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Modos Ventilatórios Básicos Marcelo Alcantara Holanda -Professor Associado de Medicina Intensiva e Pneumologia da Universidade Federal do Ceará (UFC) -Médico da UTI respiratória do Hospital de Messejana, Dr Carlos Alberto Studart Gomes. -Idealizador da plataforma xlung para ensino da Ventilação Mecânica Ao final deste capítulo o leitor deverá estar apto a: 1. Compreender o ciclo respiratório espontâneo fisiológico; 2. Compreender e classificar os ciclos respiratórios durante a ventilação mecânica; 3. Compreender os modos básicos de ventilação mecânica: o A/C, VCV – Assistido/controlado com ciclagem volume o A/C, PCV – Assistido/controlado com pressão constante, ciclado a tempo o SIMV – Ventilação mandatória intermitente sincronizada o PSV – Ventilação com pressão de suporte Pode-se definir como modo ventilatório, o processo pelo qual o ventilador pulmonar mecânico determina, seja parcial ou totalmente, como e quando os ciclos respiratórios mecânicos são ofertados ao paciente. O modo determina substancialmente o padrão respiratório do paciente durante a ventilação mecânica. Do ponto de vista classificatório, ainda há necessidade de um consenso ou padronização internacional sobre este tema, havendo ainda nos dias de hoje uma terminologia confusa, não padronizada. Esta situação é agravada pela adoção de distintos nomes de marca pelos fabricantes de ventiladores pulmonares, muitas vezes para modos com funcionalidades semelhantes, senão

Modos Ventilatórios Básicos

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Modos Ventilatórios Básicos

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Modos Ventilatórios Básicos

Marcelo Alcantara Holanda-Professor Associado de Medicina Intensiva e Pneumologia da Universidade

Federal do Ceará (UFC)

-Médico da UTI respiratória do Hospital de Messejana, Dr Carlos Alberto Studart

Gomes.

-Idealizador da plataforma xlung para ensino da Ventilação Mecânica

Ao final deste capítulo o leitor deverá estar apto a:

1. Compreender o ciclo respiratório espontâneo fisiológico;

2. Compreender e classificar os ciclos respiratórios durante a ventilação

mecânica;

3. Compreender os modos básicos de ventilação mecânica:

o A/C, VCV – Assistido/controlado com ciclagem volume

o A/C, PCV – Assistido/controlado com pressão constante, ciclado a tempo

o SIMV – Ventilação mandatória intermitente sincronizada

o PSV – Ventilação com pressão de suporte

Pode-se definir como modo ventilatório, o processo pelo qual o ventilador

pulmonar mecânico determina, seja parcial ou totalmente, como e quando os

ciclos respiratórios mecânicos são ofertados ao paciente. O modo determina

substancialmente o padrão respiratório do paciente durante a ventilação

mecânica. Do ponto de vista classificatório, ainda há necessidade de um

consenso ou padronização internacional sobre este tema, havendo ainda nos

dias de hoje uma terminologia confusa, não padronizada. Esta situação é

agravada pela adoção de distintos nomes de marca pelos fabricantes de

ventiladores pulmonares, muitas vezes para modos com funcionalidades

semelhantes, senão idênticas, por razões de ordem comercial. Em 2010, cerca

de 54 nomes de “modos” ventilatórios eram disponíveis, em 49 marcas de

ventiladores pulmonares. Todo este cenário contribui para grandes desafios no

treinamento de profissionais de saúde e, principalmente, favorece um manejo

às vezes inadequado dos modos ventilatórios mais comuns, chegando a por

em risco a vida dos pacientes sob ventilação mecânica.

Constitui objetivo deste capítulo apresentar uma definição simples e lógica

dos modos ventilatórios mais utilizados, aqui chamados de básicos. Ele se

divide em 4 partes: a conceituação do ciclo respiratório espontâneo, fisiológico,

seguido do ciclo respiratório ofertado pelo ventilador pulmonar, mecânico; os

modos ventilatórios mais usados, seus ajustes e limitações, e finalmente, as

perspectivas de novos modos recentemente disponíveis. Para facilitar as

explicações sobre os diferentes ciclos e modos serão utilizadas figuras obtidas

a partir de simulação computacional, tendo por base a equação do movimento

de gases no sistema respiratório em um modelo unicompartimental linear com

registro das curvas de fluxo, volume e pressão ao longo do tempo.

1.O ciclo respiratório fisiológico, espontâneo

A figura 1 apresenta o ciclo respiratório fisiológico ou espontâneo

sem qualquer suporte ventilatório mecânico.

Figura 1. Ciclos respiratórios fisiológicos. A intensidade e a duração da

pressão gerada pelos músculos inspiratórios (Pmus) varia modificando o

fluxo, o volume e as pressões de vias aéreas e alveolares em um

“paciente” com mecânica pulmonar próxima ao normal (valores de

Raw:3cmH2O.l.s e de Cst:150ml/cmH2O). A linha pontilhada destaca o

momento de transição da fase inspiratória para a expiração em um dos

ciclos. Notar que a Pmus determina o tempo, o fluxo e a quantidade de

volume corrente inspirado na proporção em que consegue negativar a

pressão alveolar. Referir-se ao texto abaixo para explicações mais

detalhadas.

Nesta figura, o esforço muscular inspiratório, representado pela

Pmus, varia em intensidade e duração em cada ciclo. A Pmus, ao

expandir o volume da caixa torácica, segundo a lei de Boyle, reduz a

pressão dos gases alveolares, representado pela pressão alveolar, em

azul, a valores um pouco abaixo da pressão atmosférica, considerada o

valor zero de referência. Isto gera um gradiente de pressão entre as vias

aéreas proximais (narinas e boca) e o parênquima pulmonar. Em

consequência deste gradiente, ocorre um fluxo de ar do ambiente

externo para os alvéolos através das vias aéreas, o fluxo inspiratório. O

formato e a intensidade da onda deste fluxo é determinado por este

gradiente pressórico e pela resistência das vias aéreas. Ao longo do

tempo, um certo volume de ar é insuflado aos alvéolos, ou seja, um

volume corrente (VC), que é definido pelo produto: fluxo x tempo. A

medida que os alvéolos são insuflados e o parênquima pulmonar é

estirado, a pressão elástica do tecido pulmonar se eleva na razão direta

do volume corrente inspirado dividido pela complacência dos pulmões e

da caixa torácica.

O tempo inspiratório consiste no intervalo que vai desde o início da

entrada de ar até o momento em que o valor máximo do VC é atingido.

Com a diminuição gradual da Pmus no final da inspiração, seguindo até

o relaxamento completo dos músculos inspiratórios, a pressão alveolar,

antes negativa, se eleva progressivamente até o ponto em que excede a

pressão das vias aéreas proximais, que se mantém zero. Neste ponto, a

onda de fluxo se inverte em direção ao ambiente externo a partir dos

pulmões, iniciando-se a expiração. Por convenção, a onda de fluxo

expiratória tem sinal negativo. O ar é expirado passivamente,

impulsionado pela pressão alveolar que se encontra elevada no instante

final da inspiração devido o aumento da retração elástica pulmonar e o

relaxamento da musculatura inspiratória. A exalação se processa

segundo a constante de tempo do sistema respiratório, que consiste no

produto da Raw x Cst, até o momento em que a pressão alveolar se

equilibra novamente com a pressão das vias aéreas quando o fluxo

cessa.

O tempo expiratório é computado como o intervalo que dura do início

do fluxo expiratório até o começo da inspiração subsequente. Cabe ao

centro respiratório, localizado no bulbo, todo o controle deste processo,

sendo o mesmo determinado por complexos mecanismos envolvendo,

entre outros elementos, impulsos neurais aferentes de

quimiorreceptores periféricos e centrais, mecanorreceptores nos

pulmões e caixa torácica, do córtex cerebral e de outras regiões do

sistema nervoso central. É neste intricado mecanismo do ciclo

respiratório que atua o ventilador pulmonar mecânico. Não surpreende

que o suporte ventilatório ainda apresente grandes limitações apesar de

grandes avanços tecnológicos nas últimas décadas.

2.O ciclo respiratório durante a ventilação mecânica

O suporte ventilatório artificial é essencialmente um processo que

substitui total ou parcialmente a ação dos músculos inspiratórios e o

controle neural da respiração. Dois tipos fundamentais de ciclos

respiratórios podem ser definidos na ventilação mecânica. Um primeiro,

em que o ventilador “controla” toda a fase inspiratória, ou seja, substitui

totalmente o esforço muscular respiratório e o controle neural do

paciente. Este ciclo será aqui denominado de CONTROLADO. No

segundo tipo, o ventilador apenas auxilia ou assiste a musculatura

inspiratória que se encontra ativa, sendo aqui denominado de ciclo

ASSISTIDO. Alguns autores utilizam o termo “ciclo espontâneo” para

definir o ciclo que ocorre durante a oferta da pressão de suporte (PS) ou

de pressão inspiratória (IPAP). Em vez disso, o termo assistido será

aqui usado para designar este último tipo de ciclo, mantendo-se uma

coerência com a definição acima apresentada e com o emprego da

terminologia de ciclo espontâneo apenas para a respiração fisiológica.

Além destas duas grandes divisões, o ciclo do ventilador pulmonar

também pode ser classificado quanto às variáveis que são controladas

ao longo da inspiração: sejam elas tempo, fluxo, pressão ou volume ou

mesmo a combinação de duas ou mais destas. Assim um ciclo dito

CONTROLADO pode ser CICLADO A VOLUME (VCV do inglês Volume

Controlled Ventilation), ou seja, programado para findar ou “ciclar”

quando se atinge um valor pré-determinado de volume corrente (VC) ou

CICLADO A TEMPO COM PRESSÃO CONTROLADA OU

CONSTANTE (PCV, do inglês Pressure Controlled Ventilation).

1. Ciclos controlados

As figuras 2 e 3 apresentam ciclos controlados ciclados a

volume.

Figura 2. Ciclos respiratórios mecânicos do tipo CONTROLADO e

CICLADO A VOLUME (VCV). O fluxo inspiratório foi modificado

nos 3 ciclos, resultando em diferentes tempos inspiratórios e

pressões nas vias aéreas (em vermelho). A pressão alveolar, em

azul, não variou por ser determinada pelo VC, que é fixo (linha

tracejada). Referir-se ao texto abaixo para mais detalhes.

Na figura 2 três ciclos respiratórios mecânicos

CONTROLADOS e CICLADOS A VOLUME, são apresentados.

Nesta situação, o esforço muscular respiratório, representado pela

Pmus, é zero. O VC foi ajustado em 500ml (0,5l). Além do VC, a

intensidade e o padrão da onda de fluxo é determinado pelo

operador do ventilador. Desta forma, o tempo inspiratório é pré-

definido, resultado da razão do VC/fluxo. No primeiro ciclo, com

um fluxo constante ou do tipo quadrado, ajustado em 60l/min

(1l/s), o tempo inspiratório corresponde a divisão de 0,5l por 1l/s,

sendo de 0,5s. No segundo ciclo, o fluxo foi reduzido a metade, ou

30l/min (0,5l/s) dobrando o Ti para 1s. No terceiro ciclo, não

apenas o valor máximo do fluxo foi reduzido, mas foi ajustado um

padrão de onda de fluxo, tipo descendente, em rampa, reduzindo-

o até 50% do seu valor inicial. Esse ajuste resultou em um fluxo

médio de 22,5l/min ou 0,375l/s e, portanto um Ti ainda mais

prolongado, 0,5l/0,375l/s, sendo de 1,33s. Notar que a pressão de

via aérea, em vermelho, mas não a pressão alveolar, em azul,

varia em função dos ajustes de fluxo, uma vez que este influencia

a pressão resistiva de via aéreas. A pressão alveolar se mantém a

mesma nos 3 ciclos uma vez que o VC, seu principal

determinante, é o mesmo em todos os ciclos. Como no ciclo

espontâneo, o ar é expirado passivamente pelo aumento da

pressão elástica pulmonar (pressão alveolar), bastando para isso

que o ventilador interrompa a entrada de ar e abra a válvula

exalatória, ou seja ocorra a ciclagem. Note que a expiração se

processa até que a pressão alveolar retorne a um valor pré-

determinado, neste caso, acima de zero, a PEEP.

A figura 3 apresenta o impacto dos ajustes de VC sobre o Ti e

as pressões alveolares e de vias aéreas em ciclos controlados tipo

VCV.

Figura 3. Ciclos respiratórios mecânicos do tipo CONTROLADO e

CICLADO A VOLUME (VCV). O VC foi modificado nos 3 ciclos,

resultando em diferentes tempos inspiratórios e pressões nas vias

aéreas e nos alvéolos. O fluxo foi mantido constante (linha

tracejada). Referir-se ao texto abaixo para mais detalhes.

Na figura 3 o operador do ventilador modifica o VC, mantendo

o fluxo constante. As pressões de via aérea e alveolares variam

em proporção direta às mudanças de VC. Notar que o Ti varia

igualmente (Ti=VC/fluxo). Na prática a ventilação controlada

ciclada a volume é bastante fácil de ser ajustada, bastando definir-

se um VC alvo, por exemplo, 8ml/kg de peso ideal, e ajustando-se

o fluxo para se garantir um Ti ao redor de 0,6 a 1,2s, a depender

claro da estratégia ventilatória específica recomendável para um

determinado paciente.

As figuras 4 e 5 apresentam ciclos CONTROLADOS,

CICLADOS A TEMPO, COM PRESSÃO CONSTANTE nas vias

aéreas.

Figura 4. Ciclos respiratórios mecânicos do tipo CONTROLADO e

CICLADO A TEMPO COM PRESSÃO CONSTANTE (PCV). O Ti

foi modificado, sendo de 0,5, 1,0 e 1,5s, respectivamente nos 1o,

2o e 3o ciclos. Notar o incremento significativo do VC no 2o ciclo

em relação ao 1o e um aumento mínimo no 3o em relação ao

segundo. O “delta” de pressão aplicada acima da PEEP foi

mantido constante em 15cmH2O, gerando uma pressão máxima

na via aérea de 20cmH2O (linha tracejada). A diferença entre a

pressão de via aérea do ventilador e a pressão alveolar do

paciente determina o fluxo inspiratório, que sempre apresenta um

padrão de desaceleração, não linear. Quando 4 a 6 constantes de

tempo do sistema respiratório são atingidas, o fluxo inspiratório se

aproxima ou mesmo “zera” devido a equalização da pressão

alveolar com a pressão nas vias aéreas no final da inspiração.

Figura 5. Ciclos respiratórios mecânicos do tipo CONTROLADOS

e CICLADOS A TEMPO COM PRESSÃO CONSTANTE (PCV). O

Ti foi fixado em 1s enquanto o “delta” de pressão acima da PEEP

foi modificado, sendo de 15, 20 e 25 cmH2O em sequência.

Observar que o VC e a pressão alveolar se elevam.

É possível observar que a determinação do VC em ciclos com

Pressão Constante nas vias aéreas se faz de forma indireta,

variando-se, ora o Ti (na figura 4), ora o “delta” de pressão acima

da PEEP nas vias aéreas (figura 5) ou mesmo ambos. É

importante destacar que ciclos respiratórios em PCV não

garantem os valores de pressão alveolar, uma vez que esta é

determinada pela relação entre o VC e a complacência estática do

sistema respiratório. Habitualmente pode-se fixar o Ti em um

determinado valor, 0,6 a 1,2s, por exemplo, titulando-se o “delta”

de pressão na via aérea parta se atingir um determinado VC

desejado.

Em resumo os ciclos controlados podem ser basicamente do

tipo VCV ou PCV, havendo modos híbridos que unem

características dos dois tipos de controle que serão abordados em

capítulo específico sobre novos modos. Neste ponto podemos

definir que o modo ventilatório, antigamente chamado de

controlado, somente ofertaria ciclos controlados ao paciente.

Obviamente, modos controlados puros não são mais utilizados

pois resultariam em grande desconforto para os pacientes quando

estes fizessem uso de sua musculatura respiratória.

2. Ciclos assistidos

Uma situação bem mais complexa ocorre quando o comando

neural (drive) e a musculatura do sistema respiratório do paciente

estão ativos. Neste caso virtualmente todos os ventiladores

pulmonares mecânicos monitorizam a “demanda” do paciente

através da mensuração contínua do fluxo e/ou pressão no circuito

do ventilador. O ajuste, comumente denominado de

“sensibilidade”, determina o limiar de variação de fluxo ou pressão

que será reconhecido pelo ventilador como esforço muscular do

paciente. Uma sensibilidade bem ajustada é crucial para que o

paciente seja capaz de deflagrar ou disparar ciclos respiratórios

quando assim desejar. Um ajuste de sensibilidade a pressão de -1

a -2cmH2O ou a fluxo de 2 a 5l/min são recomendáveis. Sabe-se

que o ventilador dispara mais facilmente com a sensibilidade a

fluxo, embora o valor clínico deste recurso seja discutível. As

figuras 6 e 7 apresentam ciclos do tipo VCV e PCV,

respectivamente, no paciente com esforço muscular variável.

Figura 6. Ciclos respiratórios mecânicos do tipo ASSISTIDOS e

CICLADOS A VOLUME, com sensibilidade a fluxo, 3L/min. Notar

que a Pmus (cor rosa) do paciente “negativa” a curva de pressão

de via aérea. Isso ocorre porque o ventilador mantém o fluxo e o

VC fixos. Muito embora a sensibilidade esteja adequadamente

ajustada e o paciente consiga “disparar” todos os ciclos há

evidente dissincronia paciente-ventilador, principalmente quando o

paciente aumenta a duração e a intensidade seu esforço

muscular. Comparar com as curvas da figura 2 (VCV) e 7 (PCV).

Figura 7. Ciclos respiratórios mecânicos do tipo ASSISTIDOS e

CICLADOS A TEMPO COM PRESSÃO CONSTANTE (PCV), com

sensibilidade a fluxo, 3L/min. Notar que a Pmus (cor rosa) do

paciente gera um aumento de fluxo inspiratório correspondente ao

esforço e ao tempo neural do paciente. O VC e o fluxo aumentam

com o esforço do paciente, o Ti permanece o mesmo.

Comparando-se ciclos assistidos VCV e PCV há uma grande

diferença quanto a resposta do ventilador à demanda muscular do

paciente. Em PCV, o ventilador, ao aumentar a oferta de fluxo e

de VC em relação ao esforço do paciente, potencialmente menos

desconfortável. Considerando-se que uma das metas principais da

ventilação mecânica é aliviar a dispneia e o trabalho muscular

respiratório, este tipo de ciclo é mais favorável quando se deseja

que o paciente apresente contração muscular respiratória, como é

habitual logo após as primeiras 24 a 48h que seguem a intubação

traqueal.

Além dos ciclos assistidos em VCV e PCV, os ventiladores

dispõem de um terceiro tipo de ciclo assistido presente na

Ventilação com Pressão de Suporte (PSV, do inglês Pressure

Support Ventilation). Os ciclos assistidos com PSV são

semelhantes aos ciclos em PCV exceto pelo mecanismo de

ciclagem, sendo este a fluxo e não a tempo. A figura 8 ilustra e

explica o mecanismo de ciclagem em PSV.

Figura 8. Ciclos respiratórios mecânicos do tipo ASSISTIDOS e

CICLADOS A FLUXO COM PRESSÃO DE SUPORTE (PSV), com

sensibilidade a fluxo, 3L/min. A ciclagem ocorre quando se atinge

um determinado limiar de fluxo inspiratório. Na maioria dos

ventiladores costuma ser configurado para valores entre 20 a 25%

do pico de fluxo inspiratório. O VC, a curva de fluxo, e

diferentemente dos ciclos em VCV ou PCV, o Ti, podem todos

variar a depender da interação paciente-ventilador

Nos ciclos em PSV a possibilidade de variabilidade de fluxo,

VC e Ti pode favorecer a um maior conforto para alguns

pacientes. Além disso, os atuais ventiladores disponibilizam o

ajuste do limiar de ciclagem. Este pode ser ajustado

eventualmente entre 5 a 70%, por exemplo. Tal ferramenta

possibilita um ajuste mais fino dos ciclos em PSV, notadamente

nos pacientes com DPOC, com elevada resistência de vias aéreas

e complacência estática normal ou aumentada. Nestes casos, o Ti

pode ficar demasiado longo devido a menor desaceleração do

fluxo inspiratório como pode ser observado na figura 9. Além

deste ajuste vale lembrar que tanto a PSV quanto a PCV

permitem o ajuste do fluxo ou velocidade de pressurização da via

aérea no início da inspiração. Este ajuste é comumente referido

como rise time, ou tempo de subida. O leitor deve se reportar ao

capítulo Assincronia paciente ventilador para mais detalhes sobre

a manipulação prática destes novos recursos tecnológicos

incorporados a PCV e PSV.

Figura 9. Ciclos respiratórios mecânicos do tipo ASSISTIDOS e

CICLADOS A FLUXO, COM PRESSÃO DE SUPORTE (PSV),

com sensibilidade a fluxo, 3L/min. Neste caso, o limiar percentual

para ciclagem foi aumentado, sendo de 25%, 35% e 45% na

sequência dos ciclos. Observar o impacto deste ajuste sobre o Ti,

a curva de fluxo e o VC. O aumento do limiar de ciclagem reduz o

Ti e o VC, o que pode ser vantajoso em pacientes com DPOC e

hiperinsuflação pulmonar.

3.Modos ventilatórios básicos

Com base nos tipos de ciclos respiratórios que são ofertados ao

paciente, 3 modos ventilatórios considerados básicos podem ser

reconhecidos, são eles o Assistido/Controlado (A/C, do inglês

assist/control), a ventilação com pressão de suporte (PSV) e a

ventilação mandatória intermitente sincronizada com PS, modo híbrido

entre os dois primeiros (SIMV, do inglês Synchronized Intermitent

Mandatory Ventilation).

1. Modos A/C-VCV e A/C-PCV

O modo A/C se caracteriza por ofertar ciclos controlados e/ou

assistidos a depender dos ajustes de frequência respiratória

mínima programada e da frequência do paciente. Por sua vez, o

modo A/C pode ofertar ciclos em VCV ou em PCV. Assim existem

os modos A/C-VCV e A/C-PCV. As figuras 10 e 11 apresentam,

respectivamente, oss modo A/C-VCV e A/C-PCV. As legendas

detalham o funcionamento do modo.

Figura 10. Modo A/C-VCV. Ajustes: f prog:15 rpm, VC:500ml,

Fluxo 30l/mi, Ti:1s, f total 22 irpm. Neste caso específico o

ventilador é “obrigado” a ofertar, no mínimo, 15 ciclos por minuto,

que podem ser controlados ou assistidos. Caso o paciente não

faça esforço muscular algum, todos os ciclos serão controlados e

terão a duração total de 4 segundos (60s/15rpm), sendo o Ti

programado de 1s, a relação I:E caso todos os ciclos fossem

controlados seria de 1:3. Contudo, como o paciente realiza uma

frequência respiratória superior a programada, o tempo expiratório

é variável. Note que o penúltimo ciclo foi assistido. Após o mesmo,

como o paciente não realizou esforço muscular dentro da janela

de 4 segundos, o ventilador ofertou um ciclo controlado.

Figura 11. Modo A/C-PCV. Ajustes: f prog:15 rpm, Δpressão

acima da PEEP de 20cmH2O, Ti:1s, f total entre 16 a 20 irpm,

sensibilidade a pressão, -2cmH2O. Neste caso específico o

ventilador é “obrigado” a ofertar no mínimo 15 ciclos por minuto

que podem ser controlados ou assistidos. Caso o paciente não

faça esforço muscular algum, todos os ciclos serão controlados e

terão a duração total de 4 segundos (60s/15 rpm), sendo o Ti

programado de 1s, a relação I:E caso todos os ciclos fossem

controlados seria de 1:3. Contudo, como o paciente realiza uma

frequência respiratória superior a programada o tempo expiratório

é variável. Note que o antepenúltimo ciclo foi assistido. Como o

paciente não realizou esforço dentro das janelas de 4 segundos

subsequentes o ventilador ofertou dois ciclos controlados em

sequência. Observar o aumento do VC e a modificação da onda

de fluxo em resposta a demanda do paciente nos ciclos assistidos.

Via de regra opta-se por se iniciar o suporte ventilatório no

modo A/C-VCV, logo após a intubação traqueal, quando o

paciente se encontra sedado ou mesmo sob bloqueio

neuromuscular. São duas as vantagens de se iniciar neste modo e

não em A/C-PCV: pode-se determinar com mais facilidade a

mecânica respiratória (o leitor pode se reportar ao capítulo

correspondente a este tema) e segundo, e talvez mais importante,

a pressão alveolar fica sob maior controle uma vez que esta é

sempre determinada pela relação entre o VC e a complacência

estática do sistema respiratório. Particularmente, o emprego de

uma estratégia ventilatória protetora, com a utilização de baixos

VCs em pacientes com SDRA, pode ser feita com mais facilidade

e segurança no modo A/C-VCV. Atenção especial deve ser dada a

variação da pressão de pausa neste modo ventilatório. O alarme

de pressão portanto deve ser bem ajustado.

Já o modo A/C-PCV pode ser uma excelente opção para uma

ventilação predominantemente assistida, quando o paciente

apresenta esforços musculares respiratórios, numa fase de

transição para o processo de retirada da ventilação mecânica.

Atenção especial deve ser dada a monitorização do VC neste

modo ventilatório. O alarme de VC máximos e mínimos devem ser

bem ajustados.

2. Modo PSV

No paciente que apresenta uma boa recuperação da doença

de base e a sedação é revertida, comumente se emprega o modo

PSV, onde somente há disparos pelo paciente, ou seja, todos os

ciclos são assistidos com a adição da Pressão de suporte como

apresentado na figura 12.

Figura 12. Modo PSV. Não há ciclos controlados, apenas

assistidos. Ajustes: PS acima da PEEP: 20cmH2O nos dois

primeiros ciclos, sendo reduzida para 15cmH2O nos demais.

Observar que a redução da PS implica em mudanças na oferta de

fluxo e VC, reduzindo ambos e “exigindo” adaptações por parte do

paciente. Este passa a variar a Pmus, a depender da sua

demanda por fluxo e VC. O Ti pode variar ciclo a ciclo.

O modo PSV costuma ser usado no desmame, onde se reduz

a PS gradualmente avaliando-se a capacidade do paciente se

adaptar a níveis cada vez mais baixos até que um valor mínimo

seja atingido, habitualmente entre 7 a 10cmH2O. Como somente

ciclos assistidos são ofertados o alarme de apnéia com ventilação

de backup deve ser bem ajustado.

3. Modo SIMV com PS

O modo SIMV com PS constitui um híbrido dos modos A/C e

PSV. Historicamente foi desenvolvido ainda na década de 70 para

possibilitar ciclos espontâneos, apenas com a PEEP, intercalando-

os com ciclos do tipo VCV ou PCV. Atualmente a PS é usada

rotineiramente neste modo. Uma frequência mínima é programada

com ciclos em VCV ou PCV. Por exemplo, ajustando-se uma

frequência de 6 irpm, o ventilador divide um minuto em 6 janelas

de tempo de 10 segundos. Dentro de cada uma destas janelas o

ventilador deve ofertar um ciclo respiratório que poderá ser

assistido, caso o paciente realize um esforço neste intervalo ou

controlado, que será ofertado ao final da janela, caso o paciente

não dispare o ventilador. A figura 13 ilustra o funcionamento deste

modo.

Figura 13. Modo SIMV-VCV com PS, registro de um minuto.

Ajustes: f:6 irpm, PS de 15cmH2O. O ventilador divide um minuto

em 6 intervalos de tempo iguais de 10 segundos, sendo obrigado

a ofertar um ciclo do tipo VCV em cada um deles. Este será do

tipo assistido se o paciente fizer um esforço capaz de disparar um

ciclo no intervalo de tempo da janela ou será controlado e ofertado

no instante final da mesma, caso o paciente não o faça. Observar

que, neste caso, o VC nos ciclos com PS são inferiores aos dos

ciclos VCV marcados com um asterisco. O último ciclo é do tipo

controlado devido a apneia que o paciente apresentou após a

dose de um sedativo (seta).

O modo SIMV com PS é bastante utilizado. Apresenta como

vantagem a garantia de uma frequência respiratória mínima onde

se pode estabelecer um VC fixo (SIMV-VCV) ou uma Pressão

Constante na via aérea com ciclagem a tempo (SIMV-PCV). Como

desvantagem principal destaca-se a complexidade de seus

ajustes e a dificuldade para se reconhecer as diferenças entre os

ciclos com PS e aqueles em VCV ou PCV. A tabela abaixo resume

as características principais dos modos ventilatórios básicos.

Tabela 1. Principais características dos modos ventilatórios

básicos

Ti: tempo inspiratório; Disparo a tempo=ventilador

Como se vê os modos ventilatórios básicos apresentam

limitações, muitas vezes resultando em dissincronias paciente-

ventilador. Por outro lado uma compreensão detalhada de suas

funcionalidades permite que a grande maioria dos pacientes

sejam ventilados de modo satisfatório.

4.Perspectivas de novos modos ventilatórios

Novos modalidades ventilatórias têm sido desenvolvidas. Eles

incluem modos híbridos que mesclam, por exemplo, características dos

modos A/C-VCV e A/C-PCV (Pressurre regulated volume control,

PRVC, Volume Assured Pressure Support Ventilation, VAPS e

autoflow), modos que ofertam a pressão na via aérea em proporção ao

esforço muscular do paciente (Proportional Assisted Ventilation – PAV

ou Automatic Tube Compensation - ATC) ou ao comando neural

(Neurally Adjusted Ventilatory Assist - NAVA) e modos com mecanismos

para auto-ajuste da PSV (Volume Support Ventilation). Embora

promissores, a maior parte destes modos ainda não foi incorporado ao

dia-a-dia da ventilação mecânica e ainda há poucas evidências de sua

superioridade em relação aos modos básicos quanto a desfechos

clínicos relevantes como a duração da ventilação mecânica e a

sobrevida. Particularmente os modos que favorecem a maior sincronia

paciente-ventilador serão abordados no capítulo correspondente a este

tema.

5.Bibliografia1. Chatburn RL. Classification of Ventilator Modes: Update and

Proposal for Implementation. Respiratory Care, 2007; 52(3): 301-323.

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4. Carvalho CRR - Ventilação Mecânica. Volume I – Básico. Clínicas

Brasileiras de Medicina Intensiva, São Paulo: Ed. Atheneu, 2000

5. Carvalho CRR - Ventilação Mecânica. Volume II – Avançado.

Clínicas Brasileiras de Medicina Intensiva, São Paulo: Ed. Atheneu, 2000