeiro de Oliveira, que sua

sustentabilidade baseia-se na pesca e roça de subsistência e que sua cultura é oriunda da

miscigenação, e também, cultural dos colonizadores portugueses com o indígena que

sofre influencia posterior do negro.

O caiçara é a alma da ilha. Seu conhecimento, traço de sua ancestralidade, tratou

de preservar a biodiversidade que ora podemos observar. Sua riqueza e força preservada

à partir das lendas, da fala, da forma de cultivo da terra e do respeito a unidade homem-

natureza nos garantem o ainda e esperamos sempre, por isso, Ilha Grande.

Os recursos existentes em uma comunidade caiçara são de uso comunitário.

Observamos na organização do espaço caiçara a raridade de cercas. Servindo, quando

existem para impedir a entrada de animais a horta perto da casa, como afirma

(WIEFESLS; 2009):

A territorialidade caiçara se constrói diariamente sob praticas

que legitimam o seu poder de ação sobre o seu espaço vivido. O

caiçara têm o domínio sobre seu espaço e sobre suas técnicas de

trabalho.... A territorialidade se dá devido a acumulação de

saberes tradicionais, transmitidos de pais para filho há muitas

gerações. As nove escolas municipais da Ilha Grande são fontes

de informação e representam para as localidades onde estão

situadas, a única representação do poder publico operante no

local e proximidades. (WIEFESLS; 2009:6).

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Parnaioca.

A vila vizinha da Parnaioca, por exemplo, tornou-se praticamente desabitada em

decorrência das fugas constantes de presos (o presídio localizava-se na Praia de Dois

Rios, contigua a Parnaioca) como área da foto 15 onde havia antiga escola.

“De acordo com os relatos orais, viviam mais de duas mil pessoas

nesta praia, que esconde na mata de restinga inúmeras ruínas de

casas, que comprovam a densidade demográfica, que ali existiu. É

na Parnaióca que fica o cemitério católico do Aventureiro. Hoje

em dia a praia da Parnaióca é muito procurada por turistas, já que

além da praia, há um grande rio de água doce, com cachoeiras e

por ser praticamente desabitada é mais vazia do que outras praias

da Ilha Grande durante a alta temporada. A Parnaióca também

está fora dos limites da Reserva Biológica. (COSTA; 2008: 29).

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Saco do Céu

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Aroeiras

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“Com quantos paus se faz uma canoa!”

O caiçara, como já exposto, era exímio canoeiro e foi com o passar dos anos que

aprimoraram sua tecnica, que sem sombra de dúvida representa o artezanato local, para

se fazer uma canoa de 60cm de boca por 4m de comprimento, você derruba uma grande

árvore de bapuruvu- guapuruvu- de preferencia a retira do seu quintal por ser uma

árvore leve e fácil de trabalhar.

“Derrube-a com um machado, cave com o encho de duas

mãos, em seguida cave com o encho de uma mão, depois cave

com o encho de goiva, para o acabamento é necessário cavar com

o encho de goiva e plaina, cavando durante 1 mês. Para conservar

essa canoa por mais ou menos 50 anos, você deve pintar com

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casca de aroeira ou casca de cobi-coubi-. Tire a casca da aroeira

ou do cobi, cozinhe num taxo de cobre de 50 litros por um tempo

de 2 horas. Ainda quente derrube dentro da canoa, balançando a

canoa até molha-la toda, deixando de molho por dois dias. Assim

ela mudava de cor ficando curtida. Repita essa operação por todos

os anos. Você morre e a canoa fica para contar a história.”

(Senhor Clarindo Cardoso;2010)

Era costume cada filho homem nascido na família ser plantada pelo pai uma

muda de guapuruvu no quintal para que, o filho na idade adulta, pudesse cortar a arvore

e fazer sua própria canoa.

Foto 30a – Canoa caiçara.

Ressurreição; 2010

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A canoa do seu Ari sai todos os dias pela manhã e no final da tarde, vai fazer o

que sempre fez uma canoa vai ser a ferramenta para a subsistência de sua família e

assim continua, com 67 (sessenta e Sete) anos, 60 (sessenta) na pesca. “comecei a

pescar na idade de 7 (sete) anos de idade, meu pai que fez a minha canoinha, cabia eu

a rede” “meus irmãos não quiseram isso não, foram trabalhar no presídio e depois

foram embora”.

Foto 30b – Canoa como decoração de jardim.

Ressurreição; 2010.

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Foto 30c - Canoa como decoração.

Ressurreição; 2010)

Essa canoa não sai todos os dias para pescar e nem tem o caiçara como dono,

está em frente a uma pousada e não serve para o que sempre serviu, agora é apenas um

vaso de planta para ornamentar e embelezar a paisagem.

Essa Canoa era uma ferramenta de trabalho, depois foi um vaso de planta e

agora é só um resquício, quando seu Clarindo diz: “não dava mais, estava proibido,

estava cansado, tive que parar”, no inicio do século XXI, quando aparecem os

impedimentos. É proibido trabalhar (Gadelha, 2008). Hoje não se planta mais o bapuruvu para se fazer a canoa quando nasce um

filho, primeiro que se plantar não vai poder cortar, segundo a terra caiçara não é mais

tão ampla e está limitada ou pelo turismo que colocou um preço na mesma ou pelo

parque que a restringiu.

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Tabela 01 - Número de citações em cada comunidade da Ilha Grande (N = 131 pescadores) sobre os motivos da diminuição da quantidade de pescado.

Causas da diminuição do pescado

Barcos grandes 1 1 1 4 3 2 6 5 2 2 2 29 Tecnologia (sonar) 1 6 2 2 1 1 3 3 3 1 1 1 25 Arrasto ou traineira 2 5 2 1 1 1 3 4 2 21 Muita matança 2 1 2 3 2 2 12 Pesca predatória 1 2 2 1 3 9 Pesca submarina 1 2 1 4 1 9 Cerco 1 1 1 2 2 7 Mergulho 1 2 2 2 7 Não sabe 2 2 1 1 1 7 Redes 1 2 3

Fonte: Síntese baseada no Relatório do Diagnóstico Socioambiental das

Comunidades de Pescadores Artesanais da Baía da Ilha Grande (RJ). Instituto

BioAtlântica (IBio). Begossi, A.; Lopes, P. F., Oliveira, L. E. C. e Nakano, H. – Rio

de Janeiro : Instituto BioAtlântica, 2009.