Monog Criminologia - Isabel

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ISABEL CASTELAR BRITTO ELIAS

AS PRINCIPAIS TENDNCIAS DA POLTICA CRIMINAL MODERNA E SEUS REFLEXOS NO ORDENAMENTO JURDICO BRASILEIRO

CAMPO BELO MG

2000

ISABEL CASTELAR BRITTO ELIAS

AS PRINCIPAIS TENDNCIAS DA POLTICA CRIMINAL MODERNA E SEUS REFLEXOS NO ORDENAMENTO JURDICO BRASILEIRO

Dissertao apresentada Universidade de Alfenas - Faculdade de Direito Campus Campo Belo como parte dos requisitos para obteno do ttulo de Bacharel em Direito, na forma dos art. 14 e 18 da Resoluo 01/98, desta instituio, sob orientao do Prof. Adelardo Franco de Carvalho Jnior.

CAMPO BELO MG 2000

BANCA EXAMINADORA ____________________________Dr. Adelardo Franco de Carvalho Jnior

________________________________________

Dra. Vera Vasconcelos Barbosa

Dedico este trabalho ao meu filho Joo Vitor Britto Elias.

AGRADECIMENTOS

Tinha razo o poeta quando afirmava que o benefcio a vspera da ingratido, porque tantas so as pessoas que, direta ou indiretamente, de uma forma ou de outra, por esta ou aquela razo, merecem ser citadas nestes agradecimentos que por certo acabaremos por confirmar as sbias palavras do literato. Antecipando as escusas para aqueles que eventualmente possam estar apenas neste momento sendo esquecidos, dentre as pessoas que agora nos ocorre de render homenagens, em primeiro lugar, vem lembrana o Professor Adelardo Franco de Carvalho Jnior, pela orientao prestada na consecuo deste trabalho, sem o qual os objetivos que almejamos jamais seriam passveis de ser atingidos.

Dra. Vera Vasconcelos Barbosa, juza da 2 Vara da Comarca de Campo Belo, por ter me honrado com sua ilustre e culta presena na Banca Examinadora.

Agradecimentos tambm so devidos a Professora e amiga Dra. Danielle Bastos Corra Belchior pela oportunidade estagiar em seu escritrio e por ter sempre colocado disposio, de forma solcita, a fabulosa biblioteca que dispe, cujas as obras clssicas foram imprescindveis para a realizao deste modesto trabalho.

Ao meu pai que, desde a infncia, sempre incentivou a busca pelo conhecimento. Obrigada pai pelas vezes, que apesar de cansado do trabalho, voc sempre com entusiasmo sentava na mesa da sala para estudar conosco, com muita pacincia e dedicao. Obrigado ainda, por ter se preocupado em nos ensinar sempre que mais que aprender devamos,

apreender a essncia das coisas e assim tudo tornava-se fcil desde de frmulas complexas de matemtica e at mesmo a memorizao de fatos histricos longnquos.

minha me, peo perdo por s depois de tambm ter sido me, soube compreendla e admir-la da maneira devida. Obrigado me pelo seu amor incondicional.

s minhas queridas irms Ceclia, Alice, Maria Clarrisse, Ester e Ana Elisa pelo apoio que cada uma a sua maneira puderam me dar. Contem sempre comigo!

E ,especialmente, ao meu esposo Joo Marcos pela pacincia e incentivo, e ainda, por ter me proporcionado tamanha tranqilidade no decorrer do curso como na realizao deste trabalho, ao cuidar com tanto amor de nosso filho, nas minhas inmeras ausncias.

RESUMO

O trabalho traz tona a contradio do sistema penal: a pena de priso no serve para atingir os fins a ela inerentes, ao mesmo tempo, o Estado e a sociedade perseveram na poltica de privilegi-la como o principal gravame imposto ao sentenciado. Para superar a oposio, so propostos e desenvolvidos alguns postulados poltico-criminais humansticos, buscando demonstrar que o Direito Penal somente estar legitimado a atuar como a ltima forma de controle social e somente na tutela dos bens jurdicos de extrema relevncia para sociedade.

SUMRIO1 INTRODUO....................................................................................................................3 2 EVOLUO HISTRICA DAS IDIAS PENAIS ...........................................................8 3 AS ESCOLAS PENAIS......................................................................................................21 4 - O DIREITO PENAL NO BRASIL......................................................................................35 5 A FINALIDADE DA PENA .............................................................................................40 6 OS MOVIMENTOS DA POLTICA CRIMINAL MODERNA ......................................47 7 O MODELO POLTICO-CRIMINAL BRASILEIRO.......................................................70 8 CONCLUSO....................................................................................................................77 9 BIBLIOGRAFIA................................................................................................................ 80

1 INTRODUO

A histria do Direito Penal pautada por constantes transformaes, visto que trata-se de ramo do direito que mais sofre influncia da evoluo da humanidade.

Vivenciamos, na atualidade, uma fase humanstica da poltica criminal que teve incio com o iderio liberal do sc. XVIII e a Revoluo Francesa, de que exemplo maior e mais expressivo a figura de Beccaria, que se ops veementemente contra a crueldade das penas do Direito Penal Medieval consistente na utilizao descriteriosa da pena de morte e das penas corporais.

Logo aps o Iluminismo e a Revoluo Francesa h uma significativa substituio das penas corporais pela pena privativa de liberdade, sendo que esta torna-se a base do sistema punitivo estatal.

No incio deste sculo, surgiu o movimento denominado de Defesa Social, que a princpio acreditava que a priso poderia ressocializar o condenado.

No entanto, em aprimoramento a antiga corrente nasce a A Nova Defesa Social que prega a impossibilidade de ressocializao na priso, ao fundamento, entre outros, de que no se prepara a pessoa para a liberdade privando-a da liberdade. Elaboram o chamado

Programa Mnimo, que em sntese preceituava que aos mtodos de proteo social contra os deliqentes deveriam se juntar as medidas de prevenco para que eles no adentrassem na criminalidade.

Com efeito, aos se constatar que a pena privativa de liberdade, ao contrrio de outrora, no ressocializa o preso e bem como o carter humanstico que deve imperar sobre o sistema penal surge, numa linha mais radical a chamada Nova Criminologia ou Poltica Criminal Alternativa.

Esta corrente, de carter extremamente Marxista, v o sistema penal protegendo interesses da classe dominante, ao penalizar, mais gravemente, conduta tpicas de grupos marginalizados. Assim prope, basicamente: a) o desaparecimento da pena de morte ou, pelo menos, sua limitao; b) o deslocamento da pena privativa de liberdade de seu lugar central no sistema punitivo; c) a substituio da pena privativa de liberdade por outras medidas alternativas.

Todavia, restou evidenciado que o sistema punitivo est em crise, em virtude da falncia instrumental das maneiras utilizadas para repreender o crime e para piorar houve um aumento exarcebado da criminalidade que acarretou num clamor geral pelo recrudescimento das sanes.

Assim, paralelamente a corrente humanstica, com base opostas, numa tentativa incua de conter a criminalidade surgiram os movimentos de Lei e Ordem que mediante a dramatizao da violncia, promulgam uma poltica criminal de leis penais mais severas e uma exarcerbao das penas, supresso de direitos e garantias fundamentais.

A pretexto de maior segurana, tal movimento faz surgir o que doutrina penal denominou por Direito Penal do Terror atravs de uma verdadeira onda criminalizadora com a criao de novos tipos penais e, ainda, via a chamadas reformas pontuais, que desequilibram o ordenamento jurdico como um todo violando princpios basilares do Direito Penal.

Assim, o drama atual do Direito Penal , como adverte REALE, conciliar a tutela da segurana social com o respeito da pessoa humana. Ou, na sntese de CONDE (1985): Respeitar os direitos do homem, inclusive do homem delinquente, garantindo, ao mesmo tempo, os direitos de uma sociedade que vive com medo, a vezes, real, as vezes falso, da criminalidade, constitui uma espcie de quadratura do crculo que ningum sabe como resolver. A sociedade tem direito a proteger seus interesses mais importantes, recorrendo a pena se ela necessria; o delinquente tem direito a ser tratado como pessoa

Numa linha moderada, com propostas mais realistas e equilibradas eis que surge a Novssima Defesa Social , tendo como principais postulados: a) uma crescente descriminalizao, o que seus defensores chamam de Direito Penal Mnimo, ou seja a utilizao do direito penal como ultima forma de controle social; b) constante crticas as instituies penais vigentes com intuito de aprimorar e humanizar a atividade punitiva; c) que o Direito Penal no o nico instrumento de combate a criminalidade; d) a vinculao do

Direito Penal a todos os ramos do conhecimento humano capazes de contribuir para uma viso completa do fenmeno criminal.

Com o presente trabalho, buscou-se no mais que levantar e problematizar as seguintes indagaes: a) o aumento da criminalidade seria um problema exclusivo do Direito Penal ou englobaria questes de ordem econmica e social? b) qual eficcia intimidativa lei penal do terror expressada em penas elevadas e recrudescimento na execuo penal? c) dentre as polticas criminais da atualidade, qual seria mais eficiente a conteno da criminalidade? d) teriam as normas penais alguma eficcia intimidativa e motivadora dentro de uma sociedade marcada pelas desigualdades sociais, altamente marginalizadoras?

Afora o mais, o trabalho aponta novas tendncias da poltica criminal e seus reflexos no ordenamento jurdico brasileiro buscando reafirmar a importncia de um Direito Penal garantidor que limite o poder punitivo do Estado, ou seja, que tenta equacionar a liberdade individual com a interveno da autoridade estatal, conscientizando militantes do direito sobre a necessidade/dever de melhorar e humanizar a atividade punitiva, dentro de prisma democrtico

No que tange a natureza hbrida do trabalho que tece comentrios sobre Criminologia, Direito Penal e Poltica Criminal necessrio primeiramente fazer a seguintes consideraes.

At finais do sculo passado, defendia-se que a hoje chamada dogmtica jurdico penal era a nica cincia que servia de aplicao do direito penal e, por conseguinte, a nica que o jurista-penalista podia e devia legitimamente cultivar.

No entanto, posteriormente restou reconhecido que a tarefa social de controle do crime no se podia bastar com uma cincia puramente jurdica, normativa e dogmtica. A consecuo daquela tarefa com esperana mnima de xito dependia antes tambm, em alto grau, de uma definio de estratgias de controle social do fenmeno da criminalidade, cujas as quotas aumentavam por todo lado: era o domnio por excelncia da poltica criminal. Esta por sua vez dependia do conhecimento emprico da criminalidade, dos seus nveis e suas causas, que precisamente uma nova cincia veio abarcar e desenvolver: a criminologia.

Constitui mrito de Franz Von Liszt ter criado o modelo tripartido em que chamou a cincia conjunta do direito penal. Uma cincia conjunta, esta, que compreenderia como cincias autnomas: a cincia estrita do direito penal, ou dogmtica jurdico-penal, como o conjunto de princpios que subjazem ao ordenamento jurdico-penal e devem ser explicitados dogmtica e sistematicamente; a criminologia, como cincia das causas do crime e da criminalidade; a poltica criminal, como o conjunto sistemtico dos princpios fundados na investigao cientfica das causas do crime e dos efeitos da pena, segundo os quais o Estado deve levar a cabo a luta contra o crime por meio da pena e das instituies com esta relacionadas. Ressalta-se que o modelo da cincia conjunta tinha como ponto essencial possibilitar compreender que qualquer uma das suas trs vertentes seria em ltimo termo relevante para a tarefa da aplicao do direito penal e, por a, para a tarefa scio-poltica de controle do fenmeno do crime. (VON LISTZ - 1899)

Inobstante as severas crticas, a idia de v. Listz da cincia conjunta do direito penal no se perdeu mais e constituiu ao longo de todo o nosso sculo at os dias atuais, referencial obrigatrio de uma compreenso exata e global do fenmeno criminal, face ao mtuo relacionamento da dogmtica jurdico penal, da poltica criminal e da criminologia.

Desta forma, malgrado o ttulo da dissertao sugira um trabalho de Poltica Criminal, entendemos que ao estudioso do Direito Penal no pode se ater ao mtodo sistemtico, tcnico jurdico, pois a dogmtica criminal no reduz a isso, mas sim permeada de aspectos valorativos e criminolgicos.

Neste prisma restou extremamente relevante para a compreenso dos movimentos de polticas criminais contemporneo a histria do desenvolvimento da pena que entre os povos os mais diversos apresenta traos comuns. Alm disto como mostra-nos o caminho que em toda parte e em todos os tempos a pena seguira em sua evoluo, poder indicar-nos tambm a direo em que dado esperar no futuro uma reforma eficaz da legislao penal, e destarte ser o guia e o conselheiro de uma poltica criminal, que tenha conscincia do seu fim e saiba ao mesmo tempo prender-se prudente e avisadamente ao passado (VON LITZ - 1899).

Importante tambm verificar o estgio atual em que se encontra a moderna criminologia, cincia esta

A razo de ser do presente trabalho torna-se relevante face ao aumento significativo da criminalidade e no justo anseio da sociedade espera de que juristas, socilogos e autoridades pblicas sejam capazes de estabelecer uma Poltica Criminal eficiente.(REDAO RUIM)

O trabalho proposto apenas sugere o tema para reflexo, sem pretender, e todo modo no conseguiria resolver as perplexidades que emergem da problemtica da Poltica Criminal.

A propsito, outra razo justifica a escolha do tema: quanto mais se escrever e dissentir sobre esta Nova Poltica Penal, tanto mais oportunidades haver de surgir conscincias novas na busca de aprimoramento das instituies como garantia de uma sociedade mais fraterna e justa.

2. EVOLUO HISTRIA DA IDIAS PENAIS a Histria tambm um tribunal em que a humanidade julga do mrito e do demrito das aes memorveis Tarcilio As Memrias do memorialista no so as memrias do poeta. Aquele viveu talvez menos, porm fotografou muito mais e nos diverte com a perfeio dos detalhes; este nos entrega uma galeria de fantasmas sacudidos pelo fogo e a sombra de sua poca. Pablo Neruda

O referencial histrico no mbito metodolgico imprescindvel para a melhor compreenso daquele objeto que se pretende conhecer. A histria encarada como o estudo da realidade humana condiciona o modo de existncia de todo objeto de cognitivo, principal porm no exclusivamente nas cincias sociais, na medida em que o sujeito cognoscente o homem e este, tal qual o Rei Midas1, transforma tudo aquilo que toca, nem sempre em ouro, mas certamente o contamina com toda a sua essncia.1

BULFUNCH, Thomas. O Livro de Ouro da Mitologia. Histrias de Deuses e Heris. Traduo de David Jardim Jnior. 8 Edio. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999, p.59.

O Direito Penal tem evoludo junto com a humanidade, saindo dos primrdios at penetrar a sociedade hodierna. Diz-se, inclusive, que afastou" (NORONHA - 1997). Pode-se afirma que a histria do Direito Penal se confunde com a histria da pena. A sua anlise demonstra que evoluo, nesta rea, coincide com as mudanas determinantes no modo de encarar a sua misso de combater a criminalidade. E como afirmou HUDOLF VON IHERING, a histria da pena a histria de sua constante abolio. De fato, medida que o tempo passa, medida em que a sociedade evolui, menos cruis vo se tornando as penas infligidas pela sociedade ao delinqente, e maiores garantias se lhe vo acrescentando. Nada obstante, a pena ainda um mal necessrio, do qual nenhuma sociedade pode prescindir. Adiante, analisaremos sucintamente os principais estgios por que passou a pena nos diversos momentos da civilizao humana que segundo os historiadores seriam a vingana privada, vingana divina e vingana pblica. Necessrio salientar que, conforme pondera o professor Magalhes Noronha esses perodos no se sucedem integralmente. Uma fase convive com a outra por um determinado perodo at que suas idias prevaleam e, assim sucessivamente no se tratando, portanto, de diviso estritamente cronolgica. 2.1. Vingana privada Nos tempos primitivos no se pode admitir a existncia de um sistema orgnico de princpios gerais, j que grupos sociais dessa poca eram envoltos em ambiente mgico e religiosos. Os estudos a respeito dos smbolos e dos mitos corroboram neste sentido. "ele surge com o homem e o acompanha atravs dos tempos, isso porque o crime, qual sombra sinistra, nunca dele se

No compreendendo a verdadeira natureza do fenmenos que o cercavam, o homem primitivo associava os efeitos naturais como a peste, a seca, e erupes vulcnicas a causas misteriosas, sobrenaturais, que, no entanto, poderiam ser controladas mediante a prtica de rituais ou oferecimento de ddivas e sacrifcios. Nesses grupos primitivos os primeiros castigos de que se tem notcia esto vinculados s relaes totmicas ou na desobedincia do tabu. Totem e Tabu so instituies que provam a submisso do homem primitivo a esse domnio da magia, levando-o a buscar o alvio das tenses na favorvel disposio das entidades protetoras, evitando tudo que pudesse direta ou indiretamente ofend-las. A prtica de aes proibidas acarretava a ira dos entes sobrenaturais, capaz de prodigalizar-lhe pesados castigos. A palavra tabu ou tapu, de origem polinsia, no tem traduo literal. Significava, ao mesmo tempo, o sagrado e o proibido. Interessante observar que o mesmo acontece com a palavra latina sacer, que tanto serve para indicar o sagrado, como o abominvel, o maldito, o proibido. O tabu funcionou como uma primitiva norma de comportamento e a sua instituio remonta aos primeiros albores da humanidade. Os primeiros grupos humanos, firmaram regras proibitivas comuns, decorrentes da experincia vital. Tais regras eram sancionadas com pesadas punies ao infrator, culminando, no raro, com a morte. O homem primitivo tambm adorava e cultuava objetos, que eram chamados Totens. O Totem era uma entidade benfica, protetora de um indivduo, de um grupo ou de toda uma coletividade. Era cultuado com sacrifcios e ddivas propiciatrias, mediante ritual prprio, e acontecia de se manifestar atravs dos encarregados do culto ou de orculos. Na base de tudo estava o temor do castigo sobrenatural, decorrente da ofensa ao totem ou da desobedincia do tabu. Os infratores eram punidos severamente, com castigos ditados pelos encarregados do culto. O chefe religioso era, tambm, o chefe do grupo e em suas mos se concentrava grande soma de poderes. A execuo do castigo tinha quase sempre um carter coletivo.

Vislumbra-se assim, que nesses grupos primitivos a pena tinha uma funo reparatria, dado ao carter religioso da ofensa, e se destinava a aplacar, com o castigo do culpado, a ira da entidade ofendida, ou recompor o equilbrio rompido com a transgresso do tabu. A razo da execuo ser coletiva, explica-se na circunstncia de que a coletividade procurava reconciliar-se com o ente ofendido, ou cumprir uma obrigao capaz de devolver a tranqilidade ao grupo. A convivncia de tribos regidas por totens diversos deu origem a duas espcies de penas, de certa maneira descoladas do carter sacral: a perda da paz e a vingana do sangue. A primeira, empregada contra membro da prpria tribo, enquanto que a segunda se destinava ao estrangeiro. A perda da paz importava na excluso da proteo totmica, enquanto que a vingana do sangue era forma de reparao tabu. As guerras entre tribos primitivas tiveram como causa, muitas vezes, a vingana de indivduos, alastrada s coletividades do mesmo sangue. E, dado o resqucio sacral, a punio coletiva se estendia, igualmente, a coisas e animais pertencentes s tribos. No obstante, a vingana do sangue no admitida pacificamente como uma pena. Von Liszt pondera: Carece consequentemente de fundamento a opinio muito generalizada, segundo a qual a pena tem sua origem no instituto da conservao individual, que se manifesta como instinto de vingana. A privao da paz social, a vindita, no simples reao do indivduo, mas reao do agregado social como ordem da paz e do direito; e as aes, contra as quais a reao se dirige, constituem sempre, direta ou indiretamente, uma ofensa aos interesses comuns do grupo, uma perturbao da paz, uma violao do direito. Mesclando-se, verdade, em um determinado perodo, ao fim do qual a pena seguiu sendo uma reao contra o mal, fundada na necessidade de manuteno da ordem e da paz na comunidade, enquanto que a vingana permaneceu como uma forma de reao da natureza humana, despertada irracionalmente pelo dano.

Na denominada fase da vingana privada, cometido um crime, ocorria a reao da vtima, dos parentes e at do grupo social (tribo), que agiam sem proporo a ofensa, atingindo no s o ofensor, como todo o seu grupo. A inexistncia de um limite (falta de proporcionalidade) no revide agresso, bem pelos povos primitivos. Na realidade, a vingana privada constitua uma reao natural e instintiva, por isso, foi apenas uma realidade sociolgica, no uma instituio jurdica. Com efeito, duas grandes regulamentaes, com o desenvolver dos tempos, encontrou a vingana privada: o talio e a composio. Em Roma, talis significava tal, isto , a reao contra o dano deveria ser tal a este, ou seja, igual. A lei mosaica inscrevia o mesmo princpio: olho por olho, dente por dente. Apesar de se dizer comumente pena de talio, no se tratava propriamente de uma pena, mas de um instrumento moderador da pena. Foi adotado no Cdigo de Hamurabi um dos mais antigo monumento da legislao criminal: "Art. 209 Se algum bate numa mulher livre e a faz abortar, dever pagar dez siclos pelo feto". "Art. 210 Se essa mulher morre, ento dever matar o filho dele". ...se algum tirar um olho de outro, perder o seu igualmente; se algum quebrar um osso de outro, partir-se-lhe- um tambm; se o mestre de obras no construiu solidamente a casa e esta, caindo, mata o proprietrio, o construtor ser morto e, se for morto o filho do proprietrio, ser morto o filho do construtor. Tambm encontrado na Bblia Sagrada: "Levtico 24, 17 Todo aquele que feri mortalmente um homem ser morto". Assim como na Lei das XII Tbuas. como a vingana de sangue foi um dos perodos em que a vingana privada constituiu-se a mais freqente forma de punio, adotada

"Tbua VII, 11 Se algum fere a outrem, que sofra a pena de Talio, salvo se houver acordo". O Cdigo de Manu, do sculo XI a.C., sob o fundamento de que a pena purificava o infrator, determinava o corte de dedos dos ladres, evoluindo para os ps e mos no caso de reincidncia; o corte da lngua para quem insultasse um homem de bem; a queima do adltero em cama ardente; a entrega da adltera para a cachorrada. "Ut supra", o Talio foi adotado por vrios documentos, revelando-se um grande avano na histria do Direito Penal por limitar a abrangncia da ao punitiva. Entretanto, fcil compreender-se que as sucessivas mortes e mutilaes, decorrentes dessas retaliaes, enfraqueciam as tribos, que se viam privadas de homens vlidos quando atacadas por inimigos externos. Este fator, aliado ao costume que se introduziu de permitir que a pessoa do ofensor fosse substituda, por exemplo por um escravo, para o efeito talional, originou a composio, nova espcie de pena que consistia na obrigao de compensar o dano com uma quantia em dinheiro. Ficava assim retribudo o dano e satisfeita a vingana, forrando-se o agressor e os membros da sua comunidade familiar ou tribal da vindita do ofendido e seus parentes. Esta idia, ademais, j se encontrava tambm na Lei Mosaica: Ser pois que, porquanto pecou e ficou culpado, restituir o roubo que roubou, ou o retido que retm violentamente, ou o depsito que lhe foi dado em guarda, ou o perdido que achou, ou tudo aquilo sobre que jurou falsamente; e o restituir no seu cabedal, e ainda sobre isso acrescentar o quinto; quele de quem o dar no dia de sua expiao. Adotada, tambm, pelo pentateuco (Hebreus) e pelo Cdigo de Manu (ndia), foi largamente aceita pelo Direito Germnico, sendo a origem remota das indenizaes cveis e das multas penais. 2. 2. Vingana Divina

Neste perodo a represso do crime a satisfao dos deuses, ofendida pelo crime, sendo as penas extremamente cruis vez que o castigo deveria ser proporcional a grandeza do deus ofendido. A administrao da sano penal ficava a cargo dos sacerdotes que, como mandatrios dos deuses, encarregavam-se da justia. Constitui o direito penal religioso, teocrtico e sacerdotal. Um dos principais Cdigos o da ndia, de Manu (Mnava, Dharma, Sastra). Buscava-se a purificao da alma do criminoso, mediante o castigo, para alcanar a bem aventurana. No Antigo Oriente, a religio confundia-se com o direito, sendo que princpios religiosos e morais tornavam-se leis. Entre as legislaes tpicas deste perodo alm do Cdigo de Manu, este princpios foram adotados na Babilnia, no Egito (Cinco Livros), na China (Livros das Cinco Penas), na Prsia (Avesta) e pelo povo de Israel. Nesta fase, interessante observar que para os israelitas, Moiss catalogou, logo que seu povo se deslocou do pas de Mesram para o pas de Canaan e se viu precisado de regras de conduta social.(MELLO-1961) Apenas Dez Crimes, nos chamados Dez Mandamentos do xodo, a primeira lei do hebreus, a qual foi, visivelmente, uma lei criminal. Sendo eles: o politesmo (a adorao de outros deuses alm de Jeov) a idolatria (adorao a criaturas) o perjrio o trabalho em dia de Sbado o homicdio o adultrio o furto a calnia a cobia das coisa alheias

A este crimes capitais Moiss a acrescentou, com o tempo, delitos menos graves, tais como o de leso corporais, a falta de cautela na guarda de gado bravio, o dano, etc.

Necessrio esclarecer que naquele tempo Israel no tinha governo, s tinha leis e juizes, escolhidos entre o povo, para aplic-la, cabendo ao prprio povo executar as sentenas proferidas. O chefe de Estado era Jeov em pessoa, o qual, no obstante invisvel, teria ditado leis a Moiss e parecia manifestar sua vontade atravs dos profetas, mediante vises, sonhos e inspiraes; as leis escritas e irreformveis eram transmitidas, de gerao a gerao, pelos sacerdotes; e o povo obedecia a leis e no a homens. (MELLO- 1961) 2.3. Vingana Pblica Com uma maior organizao social, especialmente com o desenvolvimento do poder poltico, surge, no seio das comunidades, a figura do chefe ou da assemblia. A pena, portanto, perde sua ndole sacra para transformar-se em um sano imposta em nome de uma autoridade pblica, representativa dos interesses da comunidade. No era mais o ofendido ou mesmo os sacerdotes os agentes responsveis pela punio, mas o soberano (rei, prncipe, regente). Este exercia sua autoridade em nome de Deus e cometia inmeras arbitrariedades. Embora a criatura humana vivesse aterrorizada nessa poca, devido falta de segurana jurdica, verifica-se avano no fato de a pena no ser mais aplicada por terceiros, e sim pelo Estado. Acompanhando a evoluo da pena nas primeiras civilizaes conhecidas, veremos que a sano criminal mais freqente era a pena de morte.

2.4 Antigo Oriente e Grcia Na China, em poca recuada a dois mil anos da nossa era, autorizava-se o dono da casa a matar o ladro que fosse encontrado em sua casa. A parte oitava do Livro das Leis de

Manu era dedicada especialmente aos crimes e as penas, que variavam desde a multa at a morte. Aos Brmanes, que no podiam sofrer a execuo capital, era reservada uma pena semelhante perda da paz, consistente na expulso da casta. Todas essas penas tinham carter expiatrio, pois os hindus acreditavam que elas expurgavam o mal e conduziam os punidos ao cu (PIMENTEL-1973). A legislao egpcia, conhecida atravs dos escritores gregos e romanos, e de repeties feitas nas glosas medievais, tornou-se mais acessvel aps a decifrao dos hierglifos. Soube-se que a pena teve, desde de tempos remotos, carter pblico e a sua imposio era feita pelos sacerdotes, quando no pelo fara. Muito difundida a pena de morte, demonstrando que nenhuma preocupao havia no sentido de recuperar o infrator. Entre os fencios foi permanente o objetivo de castigar os crimes relacionados com a atividade comercial, por eles intensamente exercida. Comum a pena de morte, emprestandose-lhe um sentido de preveno geral, como alis acontecia tambm entre os egpcios. Assria, Caldia e Babilnia, conforme documenta de modo particular o Cdigo de Hamurabi, datado de aproximadamente 2.250 anos a.c, adotaram a pena de priso por dvidas, com reduo condio de escravo do devedor insolvente. As penas eram sempre impostas pelo Estado e comum era a de morte por imerso e asfixia na gua. O povo hebreu aplicou a pena de morte, especialmente para punir os crimes de idolatria, sendo que a composio e a multa eram reservadas aos crimes conta o patrimnio, enquanto o crime de leses corporais eram sancionadas com a vingana do sangue, nos primeiros tempos e depois, com a composio talional de carter pblico.(PIMENTEL:1973) A Grcia clssica, embora se mostrasse to esclarecida quanto ao tratamento dos problemas do esprito, criando o momento admirvel da sua filosofia e literatura, interpretava o crime e a pena segundo concepes do sistema religioso da sua cultura; sua atuao penal era severa, sobretudo quando se referia a crimes contra a divindade ou os interesses do Estado. Todavia seus filsofos e pensadores haveriam de influir na concepo do crime e da pena. Assim, a responsabilidade de fato dos primeiros tempos, que fazia punveis mesmo

animais e coisas, foi substituda pela responsabilidade moral, com base na culpabilidade e do livre arbtrio, como ensinava Aristteles. Mas a doutrina, com Plato, nas Leis, chegou a admitir a pena emendativa, apoiada na idia da defesa social, pela intimidao, que Sneca transportou para pensamento jurdico-penal de Roma. Nesta fase, j uma diviso entre o pblico e o privado. Inicia-se por esta ocasio um debate filosfico de um dos problemas fundamentais para o pensamento jurdico-penal moderno, o do fundamento e finalidade do direito de punir, donde derivaram as duas correntes que ainda hoje apaixonam os penalistas: a da pena como expiao e retribuio do crime, por imposio de justia, e a da pena como instrumento de defesa social, pela emenda do criminoso. 2.5 O direito romano Roma no fugiu s imposies da vingana, atravs do talio e da composio, adotadas pela Lei das XII Tbuas. Teve tambm carter religioso seu direito penal, no incio, no perodo da realeza. Surge os crimina publica (perduellio, crime contra a segurana da cidade e parricidium, primitivamente a morte do civis sui juris) e os delicta privata. A represso destes era entregue iniciativa do ofendido, cabendo ao Estado a daqueles. Mais tarde surgem os crimina extraordinria, interpondo-se entre aquelas duas categorias e absorvendo diversas espcies ou figuras dos delicta privata. Finalmente, a pena se torna, em regra pblica. (NORONHA) Inobstante, o direito romano imperial, apesar de a concepo do crime e da pena cedo se ter libertado da influncias religiosas, as prticas punitivas no perderam seu antigo rigor, e a pena de morte, o exlio, que equivalia praticamente pena capital, os trabalhos forados nas gals ou nas minas, os castigos corporais formavam o fundo do regime punitivo vigente. Entre as penas de todo esse perodo no figurava a priso. A recluso no crcere faziase para manter seguro o condenado at a execuo da verdadeira pena que lhe tinha sido imposta. Isso se dizia mesmo em textos jurdicos penais romanos, como aquele de Ulpiano, -

carcer ad continendos homines, non ad puniendos haberi debet (o crcere deve ser usado para deter homens em julgamento, no os punidos). Importante lembrar, que naquela poca, regeu tambm a autoridade do pater familias, com a sua funo absoluta de distribuir justia na deciso dos conflitos entre os membros do mesmo grupo familiar. 2.6 Direito Germnico No primitivo direito germnico, a punio do crime se fazia pela perda da paz ou pela vingana privada, indeterminada a princpio, depois disciplinada pelo talio, que j representava uma exigncia de justia, ou pela composio voluntria ou legal. Estabeleciase, desse modo, um pacto de paz entre o grupo ofendido e o grupo vingador e se punha termo ao estado de luta entre os dois grupos, evitando-se as perdas de vidas que ocorriam nas prticas sucessivas das vinganas. Com a monarquia franca, fortaleceu-se a autoridade pblica e deu-se unidade e firmeza ao direito, mas, com a queda da mesma, retornaram os velhos costumes germnicos e o emprego abusivo da vingana de sangue, que foi preciso combater pela instituio de medidas particulares tendentes a reforar a ao do poder estatal. Afinal, com a paz territorial eterna de Worms (1495), a vingana de sangue foi definitivamente abolida. Verifica-se ainda nas leis brbaras o relevo do elemento objetivo do crime em detrimento ao aspecto subjetivo, que era proclamado como mais importante pelo direito romano clssico. No distinguiam a culpa em sentido amplo, nem o elemento subjetivo do delinqente, decidem o dano material causado. (NORONHA :1995) 2.7 Direito cannico O aumento do prestgio da Igreja, do seu poder e domnio, alargou o campo de ao do direito cannico, que apesar dos extremos de crueldade na perseguio de hereges, contribuiu para a represso da vingana privada pela instituio das trguas de Deus e do asilo religioso. Desse modo, procurava fortalecer a autoridade legalmente instituda e reduzir as sanes punitivas pena pblica, ao mesmo tempo que fazia prevalecer o elemento da culpabilidade

sobre o simples juzo do dano, pondo o pensamento da responsabilidade moral acima do da responsabilidade de fato.

Constata-se tambm, que alm do elemento voluntarstico do crime, demonstrou ter a pena carter de regenerao ou emenda do criminoso, pelo arrependimento ou purgao da culpa. A pena privativa de liberdade surgiu, como pena, nesta poca foi introduzida pela Igreja. Esta tinha o hbito de punir seus infiis com a pena de penitncia (da penitenciria e priso celular), realizada nas celas. Em suma, a influncia do Cristianismo na legislao penal foi benfica na medida em que proclamou a igualdade entre os homens, acentuou o aspecto subjetivo do crime, ao contrrio do direito germnico; favoreceu o fortalecimento da justia pblica, opondo-se decisivamente vingana privada, ops-se s ordlias e duelos judicirios; introduziu penas privativas de liberdade, substituindo as patrimoniais; e, por fim, possibilitou o arrependimento e emenda do ru. Todavia, em seu desenvolvimento o Direito Cannico sofreu grave retrocesso, especialmente com a inquisio, que fez largo emprego da tortura e criou o processo inquisitrio, sem necessidade de prvia acusao pblica ou privada. 2.8 Transio Coexistiram, dessa forma, trs sistemas jurdicos diferentes: o direito romano, o mais influente, pelo redobrado prestgio que conquistou por obra dos glosadores (3) , intrpretes dos textos romanos imperiais; o direito germnico, que veio a sofrer sua influncia; o direito cannico, cuja importncia acompanhou o crescimento do prestgio da Igreja. Da orientao do romanistas derivou uma corrente chamada dos prticos ou ps-glosadores (4), que conquistou a maior influncia no perodo de transio do velho para o novo direito, com a fora de lei em muitas vezes se atribuiu s suas mximas e comentrios, que constituram os primeiros delineamentos slidos do direito penal.

.3,4

Desse conjunto iria resultar o chamado direito penal comum, que vigeu em vrios pases da Europa no perodo anterior aos tempos modernos (sc. XVI, XVII, e XVIII). Vigorava um direito punitivo arbitrrio e cruel, com a pena inspirada no sentimento pblico de vingana e na idia da intimidao pelo terror, como meio de afastar do crime os possveis delinqentes. O rigor penal elevou-se a extremos de crueldade, atravs de penas quase sempre corporais e aflitivas, aplicando-se com abundncia a pena de morte, executada pelo emprego da forca, da fogueira, do esquartejamento, do arrastamento, do despedaamento dos membros, do arrancamentos de vsceras, da estrangulao, do afogamento ou dos aoites, ou as medidas infamante, agravadas as penas pelo uso da tortura, em que o esprito dos julgadores e2

executores se engenhava na produo dos mais terrveis suplcios (5), por determinao de leis incertas ou obscuras e, ademais, aplicadas ao arbtrio dos juizes ou do soberano.

3

Escola fundada por Inrcio em Bolonha, no ano de 1088. O nome provinha do mtodo de ensino empregado:

aps a leitura e explicao dos textos, o professor fazia a interpretao atravs de uma frase, a glosa, que os alunos anotavam margem de seus livros, com o nome do mestre a que ela se devia. Comumente, o professor ditava um resumo (Summa) da obra ou ttulo explicado. Expoentes desta escola: Azo e Acrsio.4

Comentaristas que surgiram no perodo de 1250 a 1450, inspirados nos mtodos utilizados pelos glosadores,

mas tendo por objeto de estudo tambm o direito comum, e no apenas o direito romano. Eram chamados de prticos ou praxistas, pois suas obras tinham sentido prtico, comentando o direito comum vigente, sem obedincia a qualquer sistema. Expoentes desta escola: Alberto Gandino, Jacob de Belvisio, Brtolo, Baldo de Ubadis, Bonifcio de Vitalinis, Angelo Aretino e Angustino Bonfranscisco, Jlio Claro de Alexandria, Tibrio Deciano, Anton Mattaheus, Damhoulderius, Benedito Carpzvio.3,42

5

Tem-se um direito gerador de desigualdades, cheio de privilgios, heterogneo,

catico; construdo sobre um conglomerado incontrolvel de ordenaes, leis arcaicas, editos reais e costumes; arbitrrio e excessivamente rigoroso. Enfim, at a Revoluo Francesa o direito repressivo permanece desumano, tendo VOLTAIRE chamado os magistrados de seu tempo de brbaros de toga. Aponta FRAGOSO (1983) que nos tempos da monarquia absoluta era freqente a indeterminao legal das penas, entregues ao merum arbitrium dos juizes. Assim se explicam o constrangimento e a revolta que esse regime punitivo ia despertando na conscincia comum da poca que conduziria a reforma do sistema vigente.

3. AS ESCOLAS PENAIS 3.1. Perodo da Humanizao Um fenmeno de excepcional importncia para o desenvolvimento do direito punitivo e a sua integrao nas normas gerais da cultura foi o surgimento das chamadas escolas penais. Assim se designam corpos de doutrina que se formaram e se foram estruturando, dando ordem e sentido novo a esse ramo do direito. Dominava o cenrio filosfico, ao tempo de seu surgimento, a controvrsia entre o jusnaturalismo, desenvolvido por Grotius, segundo o qual o direito fora criado diretamente por Deus, imutvel e eterno, para governo dos homens, e o contratualismo, de Rousseau, que fazia crer que a ordem jurdica provinha de um contrato, selado entre os homens, pelo qual5

O suplcio uma tcnica e no deve ser equiparado aos extremos de uma raiva sem lei. Uma pena, para ser

suplcio, deve obedecer a trs critrios principais: em primeiro lugar, produzir uma certa quantidade de sofrimento que se possa, se no medir exatamente, ao menos apreciar, comparar e hierarquizar; a morte um suplcio na medida em que ela no simplesmente privao do direito de viver, mas a ocasio e o termo final de uma graduao calculada de sofrimentos: desde a decapitao que reduz todos os sofrimentos a um s gesto e num s instante: o grau zero do suplcio at o esquatejamento que os leva quase ao infinito, atravs enforcamento,d a fogueira, da roda, na qual se agoniza muito tempo; a morte-suplcio a arte de reter a vida no sofrimento, subdividindo-a em mil mortes . (...) a poesia de Dante posta em leis, dizia Rossi; (MICHEL FOCAULT)

cada um cederia um pequena poro da prpria liberdade no interesse da ordem e segurana comuns. Foram essas correntes do pensamento jurdico que conduziram o direito penal sua fase moderna, sem superar as divergncias sobre o fundamento jurdico em que assentava o direito punitivo ou sobre os objetivos que atribuam aos sistema penal. Faziam umas punio uma exigncia de justia, para a necessria expiao do crime, e se classificaram como absolutas ou retribucionistas; outras, que visavam preveno do crime, foram chamadas relativas ou finalistas. Do contraste entre essas duas correntes nasceram as escolas eclticas ou mistas, que juntam ao carter de retribuio da pena uma funo educativa ou de readaptao social do criminoso. Da corrente liberal e igualitria que se manifestou no pensamento jurdico do sc.XIII, a figura que mais fortemente veio influir no terreno-penal, promovendo um movimento de profunda renovao, sobretudo no domnio das medidas punitivas, foi Cesare Beccaria (1738 1794). Beccaria no era propriamente um penalista, mas socilogo e filsofo, interessado nos problemas sociais e humanos e impressionado pela situao de arbitrariedade e crueldade no punir, pela inqua desigualdade, que caracterizava o tratamento penal entre nobres e plebeus. A isso pretendeu contrapor um regime de ordem e segurana, em que a certeza do direito substitusse o arbtrio do julgador; um regime de moderao no castigo, por meio de penas justas e proporcionadas segundo a natureza humana, e que se destinassem no a atormentar um ser sensvel, nem a desfazer um delito j cometido, mas simplesmente a impedir que o prprio ru ou seus semelhantes viessem a incidir em novos crimes. A razo de ser da pena, acrescentava, no a inteno do agente ou a gravidade do seu pecado, mas apenas o dano que do seu crime tenha resultado para a sociedade. Seu fundamento racional seria a idia do contrato social, de Rousseau, aquele espcie de pacto de paz livremente aceito pelos membros do grupo social e que violado pelo transgressor da norma. de BECCARIA a idia de que a pena s justa quando necessria. Dizia ele: Toda pena, que no derive da absoluta necessidade, diz o grande MONTESQUIEU, tirnica,

proposio esta que pode ser assim generalizada: todo ato de autoridade de homem para homem que no derive da absoluta necessidade tirnico. Eis, ento, sobre o que se funda o direito do soberano de punir os delitos: sobre a necessidade de defender o depsito da salvao pblica das usurpaes particulares... ...Por justia entendo o vnculo necessrio para manter unidos os interesses particulares, que, do contrrio, se dissolveriam no antigo estado de insociabilidade. Todas as penas que ultrapassarem a necessidade de conservar esse vnculo so injustas pela prpria natureza. O pequeno livro Dei delitti e delle pene (1764;Dos delitos e das penas), que encerra os princpios da sua doutrina, tornou-se a expresso das novas idias e nele viriam apoiar-se as reformas mais profundas das legislaes penais de sua poca. Foi nos novos rumos abertos por Beccaria que se iniciou a chamada escola clssica de direito penal, que to importante papel viria representar na evoluo desse ramo do pensamento jurdico.

3.2 A evoluo da escola clssica Homem conhea a justia A denominada Escola Clssica surgiu do grande movimento de idias, em fins do sculo XVIII, chamado6 de iluminismo. Foi, evidentemente, os escritos de Montesquieu, Voltaire, Russeau e DAlembert que prepararam o advento do humanismo e o incio da radical transformao liberal e humanista do Direito Penal. Locke, filsofo ingls, considerado o pai do iluminismo, escreveu o "Ensaio sobre o entendimento humano. Montesquieu, jurista francs, escreveu "O espirito das Leis", defendendo a separao dos trs poderes do Estado. Voltaire, pensador francs, tornou-se famoso pelas crticas ao clero catlico, intolerncia religiosa e prepotncia dos poderosos. Rousseau, filsofo francs, clebre defensor da pequena burguesia e inspirador dos ideais da revoluo Francesa, foi autor de "O Contrato Social" e "Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens. Por fim, Diderot e DAlembert foram os principais organizadores da "Enciclopdia", obra que resumia os principais conhecimentos artsticos, cientficos e filosficas da poca.

6

Os pensadores iluministas, supra citados, em seus escritos, fundamentaram uma nova ideologia, o pensamento moderno, que repercutiria at mesmo na aplicao da justia: arbitrariedade se contraps a razo, determinao caprichosa dos delitos e das penas se ps a fixao legal das condutas delitivas e das penas. As sugestes de um direito penal justo e humano como o que Beccaria delineou j vinham sendo afirmadas pelos enciclopedistas que o precederam, mas foi publicista milans que as retomou e propagou, dando-lhes outra vestidura e comunicando-lhes uma fora de convico que dominou inteiramente os espritos preocupados com esse problemas. Essa razo de ser da repercusso da sua obra e da influncia que ela veio a exercer sobre a doutrina e a legislao posteriores. A escola clssica desenvolveu-se, e, apesar da comunidade dos pontos de vistas dos seus componentes, nas questes fundamentais, distinguem-se entre eles dois grupos: o dos que atribuem pena a 6funo de defesa social e preveno do crime, e, assim, se encontram mais perto de Beccaria e, sob certo aspecto, dos positivistas; o dos que a caracterizam como expiao e retribuio ao mal causado. No primeiro suas principais idias. Desse grupo profundamente renovador, o representante mais avanado Giovanni Domenico Romagnosi (1761-1835), para quem o direito penal mero direito de defesa, e o fim exclusivo da pena a proteo da sociedade contra o crime, servindo de contra-impulso criminoso; s a necessidade de defesa a justifica. Pe a preveno antes da represso,6

grupo se incluem Romagnosi,

Carmignani e Filangieri, situando-se no segundo Carrara e Rossi que a seguir analisaremos

Entre os sculos XVI e XVIII, na chamada fase racionalista surgia a chamada Escola do Direito Natural, de

Hugo Grcio, Hobbes, Spinoza, Puffendorf, Wolf, Rousseau e Kant. Sua doutrina apresentava os seguintes pontos bsicos: a natureza humana como fundamento do Direito; o estado de natureza como suposto racional para explicar a sociedade; o contrato social e os direitos naturais inatos. De contedo humanitrio e influenciada pela filosofia racionalista, a Escola concebeu o Direito Natural como eterno, imutvel e universal. Se por um lado a Escola do Direito Natural teve uma certa durao, a corrente que se formou, ou seja, o jusnaturalismo prolongou-se at a atualidade. O jusnaturalismo atual constitui um conjunto de amplos princpios, a partir dos quais o legislador dever compor a ordem jurdica. Os princpios mais apontados referem-se ao direito vida, liberdade, participao na vida social, segurana, etc.

valendo-se da pena como derradeiro recurso e na medida em que a necessidade a reclame. Romagnosi ver na pena s proteo e defesa social, sem nenhum pensamento de retribuio ou expiao. Chega mesmo a condenar a pena, em princpio, e s a admite como um sacrifcio indispensvel para a salvao comum. Giovanni Carmignani (1768-1847), uma das maiores figuras entres os clssicos, embora aceite o jusnaturalismo (1) , no confunde moral com direito. A pena, para ele, simples obstculo poltico a prtica dos crimes . No pode ter o fim de punir o fato j cometido, o que seria inegvel contra-senso, mas evitar o possvel delito futuro. Lanando mo da pena, a sociedade assume simplesmente uma atitude de defesa. Trata-se de preveno, no de punio. Carmignani foi antecessor de Carrara na catdra de Pisa, foi seu professor e sobre ele exerceu notria influncia. Gaetano Filangieri (1752-1788) tambm v na pena um instrumento de preveno do crime. Filosoficamente, Filangieri um jusnaturalista, concebendo o direito como de origem divina, com as suas normas absolutas e imutveis, embora procure conciliar essa idia com a do contrato social. O direito penal, para esse jurista italiano, de inspirao meramente preventiva, ainda que a sua Scienza della legislazione (1780-1788; Cincia da legislao) seja construda sobre bases rigidamente jurdicas, em grande parte inspiradas no direito romano. O que veio caracterizar melhor a escola clssica foi a corrente essencialmente jurdica, entre cujos representantes figura Francesco Carrara (1805-1888), o mais eminentes dentre eles e um dos mais notveis penalistas de todos os tempos. Com sua obra capital Programa del corso di diritto criminale (1805-1888; Programa do curso de direito criminal), Carrara ofereceu a mais exaustiva exposio da cincia penal, segundo aquela escola. CARRARA definiu o delito como a infrao da lei do Estado, promulgada para proteger a segurana dos cidados, resultante de um ato externo do homem, positivo ou negativo, moralmente imputvel e politicamente danoso . Sua idia inicial foi formular um princpio do qual pudessem derivar, por encadeamento lgico, todos os postulados do seu sistema. Esse princpio, exprimiu-o dessa forma: O crime no um ente de fato, um ente jurdico; no uma ao, uma infrao. um ente jurdico porque a sua realidade provm de ser a violao de um direito. Com isso

perde o fato punvel sua realidade social e humana para reduzir-se a uma criao do direito. Tomando o crime como ente jurdico, Carrara estudava um a um todos os seus aspectos e conseqncias, sendo suficiente essa concepo do crime como ente jurdico para exprimir todo o carter rigorosamente tcnico de sua criao. Coerente com os princpios jusnaturalistas do seu sistema, Carrara considera a pena como sano do preceito ditado pela lei eterna sobre a qual se baseia a sociedade civil. Exclui expressamente da sano penal qualquer finalidade de emenda do delinqente. Chamou de escndalo poltico o abrandamento da pena para o fim de reajustar socialmente o criminoso. Exigia a sua execuo em qualidade e medida, tal qual foi imposta, o que faz recordar o imperativo categrico de Kant, com o absolutismo da retribuio. Para essa concepo, o que interessa essencialmente ao penalista no propriamente a ao do homem, mas a infrao do imperativo legal que com ela se comete. Dessa violao de um valor penalmente tutelado que decorre a responsabilidade penal do agente, que a responsabilidade moral, com base no livre arbtrio, tendo por pressuposto uma vontade inteligente e livre. A liberdade de querer como suporte da condenao do ru era, para Carrara, um axioma. No podia ser objeto de discusso. Da a distino clssica entre imputveis e inimputveis, somente aqueles sendo capazes de sofrer a imposio da pena, que retribuio imposta pelo Estado, expiao do mal injusto que o condenado praticou. Pellegrino Rossi (1768-1847, italiano de origem, naturalizado francs, publicou no idioma de sua nova ptria o seu importante Trait de droit penal (1829; Tratado de direito penal). Aceita a concepo retribucionista da pena, mal que se faz sofrer ao condenado em expiao do dano que causou com o seu comportamento contrrio ao dever; mas a medida da punio a sua utilidade social.6

3.3 O classicismo na Alemanha Tambm na Alemanha se manifestou um movimento de reforma do pensamento jurdico-penal, semelhante, nas suas concluses, escola clssica. Seguiram esse rumo os6

grandes filsofos Kant e Hegel, e no campo propriamente jurdico, uma srie de mestres penalistas, entre os quais sobressai Feuerbach, geralmente considerado o fundador da cincia do direito na penal naquele pas. Paul Johann Anselm von Feuerbach (1775-1833) comeou por cultivar a filosofia, aderindo ao sistema de Kant. Passando depois aos estudos penais, abandonou o absolutismo Kantiano, com a sua concepo de pena como imperativo categrico a que servia de medida a lei de talio. Para Feuerbach, a pena veio a ser simples instrumento de preveno do crime por meio da coao psicolgica, exercida pela ameaa da punio contida na lei. Pena, portanto, preventiva, no retributiva, tendo por fundamento a necessidade de segurana do direito. Feuerbach rejeitou o pressuposto do livre arbtrio, fundamental no sistema Kantiano, substituindo-o por uma posio determinista. Pregou o princpio de que no h crime nem pena sem lei anterior que o defina, e com isso limitou os poderes absolutos dos juzes. Por esses princpios e pela sua atuao na feitura do Cdigo Penal de 1813, da Baviera, que, por fim, veio a ser a quase de sua inteira autoria, conquistou o excepcional prestgio que lhe geralmente reconhecido na doutrina penal alem. 3.4 Escola positivista Justia conhea o homem

A escola positivista7 gerou-se fora dos estudos jurdicos propriamente ditos. Resultou do desenvolvimento das cincias do homem, da investigao das origens e do processo do seu comportamento individual e social. Seu fundador foi Cesare Lombroso (1836-1909), mdico psiquiatra italiano, que, em uma srie de estudos especializados, se dedicou metodicamente pesquisa das causas naturais do fato punvel, aplicando interpretao do crime e das medidas preventivas ou repressivas, que a sociedade lhe pode opor, os novos dados biopsicolgicos e sociolgicos. Essas investigaes viriam transportar os estudos penais do domnio puramente jurdico ou tico-jurdico para uma posio inspirada nos aspectos naturalistas da criminalidade. As duas concluses fundamentais resultantes desses estudos formam, na doutrina de Lombroso, a da existncia do criminoso nato e a do tipo antropolgico do homem delinqente. A idia do criminoso nato sugeriu a existncia de homem que, em conseqncia de particular anomalia psquica, demostravam compelidos quase irremissivelmente para a prtica de fatos to chocantes para a norma comum de convivncia que a lei os define como crimes. Nas suas pesquisas para a determinao daquela predisposio inata para o crime, Lombroso foi mais longe, pretendendo definir a causa estranha da anomalia. Recorreu para e explicao primeiro ao atavismo, vendo no criminoso nato um espcie retardatrio de formas

7

Durante o chamado perodo cientifico surge uma doutrina que vai influenciar o pensamento da poca,

repercutindo, inclusive no mbito criminal: a filosofia determinista. Segundo a mesma, todos os fenmenos do universo, abrangendo a natureza, a sociedade e a histria so subordinadas a leis e causas necessrias. Coube a Laplace a formulao conceitual mais ampla do determinismo, corrente esta que, Segunda a viso "Laplaciana", corresponde ao "carter de uma ordem de fatos na qual cada elemento depende de outros, de tal modo que se pode prev-lo, provoclo ou control-lo segundo se conhece, provoque ou controle a ocorrncia desses outros". Assim, o delito, como fato jurdico, deveria tambm obedecer esta correlao determinista, j que por trs do crime haveria sempre razes suficientes que o determinaram. Para certa corrente filosfica, a noo de determinismo central na conceituao do conhecimento cientfico, tanto na esfera das ci6encias fsico-naturais, quanto na das cincias do homem; para uma segunda corrente, o determinismo incompatvel com a idia da ao deliberada e responsvel, ou seja, o determinismo nega o livre arbtrio. Foi aceito por Ferri, que afirmava ser o homem responsvel, por viver ele em sociedade.

fsicas e psquicas j superadas pela humanidade; um momento de parada na evoluo do prhumano ou do humano primitivo para o humano atual. Completou essa idia com a da epilepsia, vendo no criminoso um degenerado atvico de fundo epiltico. Essas formaes degenerativas, entretanto, podem explicar certas formas de criminalidade, mas no atingem a extenso que Lombroso lhes atribuiu. Pensou tambm na loucura moral, segundo James Cowles Prichard (1786-1848) e Henry Maudsley (1835-1918), mas o alcance desta forma particular de anomalia fsico-psquica com elemento causal de uma predisposio para o crime mais reduzido ainda. Quanto a concepo do tipo antropolgico do criminoso, isto , da existncia de sinais anatmicos ou fisiopsicolgicos, que permitam descobrir, em certos indivduos, uma tendncia inata para o crime, parece definitiva a contestao que a cincia lhe ops. Trata-se na realidade de problema extremamente complexo, e as correlaes entre fsico e moral, que cincias mais recentes, como a biotipologia e a endocrinologia, procuram demonstrar, so insuficientes para justificar uma concluso como a que foi proposta por Lombroso. Isso, porm, no diminuiu o mrito dos trabalhos do notvel pesquisador italiano, na interpretao dos fatos da criminalidade, nem a sua influncia na evoluo da cincia penal. Indubitavelmente, constitui principal mrito de Lombroso a introduo nos estudos penais de uma viso naturalstica das coisas, que permite a compreenso das causas e do processo do comportamento humano, especialmente do criminoso. A escola positiva, com as suas idias renovadoras em face do classicismo, provocou ardorosos debates, que hoje se atenuaram bastante, mas que no cessaram de todo. Aquelas idias chegaram a dividir em dois campos a posio dos penalistas, uns admitindo a pena como instrumento de retribuio por exigncia de justia, outros tomando-a como agente prtico de preveno geral ou especial do crime. Todos por fim caminharam para uma atitude de compromisso, dirigindo-se para a finalidade da defesa social por meio da pena, compreendidas na sua orientao as condies da natureza humana ou social que determinam o crime.

Em seguimento a Lombroso, a escola positiva apresenta a figura de Raffaele Garofalo (1851-1934), o jurista dessa primeira fase da evoluo da escola. Pretendendo construir um sistema de direito punitivo dentro dos critrios do positivismo criminolgico, submeteu vrios problemas jurdicos-penais a total reviso. Tomou a concepo naturalista do criminoso nato e veio a concluir, por um conceito naturalista do crime, com a noo do delito natural, que consistiria na violao de sentimentos altrustas fundamentais por meio de aes nocivas coletividade. A razo de ser dessa inclinao ao delito, imanente ao criminoso tpico, seria no uma anomalia orgnica, como sugeria Lombroso, mas uma anomalia moral. Na pena, v Garofalo um agente mais de represso de que de preveno do crime, um instrumento de eliminao daqueles que se mostram inadaptados s normas da convivncia comum, usando para isso, em contrrio aos princpios fundamentais da escola, como se apresentam em Lombroso e Ferri, de meios severos, com a pena de morte, a deportao, a relegao a colnias penais. O critrio para a aplicao da medida penal , assim, o que ele chamou temibilidade e hoje se representa pelo conceito de periculosidade criminal. Outro grande positivista Enrico Ferri (1856-1929), que veio a tornar-se o mais brilhante e ardoroso chefe da campanha pelo positivismo criminolgico, tendo fundado a sociologia criminal, como Lombroso fundou a biologia ou antropologia criminal. Desde o incio da sua atuao na nova escola, contestou a existncia do livre arbtrio e concebeu o crime como originrio de trs ordens de fatores: antropolgicos, fsicos e sociais. Concebido, assim, o crime, ordenou os criminosos nos seguintes grupos: criminosos natos, loucos, habituais, de ocasio e por paixo. Outras classificao foram sugeridas mais tarde, mas o interesse por esse gnero decresceu. Fez da defesa social a razo de ser da aplicao da pena. Contestada a idia da liberdade de querer, ops-se concepo da responsabilidade moral, substituindo-a pela da responsabilidade social; o homem veio a ser considerado responsvel pelos seus atos s porque vive em sociedade.

sua obra doutrinria mais representativa a sociologia criminal, juntou Ferri, por fim os Principi di diritto criminale (1928; Princpios de direito criminal), em que pretendeu fazer uma exposio total, sob o aspecto jurdico, dos princpios do positivismo. De fase de lutas e afirmaes das escolas coube-lhe a maior tarefa na defesa e propagao dos critrios da corrente positiva, que soube conduzir com o brilho e segurana que caracterizam toda a sua produo cientfica. A escola positiva, que nasceu de fontes naturalistas, logo enveredou pelo estudo dos problemas penais, tomando, por fim, uma orientao mais definidamente jurdica. Mesmo nos eus novos rumos, porm, o positivismo criminolgico tem sustentado os critrios originrios da escola: a) tomar como ponto de partida dos estudos jurdicos-penais a considerao do homem criminoso na sua dupla individualidade biolgica e social; b) tendo em vista as condies particulares do delinqente, considerar o criem como um episdio do seu comportamento, que se exprime em uma infrao ao direito sob influncia de fatores antropolgicos, fsicos e sociais; c) basear a responsabilidade penal na responsabilidade social, maneira de Ferri, ou fazer da periculosidade criminal do sujeito a razo de ser da reao anticriminal e o fundamento da sua especifio; d) tomar a sano anticriminal no como retribuio de culpabilidade, mas como instrumento de defesa social, por meio do qual se visa promover a recuperao do criminoso. 3.5 Escolas Eclticas Do encontro entre essas duas escolas, a de fundo estritamente jurdico e a de inspirao naturalista, escola clssica e escola positiva, surgiram as terceiras escolas ou escolas eclticas, em que se sente como que a hesitao de uma doutrina que procura apoio em posies mais avanadas, sem ousar abandonar as velhas concepes. 3.6 Escola de Alimena Escola crtica Essa escola de Bernardino Alimena (1861-1915), terza scuola italiana, que conservava do classicismo a idia de responsabilidade moral, como fundamento da pena. Reconhece na gnese do crime a influncia de fatores antropolgicos, fsicos e sociais, e na pena, o fim da defesa social, sem contestar o seu carter de retribuio e de castigo.

3.7 Escola ecltica na Frana. Na Frana, a escola ecltica resultou dos trabalhos de Gabriel de Tarde (1843-1904), Alexandre Lacassagne (1843-1924) e Lonce Pierre Manouvrier (1850-1927). O que a caracteriza haver dado predominncia, entre os fatores do crime, aos de ordem social. As mais influentes, porm, dessas escolas mistas so a escola moderna da Alemanha, de Von Liszt, e a do tecnicismo jurdico italiano. 3.8 - Tecnicismo jurdico italiano ou Escola tcnico-jurdica O movimento do tecnicismo jurdico surgiu na Itlia e, como marco, registra-se a aula magna proferida na Universidade de Sassari, em 1905, por Arturo Rocco. Arturo Rocco, Vincenzo Manzini e Edoardo Massari foram os principais e primeiros expoentes desta escola que trouxe o mtodo das sistematizaes dogmticas do direito privado, diferentemente do que pretendia a escola positivista que apresentava sistematizaes presumidamente objetivas, depois repudiadas. Tambm, a escola tcnico jurdica batia-se principalmente contra a escola clssica, lastreada eminentemente nas abstraes filosficas dos sculos XVIII e XIX que invocava constantemente o direito natural, racional ou ideal, levando a corriqueiros exerccios acadmicos impregnados de metafsica e escolstica. Neste sentido, Mansini demonstrou a inutilidade jurdica das pesquisas filosficas, explicando ainda que a sociologia criminal est para o direito penal, como uma cincia descritiva est para outra normativa. Ao direito penal no importa descrever fatos e relaes de causalidade social mas dar normas imperativas que nada tem que ver com as leis biolgicas ou sociais. Massari foi mais incisivo, lecionando que a cincia do direito penal tem por objeto o estudo sistemtico do direito penal vigente, ou positivo, afirmando inexistir outro direito penal seno aquele previsto na legislao estatal. Desse modo, no se admitiria um direito penal filosfico, ou ideal, racional, eis que seriam meras abstraes(BONFIM;1997). A Escola Tecnicista ou Dogmtica do Direito Penal que temia que o direito penal sucumbisse e fosse consumido por qualquer disciplina sociolgica estabeleceu segundo BONFIM (1997) os seguintes princpios: a) a luta contra o crime tarefa nica dos juristas, a estes pertecendo; b) o penalista deve abstrair-se das indagaes de natureza filosficas e de todas as cincias afins; c) o direito penal reclama autonomia, portanto, deve se ocupar

unicamente da lei positiva; d) rejeita, por conseguinte, toda a contribuio da criminologia, da antropologia, da psicologia, da biologia; e) o crime consiste em uma relao jurdica, portanto, no h que se indagar de sua criminognese; f) o estudo tcnico-jurdico tem que se ater ao direito penal vigente e feito atravs de processos de pesquisas exegticas, dogmticas e crticas; para tanto, a exegese cuida do exame do texto legal vigente, da lei penal e da interpretao lgica da norma positiva; a dogmtica tem por misso a construo sistemtica dos institutos jurdicos atravs da uniformalizao das normas e princpios criminais e penais, incumbindo crtica a avaliao do desempenho da dogmtica, visando aprimor-la, sugerindo outros institutos, princpios ou regras. 3.9 Escola de Liszt Franz von Liszt (1851-1919), homnimo de seu primo e famoso compositor, cuja a obra principal O Lehrbuch des deutschen Strafrechts (1881; Tratado de Direito Penal alemo), estava destinada a exercer a maior influncia na evoluo do direito penal na Alemanha, atravs dos trabalhos de numerosos de seus seguidores e discpulos. Para Liszt, o crime um fenmeno jurdico, resultante de fatores que o mestre alemo, bem prximo de Ferri, dividiu em fatores internos e externos, estes subdivididos em fatores fsicos e fatores sociais. A reao que a sociedade lhe ope a pena, reao no puramente retributiva, visando, por exigncia de justia, ao castigo da culpabilidade do agente, mas finalista e destinada a promover a defesa sociedade, pelo reajustamento do homem s suas normas, e, num esprito de preveno geral, estender os efeitos da ameaa e da execuo da pena a toda comunidade. Liszt julga negativo o emprego da pena, com arma jurdica contra o crime, sem o estudo cientfico da deliquencia, em seus aspectos externos e internos em relao ao criminoso, em substituio pena retributiva dos clssicos. Reconhece no crime um fato jurdico, sem esquecer os seus aspectos social e humano, que fazem dele uma realidade fenmenica. Com isso, sustenta a influncia sobre a criminalidade de fatores internos do prprio delinqente, e externos, do meio fsico e social, sobretudo econmico, que este vive e atua.

Essa doutrina mista veio a exercer enorme influncia sobre os novos estudos penais, sobretudo atravs da Unio Internacional de Direito Penal, fundada em 1889, cujas assemblia e grupos nacionais debateram os mais importantes problemas do direito punitivo moderno. 3.10. Moderna legislao penal A aplicao de uma nova justia na legislao punitiva, segundo os princpios liberais dominantes no pensamento filosfico dos fins do sc. XIII, j se encontram em leis penais do tempo, anteriores, entretanto, ao verdadeiro movimento de reforma do direito penal moderno. Em alguns pases foram sendo atenuados os rigores da ao penal ou a prtica dos meios de investigao no processo ou a insegurana do prprio direito, pela abolio da pena de morte, das torturas e do arbtrio judicirio; adotaram-se normas de justia, como o princpio da igualdade da lei penal para todos, da medida da pena segundo a gravidade do crime. Progresso desse gnero se encontram nas instrues (1767) de Catarina II, da Rssia; na de Frederico o Grande, da Prssia; na reforma (1787) de Jos II, da ustria; na ordenao (1787) de Lus XVI, na Frana; na lei (1786) de Pedro Leopoldo, da Toscana. O verdadeiro incio da renovao do direito punitivo nesses moldes ser marcado, no obstante, pela Declarao Universal do direitos homem e do cidado, editada pela Revoluo Francesa, a 26 de agosto de 1789, consagrando princpios, hoje elementares em legislaes do gnero, como o da igualdade de todos perante a lei penal; da absoluta legalidade dos crimes e das penas; do critrio da necessidade social e da punio aplicada na medida do necessrio; e da personalidade da pena, que no deve passar alm do culpado. Nesse princpios inspiraram-se as novas leis penais da Frana e finalmente o Cdigo penal napolenico de 1810, que, modificado por sucessivas revises e leis complementares, ainda hoje vigora naquele pas e tem exercido acentuada influncia no processo de renovao do direito penal moderno.

Abriu-se, ento, para as principais naes cultas do mundo, um perodo de renovao da legislao penal, Dessa linha de cdigos do sc.XIX, nascidos da inspirao liberal que direta ou indiretamente, a obra de Beccaria introduziu no pensamento jurdico-penal moderno, merece referncia o Cdigo Penal de 1813 da Baviera, que Feuerbach comps, nele fazendo influir a sua concepo da pena como instrumento de intimidao, atravs da coao psicolgica exercida pela ameaa de que ela venha a ser aplicada e o princpio de que no h crime nem pena sem lei anterior que os defina. Cdigos desses gneros, de inspirao clssica, vieram reger os fatos penais em diversos pases no decorrer daquele sculo. Nesses cdigos, a pena concebida como ato de retribuio, por exigncia de justia, segundo a culpabilidade do agente, esta baseada na imputabilidade moral, com fundamento no livre arbtrio. A finalidade visada com o seu emprego a represso do crime; quando se fala em preveno, trata-se da preveno geral pela intimidao resultante da ameaa da pena. Muitos desses cdigos foram reformados ou substitudos mais tarde ou esto em processo de transformao pela elaborao de novos projetos. A posio conciliatria entre as exigncias tradicionais da pena e a moderna concepo do criminoso e das razes dos seus desajustes, como resultou dos recentes estudos penais e veio refletir-se nas correntes doutrinrias eclticas, como a de von Liszt e tecnicismo italiano, tem marcado os cdigos mais importantes dos ltimos tempos, como o italiano, suo e o brasileiro, e os numerosos projetos que hoje se sucedem em grande nmeros pases. Ao lado da pena, retributiva e intimidativa, se constri um sistema de medidas chamadas de segurana, destinadas no a punir, mas a promover a recuperao social do delinqente, pela reduo daquele potencial de criminalidade, a periculosidade criminal, que nele se manifesta e que o transformou em permanente ameaa para a ordem de direito. Assim, se apresenta nas legislaes desse estilo o dualismo culpabilidade e periculosidade criminal, pena e medida de segurana. A sistematizao desse gnero de medida ao lado da pena, comeou com o projeto de Carl Stooss (1849-1934) para um cdigo suo unificado e foi realizada pela primeira vez no Cdigo penal de 1930, da Itlia, e depois no prprio Cdigo suo de 1942, em outros que lhes seguiram e em leis complementares de vrios cdigos modernos. Assim, para a

preveno do crime, recorre-se a providncias inspiradas no na culpabilidade do agente, mas em condies da sua prpria personalidade. 4 - O DIREITO PENAL NO BRASIL O Brasil, como colnia de Portugal, comeou a desenvolver-se dentro dos princpios e dos costumes que para aqui emigraram com os colonizadores. A sociedade que assim se transportava para um novo mundo trazia consigo as instituies jurdicas que a deviam reger. No se criou ou cresceu sob a ao espontnea das foras naturais que fazem nascer nos agrupamentos humanos. Tudo lhe veio j formado: leis, costumes, ordem jurdica, econmica e social. Definir crimes e modos de reprimi-los era, portanto, funo das leis e costumes portugueses, mas bom que se diga que, nos primeiros tempos, como se verificou no regime de capitanias, no era fcil impor a fora das leis, e o que na realidade regia era o arbtrio dos governantes. Comeou depois a impor-se, de fato e de direito, a legislao de Portugal, representada pelos grandes cdigos, as chamadas Ordenaes do Reino, que foram sucessivamente as Afonsinas, as Manuelinas e as Filipinas. Delas, as que regeram realmente e por maior espao de tempo, na colnia e ainda depois da independncia, foram as Filipinas e, para o direito penal, o seu livro V. As Ordenaes Filipinas foram mandadas compor por Filipe II da Espanha, que reinava em Portugal sob o nome de Filipe I, e decretadas em 1603. Restaurada a monarquia portuguesa, forma revalidadas por lei de 29 de janeiro de 1643. A inspirao desse cdigo a mesma do direito penal comum europeu, que precedeu a liberao de justia e de humanidade promovida por Beccaria. Distinguiam-se as Ordenaes Filipinas pelo seu abundante e minucioso catlogo de crimes, assinalados pelas penas mais cruis, e mais que todas pela de morte, executada muitas vezes por processos que violavam o mais rudimentar sentimento de piedade: morte por enforcamento, morte pelo fogo at ser o corpo reduzido a p, morte cruel precedida de tormentos.

Fundamentava-se largamente nos preceitos religiosos. O crime era confundido com o pecado e com a ofensa moral, punindo-se severamente os hereges, apstatas, feiticeiros e benzedores. As penas severas e cruis (aoites, degredo, mutilao, queimaduras etc.) visavam infundir o temor pelo castigo. Alm da larga cominao da pena de morte, executada pela fora, com torturas, pelo fogo etc., eram comuns as penas infamantes, o confisco e os gals. Aplicava-se, at mesmo, a chamada "morte para sempre", em que o corpo do condenado ficava suspenso e, putrefazendo-se, vinha ao solo, assim ficando, at que a ossada fosse recolhida pela Confraria da Misericrdia, o que se dava uma vez por ano. Serviram elas para a caa dos inconfidentes de Minas Gerais, entre os quais avulta o nome de TIRADENTES. Extinto o regime colonial no Brasil, a nao sentiu-se compelida a substituir a antiga legislao por leis mais conformes com as novas condies polticas e sociais em, quanto ao direito punitivo, por uma compreenso mais humana e eficaz do crime de pena. Assim, em 1824 foi editada a nossa primeira Constituio, prevendo, em seu art. 179, 18, a criao de um Cdigo Criminal e declarando expressamente o fim dos suplcios e das penas infamantes: Art. 179. ... XIX. Desde j ficam abolidos os aoites, a tortura, a marca de ferro quente e todas as mais penas cruis. O Cdigo Criminal do Imprio, publicado em 16 de dezembro de 1830, reduziu o nmero de delitos punidos com morte, que era executada mediante enforcamento, de setenta para apenas trs (insurreio de escravos, homicdio com agravante e latrocnio), prevendo, ainda, as penas de degredo, gals, banimento, desterro e multa. De ndole liberal, inspirava-se na doutrina utilitria de Betham, bem como no Cdigo francs de 1810 e o Napolitano de 1819. Fixava-se na nova lei um esboo de individualizao da pena, previa-se a existncia de atenuantes e agravantes, e estabelecia-se um julgamento especial para os menores de 14 anos. A pena de morte, a ser executada pela fora, s foi aceita

aps acalorados debates entre liberais e conservadores no congresso e visava coibir a prtica de crimes pelos escravos. No separada a Igreja do Estado, continha diversas figuras delituosas, representando ofensas religio estatal. Apesar de suas inegveis qualidades, tais como, indeterminao relativa e individualizao da pena, previso da menoridade como atenuante, a indenizao do dano "ex delicto", apresentava defeitos que eram comuns poca: no definira a culpa, aludindo apenas ao dolo, havia desigualdade no tratamento das pessoas, mormente os escravos. Com a proclamao da Repblica, editou-se o Cdigo Penal de 1890, antecedido pelo Decreto 774/1890, que aboliu as gals, limitou a trinta anos a pena de priso perptua, instituiu a prescrio das penas e mandou computar na pena o tempo de priso preventiva. A primeira Constituio Republicana declarou em seu art. 72: Art. 72. ... 20. Fica abolida a pena de gals e a de banimento judicial. 21. Fica igualmente abolida a pena de morte, reservadas as disposies da legislao militar em tempo de guerra. Sob a gide da Carta Constitucional de 1934 e a influncia da Escola Positiva, elaborou o Desembargador VIRGLIO DE S PEREIRA um projeto, que ganhou o status de Cdigo Criminal, mas nunca entrou em vigor. Costuma-se dizer que com o Cdigo de 1890 nasceu a necessidade de modific-lo. Uma vez que no poder-se-ia transform-lo imediatamente, surgiu, assim, vrias leis para remend-lo, que pelo grande nmero, acabaram gerando enorme confuso e incerteza na aplicao. Coube ao desembargador Vicente Piragibe o encargo de consolidar essas leis extravagantes. Surgia, portanto, atravs do Decreto n 22.213, de 14 de dezembro de 1932, a denominada Consolidao das Leis Penais de Piragibe, que vigorariam at 1940.

Composta de quatro livros e quatrocentos e dez artigos, a Consolidao das Leis Penais realizada pelo Desembargador Vicente Piragibe, passou a ser, de maneira precria, o Estatuto Penal Brasileiro. Embora promulgado em dezembro de 1940, o novo Cdigo Penal somente passou a vigorar em 1 de Janeiro de 1942, no s para que se pudesse melhor conhec-lo, como tambm para coincidir sua vigncia com a do Cdigo de Processo Penal. Ainda sendo nossa legislao penal fundamental, o Cdigo de 1940 teve origem em projeto de Alcntara Machado, submetido ao trabalho de uma comisso revisora composta de Nelson Hungria, Vieira Braga, Marclio de Queiroz e Roberto Lira. A Constituio de 1946 restaurou direitos e liberdades individuais, proibindo a pena de morte, banimento, confisco e priso perptua: Art. 141. ... ... 31. No haver pena de morte, de banimento, de confisco nem de carter perptuo. So ressalvadas, quanto pena de morte, as disposies da legislao militar em tempo de guerra com pas estrangeiro. .. uma legislao ecltica, que no assumiu compromisso com qualquer das escolas ou correntes que disputavam o acerto na soluo dos problemas penais. Fazia uma conciliao entre os postulados das Escolas Clssicas e Positiva, aproveitando o que de melhor havia nas legislaes modernas de orientao liberal, em especial nos cdigos italiano e Suo. Magalhes Noronha comenta que " o Cdigo obra harmnica: soube valer-se das mais modernas idias doutrinrias e aproveitar o que de aconselhvel indicavam as legislaes dos ltimos anos". Apesar de suas imperfeies, ou "pecados" (como assinala o autor supra citado), o Congresso de Santiago do Chile, em 1941, declarou que ele representa "um notvel progresso jurdico, tanto por sua estrutura, quanto por sua tcnica e avanadas instituies que contm".

Vrias foram as tentativas de mudana da nossa legislao penal. Em 1963, por incumbncia do governo federal, o professor ministro Nelson Hungria, apresentou anteprojeto de sua autoria. Aps submetido a vrias comisses revisoras, o anteprojeto Hungria foi finalmente convertido em lei pelo Decreto-Lei N 1004, de 21 de outubro de 1969. A vigncia do cdigo de 1969 foi, porm, adiada sucessivamente. Crticas acerbadas se lhe fez, tanto que foi modificado substancialmente pela Lei N 6.016, de 31 de Dezembro de 1973. Mesmo assim, porm, aps vrios adiamento da data em que deveria viger, foi ele revogado pela Lei N 6.5778, de 11 de outubro de 1978. Em 1980, o Ministro da Justia incumbiu o professor Francisco de Assis Toledo, da Universidade de Braslia, da reforma do Cdigo em vigor. A exemplo da Alemanha, primeiro se modificou a parte geral. Em 1981, foi publicado o anteprojeto, para receber sugestes. Depois de discutido no Congresso, o projeto foi aprovado e promulgada a Lei N7.209 de 11/07/1984, que alterou substancialmente a parte geral, principalmente adotando o sistema vicariante (pena ou medida de segurana). Com a nova Parte Geral, foi promulgada a nova Lei de execuo Penal (n 7.210 de 11/07/1984). uma lei especifica para regular a execuo das penas e das medidas de segurana, o que era splica geral, tanto que j se fala na criao de um novo ramo jurdico: o Direito de execuo Penal. Recentemente, foi o Estatuto repressivo ptrio alterado pela Lei n 9.714/98 no que concerne as penas restritivas de direitos. Includos foram mais dois tipos de penas: a prestao pecuniria e a perda de bens e valores. Ademais, no que tange substituio da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, poder ela se dar quando, atendidos os requisitos especficos no reincidncia, culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade, motivos e circunstncias do crime favorveis a pena aplicada no for superior a quatro anos. Vale salientar que, em sendo o crime culposo, haver a substituio, qualquer que se seja a pena aplicada.

Destarte, de se vislumbrar que, cada vez mais, o aprisionamento deixa de ser regra para se tornar exceo. que o crcere, comprovado est, ao invs de proporcionar a ressocializao, no raro tem se transformado em verdadeira "Universidade da delinqncia".

5 - A FINALIDADE DA PENA Desde h muito o Estado avocou para si a prerrogativa de punir os cidados. E ele o faz prevendo, primeiramente, condutas consideradas criminosas. So as chamadas normas penais, que prevem, em abstrato, condutas tipificadas como crimes ou contravenes, estipulando penas para estas condutas. o chamado jus puniendi, ou, como diz FREDERICO MARQUES, o direito que tem o Estado de aplicar a pena cominada no preceito secundrio da norma penal incriminadora, contra quem praticou a ao ou omisso descrita no preceito primrio, causando um dano ou leso jurdica, de maneira reprovvel. Quando um sujeito infringe uma norma penal, surge, ento, para o Estado o direito de aplicar a punio prevista na norma objetiva. O direito de punir , portanto, um direito pblico subjetivo do Poder Estatal, afirmao esta que contestada por NILO BATISTA, que afirma que o direito penal subjetivo acaba por resultar tecnicamente intil e politicamente perigoso. Mas, como observa JESUS: O Direito Penal subjetivo - o direito de punir do Estado tem limites no prprio direito penal objetivo. No se compreende um jus puniendi ilimitado. A norma penal no cria direitos subjetivos somente para o Estado, mas tambm para o cidado. Se o Estado tem o jus puniendi, o cidado tem o direito subjetivo de liberdade, que consiste em no ser punido seno de acordo com as normas ditadas pelo prprio Estado.

Assim como o jus puniendi encontra limites no direito objetivo, tambm a pena tem limites e finalidades. Os limites da pena so objetivamente traados na legislao penal, que prescreve sua espcie e quantum para cada tipo de delito. Duas so as teorias que tratam da finalidade da pena: a teoria absoluta, tambm chamada de retributiva, e a teoria relativa (preveno especial e preveno geral). Pela teoria absoluta, a pena tem uma finalidade retribucionista, visando restaurao da ordem atingida. HEGEL assinalava que a pena era a negao da negao do direito. J KANT disse que, caso um estado fosse dissolvido voluntariamente, necessrio seria antes executar o ltimo assassino, a fim de que sua culpabilidade no recasse sobre todo o povo. Para esta teoria, todos os demais efeitos da pena (intimidao, correo, supresso do meio social) nada tm a ver com a sua natureza. O importante retribuir com o mal, o mal praticado. Como afirma FERNANDO FUKUSSAWA, a culpabilidade do autor compensada pela imposio de um mal penal. Conseqncia desta teoria que somente dentro dos limites da justa retribuio que se justifica a sano penal. Pela teoria relativa, a pena uma medida prtica que visa impedir o delito. Esta teoria divida em duas: a da preveno geral e a da preveno especial. Para a primeira, o principal escopo e efeito da pena a inibio que esta causa sobre a generalidade dos cidados, intimidando-os. Para a segunda, a pena visa intimidao do delinqente ocasional, reeducao do criminoso habitual corrigvel, ou a tornar inofensivo o que se demonstra incorrigvel. A propsito, afirmava ROMAGNOSI que se se tivesse a certeza absoluta de que o criminoso no voltaria a delinqir, no seria necessrio puni-lo mais. Vale dizer, se se pune para evitar novos crimes e se se tem a certeza de que novo delito no ser cometido, para que punir? Das crticas opostas a estas teorias surgiram as chamadas teorias mistas ou eclticas, que tentam fundi-las, mesclando-se os conceitos preventivos com os retributivos. Como afirmam SRGIO SALOMO SHECAIRA e ALCEU CORRA JNIOR, subsistem, portanto, e, at em razo da legislao ptria, a finalidade retributiva e a preventiva (art. 59, caput, CP), contendo esta ltima, a ressocializao do delinqente. JUAREZ CIRINO DOS SANTOS aponta, como objetivos reais da pena privativa de liberdade e do aparelho carcerrio: 1) o controle repressivo dos inimigos de classe do Estado capitalista (as classes

dominadas, em geral, e os marginalizados do mercado de trabalho, em especial); 2) a garantia da diviso de classes, mediante a separao fora de trabalho/meios de produo, origem das desigualdades sociais, caracterstica das relaes de produo capitalistas; 3) a produo de um setor de marginalizados/criminalizados (reincidentes e rotulados como criminosos, em geral), marcados pela posio estrutural (fora do mercado de trabalho) e institucional (dentro do sistema de controle), como amostra do que acontece aos que recusam a socializao pelo trabalho assalariado. Em sntese, os objetivos da pena criminal (e do aparelho carcerrio) podem ser definidos por uma dupla reproduo: reproduo das desigualdades sociais fundadas na diviso da sociedade em classes sociais antagnicas, e reproduo de um setor de marginalizados/criminalizados (no circuito da reincidncia criminal), cuja funo manter a fora de trabalho ativa integrada no mercado de trabalho, como fora produtiva dcil e til, intimidados pela 'inferiorizao' social resultante da insubordinao disciplina do trabalho assalariado. Segundo DOTTI: A teoria mista surge como necessria e importante conciliao entre as teorias absolutas (da reparao, da retribuio divina, da retribuio moral e da retribuio jurdica) e as teorias relativas (contratualista, do escarmento, da preveno mediante a coao psquica, da defesa indireta de ROMAGNOSI, da preveno especial, correcionalista e positivista). ... portugus. O Cdigo Penal, como bem observa PAULO JOS DA COSTA JNIOR, assumiu posicionamento ntido acerca das finalidades da pena. Dever ser ela necessria e suficiente para a reprovao e a preveno do crime. Ou seja, optou o direito brasileiro pela teoria mista. Mas, como observa GILBERTO FERREIRA, o direito brasileiro mais retribucionista do que prevencionista. Isto se infere do disposto no art. 121, 5., e do art. 129, 8., ambos do Cdigo Penal: Aqui o legislador foi nica e exclusivamente retribucionista: se a retribuio foi alcanada pelas conseqncias do prprio fato, no h nenhuma razo para se falar em aplicar a pena. ... Esta a tendncia das reformas contemporneas, como a da Alemanha Ocidental, do anteprojeto espanhol e das propostas de lei de reviso do Cdigo Penal

6. DA IMPOSSIBILIDADE DA RESSOCIALIZAO ATRAVS DA PENA DE PRISOPode-se portanto dizer, sem paradoxo, que o castigo est sobretudo destinado a actuar sobre as pessoas honestas; pois, uma vez que serve para curar as feridas feitas nos sentimentos coletivos, no pode desempenhar este papel seno onde existam estes sentimentos e na medida em que esto vivos Durkheim Do rio que tudo arrasta se diz que violento. Mas ningum diz violentas as margens que o comprimem Brecht

O exame precedente da histria da pena nos mostrou as diversas maneiras de punir, de acordo com a variada concepo que os povos tiveram da pena. Conclumos que at o fim do sculo passado a pena tinha como escopo a retribuio e a preveno. Portanto, em relao pessoa do ru, tratava-se de castigo infligido pelo mal praticado. Somente a partir dos ensinamentos da Escola Positiva, ressalvados alguns pronunciamentos isolados no passado, passou-se a admitir a funo recuperatria da pena, como ocasio para tratamento daqueles que se revelaram inadaptados vida social. O Iluminismo, com Beccaria frente, e seus seguidores, combateram vigorasamente a crueldade das penas do Direito Penal do antigo Regime (direito medieval), que se baseava na utilizao macia da pena de morte e das penas corporais aflitivas, destacando-se a tortura, aoites, mutilaes etc. As Codificaes Filipinas constituem exemplo marcante das arbitrariedades medievais, poca em que se prodigalizou o uso e abuso do corpo humano para o castigo e tambm para intimidar as demais pessoas. Depois do Iluminismo e Revoluo Francesa comearam a aparecer as legislaes liberais e, desse modo, aos poucos as penas corporais foram sendo substitudas pela pena privativa de liberdade, que passou constituir o eixo do sistema punitivo estatal.

Abolidos os castigos corporais e limitada a pena pessoa do delinqente, algumas inovaes foram paulatinamente adotadas. Penas principais se tornaram somente o encarceramento e a multa. Ao lado destas, como sanes de marcante carter individualizador, surgiram as penas acessrias, no restritivas de liberdade. E, supletivamente, as medidas de segurana, detentivas e no detentivas. Substitutivos penais foram introduzidos, visando a impedir o encarceramento do condenado a penas de curta durao. O sursis, a liberdade condicional, a fiana, o perdo judicial, figuram em quase todos os Cdigos Penais dos povos civilizados. Outras medidas foram introduzidas, para evitar a desnecessria manuteno do sentenciado no crcere, entre elas se contando os presdios abertos, a priso albergue, a priso domiciliar e as chamadas penas alternativas. Todavia, continuou sendo a pena privativa de liberdade o eixo do sistema punitivo comtemporneo, e, assim o homem acreditou, durante muitos anos, que a priso poderia ressocializar o condenado. Acontece que tal crena restou veementemente contestada pela Criminologia e pela Penologia que manifestaram a impossibilidade de ressocializao na priso A fundamentao conceitual sobre a qual se baseiam seus argumentos indicam a ineficcia da pena privativa de liberdade, pode ser resumida em duas premissas: a) considerase que o ambiente carcerrio, em razo de sua anttese com a comunidade livre, converte-se em meio artificial, antinatural, que no permite realizar nenhum trabalho reabilitador sobre o recluso. No se pode ignorar a dificuldade de fazer sociais aos que, de forma simplista, chamamos de antissociais, se se os dissocia da comunidade livre e ao mesmo tempo se os associa a outros antissociais. b) sob outro ponto de vista, se releva que na maior parte das prises do mundo, a existncia de condies materiais e humanas tornam inalcanvel o objetivo reabilitador. No se trata de uma objeo que se origina na natureza ou na essncia da priso, mas que se fundamenta no exame das condies reais em que se desenvolve a execuo da pena privativa de liberdade. Ressalta-se que a literatura especializada ou no tem-se ocupado freqentemente da crueldade e da desumanizao que existe no ambiente carcerrio. No so apenas obras escritas no incio do sculo, mas muitas publicadas nas ltimas dcadas. Em alguns casos

essas obras cumpriram um papel de denncia muito importante, como verifica-se na obra Recordaes da Casa dos mortos escrita pelo imortal Dostoieswski que relata o tempo em que estev