Monog EF Análise Crítica

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    Universidade Estadual do Ceará

    José Pereira de Sousa Sobrinho

    UMA ANÁLISE CRÍTICA SOBRE A FORMAÇÃO

    ACADÊMICA/PROFISSIONAL: O CURSO DEEDUCAÇÃO FÍSICA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL

    DO CEARÁ NO CENTRO DO DEBATE

    Fortaleza-Ceará

    2005

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    Universidade Estadual do Ceará

    Curso de Graduação em Educação Física

    Título do Trabalho: Uma análise crítica sobre a formação acadêmica/profissional

    - o curso de Educação Física da Universidade Estadual do Ceará no centro do

    debate

     Autor:  José Pereira Sousa Sobrinho

    Defesa em: ___/___/____ Conceito obtido: _____________

      Nota obtida: _______________

    Banca Examinadora

     _____________________________________________ Betânia Moreira de Moraes, Ms.

    Professora Orientadora

     ___________________________ _____________________________ Susana Vasconcelos Jimenez, PhD Fabiana Rodrigues, Ms.  Professora Examinadora Professora Examinadora

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    Dedicatória

    Dedico este trabalho a minha família, em especial à minha mãe, Sra. Irene, umapessoa aguerrida e ao meu pai, Sr. Raimundo, um homem corajoso. Foi em suas

    companhias que as minhas concepções criticas sobre o mundo começaram aengatinhar. Devo-lhes, ainda, a oportunidade que me foi dada de concluir essecurso.

    À minha Professora Betânia Moraes, orientadora desse trabalho, que meincentivou e, de certa maneira, me guiou sobre os caminhos tortuosos dapesquisa. Esse estudo não seria possível sem a sua contribuição.

    Aos meus amigos, em razão do incalculável apoio e incentivo por eles dado.

    À minha namorada, por seu incentivo e dedicação em vários momentos de estudo.

    Aos meus companheiros militantes do Movimento Estudantil, junto dos quais luteidurante minha formação acadêmica na tentativa de construir um movimento deresistência aos ataques à Universidade Pública.

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     AGRADECIMENTOS

    Agradeço aos meus pais, a quem eu devo essa grande conquista em minha vida.Eles que têm suas vidas marcadas por uma constante luta para formar e manter a

    sua família, me possibilitaram desfrutar de horas de estudo necessárias paraconclusão desse curso.

    Agradeço ao Neto e Regiane, irmãos carinhosos e prestativos que tem dado esempre darão a sua contribuição nos passos de minha vida.

    Agradeço à Professora Betânia Moraes, orientadora desse trabalho de pesquisa,pela sua grande dedicação e a sua inigualável contribuição para a execuçãodesse estudo. Uma pessoa e professora magnífica, que continuou com minhaorientação mesmo quando essa não constava em sua carga horária naUniversidade.

    Agradeço aos Professores do Curso de Educação Física que atenciosamenteparticiparam de minha pesquisa.

    Agradeço aos meus amigos que sempre me deram força e incentivo durante aminha jornada acadêmica, em especial no período de execução desse trabalho,são eles: Jandison, quem me guiou até a professora Betânia e Walter, sempreprestativo e com palavras de apoio. Além desses, contribuíram com esse trabalho:Rommulo, Meiryane, Niaguara, Marcel, Kelviane, George, Elmo e Simone, dasmais diversas formas, principalmente, com suas amizades, portanto, não poderiamdeixar de serem citados.

    Um agradecimento especial à minha namorada Daniele, por sua ajuda,compreensão e paciência, por suportar todos esses finais de semana em queestive preso à frente do computador.

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    Realmente, vivemos muito sombrios! A inocência é loucura. Uma fronte sem rugas

    denota insensibilidade. Aquele que riainda não recebeu a terrível notícia

    que está para chegar.(...)

    Mas como posso comer e beber,se ao faminto arrebato o que como,

    se o copo de água falta ao sedento?E todavia continuo comendo e bebendo.

    Também gostaria de ser um sábio.Os livros antigos nos falam da sabedoria:é quedar-se afastado das lutas do mundo

    e, sem temores,deixar correr o breve tempo. Mas

    evitar a violência,

    retribuir o mal com o bem,não satisfazer os desejos, antes esquecê-los

    é o que chamam sabedoria.E eu não posso fazê-lo. Realmente,

    vivemos tempos sombrios.(...)

    Para as cidades vim em tempos de desordem,quando reinava a fome.

    Misturei-me aos homens em tempos turbulentose indignei-me com eles. Assim passou o tempo

    que me foi concedido na terra.(...)

    Íamos, com efeito,mudando mais freqüentemente de paísdo que de sapatos,

    através das lutas de classes,desesperados,

    quando havia só injustiça e nenhuma indignação.(...)

    E, contudo, sabemosque também o ódio contra a baixeza

    endurece a voz. Ah, os que quisemospreparar terreno para a bondade

    não pudemos ser bons.Vós, porém, quando chegar o momento

    em que o homem seja bom para o homem,lembrai-vos de nós

    com indulgência.

    (Bertold Brecht, Aos que vierem depois de nós)

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    SUMÁRIO

    1. Introdução ........................................................................................................

    2. A historia da educação física: das civilizações mais antigas até os séculos

    mais próximos da contemporaneidade.............................................................

    2.1 A educação física e o período chamado de pré-história ...........................

    2.2 A educação física e a Idade Antiga...........................................................

    2.3 A educação física e a Idade Média............................................................

    2.4 A educação física entre a Idade Moderna e o século XIX .........................

    2.5 A educação física e a consolidação do capitalismo ...............................

    2.5.1 A educação física e a consolidação do capitalismo no Brasil ..........

    3. Universidade: da sua construção social a sua apropriação pelo capital .........

    3.1 A formação acadêmica/profissional em educação física no Brasil: as

    orientações que interessam ao capital ...........................................................

    3.1.1 O Curso de Educação Física da Universidade Estadual do Ceará

    no centro do debate ..................................................................................

    4. Considerações Finais ......................................................................................

    Referências Bibliográficas ...................................................................................

    Anexos .................................................................................................................

    Anexo I: Roteiro de Entrevista .............................................................................

    Anexo II: Proposta de criação do Curso de Educação Física da UECE – modalidade Licenciatura Plena .............................................................

    Anexo III: Histórico da Universidade Estadual do Ceará .....................................

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    1. Introdução

    Este trabalho tem por objetivo cumprir a exigência da disciplina Projeto deMonografia II do Curso de Educação Física da Universidade Estadual do Ceará,

    através da realização de uma pesquisa sobre as relações entre trabalho,

    educação física e formação humana na sociedade capitalista e suas implicações

    no campo da formação acadêmica/profissional. Para tanto, além de revisarmos a

    literatura sobre a temática, investigamos, particularmente, o curso de formação em

    educação física da Universidade Estadual do Ceará, com vistas a compreender, a

    partir da pesquisa teórica e do estudo empírico, esse complexo processo.

    Tomamos como objetivo geral, compreender as relações entre trabalho e

    educação física na sociedade capitalista e suas implicações no campo da

    formação acadêmica/profissional, investigando, particularmente, o curso de

    formação em Educação Física da Universidade Estadual do Ceará. E como

    objetivos específicos: analisar historicamente a educação física e sua relação

    social nas civilizações antigas até o ano de mil e oitocentos; investigar as relações

    entre a educação física e a consolidação da nova sociedade capitalista; discutir opapel da educação física e sua relação de classe na introdução do capitalismo no

    Brasil; resgatar os principais pontos e contrapontos do debate em torno da

    problemática da formação acadêmica/profissional no contexto do ensino superior,

    no Brasil; bem como, examinar, histórica e criticamente, os cursos de formação

    profissional em educação física, em particular, o curso de Educação Física da

    UECE.

    A preocupação com uma formação humana voltada para uma efetiva

    transformação social é reflexo de minha trajetória acadêmica no curso de

    Educação Física da UECE, onde esta é marcada por um intenso envolvimento

    político, desde a atuação como militante no Centro Acadêmico do curso e no

    próprio Movimento Estudantil da UECE chegando a atuar como diretor no Diretório

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    Central dos Estudantes (DCE). Portanto, tenho a minha formação acadêmica

    marcada por uma luta constante pela melhora qualitativa da formação

    acadêmico/profissional existente no Curso de educação física da UECE.

    Então, dessa trajetória acadêmica surgiu o meu interesse em construir uma

    pesquisa voltada para a compreensão das relações entre trabalho, educação e

    educação física na sociedade capitalista e as suas implicações no campo da

    formação acadêmico/profissional.

    O Curso de Educação Física da Universidade Estadual do Ceará – UECE

    foi implantado em agosto de 2001 e a sua primeira turma, da qual fazemos parte,

    concluiu o curso no segundo semestre de 2005 e não no primeiro, face aomovimento de greve realizado por alunos e professores das unidades do interior e

    capital em defesa da Universidade pública com condições adequadas para o

    ensino, à pesquisa e a extensão. Consideramos tal movimento de suma

    importância, visto que, as universidades públicas nos últimos anos vêm sendo

    vítimas de uma ofensiva, por parte capital, que tem propiciado o sucateamento e

    desmantelamento de suas estruturas, com a clara intenção de concretizar a

    privatização dessas universidades públicas.

    Nossa pesquisa possui sua importância acadêmica e social ao refletir sobre

    os fundamentos desta formação no interior do curso da Universidade Estadual do

    Ceará, em uma análise formulada a partir dos construtos teórico-ideológicos

    explicativos das articulações entre trabalho, educação e formação humana, a

    partir de teóricos críticos que trabalham essas questões, os quais possibilitaram

    contextualizarmos o processo de formação humana no curso de educação física

    da UECE, tendo como referência a realidade de luta de classes em nossa

    sociedade capitalista.

    Portanto, para efetuarmos uma análise critica sobre a formação

    acadêmico/profissional em educação física se fez necessário desnudarmos

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    historicamente a própria educação física, pois como nos afirma Manacorda (p. 23.

    2000) “... a consciência da historicidade das formações sociais é em Marx o

    momento preliminar e o pressuposto implícito de toda análise critica das estruturas

    existentes...”.

    Para a realização dessa pesquisa elegemos, então, o aporte teórico-

    metodologico do materialismo histórico-dialetico, no qual encontramos os

    elementos necessários à compreensão e desvelamento do objeto em estudo.

    A investigação da problemática em questão esteve ancorada na pesquisa

    de campo1, pautada, como já anunciado, numa rigorosa pesquisa bibliográfica que

    garantiu uma sólida fundamentação teórica para a análise, assim como, para a

    contextualização abrangente e crítica do objeto de investigação. A pesquisa foirealizada junto ao Curso de educação física da UECE, no município de Fortaleza,

    capital do Estado do Ceará. Utilizamos como instrumento de coleta de dados:

    analise documental e entrevista. Os documentos analisados foram,

    fundamentalmente, o currículo do curso, seu projeto pedagógico, ementas e

    programas das disciplinas. Entrevistamos seis professores titulares de um

    universo de treze professores lotados na coordenação do Curso de educação

    física da UECE.

    Iniciamos nossa análise histórica sobre a educação física, com um capitulo

    que trata de sua função social desde as civilizações antigas até as civilizações

    modernas. Posteriormente centraremos nossa análise sobre as relações entre

    educação física e o surgimento do capitalismo moderno nas sociedades

    européias, e a sua conseqüente introdução na sociedade brasileira.

    Após compreendermos o histórico da educação física na sociedade

    capitalista, passamos ao segundo capítulo, no qual efetuamos uma reflexão sobre

    a Universidade, desde a sua formação na baixa idade media até o atual contexto

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    de reforma universitária no Brasil, no interior da crise do capital. Para, finalmente,

    adentrarmos na análise da formação acadêmico/profissional em educação física

    no Brasil, e, em particular, na Universidade Estadual do Ceará.

    2. A história da educação física: das civi lizações mais antigas aos

    séculos mais próximos da contemporaneidade

    Compreender a influência da Educação Física na formação humana impõe

    recorrer a uma análise histórica que venha desnudar a relação de classe entre

    trabalho e educação, bem como seus desdobramentos no processo de tornar-se

    homem do homem.

    Interessa-nos acompanhar o curso dos acontecimentos históricos, com o

    intuito de compreendermos a história da Educação Física e sua função social na

    formação humana, daquelas civilizações mais antigas até os séculos mais

    próximos da contemporaneidade. Sigamos, então, o percurso de nossas

    investigações.

    2.1 A educação física e o período chamado de pré-história

    A história da educação física se inicia antes mesmo que as primeiras

    comunidades primitivas comecem a surgir, em um período que se convencionou

    denominar pré-histórico. Esse momento se caracterizava pela presença de tribos

    nômades, ou seja, uma espécie de aglomerado social que possuía uma

    organização simples com toda uma cultura de movimentos necessários para a sua

    sobrevivência, já que em suas atividades, dependiam do movimento, do ato físico,

    e eram passados de pai para filho, caracterizando assim a educação nessa

    sociedade (Oliveira, 1990).

     1 Sobre nossa compreensão de pesquisa de campo, conferir Minayo (1994, p.53): “concebemos campo de

     pesquisa como o recorte que o pesquisador faz em termos de espaço, representando uma realidade empírica a

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    As tribos nômades ou seminômades não possuíam ainda a

    capacidade de cultivar alimentos ou domesticar animais, e suas atividades

    principais para a sobrevivência eram exatamente a caça, a pesca e a coleta de

    frutos, nas quais há uma grande dependência das qualidades físicas como força,

    velocidade e resistência.

    Posteriormente, o homem foi obrigado pelo frio a se abrigar em

    cavernas o que caracteriza o início da sedentarização e o abandono da vida e

    organização das tribos nômades. Com a sedentarização, as populações das

    diversas comunidades primitivas começaram a ampliar-se tornando impossíveis as

    suas sobrevivências primitivas a partir, ou melhor, exclusivamente da caça, dapesca e da coleta, obrigando essas sociedades primitivas a desenvolverem uma

    nova cultura de movimento, como demonstra a seguir Oliveira (1990, p.14):

    “... passaram a dominar técnicas rudimentares da agricultura e

    domesticação de animais. Em qualquer desses momentos, foi

    necessário o aprimoramento das habilidades físicas para a

    otimização de gestos e a construção de ferramentas que

    possibilitassem maior sucesso nas práticas de sobrevivência.”

    Esse período que marcou o início da sedentarização de diversos povos

    acarretou na formação das primeiras comunidades primitivas com uma cultura

    ainda bastante semelhante a das tribos nômades. Tal fase de solidificação das

    comunidades primitivas é marcada por intensos combates, pela posse de terras e

    por bens materiais entre os povos já sedentários e tribos nômades

    remanescentes. Os nômades acabavam sempre levando vantagem pelo maior

    vigor físico que adquiriam nas atividades mais intensas do seu modo de vida. Face

    às freqüentes derrotas nesses conflitos, os membros das comunidades primitivas

    que já plantavam e criavam passaram a aproveitar os momentos de ócio para

    ser estudada a partir das concepções teóricas que fundamentam o objeto de investigação”.

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    treinamento, visando o sucesso em novos confrontos com as tribos nômades,

    caracterizando, portanto, o início do treinamento guerreiro, ainda que bastante

    rudimentar (Oliveira, 1990).

    A fixação e posse da terra, bem como a apropriação do trabalho dos povos

    tomados como escravos nos conflitos, se configuram como fatos determinantes

    das sociedades de classe.

    Com o seguir dos séculos as comunidades primitivas sedentárias acabam

    atingindo um crescimento populacional e cultural constituindo as primeiras

    civilizações antigas.

    2.2 A educação física e a Idade Antiga

    Os documentos mais antigos encontrados sobre uma civilização tratam,

    exatamente, do antigo Egito. Neles encontram-se indícios de que quase a

    totalidade da educação se realizava a partir de ensinamentos passados de pai

    para filho. Surge como exceção, uma forma institucional de ensino dentro do

    próprio palácio voltada para as classes nobres da corte e do palácio,

    demonstrando, assim, a existência de uma educação diferenciada para as

    diferentes classes sociais. (Manacorda, 1997)

    A educação destinada exclusivamente aos nobres, tanto intelectual

    quanto física, os levava a apreenderem as artes do comandar. Melhor dizendo,

    enquanto a educação intelectual baseava-se na arte do “falar bem”, como uma

    arte política de falar nas discussões do palácio e para aplacar as massas, a

    educação física, tendo a natação como um ensinamento primordial, mas também

    fazendo parte de seu conteúdo o tiro com arco, a corrida, a caça as feras, a pesca,

    enfim atividades ginástico-esportivas, em seu conjunto seria a própria preparação

    militar do físico para a guerra. Como podemos atestar, destaca-se como função

    primordial da educação física, na antiga sociedade egípcia, preparar as classes

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    dominantes para a prática do comandar - o “fazer” dos governantes que é a

    guerra. Em poucas palavras, a educação para “o comandar” exigia, por um lado o

    “falar bem”, a arte da oratória e, por outro lado o “fazer”, que é o comandar na

    guerra (Manacorda, 1997).

    A educação dos nobres, é importante destacar, atribuía uma atenção

    especial à disciplina, à obediência incondicional ao mestre (professor) “... o que

    dentro do contexto social obedecer está indissoluvelmente ligado ao comandar”

    (Manacorda, 1997, p.15).

    A classe privilegiada utiliza-se de uma educação exclusiva como

    mais um instrumento para eternizar-se nas estruturas do poder, tanto em suasfunções burocráticas quanto nas atuações políticas do comandar. No entanto,

    para que toda esta estrutura se perpetue é necessário que a classe dominante

    influencie culturalmente as classes subalternas. Embora, as distintas classes

    sociais possuam sua própria cultura, construída e acumulada historicamente, as

    classes mais favorecidas economicamente acabam por sobrepujar a cultura das

    classes dominadas, impondo a elas a sua cultura ético-comportamental. Esse é

    um fenômeno de aculturação existente na antiga sociedade egípcia e que se

    repetirá em muitas outras civilizações que posteriormente aqui serão estudadas. A

    esse respeito, é contundente a análise de Manacorda (1997, p. 30): “A classe

    dominante é sempre um demiurgo que configura a sociedade toda a sua própria

    imagem e semelhança”.

    Um exemplo dessa aculturação na sociedade egípcia está na

    educação física. Melhor dizendo, para a classe dominante não era atrativo que as

    classes populares praticassem exercícios físicos, fato esse que acabou

    influenciando a própria concepção sobre os exercícios físicos presente nessas

    classes como algo perigoso. Como bem registra Manacorda (1997, p.30) no trecho

    a seguir:

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    “... as classes populares não praticavam a ginástica nem a

    música, porque achavam que o exercício físico diário não era

    saudável para os mais jovens e só levariam a uma força de

    curta duração, sendo, assim, perigosos”.

    Ao sair do antigo Egito seguimos para antiga Grécia. Nessa viagem através

    da história, cumpre-nos desnudar as relações de classe presentes na educação

    física. Sigamos.

    Na Grécia antiga, persistem os processos educativos separados de

    acordo com as classes sociais. Para a classe dominante uma escola destinada às

    tarefas do poder, quais sejam: o “falar” (política) e o “fazer” (guerra). Na análise dePlatão, citado por Manacorda (1997), tais tarefas não são opostas, mas sim, dois

    instantes do ato de governar. Para as classes produtivas, inicialmente, não havia

    nenhuma escola voltada para o trabalho, mas apenas o treinamento para as

    práticas produtivas realizadas no próprio processo de trabalho. Em outras

    palavras, para as classes produtoras, nenhuma escola, apenas a aculturação

    vinda da classe dominante (Manacorda, 1997).

    Na Grécia, a educação física vive um momento ímpar em sua existência,

    pois é a única civilização em que a instrução intelectual não é separada da

    instrução física. Ambas possuíam a mesma importância sócio-cultural e eram

    realizadas harmonicamente sob o mesmo espaço; os ginásios, que foram

    construídos para serem centros de cultura física para adultos, acabaram tornando-

    se um local para exercitar o físico e o intelecto, tanto para adultos quanto para

    adolescentes, criando, assim, uma unidade entre exercício físico e exercício

    intelectual (Manacorda, 1997).

    Com efeito, na Antigüidade grega vivenciou-se um momento único na

    história, em que o corpo é concebido em sua forma completa; pois o físico e a

    mente são reconhecidos como duas partes de um mesmo corpo.

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    Saber ler era tão primordial quanto saber nadar, e a ginástica em

    conjunto com a gramática, a música e o desenho compunham os conteúdos da

    escola grega, demonstrando a grande importância da instrução do físico nessa

    sociedade.

    Percebemos que tanto no Egito quanto na Grécia, a educação, enquanto

    aquela voltada para as artes do comandar, é exclusiva da classe dominante.

    Trata-se, novamente, da preparação para a guerra que é essencial na arte de

    governar, tanto quanto a arte da política (Manacorda, 1997).

    Observa-se na educação da elite grega, assim como no Antigo Egito, umagrande ênfase na disciplina. Esse fato será uma realidade constante na história da

    educação física. Manacorda (1997, p. 53) nos deixa claro, na passagem a seguir,

    a associação existente entre disciplina e educação física na civilização grega: “As

    crianças são enviadas ao mestre de ginástica, para que, sendo seus corpos mais

    fortes, obedeçam melhor”.

    A classe dominante almejava através da educação física o desenvolvimento

    do homem pleno; era a busca incessante pelo saber, para o qual era primordial o

    desenvolvimento do físico. As atividades produtivas eram desprezadas, não havia

    escola para a preparação profissional e a educação física não tencionava auxiliar

    aos trabalhadores em suas atividades (Manacorda, 1997).

    O setor aristocrático reprimia as classes dominadas. Portanto, toda

    ascensão social através de conhecimentos adquiridos era desprezada.

    Considerava-se uma ofensa um trabalhador manual manifestar-se nas

    assembléias onde havia as discussões políticas; aos escravos era proibida a

    prática da ginástica. Assim funcionava a opressão e a aculturação de uma classe

    que pretende eternizar-se no poder explorando as classes menos abastardas

    (Manacorda, 1997).

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    A educação era centrada na instrução das letras, das leis e da educação

    física; uma preparação para a guerra e para a paz. As letras e as leis para a

    atuação política dentro da ordem social vigente durante os tempos de paz,

    enquanto para a guerra havia a educação física, que mais do que na própria

    Grécia se trata de uma instrução físico-militar (Manacorda, 1997).

    Roma, tida na história como uma grande potência bélica, apresenta a

    peculariedade do culto ao físico, onde a força passa a ser mais valorizada do que

    o próprio intelecto, ficando os livros e o conhecimento em segundo plano. A

    cultura e as regras morais são valorizadas, no entanto, a educação física, que

    instrui no domínio das armas para a defesa da pátria e a ofensa à pátria alheia, é

    concebida como o aspecto mais importante da formação do homem (Manacorda,1997).

    Nessa cultura, a educação física possuía, também, uma forte característica

    de propagar a cultura da classe dominante para os jovens aliada a uma forte

    disciplina característica da instrução militar. A esse respeito destaca Manacorda

    (1997, p. 100): “... educações morais e cívicas, através das quais as jovens

    gerações eram aculturadas nas tradições pátrias (...) e com o evoluir da

    civilização, também as letras, se acrescentava à educação física”.

    Os prisioneiros feitos nas diversas guerras vencidas pelos romanos eram

    escravizados para realizarem os trabalhos manuais e produtivos nessa sociedade.

    Não existia educação profissionalizante e como nas sociedades estudadas até

    esse momento, a educação física não possui o caráter utilitário para o trabalho,

    mas apenas para a guerra.

    Os exercícios físicos eram proibidos aos escravos até a profissionalização

    dos atletas que competiam nos Jogos Olímpicos antigos ou lutavam nas arenas

    como gladiadores. A educação física já começa a servir a elite de uma nova

    maneira, passa agora a entreter a massa para que essa esqueça da política

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    autoritária existente, onde as classes subalternas não podiam manifestar-se nas

    assembléias políticas, é o início da famosa política do pão e do circo.

    O grande império romano foi enfraquecendo-se através dos séculos,

    chegando até a Alta Idade Média já sem a grandiosidade que ostentou por um

    longo tempo.

    2.3 A educação física e a Idade Média

    A Alta Idade Média, período esse que agora será estudado é marcado por

    profundas transformações culturais que acabam por atingir a educação e,

    consequentemente, a própria educação física.

    Com o cristianismo, a Igreja surge, nas civilizações ocidentais, como

    instituição com poder suficiente para fazer frente ao próprio Estado. Tal fato

    acarreta profundas transformações na educação que passa a ser regida pela

    Igreja e em seus próprios espaços.

    Na educação patrocinada financeira e ideologicamente pelo cristianismo

    não havia, porém, a perspectiva de exclusão das classes populares às fontes de

    instrução, apesar de ainda não existir uma educação voltada para as

    necessidades das classes populares e sim uma intensa aculturação com forte

    predominância sobre os preceitos morais “... todos devem ser, se não cultos, pelo

    menos aculturados...” (Manacorda, 1997, p.115).

    Na escola cristã também não havia mais espaço para a instrução para a

    guerra. Portanto, a educação física foi banida da nova escola que funcionava

    dentro da igreja ou nos mosteiros. A instrução para “o comandar” político é

    fragmentada, assim, o “fazer” e o “dizer” estão separados por completo na

    formação do homem (Manacorda, 1997).

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    Embora a educação física não seja mais ensinada nas escolas, a educação

    guerreira continua exclusiva das classes dominantes, apesar da tendência para

    democratização do ensino. A educação guerreira, nesse momento, se inicia já na

    infância para formar homens fortes e corajosos, desprezando o conhecimento

    intelectual, “as virtudes dos nobres como sempre, são a da paz e da guerra, mais

    do que a cultura...” (Manacorda, 1997, p.138).

    Os homens formados pela Igreja são os intelectuais que, aliados aos

    guerreiros são os suportes e os gerentes do mesmo poder estatal, apesar de

    historicamente guerreiros e intelectuais serem colocados como posições opostas

    na sociedade; estes são os respectivos responsáveis pelo “dizer” e o “fazer”, das

    atividades do Estado descritos por Manacorda (1997).

    Posteriormente, iniciou-se a Baixa Idade Média período no qual surgiram as

    primeiras Universidades. No entanto, não houve grandes transformações na

    educação que continuava centrada nas mãos da Igreja e se estendendo para as

    classes pobres com uma forte aculturação.

    A grande alteração entre esses períodos subseqüentes está na educação

    física, ou seja, dar-se-á a sua transformação de antiga educação guerreira em

    educação cavaleiresca, essa marcada, segundo Manacorda (1997, p. 159), por

    uma “... aculturação espontânea e também institucionalizada, ao modo de vida dos

    castelos e das cortes, a preparação para a técnica da guerra e da política se

    efetua após os primeiros cuidados maternos”.

    Aos quinze anos, a educação cavaleiresca se inicia com o adolescente

    tornando-se aprendiz de um cavaleiro experiente. Aos vinte anos, a educação é

    concluída e o jovem aprendiz é proclamado cavaleiro em uma cerimônia na qual

    recebe uma ofensa física e as armas para a vida de milícia (Manacorda, 1997).

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    A formação cavaleiresca, exclusiva das classes dominantes, valorizava a

    honra, isto é, o comportamento moralmente correto mais do que as próprias

    técnicas de guerra, refletindo assim uma mudança gradual, através da história, na

    qual a educação física passa a se distanciar do cotidiano da classe dominante,

    mesmo continuando a serviço desta. Com efeito, as atividades do poder vão aos

    poucos se tornando apenas o “dizer” político.

    Enquanto isso, os modos de produção se desenvolvem ao ponto que se

    torna inevitável a criação de uma escola profissionalizante. Surge, então, uma

    instituição de ensino voltada para a cultura das classes dominadas,

    caracterizando, assim, uma forte mudança, uma vez que antes estas classes

    apenas recebiam migalhas de instrução formal do ler, escrever e fazer contas(Manacorda, 1997).

    2.4 A educação f ísica entre a Idade Moderna e o século XIX

    No século entre 1300 e 1400, que marca o fim da Baixa Idade Média,

    começa a surgir a classe burguesa e, não coincidentemente, no mesmo período

    se propagam as idéias humanísticas. Tal ideário desprezava a instituição escolar

    como um mecanismo de divulgação da cultura, além de afirmar que o indivíduo é

    nobre por força da natureza. Essas teorias deterministas impregnaram a própria

    educação, fortalecendo a divisão social existente nesse momento histórico,

    influência que chegou até os gramáticos que se esforçam em dissuadir às classes

    populares do estudo, argumentando que era uma atitude anti-humanista a classe

    aristocrática desejar um trabalhador culto (Manacorda, 1997).

    A formação da classe governante vai adquirindo, portanto, uma maior

    ênfase na atuação política, embora na educação física, ainda, esteja presente na

    formação cavaleiresca uma marcante instrução para a guerra.

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    Na formação do cavaleiro a instrução intelectual continua secundária, mas

    os ensinamentos necessários para transitar onde habita o poder, isto é, na própria

    corte, como a arte da política, da diplomacia, leis, cerimonial, além do lazer

    aristocrático dos castelos, como tocar um instrumento, jogar xadrez e compor

    versos, tornam-se conhecimentos preponderantes na instrução cavaleiresca,

    comprovando, assim, a tendência de aproximação da classe do poder do

    comandar político, afastando-se, conseqüentemente, da própria instrução militar

    presente na educação física (Manacorda, 1997).

    A história da educação tem demonstrado que os conhecimentos intelectuais

    e práticos sempre estiveram separados, ou seja, datados historicamente como

    antagônicos - com única exceção, talvez, no ginásio grego. As caçadas, os jogosde armas, as cavalgadas, enfim, as atividades que exercitam o físico opõem-se

    aos livros, e as atividades ditas intelectuais. O cavaleiro sempre se opôs ao padre

    e ao doutor embora pudessem todos pertencer à mesma classe.

    Nos séculos posteriores, entre 1500 e 1800, fica claro o desenvolvimento

    do capitalismo moderno, caracterizando uma intensa fragmentação e

    estratificação social.

    Concretiza-se, por essa época, a educação utilitária para a classe

    explorada e não apenas a aculturação oferecida, anteriormente, pelas classes

    dominantes. Existe, nesse momento histórico, uma tomada de consciência sobre o

    valor laico da educação, além de uma crescente democratização, politização, e

    estatização da instrução após as revoluções francesa e americana (Manacorda,

    1997).

    A educação física, até então distante das classes consideradas inferiores,

    passa agora a se fazer presente na preparação dos pobres e reeducação dos

    delinqüentes, com ênfase exagerada sobre o fortalecimento moral do indivíduo.

    Há também uma grande importância em sua atuação como hobby no tempo livre

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    da classe trabalhadora. Assim, a educação física torna-se parte insuprimível da

    reflexão sobre a formação humana (Manacorda, 1997).

    Já próximo do fim do século de 1800 surge à escola militar tendo na

    educação física, como pontos preponderantes, o seu direcionamento para a saúde

    e como prática utilitária na preparação profissional. A instrução militar já não é

    exclusiva da classe aristocrática, a grande maioria dos futuros soldados passa a

    ser advindos da classe proletária. Surge, também, a concepção de favorecimento

    da saúde através dos exercícios físicos, uma hipótese intensamente propagada

    pela elite governante no século posterior.

    A solidificação do capitalismo moderno trouxe, então, uma grandetransformação na abordagem social da educação física que, nos períodos

    anteriormente estudados, se encontra umbilicalmente ligada a ação prática do

    governante, o “fazer’ das classes dominantes. Mas o governar passa a ser,

    essencialmente o dizer político, e as habilidades para a guerra são, agora,

    atributos da classe proletária, passando a ser a classe para qual a educação física

    se volta, atuando em seu cotidiano de forma utilitária, auxiliando, outrossim, nas

    atividades manuais desempenhadas pela classe proletária na sociedade

    capitalista.

    A educação no capitalismo é democratizada e estatizada, mas a história

    comprova que a instrução quando surge de cima para baixo, isto é, das classes

    dominantes para as classes dominadas não passam de aculturação sobre uma

    classe, com a intenção de eternizar a ordem social vigente, demonstrando que

    “... o fato educativo é um politikum e um social,

    consequentemente é verdadeiro que toda situação política e

    social determina sensivelmente a educação: portanto

    nenhuma batalha pedagógica pode ser separada da batalha

    política e social.” (Manacorda, 1997, p.360).

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    No curso desse mapeamento histórico, presenciamos concretizar-se na

    educação física uma grande transformação política. Melhor dizendo, a educação

    física que no início das civilizações é parte preponderante da instrução das

    classes governantes, passa, com o surgimento do capitalismo, a atuar próxima às

    classes governadas.

    No próximo sub-item, serão estudadas, mais pormenormente, as relações

    entre a educação física e a consolidação da sociabilidade capitalista, desnudando

    a sua verdadeira relação de classes nesta nova sociedade.

    2.5 A educação física e a consolidação do capitalismo

    A partir das duas grandes revoluções burguesas ocorridas no século XIX, a

    saber: a revolução francesa e a revolução industrial na Inglaterra, o capitalismo

    consolida-se, na Europa, como uma nova organização social. Como analisa

    Soares (1994, p. 27) o período de transição do antigo sistema feudal para a

    sociedade do capital é de extrema importância para a educação física, pois dentro

    desta nova sociedade o ser humano transforma-se em recurso humano, em força

    primária de trabalho do sistema de produção “(...) o corpo individual enquanto

    unidade produtiva máquina menor da engrenagem da indústria capitalista, passa

    então a ser uma mercadoria (...)”.

    Com o advento do capitalismo a classe burguesa que já possuía o poder

    econômico apodera-se do poder político e ideológico, possibilitando-a realizar uma

    série de transformações no espaço urbano e nos núcleos familiares necessárias

    para que o sistema capitalista seja implantado com sucesso.

    A sociedade dividida entre proprietários e não-proprietários dos meios de

    produção alcança êxito na acumulação de riquezas, contudo a grande maioria dos

    bens materiais concentra-se nas parcas mãos dos detentores dos meios de

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    Com efeito, cria-se e aprimora-se a medicina social que possuía as bases

    de sua intervenção na ciência higienista, impregnada por conceitos biologicistas.

    Esta traria à luz os “reais” motivos de todas as mazelas sociais, além de possuir

    os mecanismos capazes de solucioná-las. Com efeito, o estado de saúde ou de

    doença de um indivíduo é explicado fora do contexto social, ou seja, os corpos

    doentios não poderiam ser conseqüências das condições insalubres do meio, pois

    as doenças não poderiam ser ocasionadas por questões sociais, mas apenas por

    agentes biológicos, físicos, naturais e morais, portanto, não eram resultantes da

    sociedade do capital (Soares, 1994).

    A ideologia dominante afirmava que as causas das doenças e da pobreza

    não eram as condições precárias de trabalho, ou as habitações sem águaencanada e rede de esgoto, nem, muito menos, os baixos ordenados pagos, os

    quais mal poderiam prover uma alimentação adequada ao proletariado que

    subsistia em situação de extrema exploração e miséria. Todas essas questões

    sociais eram esquecidas pelos médicos higienistas que afirmavam que os

    integrantes da classe proletária “... viviam mal por possuírem um espírito vicioso,

    uma vida imoral, liberada de regras e, portanto, era premente a necessidade de

    garantir-lhes não somente a saúde, mas fundamentalmente a educação higiênica

    e os bons hábitos morais” (Soares, 1994, p.34).

    Como temos analisado, o processo de medicalização da sociedade ocorre

    como uma necessidade do sistema capitalista e as famílias da classe proletária

    são os alvos centrais. È interessante notar que as instituições de ensino e saúde

    públicas e gratuitas são os principais meios de propagação dos ensinamentos

    higienistas - apesar de haver outros mecanismos de reorganização do espaço

    urbano e social, como os sistemas de filantropia burguesa, plano de urbanização e

    de habitação, cujo alvo era exterminar os cortiços e as habitações populares que

    eram, nas palavras de Soares (1994, p.39), “... locais assumidos até então pela

    classe operária como abrigo, refúgio, local de defesa e de autonomia...” e

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    substituí-las por um novo espaço, agora higiênico e reduzido para somente uma

    família habitá-lo.

    Nesse sentido, a escola pública e gratuita passa a ser um importante

    instrumento ideológico de uma classe dominante insatisfeita com a queda de

    produção nas indústrias, bem como pela ausência de homens aptos a

    ingressarem nos exércitos nacionais dadas as degradações físicas ocasionadas

    pelas péssimas condições de vida da classe proletária. A solução encontrada pela

    burguesia para esse problema eram os ensinamentos através da escola das ditas

    “regras do bem viver”, as quais, se seguidas pelos trabalhadores, supostamente

    os levariam a tão almejada “saúde” sem transformações essenciais na estrutura

    capitalista.

    Essas “regras de saúde” determinavam ao operário o que comer e como

    morar, que abandonasse o álcool e a vida libertina de cabarés; trata-se da própria

    educação do físico no sentido de domesticação do indivíduo. Mas, como afirma

    Soares (1994, p.41) “... o que este discurso omite é que são as condições sociais

    e as diferenças de classes que impedem o pleno acesso às tão decantadas regras

    do ‘bem viver’ e não o seu simples ‘desconhecimento’” (grifos do autor).

    As instituições públicas de ensino ligadas ao poder estatal e,

    consequentemente, a serviço da classe dominante passou a ser idealizada como

    um meio de ascensão social capaz de promover a igualdade de oportunidades

    para todos (Soares, 1994).

    Então, as escolas atendendo os anseios da classe detentora dos meios de

    produção, que entendiam ser necessário que os operários adquirissem um maior

    vigor físico e saúde propiciando a essa suportarem o tempo de trabalho sem

    queda na produção, introduzem os exercícios físicos nas atividades letivas tendo,

    ainda, o apoio imprescindível do setor médico higienista que vinculava à idéia de

    saúde ao corpo biológico (individual), corpo a-histórico.

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    “... a prática de todos os exercícios que tornam o homem mais

    corajoso, mais intrépido, mais inteligente, mais sensível, mais

    forte, mais habilidoso, mais adestrado, mais veloz, mais

    flexível e mais ágil, predispondo-o a resistir a todas as

    intempéries das estações, a todas as variações dos climas, a

    suportar todas as privações e contrariedades da vida, a

    vencer todas as dificuldades... prestar, enfim serviços

    assinalados ao Estado e a humanidade”.

    Com a educação física já consolidada nas instituições de ensino como

    matéria essencial para a formação do aluno – futuro trabalhador da indústria, a

    ideologia eugenista, que esteve sempre presente, tornou-se mais freqüente naspráticas junto à sociedade. O eugenismo tratava de justificar “... através de um

    discurso higiênico, a posição social das classes superior e média, que começavam

    a ver-se ameaçadas pela agitação igualitária socialista, provando que eram

    geneticamente superiores as classes baixas” (Costa, 1987, p.19).

    Conseqüentemente, afirmavam que a raça branca, representante das

    classes dominantes, era superior aos negros - assim, a pobreza era justificada,

    também, por questões de raça. Baseada nas teorias eugênicas, muitas medidas

    governamentais foram adotadas visando o melhoramento das raças, já que o “...

    pensamento eugênico europeu comportou igualmente fortes ingredientes de anti-

    semitismo, de hostilidade aos desvios sociais (homossexuais, delinqüentes,

    doentes mentais e alcoólatras) e a obsessão (...) pela proliferação das populações

    ‘inferiores’” (grifo do autor) (Costa, 1987, p. 19).

    A classe dominante por entender que o desenvolvimento da sociedade

    estava atrelado a uma regeneração da própria raça, adotou medidas dificultando e

    proibindo a procriação dos seres inaptos, portanto prejudiciais para a sociedade.

    Criou-se no setor dirigente uma tendência para o embranquecimento da sociedade

    (Costa, 1984).

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    Convém ressaltar que as teorias eugênicas aliadas aos ensinamentos

    higiênicos e somando-se aos exercícios físicos representados pela ginástica,

    constituem os conteúdos da educação física – essa atuando como a própria

    educação do físico no sentido de controle do corpo do indivíduo proletário para o

    convívio social e a realização de suas obrigações dentro da sociedade capitalista.

    Na análise de Foucault, apud Soares (1994, p.28),

    “... o controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera

    simplesmente pela consciência ou pela ideologia, mas

    começa no corpo, com o corpo. Foi o biológico, no somático,

    no corporal que antes de tudo investiu a sociedade capitalista.O corpo é uma realidade bio-política”.

    A inclusão da educação física na escola possui um caráter de classe, como

    foi até aqui demonstrado. Dizendo de outra forma, o fenômeno educação não é

    acidental na sociedade de classes (Soares, 1994), igualmente à própria educação,

    no sentido de instrução domesticadora, é essencial em uma sociedade dividida em

    classes para preparar a mentalidade (aculturação) e a conduta das novas

    gerações sobre as condições fundamentais de sua própria existência.

    Vimos que ao longo da história da educação existem instruções diferentes

    para as distintas classes sociais. Esse fato torna-se ainda mais evidente na

    sociedade capitalista, no qual os conhecimentos intelectuais, esses basicamente

    livrescos, fazem parte da educação da classe dominante caracterizando,

    novamente, a instrução para “o governar” como nas civilizações antigas. A grande

    diferença é observada em relação à educação física que normalmente é parte

    integrante da educação da classe proletária enquanto instrução utilitária,

    disciplinadora dos movimentos corporais e domesticadora, tendendo para

    obedecer às regras opressoras e para os trabalhos manuais na sociedade do

    capital (Soares, 1994).

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    Assim, apresenta-se a educação física como instrumento das classes

    dominantes que acaba utilizando-a, como todo conhecimento do qual se apodera,

    para manter o status quo existente em sociedades estratificadas e fragmentadas

    em classes sociais. No capítulo seguinte será estudada a educação física no

    Brasil com a sua grande importância para a transformação social de acordo com

    os interesses da classe burguesa.

    2.5.1 A educação física e a consolidação do capitalismo no Brasil

    O século XIX no Brasil é marcado por um intenso atraso em seu

    desenvolvimento como país capitalista, enquanto no mesmo período as grandespotências européias já apresentavam um forte desenvolvimento de suas

    estruturas burguesas.

    Então, o fenômeno descrito no sub-item anterior repete-se no Brasil com a

    clara intensão de adequá-lo ao sistema capitalista. É nesse contexto histórico que

    a educação física surge no Brasil, dentro de uma série de teorias higienistas.

    Teorias essas que representavam os anseios da elite dominante e das próprias

    potências capitalistas que desejavam para as colônias do novo mundo uma nova

    ordem política, social e econômica, ou seja, uma estrutura burguesa que viria

    substituir o sistema colonial.

    Mas, para concretizar a derrocada do sistema colonial de estrutura

    escravista e implantar o regime capitalista, um conjunto de teorias higienistas é

    importada da Europa e adaptadas por médicos brasileiros a realidade nacional.

    Por essa razão, a atuação médica higienista no Brasil apresenta algumas

    peculiaridades, na qual a mais salutar é o fato de no primeiro momento serem as

    famílias da elite rural e, posteriormente, as famílias da elite urbana os alvos dos

    médicos higienista. A população como um todo só viria a sofrer as ações médicas

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    higienistas quando a maioria dessas passasse a ser assalariada e livre (Soares,

    1994).

    Assim, as famílias da elite foram os primeiros alvos do setor médico e da

    classe dirigente, por justamente serem elas que formariam os filhos da pátria que

    posteriormente estariam nos quadros do governo.

    É a partir de 1830 que esses núcleos familiares passam a sofrer os efeitos

    das teorias higienistas, a qual afirmava que os pais da elite eram incapazes de

    criar seus próprios filhos e cuidar de seus velhos, portanto, tentam incutir nesse

    cotidiano familiar uma série de atos assépticos, entre eles o exercício físico, além

    de uma nova moral, concepção de corpo e do próprio Estado. Enfim, uma série de

    procedimentos que resultam na criação de indivíduos tipicamente burgueses quepassam a ter as seguintes características

    “... indivíduo físico e sexualmente obcecado pelo seu corpo;

    [...], socialmente racista e burguês em suas crenças e

    condutas; e finalmente politicamente convicto de que da

    disciplina repressiva de sua vida depende a grandeza e o

    progresso do estado brasileiro” (Jurandir apud Soares, 1994,

    p.92).

    Como visto, as teorias higienistas que até esse momento tinham como

    preocupação maior superar os valores coloniais e escravistas, ainda marcantes no

    ideário da elite, passam a moldar seus corpos e suas consciências com a nova

    moral burguesa capitalista, onde a disciplina, a ordem, a ciência e a higiene

    deveriam estar sempre presentes.

    As ciências, em particular a médica/higienista, cumpriam o importante papel

    de legitimar concepções racistas que afirmavam que o homem era superior a

    mulher e o branco ao negro. Essas afirmações científicas, de viés classista,

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    serviam para justificar as posições sociais de cada indivíduo em uma sociedade

    fragmentada em classes.

    Conforme destaca Soares (1994), as teorias higienistas buscavam, no

    primeiro momento, uma efetiva transformação da elite, pois, ainda, não se haviam

    ocupado das famílias de escravos, já que estes deveriam continuar obedecendo

    ao antigo código punitivo, no qual os castigos corporais eram uma constante

    (Soares, 1994).

    Essa realidade só viria a mudar após a independência das colônias e a

    conseqüente emancipação dos escravos. É importante relatar que esses fatos

    históricos correspondiam diretamente aos interesses de expansão do capital daspotências burguesas.

    A partir dessas transformações históricas, o trabalho assalariado passa a

    ser predominante na sociedade brasileira e o capitalismo começa a superar as

    carcomidas estruturas coloniais. Nesse momento, passa a ser interessante para a

    classe dirigente que o projeto de higienização da sociedade se estenda para toda

    a população.

    Uma das primeiras medidas higienistas é a busca pelo embranquecimento

    da população, que por volta do ano de 1850 estava em torno de 5.520.000

    pessoas, das quais 2.500.000 eram compostas de negros. Passa-se, então, como

    afirma Soares (1994, p.95) “... a acentuar o caráter ‘irracional’, ‘bárbaro’, e

    ‘primitivo’ dos negros, reforçarem a idéia de inferioridade, configurá-los como

    ameaça”.

    As práticas oficiais do higienismo incentivavam a procriação da elite ao

    mesmo tempo em que censuravam a procriação dos negros, bem como, dos

    criminosos, capoeiras, loucos, alcoólatras, mendigos, enfim, todos os indivíduos

    indesejáveis a elite (Soares, 1994).

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    A literatura médica fazia uma forte associação entre educação sexual e

    educação física, chegava-se ao ponto de prescrever a ginástica como um remédio

    para a sociedade, pois segundo os médicos a sua prática transformaria homens e

    mulheres da elite em reprodutores em potencial, o que viria a garantir, em um

    futuro próximo, a maioria branca na população nacional (Soares, 1994).

    As sociedades ocidentais sofriam intensas transformações culturais, além

    de um forte processo de modernização, essas alterações eram exatamente as

    conseqüências da aculturação exercida pelos países capitalistas europeus sobre

    as antigas colônias. Dentro desse processo, a acanhada elite nacional encontrava

    grandes dificuldades de acomodar-se a essas rápidas mudanças, ao ponto detornar-se necessário a implantação de um sistema de ensino voltado para a classe

    detentora do poder econômico, que possibilitasse a essa superar o seu atraso

    cultural e dotá-la de conhecimento suficiente para compreender o novo e

    complexo universo urbano.

    A partir das referidas alterações desse momento histórico podemos

    deslumbrar as interferências da classe médica na sociedade, adentrado no espaço

    familiar em nome de uma educação do físico, da moral, sexual, intelectual e social,

    enfim, uma série de procedimentos que possibilitasse ao núcleo familiar adquirir

    características predominantemente burguesas.

     

    Dentre os alvos do setor médico está a escola da classe dominante, que

    antes mesmo de sua efetiva implantação teve que passar por vistorias médicas a

    determinar tudo no proceder escolar, desde a sua arquitetura até o conteúdo

    curricular (Soares, 1994).

    Entre os conteúdos curriculares introduzidos pelo setor médico na escola

    está exatamente a educação física. A elite burguesa foi convencida através de

    uma série de argumentos científicos vindos das ciências biológicas, fisiológicas e

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    anatômicas da necessidade de introdução da educação física nas escolas para

    que viesse a possibilitar o desenvolvimento da pátria.

    Já no período subseqüente, no Império, começam a aparecer os efeitos

    ocasionados pela recente escola da elite. A classe dominante antes impregnada

    com valores coloniais e escravistas passa agora a ter atitudes modernas e

    pensamentos liberais, ou seja, um real interesse em acelerar o desenvolvimento

    do tímido e tardio do sistema capitalista no Brasil.

    No entanto, as ideais de modernização da indústria incutido em nossa

    classe dominante tiveram na ausência de mão-de-obra qualificada um sério

    entrave. Um problema para o qual duas soluções foram encontradas: a primeira,seria incentivar a imigração de trabalhadores europeus, a qual garantiria a mão-

    de-obra para indústria e tornaria a nossa população menos negra; a segunda

    opção, na qual a educação física é fator preponderante, seria a promoção da

    educação do povo.

    Determos-nos na segunda opção que é a que trata exatamente da

    implantação do ensino público, gratuito e universal no país, esse que surge e

    expande-se para corresponder a uma necessidade do capital. A educação,

    manipulada pela classe dominante, exerce o papel de homogeneizar corpos e

    mentes e adequar os indivíduos a realidade da sociedade burguesa, é a eterna

    aculturação exercida sobre a classe proletária (Soares, 1994).

    Nesse contexto, a educação física cumpre um caráter instrumental nessa

    escola, exerce o papel de domesticação do físico e preparação para os trabalhos

    manuais. Já que a escola pública é composta em sua maioria por alunos que

    formarão a futura classe proletária, por essa razão, nessa escola a instrução do

    físico é mais valorizada do que a própria instrução intelectual.

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    Tanto no espaço escolar quanto no não-escolar fortalece-se um discurso da

    categoria médica que atribuí aos praticantes dos métodos ginásticos uma série de

    vantagens para sua saúde individual; as promessas médicas versavam desde a

    prevenção e cura de doenças através de corpos robustos e saudáveis, resistentes

    aos trabalhos manuais, até mesmo a garantia de uma vida mais longa. Todas

    essas vantagens atribuídas aos exercícios físicos põem a questão da saúde como

    uma responsabilidade simplesmente individual (Soares, 1994).

    Os resultados almejados pela classe dominante com a criação da escola

    começam a concretizar-se, assim, o capitalismo no país apresenta um real

    desenvolvimento de suas estruturas. Ao ponto que se chega ao período da

    Primeira República com um intenso crescimento das cidades proporcionados peloaumento da população urbana e a implantação das indústrias.

    A sociedade do capital gera acúmulo de riquezas para a classe burguesa,

    em contra partida, acumula miséria entre a classe proletária acarretando nesse

    momento histórico o aumento da prostituição, das doenças, bairros e portos

    insalubres e graves epidemias. As relações de exploração da sociedade burguesa

    criam o ambiente propício para uma atuação mais contundente do setor médico

    higienista perante a sociedade para transformar o meio urbano e social sem

    alterar as estruturas de exploração burguesa.

    Os discursos do setor médico passam agora a justificar a realidade de

    miséria e exploração vivenciadas pela classe proletária a partir de análise

    positivista de várias teorias científicas. Um exemplo colocado por Soares (1994,

    p.110) e importante de citá-lo aqui é o da apropriação das teorias evolucionistas

    de Darwin “... o evolucionismo mais grosseiro respalda a idéia da concorrência, da

    competição e da vitória do mais forte, do mais saudável, daquele que [...] seria

    mais adequado ao progresso e a nova ordem.”.

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    Mas as práticas higienistas não se resumem aos discursos, elas buscam

    transformar efetivamente os espaços urbanos e adequá-los a sociedade

    capitalista. As ações médicas iam desde higienizar casas e ruas, demolirem

    casarões, rasgar largas avenidas, promover campanhas de vacinação e,

    principalmente, uma forte intensão de alterar radicalmente o modo de vida dos

    indivíduos (Soares, 1994).

    A escola e a educação física, nesse contexto, são mecanismos essenciais

    desse conjunto de empreendimentos da classe média que possuía a intenção de

    purificar indivíduos e o meio urbano, como bem registra Soares (1994, p. 121).

    “Em nome dessa purificação, dessa assepsia do meio urbano,o saber e a autoridade médica (estatal) invadem a intimidade

    dos lares, destroem os seus valores, suas práticas e desejos

    e impõem, no seu imaginário, o ideário burguês de civilidade,

    a ordem, a limpeza, a disciplina, a autoridade, a família, a

    moral, a prosperidade privada”.

    Para as transformações almejadas pela classe dirigentes e médicos

    higienistas, a educação física é utilizada como um instrumento capaz de impor aos

    indivíduos uma disciplina corporal, que resulta em corpos submissos e dóceis sob

    a ótica do poder, porém mais fortes e resistentes sob a ótica da produção (Soares,

    1994).

    O sistema burguês vem desenvolvendo-se no Brasil que passa a cumprir o

    seu papel de país capitalista periférico dentro do capitalismo mundial. Mas as

    organizações democráticas burguesas que vinham sendo implantadas no país

    sofrem, no ano de 1930, um estratégico retrocesso. A própria elite, que as vinham

    implantando, organizam o golpe de Estado que da início ao Regime autoritário

    denominado Estado Novo, o qual toma o poder com a intensão de por fim as

    instabilidades econômicas e políticas presentes no país (Castelanni Filho, 2003).

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    As práticas educacionais nesse novo momento histórico colocavam uma

    forte ênfase no nacionalismo, no anticomunismo, na valorização do ensino

    profissional, da disciplina, da moral e da instrução do físico, que possibilitariam

    uma maior produção na indústria e, ao mesmo tempo, formaria uma nação de

    cidadãos soldados (Castelanni Filho, 2003).

    O sistema educacional, quando a serviço da classe dominante, estará

    predominantemente tentando a reproduzir na classe proletária a moral burguesa

    “... e descaracterizá-las enquanto classe social diluindo o antagonismo de classe

    presentes na relação capital-trabalho” (Castelanni Filho, 2003, p.95).

    A educação física, nesse período, chega a se confundir com a própria

    educação moral e cívica, em razão do Estado utilizá-la para propagação da

    disciplina e da moral nacionalista. Um regime autoritário, no qual, todos os

    homens deveriam ser fortes e resistentes para servir a pátria como soldado, diante

    de conflitos bélicos internacionais ou contra os inimigos internos do regime, isto é,

    os movimentos socialistas existentes no país.

    Já nesse momento histórico, a educação física deixa de se resumir

    exclusivamente a ginástica. Começam a se popularizar no país, por influência

    cultural das potências capitalistas, as práticas esportivas, as quais passam,

    também, a serem conteúdo da educação física.

    Os esportes são disseminados tanto no ambiente escolar como no

    ambiente de trabalho, no qual suas práticas eram incentivadas pelos capitalistas

    estrangeiros, como uma prática capaz de favorecer o trabalhador por lhe trazer

    força, resistência, saúde e revigorar as energias esgotadas em suas jornadas de

    trabalho diárias. (Castelanni Filho, 2003).

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    êxito dos atletas e dos comandantes do Estado - esse seria o comportamento

    adequado de um verdadeiro patriota (Castelanni Filho, 2003).

     

    O Regime Militar, aliado à classe dominante, tenta convencer a classe

    subalterna de que as riquezas acumuladas no sistema capitalista seriam

    repassadas para a toda a população. Com esse intuito, é implantado o Projeto

    Esporte Para Todos, que asseguraria o acesso às práticas esportivas para todas

    as classes sociais, uma tentativa de fantasiar a realidade, criando um falso

    contexto de igualdade de oportunidades para todos (Castelanni Filho, 2003).

    Muitos são os recursos da classe burguesa para imprimir na classe

    proletária a cultura ético-comportamental dominante. Chega-se a impor umaideologia que determina que na sociedade capitalista o sucesso e a fortuna são

    alcançados perante o esforço individual, a disciplina, o comportamento

    moralmente correto e do talento individual, esse considerado como algo inato ao

    homem, que poderia ser um presente divino ou determinado pelo biológico. Todos

    esses fatores são utilizados como determinantes das posições dos indivíduos na

    sociedade, assim, o exemplo de atletas que alcançaram fama e fortuna é utilizado

    para confirmar essa ideologia. Então, o esporte passa a ser entendido como um

    instrumento de ascensão social, em conjunto com a educação cria-se o mito de

    uma sociedade capitalista justa, já que, fornece igualdade de oportunidades para

    todos independentes de sua classe social de origem. As razões sócio-culturais são

    esquecidas e o esporte é utilizado para mascarar a estrutura fragmentada e

    estratificada em classes sociais da sociedade (Castelanni Filho, 2003).

    A educação física, como foi demonstrado até aqui, foi estruturada a partir

    do ideário burguês de civilidade, a qual surge como uma conseqüência do

    processo de biologização e medicalização da sociabilidade capitalista. Esse

    processo trouxe realmente à sociedade um acesso à saúde, com a superação de

    doenças e epidemias. Mas, essa saúde individual é conquistada a troco da

    disciplinarização da vontade dos corpos, do conceito de corpo biológico, a-

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    histórico e com a assimilação da moral burguesa. Um preço bastante alto pago

    pela classe proletária, já que lhes trouxe intensos prejuízos dentro da realidade de

    embate entre as classes sociais antagônicas (Soares, 1994).

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    3. Universidade: da sua construção social a sua apropriação pelo capital

    Depois de concluído este exame sobre a educação física, nos resta, ainda,

    empreendermos uma análise crítica e contextual sobre as Instituições de formação

    acadêmico/profissional, ou seja, a própria Universidade.

    Para realizarmos uma análise concisa sobre o nosso objeto de estudo nos

    remetemos a mais uma busca histórica pela origem da própria Universidade. Para

    tal, nos encontramos novamente com Manacorda (2003, p. 143) que se refere à

    longínqua baixa idade média como ponto inicial das Universidades, quando “...

    paralelamente ao surgimento da economia mercantil...” há o aparecimento dosmestres livres, que estabelecem um novo processo de instrução quando passam a

    instruir também os leigos.

    É possível que a partir desse novo processo de instrução implantado por

    esses mestres livres tenhamos as primeiras manifestações do que viriam a

    tornarem-se as primeiras Universidades, já que, Manacorda (2003, p.147) observa

    que, provavelmente, “... a origem das universidades consistiu na confluência

    espontânea de clérigos de várias origens para ouvir aulas de algum doutor 

    famoso”. (grifos nossos).

    No início do século XIII as Universidades consolidam-se e difundem-se

    como um centro de cultura, essa característica perdura até o fim do século XVII

    quando ocorre uma intensa crise cultural levando as Universidades a uma

    eminente decadência.

    As Universidades só viriam recuperar o antigo esplendor no século XVIII

    com o desenrolar da revolução francesa que promove uma ascensão dos

    conteúdos técnicos científicos e, conseqüentemente, atribui ao ensino superior um

    caráter fragmentado e profissionalizante.

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    Manacorda (2003, p. 288) nos aponta que “... o renascimento da

    Universidade, (...), consiste no fim do seu caráter abstrato e universalístico e na

    assunção de todo um conjunto diferenciado de especializações”. É com essas

    características que o ensino superior atraca no Brasil no ano de 1808 ao lado da

    família real portuguesa.

    O ensino superior chega ao país submerso nos ideais propagados pela

    recente revolução francesa, onde este passa a ter como “... objetivo (...) o

    desenvolvimento do ensino superior profissional em instituições específicas para

    cada especialidade” (Cunha, 2001, p.5). Mas a própria coroa portuguesa impediu

    por um longo período a criação de Universidades no país, já que era de seu

    interesse que os filhos da elite nacional estudassem em Portugal.

    Por essa razão, o ensino superior no Brasil resumia-se há cátedras

    isoladas. As primeiras faculdades só seriam implantadas em 1827, com os Cursos

    de Direito em São Paulo e Recife. Mas, com o fim do império e a repercussão dos

    ideais liberais e a necessidade de modernização de nossa elite são implantadas

    no inicio do século XX as primeiras Universidades nacionais, com destaque para a

    Universidade do Rio de Janeiro, atual UFRJ, que surge com a união das antigas

    Faculdade de Medicina, Escola Politécnica e a Faculdade de Direito do Distrito

    Federal (Cunha, 2001, p.5).

    Chegamos a uma característica marcante na formação das Universidades

    brasileiras que são constituídas a partir de várias faculdades isoladas “costurada

    institucionalmente” como uma Universidade, isto é, em um “processo de

    agregação sucessiva”. Esse processo de formação atribui as nossas

    Universidades a característica de cursos isolados e puramente profissionalizantes,

    como afirma o Prof. Luiz Antonio Cunha (2001, p.6) “... os cursos que se

    desenvolvem nas universidades são tão profissionalizantes, que poderiam ser

    desenvolvidos fora dela...”.

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    A formação da Universidade Estadual do Ceará (UECE), não difere desse

    processo, visto que, em 1975, dois anos após a sua criação efetiva com a

    implantação da Fundação Educacional do Ceará (FUNEDECE), as diversas

    unidades de ensino superior existentes na época são incorporadas ao patrimônio

    da UECE - para registro histórico citaremos algumas dessas instituições, como:

    Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos, Faculdade de Veterinária do Ceará

    e a Escola de Serviço Social de Fortaleza, essas e outras instituições foram

    transformadas em cursos de graduação, portanto, esses são alguns dos primeiros

    cursos da Universidade Estadual do Ceará. (ver anexo III: Histórico UECE).

    Em 1983 ocorre uma mudança significativa no estatuto da UECE, a

    Fundação que rege a Universidade é renomeada e passa a ter a atualdenominação de Fundação Universidade Estadual do Ceará (FUNECE). Mas, ao

    observarmos com um olhar crítico tais alterações compreenderemos que não se

    trata de uma simples e insignificante adequação de siglas, mas refere-se, desde

     já, ao início do processo privatização dessa Universidade pública.

    Ao apreendermos o contexto histórico das últimas décadas,

    compreenderemos que a ofensiva deflagrada sobre o ensino superior não é um

    fenômeno recente. O histórico da própria UECE vem comprovar que a chamada

    “privatização branca” vem concretizando-se de forma obscura e disfarçada na

    forma de simples reformas estatutárias. O histórico oficial refere-se à citada

    alteração no estatuto como capaz de propiciar a instituição uma “... maior eficácia

    operacional no âmbito do ensino, da pesquisa e da extensão...” (ibidem).

    Este discurso está totalmente articulado com as novas tendências do

    capital de propiciar as instituições de ensino uma lógica empresarial em sua

    administração, no qual gerir e manusear recursos de maneira a otimizar

    investimentos são expressões chaves. As conseqüências desse processo são

    visíveis nas Universidades por todo o país. (Coggiola, 2001).

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    Ao centrarmos a nossa análise sobre a Universidade Estadual do Ceará

    basta alguns minutos de reflexão para desenharmos o quadro precário de nossa

    Universidade. O desmonte está expresso na insuficiência numérica de

    professores, bem como, na ausência de concurso público para suprir essas

    necessidades. A deficiência da estrutura física é expressa, por exemplo, na falta

    de papel para impressora na biblioteca, assim como, na criação de um Curso

    como o de educação física com a completa inexistência dos espaços poli-

    esportivos necessários para a sua eficaz implantação. Estudiosos como Coggiola

    e Leher nos apontam para um quadro de completo sucateamento e abandono das

    Universidades públicas por parte do Estado burguês, esta é a realidade que

    impera nas Universidades públicas em nosso país.

    O atual contexto político é marcado por um discurso de corte de gastos por

    parte do Estado e, conseqüentemente, o corte de repasse de verbas para

    manutenção das Universidades públicas. Todos os discursos burgueses

    convergem para o posicionamento de des-responsabilidade do Estado como

    mantenedor das instituições de ensino superior públicas.

    O Estado representativo da classe dominante concentra o seu ataque sobre

    as Universidades públicas e gratuitas, empreende seus esforços para a supressão

    de um direito da classe proletária. Para melhor compreendermos a realidade

    concreta na qual a classe dominante busca a consolidação da privatização da

    Universidade pública, centraremos nossa análise sobre um aspecto intrínseco ao

    modo de produção capitalista, nos referimos as suas crises periódicas.

    As crises são uma constante no modo de produção capitalista, elas surgem

    em diferentes momentos históricos com intensidades e materialidades diferentes.

    A partir dessas características Marx desenvolveu o conceito das crises cíclicas.

    A partir de Marx vamos compreender que as crises são inerentes à

    estrutura do capital, ou seja, “... dialeticamente, no interior do capital, residem

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    encontrarmos a origem desse processo será necessário compreendermos as

    mediações existentes nos mecanismos implantados pelo próprio capital para

    gerenciamento da crise. (Nozaki, 2004)

    Com esse propósito retornamos aos primórdios da atual crise, que tem seu

    início marcado pela queda circunstancial da taxa de lucro no capitalismo mundial,

     já no fim da década de sessenta, com sérias conseqüências sobre a sociedade

    capitalista. Aos representantes burgueses apenas resta desenvolver estratégias

    para reverter os prejuízos da crise, isto é, gerenciá-la e reverter o declínio em seus

    lucros, uma conseqüência natural desse processo é a intensificação da

    concorrência intercapitalista, o que obriga as grandes indústrias a maximizarem a

    sua produção. Tal fato é concretizado através da intensificação da exploraçãosobre o trabalho relativo e trabalho absoluto, além do desenvolvimento e

    implantação de novas tecnologias ao processo produtivo (Nozaki, 2004).

    A implantação de novas tecnologias provoca grandes alterações sobre o

    processo produtivo na sociedade do capital, há uma completa reorganização da

    produção e a substituição das tecnologias rígidas pelas chamadas tecnologias

    flexíveis. Caracterizando-se, então, a superação do antigo modelo

    taylorista/fordista2  de acumulação em detrimento do novo modelo toyotista3  de

    2 O fordismo tornou-se o próprio modelo social e cultural responsável pela fase áurea de desenvolvimento dasociedade capitalista, Nozaki (2004, p.78) nos conta que o fordismo “... foi uma criação de Henry Ford nocampo da indústria automobilística dos EUA, em 1913, com o intuito de se tornar um sistema de produção eorganização do trabalho que maximizasse a fabricação de automóveis...”. Para que esse novo método deacumulação fosse implantado com sucesso como nos fala Nozaki (2004, p. 81) precisou “... apoiar-se nosmétodos gerenciais do taylorismo, a chamada gerencia cientifica do trabalho, buscando a racionalização dasoperações efetuadas pelos operários, evitando desperdício de tempo e maximizando, pois, neste ponto a maisvalia relativa. Assim, ainda na tradição taylorista, implantou o parcelamento das tarefas a partir da limitação erepetição de gestos dos operários durante a jornada de trabalho”.

    3 O toyotismo é um modelo de organização do trabalho criado e implantado na fabrica Toyota pelo presidenteda empresa, o Sr. Kiichiro Toyoda e pelo engenheiro Taiichi Ohno, com intuito de fazer frente as fabricas deautomóveis americanas com seu intenso processo de produção a partir do modelo fordista de organização dotrabalho, o qual não teve obteve êxito nas indústrias japonesas devido a particularidades culturais desse país.Como nos aponta Nozaki (2004, p. 86 e 87) o toyotismo “... foi implantado gradativamente entre as décadasde 50 e 70 na fabrica Toyota, com o intuito de competir com as fabricas americanas, respeitando ascaracterísticas próprias do Japão (...) a idéia central do toyotismo era a eliminação de todo o desperdício

     possível, limitando, por exemplo, as operações que não agregam valor, tais quais transporte, estocagem econtrole de qualidade...”.

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    acumulação. Essa transformação traz grandes repercussões para o campo do

    trabalho e para o campo de formação para o trabalho. Há, em especial, sérias

    conseqüências sobre o campo da educação física, mas nos deteremos sobre

    essas mediações da crise do capital com mais detalhes no próximo sub-item.

    A história tem comprovado que as diversas crises cíclicas do capital sempre

    surgem com as suas especificidades e intensidade agravadas. Por essa razão, a

    cada crise um novo mecanismo é utilizado pelos representantes do capital na

    esperança de atribuir uma sobrevida a sociedade capitalista, ou seja, gerenciar a

    sua crise (Nozaki, 2004).

    No entanto, o capitalismo, atualmente, está passando por uma crise em suaestrutura que difere substancialmente das crises cíclicas anteriormente vistas.

    Esta atinge diretamente toda a sociedade humana, pois ela é contínua, intensiva,

    rastejante, global e universal. Ou seja, está atingindo todos os setores da

    sociedade, todos os países do mundo, e cada vez mais se intensifica. Como

    afirma Mészáros (2000, p.7) “vivemos na era de uma crise histórica sem

    precedentes... Como tal, esta crise afeta – pela primeira vez em toda história – o

    conjunto da humanidade”.

    Como decorrência da atual crise nos deparamos com o surgimento do

    chamado neoliberalismo, tido por teóricos do capital como uma nova ideologia que

    poria um fim a crise mundial e levaria a sociedade capitalista a um novo patamar

    de desenvolvimento (Coggiola, 2001).

    Mas basta uma análise mais atenciosa sobre o conteúdo do neoliberalismo

    para compreendermos que essa nova “ideologia” não passa de um conjunto de

    medidas econômicas comprometidas com os interesses do capital, portanto,

    possuem o claro propósito de elevar a taxa de lucro do grande capital,

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    descarregando a crise sobre as classes sociais menos abastardas

    economicamente. (Coggiola, 2001).

    Assim, camufladas como uma nova “ideologia” as estratégias neoliberais

    são impostas ao capitalismo mundial, elas que na realidade representam apenas

    um pacote de medidas e reformas econômicas que buscam concretizar desmonte

    do antigo modelo de Estado do Bem-estar Social e propiciar novas possibilidades

    de lucro ao velho capital (Nozaki, 2004).

    O discurso neoliberal afirma que a crise é uma decorrência da excessiva

    intromissão do Estado de Bem-estar Social sobre o mercado, além da concessão

    exagerada de direitos à classe proletária, por parte deste antigo modelo. A partirdesse falso discurso, as táticas neoliberais têm como pressuposto principal a

    implantação do chamado Estado mínimo, assim, para sua criação efetiva

    deliberou-se uma estratégia de privatização de estatais, cortes de gastos públicos,

    destruição dos serviços públicos e dos direitos da classe proletária e a

    flexibilização das leis trabalhistas (Coggiola, 2001).

    Um conjunto de medidas que só trazem prejuízo para os trabalhadores,

    acarretando na transformação em serviços de vários direitos sociais, direitos

    esses conquistados com a pressão da classe explorada sobre diversos Estados

    burgueses, cedidos por estes com o objetivo de conter os anseios da classe

    proletária explorada por uma possível revolução socialista.

    Compreendemos, agora, que os interesses privatizantes dos

    representantes do capital com relação às Universidades públicas estão

    diretamente ligados às estratégias de gerenciamento da mais recente crise de

    superprodução na sociedade capitalista. Na tentativa de restituir os antigos níveis

    da taxa de lucro, os representantes do capital operam uma ofensiva contra os

    direitos da classe populares, sendo a educação, em especial a educação em nível

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    superior, proletária qual se concentram os maiores ataques no interior da nova

    lógica neoliberal (Coggiola, 2001).

    As práticas neoliberais visam superar a educação superior como um direito

    universal e transformá-la em mais um serviço passível a fornecer lucros aos

    setores do capital que dela apropriarem-se. Com esse propósito, dá-se início a um

    lento processo de privatização das Universidades públicas, o qual passa pela des-

    responsabilização do Estado burguês como órgão financiador dessas instituições,

    isto é, propicia por parte do Estado um corte no repasse das verbas públicas

    necessárias para a sua manutenção (Coggiola, 2001).

    O processo de privatização das Universidades públicas encontra-se em umestágio bem avançado no atual contexto, por essa razão tem recebido bastante

    atenção nos meios acadêmicos preocupados com suas conseqüências. Mas,

    como citamos anteriormente, não se trata de um processo recente, visto que

    evidenciamos no próprio histórico da UECE ainda no início da década de oitenta

    uma alteração estatutária que acaba por criar uma fundação com o intuito de gerir

    a Universidade, o que caracteriza, desde já, a chamada “privatização branca” da

    Universidade pública. (Coggiola, 2001).

    Essas fundações que na “... maioria dos casos, visam promover negócios,

    ou simplesmente negociatas usando recursos públicos para fins privados, sem o

    ‘ônus’ do ‘risco capitalista’...” (Coggiola, 2001, p.142), representam a introdução do

    capital e, conseqüentemente, do interesse privado no interior da Universidade

    pública. Coggiola (2001) também nos chama a atenção com relação à chamada

    “privatização branca”, que esta também se concretiza nos convênios das

    Universidades públicas com instituições privadas, e essa tem sido uma realidade

    constante em algumas Universidades públicas em nosso país, como por exemplo,

    na Universidade Estadual do Ceará (UECE) onde esta tem sido uma prática usual

    em seu Curso de educação física, no qual, constantemente, os professores do

    curso são obrigados a ministrarem as suas aulas práticas em diversos colégios e

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    Faculdades particulares na cidade de Fortaleza, em decorrência da completa

    inexistência de uma estrutura poli-esportiva no interior do campus da

    Universidade.

    Para utilizarmos uma expressão emblemática de nossa atual situação,

    basta afirmarmos que “nos encontramos no olho do furacão”, ou seja, estamos no

    centro desse processo de privatização da Universidade pública. Vivenciamos, em

    nossa rotina diária de universitários, os diversos mecanismos utilizados pelo

    capital que visam o desmantelamento da Universidade pública e sua posterior

    privatização. Neves e Fernandes (apud Araújo, 2004, p.170) descrevem com

    exatidão nossa realidade no trecho a seguir;

    “... a não realização de concursos públicos para as vagas

    criadas pelos processos de aposentadoria ‘ind