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FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE LIMITADA Nova Lima 2008

MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

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FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS

MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE

HAVERES NA DISSOLUÇÃO PARCIAL DE

SOCIEDADE LIMITADA

Nova Lima

2008

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HENRIQUE VILAÇA BELO

MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE

HAVERES NA DISSOLUÇÃO PARCIAL DE

SOCIEDADE LIMITADA

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu da Faculdade de Direito Milton Campos como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito Empresarial. Área de concentração: Direito Empresarial. Orientador: Ricardo Adriano Massara Brasileiro.

Nova Lima

2008

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VILAÇA BELO, Henrique

V695 m Momento contábil de apuração de haveres na dissolução parcial de sociedade limitada./ Henrique Vilaça Belo – Nova Lima: Faculdade de Direito Milton Campos / FDMC, 2008

114 f. enc. Orientador: Prof. Dr. Ricardo Adriano Massara Brasileiro

Dissertação (Mestrado) – Dissertação para obtenção do título de Mestre, área de concentração Direito Empresarial junto a Faculdade de Direito Milton Campos

Referências: f. 107-113

1. Momento Contábil 2. Apuração de Haveres 3. Causa Dissolutória 4. Sociedade

Limitada. I. Brasileiro, Ricardo Adriano Massara. II. Faculdade de Direito Milton Campos III. Título

CDU 347. 72 347.725

Ficha catalográfica elaborada por Emilce Maria Diniz – CRB – 6 / 1206

Page 4: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

Faculdade de Direito Milton Campos – Mestrado em Direito Empresarial

Momento contábil de apuração de haveres na dissolução parcial de

sociedade limitada

Henrique Vilaça Belo Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu da Faculdade de Direito Milton Campos como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito Empresarial. Área de concentração: Direito Empresarial.

Orientador: Ricardo Adriano Massara Brasileiro Banca constituída pelos seguintes professores: ______________________________________

Prof. Dr. Ricardo Adriano Massara Brasileiro (Orientador)

________________________________ Prof. Dr. Vinícius José Marques Gontijo

(Examinador)

________________________________ Prof. Dr. Rodrigo Almeida Magalhães

(Examinador)

_____________________________ Prof. Dr. Alexandre Bueno Cateb

(Suplente)

Nova Lima, outubro de 2008 Alameda da Serra, 61 – Bairro Vila da Serra – Nova Lima – Cep 34000-000 – Minas Gerais – Brasil. Tel/fax (31) 3289-1900

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AGRADECIMENTOS

Ao Criador, o qual me deu forças para superar os obstáculos que a vida nos apresenta. Sem

Ele, certamente este trabalho não teria sido concluído.

Ao Dr. Ricardo Adriano Massara Brasileiro, pela dedicação com que me orientou, não

medindo esforços para me auxiliar na confecção do presente trabalho. Atencioso e

disposto, foi de suma importância para que meu interesse pelo estudo do tema escolhido se

potencializasse com o passar do tempo.

Aos meus pais, Josué e Cecília, que me deram toda a estrutura para que eu pudesse edificar

meu futuro profissional.

Aos meus queridos irmãos, Adriano, exemplo de profissionalismo e dedicação, e

Andrezza, minha maior inspiração para iniciar os estudos de Direito Empresarial,

auxiliando e apoiando-me, com seu vasto conhecimento de Doutora, para que eu obtivesse

o título de mestre.

Ao escritório de advocacia “Oliveira, Marques e Benfica”, exemplo de profissionalismo e

competência no exercício da advocacia.

A toda a Faculdade de Direito Milton Campos, em especial Srta. Rosely, Sra. Cássia e Sra.

Miralda, as quais sempre demonstraram disposição auxiliando-me nas dúvidas porventura

surgidas.

Page 6: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

RESUMO

Reconhecendo a ausência de norma legal acerca do instituto, aliado à enorme gama de entendimentos jurisprudenciais sobre o mais adequado momento de apuração dos haveres de um sócio que se desliga da sociedade limitada, por sinal, completamente divergentes, sistematizaram-se no presente estudo as várias épocas em que apuráveis os haveres, de acordo com a respectiva causa dissolutória, em cada uma delas apresentando-se os julgados dos vários Tribunais brasileiros a respeito. Como se constatará, a jurisprudência se apresentou neste trabalho como a mais importante fonte de consulta utilizada, já que poucos são os doutrinadores que se manifestam sobre o tema. E, quando o fazem, é de forma tímida, sem a ousadia necessária para se compreendê-lo em cada uma das hipóteses dissolutórias. Não se tratará na presente pesquisa das formas ou critérios contábeis de apuração dos haveres, mas sim e unicamente do aspecto temporal em que os mesmos são levantados quando há ruptura parcial do elo associativo da sociedade limitada. A definição de um marco inicial se mostra importante para preservar-se o justo e correto reembolso do valor pertencente ao sócio desligante. Para o desenvolvimento do tema, inicialmente, passou-se pelas abordagens introdutórias da dissolução parcial de sociedades, direito comparado e as hipóteses ocorrentes, adentrando-se no instituto da apuração de haveres e suas modalidades para, então, se chegar ao momento em que se levantam os valores. Após, situou-se o tema no Direito brasileiro, com as opiniões doutrinárias a respeito, logo em seguida considerando-se os vários julgados, fixando-se o dies a quo da contagem da época de apuração dos valores. Posteriormente, analisaram-se os aspectos processuais indispensáveis ao tema, entre eles as sentenças proferidas e suas naturezas jurídicas, bem como as medidas processualmente urgentes que se encontram à disposição dos interessados envolvidos no tema. Ao final, sugeriu-se o mais adequado critério para se adotar em cada uma das causas dissolutórias, como marco temporal inicial de levantamento de valores devidos ao sócio retirante, sendo justificados os motivos da escolha. Palavras chave: Momento Contábil. Apuração de Haveres. Dissolução. Sociedade Limitada.

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ABSTRACT

Recognizing the absence of legal norm concerninig the present theme, combined with the huge range of totally divergent jurisprudential understandings regarding the most appropriate time to canvass the assets of a partner who detaches from the limited partnership, the several times in which the assets are canvassed were systematized in the present study, according to their cause for dissolution, in each one presenting the respective jurisprudence given by several Brazilian courts. As it will be demonstrated, in the present study jurisprudence turned out to be the most important source of reference used, since there are few authors who write on the subject. And when they do, such task is carried out in a timid way, lacking the necessary boldness to fully understand it in each of its hypotheses for dissolution. This research does not deal with the several criteria or accounting methods for investigation of assets, but solely with the temporal aspect in which they come up whenever there is partial rupture of the associative link in the limited partnership. The definition of an initial landmark is important so as to preserve the fair and correct repayment of the value belonging to the detaching partner. In order to develop the theme, the introductory approaches concerning the dissolution of companies were dealt with, as well with the comparative law , and then going into the institute of investigation of assets, thus finally reaching the point of assessing their values. Later on, the theme was focused on the Brazilian law, citing the doctrinal views on it, and then the various trials were considered, setting up the initial time for verification of the values. Later on, the indispensable procedural aspects regarding the theme were analyzed, among them the rulings and their legal nature, as well as the urgent procedural measures which are available to stakeholders involved in the matter. At the end, the most appropriate criterion to adopt in each one of the causes for dissolution was suggested, as the original time-frame for canvassing of values owed to the parting partner, thus justifying the reasons for such choice. Key words: Accounting Moment. Canvassing of assets. Dissolution. Limited company.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.................................................................................................... 10

2 ANÁLISE DO INSTITUTO DA DISSOLUÇÃO PARCIAL.............................. 14

2.1 Dissolução: classificação binária....................................................................... 14

2.2 Dissolução parcial e breve incursão no direito comparado................................ 17

2.2.1 Itália................................................................................................................ 18

2.2.2 França.............................................................................................................. 20

2.2.3 Portugal........................................................................................................... 21

2.2.4 Alemanha........................................................................................................ 22

2.2.5 Espanha........................................................................................................... 23

2.2.6 Inglaterra e Estados Unidos das América....................................................... 23

2.3 Abordagem da dissolução parcial das sociedades limitadas no Código Civil... 24

2.4 Dissolução parcial: espécies............................................................................... 25

2.4.1 Exercício do direito de retirada....................................................................... 25

2.4.2 Morte............................................................................................................... 26

2.4.3 Exclusão do sócio............................................................................................ 27

2.4.3.1 Exclusão extrajudicial.................................................................................. 28

2.4.3.2 Exclusão judicial.......................................................................................... 29

2.4.4 Pleno direito: sócio falido e liquidação de quotas........................................... 29

2.4.5 Por previsão contratual.................................................................................... 30

2.5 Apuração de haveres: fase seguinte ao desencadeado processo dissolutório.... 31

2.5.1 Conceituação................................................................................................... 31

2.5.2 Modalidades de apuração de haveres.............................................................. 32

2.5.2.1 Apuração de haveres estipulada no contrato social...................................... 33

2.5.2.2 Apuração de haveres convencionada pelas partes....................................... 34

2.5.2.3 Apuração de haveres definida em sentença................................................. 35

2.5.3 Crítica à omissão legislativa a respeito da ausência de normas quanto à

preservação dos direitos do sócio desligante durante o procedimento de apuração

de haveres.................................................................................................................

37

Page 9: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

3 MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

SOCIEDADE LIMITADA......................................................................................

40

3.1 Situação do tema no Direito brasileiro.............................................................. 40

3.2 Possibilidades fáticas e jurídicas de alargamento da expressão “afastamento

do sócio”..................................................................................................................

43

3.3 Fixação do momento de apuração de haveres de acordo com a causa

dissolutória: apresentação da jurisprudência brasileira............................................

45

3.3.1 Exercício do direito de retirada pelo sócio...................................................... 46

3.3.1.1 Extrajudicialmente....................................................................................... 46

3.3.1.2 Judicialmente: Ação de Dissolução Parcial................................................. 50

3.3.1.3 Notificação efetuada quando em trâmite ação dissolutória do vínculo

societário..................................................................................................................

55

3.3.2 Morte............................................................................................................... 56

3.3.3 Exclusão do sócio: termo inicial da apuração dos haveres............................. 60

3.3.3.1 Extrajudicialmente....................................................................................... 60

3.3.3.2 Judicialmente................................................................................................ 63

3.3.4 Aspecto temporal da apuração de haveres na dissolução parcial de pleno

direito.......................................................................................................................

68

3.3.4.1 Falência do sócio.......................................................................................... 68

3.3.4.2 Liquidação de quotas do artigo 1.026 do Código Civil............................... 70

3.3.5 Previsão contratual da época de apuração de haveres do sócio desligante..... 72

3.4 Sentença proferida envolvendo o momento de apuração de haveres: efeitos

produzidos................................................................................................................

75

3.4.1 Classificação das ações: modalidades de sentenças........................................ 75

3.4.2 Natureza jurídica da sentença fixando o marco inicial em que apuráveis os

haveres.....................................................................................................................

77

3.4.2.1 Sentença com caráter constitutivo-condenatório: exceção à regra geral em

se tratando da data inaugural para apuração de haveres..........................................

79

3.4.2.2 Sentença com caráter meramente homologatório: natureza declaratória..... 81

3.5 Necessidade de ponderação de interesses na definição da época dos haveres:

vedação do enriquecimento ilícito...........................................................................

85

3.6 A utilização das tutelas emergenciais no âmbito da fixação do momento da

apuração de haveres.................................................................................................

88

Page 10: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

3.6.1 Introdução....................................................................................................... 88

3.6.2 Dia inicial para se apurarem haveres quando utilizada a tutela antecipada

ou procedimento cautelar.........................................................................................

90

3.6.2.1 Tutela antecipada......................................................................................... 90

3.6.2.2 Medidas cautelares....................................................................................... 93

3.7 A Arbitragem e sua utilização para definição do dies a quo para

levantamento dos haveres........................................................................................

95

3.8 Apontamento do critério mais adequado para se definir a época em que

apuráveis os haveres................................................................................................

98

3.8.1 “Antes” de ajuizada ação dissolutória............................................................. 98

3.8.2 “Após” ajuizada ação dissolutória.................................................................. 101

4 CONCLUSÃO...................................................................................................... 104

REFERÊNCIAS....................................................................................................... 107

APÊNDICE.............................................................................................................. 114

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10

1 INTRODUÇÃO

Tendo em vista a natureza da dissolução parcial da sociedade limitada, a qual visa

a tutelar o sócio que deseja deixar a sociedade, bem como aqueles que com ela continuarão,

neste caso objetivando preservar o ente societário e sua atividade produtiva, tem-se na

apuração de haveres, inserida neste cenário, um dos pontos de maior antagonismo.

Tal fato se dá ao se objetivar a busca do equilíbrio entre a justa indenização

propiciada ao sócio que da sociedade se retira e o mínimo de comprometimento dos recursos

financeiros que compõem a sociedade, fato esse difícil de se conciliar, porém, necessário

diante dos interesses pessoais e financeiros envolvendo as partes interessadas, quais sejam:

sócio e sociedade.

Objetiva a apuração de haveres a levantar os valores a serem pagos ao sócio que se

desliga da sociedade limitada, pesquisando-se acerca da atual situação patrimonial da mesma.

Para tanto, se faz necessária a fixação de um marco inicial, um momento em que os haveres

serão pagos.

Neste ponto reside o palco das controvérsias.

Referida tarefa tem sido arduamente perseguida pelos Tribunais brasileiros, porém,

gerando decisões controversas. Vários têm sido os entendimentos a respeito do marco

inaugural em que se iniciará a apuração de haveres.

A doutrina1,2 conclui, timidamente, que o momento do afastamento do sócio, ou

seja, a data de sua saída, é aquele que deve ser considerado para a determinação das vantagens

que lhe possam caber.

A jurisprudência, em sua maioria, vem ratificando o entendimento doutrinário

esposado, afirmando que a apuração de haveres do sócio deve ser real e contemporânea à sua

retirada, ou seja, seu desligamento da sociedade.

Porém, entendimentos considerando o marco inicial desta apuração como sendo o

trânsito em julgado da sentença excluidora do sócio ou, ainda, a citação da sociedade e dos

demais sócios nos autos da dissolução societária também já foram proferidos.

A legislação não traz dispositivo expresso a respeito. O artigo 1.031 do Código

Civil3, muito embora afirme que o valor da quota do sócio nos casos em que a sociedade se

1 ESTRELLA, Hernani. Apuração de haveres de sócio. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, p.216, 1992a. 2 BULGARELLI, Waldírio. O novo Direito Empresarial. Rio de Janeiro: Renovar, p.420, 1999. 3 BRASIL. Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 janeiro de 2002a.

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11

resolveu em relação a ele seja liquidada com base na situação patrimonial da sociedade à data

da resolução, nada soluciona a respeito.

A generalidade do termo “data da resolução” inserta no dispositivo legal do artigo

1.031 do Código Civil4 nos faz retornar ao ponto de partida inicial, não se permitindo concluir

precisamente qual o momento em que apuráveis os haveres, dada a enorme gama de

possibilidades fáticas serem encaixadas no seu sentido.

Por outro lado, muito embora a época de afastamento dos sócios nos casos de

morte e falência da sociedade seja prefixada, em outros casos - como quando há perda da

affectio societatis - torna-se mais difícil precisar o instante em que o sócio efetivamente

afastou-se da vida societária para fins de se definir o momento em que seus haveres serão

pagos.

Como se percebe, tormentoso e questionável é o momento de apuração de haveres.

Denota-se evidente a discrepância acerca do tema proposto para estudo, o que

gerou interesse pelo seu aprofundamento, visando-se a, objetivamente, apresentar a doutrina e

os vastos entendimentos a seu respeito e, por outro lado, sistematizá-los.

E não há outra forma de concluir os estudos do tema sem antes se definir o que se

entende por afastamento do sócio. Seria aquele que corresponda à ocorrência de determinada

causa que o desligou da sociedade? Seria o do momento em que se propõe a ação dissolutória

parcial da sociedade, a posterior citação do sócio na ação proposta ou quando se profere a

sentença de efeitos constitutivos?

E a influência do trânsito em julgado, poderia ele ser o marco inicial para apuração

dos haveres? Ou será que se considera afastado o sócio quando efetivamente se arquiva a

alteração contratual no órgão regulador da atividade empresarial?

Poderia se cogitar, em acréscimo às controvérsias, que o momento da prática dos

últimos atos na condição de sócio, pagamento dos haveres ou até mesmo a sua cientificação

na reunião em que o exclui seriam os marcos iniciais para se levantarem os valores àquele

devidos?

Esses, como outros temas, serão abordados, em conjunto com a análise dos vários

julgamentos proferidos, interpretando-se o que se entende por afastamento do sócio.

Não se analisará o momento da perda da condição de sócio. O dies a quo da

apuração de haveres independe dele. Este pode se dar de variadas formas, de acordo com a

causa que ensejou a dissolução, sempre se tendo em relevância a preocupação com o

4 BRASIL, op cit, 2002a.

Page 13: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

12

equilíbrio entre a justeza do valor pago e o menor comprometimento dos recursos sociais,

preservando-se a sociedade para continuar em pleno funcionamento.

Os efeitos produzidos pela sentença proferida em ações de dissolução parcial da

sociedade limitada, se ex tunc, ex nunc, bem como sua natureza jurídica, também serão

analisados, uma vez que podem influir negativa ou positivamente no momento da apuração de

haveres.

A fixação de critérios contratuais para levantamento do valor devido ao sócio e a

validade das convenções firmadas pelas partes para fixação do marco inaugural da apuração

de haveres também serão estudadas.

Da mesma forma, a utilização de tutelas emergenciais para se marcar o dia inicial

da referida apuração, dada a sua importância prática.

A necessidade de análise das formas de dissolução parcial da sociedade limitada,

seja judicial ou extrajudicial, também se faz presente, diante das novas previsões, compondo o

Código Civil5 e sua estreita ligação com o momento da apuração de haveres na sociedade

limitada.

Escassas são a doutrina e estudos específicos acerca do tema abordado, a ele se

dedicando poucos doutrinadores. A jurisprudência, por sua vez, acrescenta boa dose de

discussão ao estabelecer vários momentos para serem pagos os valores devidos ao sócio

desligante da sociedade.

Tais fatores, acrescidos a outros a serem abordados, conferem ao tema caráter

desafiador, justamente diante de sua importância em trazer aos operadores jurídicos um

estudo que lhes permita concluir pelo melhor posicionamento quanto à apuração de haveres e

o momento de sua ocorrência e, via de conseqüência, contribuir para amenizar as

controvérsias existentes.

Como se verá, fora adotada a análise da época da apuração de haveres de acordo

com cada uma das causas dissolutórias parciais da sociedade limitada, justamente para melhor

se visualizarem os vários entendimentos apresentados pela jurisprudência a respeito.

Incluíram-se, em cada uma das modalidades de ruptura, os respectivos acórdãos

que regulamentam o momento dos haveres.

Entre todas as modalidades de pesquisa efetuadas, a jurisprudência foi a mais rica

fonte, justamente por se tratar de tema pouco abordado pelos doutrinadores.

5 BRASIL, op cit, 2002a.

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13

Ela possuirá posição de destaque ao longo do presente estudo, sendo a única

responsável, salvo entendimento isolado de Celso Barbi Filho6, em destrinchar o que se

entende pelo “afastamento do sócio” quando operada a dissolução parcial.

Após analisados os aspectos envolvendo o momento contábil de apuração de

haveres, se ousará a apontar, ao final, aquele que se afigura mais adequado para ser adotado

de acordo com a causa que deu origem à dissolução parcial.

6 BARBI FILHO, Celso. Dissolução Parcial de Sociedades Limitadas. Belo Horizonte: Mandamentos, p.504, 2004.

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14

2 ANÁLISE DO INSTITUTO DA DISSOLUÇÃO PARCIAL

2.1 Dissolução: classificação binária

Nos dizeres de João Eunápio Borges7, “como as pessoas naturais, as sociedades

comerciais pessoas jurídicas nascem, desenvolvem-se, têm vida mais ou menos longa e

também morrem. Nem sempre da morte natural prevista nos seus contratos ou atos

constitutivos”.

Trata-se do instituto da dissolução de sociedades.

Ao se estudarem as formas de rompimento de vínculo societário, sem dúvida

alguma a dissolução ocupa papel de relevância máxima, seja em seu sentido amplo que

compreende o procedimento de extinção da sociedade empresária e o término da

personalidade jurídica da sociedade empresarial, seja para individualizar o ato específico que

dá origem a esse processo, quando determinado sócio de desvincula do quadro associativo.

Primando pelo princípio da conservação da empresa, as legislações atuais buscam

visar, ao máximo, à continuidade das atividades empresariais em determinadas situações que

poderiam ocasionar a extinção definitiva de determinada sociedade. O melhor exemplo são os

casos de conflitos entre sócios.

Da mesma forma, o Código Civil8 apresenta-se neste cenário objetivando a

continuidade da sociedade sem afetar a dissolução da personalidade jurídica, mas, sim,

dissolvendo os vínculos contratuais de determinados sócios que a originaram.

Analisando-se o termo dissolução, verifica-se que o mesmo origina-se do latim

dissolutio, que advém de dissolvere, concluindo a idéia de desatar, separar, romper9.

Mauro Rodrigues Penteado10 afirma que a palavra dissolução, em matéria

societária, não tem o mesmo significado que se lhe atribui a partir de sua expressão

gramatical. Segundo ele, no direito contratual, o termo “dissolução” vem a exprimir a

7 BORGES, João Eunápio. Curso de Direito Comercial Terrestre. Rio de Janeiro: Revista Forense, p.34, 1971. 8 BRASIL, op cit, 2002a. 9 PLÁCIDO E SILVA. Dicionário jurídico, p.103. In: PEREIRA, Marco Antônio Marcondes. Regime dissolutório do Código Comercial: dissolução total e dissolução parcial, dissolução judicial e extrajudicial. Revista de Direito Mercantil. São Paulo, v.100, p.63, out/dez. 1995. 10 PENTEADO, Mauro Rodrigues. Dissolução e Liquidação de sociedades, 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2000. In: SILVA, Hamilton de Figueiredo Apuração de haveres em sede de dissolução judicial de empresa holding. Disponível em http://www.mcampos.br/POSGGRADUACAO/Mestrado/dissertações/ hamiltonfigueiredosilvaapuracaohaveressededissolucao.pdf.

Page 16: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

15

extinção que ocorre de forma extraordinária, sendo que o contrato tenha alcançado o seu fim

por força de causa posterior ao momento de sua formação.

Há, ainda, doutrinadores que buscam diferenciar os termos dissolução - aqui se

subentendendo a parcial - e resilição unilateral do contrato, apontando as características de

cada um para justificar a distinção mencionada.

É o caso de Hernani Estrella11 em obra acerca do instituto da apuração dos haveres.

Ressalta que, muito embora haja o emprego freqüente de ambas as denominações como

sinônimas, há sensível diferença entre elas.

Para ele, o termo resilição unilateral do contrato, limitada ao sócio desligante, visa

à preservação do organismo societário que se apresenta apto a continuar operando, apesar de

faltar um de seus membros.

Por outro lado, a dissolução tende a extinguir o organismo societário, ou seja, a

própria sociedade. Esse seria o motivo, para o citado autor, da inaplicabilidade do uso desse

termo para designar o rompimento parcial do vínculo de determinado sócio em uma sociedade

qualquer, tendo em vista que a sociedade, não obstante a hipótese de retirada, seja por

exclusão, morte ou outra, continuará em pleno funcionamento.

Assim, questiona o doutrinador o motivo de se igualarem ambos os institutos,

diante do fato de que diversos são os pressupostos em que se baseiam, apesar de reconhecer-

se a íntima correlação entre os termos dissolução e resilição unilateral do contrato, pois, para

ele, o segundo se formou à ilharga do primeiro, como uma de suas formas ou subespécies.

Celso Barbi Filho12 acrescenta boa dose de discussão à diferenciação dos institutos

ao afirmar que a ruptura parcial se equivale à resolução parcial quando motivada por fato

superveniente à constituição da sociedade, como os casos de exclusão, falência, incapacidade.

Mas, para ele, o rompimento parcial, para se constituir na própria hipótese de resilição

unilateral do contrato, deverá decorrer do direito potestativo de denúncia, implícito nos

contratos por prazo indeterminado e na sociedade limitada, produzindo efeitos parciais ao

denunciante, caracterizando, assim, a típica e verdadeira figura da dissolução parcial.

Entretanto, acompanhando o uso freqüente nos Tribunais e na maioria da doutrina

da expressão dissolução parcial como gênero a englobar todas as hipóteses de efetivo

desligamento de determinado sócio da sociedade, vindo a manter a sociedade em vigor -

portanto, afastando-se as discussões acerca do emprego do termo dissolução para identificar a

11 ESTRELLA, Hernani. Apuração de Haveres de sócio. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, p.95-97, 1992b. 12 BARBI FILHO, op. cit, p.234-245.

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16

ruptura parcial do quadro associativo da sociedade limitada -, ressalta-se que, em conjunto

com a dissolução total, ambas compõem o sentido amplo do termo dissolução.

Esta é gênero; aquelas, espécies.

Controvérsias à parte, certo é que a posição consagrada ao longo dos anos pela

jurisprudência e incluída no bojo do ordenamento jurídico brasileiro é dar valia à classificação

binária da dissolução, qual seja: total e parcial. Vários são os doutrinadores que adotam a

classificação em dissolução total e parcial13,14,15.

O professor Wille Duarte Costa16 assim se posiciona ao observar que:

A primeira leva a sociedade à liquidação total do patrimônio social, para atingir a extinção. A segunda, só importa na dissolução em relação a determinado sócio, demissionário ou excluído, sem prejuízo da continuação da sociedade, que permanece em relação aos demais sócios. Em resumo, a dissolução total corresponde à forma clássica prevista pelo legislador de 1850, sendo que a dissolução parcial decorre de construção pretoriana e doutrinária, visando a afastar aquela, de forma a dar uma solução prática a questões internas do corpo social, ou simplesmente para preservar a empresa e a sociedade16.

Celso Barbi Filho17, opinando acerca da classificação exposta, acrescenta que:

Parece incoerente à primeira vista. Entretanto, diversos fatores, inclusive socioeconômicos, de conciliação entre o interesse de preservação das empresas exploradas por sociedades e o direito de saída dos sócios insatisfeitos fizeram com que, pelas mãos da doutrina e da jurisprudência, a dissolução apenas parcial das sociedades por quotas de responsabilidade limitada se tornasse uma realidade no Direito brasileiro, embora não prevista de forma nominada na lei17.

Assim, ao se definir a dissolução como um ato a ser efetivado e conduzente à

desconstituição da sociedade, vindo a ocasionar a liquidação do seu patrimônio e a posterior

extinção da pessoa jurídica, estar-se-á diante da denominada dissolução total, conforme

previsões dos artigos 1.033, 1.034, 1.044, 1.051 e 1.087 do Código Civil18.

Por sua vez, a dissolução de parte desses vínculos com a permanência da

sociedade em plena atividade por força dos demais sócios não dissolvidos é a denominada

dissolução parcial, nos termos dos artigos 1.004, 1.028 a 1.032, 1.033, III, 1.058, 1.085 e

13 BARBI FILHO, op cit, p.113. 14 PEREIRA, Marco Antônio Marcondes. Regime dissolutório do Código Comercial: dissolução total e dissolução parcial, dissolução judicial e extrajudicial. Revista de Direito Mercantil. São Paulo, v.100, p. 65, out/dez. 1995. 15 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 17.ed. São Paulo: Saraiva, v.2, p. 267, 1988a. 16 COSTA, Wille Duarte. A Dissolução de sociedade comercial composta de dois sócios. Atualidades Jurídicas. Belo Horizonte: Del Rey, v.3, p.357, 1993. 17 BARBI FILHO, op cit, p.114. 18 BRASIL, op cit. 2002a.

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17

1.086, todos do Código Civil19, dissolução essa a seguir aprofundada, diante de sua íntima

relação com o instituto da apuração de haveres.

Mesmo que se pretenda, não há como fugir da classificação mencionada, dada a

sua consolidação no ordenamento jurídico brasileiro e a inerente característica plurilateral do

contrato de sociedades ao se permitir a livre entrada e saída dos participantes por meio da

convenção de vontade, dissolvendo-se parcialmente a sociedade para mantê-la existente e em

pleno funcionamento.

2.2 Dissolução parcial e breve incursão no direito comparado

Regulamentando diferentemente a dissolução parcial das sociedades limitadas,

encontra-se no direito estrangeiro rica fonte de consulta que fortemente influenciou o

ordenamento jurídico brasileiro.

Os ordenamentos da Itália, França e Portugal foram os que mais interferiram na

adoção do sistema e regras de dissolução parcial de sociedades limitadas presentes na

legislação brasileira.

Não obstante, outros serão também analisados.

Por outro lado, difere em grande parte o direito estrangeiro do ordenamento

brasileiro, quando se constata, naquele, forte dose de restrição à saída dos sócios da

sociedade, com o pagamento dos haveres devidos, submetendo-se, várias vezes, à constatação

de casos fixados rigidamente, apreciados judicialmente.

Em alguns casos em que se admite a dissolução parcial, a verificação dos haveres

não se faz como no Brasil, em que se segue a tendência da Corte Superior a proceder ao

levantamento como se dissolução total fosse, preservando-se justamente o valor a que tem

direito o retirante.

Em outros ordenamentos, como o Direito italiano, avançadamente, a apuração de

haveres vem sendo feita contemporaneamente ao balanço existente ao tempo do afastamento

do sócio, posição já consagrada no Brasil pela doutrina e jurisprudência, porém, sem qualquer

previsão legal expressa a respeito em nosso ordenamento jurídico.

Em alguns pontos, como na fixação do momento de apuração de haveres do

Direito italiano, se encontra o direito estrangeiro mais evoluído que o brasileiro. Em outros,

19 BRASIL, op cit, 2002a.

Page 19: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

18

exige-se motivação contratual ou legal para se privar o sócio de continuar na sociedade, como

o faz o Direito português, menos desenvolvido que o nosso, como se verá.

2.2.1 Itália

O direito estrangeiro que mais influenciou o Direito brasileiro foi o italiano. Possui

vários dispositivos legais semelhantes àqueles contidos no Código Civil do Brasil20, conforme

será visto.

Abordando o direito comparado, Celso Barbi Filho21 demonstra que a

possibilidade de ruptura do vínculo societário na Itália remota ao ano de 1865. Porém, foi o

Código de Comércio de 1882 o responsável por criar o instituto do recesso.

O mesmo doutrinador observa que, aperfeiçoando-se as regras a esse respeito, em

1942 o Codice Civile garantiu expressamente, de forma mais detalhada, o direito de recesso

dos sócios das sociedades comerciais, como se conclui do artigo 2.437 - para os casos de

mudança do objeto ou do tipo da sociedade, transferência de sede para o exterior - e do artigo

2.285 nas sociedades com tempo indeterminado de duração.

Assevera-se que o diploma civil italiano, no livro V, Título V, Capítulo II, seção

V, possui regramento específico relacionado à dissolução do vínculo referentemente a um

sócio, como o faz o Código Civil Brasileiro22 no artigo 1.085.

Celso Barbi Filho23 narra que o diploma civil italiano também prevê as hipóteses

de liquidação da parte do falecido em favor dos seus herdeiros, salvo a previsão de cláusula

contratual em outro sentido.

Segundo ele, o Codice Civile é o diploma responsável por dispor sobre hipóteses

rígidas de exclusão de sócio, até mesmo para os casos de sócio falido ou que teve suas quotas

liquidadas, o que o ordenamento brasileiro também o fez sob a denominação de dissolução de

pleno direito.

20 BRASIL, op cit, 2002a. 21 BARBI FILHO, op cit, p.206. 22 BRASIL, op cit, 2002a. 23 BARBI FILHO, op cit, p.207.

Page 20: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

19

Eduardo Goulart Pimenta24 afirma que os artigos 2.286 a 2.288 regulamentam a

exclusão no ordenamento italiano, porém, tanto ela quanto o recesso do sócio compõem uma

mesma categoria genérica.

Ressalta o referido doutrinador que a exclusão se realiza por deliberação da

maioria, se a sociedade tem mais de dois sócios, ou por sentença judicial, quando somente

dois membros existirem. Aduz que, ainda, há admissão de limitação contratual às causas de

exclusão legalmente elencadas.

Também menciona Celso Barbi Filho25 a previsão de hipóteses de

responsabilidade do sócio retirante e seus herdeiros, no artigo 2.290, também o prevendo o

diploma civil brasileiro quando trouxe o dispositivo do artigo 1.03226.

Como se vê, várias são as similitudes com o ordenamento jurídico nacional.

Difere do ordenamento brasileiro no que diz respeito à ausência de remissão das

sociedades limitadas às regras das sociedades simples27.

Também o faz quando, no diploma civil italiano, se constata que o direito de

recesso é previsto especificamente na lei ou no contrato e, distintamente do diploma civil

brasileiro, possui forma específica prevista em lei para a saída isolada do sócio.

Referentemente ao instituto da expropriação de quotas, mais uma vez

demonstrando a similitude com o ordenamento jurídico nacional - artigo 1.026 -, o diploma

italiano também permite a execução judicial da quota para pagamento de credores particulares

de um sócio28.

De outro norte, o diploma italiano, inteligentemente, estabelece a efetiva

ocorrência da dissociação como sendo o marco inicial para a avaliação dos bens componentes

do patrimônio social nos casos de dissolução parcial de sociedades, ou seja, apuração dos

haveres29.

Adiante se voltará ao assunto, mas registra-se que quanto ao momento em que

apuráveis os haveres, o diploma italiano se apresenta mais moderno que o brasileiro, trazendo

norma específica a respeito da marco inicial de levantamento dos haveres, mesmo que de

forma genérica.

No Brasil, ante a ausência de norma legal respectiva, a doutrina se ocupa do tema.

24 PIMENTA, Eduardo Goulart. exclusão e retirada de sócios: conflitos societários e apuração de haveres no Código Civil e na Lei de Sociedades Anônimas. Belo Horizonte: Mandamentos, p.51, 2004. 25 BARBI FILHO, op cit, p.209. 26 BRASIL, op cit, 2002a. 27 PIMENTA, op cit. p.52 28 PIMENTA, op cit, p.52. 29 FRANCO, Vera Helena de Melo. Revista de Direito Mercantil. São Paulo, v.75, p. 26-27, jul/set. 1989.

Page 21: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

20

2.2.2 França

Diante da enorme influência do Código Napoleônico sobre o antigo Código

Comercial Brasileiro30 de modo a servir de inspiração para estruturação, no Brasil, dos

revogados dispositivos dos artigos 335 e 336, faz-se necessário analisar a dissolução parcial

de sociedades no Direito francês, muito embora não tão próxima do Direito brasileiro como a

legislação italiana.

Passando pela vedação de ruptura parcial, foi em 1867, pela Lei 24 de julho, que

se permitiram o recesso e exclusão do sócio nas sociedades de capital variável, excetuando-se

o caso da existência de limites impostos pelas partes quanto às negociações sociais ou por

cláusula contrária no contrato social31.

O diploma civil francês permite que o sócio de sociedade constituída por tempo

indeterminado também possa dela se retirar, porém o fazendo de forma tempestiva e com boa-

fé.

Trazendo disposições gerais sobre as sociedades, Celso Barbi Filho32 anuncia que

o dispositivo do artigo 1.844-7 é o responsável por apresentar as normas gerais sobre

sociedades, estabelecendo as causas dissolutórias, incluindo-se a relacionada ao

desaparecimento do espírito de união que caracteriza a sociedade, o que nosso ordenamento

optou por conhecer como a quebra da affectio societatis. Nesse ponto, ambos os

ordenamentos jurídicos se assemelham.

Por sua vez, no Direito francês as normas gerais sobre sociedades tratam de causas

admitidas como alternativa à dissolução total requerida por justo motivo, apreciado

judicialmente, dependendo sempre do elemento intuitu personae da sociedade ou da

ocorrência de fatores contratuais específicos.

Cita-se como exemplo o direito de retirada do sócio por não concordar com a

prorrogação do prazo de duração da sociedade ou a admissão do resgate, esse segundo diante

do fato de que as normas relacionadas à sociedade limitada, no Direito francês, bastante se

aproximam daquelas relacionadas às sociedades anônimas.

O resgate é a solução para o reembolso da parte, quando há requerimento de

dissolução total prevista em cláusula estatutária, com direito de continuação da sociedade

pelos sócios remanescentes.

30 BRASIL. Lei 556 de 25 de junho de 1850. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 de junho de 1850. 31 BARBI FILHO, op cit. p. 201. 32 BARBI FILHO, op cit, p.203.

Page 22: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

21

Como se vê, admite a lei francesa a dissolução parcial - dissolution partielle -,

abrangendo tanto a saída voluntária do sócio quanto os casos de exclusão33.

Referentemente à exclusão do sócio, afirma Eduardo Goulart Pimenta34 que sua

inclusão no ordenamento jurídico francês se deu de forma parcial e progressiva, sendo

decisiva a participação da doutrina e jurisprudência a esse respeito. Ambas, preocupadas com

a preservação da empresa, trouxeram do direito estrangeiro os ensinamentos para introduzir a

exclusão do sócio no ordenamento jurídico.

Vale apontar que a Lei 24 de julho de 1867, em seu artigo 52, §2º, similarmente ao

Direito brasileiro, já tinha previsão regulamentando a situação do sócio que é excluído ou se

retira da sociedade, vindo este a responder por cinco anos, perante os demais sócios e

terceiros, por todas as obrigações existentes no momento da retirada.

Por fim, há de se ressaltar o pontuado por Fran Martins35. Segundo ele,

similarmente ao Direito brasileiro, a lei francesa impede a dissolução da sociedade por

ocasião do evento morte, salvo estipulação em contrário contida no contrato social.

2.2.3 Portugal

Influenciando fortemente o revogado Decreto brasileiro nº 3.70836, o Direito

português prevê o denominado direito de exoneração do sócio, condicionando-o

expressamente às causas criadas pela lei ou contrato.

Trata-se de uma modalidade do direito de recesso, segundo Celso Barbi Filho37,

somente exercitável caso todas as quotas do sócio estejam integralmente liberadas.

Reproduzindo as matérias do Código italiano, ainda de acordo com Celso Barbi

Filho38, o Código Civil português possui previsão da exclusão, a qual é exercitável desde que

a duração da sociedade não esteja prevista no contrato.

A justa causa e a previsão contratual são limitadores do direito de exoneração

quando há fixação de prazo de duração da sociedade. Entretanto, cabível a mudança das

causas contratuais pelos sócios, desde que acordado a respeito por todos eles39. 33 PIMENTA, op cit, p.48. 34 PIMENTA, op cit, p.49. 35 MARTINS, Fran. Sociedades por quotas no direito estrangeiro e brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Forense, v.II, p.792, 1960. 36 BRASIL. Decreto-lei no 3.708, de 10 de janeiro de 1919. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 15 de janeiro de 1919. 37 BARBI FILHO, op cit, p.212. 38 BARBI FILHO, op cit, p.213.

Page 23: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

22

Eduardo Goulart Pimenta40 afirma que, entre os doutrinadores, não se admite a

possibilidade da sociedade excluir o sócio com fundamento num fato que a lei ou o contrato

não tenha previsto como motivo justificador da exclusão.

Por sua vez, o Código de Sociedades Comerciais, no artigo 241, regulamentando a

exclusão do sócio, também somente admite a exclusão do sócio baseado em causas

estabelecidas na lei ou mediante cláusula constante do ato constitutivo da sociedade.

Entre nós, a affectio societatis e sua larga utilização como fundamento para se

pleitear a dissolução parcial comprovam que não somente rígidas previsões contratuais ou

legais podem subsidiar o pedido dissoluório.

Difere, ainda, o ordenamento jurídico brasileiro, justamente pelo fato do Direito

português não prever, em caso de exercício de direito de saída, uma apuração de haveres

ampla, como se dissolução total o fosse, nos exatos termos do que entende a Corte Superior

brasileira.

2.2.4 Alemanha

De longa data já vem admitindo a Alemanha a possibilidade de ruptura parcial da

sociedade. Celso Barbi Filho41 cita previsões legais no Código prussiano de 1.794, bem como

nos Códigos do Comércio de 1861 e 1897.

Entretanto, lá a saída voluntária é prerrogativa da condição de sócio, direito este

que somente pode ser exercitado se ocorrida justa causa e, ainda, desde que haja

impossibilidade de cessão de sua participação.

Quanto à exclusão de determinado sócio, a sociedade pode ter a iniciativa de

excluir um sócio do quadro associativo quando haja causa justificadora42.

Eduardo Goulart Pimenta43, no mesmo sentido, ressalta que o BGB, atual Código

Civil Alemão, o qual disciplina o regime das sociedades civis, traz previsões legais a respeito

da exclusão e retirada do sócio. Segundo ele, prevalece a regra geral que permite a conversão,

diante de previsão legal, das hipóteses de dissolução total em saída voluntária ou compulsória

de determinado sócio, mantendo-se a sociedade. Expõe o referido doutrinador que o artigo

39 MARTINS, op cit, 1960, p.791. 40 PIMENTA, op cit, p.54. 41 BARBI FILHO, op cit, p.221. 42 BARBI FILHO, op cit, p.222. 43 PIMENTA, op cit, p.47.

Page 24: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

23

737 do BGB prevê a possibilidade de um sócio ser excluído por decisão dos demais, desde

que haja cláusula contratual neste sentido.

Como se vê, duas formas são admitidas no Direito alemão para dissolução parcial

do sócio: a saída voluntária e a exclusão do sócio, sempre se exigindo causa que a justifique.

Semelhantemente ao Direito brasileiro, Fran Martins44 acredita que o Direito

societário alemão pode prever outras causas dissolutórias pactuadas em contrato social pelas

partes.

2.2.5 Espanha

Não há, no Direito espanhol, previsão específica para a dissolução de sociedades

limitadas, aplicando-se a ela as normas contidas no Código do Comércio relativas às

sociedades em geral e aquelas relacionadas às coletivas e comandita45.

Semelhantemente ao Direito brasileiro, a dissolução parcial, na Espanha, é vista

como alternativa à dissolução total, sendo às sociedades limitadas atribuído caráter

consideravelmente personalista.

2.2.6 Inglaterra e Estados Unidos da América

Ambos adotando o sistema da common law, possuem como causas de dissolução

parcial hipóteses bastante similares, citando-se os casos de sócio judicialmente declarado

incapacitado, culpado, que desobedeça o contrato social, que ocasione perdas para os sócios

ou que o Tribunal considere como justo motivo para a dissolução.

Entretanto, no Direito inglês, Celso Barbi Filho46 relata que há expressa previsão

legal na lei de 1.890 sobre o partnership acerca da exclusão de sócio e separação voluntária,

essa segunda permitindo que do empreendimento possa sair qualquer sócio que dê ciência à

sociedade, nos casos de não ter prazo determinado de duração.

Se a partnership for constituída mediante deed, documento provado com selo

oficial, basta a simples retirada declarada por escrito pelo sócio.

44 MARTINS, op cit, 1960, p.791. 45 BARBI FILHO, op cit, p.223. 46 BARBI FILHO, op cit, p.224.

Page 25: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

24

Quanto à exclusão, somente em caso do contrato social prever é que se admite sua

possibilidade exercitável pela maioria.

Já no Direito norte-americano, também há a faculdade de retirada irrestrita do

sócio, sendo a partnership um modelo ainda adotado nos moldes do Direito inglês. E quanto

às denominadas limited partnership, a lei americana não é tão certeira quanto a inglesa no que

diz respeito à exclusão ou retirada de sócio. Ela é visualizada dentro do exercício exclusivo do

direito de retirada ou, melhor descrevendo a passagem de Celso Barbi Filho47, withdrawal

rights.

2.3 Abordagem da dissolução parcial das sociedades limitadas no Código Civil

A sociedade limitada, certamente diante da escassez de normas do Decreto-lei

3.708 de 191948, foi inteiramente sistematizada em capítulo próprio no Código Civil49,

especificamente no Livro II, Capítulo IV, artigos 1.052 a 1.087, ressaltando-se a possibilidade

de aplicação subsidiária da sociedade simples e anônima.

Referido diploma, ao estabelecer as normas envolvendo o direito de empresa,

trouxe várias inovações em relação à forma e requisitos para dissolução de sociedades, em

especial a sociedade limitada.

Apresentou-se mais completo no tocante ao rompimento do vínculo societário nas

sociedades limitadas, delineando várias hipóteses. Por um lado, sensível à freqüente

elaboração de estratégias pelos sócios majoritários na exclusão de minoritários, ousa prever,

mesmo que genericamente, algumas das formas de limites à exclusão forçada do sócio

minoritário, quando trouxe os dispositivos legais dos artigos 1.085 e 1.086.

É notória a intenção do diploma civil em preservar o sócio minoritário das

investidas excessivas de poder praticadas pelos sócios majoritários, afastando, ou pelo menos

pretendendo afastar, qualquer resquício de insegurança quanto à permanência no quadro

associativo.

A intenção protecionista do legislador vai além da exclusão do sócio, atingindo,

inclusive, a forma de liquidação de suas quotas, a qual se dará, com base no artigo 1.031, na

verificação da situação patrimonial da sociedade a partir de balanço especialmente levantado,

47 BARBI FILHO, op cit, p.227. 48 BRASIL, op cit, 1919. 49 BRASIL, op cit, 2002a.

Page 26: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

25

evitando-se a adoção de balanços desatualizados causadores do empobrecimento indevido do

sócio excluído.

Portanto, diante das várias inovações em relação ao rompimento do vínculo

societário na sociedade limitada, analisar-se-ão as formas apresentadas pela nova legislação

que conduzem à extinção de parte do vínculo de determinado(s) sócio(s), permanecendo a

sociedade empresária em pleno vigor, bem como as causas, características e conseqüências

emanadas de tais atos.

Tal fato se faz imperioso diante de que as respectivas épocas de apuração dos

haveres são fixadas de acordo com a causa que dissolveu o vínculo subjetivo que unia os

sócios, o que se verificará em momento oportuno.

2.4 Dissolução parcial - espécies

Várias foram as modalidades e formas apresentadas pelo diploma civil quanto à

dissolução parcial das sociedades.

As hipóteses fáticas como morte, falência, acordo firmado pelas partes, bem como

outras, podem incidir na vida societária fazendo nascer o interesse na dissolução parcial das

sociedades.

Por outro lado, a rescisão do contrato social pactuado, no que diz respeito a uma de

suas partes, pode ser perfeitamente entabulada pelos sócios, eis que se trata de um negócio

jurídico como qualquer outro, portanto, passível de alteração.

As hipóteses dissolutórias são as que se seguem nos próximos subitens.

2.4.1 Exercício do direito de retirada

Configurando ato unilateral do sócio desinteressado de permanecer na sociedade, o

exercício do direito de retirada do sócio de sociedade de prazo indeterminado pode se dar

independentemente do motivo.

Page 27: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

26

Como não havia se obrigado a manter o investimento por prazo fixo, o princípio da

autonomia da vontade faz com que ele se libere da condição de sócio no momento de seu

interesse50, porém, sob certas exigências.

No artigo 1.029 do Código Civil51 constata-se a obrigatoriedade de que os demais

sócios sejam notificados com antecedência mínima de 60 dias. Após, deve o interessado

aguardar a manifestação dos sócios no prazo de 30 dias seguintes à notificação, caso estes

queiram se manifestar.

Em caso de sociedade de prazo determinado, há de se destacar que a retirada do

sócio somente judicialmente se fará e, ainda, desde que comprovada justa causa. É o direito

de retirada motivada, eis que o direito do sócio, para ser exercido, de sua vontade não depende

somente.

Destaca-se que nas sociedades limitadas, várias podem ser as causas que

despertem no sócio a intenção de se retirar da sociedade, entre elas sua discordância da

alteração contratual proposta, ou da fusão, incorporação, cisão, conforme se constata do artigo

1.077, diploma civil52.

Logo, com o exercício do direito de saída por um dos sócios, serão apurados os

seus respectivos haveres com base na situação patrimonial da sociedade à data da resolução,

em balanço especialmente levantado.

2.4.2 Morte

Uma outra forma de se dissolver parcialmente a sociedade limitada seria a

ocorrência de morte do sócio, faculdade atribuída àqueles que sobreviverem, os quais, em vez

de dissolverem a sociedade, podem optar pelo ingresso dos herdeiros ou legatários na mesma,

dispondo o contrato social nesse sentido.

Tal possibilidade, há décadas, vem sendo admitida pela doutrina pátria53.

Nesse caso, estando todos de acordo na manutenção dos vínculos sociais, não

incide o instituto da apuração de haveres, mesmo havendo cláusula contratual dissolutória a

prevendo.

50 COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Comercia. 8.ed., São Paulo: Saraiva, v.2, p.464, 2005. 51 BRASIL, op cit, 2002a. 52 BRASIL, op cit, 2002a. 53 ÁLVARES, Walter T. Direito Comercial. 4.ed. São Paulo: Sugestões Literárias S/A., p.312, 1976.

Page 28: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

27

Tal modalidade de dissolução parcial tem como objetivo principal compatibilizar

os interesses dos sucessores do sócio morto e de sócio sobrevivente, numa sociedade “de

pessoa”. Pode ser formalizado extrajudicialmente.

Visa a, ainda, por seu turno, manter intocável o regular funcionamento das

atividades da sociedade diante da morte do sócio. É a expressão do “princípio da preservação

da empresa”, o qual já era aplicado doutrinariamente quando da vigência do revogado artigo

335, IV do Código Comercial de 185054.

José Waldecy Lucena55, discorrendo sobre o princípio, acrescenta que já não mais

se permite que males do mecanismo jurídico-societário possam vir a atingir a sociedade,

sendo formado um núcleo de interesses a serem preservados, os quais se encontram acima das

vicissitudes pessoais de cada sócio.

Essa é a razão da dissolução apenas parcial das sociedades em caso de morte dos

sócios, mantendo-se intangível o núcleo central de funcionamento da sociedade, entendimento

extensivo também a todas as hipóteses em que se dissolvem parcialmente as sociedades

limitadas.

2.4.3 Exclusão do sócio

O sócio, ao ingressar na sociedade, passa a se submeter a um regime jurídico

formado por obrigações definidas na legislação societária e/ou no contrato social da sociedade

limitada, as quais perduram até liquidação dessa e a extinção das responsabilidades sociais.

Desobedecendo a uma dessas obrigações, poderá se operar a exclusão

compulsória, justificando-se em virtude do princípio da preservação da atividade exercida

pela sociedade, seja por razões de ordem econômica ou outras quaisquer que visem a manter a

atividade produtora de riquezas.

Para tanto, a lei proporciona, pelo instituto da exclusão, a utilização de meios

capazes de extinguir as barreiras prejudicialmente impostas pelo sócio excluído, bem como

todos os elementos perturbadores da vida da sociedade.

54 BRASIL, op cit, 1850. 55 LUCENA, Waldecy. Das sociedades por quotas de responsabilidade limitada. 4.ed. Rio de Janeiro: Renovar, p.804, 2001.

Page 29: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

28

A exclusão “forçada” do sócio indesejado é vista como um direito de defesa da

sociedade contra aqueles que coloquem em risco a sua regular atividade e, em alguns casos,

sua própria existência. Divide-se em judicial e extrajudicial.

2.4.3.1 Exclusão extrajudicial

A nova legislação, ao contrário do Decreto-lei 3.708/1956, atendendo aos reclamos

da doutrina e da jurisprudência, preencheu a lacuna da lei ao tratar da questão relacionada à

exclusão do sócio minoritário nesse tipo societário, exatamente naqueles casos em que houver

o cometimento de ato de inegável gravidade que coloque em risco a continuidade da

sociedade, o que os dispositivos dos artigos 1.085 e 1.086 regulamentam.

Nos referidos dispositivos legais, pode-se constatar que, quando a maioria dos

sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios

estão colocando em risco a continuidade do ente societário, por força de ato de inegável

gravidade e ressalvados os casos do artigo 1.030, bem como a hipótese do artigo 1.004 e,

ainda, prevista a justa causa, poderá excluir o sócio que incorrer em uma dessas condutas por

meio de simples alteração contratual - após realização de assembléia para este fim -

conferindo o direito de defesa ao excluído.

Não prevista a justa causa, a exclusão se dará somente por decisão judicial, da

mesma forma o sendo em caso de exclusão de sócio majoritário, não obstante se discuta a

constitucionalidade a esse respeito diante do dispositivo do artigo 5º, inciso XX da

Constituição Federal, aplicável também na seara empresarial. Segundo referido dispositivo

constitucional, ninguém pode sercompelido a associar-se ou manter-se associado.

A partir do instante em que se exige que a exclusão se opere judicialmente, mesmo

que de forma indireta, o sócio se vê compelido a permanecer na sociedade até que a decisão

que o exclua seja proferida.

Como se constata, viola-se o direito fundamental previsto na Carta Magna.

Destaca-se, também, que o Código Civil57 acrescenta requisitos à exclusão do

sócio remisso, seja ele majoritário ou minoritário, ao mencionar no artigo 1.004 - aplicado

subsidiariamente à sociedade limitada - a permissão da retirada forçada do sócio que não se

56 BRASIL, op cit, 1919. 57 BRASIL, op cit, 2002a.

Page 30: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

29

obrigue, na forma e prazo previstos, às contribuições estabelecidas no contrato social, porém,

desde que devidamente notificado para que venha a fazê-lo.

Portanto, aquele sócio que não integralizar suas quotas, ficando a devê-las à

sociedade no todo ou em parte, torna-se remisso, podendo os demais sócios excluí-lo. Tal

peculiaridade já encontrava previsão na legislação da sociedade limitada ora revogada58.

As hipóteses citadas permitem que a exclusão se faça sem a necessidade da

instauração de um procedimento judicial, mas, sim, por mera deliberação dos demais sócios,

seguindo ao arquivamento da alteração contratual no registro público competente, respeitados

os requisitos legais exigidos. É a denominada exclusão extrajudicial.

2.4.3.2 Exclusão judicial

Por outro lado, não sendo o caso as hipóteses de sócio remisso ou exclusão de

sócio minoritário com previsão de justa causa no contrato social, obrigatoriamente recorrer-

se-á ao Poder Judiciário para que o conflito seja dirimido.

Neste ponto, o diploma civil limitou as possibilidades de exclusão judicial para as

hipóteses de ocorrência de falta grave no cumprimento das obrigações do sócio e

incapacidade superveniente59 - artigo 1.030 - ou, ainda, ocorrendo omissão contratual de

previsão da justa causa - artigo 1.085 -, esta sendo caracterizada pela violação ou falta de

cumprimento das obrigações sociais.

O sócio majoritário, assim, somente poderá ser excluído por meio do ajuizamento

da ação cabível, sob a hipótese de ter cometido ato de inegável gravidade que coloque em

risco a continuidade da sociedade.

Nesses casos, pleiteando em juízo a sociedade a exclusão pretendida, somente

mediante sentença judicial que venha a acolher o pedido é que se terá ocorrido a dissolução60.

2.4.4 Pleno direito: sócio falido e liquidação de quotas

58 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 23.ed. São Paulo: Saraiva, v.1, p.428-429, 1988b. 59 MACHADO, Elizabeth Guimarães. Direito de empresa aplicado: abordagem jurídica, administrativa e contábil. São Paulo: Atlas, p.159, 2004 conceitua: incapacidade superveniente de sócio é aquela caracterizada após um período de normalidade anterior, no qual o sócio gozava de plena capacidade. Superveniente no sentido se caracterizar depois do sócio já ser membro de quadro societário constituído em situação normal. 60 BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Márcia Carla Pereira. Curso avançado de Direito Comercial. 4.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p.212, 2008.

Page 31: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

30

De outro turno, a lei civil prevê, ainda, outra forma de dissolução parcial de

sociedade limitada, a denominada “exclusão de pleno direito”, aquela a qual se operará

naqueles casos em que o sócio for declarado falido, conforme artigo 1.030 e seu parágrafo

único, sendo apurados seus haveres nos moldes do artigo 1.031, bem como quando o sócio

tiver sua quota liquidada nos termos do parágrafo único do artigo 1.026.

Trata-se de nomenclatura mais acertada ao conter em seu bojo somente as

hipóteses de sócio declarado falido e aquele que tem sua quota liquidada61.

Constata-se, na primeira hipótese, a manutenção do antigo entendimento de que a

falência do sócio já não é mais causa de dissolução total da sociedade, o que já justificava, à

época do Código Comercial de 185062, a revogação do artigo 335, IV.

Trata-se, simplesmente, de mais uma hipótese de apuração de haveres na forma do

contrato, se prevista63,64.

Quanto à segunda modalidade, qual seja, liquidação das quotas do sócio, destaca-

se que ocorre a pedido do credor, após análise judicial acerca da procedência do pedido.

Acolhida a pretensão, a sociedade deve proceder à apuração dos haveres,

depositando o valor devido pelo sócio-devedor, no juízo da execução, em 90 dias após a

liquidação.

Ambas as formas, no entanto, permitem a exclusão de forma extrajudicial, como se

verá ao se analisar o momento em que apuráveis os haveres, abordando-se as suas

características principais.

2.4.5 Por previsão contratual

61 PIMENTA, op cit, p.97: no mesmo sentido, mas incluindo-se a “morte” como exclusão de pleno direito; TZIRULNIK, Luiz. Empresa e empresários no Novo Código Civil, 2.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p.102-103, 2005: entendendo por dissolução de “pleno direito” aquela em que ocorrem hipóteses de dissolução total, como a declaração de falência da sociedade, vencimento do prazo de duração se sociedade por prazo determinado, consenso unânime dos sócios, deliberação da maioria absoluta dos sócios em sendo sociedade por tempo indeterminado, falta de reconstituição de ausência de pluralidade de sócios em 180 dias e extinção da autorização legal para funcionar; BERTOLDI, op cit, p.352: referindo-se às sociedades anônimas, em especial artigo 201, I da Lei 6.404 de 1976, afirma haver quem inclua na designação dissolução “de pleno direito” os casos de término do prazo de duração da sociedade se ela não for constituída por prazo determinado, expressa previsão contratual, deliberação da assembléia geral, redução do quadro social a um único acionista se o mínimo de dois não for recomposto até a realização da próxima assembléia, e, por fim, quando se tratar de companhia que necessite de autorização governamental para funcionar, pela extinção da referida autorização. 62 BRASIL, op cit, 1850. 63 BARBI FILHO, op cit, p.292. 64 FONSECA, Priscila M.P.C. Dissolução Parcial, retirada e exclusão de sócio. 4.ed. São Paulo: Atlas, p.208, 2007.

Page 32: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

31

Diante do dispositivo do artigo 1.035 do Código Civil65, aplicável às sociedades

militadas por força do artigo 1.053, outras causas dissolutórias podem vir a ser previstas no

instrumento contratual da sociedade.

Livres, portanto, se encontram os sócios para regulamentarem os seus interesses no

contrato social.

Entretanto, para que a cláusula contratual estipulada possua validade, exige-se

concordância unânime dos sócios. Caso contrário, discordes esses quanto a ela, somente

judicialmente podem ser contestadas.

2.5 Apuração de haveres: fase seguinte ao desencadeado processo dissolutório

2.5.1 Conceituação

Incidindo o caso fático em qualquer uma das hipóteses mencionadas de dissolução

parcial de sociedade limitada e, posteriormente, sendo verificado o afastamento do sócio e,

como não poderia deixar de ser, sobrevivendo a sociedade, imperioso que seja fixado em

favor do sócio que dela se desliga o valor relacionado ao crédito que possui para com aquela.

Referido crédito - ora denominado reembolso, com exceção para a hipótese de

sócio remisso, o qual somente receberá as entradas que realizou decotada a indenização

devida à sociedade - corresponde exatamente ao valor patrimonial da participação societária.

Os objetivos da apuração de haveres se restringem à definição do quantum devido

ao sócio desvinculado pela sociedade. Portanto, esse sócio tem direito de crédito contra a

pessoa jurídica no mesmo valor que teria caso a hipótese fosse de dissolução total66.

Trata-se a apuração de haveres de um instrumento operador da saída do sócio da

sociedade. Ela simula a liquidação da sociedade objetivando definir o valor do reembolso

devido ao sócio que dela se desliga.

Deflagrado o fator dissolutório, iniciar-se-á o levantamento contábil para

reavaliação do valor de mercado da sociedade, dos bens componentes do patrimônio social,

65 BRASIL, op cit, 2002a. 66 GONÇALVES, Maria Gabriela Venturoti Perrota Rios; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Comercial: direito de empresa a sociedades empresárias. São Paulo: Saraiva, p.135, 2005.

Page 33: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

32

inclusive incorpóreos, passivo da pessoa jurídica, sendo projetado o valor do acervo

remanescente caso fosse a sociedade dissolvida naquele momento67.

Encontrado o patrimônio líquido da sociedade em processo de dissolução parcial,

sob parcela desse incidirá o reembolso do sócio desligante, proporcionalmente à sua quota68.

O que se constata do exposto é que a apuração de haveres se apresenta no cenário

dissolutório das sociedades limitadas como sendo o fenômeno deflagrador da retribuição

pecuniária do sócio que, por causas legais, pactuadas ou até mesmo inesperadas, se desliga do

contexto societário.

As distinções surgidas no âmbito da apuração dos haveres se concentram na

hipótese das peculiaridades do caso concreto, alterando, caso a caso, o contexto fático, os

motivos que ensejam a saída do sócio, a forma ou critérios de sua realização.

Não obstante tais distinções, para todas elas a apuração de haveres obedecerá ao

rito do artigo 1.031 do Código Civil69, em conjunto com as normas do Código de Processo

Civil de 193970, em vigor diante da disposição do artigo 1.218, inciso VII do atual Código

Processual71, em especial o artigo 638.

Destaca-se que, em determinados casos, sobrevindo divergência, seja por ausência

de entabulação entre as partes, justa causa, falta de previsão contratual, inaplicabilidade do

acordo pactuado ou em se tratando de exclusão de sócio majoritário, somente judicialmente

será a apuração realizada, sendo proferida sentença regulamentando a forma de sua

realização.

Por fim, salienta-se que a retirada, exclusão ou morte dos sócios não o exime, nem

os seus sucessores, da responsabilidade pelas obrigações anteriores, até dois anos após

averbada a resolução da sociedade, nem nos dois primeiros casos, por todas as posteriores e,

em igual prazo, enquanto a averbação não for requerida. É o que dispõe o artigo 1.032 do

Código Civil72.

2.5.2 Modalidades de apuração de haveres

67 COELHO, op cit, p.469. 68 MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial: empresa comercial, empresários individuais, microempresas, sociedades comerciais, fundo de comércio. 27.ed. Rio de Janeiro: Forense, p.226, 2002. 69 BRASIL, op cit, 2002a. 70 BRASIL, Lei 1.608 de 18 de setembro de 1939. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 de setembro de 1939. 71 BRASIL. Lei n° 5.869 de 11 jan. de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Diário Oficial, Brasília, 11 de jan. 1973. 72 BRASIL, op cit, 2002a.

Page 34: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

33

Inúmeras e extensivas são as formas em que a apuração dos haveres pode ocorrer,

tornando-se árduo para a doutrina tentar apontá-las. É que a legislação concedeu ampla

autonomia para que as partes possam regulamentar a vida societária.

Tal fato é facilmente constatado pelo dispositivo legal do artigo 668 do Código de

Processo Civil de 193973, o qual afirma que, em casos de morte ou retirada de sócios, os

haveres serão apurados e pagos pelo modo estabelecido no contrato social, pela convenção

firmada ou da forma estabelecida na sentença, não havendo, portanto, a dissolução total da

sociedade.

Embora o artigo em questão se reporte somente aos casos de morte e retirada, paira

na doutrina o entendimento que se estende também para todas as outras causas acarretadoras

da dissolução parcial da sociedade74.

Se, por um lado, a faculdade legal atribuída aos sócios de regularem seus próprios

interesses pode ser considerada vantajosa, por outro é bastante arriscada.

Freqüentemente, convenções e ajustes são preparados sem a devida clareza e

conhecimentos técnicos exigidos para o caso, rendendo frutos negativos no futuro, sendo

necessários vários litígios para esclarecer as divergências. Enriquecimento ilícito, lesão ou

abuso de direito são75 problemas outros relacionados a instituições eminentemente civilísticas.

Entrementes, mesmo que passíveis de falhas algumas delas, figuram na doutrina

três formas de apuração dos haveres76,77,78.

2.5.2.1 Apuração de haveres estipulada no contrato social

Denominado de ius dispositivum, o pagamento dos haveres pelo modo

estabelecido no contrato social permite aos sócios estipular a forma que será adotada no

futuro para que se apure o valor relativo aos haveres em caso de dissolução parcial da

sociedade.

73 BRASIL, op cit, 1939. 74 LUCENA, op cit, p.828-829. 75 ESTRELLA, op cit, 1992a., p. 139. 76 ESTRELLA, op cit, 1992a, p.138-140. 77 BARBI FILHO, op cit, p.432-448. 78 LUCENA, op cit, p.828-838.

Page 35: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

34

Vige, mais uma vez, a autonomia da vontade aplicada aos contratos societários,

nos quais a vontade pactuada pelos sócios quanto à forma de apuração de haveres deve

prevalecer, para benefício da própria atividade empresarial.

Eis aí o fundamento desse tipo de cláusula, qual seja, a preservação da sociedade,

justificando, de forma bastante comum, a sua inclusão no contrato social para que o

pagamento de haveres seja efetuado de forma parcelada e, via de conseqüência, se preserve a

sociedade economicamente viável.

Somente em hipóteses ocasionadoras de enriquecimento ilícito, dissenso quanto à

aplicação da cláusula ou prejuízo ocasionado ao sócio, é que se viabiliza o pedido judicial de

dissolução parcial e, conseqüentemente, de seu afastamento, vindo a se manifestar o Poder

Judiciário a respeito da forma justa de apurar os haveres.

2.5.2.2 Apuração de haveres convencionada pelas partes

Antes ou posteriormente à causa determinativa da dissolução parcial, surge a

possibilidade dos sócios de convencionarem, para o caso específico de retirada do sócio, a

forma pela qual se dará a apuração dos haveres. Se posterior, basta mera alteração contratual

nesse sentido.

A antiga doutrina sobre o tema, citando-se opinião de Celso Barbi Filho, à época

do então vigente Código Comercial de 185079, manifestava-se aduzindo que a convenção

firmada pelas partes, em caso de dissolução parcial contenciosa, implicaria a extinção do

processo. Partia-se do pressuposto de que, extrajudicialmente, não se admitiria a dissolução

parcial, instituto que era de índole eminentemente contenciosa80.

Porém, as introduções do Código Civil81 permitindo a dissolução parcial de

sociedades efetuada extrajudicialmente abandonaram, de uma só vez, a única e exclusiva

possibilidade de fixação de convenção pelas partes somente em juízo.

Passou-se, nos artigos 1.085 e 1.086, a prever-se a possibilidade de exclusão

extrajudicial de sócio minoritário, desde que preenchidos os requisitos legais mencionados na

legislação e, por conseqüência, permitindo-se que a convenção das partes acerca da forma da

apuração de haveres seja também efetuada extrajudicialmente.

79 BRASIL, op cit, 1850. 80 BARBI FILHO, op cit, p.446. 81 BRASIL, op cit, 2002a.

Page 36: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

35

José Waldecy Lucena82 já acompanhava esse entendimento.

E, em sendo realizada fora dos auspícios judiciários, incidirá a norma do artigo

1.031 e seus parágrafos83, levantando-se balanço especialmente para a pretendida dissolução

parcial, com a quota liquidada e paga em dinheiro no prazo de 90 dias, salvo, como faculta o

dispositivo legal, qualquer acordo ou estipulação contratual em sentido contrário.

Neste ponto, andou bem o Código Civil84.

2.5.2.3 Apuração de haveres definida em sentença

A última modalidade de apuração dos haveres, no entanto, a mais complexa delas,

estabelecida no artigo 668 do Código Processual de 193985, é a apuração dos haveres pelo

modo determinado na sentença.

Não concordes os sócios acerca da forma a apurar seus haveres, sendo processada

a ação de dissolução parcial, os haveres serão liquidados segundo a forma determinada no

provimento jurisdicional.

Aplicada de forma residual, para incidir faz-se necessário que o contrato social

seja omisso a respeito da forma a se apurarem haveres ou, mesmo que prevendo, proporcione

prejuízo ao sócio retirante, também sendo utilizada nos casos de não haver convenção firmada

pelas partes ou se recusarem os sócios a cumpri-la.

Em síntese, que não se aplique nenhuma das modalidades anteriores de apuração

de haveres.

A influência das modalidades anteriores de apuração de haveres nessa modalidade

é tamanha que, acaso constatadas no caso fático, haverá conseqüente óbice à manifestação

judicial a respeito da forma que deverão ser apurados os haveres. Neste sentido, manifestam-

se Lucena86 e Barbi Filho87.

Excetua-se - como não poderia deixar de ser - a hipótese em que determinada

cláusula preveja forma da apuração de haveres em manifesto prejuízo ao dissidente. Nesse

caso, será necessário que a sentença encontre a forma mais justa de apurar os valores devidos

àquele, substituindo eventual cláusula a respeito.

82 LUCENA, op cit, p.837. 83 BRASIL, op cit, 2002a. 84 BRASIL, op cit, 2002a. 85 BRASIL, op cit, 1939. 86 LUCENA, op cit, p.837. 87 BARBI FILHO, op cit.448.

Page 37: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

36

Ponto importante merecedor de mais desdobramentos é o referente à aplicabilidade

do procedimento liquidatório do Código de Processo Civil de 193988 na apuração de haveres

judiciais, portanto, na dissolução parcial de sociedades.

Muito embora referido procedimento se destine a regular a dissolução total de

sociedades, Fábio Ulhôa Coelho89 justifica sua aplicabilidade às dissoluções parciais e, via de

conseqüência, à apuração de haveres. E o faz no seguinte sentido: “a ação de dissolução e

liquidação de sociedade, regulamentada pelo CPC de 1939, para a hipótese de desfazimento

de todos os vínculos societários, é, à falta de dispositivos legais mais apropriados, o meio

processual idôneo também para a dissolução parcial e apuração de haveres”.

Como se nota, a ausência de legislação específica para regular a apuração de

haveres - portanto, o procedimento dissolutório parcial de uma sociedade limitada - faz com

que a doutrina, corroborada pelo antigo entendimento dos Tribunais Superiores, venha a se

utilizar das regras do procedimento liquidatório do Código de Processo Civil de 193990, para

aplicá-las na parcial dissolução de sociedades, quando necessário. E o justificam diante da

amplitude e vastidão das regras que regulam a dissolução total e processo liquidatório do

antigo digesto processual.

Tem-se que a apuração dos haveres sociais, no caso de dissolução parcial, em

manifesto respeito à garantia constitucional do direito à propriedade, deverá seguir

exatamente as mesmas finalidades exigidas para a liquidação ocorrida nos casos de dissolução

total.

Para tanto, faz-se o levantamento contábil de todos os valores do ativo, como se

liquidação total fosse haver.

Visa-se a, pela adoção do procedimento da liquidação total, obter a forma mais

justa e correta da apuração dos haveres, com o pagamento atual e justo do valor devido ao

sócio que da sociedade se desliga.

Os Tribunais Superiores91, em especial o Superior Tribunal de Justiça92,93,94,95, já

firmaram posição a respeito, determinando que, nas dissoluções parciais, a apuração de

haveres seja efetuada de forma integral, a partir de verificação física e contábil, ou seja,

balanço geral. 88 BRASIL, op cit, 1939. 89 COELHO, op cit, p.470. 90 BRASIL, op cit, 1939. 91 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 89.464, 12 setembro 1978. 92 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 271930/SP, 25 março 2002b. 93 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº105667/SC, 26 setembro 2000b. 94 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 61321/SP, 13 fevereiro 2001b. 95 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 89519/ES, 03 junho 1997a.

Page 38: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

37

Os demais Pretórios do país, bem como a doutrina96, acompanham o entendimento

mencionado97.

O que se conclui do exposto é a prevalência do entendimento acerca da

aplicabilidade indistinta do procedimento liquidatório da dissolução total à parcial em

qualquer causa que a enseje, seja pela exclusão de sócio, morte, falência ou até mesmo

quando inexistente regramento contratual válido sobre a forma de levantamento do quinhão

do dissidente.

Não obstante, Celso Barbi Filho98 ousa afirmar que a ampliação da quantificação

dos haveres se restringe somente a essa segunda hipótese, ou seja, ocorrendo a inexistência de

previsão contratual acerca do levantamento do quinhão do dissidente, sendo imprescindível,

nos seus dizeres, confrontar os efeitos patrimoniais do instituto da dissolução parcial com os

de cada uma das outras modalidades de saída do sócio da sociedade.

2.5.3 Crítica à omissão legislativa a respeito da ausência de normas quanto à

preservação dos direitos do sócio desligante durante o procedimento de apuração de

haveres

Não obstante a previsão legal do instituto da apuração de haveres e de algumas

características a respeito, assevera-se que a legislação societária não apresentou a necessária

proteção legal ao sócio desligante durante a apuração de seus haveres.

Muito embora o Código Civil99 tenha evoluído ao prever o direito de retirada do

sócio minoritário, bem como normas relacionadas à resolução da sociedade em relação a um

sócio, não trouxe dispositivos legais específicos regulando os direitos a que faz jus o sócio

retirante durante o trâmite do processo dissolutório.

Como se sabe, é público e notório que a avaliação do patrimônio líquido da

sociedade parcialmente dissolvida pode demandar longo período no seu andamento, mesmo

que os sócios já tenham acordado quanto à forma e momento em que os haveres serão

apurados.

96 FRANCO, op cit, p.25-26. 97 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível nº 1.0024.01.542506-9/001, 26 fevereiro 2008a. 98 BARBI FILHO, op cit, p.457. 99 BRASIL, op cit, 2002a.

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38

Nos dizeres de João Luiz Coelho da Rocha100:

Vemos questões sobre retiradas litigiosas de sócios minoritários se estendendo por anos, em um quadro factual onde o(s) majoritário(s) permanece(m) no controle, no uso e no desfrute da empresa e de seu aparato patrimonial, enquanto o retirante espera pela final apreciação de valor e início de pagamento (muita vez em prestações alongadas em dezenas de meses) de seus haveres na sociedade100.

Então se questiona: nesse período, quais seriam os direitos cabíveis ao sócio ou a

seus eventuais sucessores para que possam fazer jus à correta remuneração a que têm direito?

Atender-se-ia somente às disposições do que fora acordado no contrato social, em

caso de previsão a respeito, ou seria possível, por exemplo, a intervenção do sócio desligante

nas decisões sociais? Faria jus ao recebimento de pró-labore acaso efetivamente pratique atos

de gerência? Ou poderia continuar recebendo sua parte nos lucros sociais?

Fábio Ulhôa Coelho101, abordando o tema, traz, do direito comparado, citação do

ordenamento jurídico inglês ao afirmar que, na Inglaterra, os membros desligados do

partnership podem optar, enquanto se processa a avaliação da sua participação societária,

entre continuar recebendo sua parte nos lucros sociais e juros à alíquota de 5% ao ano sobre a

parte do patrimônio correspondente à sua quota.

Mencionado doutrinador deixa bem claro que, não contando o Direito brasileiro

com nenhuma disposição legal semelhante, a situação do sócio, em muitas vezes se

posicionando como minoritário, passa a ser dotada de completa instabilidade.

Então, a previsão de cláusulas contratuais relacionadas aos direitos do sócio que se

desliga da sociedade assume relevante importância, não obstante se confirme na

jurisprudência nacional o deferimento de liminares no sentido de socorrer, financeiramente, o

sócio retirante durante o andamento da ação dissolutória que culminará na apuração dos seus

haveres102,103.

Referidas cláusulas passam a suprir a deficiência legislativa a respeito e podem

regular desde as causas que impliquem a dissolução parcial, até a forma e momento em que os

haveres serão apurados e, como não poderia deixar de ser, os direitos a que faz jus o retirante.

Por sua vez, não havendo consenso na estipulação contratual a respeito, podem as

partes se valer da arbitragem, esta uma ótima saída para que os direitos do sócio desligante,

100 ROCHA, João Luis Coelho da. Revista de Direito Mercantil. São Paulo, v.124, p.40, out/dez. 2001. 101 COELHO, op cit, p.469. 102 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento nº70001668508, 09 novembro 2000. 103 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Agravo de Instrumento nº 165.290-4, 10 outubro. 2000.

Page 40: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

39

entre eles o de obter o melhor momento para apurar seus haveres, sejam definitivamente

preservados.

Portanto, a omissão legislativa a respeito justifica a necessidade de fixação dos

direitos do sócio que se retira da sociedade, seja pela previsão no contrato social da sociedade

limitada, seja pela inclusão da cláusula compromissória ou, ainda, pela convenção arbitral.

As tutelas emergenciais, em sede de dissolução judicial societária, podem também

garantir a rentabilidade do capital explorado durante a litigiosidade, protegendo os haveres do

sócio que se desliga.

Trata-se, como visto, de alternativas cabíveis em substituição à ausência de normas

a respeito, fato criticável.

Page 41: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

40

3 MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA SOCIED ADE

LIMITADA

3.1 Situação do tema no Direito brasileiro

Analisados sucintamente os institutos da dissolução parcial das sociedades e da

apuração de haveres, adentra-se na abordagem acerca do aspecto temporal em que os valores

devidos ao sócio que da sociedade se desliga devam ser apurados.

Em nota introdutória, destacou-se que o tema proposto para análise se encontra

pouco abordado no mundo científico, em especial na doutrina.

Tal fato levou Hernani Estrella104 a se manifestar quanto à inconveniência do

tratamento dado pelo mundo jurídico no que diz respeito ao problema relativo ao afastamento

do sócio e à conseqüente apuração de seus haveres.

Veja sua crítica a respeito:

Já dissemos, repetidas vezes, no decurso desse trabalho, que o problema relativo ao afastamento do sócio e conseqüente apuração de seus haveres não têm sido, com raríssimas exceções, tratados convenientemente, tanto pela doutrina como pela jurisprudência nacionais. Os autores pátrios, via de regra, se limitam ao exame de casos individualizados, expondo-os em linhas gerais ou encarando-os objetivamente, como resposta às consultas que lhes são submetidas. Os Tribunais, por seu turno, apreciam as espécies decidendas, resolvendo-as segundo as circunstâncias ocorrentes. Uns e outros, raramente, enunciam princípios capazes de possibilitar uma visão unitária do problema, de molde a permitir a sua estruturação como instituto autônomo, dentro do sistema disciplinar das sociedades. Não é, certamente, por carência de conhecimentos da ciência jurídica que nossos comercialistas e magistrados ainda não realizaram obra tão importante e necessária. Deve-se isto, talvez, ao fato de que, mesmo na literatura especializada, pouquíssimos são os expositores que têm examinado o assunto mais acuradamente104.

A omissão da ciência jurídica, por outro lado, tem causado, ao longo dos anos,

grandes entraves judiciais, nem um pouco uniformes, travados justamente para se definir o

exato momento em que apuráveis os haveres do sócio desligante.

A fixação de um termo inicial se faz necessária para que se tenha como base, ao se

levantarem os valores devidos ao sócio retirante, a verdadeira situação econômica da

sociedade naquele momento.

104 ESTRELLA, op cit, 1992b, p.233.

Page 42: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

41

Diferentemente da dissolução total, a parcial possibilita a continuação da

sociedade em suas atividades, com a devida alteração na situação patrimonial.

Conseqüentemente, a variação de seu capital social será inevitável.

Daí a importância da fixação do momento em que serão apurados os haveres. É

que referida variação pode se apresentar desigual quando se colocam de frente o valor

patrimonial devido por ocasião da participação do sócio e o quinhão que lhe resta para

apuração.

O ordenamento jurídico brasileiro, muito embora tenha reformulado sua parte

societária devido à entrada do Código Civil105, trazendo vários dispositivos a respeito da

dissolução de sociedades, continuou omisso em relação aos direitos do sócio que dela se

retira, entre eles o de fixar um adequado momento para apurar os haveres que lhe são devidos.

Não obstante se encontre previsto no artigo 1.031 que a liquidação - melhor seria

se tivesse utilizado o termo apuração de haveres - se dará, salvo disposição legal em contrário,

com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, em balanço

especialmente levantado, doutrina e jurisprudência vêm despendendo esforços para melhor

esclarecer o mais justo momento em que a apuração ocorra.

É que a expressão legal “resolução da sociedade” a que se refere a lei pode dar

origem a múltiplas formas dela extraídas para fins de se concluir qual será o momento da

apuração dos haveres.

Como já antecipado, o ordenamento civil italiano, ao contrário do brasileiro,

estabelece, no seu artigo 2.289, o patamar inicial da efetiva ocorrência da dissociação como

sendo o marco inicial para a avaliação dos bens componentes do patrimônio social nos casos

de dissolução parcial de sociedades, ou seja, apuração dos haveres106.

Como se percebe, há dispositivo legal expresso na legislação civil italiana.

Na brasileira, não. Os poucos doutrinadores brasileiros que se aventuram a opinar

acerca do momento de apuração dos haveres vêm definindo que o marco inicial seria o do

afastamento do sócio.

Mas só quanto a isso se manifestam, sem se desmistificar o termo “afastamento”

em algo concreto, verificável na realidade fática quando se trata de dissolução parcial de

sociedade limitada. Exceto o saudoso Celso Barbi Filho107, como se verá.

105 BRASIL, op cit, 2002a. 106 FRANCO, op cit, p.26. 107 BARBI FILHO, op cit, p.504-507.

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42

Vera Helena de Mello Franco108, discorrendo sobre o tema, após tecer

considerações a respeito da compatibilização da partilha do acervo empresarial e o resultado

da comunhão de esforço dos sócios, fixa como momento em que apuráveis os haveres aquele

em que, de fato, o sócio se afastou da sociedade:

[...] Por isto que, a rigor, na espécie, o momento da apuração de haveres deve ser aquele em que, de fato, o sócio se afastou da vida societária. Se desde aí não mais participou da condução dos negócios sociais, não contribuiu para a formação do patrimônio da sociedade, também não participou dos atos que determinaram, eventualmente, a sua posterior diminuição108.

Não é outro o ensinamento de Hernani Estrella109 ao concluir ser o momento do

afastamento do sócio aquele a ser considerado para que sejam determinadas as vantagens

pecuniárias que lhe são devidas. Apresenta suas justificativas diante do fato de que, com a

dissolução parcial, a sociedade continua a operar normalmente e, então, se faz imperioso que

sejam discriminadas as operações novas das preexistentes - somente quanto a essas o sócio

desligante participa - para uma justa divisão equânime do acervo patrimonial.

Marco Antônio Marcondes Pereira110 e Waldírio Bulgarelli111 mantêm a mesma

linha ao afirmarem que o valor apurado deve ser mesmo aquele correspondente ao momento

da saída, ou seja, quando de fato o sócio afastou-se da sociedade. Pereira112 sugere que o

momento da apuração de haveres á aquele que, de fato, o sócio se afastou da vida societária,

evitando-se, dessa forma, que padeça de diminuição de seu patrimônio por atos em que não

teve participação ou que seja beneficiado sem justa causa por lucro societário que não teve

contribuição. Bulgarelli113 justifica a irrazoabilidade de se entender o contrário, citando

entendimento jurisprudencial acerca do paralelo efetuado pela jurisprudência ao comparar a

data da saída do sócio ao evento de sua morte.

Concluindo sua abordagem sobre o tema, Celso Barbi Filho114 aduz: “creio ser

correta essa linha de entendimento, adotada em doutrina e jurisprudência, posto que o

momento de apuração dos haveres só poderia mesmo ser o do afastamento do sócio”.

108 FRANCO, op cit. p.27. 109 ESTRELLA, op cit, 1992a, p.216. 110 PEREIRA, op cit, 1995, p.80 111 BULGARELLI, op cit, p.420. 112 PEREIRA, op cit. 1995, p.80. 113 BULGARELLI, op cit, p.420. 114 BARBI FILHO, op cit, p.506.

Page 44: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

43

A jurisprudência comunga do mesmo entendimento115,116,117.

Restaria questionar o que se entende pela expressão “afastamento” dos sócios.

Referido papel é incumbido quase que exclusivamente à jurisprudência, dado ao

fato de que os doutrinadores citados - com exceção de Celso Barbi Filho118 -, muito embora se

posicionem a respeito, não definem um momento exato em que apuráveis os haveres.

Somente afirmam que o simples afastamento do sócio é o momento ideal, o que dá margem a

uma ampla e variável gama de possibilidades fáticas para se definir o aspecto temporal e

levantar os valores devidos ao desligante.

Tais possibilidades fáticas, longe de se esgotarem todos os casos concretos, serão à

frente pormenorizadamente analisadas, como forma de demonstrar, mesmo que com certa

dose de divergência, os entendimentos firmados pelos Tribunais do país.

3.2 Possibilidades fáticas e jurídicas de alargamento da expressão “afastamento do

sócio”

Na obra já referenciada em nota anterior, o saudoso Celso Barbi Filho119 expõe,

com razão, a vasta amplitude da expressão “afastamento do sócio”, a qual comparta vários

entendimentos. Da mesma forma, a falta de clareza do dispositivo do artigo 1.031 do Código

Civil120, ao se referir à data da resolução para se apurarem haveres, como mencionado alhures.

Ambos são incertos, genéricos.

Segundo Celso Barbi Filho121, a adoção do critério que determina o marco inicial

para apuração dos haveres do sócio como sendo a sua saída é critério pouco solucionador,

uma vez que, apesar de aplicável àquelas hipóteses que tenham a ocorrência de evento com

termo certo - o caso da morte, exclusão, recesso ou falência do sócio -, seria inaplicável aos

casos de dissolução parcial imotivada, as quais decorrem da perda da affectio societatis, ou

seja, a harmonia reinante no convívio dos sócios.

115 MINAS GERAIS, Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível nº 250.790-8. 04 março 1999a. 116 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Agravo de Instrumento nº 500.458-6, 19 maio 2005a: “o momento do cômputo da participação societária deve ser o do afastamento efetivo do sócio da empresa, o qual passa a não mais ser influenciado pelos sucessores ou azares da sociedade”. 117 RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação Cível nº 1997.001.4584. 16 setembro 1997. 118 BARBI FILHO, op cit, p.504-507. 119 BARBI FILHO, op cit, p.506. 120 BRASIL, op cit, 2002a. 121 BARBI FILHO, op cit, p.506-507.

Page 45: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

44

Nesse segundo caso, não há um patamar inicial em que se apóia eventual decisão

judicial para definir o momento de levantamento patrimonial dos bens do sócio retirante. Ou

seja, a causa decorre de fato imotivado, aleatório, muitas vezes volitivo.

Muito embora inteligente a divisão operada por Celso Barbi Filho, há de se

destacar que sua adoção torna-se inviável diante do fato de que até mesmo nos casos em que

haja termo certo de ocorrência da causa dissolutória se pode constatar mais de uma solução

apresentada pela jurisprudência brasileira.

Como se vê, não se trata de regra absoluta.

Tal fato nos impede, em respeito à posição apresentada, de definir os marcos

temporais com base em causas definidas com termo certo e imotivadas, considerando-as como

regra uniforme a ser seguida, diante da variedade de julgamentos distintos envolvendo tais

hipóteses.

Não há uniformidade na fixação dos aspectos temporais em que apuráveis os

haveres.

Como já antecipado em sede introdutória, poder-se-ia considerar o mencionado

afastamento como sendo aquele correspondente à ocorrência de determinada causa que

desligou o sócio da sociedade, notificando-a a respeito, ou o momento em que se propõe a

ação dissolutória parcial?

Qual seria a interferência da citação processual na definição do momento de

apuração de haveres? Seriam marcos reguladores temporais da apuração dos haveres a

sentença proferida ou o trânsito em julgado da ação dissolutória?

Ou será que se considera afastado o sócio quando efetivamente se arquiva a

alteração contratual no órgão regulador da atividade empresarial?

Admissível poderia ser o entendimento de se considerar o momento do pagamento

dos haveres ou a prática dos últimos atos na condição de sócio ou até mesmo a cientificação

na reunião em que o exclui como sendo os marcos iniciais para se levantarem os valores

àquele devidos?

Todos esses questionamentos, frutos da completa e lamentável inexistência de

regramento legal, levam a conduzir o estudo da fixação do marco inicial da apuração dos

haveres - até mesmo nos casos em que há evento certo e com termo preexistente - voltado

quase que exclusivamente para a jurisprudência firmada ao longo dos anos pelos Tribunais

Superiores e Estaduais.

Page 46: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

45

A multiplicidade de eventos fáticos tem levado os julgadores a atuarem no caso

concreto, apresentando a solução que melhor se alinha aos interesses patrimoniais das partes

envolvidas na dissolução parcial societária, às vezes contraditórias.

Como se vê, trabalha-se em terreno pedregoso, de difícil acesso, dada a quantidade

de exceções trazidas pela jurisprudência a seu respeito.

Tendo, portanto, o gênero do momento da apuração dos haveres como sendo o

“afastamento do sócio”, imperioso que se definam as várias hipóteses ramificadas desse

patamar inicial.

3.3 Fixação do momento de apuração de haveres de acordo com a causa dissolutória:

apresentação da jurisprudência brasileira

O estudo jurisprudencial a seguir apresentado não se trata, por um momento

sequer, de regra geral acerca do assunto. Mesmo preenchendo o vazio legislativo com

soluções um tanto quanto díspares na tentativa de compatibilizá-las com as normas de direito

societário, define em cada caso concreto o momento em que apuráveis os haveres do sócio

desligante, já que a afirmativa do simples afastamento do sócio como marco temporal, ora

trazido pela doutrina, é um tanto quanto genérica.

Já se pode perceber ligeira semelhança de julgados de alguns Tribunais Estaduais,

o que nos permite verificar em alguns casos o entendimento prevalecente.

As Cortes Superioras, por sua vez, já se manifestaram a respeito, mesmo que de

forma tímida.

Adentrando-se nesse quadro, apresentam-se os respectivos momentos de apuração

dos haveres nas causas dissolutórias examinadas, bem como o que há de concreto na realidade

jurisdicional brasileira.

A época de apuração dos haveres varia em cada uma das causas de dissolução

parcial, o que faz necessário sejam examinados separadamente.

Page 47: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

46

3.3.1 Exercício do Direito de Retirada pelo Sócio

3.3.1.1 Extrajudicialmente

Imbuído do princípio constitucional do dispositivo legal do artigo 5º, inciso XX da

Constituição Federal122, ou seja, ninguém é obrigado a associar-se ou a se manter associado;

aquele sócio que se interessar em se desligar da sociedade, seja por um acontecimento alheio

à sua vontade pessoal, por decisão unilateral ou até mesmo pelo uso da previsão contratual

específica, poderá exercer o direito de retirada.

Hipóteses comuns no exercício do direito em questão seriam os casos de

discordância da alteração contratual proposta ou da fusão, incorporação, cisão, todas elas

incluídas na abrangência do dispositivo legal do artigo 1.077 do Código Civil123.

Diante da não-obrigatoriedade de manutenção do investimento por um prazo fixo,

o princípio da autonomia da vontade faz com haja a liberação da condição de sócio quando

bem entender, ainda que extrajudicialmente, porém, sob certas exigências, como já

mencionado alhures.

Deverá o sócio, portanto, notificar os demais com antecedência mínima de 60 dias

- se o contrato social não previr prazo diverso, como se extrai do artigo 1.029 do Código

Civil124, em se tratando de sociedade com prazo indeterminado.

Em sendo sociedade de prazo determinado, somente via judicial poderá se retirar

e, ainda assim, desde que comprovada justa causa.

Incluído em uma das hipóteses de dissolução parcial, o exercício do direito de

retirada do sócio implica a apuração dos valores que lhe dizem respeito, rompendo-se

parcialmente o vínculo contratual e prosseguindo a sociedade em suas atividades. Para tanto,

serão apurados os seus respectivos haveres.

Trata-se da hipótese de retirada extrajudicial, tendo o retirante o direito potestativo

de agir. Em sentido contrário, Fonseca125.

Nos casos em que o sócio opta por retirar-se da sociedade, a data-base de apuração

dos haveres será exatamente a comunicação de tal vontade à sociedade, declaração de vontade

122 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988. 123 BRASIL, op cit, 2002a. 124 BRASIL, op cit, 2002a. 125 FONSECA, op cit, p.136.

Page 48: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

47

receptícia, a qual produz efeitos tão logo seja inteirado o destinatário126. Esse é o momento em

que o sócio se afasta, de fato, da sociedade.

A jurisprudência nacional já teve a oportunidade de se manifestar a respeito, como

se pode constatar da decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais127:

EMENTA Ação ordinária - Assistência judiciária indeferida- Pessoa física - Deferimento na fase recursal - Pessoa jurídica - Deferimento do direito de demandar sem depósito prévio das despesas processuais - Dissolução parcial de sociedade comercial - Possibilidade. [...] Para que se proceda à dissolução parcial de sociedade, deve o sócio notificar os demais, valendo a data da ciência como início do afastamento e marco para a aferição dos haveres atinentes à participação societária. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 2.0000.00.449852-0/000, da Comarca de Patos de Minas, sendo Apelante (s): 1º) Amarildo Aluísio Pereira; 2ªS) Empresa Patense de Varejo Ltda. e Outra e Apelado (a) (os) (as): José Henrique Brandão de Moraes acorda, em Turma, a Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, acolher parcialmente o primeiro apelo, para conceder os benefícios da assistência judiciária ao primeiro apelante e à empresa Patense de Varejo Ltda.; rejeitar preliminar e negar provimento ao segundo apelo, mantendo a sentença. Presidiu o julgamento o Desembargador Maurício Barros (Revisor) e dele participaram as Desembargadoras Teresa Cristina Da Cunha Peixoto (Relatora) e Selma Marques (Vogal). O voto proferido pela Desembargadora Relatora foi acompanhado na íntegra pelos demais componentes da Turma Julgadora. Assistiu ao julgamento pelo apelado o Dr. Gustavo Costa Lopes. Belo Horizonte, 14 de setembro de 2005. Desembargadora Teresa Cristina da Cunha Peixoto – Relatora127.

No caso em questão, verificada a vontade do autor de se afastar da sociedade

firmada com os réus, cientificou este na reunião realizada em 13 de outubro de 2003 a sua

intenção de desvincular-se da mesma, cedendo suas quotas sociais.

A cientificação mencionada seria, portanto, o marco inicial para que os haveres

fossem apurados, sendo obedecido o comando legal insculpido no artigo 1.029 do Código

Civil128 ao exigir-se a prévia notificação aos demais sócios da intenção de se despedir da

sociedade.

Numa outra oportunidade, manteve a mesma linha de entendimento o Tribunal

Mineiro129 ao considerar também a data-base para a apuração dos haveres como sendo a

manifestação do sócio da sua intenção de retirada, muito embora tenha continuado a se manter

126 FONSECA, op cit, p.211. 127 MINAS GERAIS, Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível nº 2.0000.00.449852-0/000(1), 14 setembro 2005b. No mesmo sentido: MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível nº 231.554-0, 04 setembro 1997. 128 BRASIL, op cit, 2002a. 129 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível nº 2.0000.00.501668-6/000(1), 15 dezembro 2005c.

Page 49: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

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no quadro associativo, diante da resistência dos demais sócios de acatarem o pedido de

retirada.

Nesse caso, o autor da ação dissolutória manifestou sua intenção de se retirar da

sociedade por meio da expedição de telegrama enviado aos sócios da sociedade na data de

31.05.1999.

Entendeu o Tribunal Mineiro que o autor provou fato constitutivo do seu direito

nos moldes do artigo 333, inciso I, do Código de Processo Civil130 ao comprovar a

manifestação da sua intenção de retirada da sociedade, marcando o início do prazo para

levantamento dos valores pecuniários.

Igual posicionamento se extrai do julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio

Grande do Sul131:

EMENTA Comercial. Dissolução de sociedade. Momento da apuração dos haveres. Doutrina e jurisprudência conflitantes. Solução que prevê a apuração quando da notificação para a retirada de sócio. 1. Dissolução parcial que se mostra pertinente ao caso concreto, em que, notificada a sociedade da vontade de uma de suas sócias retirar-se, houve a negativa de tal retirada. Entendimento que, ume vez extinto o ânimo de permanecer como sócias, a via escolhida da dissolução parcial e a que menor prejuízo causa a empresa. 2. Momento da apuração dos haveres. Valorização da vontade dos sócios. A sociedade deve apurar os haveres do sócio desvinculado e pegar-lhe nos prazos previstos contratualmente ou a vista em caso de omissão do contrato. Por isso, o momento da apuração dos haveres deve ser aquele em que, de fato, o sócio se afastou da vida societária, se desde aí não mais participou da condução dos negócios sociais, não contribuiu para a formação do patrimônio da sociedade, também, não participou dos atos que determinaram a sua posterior diminuição. Doutrina de Fábio Ulhôa Coelho e Vera Helena de Mello Franco. 3. A notificação precedida pela sócia dissidente e o marco desejado por todos os demais sócios, para dar inicio ao procedimento tendente a retirada. 4. Perdas e danos consistentes na correção monetária e juros de 6% ao ano, a contar da notificação, nos limites do pedido inicial131.

Portanto, a notificação enviada pelo sócio retirante à sociedade seria a data em que

se opera a resolução, o que nos moldes do artigo 1.031 do Código Civil132 faria ensejar a

apuração dos haveres.

Não obstante os entendimentos demonstrados, não se poderia deixar de apresentar

acórdão também proferido pelo E. Tribunal de Minas Gerais em sentido diametralmente

oposto ao estabelecimento do dies a quo como sendo a notificação extrajudicial. Em caso

similar, em que também houve comunicação por escrito do sócio de se retirar da sociedade 130 BRASIL, op cit, 1973. 131 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 599127941, 23 setembro 1999a. No mesmo sentido: RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70005891353, 18 dezembro 2003; RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 594049645, 21 junho 1994; SÃO PAULO, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação Cível nº 10.578-4/0, 04 setembro de 1998. 132 BRASIL, op cit, 2002a.

Page 50: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

49

limitada, a 15ª Câmara Cível da Corte Mineira133 decidiu que a notificação extrajudicial

mencionada foi a causa geradora da alteração contratual perante a Junta Comercial do Estado

de Minas Gerais.

Para tanto, o protocolo do pedido de alteração do contrato social da sociedade

dissolvenda na Junta Comercial em 20 de setembro de 2001 marcaria o início da contagem do

prazo para apuração dos haveres, sendo essa a data em que houve a exclusão da ora agravante

do quadro societário da primeira agravada.

Como se vê, a notificação não teria gerado o dies a quo da contagem do prazo,

mas, sim, a alteração contratual efetuada no órgão competente, excluindo-se o sócio que se

retirou.

Porém, não se pode perder de vista a independência havida entre a notificação

efetuada e o posterior registro da alteração contratual no órgão competente.

É que não se pode confundir os efeitos produzidos pela notificação extrajudicial -

que se dá somente entre os sócios ao quebrar o elo subjetivo que os liga e dissolvendo a

sociedade parcialmente- com o efeito produzido perante terceiros, o qual se dá a partir do

arquivamento procedido na Junta Comercial.

Os haveres são apurados quando, de fato, se retira o sócio da sociedade, o que se

deu com a notificação enviada. O registro da alteração posteriormente possuiria função

meramente comunicativa a terceiros da nova formação associativa da sociedade.

A finalidade da notificação é única e exclusivamente a prevenção de

responsabilidade e conservação de direitos. Não se presta a comunicar a terceiros que houve

mudança do quadro associativo da sociedade, o que se dá pelo registro da alteração contratual

no órgão respectivo.

Não se pode confundir a perda da condição de sócio - que se daria ao se exercer o

direito de retirada com o registro da alteração contratual mencionada e produziria efeitos em

relação a terceiros - com o momento em que apuráveis seus haveres - o qual ocorre desde que

haja o afastamento do sócio da sociedade o que, in casu, ocorreu com a notificação

extrajudicial. Este segundo independe do primeiro.

Há de se destacar, por outro lado, que pouco interfere na definição do aspecto

temporal dos haveres ser a sociedade por prazo indeterminado ou determinado já que, em

ambos, o marco inicial para verificação do levantamento será a efetiva comunicação aos

demais sócios do direito de retirada.

133 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível nº 2.0000.00.500458-6/000(1), 19 maio 2005d.

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50

Logo, na sua grande maioria, a notificação vem sendo eleita como marco inicial

para se apurarem os haveres, sendo que a prévia comunicação pelos meios usuais - telegrama,

notificação extrajudicial, simples correspondência com a prova do recebimento - já é

suficiente para se demonstrar o interesse em se retirar da sociedade e, conseqüentemente, se

firmar o marco inicial do levantamento dos haveres.

Os Tribunais possuem entendimentos bastante próximos nesse sentido.

Ousa-se, portanto, afirmar se tratar de regra geral a ser usada para levantamento de

haveres quando ocorrer a hipótese de exclusão extrajudicial.

Entretanto, ajuizada a ação dissolutória de ruptura parcial do vínculo societário, a

situação é diferente, como se verá a seguir.

3.3.1.2 Judicialmente: Ação de Dissolução Parcial

Naqueles casos em que não se obedece ao comando legal que exige prévia

notificação aos demais sócios da intenção de se retirar da sociedade ou diante da recusa dos

demais sócios quando previamente notificados, bem como quando omisso o contrato social

acerca do aspecto temporal, faz-se necessário o ajuizamento da competente ação dissolutória

pelo retirante para se quebrar o vínculo societário.

A ação também será cabível quando o sócio discordar das razões invocadas para a

sua exclusão, postulando a dissolução parcial e sua retirada.

Aqui, é o sócio retirante quem promove a ação dissolutória, o que difere da

hipótese de exclusão, a qual é promovida pela sociedade. O direito de retirada exercido

judicialmente desta segunda também se difere por não exigir amplo contexto probatório, já

que não há cometimento de atos graves que justifiquem uma profunda análise dos fatos.

Dispensa-se, pois, ampla análise de provas.

Nos casos do exercício judicial do direito de retirada, o ajuizamento da ação é a

própria comunicação do interesse de se retirar da sociedade. Foi assim que decidiu o Tribunal

de Justiça do Distrito Federal134, ao afirmar que:

134DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça do Estado do Distrito Federal. Apelação Cível nº 20010110806859APCDF, 18 abril 2005a. No mesmo sentido: DISTRITO FEDERAL, Tribunal de Justiça do Estado do Distrito Federal. Apelação Cível nº 20020110253352APCDF, 18 abril 2005b; RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 597129329, 27 maio 1998a -“haveres que serão apurados em balanço ou liquidação especial, observada a situação da sociedade, a data da propositura da ação, em ocorrendo controvérsia judicial”; RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70017624214, 16 agosto 2007.

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51

A questão afeta ao termo inicial da dissolução da sociedade limitada é controvertida. A doutrina não trata com clareza do tema e a jurisprudência nacional, por sua vez, traz à baila posições diametralmente opostas. In casu, a dissolução parcial da sociedade ocorreu com o ajuizamento da ação de dissolução de sociedade comercial c/c apuração de haveres. A partir de então, restou claro que o apelante não tinha mais interesse em permanecer no quadro societário da empresa134.

Em consonância com esse entendimento, o Superior Tribunal de Justiça135 da

mesma forma decidiu. No paradigmático acórdão que se segue, por vários Tribunais

brasileiros referenciados, afirmou-se que a sentença proferida em ação dissolutória de

sociedades - em que se pretende o direito de retirada - retroagirá à data em que ajuizada a

ação, como se constata da seguinte ementa:

EMENTA Direito societário. Recurso especial. Dissolução parcial de sociedade limitada por tempo indeterminado. Retirada do sócio. Apuração de haveres. Momento. A data-base para apuração dos haveres coincide com o momento em que o sócio manifestar vontade de se retirar da sociedade limitada estabelecida por tempo indeterminado. Quando o sócio exerce o direito de retirada de sociedade limitada por tempo indeterminado, a sentença apenas declara a dissolução parcial, gerando, portanto, efeitos ex tunc. Recurso especial conhecido e provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, prosseguindo o julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Nancy Andrighi, por maioria, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento. Votou vencido o Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros.Votaram com a Sra. Ministra Nancy Andrighi os Srs. Ministros Carlos Alberto Menezes Direito e Castro Filho. Não participou do julgamento o Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro. Lavrará o acórdão a Sra. Ministra Nancy Andrighi. Brasília (DF), 19 de abril de 2005. Ministra Nancy Andrighi – Relatora Designada135.

Ao fundamentar as razões do voto, a i. Desembargadora Relatora Ministra Nancy

Andrighi, acompanhada pelos Srs. Ministros Carlos Alberto Menezes Direito e Castro Filho,

ressaltou que não há como manter o entendimento firmado pelo Tribunal de origem

considerando o trânsito em julgado como sendo o marco temporal para se apurarem os

haveres.

Em seu voto-vista, enfatizou que o sócio não poderia ser compelido a se manter

indeterminadamente na sociedade até o trânsito em julgado, sendo viável, então, que deixasse

espontaneamente a sociedade e se preservassem o ente social e a apuração dos seus haveres.

135 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 646221. 30 maio 2005a.

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Para tanto, considerou que a data-base para a referida apuração seria justamente

quando manifestada sua vontade de abandonar o elo subjetivo na sociedade, o que se verificou

pelo ajuizamento da ação dissolutória.

Parcialmente, possui razão a Corte Superior.

Já examinado anteriormente que a manutenção do sócio na sociedade após

manifestado o seu interesse de se retirar da mesma viola o dispositivo constitucional do artigo

5º, inciso XX da Constituição Federal136.

Se, porventura, fosse o sócio mantido no quadro societário durante o longo período

de tramitação da ação dissolutória, inquestionavelmente a situação patrimonial da sociedade

quando do trânsito em julgado seria completamente diferente daquela ao tempo da

manifestação de vontade de se retirar.

Seria, como de fato o fez a Corte Superior, mais inteligente que fosse antecipado o

momento da apuração dos haveres e se protegesse o valor patrimonial a que faz jus o retirante,

dadas as manobras que constantemente adotam os sócios que se mantêm no quadro

associativo no sentido de alterar, para menor, a “fatia” cabível àquele que da sociedade se

desliga.

Tal entendimento se familiariza com a adoção de medidas processuais urgentes

para proteção dos direitos do sócio retirante o que, dada a importância do tema, será abordado

em tópico específico.

A eficácia retroativa da sentença proferida foi outro sábio entendimento do

Superior Tribunal de Justiça. De fato, foi quando do momento do ajuizamento da ação que o

sócio retirante demonstrou que pretende se retirar da sociedade.

Porém, considerá-lo como marco temporal para se apurarem os haveres é

tecnicamente incorreto. Deveria a Corte Superior ter decidido que a sentença proferida

retroagiria à data da citação dos demais sócios nos autos da ação dissolutória.

A citação é ato de comunicação processual do réu ou de quem seja interessado de

que há uma ação proposta em seu desfavor, vindo a convocá-lo para que se defenda,

apresentando sua resposta.

Trata-se de requisito de validade e eficácia do processo, eficácia esta que se traduz

na peculiaridade de se completar, pelo instituto da citação, a tríplice estrutura da relação

processual.

136 BRASIL, op cit, 1988.

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53

Não é a citação o ato que vem a formar o processo. Esse já se encontra formado

quando ajuizada a ação, porém, os efeitos decorrentes da propositura da ação somente se

concretizam quando ocorre a citação.

Tais efeitos vêm delineados no artigo 219 do Código de Processo Civil137, quando

a legislação dispõe que a citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz

litigiosa a coisa, constituindo-se em mora ao devedor e interrompendo-se a prescrição.

Como descrito, é pela citação que se torna litigiosa a coisa, ou seja, é por ela que

se demonstra o interesse da parte autora em decidir trazer ao Poder Judiciário a solução do

conflito.

Se assim o é, somente se poderiam considerar comunicados os demais sócios da

intenção do sócio retirante de se retirar quando, de fato, fossem citados.

O simples ajuizamento da ação não pode ser considerado marco inicial para que os

haveres sejam apurados, eis que os demais sócios não têm, até então, ciência da motivação do

sócio retirante em se desligar da sociedade. Precisam tomar conhecimento pessoalmente.

O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná138 confirmou esses dizeres ao

estabelecer a citação como o marco inicial:

EMENTA Ação de Dissolução de sociedade - Sociedade por cotas de responsabilidade limitada, formada por dois sócios - Tempestiva reconvenção, pedindo a dissolução parcial, com apuração de haveres - Procedência desta, com improcedência daquela - Caso em que a matéria não pode ser alegada, com efeito prático, na contestação, porque necessária a iniciativa da parte (art. 128, CPC) - Apuração de haveres que deve ser feita por liquidação, por arbitramento, tendo por base a citação, vez que nessa data houve inequívoca manifestação da retirada do sócio. Por unanimidade de votos, negaram provimento ao primeiro apelo e deram provimento ao segundo138.

Seguindo a mesma linha, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais139

proferiu decisão nesse mesmo sentido, afirmando o seguinte:

137 BRASIL, op cit, 1973. 138 PARANÁ. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Apelação Cível nº 0070720-8, 08 maio 1996. 139 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Apelação Cível nº 2.0000.00.379895-2/000(1), 10 setembro 2003a. No mesmo sentido: MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, Apelação Cível nº 31.575, 15 junho 1970.

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Ultrapassadas essas colocações, impende examinar o momento em que deverá se dar essa apuração de haveres, a qual foi remetida, pelo MM. juiz primevo, para a execução da sentença, com o que não concordou o 2º apelante, a quem assiste razão. Em primeiro lugar, porque esta apuração, que tem em mira a realidade objetiva dos acontecimentos, deverá ser, tanto quanto possível, concomitante à efetiva retirada do sócio da sociedade, o que, na hipótese vertente, ocorreu, de fato, muito antes da prolação da r. sentença vergastada, como se pode verificar pela leitura da inicial e da contestação. Aliás, inegável é que, com citação dos 1ºs apelantes, o sócio dissidente estava irremediavelmente afastado da sociedade, devendo, por conseguinte, ser a data daquela tomada como marco da debatida ocorrência139.

Idem em relação aos julgados a seguir, proferidos pelo E. Tribunal de Justiça do

Estado de São Paulo140,141:

Dissolução parcial de sociedade cumulada com apuração de haveres. Autores herdeiros do sócio falecido. Disposição contratual abrangeu a situação fática. Pagamento dos haveres conforme avençado deve sobressair. Data inicial para o que deve ser apurado é o momento em que os autores demonstraram não ter interesse em integrar a sociedade, ou seja, a citação. Pagamento de dívidas de responsabilidade dos autores deverá ser abatido por ocasião do pagamento dos haveres do pólo ativo, pois a liquidação deverá apresentar os valores correspondentes com os respectivos comprovantes. Sucumbência deve ser suportada pelos réus, haja vista que foram os vencidos na quase que totalidade. Apelo dos autores desprovido. Recurso dos réus provido em parte140. Sociedade Comercial - Legitimidade dos herdeiros de sócio - Falecido a figurar no pólo ativo da lide dlssolutórla, de vez que ó deles o interesse econômico resultante - Dissolução parcial determinada - Desafeição aferida, depois de quinze anos do óbito, para o momento da citação – Pagamento de uma só vez do valor apurável - Recurso dos autores provido em parte e improvido o adesivo141.

Em se tratando do dies a quo para se apurarem os haveres, não há mesmo

consenso na jurisprudência.

Embora se considere o critério adotado pelos Tribunais Estaduais mencionados ao

elegerem a citação como o marco para se apurarem os haveres o mais adequado de todos eles,

não se poderia deixar de informar um outro critério estabelecido pela jurisprudência.

É o da fixação do marco temporal como sendo o do trânsito em julgado142,143, nos

casos em que há ajuizamento de ação dissolutória e interesse do sócio de se retirar da

sociedade.

140 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação Cível n° 359.543-4/6-00, 14 junho 2007a. 141 SÃO PAULO, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação Cível n° 229.517-4/4-00, 22 junho 2004. 142 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Apelação Cível nº 1.0702.02.036439-5/001(1), 18 julho 2006. 143 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Apelação Cível nº 460523-4, 27 agosto 2004a.

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Nesses, casos, a jurisprudência afirma que a sentença proferida, ao contrário do

entendimento do Superior Tribunal de Justiça, gera nova realidade jurídica e, então, produz

efeitos a partir de seu trânsito em julgado. Não serão, como visto, retroativos, mas produzidos

a partir do trânsito em julgado.

Trata-se de procedimento que pode, dadas às circunstâncias fáticas, prejudicar o

sócio retirante no momento em que permite, durante o andamento do processo judicial,

possam os demais sócios dilapidar o patrimônio social e prejudicar o montante a ser pago ao

retirante a título de haveres.

O trânsito em julgado seria, então, procedimento tardio e injusto.

Acertado, portanto, o critério adotado pelos Tribunais de Justiça Mineiro, dos

estados do Paraná e São Paulo, eis que condizentes com mais proteção ao sócio desligante ao

antecipar o momento de levantamento dos haveres para a época da citação, resguardando a

valorização pecuniária dos seus valores e evitando manobras dos demais sócios para distorcer

o capital social da sociedade.

Por outro lado, considerando-se a citação como o aspecto temporal aplicável,

atende-se à técnica processual e à própria legislação processual civil, se apresentando mais

correto que o entendimento proferido pelo Superior Tribunal de Justiça ao considerar o

ajuizamento da ação a data-base para apuração de haveres.

3.3.1.3 Notificação efetuada quando em trâmite: ação dissolutória do vínculo societário

Intervindo de forma magistral acerca da notificação como marco inicial da

apuração dos haveres, traz Priscila M.P. Corrêa da Fonseca144 a possibilidade de que referida

comunicação seja efetuada quando já ajuizada a respectiva ação dissolutória.

Nesse caso, notificando os demais sócios a respeito, esse também será o termo

inicial para que seus haveres sejam levantados. Adota-se, como visto, o mesmo entendimento

da notificação efetuada extrajudicialmente.

São as palavras da doutrinadora mencionada:

No caso de ação de dissolução parcial, o mesmo critério deve ser observado. Sempre que o sócio se afaste da sociedade antes do término da ação ou mesmo da propositura desta, noticiando formalmente ou não à sociedade sua intenção de desligar-se do vínculo societário, o momento que deve ser levado em conta para fins de levantamento de haveres haverá de ser o do afastamento de fato do sócio144.

144 FONSECA, op cit, p.213-214.

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A importância da utilização do instrumento notificatório é tamanha que pode ser

usado como forma de se marcar o início da apuração dos haveres não só em procedimento

extrajudicial de retirada.

Ajuizada a ação, também se presta ao seu uso, evitando prejuízos advindos da

quebra da affectio societatis tanto para o sócio retirante - protegendo o montante que lhe é

devido da dilapidação pelos demais sócios - quanto para a sociedade, mantendo-se esta em

pleno funcionamento sem as investidas prejudiciais de um sócio insatisfeito.

3.3.2 Morte

Como informado, nem todas as causas dissolutórias podem implicar o

conhecimento imediato do momento em que as contas devam ser pagas ao sócio retirante.

Até mesmo aquelas causas que, por decorrência de sua obviedade, possuam marco

temporal definido para que os haveres sejam levantados vêm recebendo da jurisprudência

decisões das mais diversas possíveis, não se podendo afirmar existirem causas em que há

marco objetivo consolidado, definido, uniforme para o levantamento das contas em caso de

dissolução parcial de sociedade limitada.

É o caso em que há a dissolução parcial da sociedade por ocasião do evento morte.

Via de regra, a maioria dos julgados brasileiros tem se curvado para definir o

momento para se apurarem os haveres como sendo a data do óbito do sócio145,146,147,148, da

mesma forma a doutrina quando se manifesta a respeito149,150.

Interessante julgado, de repercussão nacional, foi o proferido pelo Superior

Tribunal de Justiça151 quando decidiu disputa judicial da família fundadora das Casas

145 DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Apelação Cível nº 20030750095454APC DF, 02 março 2006: “em ação de apuração de haveres de sociedade, após o falecimento de um dos sócios, deve-se considerar como termo de encerramento da sociedade a data do óbito”. 146 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível nº 2.0000.00.380900-5/000(1), 20 março 2003b. 147 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 597199884, 30 outubro 1997a. 148 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 598004521, 24 fevereiro 1999b. 149 BULGARELLI, op cit, p.420. 150 FONSECA, op cit, p.216. 151 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Herdeiros de fundador das Casas Pernambucanas terão direito a fazer novo balanço da empresa referente ao ano de 1946 – STJ. Disponível em http://www.fiscosoft.com.br/indexsearch.php?PID=502774. Acesso 15 julho 2008; GAZETA MERCANTIL, São Paulo, p. 5, 15/5/2000.

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Pernambucanas, comprovando a rigidez da contemporaneidade da apuração dos haveres e a

época do falecimento do sócio.

A demanda teve início há mais de 50 anos, quando faleceu Frederico Lundgren,

um dos quatro fundadores das Casas Pernambucanas, restando decidido que os herdeiros de

Frederico teriam direito a uma nova ação para apurarem seus haveres, levando-se em conta o

balanço da pessoa jurídica correspondente ao ano de 1946 - data do óbito, na qual poderá ser

confirmado se o valor pago aos herdeiros foi corretamente calculado ou não.

O óbito, assim, é regra geral.

Porém, se faz importante diferenciarem-se algumas hipóteses fáticas para melhor

esclarecimento das regras envolvendo o evento morte.

Primeiramente, há de se verificar se há ou não previsão contratual de ingresso dos

herdeiros na condição de sócio no lugar do falecido. É que, havendo e sendo exercida, não

ocorrerá dissolução parcial de sociedades, continuando a mesma as suas atividades, somente

havendo substituição do quadro associativo. Então, não se apurarão os haveres.

Mas, sob a hipótese de recusarem os herdeiros do falecido a assumir suas quotas

ou havendo previsão contratual negando o ingresso deles na condição de sócio - fato

permitido dada a característica das sociedades limitadas de serem sociedades de pessoas, não

admitindo que o falecimento de um deles enseje automaticamente a entrada dos herdeiros no

ente societário -, dissolver-se-á parcialmente a sociedade.

Logo, o momento para apuração de valores, regra geral, será a data do óbito.

Entretanto, pode ocorrer, como de fato ocorreu no caso trazido à análise do

Tribunal de Justiça de Minas Gerais152, que os sócios autorizem - diante da previsão

contratual - que os demais herdeiros ingressem na condição de substituidores do falecido e,

então, pratiquem atos de sócio.

Ora, nesse caso, somente quando da quebra da affectio societatis é que se poderá

falar em apuração de haveres, contando-se o prazo para levantamento de valores devido ao

sócio retirante quando de fato ele se afastou da sociedade, se omisso o contrato social a

respeito do marco temporal.

Foi o que afirmou o Tribunal Mineiro152:

152 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível nº 2.0000.00.436745-5/000(1), 16 junho 2004b.

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EMENTA Dissolução Parcial de Sociedade - Falecimento de Sócio - Affectio Societatis - Herdeiros - Apuração de Haveres. A dissolução parcial da sociedade requerida por herdeiros do sócio falecido com base no término da affectio societatis reclama apuração de haveres na data do pedido de extinção. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 436.745-5, da Comarca de Belo Horizonte, sendo Apelante (s): Ítalo Bernardi Filho e Outros e Apelado (a) (os) (as): Bernardo de Mello Paz e Marco Antônio Valadares Gontijo, acorda, em Turma, a Quarta Câmara Civil do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, negar provimento. Presidiu o julgamento o Juiz Saldanha da Fonseca (Relator) e dele participaram os Juízes Domingos Coelho (Revisor) e Antônio Sérvulo (Vogal). Produziu sustentação oral, pelos apelantes, o Dr. José Anchieta da Silva. Belo Horizonte, 16 de junho de 2004. JUIZ SALDANHA DA FONSECA – Relator152.

No caso debatido, houve aceitação tácita, não expressa, do ingresso dos herdeiros

do sócio falecido na condução da vida societária da pessoa jurídica Bemai Participações e

Administração Ltda., muito embora houvesse cláusula contratual que vedasse o ingresso sem

a autorização dos demais.

Então, entendeu-se por considerar o momento para levantamento dos haveres

quando houve o término da vida harmônica entre os sócios, ou seja, a data da extinção do

vínculo, o que se deu com a propositura da ação de dissolução parcial de sociedades.

Da mesma forma entendeu o Tribunal de Justiça de São Paulo153 ao considerar que

o rompimento da affectio societatis não poderia mesmo ser outro que não a propositura da

ação dissolutória pelos herdeiros do falecido, que ingressaram na condução da vida societária.

Entretanto, nesse último caso, considerou-se a citação como o momento mais

adequado para apuração dos haveres, entendimento que se afigura mais correto diante da

previsão do artigo 219 do Código de Processo Civil154, sendo ratificado aqui tudo que se

expôs quando se analisou a data-base da apuração dos haveres no exercício judicial do direito

de retirada.

O que se pretende demonstrar é que há duas opções aos herdeiros do falecido

quando do óbito. A primeira, recusarem-se a ingressar na condição de sócio ou serem

recusados pelos demais. Nesse caso, os haveres ainda continuam a ser apurados tendo como

data-base o óbito. A segunda opção é ingressarem como verdadeiros sócios e, posteriormente,

interessarem-se em se retirar, o que leva à contagem do prazo para apurar haveres a partir do

seu efetivo afastamento.

Importante registro ainda há de ser feito.

153 SÃO PAULO, op cit, 2004. 154 BRASIL, op cit, 1973.

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Não obstante o estabelecimento de um termo certo no evento morte, o que vem se

percebendo na jurisprudência brasileira é uma flexibilização no que diz respeito à fixação

uniforme da data do óbito como data-base para levantamento dos haveres do sócio falecido.

Como informado tantas vezes neste estudo, repita-se: não há uniformidade no

momento em que apuráveis os haveres do sócio.

Outros entendimentos já foram afirmados desprezando a data do falecimento como

marco inicial para levantamento de haveres.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul155 entendeu que o termo será o do

dissenso, ou seja, a data em que os herdeiros se recusaram a ingressar na sociedade ou lhes foi

negada a condição de sócio, vindo a afastar a regra geral de que o falecimento é o marco

inicial:

EMENTA Direito Comercial. Dissolução Parcial de Sociedade por Quotas de Responsabilidade Limitada. Morte do Sócio Retirante. Habilitação da Sucessão. Data-Base para Levantamento do Balanço Especial. Ônus da Sucumbência. Redistribuição. I – Com a ruptura da affectio societatis demonstrada, impõe-se a decretação da dissolução parcial da sociedade com a simples retirada do sócio dissidente e a devida apuração de haveres. Caso em que a morte do sócio retirante viabiliza, ainda mais, o pedido da inicial. Aplicação do art. 5º, XX, da Constituição Federal e do art. 335, nº 4 e 5, do Código Comercial. II – Conforme precedentes desta Corte, a data-base para levantamento do balanço especial deve coincidir com aquela em que se caracterizou o dissenso. III – Redistribuição do ônus da sucumbência em virtude da procedência total da demanda, devendo a ré arcar com custas e honorários observados os critérios do § 3º, do art. 20 do CPC. Apelo provido para decretar a dissolução parcial da sociedade. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos. Acordam os Desembargadores integrantes da Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, dar provimento à apelação, o que decidem de conformidade e pelos fundamentos constantes das inclusas notas taquigráficas que integram o presente acórdão. Custas, na forma da lei. Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Desembargadores Cacildo de Andrade Xavier, Presidente, e Osvaldo Stefanello. Porto Alegre, 28 de fevereiro de 2001. Dr. Antônio Corrêa Palmeiro da Fontoura – Relator155.

Por outro lado, a previsão contratual da data-base dos haveres do sócio retirante

também tem recebido dos Tribunais156, inclusive do Superior Tribunal de Justiça157, total

155 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70000276840, 28 fevereiro 2001a. No mesmo sentido: Rio Grande do Sul. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível 597264837, 07 maio 1998b. 156 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível nº 2.0000.00.305439-7/000(1), 08 junho 2000. 157 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 282300, 04 setembro 2001b.

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validade, sendo bastante comum o estabelecimento de prazo de 30 dias após ó óbito para se

levantar o valor pecuniário cabível aos herdeiros do sócio falecido.

Por ser tal ato dotado de proteção jurídica, um contrato como qualquer outro, é

incontestável sua validade.

Tais julgados justificam a inexistência de consenso na jurisprudência brasileira

acerca do evento morte, em se tratando da época de levantamento dos haveres.

No entanto, exceções à parte, a regra geral ainda é a consideração do óbito como

patamar inicial.

3.3.3 Exclusão do sócio: termo inicial da apuração dos haveres

3.3.3.1 Extrajudicialmente

A exclusão do sócio de uma sociedade limitada pode se dar de forma judicial ou

extrajudicial, como já exposto.

Se extrajudicialmente: por meio de simples alteração contratual se prevista a justa

causa, após realização de assembléia para este fim, diante do cometimento de ato de inegável

gravidade que coloque em risco a continuidade da sociedade, nos moldes dos artigos 1.085 do

Código Civil158 ou, ainda, diante do artigo 1.004 - sócio remisso - ou nos casos de se declarar

falido ou tiver quotas liquidadas determinado sócio.

Não prevista a justa causa, somente judicialmente se excluirá, da mesma forma

fazendo no caso de envolver sócio majoritário, bem como nos de ocorrência de falta grave no

cumprimento das obrigações do sócio ou incapacidade superveniente – artigo 1.030, caput,

Código Civil159.

Logo, de acordo com a modalidade de exclusão adotada, diferentes são as datas-

base para se apurarem os haveres do sócio excluído.

Se efetuada a exclusão extrajudicialmente, o dies a quo será aquele em que o

excluído for informado da deliberação social pelos demais sócios de excluí-lo160, efetuando-se

o balanço nos exatos termos do dispositivo legal do artigo 1.031 do Código Civil161.

158 BRASIL, op cit, 2002a. 159 BRASIL, op cit, 2002a. 160 FONSECA, op cit, p.215. 161 BRASIL, op cit, 2002a.

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São exemplos: o sócio remisso ou os casos em que se opera a exclusão de pleno

direito, quais sejam, sócio declarado falido ou que teve suas quotas liquidadas, uma vez que,

em todos eles, todo o procedimento se dá extrajudicialmente. Nessas circunstâncias, basta a

mera ciência da exclusão - por notificação, por exemplo - para que se apurem, nessa mesma

data, os valores devido ao sócio excluído.

Foi o que afirmou o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul162 em acórdão da

seguinte forma ementado:

EMENTA Apelação cível. Dissolução parcial de sociedade. Constando do contrato social a integralização do valor das quotas sociais em moeda corrente e no ato de registro da sociedade na Junta Comercial, afastada resta a alegação de não integralização de ditas quotas. A apuração de haveres deve ser feita com base na data do afastamento de fato do sócio que se retira, porque a partir de então cessa aquela relação de proporcionalidade entre a contribuição dos sócios e o montante do acervo empresarial a ser repartido. Realização de balanço especial que apurou os haveres da autora na data de sua exclusão. Exclusão prevista na hipótese de não integralização de valores. Recurso desprovido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos. Acordam os Magistrados integrantes da Sexta Câmara Cível - Regime de Exceção do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao apelo. Custas na forma da lei. Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Osvaldo Stefanello (Presidente e Revisor) e Des. Antônio Corrêa Palmeiro da Fontoura. Porto Alegre, 23 de novembro de 2006. Dr. Ney Wiedemann Neto – Relator162.

Já no caso da sociedade não providenciar a comunicação, somente a partir de

quando efetuado o respectivo registro da alteração contratual junto ao órgão competente se

contará o início do momento de levantamento dos haveres163.

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar recurso extraordinário interposto164,

fazendo menção ao relatório apresentado pelo Juiz Singular em sua sentença, ratificou os

dizeres mencionados concluindo pela apuração dos haveres quando do “levantamento

referente ao dia da exclusão do autor como sócio na Junta Comercial”, o que, diga-se de

passagem, já havia sido mantido pelo Tribunal Estadual quando teve a oportunidade de julgar

o recurso de apelação nesses mesmos autos.

162 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70012071338, 23 novembro 2006. 163 FONSECA, op cit, p.215. 164 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 105.247/MS. Rel. Min. Rafael Mayer. 14 junho 1985a.

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Em outra oportunidade165, a Corte Superior da mesma forma decidiu ao afirmar

que:

Como se vê, a decisão recorrida não mandou levar em consideração o artigo 15 do Decreto 3.708/1919, mas que se apurassem os haveres por meio de levantamento referente ao dia do registro da exclusão da Junta Comercial e com correção monetária até o efetivo pagamento, no que está rigorosamente conforme ao decidido por esta Corte no RE 89646165.

Todavia, ressalta-se que na hipótese em que seja deliberado pela sociedade excluir

o sócio em virtude de atos que estão pondo em risco a continuidade do ente societário - artigo

1.085, Código Civil166-, deverá ser convocada assembléia para esse fim, ciente o acusado em

tempo hábil para que exerça o direito de defesa, conforme parágrafo único.

Logo, como se vê, somente após o fim da reunião convocada é que se poderá

considerar o sócio excluído e, portanto, proceder à alteração contratual e registrá-la.

Ou seja, não se permite optar diretamente pelo registro da alteração contratual

excluidora - como ocorre nos casos de sócio remisso, falido ou com quotas liquidadas nos

casos de não efetivação de comunicação anterior - sem convocação prévia do sócio para se

defender.

Logo, não se aplica às hipóteses do artigo 1.085 do Código Civil167 o

entendimento esposado pela Corte Superior e citado pela doutrinadora mencionada, diante da

necessidade prévia de convocação para exercício do direito de defesa. Então, neste caso, o

momento em que apuráveis seus haveres será mesmo da reunião em que ocorre a exclusão do

sócio do quadro associativo, optando por ela a sociedade.

Trata-se de entendimento análogo ao proferido pelo Tribunal de Justiça de Minas

Gerais168, no qual o sócio, pretendendo se retirar, comunicou o fato à sociedade em reunião

ocorrida, marcando como início do prazo para levantar seus haveres a respectiva data em que

foi realizada.

Judicialmente, no entanto, o marco inicial na exclusão vem sendo operado de

forma diferenciada.

165 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 101.952/MS. Rel. Min. Moreira Alves. 05 fevereiro 1985b. 166 BRASIL, op cit, 2002a. 167 BRASIL, op cit, 2002a. 168 MINAS GERAIS, op cit, 2005b.

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3.3.3.2 Judicialmente

Ajuizada a ação dissolutória para que se providencie a exclusão do sócio em

virtude da ocorrência de falta grave no cumprimento das obrigações, incapacidade

superveniente, inabilidade, prevaricação, incapacidade moral ou civil ou, ainda, diante da

omissão contratual prevendo justa causa para se operar a exclusão, faz-se necessário

diferenciar algumas situações para se aferir o dies a quo da apuração de haveres.

A primeira delas será a propositura da ação que terá por finalidade a exclusão de

sócio que, de fato, não abandonou a sociedade, mas que deverá ser excluído por ter cometido

algumas das condutas descritas no parágrafo anterior.

Nesses casos, a jurisprudência, regra geral, diferentemente dos casos de retirada - o

qual não passa do exercício de um direito assegurado a todo aquele que é sócio, sem possuir

significativos contornos de litigiosidade - vem estabelecendo como marco inicial em que

apuráveis os haveres o trânsito em julgado da ação proposta.

Da mesma forma, a doutrina, como se depreende do posicionamento de Priscila M.

P. Corrêa da Fonseca169.

Veja-se a seguinte passagem de recente julgado170:

Orlando Mendes Filho ajuizou ação ordinária para exclusão de sócios, com pedido de tutela antecipada, em face de Luiz Vicente Mendes Ferreira e José Lúcio Mendes Ferreira. [...] Alegou que os réus, por meio da empresa Obra Prima Produções e Eventos, da qual, ele, autor, não participa, firmaram inúmeros contratos com o mesmo objeto ( cessão de espaços na feira), arrecadando o total de R$ 68.274,00, em flagrante concorrência direta e desleal , por meio da empresa da qual ele, autor, não é sócio. [...] Quanto ao momento do pagamento dos haveres sociais, por todo o exposto, reputo correta a douta sentença que determinou a sua apuração com base em balanço especial de determinação, considerando o patrimônio da empresa na data do afastamento definitivo do sócio, ou seja, após o trânsito em julgado da sentença, pois somente com este, com segurança jurídica, a tutela jurisdicional prestada ganha foros de imutabilidade, sendo definitiva a dissolução societária170.

169 FONSECA, op cit, p.215. 170 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível nº 1.0024.06.199212-9/003(1), 31 fevereiro 2008b. No mesmo sentido: MINAS GERAIS, Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível nº 211.099-8, 12 dezembro 1996: “a avaliação do valor da quota do sócio retirante deve ter como parâmetro o patrimônio social existente na data do trânsito em julgado da sentença que decretou a exclusão, momento a partir do qual produz eficácia a referida decisão, dada a sua natureza constitutiva”; RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação Cível nº 200700163564, 19 março 2008a. Em sentido contrário: RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação Cível nº 7026/96, 10 dezembro 1996: “não produzindo efeito a decisão social, o sócio se considera excluído a partir da sentença constitutiva, com o trânsito em julgado, motivo pelo qual os seus haveres serão pagos com os valores que a perícia apurar na data em que foi proferida a sentença”.

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Possui razão referido entendimento. Se ajuizada a ação para se obter a exclusão, é

porque os sócios ainda se encontram exercendo a gestão da sociedade, sendo necessário que o

provimento jurisdicional extirpe do quadro associativo o sócio indesejado.

Assim, a sentença que decreta a dissolução da sociedade extinguirá uma relação

jurídica.

A sentença dissolve, parcialmente, o elo subjetivo dos sócios, afastando o sócio

indesejado do exercício das atividades sociais. O trânsito em julgado, por sua vez, concretiza

a dissolução societária, fazendo com que a sentença produza seus efeitos.

Nada mais justo, pois a perda da condição de sócio e seu afastamento - de fato -

coincidem com o momento do trânsito em julgado o qual, vedando a interposição de qualquer

recurso, consolida definitivamente os fundamentos fáticos e jurídicos da decisão proferida.

Como visto, permanecem os sócios contendendo e, então, se faz necessário que os

haveres só sejam apurados quando do fim da contenda, ou seja, trânsito em julgado.

Difere, nesse aspecto, do exercício do direito de retirada efetuado judicialmente

diante da necessidade de análise profunda das provas produzidas, já que há alegação de

incursão em atos graves por parte do sócio indesejado.

No entanto, em sentido contrário também foram proferidas decisões171,172

definindo a época de levantamento dos haveres como sendo a liquidação da sentença

condenatória, afigurando-se o primeiro mais correto.

Postergar o levantamento dos haveres para a fase liquidatória teria o inconveniente

de contribuir para a redução do montante a ser pago ao excluído, a partir da dilapidação dos

bens do ativo por parte dos sócios que permanecem no exercício da atividade social por mais

tempo.

Uma segunda situação a ser diferenciada para aferição do início do levantamento

dos haveres operado em ação dissolutória por exclusão seria aquela em que o sócio excluído

veio a abandonar o exercício fático da condição de sócio antes mesmo do ajuizamento da ação

dissolutória.

Nesse caso, a sentença determinando a sua exclusão do quadro societário somente

irá declarar uma situação que, muito antes, veio a ocorrer. É o que fez o Tribunal de Justiça de

171 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível nº 269487-5, 24 março 1999b. 172 RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação Cível nº 200700112324, 15 abril 2008b.

Page 66: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

65

São Paulo173 em caso em que se pretendeu a exclusão de sócio, estando as partes concordes

com o pedido.

O Tribunal Paulista decidiu - com base em precedentes da jurisprudência no

sentido de que os haveres são apurados quando do efetivo afastamento do sócio - que o

momento correto para levantamento pecuniário seria aquele em que de fato houve o abandono

da gestão da pessoa jurídica, no qual o sócio se tornou alijado dos poderes de administração e

governança da administração, não mais retornando à sociedade.

Como se vê, não foi o trânsito em julgado ou a liquidação da sentença

condenatória o marco inicial para se apurarem haveres de sócio excluído. Elegeu-se o

afastamento “de fato” da sociedade, ou seja, o abandono das funções quando sócio.

Nesse caso, o afastamento, tão proclamado em seu sentido genérico pela doutrina,

já havia se operado muito antes da propositura da ação dissolutória, diante do abandono, pelo

sócio, das atividades sociais.

Trata-se de entendimento que melhor se ajusta aos ditames da justiça e, por que

não, ao que já esposou o próprio Superior Tribunal de Justiça174. Este afirma que a data-base

para apuração dos haveres coincide com o momento em que o sócio manifestar vontade de se

retirar da sociedade limitada, ou seja, coincide com o seu afastamento.

Também já foi mencionado que os doutrinadores afirmam ser o momento do

“afastamento do sócio” aquele mais adequado para se fixar a data-base dos haveres, posto de

forma genérica. Tal fato, então, vem exigindo que a cada hipótese concreta se verifique o que

se entende por afastamento do sócio para melhor se aplicar o direito.

Nos casos de ação dissolutória proposta para exclusão de sócio que já abandonou a

sociedade, não há dúvidas de que a data a ser considerada para fins de levantamento de

haveres deve mesmo ser aquela contemporânea ao abandono físico do sócio das atividades

sociais, nos exatos termos dos fundamentos da Corte Paulista e da Superiora.

É que nesse momento houve o afastamento físico do sócio, quando manifestou,

mesmo que tacitamente, sua vontade de se retirar da sociedade, abandonando-a. Há um fato

certo e determinado que marca sua retirada da sociedade.

173 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível nº 4892094/6-00, 21 fevereiro 2008a. No mesmo sentido RIO GRANDE DO SUL, op cit, 1998b:“Data-base para levantamento de balanço especial de apuração dos haveres do sócio retirante deve coincidir com aquela em que se caracterizou o dissenso e, pois, o afastamento de fato dos atos da administração. Admitido que tal se efetivou na data em que alijadas das atividades sociais, aí se estabelece o marco para o balanço especial, não a do trânsito em julgado da sentença da dissolução parcial” 174 BRASIL, op cit, 2005a.

Page 67: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

66

Deveria, demonstrando não mais se interessar pelas atividades sociais, ter

comunicado formalmente aos demais sócios sua intenção e exercido o seu direito de retirada

ou, por outro lado, incitado a sociedade, na figura dos demais sócios, a excluí-lo

extrajudicialmente. Esse seria o procedimento correto. Mas, não o fazendo, nem por isso se

pode afirmar que a época adequada para levantamento dos valores seja outra que não o dia

último em que praticou atos na condição de sócio. Foi mesmo nessa data que faz jus ao direito

de obter as vantagens que lhe possam caber, justamente para que seja viável - continuando a

sociedade - diferenciar as operações novas daquelas já existentes, somente estas dando àquele

o direito de participar tanto dos ganhos quanto das perdas.

Por outro lado, declarando o momento em que apuráveis os haveres como sendo o

abandono dos atos de gestão, estaria se evitando a sujeição do sócio excluído dos mandos e

desmandos dos demais sócios que continuam com a atividade empresarial durante o

andamento do processo judicial, mandos e desmandos esses que sempre se configuram em

atos como os de vedação de acesso do sócio excluído ao caixa da sociedade, ao destino dos

ativos, ao controle do passivo, sendo operado o completo esvaziamento patrimonial da

sociedade no intuito de transmitir a inexistência de haveres a serem apurados no futuro.

Trata-se de conclusão com amparo jurisprudencial175: “a vingar a tese da

recorrente, perpetrar-se-ia severa injustiça. Por isso, a apuração dos haveres na fase de

liquidação de sentença de dissolução parcial de sociedade deve iniciar-se quando extinta a

affectio societatis e não se estender no tempo, dando oportunidade ao esvaziamento da

sociedade”.

Se adotados os marcos iniciais do trânsito em julgado ou a futura liquidação da

sentença declaratória para levantamento dos haveres nos casos de abandono de fato da

sociedade antes do ajuizamento da ação, se constatará que, fisicamente, o sócio excluído já

não mais pertence à sociedade. Juridicamente, no entanto, se encontrará a ela vinculado até

que se opere o trânsito em julgado ou liquide seus haveres, o que lhe pode causar prejuízos

patrimoniais diante da postura dos demais sócios que continuam no empreendimento

societário.

Então, sem embargo de entendimento diverso, faz-se necessário distinguir duas

situações no tema exclusão de sócio e apuração de haveres.

A primeira delas, quando não há o abandono da sociedade pelo excluído, o que faz

com que a data-base dos haveres seja o trânsito em julgado. A segunda delas, quando ocorre o

175 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70002190395, 08 maio 2001b.

Page 68: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

67

abandono fático do sócio do quadro associativo, o que forçosamente levará os haveres a serem

apurados quando perpetrado o abandono dos atos de gestão.

Priscila M. P. Corrêa da Fonseca176 opina nesse sentido ao afirmar que: “pleiteada

a exclusão por via judicial, o marco será forçosamente o do trânsito em julgado, a não ser que,

de fato, o sócio sponte própria já tenha abandonado a sociedade”.

Referida doutrinadora enriquece o tema em estudo ao apresentar, ainda, outra

hipótese para a contagem do dies a quo em que apuráveis os haveres.

Seria o caso em que a decisão judicial venha a somente referendar uma exclusão

anteriormente deliberada pelos demais sócios. Nesse caso, o termo inicial seria o da ciência da

alteração contratual encaminhada ao excluído177. Retorna-se, como se observa, à regra geral

do momento de apuração de haveres como sendo a data do envio do instrumento notificatório.

Os fundamentos da sentença nessas hipóteses, geralmente, se reportam à exclusão

ocorrida por força de cláusula contratual permissiva.

Na verdade, a hipótese seria uma exclusão extrajudicial que fora ratificada

judicialmente, não obstante fosse completamente desnecessário o procedimento judicial

diante da previsão legal do instituto da exclusão efetuada extrajudicialmente.

Outro seria o caso em que há estipulação contratual posterior à deliberação a

respeito, somente se podendo cogitar da consideração do trânsito em julgado como marco

temporal para levantamento de haveres se, porventura, a validade da deliberação fosse posta

em jogo e, mediante provimento jurisdicional, declarada nula por falta de justificativa dos

motivos que ensejassem a exclusão178.

Aqui, da mesma forma que exposto linhas atrás, o trânsito em julgado se prestaria

a determinar o efetivo afastamento fático e jurídico dos sócios, possuindo a sentença eficácia

constitutiva ao criar uma nova relação jurídica, qual seja, a dissolução parcial de sociedade.

Antes do trânsito, não houve fato que pudesse romper o elo subjetivo de ambos os

sócios - excluído e demais, já que a deliberação excluidora não produziu seus efeitos diante de

sua nulidade.

Assim, continua o excluído a pertencer ao quadro associativo, até que o trânsito

em julgado venha a cessar essa condição.

Como visto mais uma vez, consenso jurisprudencial é o que não ocorre em se

tratando da contagem do dies a quo na apuração dos haveres de sócio excluído.

176 FONSECA, op cit, p.215. 177 No mesmo sentido: MINAS GERAIS, op cit, 2005a. 178 RIO DE JANEIRO, op cit, 1996.

Page 69: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

68

3.3.4 Aspecto temporal da apuração de haveres na dissolução parcial de pleno direito

3.3.4.1 Falência do sócio

Prevista como formas de dissolução parcial de sociedade limitada, tem-se a

denominada “exclusão de pleno direito”, aquela que ocorre quando o sócio for declarado

falido, sendo apurados seus haveres nos moldes do artigo 1.031, bem como quando o sócio

tiver sua quota liquidada, nos termos do parágrafo único do artigo 1.026179.

A contagem do dies a quo para levantamento dos haveres do sócio falido, da

mesma forma se entendendo para a hipótese de ter suas quotas liquidadas, pouco tem sido

enriquecida pelo trabalho da jurisprudência e doutrina a respeito, dado o contexto de pequena

utilização dessas modalidades excluidoras na prática empresarial.

A primeira hipótese, qual seja, falência de sócio, ainda abarca a manutenção do

antigo entendimento de não mais ser causa de dissolução total da sociedade, justificando à

época do Código Comercial de 1850180 a revogação do artigo 335, II. Mas, ainda assim será

de dissolução parcial.

Importante que, antes de se definir o momento em que os haveres do sócio falido

serão levantados, melhor se esclareça a respeito de sua exclusão, mais ainda levando-se em

conta que a doutrina, quando se ocupa do tema, o faz em poucas linhas.

Ocorrendo a falência da sociedade com sócio ilimitadamente responsável - o

mesmo se entendendo para o caso de empresário individual - será o mesmo também

considerado falido. Trata-se de afirmativa positivada na lei de falência181, previsto no artigo

81.

A sua razão de ser se justifica diante do fato de que o retorno do sócio falido à

sociedade da qual ainda é sócio somente iria tumultuar as atividades da mesma, pois, nítido

que houve total quebra da confiança quando incorreu em total inadimplência em outro

empreendimento. Conclui-se, portanto, ter havido quebra da própria harmonia que deve reinar

em se tratando de atividade empresarial.

179 BRASIL, op cit, 2002a. 180 BRASIL, op cit, 1850. 181 BRASIL. Lei n° 11.101 de 09 fev. 2005. Diário Oficial, Brasília, 09 fev. 2005b.

Page 70: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

69

Waldo Fazzio Júnior182 comunga do mesmo entendimento ao afirmar ser também

hipótese de exclusão, de pleno direito, a do sócio que em sua empresa particular for declarado

falido.

Veja a interessante passagem de recente julgado apresentado pelo Tribunal de

Justiça de São Paulo183, no qual claramente se demonstra a possibilidade de exclusão de sócio

declarado falido, embora no caso em apreço a exclusão não tenha sido ratificada em juízo

unicamente por falta de homologação, no Brasil, da sentença de falência proferida na

Argentina:

Cabe considerar, por oportuno, que a "affectio societatis" nada mais é do que a união de propósitos para a realização do objetivo social da empresa, e, uma vez perdida em decorrência de falta grave de um dos sócios, pode justificar a exclusão daquele que se desviou daqueles objetivos com a conduta inadequada de declarar-se falido na Argentina. Nesse caso, os demais sócios são obrigados a procederem à dissolução parcial da sociedade, o que lhes assegura a lei183.

Trata-se de norma imposta justamente pretendendo proteger os interesses futuros

da sociedade em extirpar de seu quadro associativo um sócio inadimplente e, por que não,

protegendo terceiros, quais sejam, a massa falida ou o credor específico do sócio falido, ao se

garantir que as quotas daquele sócio inadimplente possam servir para pagamento do débito

para com esses.

E tal dissolução, para os fins do artigo 1.031 do Código Civil184, se operará com a

exclusão do sócio do quadro associativo da sociedade limitada de forma extrajudicial, sem a

necessidade de um processo judicial.

O caráter topográfico do dispositivo legal do parágrafo único do artigo 1.030 do

diploma civil nos leva à conclusão certeira de que se trata de exceção ao seu caput, em que se

opera judicialmente a exclusão.

Só pode mesmo se tratar de exclusão extrajudicial.

A doutrina de Fábio Ulhôa Coelho185 é incisiva ao afirmar a natureza extrajudicial

do procedimento excludente: “a expulsão de pleno direito opera-se extrajudicialmente. Uma

vez entregue ao juízo da falência ou da execução contra o sócio o valor correspondente às

suas quotas, os sócios remanescentes devem firmar a alteração contratual que retrate a nova

composição societária e levá-la a registro na Junta Comercial”.

182 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Manual de Direito Comercial. 3.ed. São Paulo: Atlas, p.203, 2003. 183 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível nº 4502674000, 11 outubro 2007b. 184 BRASIL, op cit, 2002a. 185 COELHO, op cit, p.417.

Page 71: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

70

Muito embora se exija alteração contratual e posterior registro para selar o novo

quadro associativo nos casos em que haja exclusão de pleno direito de sócio falido, o

momento em que apuráveis os haveres, por se tratar de exclusão extrajudicial, retroagirá à

data em que notificado o excluído a respeito, de fato, como ocorre na modalidade de retirada,

já analisada e por tantas vezes referenciada.

A alteração no registro e o pagamento ao credor é que se passarão posteriormente,

produzindo efeitos perante terceiros. Mas a comunicação anterior sela o momento da

apuração.

É que se trata de exclusão extrajudicial, o que faz adotar a exegese do comando

legal do artigo 1.029 do diploma civil186 para exigir que a sociedade encaminhe ao sócio

falido notificação, pelos meios usuais - telegrama, notificação extrajudicial, simples

correspondência - com a prova do recebimento.

A partir da ciência do falido, opera-se a sua exclusão da sociedade e,

conseqüentemente, firma-se o marco inicial do levantamento dos haveres.

Reporta-se aqui a todo o exposto quando analisada a retirada de sócio

extrajudicialmente e o dies a quo para se apurarem os seus haveres sendo ao sócio falido

plenamente aplicável.

3.3.4.2 Liquidação de quotas do artigo 1.026 do Código Civil

A segunda modalidade de exclusão de pleno direito prevê a possibilidade do

credor particular de sócio de limitada, na insuficiência de outros bens, fazer recair a execução

na parte que tocar a esse na liquidação de suas cotas.

Trata-se de novidade trazida pela nova legislação civil, no parágrafo único do

artigo 1.026187, a qual dispõe que se a sociedade não estiver dissolvida, pode o credor requerer

a liquidação da quota do devedor, cujo valor, apurado na forma do artigo 1.031, será

depositado em dinheiro, no juízo da execução, até 90 dias após a liquidação.

Na verdade, é um incidente de uma execução promovida contra o sócio da

sociedade limitada por seu credor, diante da existência de uma dívida particular. É

procedimento que exige, no entanto, que não haja outros bens penhoráveis nem parcela de

lucros a serem distribuídos ao devedor, ou seja, tem natureza subsidiária.

186BRASIL, op cit, 2002a. 187 BRASIL, op cit, 2002a.

Page 72: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

71

Vem sendo utilizada na prática pelos credores do falido, já tendo a jurisprudência

oportunidade de se manifestar a respeito de sua validade188,189,190,191.

Por se tratar também da possibilidade de exclusão de pleno direito, não se faz

necessário, justamente por ser “de pleno direito” dos demais sócios, que seja promovida ação

judicial para se dissolver parcialmente a sociedade. Pode ocorrer extrajudicialmente.

Sendo deferido o pedido aduzido pelo seu credor na seara executória, recebendo a

sociedade a determinação judicial para liquidar as quotas do sócio para satisfazer os interesses

do credor, procederá na forma do artigo 1.031 do diploma civil192, depositando o valor

liquidado em dinheiro, no juízo da execução, até 90 dias após a liquidação.

Como visto, o prazo de 90 dias é o de pagamento do valor que couber ao credor do

sócio falido, o qual não se confunde com a data inicial que se terá como base para apuração

dos haveres. Esta se dará com a simples adoção da notificação como instrumento para excluir

o sócio da sociedade, revelando-se a sua ciência o marco inicial para o levantamento dos seus

haveres.

Mais uma vez se elege a regra geral para fixação do dia inicial de apuração dos

haveres em exclusão extrajudicial, qual seja, o instrumento notificatório.

Não se poderia mesmo cogitar da escolha da data em que pedida a liquidação193 ou

da data em que deferido o pedido judicial de liquidação de quotas, pois ambos se afiguram

anteriores à exclusão do sócio, sequer tendo início, por parte da sociedade, qualquer

procedimento tendente a excluí-lo.

Continua a ser sócio até que a deliberação social excluidora lhe seja comunicada.

Aí, perde a condição de sócio e esse momento coincide com o que será utilizado para se

verificarem os valores que lhe pertencem por ter participado do quadro social.

Como se conclui, em ambas as hipóteses da exclusão de pleno direito, que se opera

extrajudicialmente, a data-base da apuração dos haveres será o recebimento, pelo sócio falido

ou que teve quotas liquidadas, da notificação lhe excluindo do quadro associativo.

188 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Agravo de Instrumento nº 1.0433.06.179856-0/001(1), 10 julho 2007. 189 PARANÁ. Tribunal de Justiça do Paraná. Agravo de Instrumento nº 0.436.460-7, 18 junho 2008. 190 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 147.546/RS, 06 abril 2000b. 191 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental nº 347.829/SP, 27 agosto 2001c. 192 BRASIL, op cit, 2002a. 193 CALÇAS, Manoel Pereira. Sociedade Limitada no Novo Código Civil. São Paulo: Atlas, pp. 110/111, 2003: “o credor, em não havendo outros bens penhoráveis, nem parcela de lucros a serem distribuídos ao devedor, nem parte de acervo final da sociedade por não estar esta dissolvida, poderá requerer a liquidação da quota do devedor. O valor será apurado com base na situação patrimonial da sociedade, na data em que for pedida a liquidação, que será verificado em balanço especialmente levantado”.

Page 73: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

72

Se não fosse assim, não haveria motivo para que o legislador tenha se valido da

expressão “pleno direito”, o que significa que é um direito cabível aos demais sócios de forma

incondicionada, a não ser pela necessidade de mera comunicação formal.

Embora com pouca probabilidade de ocorrência, finaliza-se afirmando que, acaso

os demais sócios - em ambas as hipóteses de exclusão de pleno direito - não atuarem

excluindo o sócio de forma extrajudicial, seja por notificação enviada, seja por outra forma de

ciência, vindo a ajuizar ação dissolutória para se operar a exclusão, considerar-se-á como data

em que excluído o sócio quando for regularmente citado na ação em comento.

A sentença proferida, nos mesmos moldes daquela proferida na retirada de sócio

processada judicialmente - anteriormente abordada e que aqui se aplica em sua inteireza –

retroagirá à data em que citado o sócio falido ou que teve suas quotas liquidadas.

Por fim, se não obstante houver notificação prévia e ainda assim venha uma das

partes a propor ação dissolutória - apesar de desnecessária por se tratar de exclusão de pleno

direito - a sentença proferida irá ter eficácia meramente declaratória, retroagindo à data da

notificação, como de fato também ocorre nos casos de retirada e exclusão extrajudiciais.

3.3.5 Previsão contratual da época de apuração de haveres do sócio desligante

Resultando de livre exercício da vontade dos sócios, a previsão contratual

regulamentando os haveres encontra proteção no ordenamento jurídico diante da força

obrigatória que o cerca, sendo perfeitamente válida e respeitada, embora haja peculiaridades a

serem ressaltadas.

O pacto firmado não difere da transação, a qual o diploma civil valida como sendo

uma forma das partes prevenirem ou terminarem litígios, mediante concessões mútuas.

Somente no caso de prejuízo a uma das partes signatárias da estipulação contratual

é que a sua validade será contestada, podendo vir a ser declarada nula judicialmente.

A limitação da liberdade de contratar, então, assume especial relevância em se

tratando de regulamentação de norma societária, como já se manifestou a Corte Superior194 ao

demonstrar que:

194 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 33458/SP, 13 junho 1994.

Page 74: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

73

Não se pode colocar seriamente em dúvida que, em nosso Direito, subsiste a força obrigatória dos contratos, fundado na autonomia da vontade. Claro que a liberdade de contratar não é sem limites, que estes podem ser encontrados nas leis de ordem pública, em certos princípios gerais, e nas naturais vedações decorrentes do que se aceita como correspondendo aos bons costumes. A regra, entretanto, é a liberdade. Não se chocando o pactuado com algum preceito que se possa extrair daquelas diretivas, o ordenamento reconhece a valia e eficácia das normas criadas pelas partes194.

A força da validade da estipulação contratual possui respaldo também na

legislação civil, na qual se permite, por previsão contratual, que se exclua o sócio que esteja

colocando em risco a continuidade da sociedade em virtude de ato de inegável gravidade ou,

por outro lado, que suas regras se sobreponham à forma de liquidação estabelecida com base

na situação patrimonial da sociedade à data da resolução, conforme dispositivos legais dos

artigos 1.085 e 1.031do diploma civil195, respectivamente.

Da mesma forma se conclui do artigo 668 do Código de Processo Civil de 1939196.

Se possível modificar o quadro associativo das sociedades limitadas operando-se a

exclusão do sócio por conseqüência de norma estabelecida no contrato, não há motivos para

que se vede a escolha do melhor momento em que se levantem os haveres do sócio que da

sociedade se desliga por instrumento também contratual. Prevalece a velha máxima: quem

pode mais, pode menos.

No entanto, os contratos sociais das sociedades limitadas, de forma geral, pouco

adentram na contagem do dies a quo para apuração dos haveres. Limitam-se a definir os

critérios como balanço de determinação, exercício, cessão, liquidação, a forma de pagamento

- se parcelado ou à vista -, bem como as causas que ensejarão a dissolução parcial.

Na maioria das vezes, quando prevista na norma contratual a época de apuração

dos valores - fato ocorrido raramente -, a jurisprudência a acolhe, como se pode citar nos

casos de morte em que é bastante usual a fixação do prazo de 30 dias após o óbito para se

apurar o valor.

Acolhe também o entendimento firmado nas hipóteses de previsão contratual em

que o sócio desligante notifica a sociedade de seu intento de retirada, considerando-se a

notificação o marco tanto para se afastar como para apurar os haveres.

Por óbvio, havendo ofensa aos direitos dos sócios envolvidos, limites serão

impostos pelo Poder Judiciário.

195 BRASIL, op cit, 2002a. 196 BRASIL, op cit, 1939.

Page 75: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

74

Será plenamente adequado, e até recomendável, que seja declarada nula a

deliberação social que postergue o levantamento dos valores de um sócio, após excluído

extrajudicialmente, para um ano após tal data, justamente por ser grande a probabilidade do

completo esvaziamento patrimonial dos sócios que na sociedade permanecem no intuito de

provar nada existir que seja partilhado, prejudicando o valor a ser pago àquele que dela se

afastou.

Para isso, o dirigismo contratual leva os juízes a atuar nos casos em que o contrato

social se afigura leonino, corrigindo distorções.

Hernani Estrella197 bem sintetizou o fato:

Assim, e segundo o critério preconizado por Luiz Josserand, no apreciar o alcance do contrato, ter-se-ia de considerá-lo levando-se em conta aquilo que escapou à previsão das partes, isto é, às eventualidades possíveis, já que o acordo delas se teria limitado ao essencial. No mais, seria obra da lei interpretar-lhes a vontade ou supri-la, em caso de dissídio, devendo uma e outro procederem, porém, não arbitrariamente, mas conforme o espírito do contrato e com um sentimento de equilíbrio e eqüidade197.

Assevera-se que os momentos fixados pelos Tribunais Brasileiros nas causas

dissolutórias citadas podem se sobrepor à norma contratual firmada em contrato social, já que

em alguns casos o Magistrado irá intervir para adequar a decisão ao interesse das partes e este,

na maioria das vezes, não é perseguido pela norma contratual fixada.

Nesse cenário, o Superior Tribunal de Justiça198 dá plena validade à criação de

normas relacionadas à apuração de haveres, bem como à fixação da época em que serão

levantados, da mesma forma os demais Tribunais Estaduais199.

Registra-se, entretanto, que também pode, em constatados injustiça e desequilíbrio

em sua fixação, ajustá-la para se manter o equilíbrio no recebimento do valor devido ao sócio

retirante.

197 ESTRELLA, op cit, 1992b, p.115. 198 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 450129, 08 outubro 2002c. 199 MINAS GERAIS, op cit, 2005c; DISTRITO FEDERAL, Tribunal de Justiça do Distrito Federal, Agravo de Instrumento nº20060020091804AGI/DF, 07 março 2007.

Page 76: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

75

3.4 Sentença proferida envolvendo o momento de apuração de haveres: efeitos

produzidos

3.4.1 Classificação das ações: modalidades de sentenças

Há, no Direito Processual Civil, duas modalidades de classificação das ações que,

futuramente, culminarão nos seus respectivos provimentos jurisdicionais. A primeira delas, a

ternália, a qual classifica as ações em condenatórias, declaratórias e constitutivas.

Já a segunda, denominada quinária e criada por Pontes de Miranda200, inclui mais

duas modalidades, as mandamentais e executivas em sentido amplo.

A ação mandamental é aquela que tem por fito preponderante que alguma pessoa

atenda, imediatamente, ao que o juízo manda201. Ou seja, as mandamentais visam a obter uma

ordem judicial para que venha a ser feito algo ou deixe de ser feito, possibilidade existente no

mandado de segurança.

Já as executivas lato sensu imprimem capacidade executória ao provimento

jurisdicional, permitindo que seja entregue imediatamente o bem pretendido,

independentemente de qualquer outra providência.

Entretanto, a classificação de Pontes de Miranda perdeu sentido diante das

reformas processuais ocorridas nos últimos anos, as quais, diga-se de passagem, não foram

poucas.

As ações mandamentais e executivas em sentido amplo passaram, pelo

procedimento sincrético, a ser certificadas e efetivadas nos mesmos autos, ou seja, não se

exige mais outro processo para serem executadas.

Entra em relevo o sincretismo vindo a abarcar as tutelas mandamentais e

executivas lato sensu, permitindo que os atos de cognição e execução sejam realizados num

único processo, contribuindo para a agilidade e efetividade nas decisões.

200 SÁ, Fernando. As diversas eficácias e seu convívio no conteúdo da sentença: a tese de Pontes de Miranda. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v.18, p.97, 2000: “Segundo Pontes de Miranda, toda ação ou sentença carrega em si mesma, no bojo do projeto de provimento jurisdicional esperado, por quem pede ao Estado, a satisfação de seu interesse ofendido, existe uma carga maior, uma eficácia maior, preponderante, sobre as demais provisões satisfativas de direito material contidas na sentença. Desta forma, em toda ação declaratória a eficácia maior é a de declarar; na constitutiva, é a de constituir; na condenatória, a de condenar; na mandamental a de mandar e, na executiva, a de executar. Eis os cinco verbos que emprestam a cada ação ou sentença sua força ou eficácia preponderante”. 201 MIRANDA, Pontes de. Tratado das ações. São Paulo: Revista dos Tribunais, v.VI, tomo VI, p.3, 1976.

Page 77: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

76

Fredie Didier Júnior202, analisando o procedimento sincrético, afirma que a própria

distinção entre processo de conhecimento, execução e cautelar vem perdendo prestígio, pois

as demandas têm assumido natureza sincrética, indo-se a juízo em busca de providência

jurisdicional que implemente mais de uma função, satisfazendo/ assegurando, certificando/

efetivando, certificando/ assegurando/ efetivando, nos seus dizeres.

Tanto as ações mandamentais como as executivas em sentido amplo passaram a

ser, na verdade, espécies de ações condenatórias, pois todo o procedimento é, atualmente,

sincrético e ocorre num único processo. Sentença e o seu cumprimento se dão em seqüência,

nos mesmos autos, sem a necessidade de um outro para efetivar o direito.

A classificação ternália, logo, se afigura mais condizente com o atual cenário

processual.

A primeira delas - sentenças constitutivas - criam, extinguem ou alteram uma

situação jurídica, ou seja, o direito potestativo, aquele direito de interferir na esfera de outrem

sem que este nada possa fazer. São seus exemplos a que culmina na extinção do condomínio,

aquelas proferidas nas ações de falência, alteração de nome, divórcio e separação judicial.

As declaratórias, pelo próprio nome, declaram, reconhecem a existência ou a

inexistência de uma relação jurídica, certificando o direito. São exemplos a ação de

usucapião, desapropriação, nulidade de casamento e investigação de paternidade.

Todas essas, na verdade, somente declaram um fato.

A terceira e última modalidade das ações são as condenatórias. Visam a exigir o

cumprimento de uma prestação, ou seja, é o direito a uma prestação de fazer, não-fazer, dar. A

sentença proferida condena o vencido ao cumprimento da prestação pretendida.

Cada tipo de provimento jurisdicional possui o efeito que lhe é peculiar.

Abordando as modalidades de sentenças existentes e seus efeitos, Humberto Theodoro

Júnior203 se limita a analisar essas três modalidades, sintetizando o seguinte:

202 DIDIER JR., Fredie. Direito Processual Civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 6.ed. Salvador: Juspodivm, v.I, p.187, 2006. 203 THEODORO JR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 41.ed. Rio de Janeiro: Forense, v.I, p.476, 2004.

Page 78: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

77

Sem se limitar à mera declaração do direito da parte e sem estatuir a condenação do vencido ao cumprimento de qualquer prestação, a sentença constitutiva cria, modifica ou extingue um estado ou relação jurídica. O seu efeito opera instantaneamente, dentro do próprio processo de cognição, de modo a não comportar ulterior execução da sentença. A simples existência da sentença constitutiva gera a modificação do estado jurídico existente. [...]. As sentenças declaratórias e as condenatórias produzem efeito ex tunc. Nas primeiras o efeito declaratório retroage à época em que se formou a relação jurídica ou em que se verificou a situação jurídica declarada. Exemplo: declarado nulo o casamento, o efeito da sentença retroage à data da celebração. Nas sentenças condenatórias, também o efeito é ex tunc, mas a retroação se faz apenas até a data em que o devedor foi constituído em mora; via de rega, à data da citação, conforme o art. 219 do Código de Processo Civil. Já o efeito das sentenças constitutivas é normalmente ex nunc. Produz-se para o futuro, a partir do trânsito em julgado203.

Portanto, partindo-se do pressuposto de que somente há sentenças constitutivas,

declaratórias e condenatórias, serão analisados os efeitos dessas sentenças em sede societária,

em especial quando levantados os haveres do sócio desligante.

3.4.2 Natureza jurídica da sentença fixando o marco inicial em que apuráveis os haveres

Já tendo sido adiantado no decorrer do presente estudo dados relacionados à

natureza das sentenças nos casos em que se define o momento em que os haveres são

levantados, faz-se importante tecer ainda mais alguns comentários.

Em se tratando de levantamento dos haveres e sua época, o que interessa saber

para se definir a natureza jurídica da sentença é se a relação havida entre o sócio desligante e

a sociedade já fora rompida antes do provimento jurisdicional ou se a sentença foi a

responsável por extinguir o vínculo firmado entre eles.

Se o rompimento - causa dissolutória - é anterior ao ajuizamento da ação, mesmo

que ajuizada esta, a natureza será uma. Se posterior, no seu decorrer ou até mesmo quando da

prestação jurisdicional, a sua natureza jurídica será outra, da mesma forma os efeitos.

Foi o que nos esclareceu o Superior Tribunal de Justiça204 que, citando Pontes de

Miranda, afirmou que as ações de dissolução de sociedade podem ter eficácia constitutiva ou

declaratória, dependendo da causa dissolutória:

204 BRASIL, op cit, 2005a.

Page 79: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

78

Nas chamadas ações de dissolução, ou é a sentença que dissolve ou não é ela, porém outro fato. Se é a sentença que dissolve a sociedade, não há qualquer dúvida possível: a sentença favorável é constitutiva. Se a sentença não dissolve, apenas proclama que a sociedade estava dissolvida ou, ocorrendo algum fato, se dissolverá, a sentença é declarativa. O direito material, onde essas ações nascem, é que as caracteriza. [...] O que mais interessa ao jurista e ao juiz é saber se a dissolução se operou ou se ainda se vai operar, por eficácia sentencial204.

É esse o ponto central que define quando devem ser apurados os haveres do

retirante.

A bem da verdade, o que vem fazendo a jurisprudência é adaptar o provimento

jurisdicional à época em que houve o afastamento de fato do sócio, ou seja, a época em que se

retirou da sociedade.

Esse afastamento pode se dar por força do comando sentencial ou, por outro lado,

até mesmo antes do ajuizamento da ação, como ocorre nos casos em que o sócio abandona os

atos de gestão e a sociedade propõe ação dissolutória para excluí-lo dela.

Tais peculiaridades podem conceder eficácia constitutiva ou declaratória à

sentença, efeitos retroativos ou não, conforme o caso.

Isso acontece porque a dissolução parcial das sociedades não implica presunção

absoluta de que ocorrerá concomitantemente com o momento da apuração dos haveres.

Há independência entre ambas, já que o que se busca é definir o real momento em

que o sócio se afastou da sociedade e esse, na grande maioria das vezes, se dá antes que

dissolvida a sociedade judicialmente pela sentença.

Como se vê, em se tratando do momento inicial de levantamento de haveres, as

sentenças possuem as mais variadas formas, ao contrário dos provimentos jurisdicionais nas

ações dissolutórias em geral, os quais, na grande maioria - para não se afirmar que em quase

todas elas -, se apresentam dotados de forte carga constitutivo-condenatória.

Logo, conclui-se que somente estabelecer uma regra geral a respeito da natureza

do provimento jurisdicional no tema em questão torna confuso o estudo da matéria, eis que

várias podem ser as épocas em que se apuram os haveres e, logo, várias serão as naturezas

jurídicas da sentença a esse respeito, principalmente levando-se em conta a interferência

principiológica no tema, como se constata da preocupação da jurisprudência com a

preservação da empresa e enriquecimento ilícito ao se definir a data em que apuráveis os

haveres.

Referidos princípios fazem com que se alterne a natureza jurídica do provimento

jurisdicional para serem preservados. Porém, mesmo que sem uma regra geral, para melhor se

compreender o instituto e enxergar, com mais clareza, a verdadeira natureza da decisão

Page 80: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

79

proferida para se aferirem os haveres em cada causa dissolutória, seguem-se algumas regras

para se definir a natureza jurídica da sentença proferida ao se analisar a época de apuração dos

haveres na dissolução de sociedades limitadas.

3.4.2.1 Sentença com caráter constitutivo-condenatório: exceção à regra geral em se

tratando da data inaugural para apuração de haveres

De forma geral, as ações dissolutórias parciais de sociedades limitadas possuem

natureza mista, ou seja, constitutiva negativa e condenatória.

Constitutiva negativa o é porque o Juiz vem a extinguir o vínculo que mantinha os

sócios ligados até então. Condenatória porque condena a sociedade ao pagamento dos haveres

devidos ao sócio retirante, somente essa suportando o respectivo pagamento.

Conforme Pontes de Miranda205 “a ação é constitutiva negativa com elemento

condenatório assaz forte. A eficácia, ex nunc”.

Celso Barbi Filho206 e Priscila Corrêa da Fonseca207 também imprimem a ela o

caráter constitutivo-condenatório

Entretanto, ao se apurarem haveres, o que se tem visto é a inversão do

entendimento de que as sentenças possuem eficácia constitutiva com forte carga condenatória.

A bem da verdade, o que era regra geral passa a ser exceção quando se trata de fixação da

data para iniciar a apuração dos valores devidos ao sócio retirante.

Na grande maioria das vezes, a época de retirada do sócio do quadro associativo é

a data inicial para se calcular o montante devido ao sócio que da sociedade se retira. E quase

sempre ela é anterior à sentença proferida.

As sentenças, então, em vários casos, passaram a serem dotadas de eficácia

declaratória justamente para que fosse declarada uma situação fática já ocorrida

anteriormente. Insere efeitos retroativos à referida época de afastamento para se firmar a data

inaugural para apuração. Esse é o motivo da eficácia declaratória ser, no tema em estudo,

regra.

Em contrapartida, a eficácia constitutivo-condenatória passou a ser exceção,

ocorrendo em poucos casos, como naquelas hipóteses em que a sentença atua como

205 MIRANDA, op cit , tomo VII, p.304, 1978. 206 BARBI FILHO, op cit, p.390-393. 207 FONSECA, op cit, p.146-147.

Page 81: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

80

verdadeira solucionadora do impasse, resolvendo em definitivo a lide e criando uma nova

relação jurídica entre as partes ao dissolver a sociedade e, ainda, determinar que o sócio seja

afastado das atividades sociais.

Como se vê, nesse caso não foi uma causa anterior que fixou a data de afastamento

do sócio, como se teria no caso de abandono da condição de sócio e dos exercícios das

atividades sociais, mas, sim, o próprio provimento jurisdicional. Ele foi o responsável por

solucionar a lide, dissolvendo a sociedade e condenando-a ao pagamento dos haveres a partir

do seu trânsito em julgado.

São os casos em que, forçadamente, a dissolução parcial tem que se operar

judicialmente, ou seja, em que não há previsão de justa causa no contrato social e nos casos de

exclusão de sócio majoritário. Neles, não há abandono da condição de sócio em momento

anterior que justifique firmar o dies a quo da contagem do prazo de levantamento contábil dos

haveres em data precedente à sentença.

São hipóteses em que se visa a, principalmente, excluir o sócio que cometeu falta

grave no cumprimento das obrigações, incapacidade superveniente, inabilidade, prevaricação,

incapacidade moral ou civil, conforme artigo 1.030, caput, do diploma civil208. Da mesma

forma quando as partes não convencionam a justa causa em contrato social, fazendo-se

necessário que o Magistrado verifique, após instrução processual, se há motivos para excluir o

sócio indesejado do quadro social.

Em todas essas situações, o provimento jurisdicional, além de dissolver a

sociedade, também rompe o elo subjetivo que ligava os sócios e fixa a data em que o mesmo

se afasta da vida societária.

A sentença interfere na composição física da sociedade e decide, ao final, por

alterá-la por meio da exclusão do sócio, vindo a operar efeitos quando dotada de definitude,

ou seja, com o trânsito em julgado.

Como visto, a perda da condição de sócio e seu afastamento - de fato - coincidem

com o momento do trânsito em julgado, o qual, vedando a interposição de qualquer recurso,

consolida definitivamente os fundamentos fáticos e jurídicos da decisão proferida. Então, os

efeitos são produzidos dali em diante, ou seja, são constitutivos porque criam, modificam e

extinguem a relação jurídica havida entre os sócios. São ex nunc, jamais retroativos.

A sentença marcará o momento de apuração de haveres, pois não houve abandono

anterior dos atos de gestão, pelo sócio, que fosse suficiente para fixar outra época.

208 BRASIL, op cit, 2002a.

Page 82: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

81

Por outro lado, são condenatórios porque forçam a sociedade ao pagamento dos

haveres ao sócio excluído.

É o que se depreende dos estudos de Priscila M. P. Corrêa da Fonseca209 ao

afirmar que:

Na ação que visa unicamente à exclusão de sócio, a sentença apresenta natureza constitutiva, dado que promove efeito modificativo na estrutura da sociedade. Se o mesmo ato jurisdicional determina à sociedade que efetue o pagamento dos haveres devidos ao excluído, terá aquele, por igual, caráter condenatório, pelas mesmas razões apontadas209.

Registra-se que, se, por acaso, for proposta ação visando à anulação da deliberação

social que excluiu o sócio indesejado, muito embora a sentença proferida ainda seja

constitutivo-condenatória, o efeito será outro.

Será retroativo - ex tunc - justamente diante da necessidade de se voltar ao passado

e reintegrar o excluído na condição de sócio.

A força do provimento jurisdicional, nesse caso, retroagirá à data em que

deliberada a exclusão, anulando-a e gerando para o sócio excluído - como se ela não houvesse

ocorrido - todos os direitos e vantagens que seriam cabíveis se, de fato, não tivesse sido

expulso da sociedade, entre eles o de receber os lucros partilhados.

3.4.2.2 Sentença com caráter meramente homologatório: natureza declaratória

Como descrito, em se tratando de momento em que se fará o levantamento dos

haveres do sócio desligante, a jurisprudência vem apresentando exceções à hipótese de

natureza constitutiva negativa, com forte carga condenatória das ações dissolutórias.

As exceções são tantas, que é seguro afirmar que a natureza declaratória das

sentenças, em se tratando de data-base de apuração de haveres, já é regra geral.

Conforme visto alhures, a Corte Superiora210 e o Tribunal Paulista211 dão exemplos

do afirmado quando decidiram pela natureza declaratória com eficácia retroativa nas hipóteses

de retirada de sócio exercida judicialmente, seja porque recusou a acatá-la a sociedade, seja

porque houve ausência de notificação a respeito.

209 FONSECA, op cit, p.149. 210 BRASIL, op cit, 2005a. 211 SÃO PAULO, op cit, 2007a; SÃO PAULO, op cit, 2004.

Page 83: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

82

Muito embora divirjam acerca da retroatividade - se até o ajuizamento da ação ou

citação - o fato é que ambos conferem à sentença caráter meramente declaratório,

homologatório.

Outros exemplos existem da natureza declaratória. Seriam os casos de retirada

extrajudicial, em que a jurisprudência, em corrente majoritária, já determinou que a época de

apuração de haveres deverá retroagir à data da simples notificação enviada pelo retirante à

sociedade.

A força da notificação como marco inicial em que apuráveis os haveres é tamanha,

que prevalece, inclusive, naqueles casos em que há ação dissolutória em curso e, não obstante,

o retirante resolve abandonar as atividades sociais notificando a sociedade a respeito.

A sentença, também nesse caso, somente declarará uma situação anteriormente

ocorrida, nada mais.

Da mesma forma o fará nos casos de morte do sócio, retroagindo a sentença

proferida para a data do óbito, não obstante haja entendimento existente em sentido diverso ao

estabelecer o dissenso como o marco inicial para se levantarem os haveres, ou seja, a recusa

dos sócios em ingressarem na sociedade.

Uma vez ingressando, se os herdeiros posteriormente optarem por sair do quadro

associativo diante da quebra da affectio societatis, a natureza também será declaratória,

porém, com efeitos também retroativos até a data da citação na ação dissolutória proposta.

Acaso exercido o direito extrajudicialmente, retroagirá à data da notificação

efetuada - efeito ex tunc.

Prevendo o contrato social norma fixando data inicial para apuração, esta será

considerada para levantamento contábil do valor devido ao herdeiro do falecido. Nesse caso, a

sentença retroagirá à data firmada no contrato.

Nos casos de exclusão de sócio que abandonou as atividades sociais antes de

proferida a sentença, da mesma forma que nas demais hipóteses abordadas, haverá

retroatividade.

Os efeitos regressarão até a data em que ciente o excluído da deliberação da

sociedade, seja ocorrendo por notificação, referendo da deliberação em reunião ou registro da

alteração do contrato social no órgão respectivo.

Por fim, a mesma natureza declaratória da sentença ocorrerá se forem

judicialmente discutidas as modalidades extrajudiciais de dissolução de pleno direito, quais

seja, falência de sócio e liquidação de suas quotas.

Page 84: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

83

Em todas essas hipóteses, como se vê, maioria, não há dúvidas de que o sócio já se

desligou da sociedade, havendo uma causa anterior ao ajuizamento da ação, um marco inicial

bastante claro que serve de rumo à fixação da data para iniciar o cálculo contábil devido ao

sócio desligante.

De forma conclusiva, mesmo que com divergências, na retirada é o dia da

notificação enviada à sociedade; na exclusão, o dia em que o sócio é informado da

deliberação da assembléia nesse sentido. Por fim, se for o caso de falecimento, a data do óbito

fixa o marco inicial do levantamento do valor a ser pago.

Todas essas hipóteses já foram estudadas e todas elas possuem um traço em

comum que permite afirmar que terão provimento jurisdicional da mesma natureza:

declaratório. Podem divergir quanto ao marco inicial em que afastado o sócio da sociedade.

Alguns, pela notificação de retirada de exclusão pelo óbito, pelo próprio ajuizamento da ação

dissolutória ou sua citação.

Mas que todas elas retroagem para declarar referidas datas como a data do início

do levantamento de haveres, não resta a menor dúvida.

A sentença atua como nítido caráter homologatório, produzindo efeitos retroativos

à época de afastamento dos sócios, para fins de pagar ao sócio retirante a parcela que lhe cabe

no acervo patrimonial.

O que nos permite afirmar que a natureza declaratória da sentença é aquela que

deve prevalecer nos casos examinados é o entendimento esposado pelo Superior Tribunal de

Justiça212 no sentido de que a data-base para apuração dos haveres coincide com a

manifestação da vontade do sócio de se retirar da sociedade limitada estabelecida por

tempo indeterminado, o que se dá com o ajuizamento da ação de dissolução parcial.

Foi o que entendeu o Ministro Humberto Gomes de Barros, em acórdão no qual foi

relator, ao citar o entendimento anterior firmado no recurso especial nº 646.221 oriundo do

estado do Paraná, por vezes citado neste trabalho.

Lá, esclareceu a natureza declaratória ao afirmar que:

212 BRASIL, op cit, 2005a.

Page 85: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

84

A doutrina classifica as causas dissolutórias de sociedade em causas de pleno direito, que atuam ipso jure, operando automaticamente a dissolução, e em causa dependentes de decisão judicial. Segundo esclarece José Waldecy Lucena, em sua obra Das Sociedades Limitadas, a possibilidade de o sócio exercer o direito de retirada de sociedade estabelecida por tempo indeterminado, como se afigura no processo em exame, está entre as causas de dissolução de pleno direito. Assim, nesta hipótese, o vínculo singular que prendia o sócio à sociedade é rompido independentemente da prolação da sentença, que irá somente declarar a dissolução parcial já ocorrida, produzindo seus efeitos ex tunc, com retroação à data da efetiva retirada. Não há como compelir o sócio a manter-se indefinidamente na sociedade estabelecida por tempo indeterminado, principalmente quando há ruptura da affectio societatis, como ocorreu na hipótese sob julgamento. Neste caso, permite-se que o sócio deixe espontaneamente a sociedade, com a preservação do ente social e apuração de seus haveres, levando em conta a situação patrimonial da sociedade verificada na data da retirada. Com estes fundamentos, conclui-se que a data-base para apuração dos haveres coincide com a manifestação da vontade do sócio de se retirar da sociedade limitada estabelecida por tempo indeterminado, o que, na hipótese, se deu com o ajuizamento da ação de dissolução parcial. Ressalte-se que, mesmo com a retirada do sócio, a sociedade continua a existir, prosseguindo com suas atividades, sendo previsível a alteração de seu patrimônio, que poderá ser valorizado ou esvaziado pelo comportamento exclusivo dos sócios remanescentes, não sendo possível, portanto, admitir que o sócio retirante, que não mais participa ativamente da sociedade, seja beneficiado ou prejudicado no recebimento de seus haveres. Por fim, para corroborar os argumentos apresentados, aponta-se dispositivo do Novo Código Civil (art. 1.029) que estabelece o direito do sócio de se retirar de sociedade por tempo indeterminado mediante notificação aos demais sócios, o que deixa clara a possibilidade de retirada extrajudicial e o caráter meramente declaratório da sentença que reconhece, neste caso, a dissolução parcial da sociedade212.

Como se vê, a natureza declaratória se justifica ainda mais diante da preocupação

da Corte Superior na real e concreta possibilidade de alteração do patrimônio da sociedade

pelos sócios, o qual poderá ser completamente esvaziado pelo comportamento exclusivo dos

sócios remanescentes.

A jurisprudência vem preenchendo os vazios legislativos adaptando suas decisões,

em cada caso concreto, com a verdadeira data em que o sócio fora afastado do convívio

social.

Essa data, regra geral, vem sendo definida como contemporânea ao levantamento

dos haveres. Tal contemporaneidade é garantida pela eficácia retroativa da sentença

declaratória, a qual ocupa papel relevante, devendo mesmo prevalecer.

Page 86: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

85

3.5 Necessidade de ponderação de interesses na definição da época dos haveres: vedação

do enriquecimento ilícito

Exposta a natureza jurídica do provimento jurisdicional, importante se ressaltar a

necessidade de conjugação dos interesses de ambas as partes envolvidas no ato dissolutório no

momento em que se profere sentença fixadora da época de apuração de haveres.

Deve o Magistrado ponderar os interesses patrimoniais das partes para evitar

injustiça.

Nas dissoluções parciais de sociedade, o que se verifica é a presença, de um lado,

de um sócio - muitas vezes fragilizado pelo desgaste com os demais - que abandona a

sociedade e se submete, desde então, às condutas praticadas pelos sócios remanescentes, entre

elas o esvaziamento patrimonial; de outro, uma sociedade detentora de todas as informações

que permitam apurar o verdadeiro valor patrimonial devido ao sócio desligante e que,

optando, pode ocultá-los quando bem entender. E, no centro, o dies a quo para se apurarem

haveres.

Percebe-se quão tormentoso é o problema.

As palavras de João Luiz Coelho da Rocha213 esclarecem a questão:

A complicação surge, pois que sempre se exige, no evento, ponderarem-se dois valores em confronto, duas ordens de padronagem axiológica um tanto excludentes, que se oferecem ao legislador e ao julgador: de um lado, as defesas dos interesses econômico-jurídicos do minoritário afrontado e, de outra parte, a pretendida preservação da empresa como célula produtora de riqueza e serviços213.

A justeza do valor apurável, então, depende da fixação de um equilíbrio ao

interesse de ambos, tentando ao máximo aproximá-los. Preserva-se a sociedade do pagamento

de haveres excessivos ou inviabilizadores da continuidade de suas funções como fonte

produtora de riquezas. Em contrapartida, reembolsa-se o retirante contemporaneamente ao seu

afastamento.

Dessa forma deve ser tratado o instituto.

Porém, o que se deve ressaltar é o fato de que, na grande maioria das vezes, os

julgados proferidos não obtêm esse intento, qual seja: a ponderação de valores. Algumas

vezes, dão especial proteção ao sócio retirante quando o assunto debatido é apuração dos

haveres. Contribui para isso os constantes desfalques do valor a ser reembolsado pelos sócios

que continuam na atividade empresarial em prejuízo do sócio que dela sai.

213 ROCHA, op cit, p.37-41.

Page 87: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

86

Disso já se preocupou a jurisprudência214, fato bastante exaltado.

Entretanto, o que merece registro é a inadmissibilidade de se elevar tal

preocupação ao topo da importância e relegar a segundo plano os interesses da própria

sociedade que continuará em pleno vigor após o ato dissolutório.

Como descrito, o que se deve ter como ponto de partida em se tratando de

apuração de haveres é a busca da compatibilização dos interesses das partes envolvidas na

dissolução, quais sejam, sócio e sociedade, ambos sendo agradados com a imposição do

melhor momento para se efetivar o reembolso.

A época de apuração dos haveres assume, assim, especial relevância quanto a essa

finalidade. Se pactuada pelas partes, a proteção jurídica é imediata, desde que não ofenda o

conteúdo legal. Se omissa a inclusão no contrato social de norma a respeito, deve o Poder

Judiciário atuar definindo o melhor critério adotado, entre os vários apresentados.

O que não se permite é que se opte por critérios como o dissenso - a recusa ou

negativa de ingresso dos herdeiros na condição de sócio - como o marco inicial para levantar

haveres quando, de fato, foi do óbito que o falecido se afastou da sociedade e, então, ele é o

marco temporal para reembolso.

Tal fato pode nitidamente favorecer financeiramente o sócio que se afasta, pois,

ocorrendo o dissenso após meses do falecimento, pode a sociedade ter gerado lucros

estrondosos no intervalo que vai do óbito até a recusa de ingresso na condição de sócios pelos

herdeiros - dissenso - e, então, ser forçada a pagá-los a quem em nenhum momento integrou o

quadro associativo, quais sejam: os próprios herdeiros. Haverá enriquecimento indevido.

Da mesma forma ocorrerá se houver opção por apurar haveres quando do trânsito

em julgado após o exercício do direito de retirada judicial. Durante o andamento da ação

promovida, estará fazendo jus o retirante ao recebimento de todos os lucros desse período

advindos da sociedade até que se opere o trânsito, quando o correto seria que a citação fosse o

momento correto para levantar seus haveres, já que daí se afastou da vida empresarial e deu

ciência, tecnicamente, à sociedade a respeito.

Esses são somente alguns dos exemplos tendenciosamente prejudiciais ao

patrimônio social, muito embora o oposto, ou seja, prejuízo indevido do sócio retirante,

também seja constante, fato repetidamente abordado.

A jurisprudência215,216, denegando pedido de antecipação de tutela, vem abarcando

o exposto e, conseqüentemente, protegendo a sociedade ao denegar pedidos que possam

214 RIO GRANDE DO SUL, op cit, 2001b.

Page 88: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

87

causar mazelas conseqüentes de precipitada apuração de haveres, determinado que esses

devam ser pagos da forma menos gravosa à sociedade justamente para não colocar em risco

suas atividades.

Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça217 já ressaltou sua preocupação com a

proteção jurídica não só do sócio desligante, mas também da própria sociedade, como se

extrai da seguinte passagem:

O pagamento em parcelas, e não só de uma vez, justifica-se. Pretende-se a continuação da empresa. Se houver de saldar-se o devido ao sócio que se retira em um só pagamento, a ser feito de imediato, envolvendo tudo aquilo que constitui o patrimônio líquido da empresa, poderá ver-se essa na contingência de desfazer-se de parte significativa de seus bens de capital, eventualmente inviabilizando-a. Não se pode ter como leonina, ou propiciadora de enriquecimento sem causa, a disposição convencionada. Há que se prestar eficácia ao livremente estabelecido pelas partes e que atenda à conveniência de manter-se a empresa217.

Então, apresenta-se de crucial importância, após análise particular de cada causa

dissolutória, que se defina, entre os critérios apresentados, o mais adequado a se evitar não só

o enriquecimento ilícito da sociedade que continua atuando na seara empresarial, mas também

do sócio retirante.

Tal peculiaridade merece registro quando se pretende adotar um dos vários

momentos de apuração de haveres.

Por outro lado, o apontamento que aqui se faz redundando na excessiva

preocupação da proteção jurídica do ente societário interfere diretamente quando o assunto

debatido é a antecipação de tutela, já que nesta, não obstante previsão legal, se exige do

Magistrado boa dose de prudência justamente para se vedar que se inviabilizem as atividades

empresariais da sociedade com o deferimento do pedido.

É o que se passará a abordar.

215 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Agravo de Instrumento nº 430.709.4/1, 25 abril 2006. É o que se extrai ao se verificar que a antecipação de tutela vem sendo denegada quando o seu cumprimento causar prejuízo à “estabilidade financeira das empresas. Ainda que devida em dinheiro, o pagamento dos seus haveres deve ser efetuado de forma menos gravosa para as sociedades de maneira a não colocar em risco a sobrevivência destas”. Nesse caso, o Tribunal Paulista veio a deferir “a substituição de depósito em dinheiro pela caução de bens imóveis livres, como forma de garantir o final pagamento da participação dos agravados”. 216 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento nº 597170232, 19 outubro 1997b. 217 BRASIL, op cit, 1994.

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88

3.6 A utilização das tutelas emergenciais no âmbito da fixação do momento da apuração

de haveres

3.6.1 Introdução

Visando a operacionalizar os efeitos futuros do provimento jurisdicional, dispõe o

artigo 273 do Código de Processo Civil218 que o Juiz poderá, a requerimento da parte,

antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que,

existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação.

Acrescenta requisitos para o exercício do direito requerido ao exigir a ocorrência

de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, abuso de direito de defesa ou

manifesto propósito protelatório do réu.

Trata-se de medida processual confortadora daquele que possui alegação

verossímil a seu favor, podendo, durante o curso litigioso, obter provimento antecipatório que

lhe seja favorável, sem ser compelido a aguardar o momento da sentença judicial para que seu

pedido seja analisado.

Antecipam-se, pois, os efeitos do provimento jurisdicional.

A antecipação da tutela adveio da reforma processual de 2002, sendo uma nova

manifestação do sincretismo, ou seja, a utilização de um único processo para se efetivar o

direito.

Em se tratando de apuração de haveres, ela possui espaço reservado, em especial

no que diz respeito ao reembolso do sócio retirante da sociedade. Trata-se de instituto bastante

utilizado para evitar que o mesmo fique privado de seu capital social após retirar-se dela219.

Como mencionado por Luiz Fernando Pereira220, Cândido Rangel Dinamarco

entende tratar-se de “uma arma poderosíssima contra os males corrosivos do tempo no

processo”.

Sob todas as formas é explorado, seja para receber parcialmente os haveres

enquanto se encontram as partes no período de litigiosidade - a título de adiantamento da

218 BRASIL, op cit, 1973. 219 RIO GRANDE DO SUL, op cit, 2000; SANTA CATARINA, Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Cível nº 2005030.715-0, 15 dezembro 2005; SANTA CATARINA, Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Cível nº 2002.017907-3, 13 fevereiro 2003; SÃO PAULO, Tribunal de Justiça de São Paulo, Agravo de Instrumento nº 576.005.4/4-00, 24 junho 2008b; MINAS GERAIS, Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Apelação Cível nº 2.0000.00.365887-1/000(1), 11 junho 2002. 220 PEREIRA, Luiz Fernando C. Medidas urgentes no Direito Societário. São Paulo: RT, p.189, 2002.

Page 90: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

89

participação nos lucros acumulados, por valor mensal fixado - seja para que, de uma só vez,

receba a totalidade que lhe é de direito221.

Então, faz uso da tutela antecipatória para receber, de antemão, os valores a que

terá direito quando de futura decisão dissolutória. Por óbvio, não se dá de ofício, já que não

existe antecipação de tutela sem requerimento do interessado.

Por sua vez, em relação ao tema em estudo, o transporte dos provimentos

emergenciais para fixação da data inaugural de levantamento dos haveres é fato apoiado por

Luiz Fernando C. Pereira222. Segundo ele, as tutelas de socorro - em sentido genérico -

possuem aplicação ampla, utilizadas para outros casos que não somente aqueles em que se

antecipam valores.

São suas palavras: “nada obsta, portanto, a concessão de provimento cautelar no

âmbito da apuração de haveres, não obstante com objetivo diverso da antecipação do

pagamento da soma em dinheiro, o que determina diversidade de provimentos abordados”.

Como se vê, nada impede a sua aplicação no estabelecimento do dies a quo da

contagem dos valores devidos ao sócio retirante.

Importante registrar que, diante da reforma processual de 2002 introduzindo o

instituto da antecipação de tutela, há quem entenda que as medidas cautelares vêm perdendo

espaço na prática, já que, em um único processo, pode-se obter o provimento emergencial

adequado para satisfazer o direito e garantir a efetividade do futuro provimento jurisdicional.

Como mencionado, trata-se de manifestação do procedimento sincrético.

A esse respeito, Luiz Fernando C. Pereira217 preconiza que “com a codificação da

antecipação da tutela, não há mais espaço para esse tipo de cautelar. É possível, agora,

preenchidos os requisitos do artigo 273 do Código de Processo Civil, a antecipação do

pagamento da soma em dinheiro em ação de dissolução parcial, antecipando o pagamento dos

haveres que só seriam objeto de posterior ação de execução”.

Não obstante respeitável opinião doutrinária, assevera-se que não há vedação

alguma ao uso das cautelares como forma de se antecipar o provimento jurisdicional e seus

efeitos. Deve-se enxergá-la, sim, em conjunto com a tutela antecipatória, como duas

possibilidades de exercício do direito. 221 Em sentido contrário COELHO, op cit, 2005, p.470, afirmando ser cabível a apuração somente após o trânsito em julgado:“atentar para os dois lados da questão possibilita, assim, perceber a impropriedade de certas decisões interlocutórias que insistem na realização da prova pericial para avaliação do patrimônio da sociedade, durante a instrução do pedido de dissolução parcial. À semelhança do que a lei fixa para a dissolução parcial total – CPC/39, art. 656, primeiro deve o Juiz proferir sentença que desconstitua o vínculo societário ou dê pela improcedência do pedido. Após, o trânsito em julgado da decisão dissolutória, e apenas nesse caso, se ainda permanecerem os sócios contendendo, realiza-se a apuração judicial de haveres”. 222 PEREIRA, op cit, 2002, p. 189.

Page 91: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

90

As cautelares vêm sendo utilizadas naqueles casos em que, antes de ser proposta a

ação dissolutória parcial, o sócio retirante também constata a rápida ação dos remanescentes

no sentido de alterar o capital social da sociedade para prejudicá-lo financeiramente.

Basta que se comprovem os seus requisitos, os pressupostos indeclináveis para a

concessão de medidas cautelares, quais sejam: a ameaça do direito da parte e o fundado receio

de lesão grave e de difícil reparação.

É o que expõem os artigos 798 e seguintes do Código de Processo Civil223.

As cautelares vêm sendo utilizadas nas mais variadas formas. Podem ser

nominadas, citando-se como exemplos as cautelares de arrolamento de bens, produção

antecipada de prova, busca e apreensão, exibição de documentos e outras ou, por outro lado,

inominadas, aquelas que estarão inseridas no âmbito do poder geral de cautela conferido ao

julgador, citando-se como exemplos o pedido de pagamento de pró-labore e lucros.

Logo, ambos os institutos, seja a tutela antecipada, seja a cautelar, podem ser

utilizados para a proteção do sócio retirante, um não excluindo o outro, ambos também

encontrando previsão na lei adjetiva.

3.6.2 Dia inicial para se apurarem haveres quando utilizada a tutela antecipada ou

procedimento cautelar

No que diz respeito à utilização dos institutos para se fixar antecipadamente o

momento em que apuráveis os haveres, muito embora os objetivos de proteção do valor

patrimonial devido ao sócio retirante sejam os mesmos tanto na tutela antecipatória quanto na

cautelar, há diferenças a serem ressaltadas.

3.6.2.1 Tutela antecipada

Em se tratando da utilização da tutela antecipada para estabelecimento da época de

levantamento de valores, a discussão ganha relevância exclusiva nos casos em que há, de fato,

instauração de litígio para se verificar a ocorrência ou não da causa que justifique o

afastamento do sócio do quadro associativo. São os casos de dissolução parcial por exclusão

223 BRASIL, op cit, 1973.

Page 92: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

91

judicial proposta pela sociedade, em que há amplo contexto probatório para se confirmar a

presença da justa causa para justificar a exclusão.

Logo, em outros casos, como o exercício extrajudicial do direito à dissolução -

tanto na retirada quanto na exclusão -, dissolução de pleno direito ou no caso do evento morte,

não se aplicaria a tutela antecipada.

Explica-se.

Nessas hipóteses, já se pincelou que o momento de fixação dos haveres deve,

prioritariamente, ser antecipado para a época da notificação ou ciência - nos três primeiros

casos - e para o momento do óbito no último. Todos eles se encontram excluídos do instituto

da antecipação de tutela porque, em nenhum, há procedimento judicial promovido.

O período de fixação do afastamento na ciência deliberada ao interessado, por si

só, é suficiente para gerar o início da contagem do prazo para apurar haveres. Nas exclusões

extrajudiciais, quando da ciência pela notificação; na morte, quando do óbito.

A inviabilização da tutela cautelar se dá porque a comunicação da intenção de

retirada ou exclusão, bem como a data de apuração de haveres, se dão no mesmo momento,

sendo concomitantes. A antecipação de tutela, se requerida, seria posterior e inoperante,

dispensável. Não há, portanto, espaço para a antecipação de tutela.

O mesmo ocorre quanto ao exercício do direito de retirada. Já se analisou

anteriormente que o momento em que o sócio se afasta da sociedade é o que deve ser levado

em conta para apurar haveres. Esse momento se dá, então, quando da citação, se sobrepondo

ao ajuizamento da ação, por ser o critério mais técnico.

Todas essas ponderações elegendo os respectivos momentos de apuração dos

haveres como sendo nos casos de exclusão extrajudiciais, morte e direito de retirada,

respectivamente, a notificação, óbito e citação serão, em momento oportuno, devidamente

justificadas quando forem apontadas como os melhores critérios para serem adotadas. Porém,

devem aqui ser antecipadamente demonstradas para se justificar a dispensabilidade que fazem

da utilização do instituto da antecipação de tutela.

Então, a viabilidade da aplicação da tutela antecipada para fins de se fixar o

momento em que se apurarão os haveres se verifica mesmo naqueles casos em que se exige

longo e moroso processo judicial para se firmar a dissolução parcial, ou seja, nos casos de

exclusões judiciais, como já adiantado. São os casos de cometimento de falta grave,

incapacidade superveniente, ausência de previsão de justa causa ou exclusão de sócio

majoritário.

Page 93: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

92

Aqui, mais que em qualquer outro caso, a antecipação da tutela é imprescindível.

Nesses casos, o trânsito em julgado marcando o início do dies a quo de apuração de haveres

perderá espaço, em especial quando se constata a inexistência do perigo de irreversibilidade

do provimento a ser antecipado.

A tutela antecipada poderá atuar positivamente para amenizar, antecipadamente, os

prejuízos financeiros causados com o moroso andamento do processo judicial que culminará

na ocorrência do trânsito em julgado.

Ora, no caso de exclusão judicial, a relação envolvendo os sócios encontra-se

desgastada, sensível às discussões, brigas, ofensas.

Diante de tais fatos, antecipando-se o momento dos haveres para data anterior ao

trânsito em julgado, estará se evitando que, no decorrer do andamento processual, possam os

demais sócios se valerem de expedientes maculadores da real situação financeira do ente

societário para levar a crer o Magistrado que nada resta a pagar ao desligante.

Assim, desde que comprovada a verossimilhança da alegação de fundado dano

irreparável ou probabilidade de sua ocorrência, pode o sócio que está sendo excluído se valer,

antecipadamente, da tutela emergencial e proteger a “fatia” a que fará jus quando se operar o

trânsito em julgado, antecipando o momento de apuração dos seus haveres.

Mesmo que pago posteriormente, em fase liquidatória, fixa-se o momento de

apuração quando proferido o despacho saneador, por exemplo, antecipando a tutela para tal

data e se evitando o inconveniente de encontrar resultado negativo quando do futuro

reembolso ao sócio submetido ao processo excludente.

Tais fatos exigem que, ao ser proposta a ação dissolutória pelo ente societário, o

sócio já comprove, na contestação, a necessidade de antecipação da tutela, comprovando a

ocorrência dos requisitos que são exigidos pela lei adjetiva.

A partir de então, no mais tardar em sede de despacho saneador, poderá o

Magistrado antecipar o momento de apuração dos haveres devidos ao sócio e evitar, com isso,

prejuízos ao montante que lhe é de direito.

Antecipada a tutela, sendo preenchidos os requisitos, em especial a inexistência de

perigo de irreversibilidade do provimento antecipado, a data do deferimento do pedido será

aquela tomada como base para se apurarem os haveres, como se vê do seguinte julgado224:

“Sendo indiscutível que o segundo apelante só foi afastado da sociedade pela decisão

224 RIO DE JANEIRO, op cit, 1997.

Page 94: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

93

antecipatória da tutela, datada de 15.08.96 (fls. 250), bem andou também a douta sentenciante

ao estabelecê-la como termo inicial da apuração dos haveres”224.

Referido entendimento é, no presente estudo, adotado para

fins conclusivos, eis que se apresenta como o mais condizente com o entendimento

doutrinário de que a época de apuração dos haveres deverá ser contemporânea à saída do

sócio.

Trata-se de entendimento que, repita-se: aplica-se somente nos casos de exclusões

operadas judicialmente e que exijam litígio para dissolver a sociedade limitada.

3.6.2.2 Medidas cautelares

Cabível em qualquer hipótese em que se pretenda proteger direitos, tem-se nas

medidas cautelares - como na tutela antecipada - a possibilidade de garantir a efetivação

futura do provimento jurisdicional.

Ao se analisar o exercício do direito de retirada judicial, adotou-se a citação como

o melhor a ser utilizado. Reporta-se aqui a tudo que lá se expôs a esse respeito. A citação

seria, então, o critério a ser adotado para se afastar o sócio e, também, para se apurarem os

seus haveres.

O mesmo ocorrerá se proposta medida cautelar em procedimento preparatório para

prevenir os haveres de sócio que pretende se desligar da sociedade.

Será a citação, na cautelar, aquela que marcará o afastamento do sócio da

sociedade, bem como o início da contagem do prazo para se levantar o valor que seria cabível

ao retirante.

Através da citação se opera a certificação do destinatário quanto ao interesse do

sócio em se retirar da sociedade.

Trata-se de afirmação que acompanha o entendimento doutrinário, embora

genérico, de que os haveres devem ser apurados quando o sócio se afasta da sociedade.

Se se propôs ação cautelar, é porque em 30 dias deverá propor a ação principal,

qual seja, dissolutória. Porém, quando ajuizada esta segunda, o sócio já estará afastado

fisicamente do quadro associativo da sociedade por ocasião do ajuizamento da cautelar

visando à antecipação do momento de apuração dos seus valores.

Mesmo porque, se teve a iniciativa de ajuizar procedimento preparatório, é porque,

de fato, objetivava abandonar a sociedade futuramente, perdendo a condição de sócio. Logo, a

Page 95: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

94

comunicação desse fato já basta para se fixar o momento do afastamento e, então, dos seus

haveres.

Por outro lado, se proposta ação excludente de sócio pelo ente societário, reitera-se

o que se expôs quando da análise da antecipação de tutela. O trânsito em julgado, considerado

como sendo o marco para se contar haveres, pode se afigurar tardio.

Não restam dúvidas de que, então, no procedimento cautelar, a citação também

seria o mais adequado critério, prevenindo e conservando direitos.

Poderia se cogitar de que o trânsito em julgado é o único capaz de dar caráter

definitivo ao provimento jurisdicional que dissolveu parcialmente a sociedade, sendo assim, a

melhor época de apurar haveres.

Isso é fato.

Porém, cederá espaço à citação se comprovados a real ameaça aos haveres do

sócio indesejado e o perigo da demora do provimento jurisdicional, como se entendeu para o

caso da tutela antecipada.

Logo, ocupará a citação na medida cautelar a função de suavizar os prejuízos

financeiros causados ao sócio excludente com o longo período em que as partes litigarão,

sendo ela o dies a quo para se apurarem os haveres.

Nas ações de arrolamento de bens, produção antecipada de provas, exibição de

documentos, seqüestro, busca e apreensão, a citação é a mais técnica e adequada data em que

se deverão apurar os haveres do sócio.

Semelhantemente entendeu o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro225 ao

mencionar que “o termo a quo dessa exclusão, pois, é a data do aforamento da cautelar prévia

de busca e apreensão, quando patenteada restou a falta da affectio societatis”.

Entretanto, o julgado em questão diferenciou-se do que se afirmou anteriormente

porque optou por adotar o momento de apuração como sendo o ajuizamento da ação, não se

afigurando correto diante da escolha da citação como o mais técnico, o que deveria ocorrer até

mesmo em sede de ações cautelares preparatórias.

Por fim, sob a hipótese da cautelar ser promovida incidentalmente, a data do

deferimento do pedido - como na antecipação da tutela - será a que se tomará como base para

apurar os haveres do sócio desligante.

225 RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação Cível nº13382/200, 07 novembro 2000.

Page 96: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

95

3.7 A Arbitragem e sua utilização para definição do dies a quo para levantamento dos

haveres

Regulamentando o permissivo constitucional bem como o Código de Processo

Civil de 1973226, surgiu a lei nº 9.307 de 23 de setembro de 1996227 apresentando o instituto

da arbitragem como sendo uma manifestação da vontade das partes, objetivando compor

determinado litígio por meio da escolha de um árbitro, terceiro estranho ao conflito e sem a

mínima relação com os interesses conflitantes, que julgará a qual das partes o direito assiste,

por meio de uma sentença com força de coisa julgada e título executivo.

Exige-se, portanto, se trate de direito patrimonial disponível, atuando a arbitragem

como um substituto da jurisdição ou um “equivalente do processo civil”, nos dizeres de

Carnelutti228.

Duas são as possibilidades de utilização da via arbitral. A primeira delas, a

denominada cláusula compromissória, é aquela em que as partes, de comum acordo, se

comprometem a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir relativamente a tal

contrato. Outra forma de instauração do procedimento arbitral é o denominado compromisso

arbitral, tendo por peculiaridade o fato de ser instaurado após o surgimento de uma

controvérsia pelas partes, ao contrário da cláusula compromissória, celebrada antes do

surgimento da lide.

Porém, a discussão que nesse contexto se apresenta importante é a utilização do

instituto na seara societária, em especial para especificar o momento de apuração de haveres

do sócio desligante.

Como informado alhures, a omissão legislativa acerca da previsão dos direitos do

sócio desligante durante o processo de apuração de haveres vem sendo motivo de incentivo à

doutrina e jurisprudência no intuito de se buscarem outras alternativas que possam manter

intacta a fatia societária cabível àquele sócio retirante.

Para tanto, na defesa dos interesses econômico-jurídicos do retirante bem como na

definição do momento em que apuráveis os haveres, a arbitragem pode ocupar papel

sobremaneira importante para se atingir tal objetivo.

Muito embora pouco adotada na seara judicial liquidatória, diante do fato de que

nele o laudo pericial assume relevante importância nas discussões judiciais, sendo, assim,

226 BRASIL, op cit, 1973. 227 BRASIL. Lei n° 9.307, de 23 set. 1996. Dispõe sobre a arbitragem. Diário Oficial, Brasília, 05 fev. 1997b. 228 CARNELUTTI, Francesco. Instituciones del processo civil. Trad. esp. de Santiago Sentis Melendo, Buenos Aires: El Foro, v.I, p.115, 1997.

Page 97: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

96

prova decisiva na solução de questões envolvendo a apuração de haveres, destaca-se que a

arbitragem poderia, por outro lado, contribuir para a mais rápida solução dos conflitos

societários e, via de conseqüência, para a redução do número de feitos judiciais em trâmite.

Isso porque deliberação social nesse sentido pressupõe, nos dizeres de Pedro A.

Batista Martins229, o atendimento à finalidade da própria pessoa jurídica, qual seja, a

conveniência de uma deliberação que espelhe o escopo comum.

São as palavras do autor mencionado:

Destarte, não vejo, a priori, violação ao princípio do interesse comum a deliberação que importe em fixação, por maioria, de cláusula compromissória para afastar o Poder Judiciário das controvérsias que surjam entre os sócios e a limitada. Não há, nessa alteração societária, ato que comporte dano patrimonial ou político aos envolvidos. Ao contrário, o que se quer é dar velocidade e segurança à solução das questões controversas, para o próprio bem da organização social229.

De acordo com o doutrinador em questão, a deliberação arbitral se alinha

perfeitamente aos elementos do ato jurídico, quais sejam: possibilidade concreta de realização

da prestação, licitude, determinação, inocorrência de violação aos bons costumes, forma

contratual e escrita, agentes capazes.

Ora, se de fato a nova legislação civil demonstrou claramente a proteção do

legislador ao sócio que se retira da sociedade, a ele conferindo balanço especialmente

levantado à época da saída, permitindo, ainda, o seu amplo direito de defesa, não se pode

permitir a vedação de se estabelecer, pela arbitragem, o momento em que os seus haveres

serão apurados, eis que, de fato, a utilização do instituto na seara societária possibilita a

manutenção do mesmo objetivo do legislador civil, qual seja: o incentivo à criação das

normas protetivas do sócio desligante.

Por quais motivos estaria vedada cláusula compromissória que fixasse a data

inicial em que os haveres do sócio seriam apurados quando verificada a dissolução parcial

societária e, assim, se protegesse o retirante da adoção de um outro momento - a ser fixado até

mesmo por uma sentença judicial - que lhe seja prejudicial?

A arbitragem é instituto plenamente cabível no mundo globalizado em que se vive

nos dias atuais. Já não se permitem mais discussões judiciais que podem ser facilmente

solucionadas pelas próprias partes, reduzindo os custos estatais e o elevado número de feitos

judiciais em trâmite.

Buscam-se soluções rápidas, técnicas, sigilosas, informais, menos onerosas,

especializadas tecnicamente, o que o procedimento arbitral pode facilmente oferecer. 229 MARTINS, Pedro A. Revista de Direito Mercantil. São Paulo, v.126, p. 64, abr/jun. 1995.

Page 98: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

97

Como já mencionado, as várias decisões proferidas acerca do momento de

apuração dos haveres dificultam ainda mais a fixação de uma época justa, adequada,

reclamando as partes a utilização de um procedimento em que ambos, não só um dos

interessados, se vejam satisfeitos com a decisão proferida.

Não é o que ocorre na grande maioria das vezes nos conflitos judiciais societários.

Longe de se abordarem as opiniões desfavoráveis acerca do procedimento arbitral

nas hipóteses dissolutórias, a claúsula compromissória ou o futuro compromisso arbitral,

acaso interessados os sócios, se prestariam somente para fixar o momento em que apuráveis

os haveres do sócio em caso de futura dissolução.

Não irá se adentrar nas discussões que poderiam levantar polêmicas, como as

causas que impliquem o rompimento do elo subjetivo dos sócios, mas, sim, quando os seus

valores serão apurados, hipótese bem menos tormentosa de se solucionar.

Nada, absolutamente nada estaria a prejudicar qualquer um dos sócios ao se

estabelecer o procedimento arbitral nesse caso.

Ao contrário, ponderar-se-iam dois valores em confronto: a defesa dos interesses

do sócio retirante e, de outro lado, a manutenção da sociedade como produtora de riqueza,

compatibilizando-os.

Bastaria que se perseguissem os interesses dos pactuantes e os requisitos formais

que validam a arbitragem, entre eles a indicação do momento em que apuráveis os haveres em

caso de dissolução parcial, a boa-fé de todos, o árbitro a julgar o feito, entre outros.

A fixação do marco inicial da apuração dos haveres, como qualquer outro negócio

jurídico, baseia-se em um acordo de vontades decorrente do princípio de contratar e da livre

iniciativa da atividade econômica, ambos consagrados na Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988230.

Os únicos limites aplicados ao instituto arbitral seriam a ofensa à ordem pública e

aos bons costumes, devendo se curvar a esfera empresarial à legislação societária em vigor.

Por sua vez, o juízo arbitral não exclui os meios, processos ou ações conferidos

aos sócios, muito menos prejudica a busca do Poder Judiciário para verificação das decisões

lá proferidas.

Não há, portanto, como afastar o instituto da esfera societária.

230 BRASIL, op cit, 1988.

Page 99: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

98

A resistência à utilização do procedimento arbitral no Brasil, atualmente, ainda se

faz bastante presente quando se comparam com países como os Estados Unidos da América,

em que, em 1920, já havia sido superada231.

Tal fato poderia ser compreendido diante da cultura conflitante já enraizada no

brasileiro.

Porém, permitir que o Poder Judiciário se mantenha assoberbado de processos

judiciais envolvendo as mais variadas discussões, entre elas a apuração de haveres e o

momento em que são levantados, quando há, em pleno vigor, um procedimento legalmente

admitido que poderia contribuir para a celeridade dos feitos, é fato, no mínimo,

incompreensível.

3.8 Apontamento do critério mais adequado para se definir a época em que apuráveis os

haveres

Longe de se pretender afirmar qual seria o único critério aplicável quando se

define a data em que apuráveis os haveres do sócio desligante, mesmo porque a jurisprudência

demonstrou não haver nenhuma uniformidade, o que se ousará enfatizar neste tópico é a

eleição do momento mais adequado para que os valores em questão sejam levantados.

Para tanto, levar-se-ão em conta tanto os interesses do sócio retirante como os da

sociedade, de acordo com cada causa dissolutória que dera origem à saída, dividindo-se a

análise em momento anterior e posterior ao ajuizamento da ação de dissolução parcial.

3.8.1 “Antes” de ajuizada ação dissolutória

Se anterior ao processo judicial, a ciência da intenção de ruptura do vínculo

associativo pela notificação - seja por iniciativa do sócio em se retirar, seja por iniciativa da

sociedade em excluí-lo - é a que mais vem sendo adotada na prática, dando-se a ela plena

validade o ordenamento jurídico, até mesmo quando é utilizada já estando em curso ação

dissolutória.

231 MARTINS, Pedro, op cit, 1995, p.74.

Page 100: MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA

99

O mesmo procedimento notificatório se aplica para excluir sócio declarado falido

ou com suas quotas liquidadas, por se tratar de espécies de exclusão extrajudicial.

A notificação tem a nítida finalidade de prevenir responsabilidade, prover

conservação de direitos e, ainda, manifestar a intenção de um ato de modo absolutamente

formal, ato este que culmina no abandono da vida societária.

Ela é o modo pelo qual alguém vem a cientificar outrem de um fato que a este

segundo venha a interessar. É a provocação para que faça ou deixe de fazer alguma coisa.

Portanto, uma vez recebida, produz efeitos imediatos

Muito embora os Cartórios de Títulos e Documentos disponibilizem serviço de

notificação, não se afigurará ilícita a notificação enviada via correspondência, telegrama ou

por outro meio hodiernamente utilizado, desde que comprovado o recebimento do

destinatário.

Porém, em um único caso a notificação perde espaço. Seria a hipótese em que,

mesmo cientificado o sócio ou a sociedade, há posterior deliberação assemblear para firmar o

afastamento do sócio.

Como se vê, o ato de afastamento não ocorreria quando da notificação, mas, sim,

da data da reunião realizada. As vantagens da adoção do procedimento assemblear são

significativas.

É que, convocadas as partes, podem elas livremente pactuar a saída do retirante,

alterando o contrato social a esse respeito e encaminhando-o a registro no órgão competente.

Em um único ato, várias decisões são tomadas: primeiramente, o afastamento

físico do sócio, seja por exclusão, seja pelo exercício do direito de retirada; secundariamente,

a imediata fixação do momento em que seus haveres serão levantados.

As vantagens desse procedimento são ainda mais nítidas quando contribui para o

afunilamento das possibilidades concretas de manobras dos sócios remanescentes,

tendenciosas ao esvaziamento patrimonial da sociedade.

É que, pela deliberação assemblear, já se permite deixar registrada pelo sócio

desligante a real, atual e verdadeira situação patrimonial da pessoa jurídica, a partir da análise

dos seus livros e registros contábeis, os quais ainda se encontram à sua disposição.

O que ocorre na maioria das vezes é que, após externada a intenção de se desligar,

passa a ser vedado o ingresso do sócio nas dependências físicas da sociedade, não diferente

dos documentos contábeis, que exprimem a sua situação patrimonial.

Logo, deliberando a saída em assembléia especial designada, tolhe-se a intenção

inescrupulosa dos sócios que remanescem no ente societário - por sinal, fato comumente

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verificado na prática - de prejudicar o valor a ser reembolsado ao sócio desligante por meio da

ocultação da situação patrimonial da sociedade.

Tal fato poderia ocorrer se fosse enviada notificação comunicando o desligamento,

o que justificaria a atitude dos sócios remanescentes de vedar, a partir de então, o acesso do

retirante aos dados e documentos que lhe permitam apurar o justo valor do seu reembolso.

De outro norte, a designação de assembléia seria uma ótima oportunidade para que

a sociedade, que continuará atuando, possa se ver beneficiada ao obter agradável fixação do

dia inicial para levantamento dos haveres, condizente com sua situação financeira, em nome

do princípio da sua preservação. Se em crise, pode-se desde já entabular uma data mais

próxima dos seus interesses, se concordes as partes.

Os interessados fixariam, assim, a época que atendesse às necessidades de ambos.

O modo, forma de pagamento, seria outra alternativa viável de ser concretizada na deliberação

designada.

Prestaria também para regulamentar o dispositivo legal do artigo 1.085 do diploma

civil, o qual exige convocação de assembléia e ciência do acusado em tempo hábil para que

exerça o direito de defesa em todas aquelas hipóteses em que seja deliberado pela sociedade

excluir o sócio em virtude de atos que estão pondo em risco a continuidade da sociedade.

Logo, como se vê, somente após o fim da reunião convocada é que se poderá

considerar o sócio excluído e, portanto, proceder-se à alteração contratual e registrá-la.

O encaminhamento posterior ao registro faz operar efeitos perante terceiros e,

então, perda pelo sócio desligante, em definitivo, da condição de integrante do quadro

associativo.

A alternativa de deliberação assemblear, assim, seria a melhor e mais justa

alternativa que se ajustaria às hipóteses de dissolução parcial ocorrida em virtude do exercício

do direito de retirada, exclusão, dissolução de pleno direito, todas elas na modalidade

extrajudicial.

Deveriam as sociedades adotar referida prática. Se adotada, deve prevalecer como

a data inicial para fins de apuração de haveres sobre qualquer outro momento, inclusive a

notificação.

Já quanto ao evento morte, muito embora a regra geral elegendo a data do óbito

venha sendo acolhida, é perfeitamente admissível que o contrato social possa se sobrepor a

ela, desde que nele seja pactuada a eleição de uma data não muito distante do dia do

falecimento.

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Como exposto, quanto mais tempo se passar, mais oportunidade tem o sócio, e por

que não, a própria sociedade, de se enriquecer ilicitamente. Aquele, por meio dos benefícios

de lucros inesperados surgidos para o ente societário nesse interregno; esta, pela possibilidade

que terá de esvaziar o patrimônio da sociedade para evitar pagamento de haveres aos

herdeiros.

O mesmo fato ocorreria se eleita a data da recusa dos sócios em ingressar na

sociedade, ou seja, dissenso.

É mesmo do óbito que, fisicamente, houve o afastamento do sócio.

3.8.2 “Após” ajuizada ação dissolutória

Em se tratando de dissolução parcial em que ocorre o afastamento do sócio em

virtude de ação judicial, a situação é diferente.

No curso do presente estudo já se pincelou a respeito do tema, deixando-se antever

em algumas oportunidades a eleição do critério mais adequado para a justa preservação dos

direitos do sócio e da sociedade.

A citação foi eleita naqueles casos em que há o exercício do direito de retirada

como o meio processual técnico mais correto e que deve, então, prevalecer sobre a data do

ajuizamento da ação.

Evitando redundâncias, aqui se reporta a todo o exposto quando se analisou o

momento dos haveres ao ter o direito de retirada sido exercido por propositura de ação

dissolutória.

Quanto ao pedido de exclusão oferecido pelo ente societário, elegeu-se o trânsito

em julgado como o mais adequado momento para se levantarem haveres nos casos em que o

sócio indesejado ainda exerça suas funções na sociedade.

Somente no caso em que de fato houve o abandono dos atos de gestão pelo sócio

indesejado é que o trânsito em julgado seria descartado. Aí, o marco inicial seria mesmo a

data do abandono.

Logo, poderia ser alegada a ocorrência de contradição na abordagem do tema, já

que o critério do trânsito em julgado fora, em um momento - exercício do direito de retirada -

abandonado. Em outro - na exclusão de sócio que não abandonou suas funções - eleito.

Mas, contradição não há, e sim visão sob um ângulo diverso.

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É que, na retirada de sócio e no seu exercício por intermédio de uma ação judicial,

não há pedido efetuado pela sociedade em seu desfavor no sentido de se firmar o momento

inicial do seu afastamento da vida social.

O que há é o interesse do sócio de se desvincular do ente societário, interesse este

que pode ser exercido por simples notificação, ou seja, mera ciência do fato.

Se não efetuado dessa forma, ao ser ajuizada a ação dissolutória a citação marcará

o ato de comunicação da sociedade de seu interesse de desvencilhar-se, sem se discutir se tal

ato deve ou não ocorrer, já que se trata de faculdade do retirante.

Tanto é que a sentença possui efeitos meramente declaratórios. Ela não atua como

solucionadora da lide. Só declara fato já ocorrido. Por isso retroage até a citação justamente

porque não constitui nova relação jurídica, ao contrário da exclusão judicial.

Nesses casos, não há como acolher o trânsito em julgado como momento para

apuração de haveres, já que entendimentos e doutrina prevalecentes adotam o afastamento de

fato do sócio como o marco inaugural. E o afastamento ocorreu antes do trânsito. Deu-se

quando da citação.

Já no pedido de exclusão, o que fazem as partes é discutir a ocorrência de falta

grave no cumprimento das obrigações e, em conjunto, mesmo que com animosidade,

exercerem as atividades societárias.

Como dito, o sócio indesejado não abandonou suas funções, aliás, é isso o que

pretende a sociedade ao fundamentar o pedido dissolutório com base no cometimento de atos

graves.

Assim, há contenda, litígio. Então, exige-se toda uma instrução processual para se

certificar de que, de fato, é justa e necessária a exclusão.

A sentença atua solucionado o caso que lhe é trazido, com efeitos constitutivos.

Não há verificação de momento anterior em que ocorre o afastamento do sócio,

como há na retirada.

Somente o trânsito em julgado é que conferirá caráter de imutabilidade aos

fundamentos definidos no provimento jurisdicional e marcará, de vez, o início do afastamento

de fato do sócio indesejado, criando nova relação jurídica.

Naquela - retirada - a sentença só declara válido o exercício de um direito já

efetivado, qual seja: a citação. Nessa - exclusão - segrega-se o quadro associativo ao se

confirmar que o sócio indesejado deve mesmo ser excluído por ter incorrido em algumas das

condutas vedadas pelo direito societário.

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Tais fatos justificam a adoção do trânsito em julgado como o melhor critério para

se utilizar na exclusão operada judicialmente. Não no exercício do direito de retirada judicial.

Para este, a citação é o momento mais correto para se apurarem haveres.

A liquidação da sentença nem de longe poderia ser eleita, motivo pelo qual é

absolutamente dispensada como critério para se estipular o momento de apuração de haveres.

Ela se trata apenas de uma simples fase intermediária entre o processo de

conhecimento e o de execução, na qual torna líquido o valor devido ao sócio que se

desvincula da sociedade. Não se presta a determinar o afastamento do sócio. Isso se deu muito

antes.

Além do mais, a liquidação posterga ainda mais o reembolso do retirante e

aumenta as chances de dilapidação do seu montante pelos demais sócios.

Se há critério mais benéfico antes que se liquide o julgado, o que é o caso do

trânsito, não há por que ser desprezado.

Quanto às hipóteses de exclusão de pleno direito, não obstante se encontre o

procedimento extrajudicial à disposição da sociedade, acaso ajuizada ação dissolutória, a

citação voltará a ser o mais técnico critério, como já exposto para os casos de retirada

exercida judicialmente.

Por fim, quanto ao evento morte, somente se descarta a data do óbito como o

marco inicial de apuração dos haveres quando os herdeiros ingressam na condição de sócio e,

diante da quebra da affectio societatis, postulam em juízo para dissolver-se a sociedade

parcialmente.

Então, a citação voltará a atuar novamente como o mais correto critério.

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4 CONCLUSÃO

A escassez de opiniões doutrinárias sobre o tema, aliada aos vários entendimentos

envolvendo o momento em que se pode considerar como marco inicial para que os haveres do

sócio que se desliga da sociedade sejam apurados, servem de impulso à apresentação do tema

proposto para estudo.

Conforme alhures exposto, em sua grande maioria a doutrina tem considerado o

seu momento aquele em que efetivamente o sócio se afasta da sociedade.

Em contrapartida, não estabelece as hipóteses em que pode ocorrer o afastamento,

deixando a cabo da jurisprudência a árdua tarefa de analisar o caso concreto e criar, para o

litígio que lhe foi trazido à análise, o mais adequado momento em que se fixam os haveres do

sócio que da sociedade se afasta.

Apresenta várias decisões interpretando a expressão “afastamento do sócio”,

considerando-o, como visto, ora o trânsito em julgado, o momento de afastamento dos atos de

gestão, ora a época em que ajuizada a ação ou, ainda, em que citado o réu na ação

dissolutória.

Fez-se necessário, portanto, estabelecer, em cada causa dissolutória, entre os

vários critérios sugeridos pela jurisprudência, aquele que melhor condiz com a justeza do

pagamento devido ao sócio desligante e o menor comprometimento dos recursos sociais da

pessoa jurídica que continuará atuando, num âmbito ponderador.

Essa, inquestionavelmente, foi a mais perseguida intenção do presente trabalho.

Para tanto, não se objetivou somente trazer os entendimentos acerca do estudo,

mas, sim e, principalmente, justificá-los e situá-los diante do cenário empresarial, amoldando-

se também a princípios e valores normativos.

A importância do tema se apresenta como estudo dirigido a um assunto que, além

de pouco abordado pelos operadores jurídicos, se destaca contraditório por conseqüência da

boa dose de decisões distintas proferidas pelos Tribunais brasileiros.

A falta de uma legislação pormenorizada acerca da apuração dos haveres contribui

ainda mais para as divergências a respeito.

Nem por isso se impede que seja analisado para fins conclusivos.

O que se pode concluir, após análise de cada um dos critérios apresentados pelos

Tribunais Brasileiros, incluindo-se as Cortes Superiores, é que nas hipóteses de dissoluções

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parciais extrajudiciais se afigura mais correto e justo firmar o momento de apuração dos

haveres quando da ciência encaminhada ao sócio - acaso seja procedimento excludente - ou à

sociedade - se no exercício do direito de retirada do sócio.

No procedimento extrajudicial se incluem as exclusões provocadas por sócio

declaradamente falido ou que teve suas quotas liquidadas. Ainda aqui, por se tratar de

exclusões operadas de pleno direito, a simples ciência ao sócio já basta para fixar a época de

levantamento de haveres.

Se adotado o procedimento judicial ao se exercer o direito de retirada, o efetivo

recebimento do ato citatório é o que se apresenta mais técnico e encontra, nos Tribunais

Brasileiros, bastante aceitação.

Se postulada em juízo a exclusão de sócio tido pela sociedade como indesejado, o

trânsito em julgado marcará o dia da apuração de haveres, como visto, diante da boa dose

constitutiva do provimento jurisdicional.

Por fim, em caso de óbito, não há como se afastar a data do falecimento como

aquela em que se revelará a mais adequada para apuração de valores devidos aos herdeiros.

Por certo, pode-se afirmar que os Tribunais buscam compatibilizar suas decisões

com a ampla aceitação doutrinária de se considerar a época da apuração dos haveres quando

ocorrido o afastamento do sócio da sociedade.

Mesmo que o apontando como o correto, ao se fixar a época em que os haveres

devem ser apurados, a jurisprudência encontra dificuldades diante da amplitude do critério

doutrinário eleito, bem como pela ausência de regramento legal sobre o tema.

Faltando norma legal direcionadora, não poderia mesmo atuar uniformemente, o

que justifica a variedade das decisões proferidas.

Melhor seria se o instituto fosse devidamente normatizado, mesmo que com

normas gerais relacionadas à apuração de haveres, mas que o fosse.

Facilitaria, sobremaneira, os trabalhos judiciais.

Assim, longe de pretender assumir o papel que incumbiria à lei, o presente estudo

buscou contribuir para uma melhor visão do momento contábil em que se apurarão os haveres

quando se depara com a dissolução parcial na sociedade limitada.

Não se pretendeu afirmar, uniformemente, qual será o critério mais justo a ser

aplicado, eis que as várias causas dissolutórias não permitem fazê-lo. O caso concreto, por

outro lado, poderá ser decisivo na eleição do critério mais correto para se estabelecer a data de

apuração dos haveres.

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Objetivou-se, sim, sistematizar a jurisprudência e doutrina acerca da época em que

apuráveis os haveres do sócio em um único estudo, que se prestará como fonte de consulta na

seara empresarial.

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APÊNDICE A: QUADRO SINÓPTICO

MODALIDADE DE

DISSOLUÇÃO PARCIAL

MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES SEGUNDO A JURISPRUDÊNCIA **Regra geral, de acordo com a doutrina, será o momento do “afastamento do sócio da sociedade”

CRITÉRIO MAIS

ADEQUADO A SER ADOTADO

NATUREZA JURÍDICA DA SENTENÇA DE ACORDO

COM O CRITÉRIO ESCOLHIDO

Direito de Retirada

- Extrajudicial : notificação enviada à sociedade; registro da alteração contratual no órgão competente

- Judicial: ajuizamento da ação dissolutória (STJ); citação; trânsito em julgado; notiificação: se encaminhada quando em curso a ação dissolutória.

- Extrajudicial: notificação - Judicial: citação

- Declaratória com efeitos ex tunc retroagindo à época da notificação – até mesmo nos casos em que há envio de notificação quando em curso ação dissolutória (para ambos os casos de retirada, seja judicial, seja extrajudicial).

Morte

- Data do óbito; - no momento em que ocorrida a citação da sociedade na ação de dissolução parcial proposta pelos herdeiros alegando quebra da affectio societatis após ingresso destes na sociedade; - dissenso (recusa de ingresso na sociedade pelos herdeiros ou negativa da condição de sócio); - aquele determinado no contrato social, em geral 30 dias após o óbito.

- Data do óbito, salvo opção de eleição da data em contrato social, desde que não distante da época do falecimento (justamente para se evitar o esvaziamento patrimonial).

- Declaratória com efeitos ex tunc, retroagindo à data do óbito. Se há ingresso dos herdeiros no quadro associativo, será também declaratória, mas retroativa à data da citação na ação dissolutória proposta.

Exclusão

- Extrajudicial: será a notificação enviada ao sócio que está sendo excluído. No caso da sociedade não providenciar a comunicação, somente a partir de quando efetuado o respectivo registro da alteração contratual junto ao órgão competente, salvo o caso do artigo 1.085 do Código Civil, em que o momento será o da deliberação excluidora do sócio. - Judicial: não havendo o abandono da sociedade pelo excluído, será o trânsito em julgado. Já no caso de haver o abandono fático do sócio do quadro associativo, será quando perpetrado o abandono dos atos de gestão. Um outro entendimento é o que diz ser a liquidação da sentença. *Acaso a decisão judicial venha a somente referendar uma exclusão anteriormente deliberada pelos demais sócios, o termo inicial de apuração de haveres será o da ciência da alteração contratual encaminhada ao sócio excluído.

- Extrajudicial: notificação - Judicial: trânsito em julgado se não houve o abandono do sócio. Se ocorrente, será o momento fático do abandono dos atos de gestão.

- Constitutivo-condenatória com efeitos ex nunc: nos casos de exclusão judicial (na qual não há o abandono do sócio das atividades sociais). -Constitutivo-condenatória com efeitos ex tunc: se proposta ação visando à anulação da deliberação social que excluiu o sócio indesejado. -Declaratória: se houver abandono do sócio das atividades sociais antes de proferida a sentença, serão retroativos os efeitos à data em que ciente o excluído da deliberação da sociedade, por notificação, referendo da deliberação em reunião ou registro da alteração do contrato social no órgão respectivo.

Pleno direito

- Notificação enviada ao sócio declarado falido ou que teve suas quotas liquidadas por credor.

- Notificação enviada ao sócio declarado falido ou que teve suas quotas liquidadas por credor.

- Declaratória: se discutida judicialmente, será declaratória com efeitos retroativos à ciência ao sócio falido ou que teve quotas liquidadas.

Previsão Contratual

Aquele previsto em cláusula contratual. O Superior Tribunal de Justiça dá plena validade à criação de normas relacionadas à apuração de haveres, da mesma forma que os demais Tribunais Estaduais.

Aquele previsto em cláusula contratual, desde que não haja violação da lei ou ordem pública.

- Declaratória: retroagindo à data firmada no contrato.