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Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 1 Módulo 1 • Unidade 2 A diversidade cultural na história do Brasil Para início de conversa... Há mais ou menos cem anos, Hiro Suzuki, sua esposa, Midori, e o primeiro filho do casal, Takeshi, desembarcaram no porto de Santos, vin- dos de uma longa e cansativa viagem do Japão, onde nasceram. Eles não tinham parentes, nem amigos no Brasil, para ajudá-los a se estabelecer. Também não falavam Português. Sabiam apenas que fugiam da fome e da pobreza, e procuravam trabalho na lavoura. De Santos, foram de trem para a Cidade de São Paulo. Lá recebe- ram ajuda na Hospedaria dos Imigrantes e saíram em busca de trabalho, pelo interior do Estado. Até se estabelecerem em uma fazenda de café, passaram fome e frio, foram roubados numa estação de trem e Takeshi, o filhinho do casal, quase não sobreviveu a uma gripe prolongada. Algumas décadas depois esta situação tinha mudado muito. Três irmãos de Hiro também vieram do Japão a procura de trabalho. Takeshi havia se casado com outra imigrante japonesa. Juntos continuaram a tra- balhar no campo, mas seus dois filhos tiveram destinos diferentes. José Hideo Suzuki, o mais velho, tornou-se motorista de caminhão, nos anos 1960, e “ganhou o mundo” como diziam. Sua irmã, Nair Emiko Suzuki tornou- -se professora da escola primária e foi trabalhar na cidade, próxima de onde moravam seus pais.

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Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 1

Módulo 1 • Unidade 2

A diversidade cultural na história do BrasilPara início de conversa...

Há mais ou menos cem anos, Hiro Suzuki, sua esposa, Midori, e o

primeiro filho do casal, Takeshi, desembarcaram no porto de Santos, vin-

dos de uma longa e cansativa viagem do Japão, onde nasceram. Eles não

tinham parentes, nem amigos no Brasil, para ajudá-los a se estabelecer.

Também não falavam Português. Sabiam apenas que fugiam da fome e da

pobreza, e procuravam trabalho na lavoura.

De Santos, foram de trem para a Cidade de São Paulo. Lá recebe-

ram ajuda na Hospedaria dos Imigrantes e saíram em busca de trabalho,

pelo interior do Estado. Até se estabelecerem em uma fazenda de café,

passaram fome e frio, foram roubados numa estação de trem e Takeshi, o

filhinho do casal, quase não sobreviveu a uma gripe prolongada.

Algumas décadas depois esta situação tinha mudado muito. Três irmãos de Hiro também vieram do

Japão a procura de trabalho. Takeshi havia se casado com outra imigrante japonesa. Juntos continuaram a tra-

balhar no campo, mas seus dois filhos tiveram destinos diferentes. José Hideo Suzuki, o mais velho, tornou-se

motorista de caminhão, nos anos 1960, e “ganhou o mundo” como diziam. Sua irmã, Nair Emiko Suzuki tornou-

-se professora da escola primária e foi trabalhar na cidade, próxima de onde moravam seus pais.

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Os anos passaram-se, o país transformou-se e

a família Suzuki também. Nos anos 1990, já não era

mais tão fácil saber onde estavam e quem eram os

descendentes de Hiro e Midori. Netos e bisnetos da

família Suzuki cresceram, alguns foram morar longe,

constituíram famílias, casando-se com descenden-

tes de japoneses, de italianos, de africanos e das

mais diversas origens.

Você deve conhecer histórias parecidas com

estas, envolvendo famílias de imigrantes ou de gen-

te que se mudou de um Estado para outro, dentro

do país. Já deve também ter ouvido alguém contan-

do as próprias origens, falando dos avós e bisavós.

Você considera que a formação da sociedade brasileira possui uma diversidade grande

de culturas e de origens de vários países? Afinal, o que é o “povo brasileiro” e como ele se for-

mou? Quais são as nossas origens? Temos características comuns a todos? Quantas perguntas!

Nesta unidade, você vai refletir sobre a formação da nossa diversidade e sobre os vá-

rios povos que constituem a história da nossa sociedade. Vamos analisar por que algumas

ideias foram mais divulgadas do que outras pelos livros de história, pela televisão e pelas

escolas, valorizando determinados grupos e ignorando a existência de outros.

Finalmente, vamos estudar que as diferenças entre os grupos étnicos também po-

dem significar desigualdade, pois, na História do Brasil, certos grupos exploraram e discri-

minaram outros.

Objetivos de aprendizagem � Discutir como se formou a ideia de “povo brasileiro”, a partir das várias origens culturais

do país;

� Identificar a influência de determinados grupos sociais e étnicos na divulgação de ideias sobre a história do país.

� Analisar a transformação da diversidade étnica e cultural em desigualdade e exclusão.

Figura 1: Foto da Hospedaria dos Imigrantes em São Paulo, 1910.

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Seção 1Cultura: os muitos significados da palavra

O texto abaixo descreve as origens familiares de Margarida dos Santos. Leia o

texto e depois escreva, em seu caderno, sobre as origens da sua família. Se encontrar

fotos, ilustre sua história.

“Eu, Margarida dos Santos, nasci em Araguaiana, no Mato Groso. Meu pai nas-

ceu no Rio Grande do Sul, numa cidadezinha chamada Piratini, minha mãe nasceu na

Alemanha, mas veio ainda criança para o Brasil. Os pais do meu pai eram de origem

paraguaia, mas não sei se eram índios guaranis. O pai da minha mãe era da Suíça e a

mãe dela era alemã. Eu me casei com Jovilson Pereira da Costa que nasceu no Paraná,

em Iracema do Oeste. Ainda não temos filhos, mas quando tivermos, devem nascer

aqui, em Porto Velho, Rondônia, onde moramos.”

Na história mais recente do país, não existe uma imigração muito numerosa de es-

trangeiros a procura de trabalho. Embora haja uma exceção importante que é a imigração de

sul-americanos, especialmente, de bolivianos, paraguaios e peruanos para o sudeste do país.

Mas, a imigração e a integração de várias culturas e povos é parte importante da história mais

antiga do país, desde sua formação.

Não é uma tarefa fácil se integrar a outra cultura, conhecer outra língua e aprender

hábitos novos. Em geral, os deslocamentos entre países ou estados realizam-se à procura de

trabalho e de melhores condições de vida, mas as adaptações são muitas vezes difíceis. Por

isto, uma das possibilidades mais comuns é que as pessoas que se mudam para outros países

procurem manter suas tradições. Assim, elas estariam preservando sua própria identidade e

sua memória. Ao mesmo tempo, ao se manter próximo da sua própria cultura e da comunida-

de, o imigrante consegue se proteger melhor do preconceito e da discriminação.

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Nas conversas cotidianas sobre estas histórias, é muito comum ouvirmos falar sobre

os desafios de brasileiros que foram para a Europa ou aos Estados Unidos, nos últimos anos.

Encontrar trabalho, estabelecer-se com segurança, ter escola para os filhos e fazer novas re-

lações sociais.

Também é comum ouvir histórias mais antigas sobre a chegada de estrangeiros no

Brasil e sobre a existência de grupos mais ou menos incorporados aos costumes e a cultura

que se forjou no país. Alguns destes grupos permaneceram em áreas rurais e tentaram pre-

servar suas culturas de origem, outros foram se integrando aos espaços urbanos, ainda que

vivendo em bairros de imigrantes.

Além disso, a vinda forçada de milhões de africanos escravizados e a existência de

diversas nações indígenas no território brasileiro exigiram formas de integração à sociedade

brasileira. Africanos e indígenas tiveram de se adaptar, muitas vezes, foram forçados a isto

para sobreviver. Mas, estes grupos construíram também formas de resistência e de preserva-

ção de suas culturas.

Assim, muitos grupos étnicos das mais diversas origens, constituíram a sociedade bra-

sileira, ora se integrando, ora resistindo às mudanças e adaptações. Ao longo da história do

país, estas formas de integração não dependeram de decisões pessoais, como se o indivíduo

escolhesse livremente como e quando se adaptar. Como vimos na unidade anterior, a integra-

ção era uma necessidade das elites que controlavam o poder e o Estado, pois, elas precisavam

de estabilidade social. Em outras palavras, era preciso transformar a diversidade de povos, ori-

gens, culturas numa uniformidade para garantir uma unidade, baseada no território do país.

Esta unidade, alguns estudiosos chamam de “identidade nacional”, ou seja, o sentimento de

que fazemos parte de um mesmo país e que, portanto, temos objetivos e propósitos comuns.

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Figura 2: Imigrantes italianos e portugueses, partindo para o Brasil.

Sem isto, o país corria o risco de viver em guerra ou que os diversos grupos sociais per-

manecessem descontentes politicamente ou que se mantivessem separados, sem relações

culturais mais fortes.

Esta necessidade das elites de construir uma ideia forte de que havia um “povo bra-

sileiro” deu origem ao modo como muitos compreendem a história do país e definem as

características de “ser brasileiro”.

Para explicar estas características do brasileiro, em geral, as pessoas falam do caráter

do povo, isto é, da sua natural disposição para ser cordial, ordeiro e respeitador ou para ser

festivo, alegre, descontraído. Isto seria assim, costumam dizer, porque somos um povo com

várias origens étnicas, com misturas de vários povos e, por isto, seríamos mais tolerantes com

as diferenças. Assim, na história do país, esta mistura de povos teria produzido determinadas

características na nossa sociedade atual. Entre elas, um traço acolhedor, capaz de integrar

novos grupos de imigrantes de vários países e migrantes de outras regiões do Brasil.

Vamos aprofundar esta conversa, refletindo sobre a formação histórica da sociedade

brasileira, na sua diversidade étnica e cultural. Vamos analisar de que modo esta diversidade

contribuiu para construir a ideia que temos da nossa identidade, isto é, daquilo que nos iden-

tifica como um povo e uma nação.

Lembre-se da pequena história da família Suzuki e de tantos milhões de imigrantes

que vieram para cá da Europa, da África e da Ásia. Como dissemos, a integração de todos

estes povos realizou-se através de conflitos e tensões, mas era preciso.

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Seção 2A formação do povo brasileiro

O pesquisador alemão Carl Von Martius, foi um dos primeiros a afirmar, em 1845, que a

História do Brasil seria o resultado da mistura de três raças: a americana (índios), a caucasiana

(europeus) e a etiópica (africanos).

Para Martius, a História da Humanidade respondia a um plano divino, isto é, a vontade

de Deus que se realizaria na mescla de todas as etnias e grupos, numa única raça humana. Por

isto, o Brasil ocuparia um lugar de destaque, já que a mistura de povos era uma característica

natural dos brasileiros.

Mas, a contribuição de cada raça para a formação da sociedade brasileira era diferente

e desigual. No seu livro, “Como se deve escrever a História do Brasil”, publicado em 1845, Mar-

tius afirmou: “jamais nos será permitido duvidar que a vontade da providência predestinou

ao Brasil esta mescla. O sangue português, em um poderoso rio, deverá absorver os peque-

nos confluentes das raças índia e etiópica.”

Portanto, para ele, o branco português era a raça mais importante, o “poderoso rio”,

que formaria o país com as contribuições menores dos povos indígenas e africanos. O livro de

Martius tornou-se uma referência para uma série de discussões sobre a formação da nação

brasileira, definindo alguns caminhos da construção da identidade nacional.

Na época em que ele escreveu estas ideias, o território brasileiro já era independente

de Portugal, mas o imperador era português e o trabalho escravo era a base da nossa eco-

nomia. Então, o problema da integração estava colocado: se todos eram brasileiros e contri-

buíam para a formação do povo, porque uma parcela da população era escrava? Se somos

brasileiros, porque a monarquia que nos governa é portuguesa?

Através de Martius e outros pensadores, este problema foi resolvido na teoria, pela

ideia de a raça dominante era a portuguesa e que as demais iriam se dissolver nela, como na

imagem dos afluentes que desembocam no grande rio.

A ideia mais difundida que se construiu sobre a formação étnica e cultural da socieda-

de brasileira pode ser assim resumida: somos formados pela mistura de três elementos, os in-

dígenas, os negros africanos e os europeus. Da cultura indígena, herdamos a habilidade para

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se deslocar no território, alguns hábitos alimentares e palavras incorporadas ao Português. Os

negros, escravizados da África, trouxeram a disposição para o trabalho pesado, a resistência

física e a alegria de viver. Mas a principal origem é portuguesa, pois o território brasileiro era

colônia de Portugal, herdou o idioma, as leis, a organização do Estado, a religião católica e a

cultura de um modo geral.

Esta forma de ver a formação do povo brasileiro já foi duramente criticada, pois ela

não leva em conta a natureza multiétnica da sociedade brasileira. Em outras palavras, ela faz

parecer que existe uma unidade atual na população brasileira, como se todos fossemos des-

cendentes de europeus, com alguns traços menos importantes de índios e negros.

Mesmo assim, estas ideias serviram para justificar uma longa história de exploração

e submissão de alguns povos e até hoje ainda há muita gente que acredita nestas histórias.

A Escritura Sagrada ensina que a humanidade inteira, tal como existe e povoa atualmente a terra, descende de um casal único, Adão e Eva. (...) A raça branca ou caucásico tem por caracteres a brancura da tez, o oval da face, o comprimento e a finura do cabelo. Os brancos têm geralmente o nariz aquilino, dentes verticais e barba muito densa. São inteligentes e sua influência estende se sobre todo o globo terrestre.

Raças Humanas: Raça Branca, Pele Vermelha. Raça Amarela e Raça Negra (FTD.

Primeiras Noções de Ciências Físicas e Naturais – 1923)

a) O texto acima traz uma interpretação sobre a origem dos seres humanos e sua divisão em raças. Qual é essa explicação? Qual a relação entre essas ideias e a formação do povo brasileiro proposta por Martius?

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b) Essas teses raciais, como são chamadas, foram muito contestadas por não terem base científica alguma. Atualmente, inclusive tais ideias podem ser consideradas criminosas, se forem usadas para justificar, por exemplo, atos de discriminação contra uma pessoa. Mas, apesar de erradas, elas ainda circu-lam em nossa sociedade. Afinal, por que incomoda tanto a algumas pessoas conviver com o diferente?

A presença negra no Brasil

A escravidão dos povos africanos no território brasileiro iniciou-se praticamente com

a colonização portuguesa, a partir de 1500 e prolongou-se até 1888. Não há números exatos

sobre a quantidade de pessoas escravizadas, mas os pesquisadores estimam que foram trazi-

dos para cá entre 5 e 10 milhões de africanos.

A mão de obra escrava e negra foi responsável geração das principais riquezas que o

Brasil produziu em sua história, desde a produção agrícola de cana-de-açúcar e de café, até

a extração de ouro e diamantes. Mas também foi utilizada nas atividades mais comuns do

dia a dia, sendo ocupada na maioria dos serviços domésticos e urbanos durante mais de três

séculos da nossa história.

Um padre jesuíta italiano, André João Antonil (1649-1716), quando esteve no Brasil,

escreveu que os escravos eram “as mãos e os pés dos senhores de engenho”, isto é, dos pro-

prietários de grandes fazendas de cana do nordeste. Essa expressão dá uma ideia do que

significou o trabalho escravo no Brasil. Quase tudo era realizado pelos escravos: as famílias

brancas, mesmo as que não eram ricas, tinham pelo menos um escravo ou escrava para os

serviços domésticos. Nas fazendas, também predominava a mão de obra escrava na lavoura,

na pecuária e nos serviços domésticos.

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A importância da escravidão para o desenvolvimento econômico da nossa história

tem sido muito divulgada em livros didáticos e na televisão. Ninguém hoje é capaz de negar

que o braço escravo construiu o país até o final do século XIX, quando a escravidão foi aboli-

da, em 1888.

No entanto, o que nem sempre aparece nestas histórias é que a presença de africa-

nos e seus descendentes na história do país não se limitou apenas à condição de miséria

e violência pela qual o negro escravizado passava nas grandes lavouras do país. Podemos

destacar três elementos fundamentais que demonstram a importância dos escravizados para

a formação do país.

Em primeiro lugar, os escravos não exerciam apenas o trabalho braçal mais pesado,

mas diversos serviços especialmente nas cidades. Eles eram alfaiates, barbeiros, fabricantes

de joias, marceneiros, sapateiros, bombeiros, padeiros e professores de diversas disciplinas

(música e gramática, por exemplo). Isto significa que a presença de africanos e sua impor-

tância social eram bastante profundas e estavam integradas à vida cotidiana dos homens

brancos.

Figura 3: Barbeiros ambulantes – Pintura de Jean Baptiste Debret, artista francês que viveu no Rio de Janeiro, entre 1808 e 1831.

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“Na prancha “Barbeiros ambulantes”, vemos novamente os negros de ga-nho, que aqui Debret define como “carregadores, moços de recado, os pedreiros, os carpinteiros, os marinheiros e as quitandeiras”, exercendo a função de barbeiros em plena via pública, muito próximo ao cais, vestidos com trapos, de acordo com o pintor, mostrando assim pertencerem a um senhor pobre. Duas vezes ao dia, os barbeiros ambulantes são obrigados a comparecer na casa de seus senhores para as refeições e para entregar o resultado da féria. Na descrição da prancha, Debret relata que os dois ne-gros sentados no chão, que estão recebendo o atendimento pelos barbei-ros ambulantes, são negros de elite. Condição que é percebida, segundo o francês, por causa dos belos trajes ostentados por eles. O negro sentado à esquerda, que tem o seu rosto preparado para o barbear, possui uma medalha de ouro que indica sua função como trabalhador da alfândega, informa o francês.” Texto de Cristiane Maria Magalhães. Escravos e libertos: homens de ocupações no século XIX.

Pelo texto acima podemos avaliar como era complexa a vida de escravos e ho-

mens livres no Brasil do século XIX.

a) Que ocupações podem exercer os escravos no meio urbano? Como funciona sua relação com seu proprietário?

b) Que distinções existem entre os personagens retratados por Debret? Como se pode perceber estas distinções?

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Em segundo lugar, a resistência dos escravizados não era apenas através de quilombos

e das rebeldias individuais e coletivas que provocavam, muitas vezes, a morte do senhor de

escravos. Também organizaram diversas estratégias para sobreviver, reduzindo ao máximo

a exploração no trabalho. Eles procuravam sabotar as máquinas e ferramentas, diminuíam o

ritmo da produção, criavam justificativas para evitar o trabalho, faziam ameaças disfarçadas

aos seus senhores ou procuravam conquistar sua confiança.

No Brasil, prevaleceram, durante séculos, formas violentas de exploração da mão de

obra, graças à permanência da escravidão. Para sobreviver, era preciso reagir a essas violên-

cias e encontrar alternativas ainda que não fosse possível conquistar a liberdade. Até hoje,

essas características permanecem como estratégias dos trabalhadores, quando se sentem

explorados por seus patrões. Elas são parte importante da nossa cultura e definem o nosso

sentimento do que é ou não justo nas relações de trabalho.

Finalmente, a presença do negro africano no Brasil pode ser observada pela existência

de milhões de descendentes que habitam o nosso território. Para esses descendentes, pode

ser que não haja o menor sentido falar que o povo brasileiro é uma mistura de portugueses,

africanos e indígenas. Isto significa que o Brasil é constituído por uma sociedade multiétnica,

isto é, que compreende uma diversidade cultural e de povos. Inclusive, que falam idiomas

diversos, como os moradores de antigos quilombos, os chamados remanescentes de quilom-

bos ou quilombolas. Existem atualmente mais de duas mil comunidades de quilombos, das

quais, boa parte ainda utiliza idiomas de origem africana.

A partir do que você leu nesta unidade, faça uma reflexão sobre o tema da es-

cravidão, a partir de 2 perguntas:

a) Quais eram as informações que você conhecia sobre o tema da escravidão, a partir dos filmes, novelas e da sua experiência escolar anterior?

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b) Quais são as informações contidas neste texto que você não conhecia?

Em 1933, o sociólogo Gilberto Freyre foi responsável por uma tese polêmica, que in-

vertia os termos da questão racial, mostrando a mistura de raças como algo positivo. Enalte-

cendo a miscigenação, afirmava que a mestiçagem havia sido boa para a cultura brasileira.

Segundo ele, a fusão da amorosidade do negro com a civilidade do europeu e com o índio

teria originado um povo absolutamente peculiar, onde prevalecia a harmonia entre as raças.

No livro “Casa Grande e Senzala”, ele afirmou: "A força, ou antes, a potencialidade da cultura

brasileira parece-nos residir toda na riqueza dos antagonismos equilibrados (...). Somos duas

metades confraternizantes que se vêm mutuamente enriquecendo de valores e experiências

diversas..." (FREYRE, 1961, p. 476).

De acordo com a visão desse autor, a escravidão, longe de ter sido uma instituição

funesta, deveria ser entendida pelo modo particular como se desenvolveu no Brasil. Aqui as

relações que se davam entre negros escravizados e seus senhores brancos eram estáveis, sem

grandes atritos. Segundo Gilberto Freyre, predominavam a negociação, o acordo, a concilia-

ção entre senhores e escravos:

Desde logo, salientamos a doçura nas relações de senhores com escravos do-mésticos, talvez maior no Brasil do que em qualquer outra parte da América. A casa-grande fazia subir da senzala para o serviço mais íntimo e delicado dos senhores uma série de indivíduos - amas de criar, mucamas, irmãos de criação dos meninos brancos. Indivíduos cujo lugar na família ficava sendo não o de es-cravos, mas o de pessoas da casa. Espécie de parentes pobres nas famílias eu-ropeias. À mesa patriarcal das casas-grandes, sentavam-se como se fossem da família numerosos mulatinhos. Crias. Malungos. Moleques de estimação. Alguns saíam de carro com os senhores, acompanhando-os aos passeios como se fos-sem filhos. (FREYRE, 1961, p. 490).

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Nas décadas seguintes, inúmeras críticas às estas ideias de Gilberto Freyre afirmavam

que este autor teria minimizado os efeitos da violência contra os negros, suprimindo o confli-

to, a resistência e o confronto entre escravos e senhores. Além disso, a obra de Gilberto Freyre

teria justificado uma ideia amplamente difundida, a partir da segunda metade do século XX:

a ideia da “democracia racial” que descrevia o Brasil como um paraíso de todas as raças, onde

negros, brancos e índios conviviam sem preconceitos. Estas teses ignoravam a situação de

marginalidade a que estão relegados os negros e mestiços em nossa sociedade.

Numa nova interpretação sobre a escravidão, a historiadora Emília Viotti escreveu, em

seu livro “Da Senzala à Colônia”:

Dos séculos da convivência, das influências trocadas, do caldeamento das duas raças, resultou a população de mestiços e mulatos que hoje ainda povoa o país. As marcas que nos ficaram como um legado do regime servil (escravidão) e que transcenderam sua época, chegando até nós imprimiram aspectos peculiares à nossa sociedade. A concentração de negros e mestiços, os problemas de sua marginalidade, a questão do preconceito racial, as dificuldades para a integração e adaptação dos descendentes de escravos, os baixos níveis culturais da grande maioria, certos aspectos do comportamento do branco, tudo isso deriva do pas-sado próximo, cujo conhecimento é essencial para a compreensão de fenôme-nos atuais.(COSTA, s/d, p.10)

A formulação dessas críticas praticamente desmascarou o mito da democracia racial e

denunciou a existência de teses racistas entre pensadores brasileiros. Mesmo assim o alcance

destas críticas e denúncias pouco ecoou na população. Na mentalidade coletiva permaneceu

a ideia de que em nosso país, os grupos étnicos que compunham a população encontraram

as mesmas condições de igualdade para sua integração na sociedade, que vivíamos um mo-

delo de convivência racial.

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Módulo 1 • Unidade 214

Afinal, existe ou não racismo no Brasil? Esta é uma pergunta que está sempre

presente, quando precisamos refletir sobre a formação da nossa sociedade. Para refle-

tir sobre ela, responda às duas questões abaixo:

a) Segundo o texto, quais eram as opiniões defendidas pelos dois historiado-res citados, Gilberto Freyre e Emilia Viotti sobre o tema da escravidão? Faça uma pequena síntese das ideias destes autores.

b) Você considera que a herança da escravidão continua presente nas relações sociais ou você entende que, no Brasil, existe uma igualdade entre negros e brancos? Justifique sua opinião, utilizando exemplos da realidade onde vive ou dos meios de comunicação.

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Seção 3As lutas dos povos indígenas

A história da família Suzuki revelou um pouco dos desafios dos povos que imigraram

para o Brasil, especialmente a partir do final do século XIX, isto é, a partir de 1880 e que

continuam a chegar ao nosso território. Depois, a história dos africanos e de suas formas de

luta procurou revelar a presença significativa de milhões de pessoas que chegaram ao Brasil

escravizadas e aqui reconstruíram suas vidas. Mas, o primeiro habitante do território foram os

povos indígenas.

A luta destes povos contra a exploração dos co-

lonizadores teve origem no século XVI, quando come-

çou a conquista dos portugueses, a partir de 1500. Na-

quela época, havia milhões de habitantes espalhados

pelo litoral e pelo interior do continente americano.

Durante muito tempo, os portugueses subme-

teram os povos indígenas à escravidão, destruindo al-

deias e promovendo um imenso genocídio, isto é, um

massacre dirigido contra esses povos. Em quase todo

o litoral brasileiro, a ação violenta dos colonizadores

levou a extinção de populações e expulsou diversos

grupos indígenas para o interior.

Nas histórias difundidas pelos filmes e novelas de televisão e nos livros didáticos, os ín-

dios aparecem apenas nos primeiros séculos da colonização. Depois, não há mais a presença

desses povos, como se eles tivessem realmente desaparecido.

No entanto, os conflitos entre brancos e índios permaneceram durante toda a nossa

história e ainda hoje há diversos confrontos e tensões, envolvendo comunidades indígenas.

Para entender melhor como estes povos estão presentes ainda hoje, no território na-

cional, é preciso refletir sobre dois temas.

Figura 4: Os índios escravizados durante a colonização. Pin-tura de Jean Baptiste Debret.

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O primeiro deles diz respeito à presença atual de milhares de índios no Brasil e o cresci-

mento de sua população entre nós. O segundo tema refere-se à diversidade cultural entre os

vários grupos indígenas. Leia, a seguir, uma informação retirada do site da FUNAI (Fundação

Nacional do Índio):

“Hoje, no Brasil, vivem cerca de 460 mil índios, distribuídos entre 225 sociedades indígenas, que perfazem cerca de 0,25% da população brasileira. Cabe esclare-cer que este dado populacional considera tão-somente aqueles indígenas que vivem em aldeias, havendo estimativas de que, além destes, há entre 100 e 190 mil vivendo fora das terras indígenas, inclusive em áreas urbanas. Há também 63 referências de índios ainda não contatados, além de existirem grupos que estão requerendo o reconhecimento de sua condição indígena junto ao órgão federal indigenista.”

Fonte: http://www.funai.gov.br/indios/conteudo.htm#HOJE (Acesso em ago 2010)

Figura 5: Imagem do site Povos Indígenas no Brasil – que faz parte do portal do Instituto Socioam-biental (ISA) - com informações sobre os povos e a temática indígena. Nele podemos observar uma diversidade de palavras, designando o nome de diferentes povos indígenas que habitam o Brasil. Você conhece quantos desses povos?

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Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 17

Como se pode ver, há enorme diversidade entre os povos indígenas. Essa diversidade

reflete-se nos diversos idiomas, na forma de se relacionarem com o mundo sagrado, na cons-

trução das casas, na relação com o homem branco, entre outros fatores.

Do mesmo modo que há

descendentes de africanos, há

povos indígenas que não se iden-

tificam com esta ideia de misci-

genação, construída pelas elites

brancas. Isto é um traço de uma

sociedade multiétnica, isto é, uma

sociedade construída por culturas,

tradições e línguas diversas. Numa

sociedade como a nossa, a valori-

zação de uma única identidade e

uma formação específica esconde

a diversidade e submete todos a

uma única herança.

Leia o trecho a seguir e depois reflita sobre ele, a partir de duas questões. (Tre-

cho extraído do texto de Simon Schwartzman, disponível no endereço eletrônico

http://br.monografias.com/trabalhos/fora-diversidade-identidades (Acesso em agos-

to de 2010).

O tema da cor ou raça tem sido pesquisado recentemente pelo IBGE em termos

da "cor" das pessoas, com as alternativas de "branco", "preto," "pardo" e "amarelo," e

mais a categoria de "indígena". Esta pergunta é feita nos recenseamentos decenais e

também na pesquisa nacional por amostra de Domicílios (PNAD), realizada anualmen-

te. São as próprias pessoas que devem se colocar nestas categorias, ainda que não se

possa ter certeza de que os entrevistadores não exerçam influência nas respostas. As

motivações para o levantamento desta informação têm certamente variado através do

tempo. Até o século XIX, a informação relevante era a classificação da população em

termos de sua condição civil, entre "livres" e escravos, e os recenseamentos de 1872

A presença dessas comunidades indígenas mostra

claramente que a diversidade é uma característica

importante do povo brasileiro. A chamada mistura

de vários povos não é um traço comum a todos os

brasileiros, pois vários deles, os indígenas, por exem-

plo, reivindicam uma condição diferenciada. Eles não

se identificam como descendentes de portugueses.

Mas reivindicam legitimamente seus direitos como

integrantes da sociedade brasileira, ou seja, como ci-

dadãos brasileiros.

Portanto, quando se fala numa única identidade,

ainda que ela esteja relacionada à miscigenação e à

mistura de povos, não se leva em conta a diversidade.

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Módulo 1 • Unidade 218

e 1890 já introduziam as questões de raça ou cor. Ao longo do século XX, é provável

que as ideias racistas e as preocupações então existentes com o "melhoramento da

raça" brasileira tenham influído na reintrodução do item de raça no recenseamento de

1940, da mesma maneira com que a noção de que no Brasil "não existe problema de

raça" parece ter levado à exclusão do tema no censo de 1970. Hoje, parece claro que o

objetivo não é tentar medir ou quantificar as características biológicas da população,

e sim sua diversidade social, cultural e histórica que, como é sabido, está relacionada

a diferenças importantes de condições de vida, oportunidade e eventuais problemas

de discriminação e preconceito.

A. Segundo o texto, por que o tema da “cor” foi reintroduzido no recenseamento das últimas décadas?

B. Assinale abaixo a alternativa que explica da forma correta o texto do sociólogo brasileiro Simon Schwartzman:

a) ( ) A necessidade do uso dos termos raça ou cor tem sido um consenso nas pesquisas sobre a população brasileira, feitas ao longo da história do país;

b) ( ) No século XIX, a classificação da população obedecia a critérios relati-vos a cor e raça, pois, havia uma clara política de segregação entre negros e brancos;

c) ( ) No século XX, o Brasil tornou-se efetivamente uma democracia racial, por isso qualquer forma de classificação da população em raça e cor era considerada preconceituosa;

d) ( ) Hoje se pesquisa a cor e raça para entender a diversidade cultural da população e relacioná-las com as desigualdades e o preconceito.

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Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 19

Sociedade brasileira: multiétnica,

diversa e desigual

A partir da metade do século XIX, por volta de

1860, começaram a chegar ao Brasil grandes levas de

imigrantes à procura de trabalho. No final daquele sé-

culo, esta imigração intensificou-se. Entre eles, desta-

caram-se principalmente, portugueses, italianos, es-

panhóis, alemães e japoneses. Eles vieram para várias

regiões do país, mas se estabeleceram principalmen-

te nos estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e

Rio Grande do Sul.

A família de Hiro Suzuki veio estimulada por esse fenômeno migratório. Como eles, mi-

lhões de imigrantes desembarcaram em portos de toda a América, especialmente em países,

como: o Brasil, a Argentina e os Estados Unidos.

Estes imigrantes misturavam-se aos habitantes do país, mesclando hábitos, formas de

trabalho e o uso do idioma. Mas não foram incorporados de forma tranquila, houve momen-

tos de tensão, preconceito e violência contra estrangeiros que aqui se estabeleceram. Por

conta destas discriminações e de outras formas de preconceito, muitos imigrantes preferiram

viver em colônias isoladas, isto é, áreas rurais ou urbanas onde cada grupo estabelecia-se,

mantendo suas características culturais com certa independência.

Desde o início do século XX, houve intenso controle sobre as ações políticas de imi-

grantes italianos e espanhóis que se estabeleceram nas áreas urbanas, particularmente, na

cidade de São Paulo. Muitos destes imigrantes eram militantes comunistas e anarquistas que

já tinham atividades políticas, nos seus países de origem. Outros passaram a se engajar em

alguma atividade, na medida em que vivenciavam as formas violentas de exploração do tra-

balho, nas oficinas e fábricas brasileiras ou na lavoura de café.

Em 1907, foi aprovada uma lei, proposta pelo deputado Adolfo Gordo, que ampliava as

formas de controle e repressão do movimento operário e permitia que o Estado expulsasse os

estrangeiros, envolvidos em greves ou manifestações de descontentamento. Só naquele ano,

foram deportados (mandados para fora do país) mais de cem imigrantes.

Figura 6: Chegada dos primeiros imigrantes japoneses no Brasil.

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Módulo 1 • Unidade 220

Durante a Segunda Guerra Mundial, entre 1939 e 1945, imigrantes japoneses e ale-

mães foram perseguidos pelo Estado e eram discriminados socialmente, pois, o Brasil havia

declarado guerra à Alemanha e ao Japão. Naquele contexto, escolas e associações (clubes,

igrejas) destas comunidades foram fechadas, muitas pessoas sofreram perseguição policial e

tiveram suas casas revistadas a procura de documentos que os relacionassem com a guerra,

na Europa.

Atualmente, milhares de bolivianos trabalham

em condições desumanas nas fábricas de tecido na

região metropolitana de São Paulo. Sem direitos le-

gais estabelecidos, estes imigrantes constituem uma

parcela importante da população paulistana e, atual-

mente, lutam contra a discriminação e pela garantia

de moradia e trabalho.

Portanto, quando refletimos sobre a formação

da sociedade brasileira, precisamos levar em conta

dois aspectos importantes.

Em primeiro lugar, ela não é o resultado da

contribuição das “três raças” (indígenas, africanos e

português) que teria transformado o país num paraí-

so para todos os grupos étnicos.

Em segundo lugar, ao longo da história, os se-

tores da elite que controlaram o Estado construíram

uma imagem de que haveria uma mesma matriz cultural de todos os brasileiros e que, por-

tanto, nossa identidade seria única e comum a todos.

A sociedade brasileira é fruto dos

encontros e dos conflitos entre di-

versos grupos étnicos, de origens

distintas que atuaram e atuam na

formação da nossa diversidade.

Como procuramos analisar, a nos-

sa formação é múltipla e, portan-

to, nossa identidade só pode ser

compreendida como um conjun-

to de múltiplas raízes culturais, de

diversas culturas e origens, de di-

ferentes religiões e inclusive dife-

rentes idiomas (pois, os povos in-

dígenas possuem outros idiomas,

além do Português).

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Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 21

Para ampliar seus conhecimentos sobre o assunto deste texto, damos as seguintes

sugestões.

Filme

Caramuru, a Invenção do Brasil

Direção: Guel ArraesBrasil, 2001O filme narra, de modo bem humorado, o encontro entre o português Diogo Álva-res (o Caramuru) e a índia Paraguaçu. A história de amor entre os dois trata, na ver-dade, das relações entre as duas culturas e o surgimento de uma nova sociedade que traz aspectos europeus e indígenas. O filme já foi exibido na televisão algumas vezes, mas vale a pena rever, depois de refletir sobre os temas deste módulo.

Livro

Viva o Povo Brasileiro – João Ubaldo Ribeiro (1984)

Romance histórico sobre a formação da identidade brasileira, narra as experiências de personagens que viveram em diferentes períodos da história do Brasil, desde o século XVI até 1977. É um livro difícil e longo (cerca de 600 páginas), mas a leitura é extremamente enriquecedora.

Site

http://pib.socioambiental.org/pt (acesso em agosto de 2010)

Instituto Socioambiental mantém um site com muitas informações e fotografias sobre os povos indígenas. No site, pode-se encontrar a história do contato de cada povo indígena com os brancos, suas crenças e rituais, e as condições em que se encontram atualmente.

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Módulo 1 • Unidade 222

Atividade 1

Resposta livre sobre as origens da família do aluno.

Atividade 2

a) O texto apresenta uma interpretação sobre a origem dos seres humanos e sua divisão em raças, baseada versão bíblica sobre a origem da humanida-de, a partir de um único casal – Adão e Eva. A explicação sobre a origem do povo brasileiro proposta por Martius baseia-se na mesma hipótese sobre as origens das raças, apontando a raça branca, de origem europeia, como su-perior às demais. Essa forma de interpretar nossas origens e acreditar que a miscigenação traria o branqueamento do Brasil, além de enganosa, negava o direito ao reconhecimento do valor de negros e índios na nossa formação cultural.

b) O desconhecido, o diferente, aquilo que não nos é familiar, ou simplesmen-te algo novo, pode provocar uma reação de medo, como algo que pode mudar nosso modo de vida. O medo do outro, medo do novo, medo do diferente é comum a várias sociedades e varia de acordo com a história de cada povo. Nossas elites já tiveram medo dos índios, dos negros escraviza-dos, dos pobres. Por isso, aceitar as diferenças, sejam físicas, culturais, étni-cas, religiosas é a base para a construção de uma sociedade democrática que seja justa para todos.

Atividade 3

c) Nas cidades, os negros e negras escravizados exerciam as mais diferentes ocupações: amas-de-leite, cozinheiras, lavadeiras, engomadeiras, costurei-ras, operários, pedreiros, carpinteiros, barbeiros, carregadores etc. A rela-ção com seu proprietário poderia ser como doméstico, escravo de ganho e até de aluguel.

d) Segundo o relato de Debret, as distinções entre os escravos resultam da condição do senhor proprietário, seja ele pobre ou rico. As diferenças po-dem ser percebidas pelas roupas e objetos, como a medalha de ouro, que distingue os escravos que trabalham na alfândega.

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Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 23

Atividade 4

a) O aluno deve escrever as informações que já conhecia sobre o tema da es-cravidão, a partir dos filmes, novelas e da sua experiência escolar anterior.

a) O aluno deve identificar as novas informações que ele obteve sobre o tema, a partir da leitura do texto.

Atividade 5

a) a) Segundo Gilberto Freyre, a mistura de raças que deu origem ao povo bra-sileiro era positiva para a cultura brasileira. Segundo ele, a fusão da amoro-sidade do negro com a civilidade do europeu e com o índio teria originado um povo absolutamente peculiar, onde prevalecia a harmonia entre as ra-ças. Para Emilia Viotti, da escravidão, resultaram marcas em nossa sociedade. A concentração de negros e mestiços, os problemas de sua marginalidade, a questão do preconceito racial, as dificuldades para a integração e adap-tação dos descendentes de escravos, os baixos níveis culturais da grande maioria, certos aspectos do comportamento do branco, tudo isso deriva do passado próximo cujo conhecimento é essencial para a compreensão de fe-nômenos atuais.

b) O aluno deve emitir opinião e justificá-la, utilizando exemplos da realidade onde vive ou dos meios de comunicação.

Atividade 6

a) Segundo o texto, o tema da “cor” foi reintroduzido no recenseamento das úl-timas décadas que era o objetivo de identificar a diversidade social, cultural e histórica, do povo brasileiro para estabelecer a diferenças importantes de condições de vida, oportunidade e eventuais problemas de discriminação e preconceito.

b) Alternativa D

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Módulo 1 • Unidade 224

Referências

Bibliografia Consultada

� FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala. 10a ed. Tomo 2, Rio de Janeiro, José Olympio Editores, 1961, p. 476 e 490.

� COSTA, Emilia Viotti da. Da Senzala à colônia. São Paulo, Difusão Europeia do Livro, s/d, p. 10.

Imagens

  •  http://www.sxc.hu/browse.phtml?f=download&id=1207518  •  Roger Kirby.

  •  http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Hospedaria_Imigrante_1910.jpg.

  •  http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Italiane.JPG.

  •  http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Imigrantes_portugueses.jpg.

  •  http://oolhodahistoria.org/artigos/IMAGENS-escravos-libertos-homens-secxix-

cristiane-magalhaes.pdf.

  •  http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Jean_baptiste_debret_-_ca%C3%A7ador_

escravos.jpg.

  •  http://pib.socioambiental.org/pt.

  •  http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Desembarque_Kasato_Maru.jpg.

  •  http://www.sxc.hu/browse.phtml?f=download&id=1220957  •  Ivan Prole.

  •  http://www.sxc.hu/985516_96035528.

  •  http://www.sxc.hu/browse.phtml?f=download&id=1254880  •  Artem Chernyshevych.

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Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 25

Anexo • Módulo 1 • Unidade 2

O que perguntam por ai?

O que perguntam por aí?

(Enem 2011, Ciências Humanas e suas Tecnologias, questão 32)

A Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, inclui no currículo dos estabelecimentos de Ensi-

no Fundamental e Médio, oficiais e particulares, a obrigatoriedade do ensino sobre História e

Cultura Afro-brasileira, e determina que o conteúdo programático incluirá o estudo da Historia

da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na

formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social,

econômica e política, pertinentes à Historia do Brasil, além de instituir, no calendário escolar, o

dia 20 de novembro como data comemorativa do “Dia da Consciência Negra”.

Disponivel em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 27 jul. 2010 (adaptado).

A referida lei representa um avanço não só para a educação nacional, mas também

para a sociedade brasileira, porque:

a) legitima o ensino das ciências humanas nas escolas.

b) divulga conhecimentos para a população afro-brasileira.

c) reforça a concepção etnocêntrica sobre a África e sua cultura.

d) garante aos afrodescendentes a igualdade no acesso à educação.

e) impulsiona o reconhecimento da pluralidade etnicoracial do país.

A resposta correta é a alternativa “e”

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Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 27

Anexo • Módulo 1 • Unidade 2

Caia na Rede

Eduardo Viveiros de Castro é um antropólogo brasileiro, reverenciado no mundo

todo como dos melhores da atualidade. Basta dizer que Lévi-Strauss, um dos maiores inte-

lectuais do século XX, realizou a seguinte declaração sobre ele:

Viveiros de Castro é o fundador de uma nova escola na Antropologia. Com ele, sinto-me em completa harmonia intelectual

Pois bem, este notável brasileiro passou muitos anos, vivendo em tribos indígenas

para realizar as suas pesquisas. Veja no link abaixo a defesa que ele faz do Rio Xingú, que

abriga atualmente 26 povos indígenas:

� http://www.youtube.com/watch?v=4UpAr8wYJAY

Na palestra que disponibilizamos a seguir, Eduardo defende uma tese interessante.

É sabido que as questões mais essenciais são constantemente refeitas, no decorrer da

história da humanidade. Ele afirma que não se importa muito com as diferentes respostas

que as diferentes culturas dão a essas questões. O que interessa a ele é a reformulação da

pergunta, isto é, as culturas são tão diferentes que o próprio indivíduo pertencente a uma

cultura alheia a do pesquisador (um índio, por exemplo) tem de reformular a pergunta

para que possa responder a ela. Neste vídeo, Eduardo Viveiros de Castro mostra como a

morte é encarada de forma completamente distinta nas diferentes culturas.

� http://www.youtube.com/watch?v=Zdz8U9_8YVU

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Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 29

Anexo • Módulo 1 • Unidade 2

Megamente

Nesta Unidade, falamos sobre as diferentes etnias que fazem parte da população bra-

sileira. Que tal conhecer um pouco mais sobre alguma delas? Escolha uma com a qual você

não tem muita familiaridade e procure na sua cidade um mercado ou restaurante onde você

possa encontrar comidas e temperos da culinária típica da etnia escolhida. Por exemplo: se

você nunca experimento comida japonesa, procure um restaurante típico e prove sashimi

(peixe cru) com wasabi (pasta de raiz forte) e shoyu (molho de soja). Perceba a textura e o

cheiro da comida, além da decoração e a música do local. Caso a grana esteja curta, procure

no supermercado um tempero chamado curry, que é uma mistura de condimentos muito

usada na Índia e na Tailândia. Depois pesquise uma receita e faça você mesmo um prato que

nunca tenha experimentado antes.

A culinária é uma ótima maneira de conhecermos um pouco de outras culturas.

Quando comemos, várias sensações são despertadas no cérebro. Não só o paladar, mas o

sistema olfativo é super estimulado quando experimentando comidas, pois esse sistema

é capaz de distinguir milhões de odores diferentes. Aliás, o sistema olfativo tem conexões

diretas com o centro emocional do cérebro e novos odores podem evocar sentimentos e

associações inesperadas, inclusive com a etnia da culinária em questão. Então, bom apetite!