monografia assédio moral

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mONOGRAFIA SOBRE ASSÉDIO MORAL

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINACENTRO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS Programa de Ps-Graduao em Psicologia

CARACTERSTICAS DO ASSDIO MORAL A ALUNOSTRABALHADORES NOS SEUS LOCAIS DE TRABALHO

Taisa Trombetta

FLORIANPOLIS 2005

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CARACTERSTICAS DO ASSDIO MORAL A ALUNOSTRABALHADORES NOS SEUS LOCAIS DE TRABALHO

Taisa Trombetta

Dissertao apresentada como requisito parcial para obteno do grau de Mestre em Psicologia, Programa de PsGraduao em Psicologia, Centro de Filosofia e Cincias Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina, sob orientao do Prof. Dr. Jos Carlos Zanelli.

FLORIANPOLIS 2005

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Dedico ao meu marido pela pacincia e tolerncia, a minha famlia pelo incentivo, aos amigos pela compreenso do tempo afastado e a minha Dinha, que onde estiver, sempre estar no meu corao.

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AGRADECIMENTOS

Aos professores do programa, Professor Dr. Silvio Botom, Professora Dra. Olga Mitsue Kubo, Professora Dra. Maria Juracy Figueiras Toneli, e em especial, ao meu orientador Professor Dr. Jos Carlos Zanelli, pela dedicao, pacincia e incentivo.

turma do mestrado, em especial as colegas de grupo: Adriana Rovani, Cleocimar Aigner Paludo, Leila Berenice do Nascimento Chiodi, Rosangela Zoldan e Tainara Cristina Nesi, pelo companheirismo e amizade.

Aos colegas de trabalho: Giani Cendron, Marisa Vargas, Maria Tereza Ceron Trevisol, Dulce Maria Zanini e Gioconda Damo de Oliveira, pelo apoio nos momentos de dvida e cansao.

organizao, que permitiu a realizao da pesquisada, representada pelos Pr-Reitores, Diretor do Departamento de Cincias Sociais Aplicadas e Coordenador do Curso de Gesto, pela motivao e confiana.

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SUMRIOResumo Abstract 1. Assdio moral no mundo do trabalho.............................................................. 1.1 Indicadores mundiais do assdio moral......................................................... 1.2 Cultura organizacional brasileira................................................................... 1.3.1 O assediado.......................................................................................... X XI 1 1 10 18

1.3 O assdio moral nas organizaes.................................................................. 13 1.3.2 Humilhao e vergonha nos locais de trabalho.................................... 20 1.4 Procedimentos de assdio moral nas organizaes........................................ 23 1.5 Regulamentao e preveno do assdio moral nas organizaes................. 26 2. As diferentes vises do fenmeno assdio moral............................................. 31

3. Mtodo ................................................................................................................ 39 3.1 Breve caracterizao da regio Meio-Oeste................................................... 39 3.1.1 Breve caracterizao da Universidade................................................ 3.2 Sujeitos .......................................................................................................... 40 41

3.3 Fontes de informaes.................................................................................... 41 3.4 Situao e ambiente........................................................................................ 41 3.5 Instrumento..................................................................................................... 42 3.6 Procedimentos ............................................................................................... 3.6.1 Escolha dos sujeitos.............................................................................. 3.6.2.1 Teste do instrumento................................................................. 42 42 43

3.6.2 Elaborao do instrumento utilizado..................................................... 42 3.6.3 Contato com os sujeitos......................................................................... 44 3.6.4 Procedimento de aplicao do questionrio.......................................... 46 3.6.5 Procedimentos de apresentao, anlise e interpretao dos resultados............................................................................................... 47

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4. Apresentao, descrio e interpretao dos resultados................................ 4.1.1 Por sexo................................................................................................ 4.1.3 Por estado civil..................................................................................... 4.1.4. Por fase do curso de gesto................................................................. 4.1.6 Por funo nas organizaes................................................................ 4.1.7 Pelo tempo na funo nas organizaes............................................... 4.1.9 Pelo tipo de vnculo empregatcio com as organizaes...................... 4.1.11 Pelo ramo de atividade das organizaes........................................... 4.2 Caracterizao dos sujeitos assediados por categoria de comportamentos

50 51 56 58 63 65 70 74

4.1 Caracterizao dos alunos-trabalhadores e dos sujeitos assediados............... 50 4.1.2 Por idade............................................................................................... 53

4.1.5 Por rea/setor nas organizaes............................................................ 60

4.1.8 Pelo tempo de trabalho nas organizaes............................................. 68 4.1.10 Pelo tipo de organizao..................................................................... 72 4.1.12 Pela classificao das organizaes por tipo e porte.......................... 77 hostis............................................................................................................... 80 4.2.1 Deteriorao das condies de trabalho.............................................. 4.2.2 Isolamento e recusa da comunicao.................................................. 83 88

4.2.3 Atentado contra a dignidade................................................................ 93 4.2.4 Violncia verbal, fsica ou sexual........................................................ 100 4.3 Com quem e por que o sujeito comentou os comportamentos hostis do lder hierrquico imediato............................................................................. 5 105

Consideraes finais .......................................................................................... 108 Referncias ......................................................................................................... 113 Apndice............................................................................................................. Questionrio......................................................................................................... 118 119

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LISTA DE TABELASTabela 1 Tabela 2 Tabela 3 Tabela 4 Tabela 5 Tabela 6 Tabela 7 Tabela 8 Tabela 9 Tabela 10 Tabela 11 Distribuio por sexo da quantidade e das percentagens dos alunostrabalhadores, dos sujeitos assediados e o comparativo........................................ Distribuio por idade da quantidade e das percentagens dos alunostrabalhadores, dos sujeitos assediados e o comparativo........................................ Distribuio por estado civil da quantidade e das percentagens dos alunostrabalhadores, dos sujeitos assediados e o comparativo........................................ Distribuio por fase da quantidade e das percentagens dos alunostrabalhadores, dos sujeitos assediados e o comparativo........................................ Distribuio por rea/setor da quantidade e das percentagens dos alunostrabalhadores, dos sujeitos assediados e o comparativo........................................ Distribuio por funo da quantidade e das percentagens dos alunostrabalhadores, dos sujeitos assediados e o comparativo........................................ Distribuio pelo tempo na funo da quantidade e das percentagens dos alunos-trabalhadores, dos sujeitos assediados e o comparativo............................. Distribuio pelo tempo de trabalho da quantidade e das percentagens dos alunos-trabalhadores, dos sujeitos assediados e o comparativo............................. Distribuio pelo tipo de vnculo empregatcio da quantidade e das percentagens dos alunos-trabalhadores, dos sujeitos assediados e o comparativo Distribuio da quantidade e percentagens por tipo de organizao que trabalham os alunos-trabalhadores, os sujeitos assediados e o comparativo......... Distribuio da quantidade e percentagens por ramo de atividades das organizaes em que trabalhavam os alunos-trabalhadores, dos sujeitos assediados e o comparativo.................................................................................... Tabela 12 Distribuio da quantidade e percentagens da classificao das organizaes por tipo e porte em que trabalhavam os alunos-trabalhadores, dos sujeitos assediados e o comparativo.................................................................................... Tabela 13 Distribuio da quantidade de registro e da mdia da freqncia por semana e por ms da categoria deteriorao das condies de trabalho pelos sujeitos assediados............................................................................................................... 83 77 74 72 70 68 65 63 60 58 56 53 51

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Tabela 14

Distribuio da quantidade de registro e da mdia da freqncia por semana e por ms da categoria isolamento e recusa da comunicao pelos sujeitos assediados............................................................................................................... 88

Tabela 15

Distribuio da quantidade de registro e da mdia da freqncia por semana e por ms da categoria atentado contra a dignidade pelos sujeitos 93 assediados...............................................................................................................

Tabela 16

Distribuio da quantidade de registro e da mdia da freqncia por semana e por ms da categoria violncia verbal, fsica ou sexual pelos sujeitos assediados............................................................................................................... 100 106

Tabela 17

Distribuio da quantidade dos sujeitos assediados sobre com quem comentaram as suas vivncias de comportamentos hostis.....................................

X RESUMO O assdio moral nas organizaes ocorre na exposio de indivduos a situaes humilhantes, vexatrias e a perseguies, freqentes e por longo perodo de tempo. Humilhaes eventuais, seguidas de desculpas, no caracterizam o fenmeno, mas sim a seqncia acumulativa e repetida de forma isolada. O objetivo desta pesquisa foi caracterizar o assdio moral a alunos-trabalhadores nos seus locais de trabalho. Para tanto, foram escolhidos todos os alunos de um curso de gesto do Departamento de Cincias Sociais Aplicadas de uma universidade do Meio-Oeste catarinense, que estavam trabalhando ou j haviam trabalhado. Os dados foram obtidos por meio de um questionrio semi-estruturado. Dos 173 alunos-trabalhadores matriculados no curso de gesto, 95 (54,90%) caracterizaram vivncias de assdio moral nos seus locais de trabalho, 44 (25,45%) caracterizaram situaes de abuso moral e 34 (19,65%) no caracterizaram situaes de assdio moral, nem de abuso moral. Os alunostrabalhadores assediados, na maioria, tinham de 18 a 26 anos, eram do sexo feminino, solteiros e estagirios. O assdio moral foi mais comum nas organizaes de micro e pequeno porte. Quanto ao tipo de organizao, o assdio moral ocorreu, com maior freqncia, nas comerciais, de prestao de servios, pblicas e industriais, nas reas/setores administrativos, vendas, produo e recursos humanos, principalmente nas funes de auxiliar administrativo, secretria/recepcionista, vendedor, ajudante de produo e gerente. Em relao aos comportamentos hostis, na lista com 44 situaes, as mais registradas foram contestao sistemtica das decises, retirada regular do trabalho, privao do acesso aos instrumentos de trabalho, ausncia de dilogo com o aluno-trabalhador, comunicao restrita escrita, recusa de contato com o alunotrabalhador, insinuaes desdenhosas e desqualificadoras, difuso de boatos sobre o aluno-trabalhador, zombarias sobre aspectos fsicos dele, ofensas s crenas religiosas ou convices polticas, atribuio de tarefas humilhantes, agresses fsicas, invases privacidade, assdio e agresses verbais de natureza sexual e desconsideraes relativas a problemas de sade do aluno-trabalhador.

PALAVRAS-CHAVE: assdio moral; alunos-trabalhadores; comportamentos hostis.

XI ABSTRACT In the organizations bullying happens when the people are exposed to humiliating and shameful situations and to frequent siege for a long time. Eventual humiliation followed by apologies, do not feature the phenomenon, but it features an accumulative sequence that is repeated in an isolated way. The purpose of this research was to feature bullying attacks to students-workers in their workplace. To do so, we picked up all the students from a management course from the Applied Social Science Department in a University in the Midwest of our state, the students selected were working at that time or had already worked before. The data were gotten through a semi-structured questionnaire. From the 173 working students enrolled in the management course, 95 (54,90%) presented experiences of bullying in their workplace, 44 (25,45%) presented situations of moral abuse in their workplace and 34 (19,65%) did not present bullying situations, or moral abuse in their workplace. From the studentworkers who suffered bullying attacks, most of them were from 18 to 26, were female, single and were trainees. Bullying was more common in micro and small business. As for the type of organization, bullying happened more frequently in commercial organizations, in rendering of services, public and industrial companies, in the administration areas/sections, sales department, production area and human resources, mainly to the ones who perform their jobs as administrative assistant, secretary/receptionist, salesperson, production assistant and manager. Concerning to the hostile behavior, in a list of 44 situations, the most registered were systematical contestation of the decisions, removal from work, denial of access to the working tools, absence of dialogue with the student-worker, communication restricted to written procedures, refusal of having contact with the student-worker, disdainful and disqualifying insinuations, propagation of gossips about the student-worker, make jokes about the physical aspects of the student-worker, offense to the religious beliefs or to the political convictions, attribution of humiliating tasks, physical aggression, invasion of privacy, harassment and verbal offenses from sexual nature and affronts related to health problems of the student-worker.

KEY WORDS: bullying; students-workers; hostile behaviors.

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1 O ASSDIO MORAL NO MUNDO DO TRABALHOAs relaes humanas no ambiente de trabalho podem se tornar cada vez mais perversas. Pequenos atos perversos so to corriqueiros que parecem normais. Podem ser iniciados por palavras agressivas, comportamentos ou gestos violentos. Quando estes comportamentos se repetem de modo freqente e por longo perodo de tempo (mais de trs meses) caracteriza assdio moral. O assdio moral pode ocorrer tanto na estrutura familiar, como nas escolas e nas organizaes. definido como a exposio de indivduos a situaes humilhantes e vexatrias e a perseguies, freqentes e por longo perodo de tempo. No existe uma nica definio para o termo assdio moral entre os profissionais, pois esse fenmeno pode ser abordado de muitas maneiras dentre as vrias reas profissionais e as diferentes culturas. Humilhaes eventuais, seguidas de desculpas, no caracterizam o fenmeno, mas sim a seqncia acumulativa e repetida de forma isolada que constitui assdio moral. O assdio moral no trabalho to antigo quanto o prprio trabalho, mas somente na dcada de 1990 que foi identificado como fenmeno destruidor do ambiente de trabalho, que diminui a produtividade e favorece o absentesmo, devido aos desgastes psicolgicos que provoca. Portanto, relevante buscar respostas ao seguinte questionamento: quais so as caractersticas do assdio moral a alunos-trabalhadores1 nos seus locais de trabalho?

1.1 Indicadores mundiais do assdio moralBarreto (2003) salienta que a Organizao Internacional do Trabalho (OIT) em pesquisas publicadas recentemente (mas no as identifica), detectou resultados alarmantes sobre os danos e agravos causados sade dos trabalhadores, conseqentes do aumento dos distrbios psquicos e das vivncias depressivas. Segundo a autora, a Organizao Mundial de Sade (OMS) tem alertado que a depresso, nas prximas duas dcadas, poder ser umaCompreendem alunos-trabalhadores os indivduos que esto em processo de educao em estabelecimento de ensino e, conjuntamente, executam atividades de carter fsico e intelectual em uma organizao pblica ou privada.1

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das mais importantes causas de morte e de incapacidade no planeta. Bodin (2000), do Fundo Europeu para a Melhoria das Condies de Trabalho e de Vida (Fundo Dublin), concluiu, aps extensa pesquisa, que 8% dos trabalhadores da Unio Europia, ou seja, 12 milhes de homens e mulheres, vivenciaram, nos seus locais de trabalho, situaes de humilhaes e constrangimentos, e destes, 4% sofreram violncia fsica e 2% assdio sexual. Na Sucia, 15% dos casos de suicdio tm sua causa nos fatores organizacionais. As pesquisas realizadas pela OIT, OMS e o Fundo Dublin destacam os distrbios de sade mental relacionados com as condies de trabalho em pases como Finlndia, Alemanha, Reino Unido, Polnia e Estados Unidos. As perspectivas so preocupantes para as duas prximas dcadas, pois, segundo a OIT e a OMS, elas sero as dcadas do mal estar da globalizao, quando predominaro depresses, angstias e outros danos psquicos relacionados com as polticas de gesto das organizaes (BODIN, 2000). De acordo com Freitas (2001), a revista francesa Rebondir, especializada em questes sobre emprego, realizou uma pesquisa a respeito do tema assdio moral nas organizaes francesas. A amostra estratificada por sexo, idade, profisso e regio envolveu 471 profissionais franceses, entre os dias cinco e seis de maio de 2000. Os comportamentos tipificados como assdio moral foram: insultos, humilhaes, deboches, isolamento e geladeira2, repetidos. Do total, um em cada trs assalariados j foi assediado moralmente e 37% dos entrevistados j viram isso ocorrer com algum colega. Do total de assediados, 52% sofreram pelo menos trs dos tipos de comportamentos citados acima. A pesquisa permite demonstrar que, por categoria, j sofreram algum tipo de assdio moral: 35% dos executivos superiores; 27% do nvel intermedirio e de superviso; 27% do nvel administrativo e 32% dos trabalhadores ou operrios. Em relao ao tipo de organizao, 30% do assdio moral ocorreu em organizaes privadas e 29% no setor pblico. Tambm foi constatado que o suicdio cometido por pessoas que sofreram assdio moral mais comum no setor pblico, pela dificuldade em demitir quem assedia, pois este tem estabilidade, efetivo, na sua maioria, e s pode ser demitido por sentena judicial ou2

Segundo Hirigoyen (2000, p. 128), corresponde a uma forma de assdio no vazio. A pessoa rejeitada porque no se adapta mais ao cargo, mas ao mesmo tempo no existe nada de especfico contra ela ou porque, devido a um conflito com a hierarquia, torna-se claro que ela no mais adequada para o esprito da organizao.

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mediante processo administrativo. Entre os entrevistados, 85% querem uma lei para punir a prtica, ainda que apenas 37% a considerem como prioritria. Conforme Hirigoyen (2002), a Organizao Internacional do Trabalho (OIT) realizou, em 1996, um levantamento sobre o assdio moral e comparou a violncia no trabalho nos pases da Unio Europia. Os resultados permitiram mostrar que 4% dos trabalhadores foram objeto de violncias fsicas, 2% de assdio sexual e 8% de medidas de intimidao. Com base nesses dados e por intermdio de pesquisa, a autora (2000, 2002) constatou que s na Frana, dois milhes de pessoas se dizem vtimas de assdio moral. As denncias feitas por ela, que utilizou depoimentos reais em seu estudo, terminaram por provocar uma srie de acontecimentos em toda a Europa. Um projeto de lei foi criado e h dispositivos de proteo trabalhista em elaborao no Parlamento Europeu. A Sucia j identificou o assdio moral como um problema trabalhista desde 1993 e, pelas pesquisas desenvolvidas, estima que 9% dos empregados suecos sejam vtimas do fenmeno. Na Frana, um caso de suicdio foi reconhecido no pas como acidente de trabalho, resultado da presso moral sofrida pelo trabalhador (HIRIGOYEN, 2000). As pesquisas e estudos referentes ao fenmeno assdio moral diferem em termos de metodologia, foco de anlise e suporte terico-conceitual, conseqentemente os resultados divergem em decorrncia das organizaes e grupos de pesquisa terem utilizado sujeitos e amostragens diferentes na delimitao de suas pesquisas. As diferenas nos resultados no invalidam as pesquisas pois, estas possuem como caracterstica, embora em grau variado, dados qualitativos e quantitativos, na sua maioria, demonstrando a necessidade social e cientfica de continuidade dos estudos referente ao fenmeno. Em estudo realizado em Estrasburgo por Seiler e citado por Hirigoyen (2000, 2002), segundo os critrios da associao Mots pour maux au Travil, foi constatado que 43,5% das mulheres e 56,5% dos homens so assediados moralmente. O estudo de Seiler tambm permitiu verificar que os jovens so mais assediados do que outros grupos de idades (16,7%), mas no se sentem assediados em maior grau. J a investigao realizada pelos mdicos do trabalho da regio de PACA (Sul da Frana), possibilitou revelar que 73% das mulheres so assediadas moralmente e a mdia de idade igualmente elevada, chegando a 41,73 anos (HIRIGOYEN, 2000, 2002). Leymann (1996), na Sucia, constatou que 55%

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das mulheres e 45% dos homens so assediados moralmente, e Hirigoyen apresenta indicadores de assdio moral em 70% das mulheres e 30% dos homens. J as pesquisas na Noruega, conduzidas por Einarsen e Skogstad permitem mostrar que 55,6% das mulheres e 43,9% de homens foram assediados moralmente (HIRIGOYEN, 2000, 2002). Barreto (2003) apresenta o percentual de trabalhadores europeus afetados pelo assdio moral: Reino Unido 16,3%, Sucia 10,2%, Frana 9,9%, Irlanda 9,4%, Alemanha 7,3%, Espanha 5,5%, Blgica 4,8%, Grcia 4,7% e Itlia 4,2%. Segundo Salvador (2003), os Estados Unidos da Amrica (EUA), por intermdio da Comisso para a Igualdade de Oportunidade de Emprego dos Estados Unidos (EEOC), tm realizado estudos e pesquisas para o levantamento do desenvolvimento do assdio moral no ambiente de trabalho e chegaram a cifras astronmicas de milhes de trabalhadores assediados. Isso gera nos EUA indenizaes milionrias em favor dos assediados, fato que se transformou em um dos principais riscos financeiros das organizaes. Uma organizao americana foi condenada a pagar 50 milhes de dlares a uma empregada assediada moralmente, como decorrncia de observaes chocantes sobre o seu dote fsico; e outra foi condenada a uma indenizao superior a dois milhes de dlares a empregados por agresses ocorridas no ambiente de trabalho. No estado da Flrida, uma organizao foi condenada a pagar uma indenizao de 237 milhes de dlares a um gerente que foi assediado por seu chefe. Lacerda (2003) revela um exemplo de assdio moral que ocorreu na Argentina. Um escritor argentino, diretor de um rgo pblico desse pas, por questes polticas, o governo no o queria em seu corpo de empregados. O escritor era concursado e pela lei no poderia ser demitido. O governo, ento, o nomeou inspetor de aves e ovos do mercado municipal. Ele pediu demisso. No Brasil, Barreto (2000) realizou uma pesquisa de campo, de maro de 1996 a julho de 1998, que teve como universo 2.072 pessoas (1.311 homens e 761 mulheres). A pesquisa foi realizada com um sindicado de So Paulo e com seus trabalhadores. Ao todo, a pesquisa englobou 97 organizaes filiadas. Em resumo, a pesquisa permite mostrar que: os sujeitos pesquisados foram os afastados por doena ocupacional, portadores de doena ocupacional (LER), acidentados, afastados por acidente de trabalho, licena maternidade, intoxicaes, problemas neurolgicos, fsicos e psicossomticos, os que retornavam de

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afastamento e os demitidos. A amostragem foi constituda de empregados, na maioria, da linha de produo. Dos pesquisados, 42%, ou seja, 870 empregados (494 mulheres e 376 homens) fizeram referncia a humilhaes no local de trabalho, impostas pelo superior hierrquico, forando-os, freqentemente, a desistir do emprego. Pela pesquisa, a autora tambm constatou que as mulheres so as mais humilhadas, porm os homens utilizam mais drogas, principalmente o lcool. Do total de pessoas entrevistadas, 18,3% chegaram a tentar suicdio. Conforme Barreto (2003), estava sendo realizada uma pesquisa em mbito nacional que envolviam trabalhadores de organizaes pblicas e privadas de diferentes categorias (mas no a identifica). Os dados preliminares apontaram para um ndice nacional de 33% de assdio moral, que variava segundo a regio. No painel Mundo do Trabalho: independncia sindical, tica e cidadania, promovido pelo Sindicato Nacional dos Auditores (UNAFISCO) Fiscais da Receita Federal Brasil, Heloani (2003) salientou que, em seus estudos, 47% de seus pacientes em estado depressivo haviam passado por situaes de assdio moral (no especificou o mtodo utilizado). Segundo Barreto (2003, 2004), organizaes no Brasil esto sendo processadas por assdio moral. No Paran, uma organizao de refrigerao, por suspeita de roubo, grampeou os telefones de dois empregados e chamou a polcia porque os empregados se recusaram a assinar a confisso de culpa. Os comercirios foram retirados do local de trabalho por dois policiais. As agresses iniciaram no trajeto delegacia, onde ficaram sabendo das acusaes de furto no interior da loja. Por terem se recusado a assinar a confisso de culpa, a polcia os torturou e tirou a roupa de um dos empregados. Os policiais bateram na planta dos ps dele com um pedao de pau e espancaram todo o corpo; um pano encharcado com gua foi colocado na boca e no nariz. A tortura durou em torno de cinco horas. No houve comprovao do envolvimento dos empregados. A organizao foi condenada pela 2a. Turma do Tribunal Superior do Trabalho a pagar indenizao por assdio moral de R$ 34.509,00, arbitrada por sentena de 1o. grau e mantida pelo Tribunal do Trabalho do PR (9a. Regio) (BARRETO, 2003). Os representantes de uma montadora de automveis de So Caetano SP prestaram depoimento Comisso de Relaes de Trabalho da Assemblia Legislativa por denncia

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de assdio moral feita por duas empregadas, por terem sido coagidas a aderir a um programa de demisso voluntria (PDV). Uma das empregadas, h 14 anos na organizao, alegava ter sido mantida em sala fechada por quatro horas, pressionada pelo superior hierrquico a aderir ao PDV. A montadora afirmava que a denncia era infundada. A Comisso enviou a denncia Delegacia Regional do Trabalho e Comisso de Direitos Humanos da OAB. O processo tramita na Justia do Trabalho (BARRETO, 2003). Uma organizao no municpio de Duque de Caxias - RJ, foi condenada indenizao por dano moral coletivo, por coagir empregados a desistir de uma ao sobre horas extras. Os empregados foram chamados por seus superiores hierrquicos e coagidos a assinar um pedido de desistncia, com ameaa implcita de demisso. Segundo a deciso de 1o. grau, da 3a. Vara do Trabalho de Duque de Caxias, a ao fixada foi de 50 salrios mnimos (BARRETO, 2003). Um grupo de professoras de um municpio da Bahia foram favorecidas com uma deciso judicial de reintegrao nos cargos e nas funes. Por ordem do prefeito, foram trancadas numa sala em absoluta ociosidade, com as janelas cobertas por tapumes, eram vigiadas por uma abertura feita na porta de acesso e foi proibida a comunicao entre elas (GUEDES, 2003). Duas organizaes financeiras, uma estatatal, com casos mais abusivos no Esprito Santo, Maranho, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Par, Paran, Pernambuco, Rondnia e So Paulo, e a outra privada, esto sendo processados por assdio moral. Os processos tramitam na Justia do Trabalho (BARRETO, 2003, 2004). Em Ao Civil Pblica, movida pelo Ministrio Pblico do Trabalho (MPT) do Distrito Federal, o Tribunal Regional do Trabalho 1a. Regio condenou uma organizao de transportes urbanos e o gerente de relaes comunitrias, pela prtica de assdio moral. A denncia ao MPT foi feita pelos empregados de telemarketing que prestavam servio organizao. O relato dos empregados demonstrou que o gerente de relaes comunitrias, responsvel pelo acompanhamento da execuo do contrato, constrangia os empregados da prestadora de servio, dando-lhes ordens diretamente, fazia ameaas de demisso e interferia nas escalas de servios; agia como chefe imediato, o que no permitido em casos de servios terceirizados. A organizao foi condenada por dano moral coletivo, junto com outros envolvidos, a pagar indenizao no valor de R$100.000,00, reversvel ao Fundo

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de Amparo ao Trabalhador (FAT). A organizao e o gerente de relaes comunitrias foram condenados e proibidos de submeter empregados que estivessem prestando servios a qualquer constrangimento moral decorrente de perseguies, ameaas, intimidaes, humilhaes ou agressividade no trato pessoal. Em caso de descumprimento, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) determinou multa diria no valor de R$500,00 para a organizao e de R$100,00 para o gerente, duplicada em caso de reincidncia e quadruplicada para nova reincidncia. A organizao no foi condenada por assdio moral, uma vez que o contrato de prestao de servios com a terceirizada no estava mais em vigncia (BARRETO, 2004). Uma indstria de foges de Campinas - SP estava sendo acusada de cometer coao e assdio moral contra empregados e parentes de seus empregados. No ms de julho de 2002, os empregados fizeram uma greve de seis dias. A organizao enviou quatro telegramas para cada famlia, em que os ameaava de retaliao e demisso. No texto do telegrama, a organizao alertou que a greve traria conseqncias como o comprometimento do oramento familiar e colocao do emprego em risco. Sugeria uma conversa franca em casa para que os parentes convencessem os trabalhadores a retornarem aos seus postos. A greve foi encerrada no dia oito de julho de 2002, mas 59 empregados foram suspensos por cometerem faltas graves. O sindicato da categoria informou que a maioria dos suspensos pertencia a CIPA ou eram vtimas de acidente de trabalho. A assessoria de imprensa da organizao informou que a suspenso era garantida pela Constituio e foi aplicada aos empregados que insistiram em fazer greve no interior da organizao. A assessoria acrescentou que a diretoria da indstria no iria comentar sobre os telegramas e sobre a ameaa de demisso por justa causa. O processo tramita na Justia do Trabalho (BARRETO, 2004). A Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho decidiu, por maioria de votos, que uma organizao, no estado do Rio de Janeiro, teria que pagar diferenas salariais a uma ex-empregada que sofreu rebaixamento funcional, aps exercer durante 20 anos as funes de gerente responsvel pelos centros de atendimento da organizao, onde comeou a trabalhar em 1947. A administradora, aos 75 anos, foi exonerada do cargo de gerente operacional II no mesmo dia em que passou a vigorar o novo plano de cargos e salrios da organizao. Alm de no ser extinto o cargo, o cargo teve a sua remunerao

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praticamente dobrada. A empregada foi transferida para uma saleta, com uma mesa e uma cadeira e no mais recebeu atribuies, at ser demitida sem justa causa um ano aps o ocorrido. O relator do recurso concluiu que a empregada, em face do rebaixamento funcional, sofreu prejuzo moral ao passar pela humilhao de ser posta de lado, como um objeto que no serve mais, depois de tantos anos dedicados organizao (BARRETO, 2004). Uma organizao situada em Carapicuba, com o objetivo de reprimir e desestabilizar a organizao de seus trabalhadores, praticou o crime de assdio moral, ao divulgar de forma mentirosa que seu empregado e dirigente do sindicato era portador do vrus da AIDS. Em repdio e para estabelecer a verdade a cerca de 400 trabalhadores da organizao, o sindicato realizou um ato de protesto na portaria da fbrica, no ms de abril 2004. A responsabilidade da organizao nesse crime fica comprovada com a absoluta passividade dos superiores hierrquicos em evitar a propagao dessa falsa acusao em seu interior pela chefia imediata dos trabalhadores (BARRETO, 2004). A Procuradoria Regional do Trabalho da 5a. Regio, na Justia do Trabalho da Bahia, abriu inqurito de assdio moral, ofensa dignidade, discriminao racial e um pedido indenizatrio de R$10.000.000,00 contra uma indstria de bebidas, instalada em Salvador BA, que se originou a partir dos atos praticados contra colegas de trabalho pelo gerente de vendas da organizao. De acordo com denncia feita por uma empregada ao Ministrio Pblico do Trabalho, o gerente de vendas ofendeu a dignidade da trabalhadora quando a ofereceu como prmio aos vendedores que viessem a atingir determinadas cotas mensais ou a clientes que adquirissem os produtos da organizao. Tambm acusado de ter queimado as ndegas da denunciante com um isqueiro, fato ocorrido diversas vezes e confirmado por testemunhas pelo MPT. Em reunio com os vendedores, quando questionado, o gerente de vendas afirmou manter relaes sexuais com a empregada. Tambm obrigou os vendedores do sexo masculino a usar saias como prenda por no terem atingido a cota de vendas, e os vendedores que no atingiram uma segunda vez as cotas de vendas a segurar um pnis de borracha. No depoimento, o gerente nega as acusaes. Na Ao Civil Pblica, os relatores do recurso pedem indenizao de dez milhes de reais por dano moral coletivo contra os trabalhadores. A organizao teria sido

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conivente com os comportamentos do gerente. O processo tramita na Justia do Trabalho (BARRETO, 2004). Segundo Aguiar (2003), uma organizao financeira de Salvador BA estava passando pelo pedido de indenizao por danos morais, motivado pelo preconceito e pela discriminao a uma bancria, portadora do vrus da AIDS, obrigada a afastamento das suas atividades de operadora de caixa, em funo do acometimento da doena. O TRT- 5 Regio, 4 Turma de Salvador BA, relata que os fatos se iniciaram, conforme acrdo, quando, de forma discriminatria e preconceituosa, o banco proibiu a reclamante de continuar no exerccio da funo de caixa executivo pelo fato de ser portadora do vrus HIV, impedindo qualquer contato dela com o pblico. Em conseqncia de tal proibio, a demandante ficou impossibilitada de participar do rodzio de caixas realizado na agncia. A deciso de no permitir a permanncia da empregada nas atividades de operadora de caixa, segundo tese do reclamado, foi procedida para "proteger a sade da reclamante", evitando o seu contato com dinheiro, visto que "dinheiro sujo, inclusive o prprio cheiro contaminante". Uma empregada do banco, escutada como testemunha, afirmou que era do conhecimento de todos os comissionados que a reclamante no participava do rodzio de caixas porque era portadora do HIV. A empregada depoente confessou, no processo trabalhista, que portadora do HIV, exerce a funo de caixa e recebe a comisso. Por temer represlia, no comunicou ao banco; o que comprova, segundo a relatora do acrdo, que a empregada portadora de idntica patologia tambm exerce a funo de caixa, sem nenhum agravante para a sua sade, e recebe a comisso correspondente. O processo tramita na Justia do Trabalho (BARRETO, 2004). A mdica do trabalho Margarida Barreto realizou uma pesquisa no setor bancrio, em que foram distribudos trs mil questionrios de autopreenchimento para 886 agncias, por meio da Gerncia Regional 72 NASBE e 43 ADGER, referente capital paulista, grande So Paulo, ao interior e a outros estados da Unio regio Norte correspondendo a 51 agncias e regio Sul do pas com 41 agncias. Desses questionrios, 1.001 retornaram at a data estipulada e correspondem a 452 homens e 549 mulheres. A anlise dos questionrios permitiu compreender as conseqncias polticas da privatizao do banco (novas polticas de gesto e ameaas de desemprego) sade dos seus empregados. A anlise realizada tem margem de erro de 3,2 % dentro de um coeficiente de confiana de

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95,5 %. Os relatos de assdio moral foram alarmantes. O clima organizacional era de presso psicolgica, em que predominavam a manipulao perversa e o abuso do poder, como forma de forar os empregados a aderir ao Plano de Desligamento Voluntrio (PDV) ou Plano de Desligamento Involuntrio (PDI) (BARRETO, 2004). No Brasil, existem mais de 80 projetos de lei e dispositivos de proteo trabalhista em elaborao sobre assdio moral nas organizaes, j aprovados nos municpios de Americana, Campinas, Guarulhos, Iracenpolis, Jaboticabal, Amparo, Cruzeiro, Guararema, Guaratinguet, Presidente Venceslau, Bauru, Joboticabal, Ribeiro Preto, So Jos dos Campos, So Paulo, Natal, Porto Alegre, Cascavel, Curitiba, Reserva do Iguau, Sidrolndia, Vitria. Foram aprovados projetos no Rio de Janeiro, So Paulo, Cear, Esprito Santo, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Paran, Bahia. No mbito federal, h propostas de alterao do Cdigo Penal sobre assdio moral, coao moral, assdio sexual e crime de tortura. Outros projetos de lei esto relacionados Portaria do Ministrio da Sade, Resoluo do Conselho de Medicina e ao Regulamento da Previdncia Social referentes ao assdio moral. No mbito internacional, h dispositivos de proteo trabalhista em elaborao sobre assdio moral nas organizaes nos seguintes pases: Frana (Lei de Modernizao Social); Chile (Projeto de Lei); Noruega (Legislao Trabalhista); Uruguai (Projeto de Lei); Portugal (Projeto de Lei); Sua (Projeto de Lei); Blgica (Projeto de Lei); Parlamento Europeu (Resoluo) e Comisso Europia (Projeto de Lei) (BARRETO, 2003, 2004). O assdio moral pertinente aos padres morais da cultura e aos valores sociais do contexto. Ocorre em ambientes sociais de algum modo permissveis. Assim, uma breve reviso da produo cientfica brasileira sobre cultura pode auxiliar na compreenso do fenmeno assdio moral nas organizaes.

1.2 Cultura organizacional brasileiraA produo de pesquisa e estudo sobre a cultura organizacional brasileira difere em termos de metodologia, foco de anlise e de suporte terico-conceitual. Segundo Hofstede (1991, p.5) cultura o programa coletivo da mente que distingue os membros de grupos ou categorias de pessoas. O programa mental referido

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pelo autor seria resultante de vrias dimenses sociais de influncia ou, em seus termos, diferentes nveis de cultura que formariam, em cada indivduo, diferentes camadas de influncia cultural ou programao. Cultura um programa mental que leva os indivduos a se comportarem absolutamente em conformidade a padres grupais. A ao determinada pelo fato de algum pertencer a determinado grupo social. Segundo Alcadipani e Crubellate (2003), o modelo de Hofstede parte de pressupostos falaciosos e passa por cima das pluralidades e diversidades dos pases que analisa. A perspectiva ps-modernista de anlise da cultura nas organizaes (Martin, 1992; Alvesson e Berg, 1992; Alvesson, 1995) compreende este aspecto de forma contrria. Segundo os autores, a suposio de que a cultura faz com que as pessoas atuem de acordo com algo predeterminado, vista com uma simplificao da realidade, j que ambigidades, pluralidades e peculiaridades individuais so, mais uma vez, atropeladas. Alm disso, a definio de cultura acaba por impor uma identidade ao sujeito que a ela pertence, ou seja, ele aprisionado dentro dos limites da cultura, ponto questionado pela perspectiva ps-moderna (MARTIN, 1992 apud ALCADIPANI e CRUBELLATE, 2003). Alcadipani e Crubellate (2003), corroboram este argumento, acrescentando que a homogeneizao, utilizada de forma no problematizada, simplifica a percepo da cultura organizacional brasileira e induz a anlise de uma peculiaridade complexa e heterognea dentro de um ponto de vista rgido e que impe tais valores nossa realidade. Ao analisar a cultura organizacional, este fenmeno aparece como ambguo e complexo, repleto de paradoxos e dependente de contextos especficos. Assim, necessrio contrapor generalizaes e anlises que buscam encontrar coerncia histrica em traos culturais. Barros e Prates (1996) em pesquisa quantitativa, por meio de questionrios, com 2.500 dirigentes e executivos de 520 organizaes de grande e mdio porte do Sul e Sudeste do pas, caracterizaram os estilo brasileiro de administrar como nico e original. O modelo de ao cultural dos brasileiros corresponde a um sistema composto por quatro subsistemas: institucional (ou formal), pessoal (ou informal), lderes e liderados. Esses subsistemas apresentaram intersees e nelas se encontram traos culturais comuns e que compem o estilo brasileiro de administrar: 1. concentrao de poder, na interseo dos subsistemas lderes e institucional; 2. postura de espectador, na interseo dos subsistemas liderados e institucionais; 3. personalismo, na interseo dos subsistemas lderes e pessoal;

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4. evitar conflito, na interseo dos subsistemas liderados e pessoais. Tais traos so responsveis pela ausncia de ruptura do sistema como um todo e so esses traos, segundo os autores, os que deveriam ser alterados em grau de natureza para a mudana efetiva da cultura (BARROS e PRATES, 1996 apud ALCADIPANI e CRUBELLATE, 2003). Os pontos crticos da cultura brasileira so, em resumo: a flexibilidade, a lealdade s pessoas e o paternalismo. Os autores salientam que o que garante o funcionamento desse sistema como um todo, seria a impunidade (ALCADIPANI e CRUBELLATE, 2003). Em ensaio bibliogrfico com o objetivo de discutir a cultura organizacional brasileira Aidar, Brizola, Preste Motta e Wood Jr. (1995 apud ALCADIPANI e CRUBELLATE, 2003), analisaram historicamente a formao da cultura nacional e como esta se relacionaria com valores e padres de comportamentos encontrados nas organizaes. A concluso dos autores que o sistema social brasileiro dividido e equilibrado por entidades e instncias criadas em peculiaridade e que acabam por tornar o convvio com paradoxos suportvel, ao mesmo em que dificultam transformaes profundas. Os autores constataram tambm que a pluralidade um dos aspectos essenciais da cultura brasileira e do universo das organizaes locais. Freitas (1997 apud ALCADIPANI e CRUBELLATE, 2003) a partir dos autores clssicos brasileiros (Freire, Holanda, Prado Jr., DaMatta), fundamentou sua anlise em pesquisa bibliogrfica e concluiu que a cultura brasileira apresenta carter diversificado e heterogneo, onde os traos organizacionais so caracterizados por hierarquia, personalismo, malandragem, sensualismo e esprito aventureiro. Carbone (2000 apud ALCADIPANI e CRUBELLATE, 2003) pesquisou o gerenciamento da cultura em organizaes do setor pblico no Brasil, com base em Hofstede e DaMatta, apontando que a cultura brasileira possui certos traos que podem dificultar a mudana da cultura das organizaes pblicas, face ao paradigma da globalizao. O autor caracteriza os seguintes traos como tpicos da cultura organizacional pblica: burocratismo, autoritarismo, paternalismo, averso aos empreendedores, levar vantagem e reformismo. Cavedon (1998) pesquisou os tipos de cultura presente em organizaes no Rio Grande do Sul, constatando nfase em estruturas tradicionais. Costa (1997 apud ALCADIPANI e CRUBELLATE, 2003), desenvolveu a noo de organizao cordial, onde a lgica de fundo emotivo est eminentemente presente na determinao das

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principais aes desencadeadas em seu mbito. Moraes e Palmeira (1997 apud ALCADIPANI e CRUBELLATE, 2003), buscaram identificar os aspectos da cultura brasileira em uma escola de samba e a caracterizaram como cultura tipicamente brasileira. Concluram que h conjuno de elementos contraditrios, relacionado a uma constante relao entre o arcaico e o moderno. Santos (1996) analisou uma organizao de jogo do bicho na Bahia, afirmando ter encontrado uma forma de administrao brasileira eficaz, destituda dos modelos e tecnologias gerenciais importadas, onde se encontra o paternalismo, o protecionismo, os vcios, a famlia, o formalismo, regras, moralidade, perversidade, favor, comprometimento, jeitinho, entre outras. Barros (2001), comparou por meio de pesquisa, organizaes comunitrias na Bahia (Brasil) e no Qubec (Canad). O autor destaca como traos tipicamente brasileiros os padres de relaes afetivas (em vez de impessoais), patrimonialismo, patriarcalismo, autoritarismo predominante nas relaes profissionais, ausncia de orgulho, complexo de inferioridade, tolerncia, flexibilidade de costumes, frouxido moral, irresponsabilidade social e ecolgica, averso ao trabalho, entre outras. Davel e Vasconcelos (1997), Bresler (2000) e Capelo (2000) citado por Alcadipani e Crubellate (2003), identificaram e estudaram certa dimenso paternal nas organizaes brasileiras como traos recorrentes de organizaes que esto inseridas em uma cultura paternalista, apontando que essa uma das formas pelas quais a dominao exercida nas organizaes brasileiras. H diversos tipos de agresso, desde chacotas, humilhaes sistemticas, recusa da comunicao, at o isolamento da vtima, de acordo com os meios socioculturais e setores profissionais. O assdio moral no um fenmeno novo, entretanto o seu debate nas organizaes continua sendo oportuno.

1.3 Assdio moral nas organizaesAlguns profissionais e pesquisadores fazem referncia ao assdio moral como modismo, uma nova tendncia, um discurso da moda. H uma grande confuso sobre o termo assdio moral, confundem-o com outros processos como: estresse, gesto por injria, agresses pontuais, ms condies de trabalho, imposies profissionais, violncia fsica, violncia externa, violncia sexual, violncia grupal. Muitas organizaes esto discutindo

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abertamente esse fenmeno, em decorrncia de uma maior conscientizao das partes envolvidas, principalmente dos trabalhadores, dos sindicatos e dos profissionais da rea da sade pertencentes s organizaes. H diversas terminologias que remetem a diferenas culturais e organizacionais nos pases e, de acordo com a definio adotada, os nmeros apurados, em particular no que concerne ao nmero de pessoas vitimadas3, podem variar e perder todo o significado (HIRIGOYEN, 2000). necessrio salientar que, em alguns pases, ofensas e humilhaes no local de trabalho so comuns, no so vistos como violncia. Hirigoyen (2002, p. 15-16) define assdio moral como:submeter sem trgua a pequenos ataques repetidos e que s adquire significado pela insistncia. A escolha do termo moral, qualificado como psicolgico, significaria que se trata unicamente de um estudo sobre mecanismos psicolgicos, ou seja, para especialistas. A escolha do termo moral implicou uma tomada de posio. Trata-se efetivamente de bem e de mal, do que se faz e do que no se faz, e do que considerado aceitvel ou no em nossa sociedade. No possvel estudar esse fenmeno sem se levar em conta a perspectiva tica ou moral, portanto, o que sobra para as vtimas do assdio moral o sentimento de terem sido maltratadas, desprezadas, humilhadas, rejeitadas.

Hirigoyen (2002, p. 17) define o assdio moral no trabalho como qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude...) que atende, por sua repetio ou sistematizao, contra a dignidade ou integridade psquica ou fsica de uma pessoa, ameaando seu emprego ou o clima de trabalho. Discusses, impulsos, agresses verbais, seguidos por pedido de desculpa, no caracterizam o fenmeno, mas sim a sua repetio, permanncia e desestabilizao das estruturas psicolgicas do indivduo. O assdio moral ocorre em ambientes sociais permissveis, em que esse tipo de situao e comportamento est caracterizado nos padres morais da cultura e nos valores sociais do contexto. Por exemplo, a relao chefe e subordinado possui limites para o uso do poder. justamente quando esses limites so ultrapassados, que o mandar transformado em assediar (HIRIGOYEN, 2002). O assediado, num primeiro momento,Para Hirigoyen (2000, p. 219), qualquer um pode ser vtima de assdio moral; contudo, os agressores e as testemunhas incrdulos continuam a atribuir este tipo de problema somente s pessoas frgeis ou portadoras de uma patologia particular, vtimas natas de alguma maneira (...) existem incontestavelmente contextos profissionais nos quais o assdio moral transita livremente.3

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pode aceitar como brincadeira ou como ao impulsiva os ataques e os maus-tratos realizados pelo assediador. O que assedia conhece a posio em que o outro est situado ou quer se situar. Valoriza a si prprio e age com inteno de humilhar ou negar o valor do outro. O assediado tem percepo de si, de suas expectativas e interpreta como intencionais os ataques. Quando humilhado e perseguido, fica vulnervel e inseguro em relao ao outro ou quela situao. Acredita que foi cometida uma injustia contra si e que no foi compreendido. O assediador faz com que o agredido perceba a inteno, o sentimento de agredir, o de rebaixar, o de atingir a auto-estima do indivduo. O que assedia assume duplo papel, de rebaixar e de ser a memria social do rebaixamento (HIRIGOYEN, 2002). O assdio moral propagado com o aumento e com a repetio dos ataques vtima, que comea a se sentir acuada, inferiorizada e manipulada pelas manobras hostis. O desequilbrio psicolgico do assediado ocorre em decorrncia de comportamentos aticos, relaes negativas e desumanas de longa durao promovidas pelo assediador . Leymann, sueco, psiclogo do trabalho, no seu livro Mobbing (1986 apud HIRIGOYEN, 2002, p. 77), conceitua o assdio moral como:A deliberada degradao das condies de trabalho atravs do estabelecimento de comunicaes no ticas (abusivas) que se caracterizam pela repetio por longo tempo de durao de um comportamento hostil que um superior ou colega(s) desenvolve(m) contra um indivduo que apresenta, como reao, um quadro de misria fsica, psicolgica e social duradoura.

No Brasil, uma definio de assdio moral :A exposio dos trabalhadores e trabalhadoras a situaes humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exerccio de suas funes, sendo mais comuns em relaes hierrquicas autoritrias, onde dominam condutas negativas, relaes desumanas e aticas de longa durao, de um ou mais chefes dirigidas a um subordinado, desestabilizando a relao da vtima com o ambiente de trabalho e a organizao (BARRETO, 2003, p. 1).

O ato de assediar envolve relaes autoritrias transversais na sociedade. No especfico de um local e pode existir nos mais variados contextos. Necessita do assediador para haver concretizao, uma pessoa que deprecie o outro, que sinta at um certo prazer em rebaixar o indivduo (HIRIGOYEN, 2002). um ato que agride e prejudica.

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Alguns indivduos sentem prazer em humilhar o outro. Ao humilhar, o assediador deseja demonstrar poder, pois vido de admirao, aprovao e manipula os demais para atingir os seus objetivos (HIRIGOYEN, 2000, 2002). O comportamento do assediador no provm de um problema psiquitrico, mas de uma racionalidade fria combinada a uma incapacidade de considerar os outros como seres humanos (HIRIGOYEN, 2000). A maior parte dos assediadores usa suas habilidades tcnicas e comportamentais para deixar atrs de si pessoas desestruturadas e vidas devastadas (FREITAS, 2001). O assdio moral revelado pelas ocorrncias reiteradas em presses emocionais e comportamentos hostis no meio profissional, no apenas na relao chefe-subordinado, mas entre companheiro(s) laboral(is) e de subordinado(s) para chefe. No ambiente de trabalho, so encontradas as situaes a seguir descritas. Um subordinado agredido por um superior: Hirigoyen (2000), Barreto (2000) e Guedes (2003) observam que essa situao mais freqente quando os empregados devem aceitar tudo se quiserem manter seus empregos. Algumas organizaes agem como se no soubessem da maneira tirnica com que os chefes tratam os subordinados (FREITAS, 2001). Pode ser um caso de agresso que ocorre, em geral, por meio de comportamentos verbais desrespeitosos e, por vezes, vulgares, repetidos e freqentes, que variam em conformidade com a necessidade do assediador estar em evidncia e de auto-afirmao por meio dos outros. Um superior agredido por um subordinado: um caso muito mais raro, porm possvel de ocorrer. Pode ocorrer com profissionais externos organizao, cujos mtodos e estilos so reprovados pelo grupo, mas que no demonstram interesse em se adaptar ou se impor. Tambm pode ser um caso de promoo de colega sem que os demais tenham sido consultados. Em ambas as situaes, a administrao no considerou a opinio do grupo com quem essa pessoa vai trabalhar (HIRIGOYEN, 2000). Um colega agride outro colega: o assdio pode surgir por sentimentos de inveja em relao a um indivduo que tenha algo que os demais no possuem como beleza,

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riqueza, diploma, experincia profissional, competncia, relaes influentes. Pode ter origem em inimizades pessoais relacionadas com a histria de cada um e com a competitividade. Tambm algumas organizaes so incapazes de fazer respeitar os direitos mnimos do indivduo e permitem que sejam desenvolvidos o racismo, a xenofobia4 e a discriminao por sexo (FREITAS, 2001). O assdio moral pode surgir a partir de um conflito, porm nem todo conflito pode gerar o assdio moral. O conflito caracterizado pela disputa do poder ou pela reao subjetiva do indivduo que vive o conflito. importante definir a diferena do assdio moral e do conflito. A formao do conflito ocorre em funo das diferenas existentes na sociedade e como so encaminhadas as decises dele. Ele serve para que ocorram mudanas nas estruturas tanto formais como informais. O conflito uma forma de reorganizao, que fora os indivduos a se reconsiderarem e a funcionarem sob novas formas. Mobiliza as energias e rene os indivduos, modifica as alianas, altera a complexidade, gera animao e novidade para os contextos profissionais rotineiros. O conflito tende a ser ampliado e fortalecido, se no for solucionado, podendo chegar a procedimentos de assdio moral (HIRIGOYEN, 2002). Leymann (2003) explica que o assdio moral pode ter origem em um conflito profissional mal resolvido e ocorrer entre pessoas do mesmo nvel hierrquico. O assediado enfraquecido psicologicamente devido presso causada pela freqncia e durao dos ataques. Os motivos que levam ao assdio moral so encontrados nas estruturas sociais e nas estruturas de poder que so dominantes no local de trabalho. A desordem organizacional e um fraco gerenciamento podem ocasionar o conflito e, conseqentemente, o assdio moral. Alguns indivduos exageram na oposio de seus pontos de vista (mais freqentemente devido luta pelo poder) e acabam por encontrar um indivduo sobre o qual possam exercer o seu poder (manipular, perseguir). Os assediadores utilizam manobras aparentemente sem importncia, tornadas mais violentas, medida que o assediado resiste a elas.

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Compreende-se xenofobia como a averso por pessoas ou coisas estrangeiras.

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O assdio moral entra de maneira freqente na vida das pessoas, regulando seus comportamentos. O desempenho do indivduo diminui e ele prprio forma um juzo negativo, com dvida a respeito do seu valor. A reao da pessoa assediada, desestruturada, serve de justificativa para o assediador, pois a competncia dela alterada sistematicamente de forma negativa (HIRIGOYEN, 2000). Pode chegar a tal ponto que a pessoa assediada d razo a quem a rebaixa e assume a responsabilidade ao desvalorizar a si e ao assumir as acusaes feitas. Esses efeitos negativos so duradouros e alastrados para outros setores da vida do indivduo, como os relacionamentos afetivos, familiares e a sade, causando conflito de sentimentos, degradao e prejuzos em todos os setores da vida.

1.3.1 O assediadoO assdio moral nasce como algo inofensivo e propagado de forma insidiosa (HIRIGOYEN 2000). Em um primeiro momento, a pessoa assediada no quer mostrar que ficou ofendida e leva na brincadeira ou ignora as desavenas e os maus-tratos. Como os ataques so multiplicados, com o tempo, o assediado posto em situao de inferioridade e submetido a comportamentos hostis durante um perodo maior. Com a evoluo do assdio, o assediado, ao ver o agressor, desenvolve uma reao de medo (HIRIGOYEN, 2000). O medo provoca no assediado comportamentos patolgicos, que serviro como libi para justificar retroativamente a agresso. O assediado reage, na maior parte das vezes, de maneira confusa. Qualquer iniciativa que tome, qualquer coisa que faa, volta contra ele. O objetivo do comportamento do agressor levar o assediado a uma confuso mental que o faa cometer erros. Para manter o poder e o controle, o agressor utiliza comportamentos hostis aparentemente sem importncia que vo, com o passar do tempo, ficando cada vez mais violentos, principalmente quando o assediado resiste. Hirigoyen (2000) afirma que, em um primeiro momento, o assediado desestabilizado emocionalmente. Ele estressado, crivado de crticas, censuras, para que no saiba como agir. Com o tempo e a freqncia dos comportamentos hostis, o assediado passa a no mais saber quem est errado ou quem tem razo. A relao do assediado com o agressor no de simetria, mas, de dominao e

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submisso. Assim, o assediado envolvido em uma relao destrutiva, sem ter meios de escapar, atacado em seus pontos de fragilidade. Os assediados tentam encontrar explicaes para compreender o comportamento dos assediadores. Hirigoyen (2000, p. 170) observa que, embora faam queixas dos comportamentos negativos do agressor, continuam a idealiz-lo em outros aspectos: ele um bom chefe. Se o assediado aceita a submisso, o relacionamento instalado de forma definitiva sobre esse modelo e ampliado pelo grupo de colegas que chamado como testemunha, ou que participa do fenmeno. A lgica do bom senso abandonada, o que torna impossvel compreender as razes dessas condutas e leva o assediado a duvidar de sua prpria sade mental. Hirigoyen (2000) refora que, quando mencionada a agresso psicolgica, no deve ser excluda a questo da intencionalidade, pois o carter intencional de um traumatismo agrava o impacto da agresso. As agresses psicolgicas por parte do assediador desenvolvem nos assediados dificuldade para pensar e angstia, no tanto em relao s agresses ostensivas, mas, em relao s situaes em que ele no est certo de ser, em parte, responsvel. Na impossibilidade de compreender o que est acontecendo, o assediado nega a realidade do que no consegue compreender e tenta buscar razes para o que lhe acontece. Desenvolvem um estado de ansiedade permanente e amnsias, que, na maior parte vezes, necessitam de medicamentos. Os sintomas e as reaes mais comuns no assediado, conforme Hirigoyen (2000), so estresse crnico (palpitaes, falta de ar, fadiga, perturbaes do sono e da fome, irritabilidade, dores de cabea, perturbaes digestivas, dores abdominais), perturbao ansiosa generalizada, estado de apreenso e antecipao constantes, ruminaes, estado de tenso e hipervigilncia permanente, isolamento social e medo. Em alguns assediados, a resposta fisiolgica como lceras gstricas, doenas cardiovasculares, de pele, emagrecimento, fraqueza, chegando at a desnutrio. De acordo com a autora, as perturbaes psicossomticas no resultam da agresso propriamente dita, mas, da incapacidade de reagir do assediado. A capacidade de resistir leva o assediado a um esgotamento psquico e perturbaes duradouras. Alguns assediados podem ter hospitalizao psiquitrica. Eles sentem cansao, sem energia e passam a no mais conseguir pensar ou perdem a concentrao em atividades banais. No local de trabalho, a

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licena para tratamento , na maioria das vezes, negada (HIRIGOYEN, 2000). Algumas podem ter idias ou tentativa de suicdio. A perseguio s cessa pelo afastamento do assediado, nunca do agressor, e no so os medicamentos que lhe salvaro, mas a ao (HIRIGOYEN, 2000). Quando adquirem conscincia da manipulao, os assediados sentem que foram enganados, no respeitados e possuem vergonha das reaes que aquela manipulao provocou. O erro do assediado, segundo Hirigoyen (2000), foi de no ter desconfiado antes, em no ter levado em considerao as freqentes mensagens no-verbais deferidas pelo agressor. O assdio moral um fenmeno que causa graves danos psicolgicos aos indivduos. Entre outras formas de sentimento causadas por ele, as mais referenciadas pelos pesquisadores (HIRIGOYEN, 2000, 2002; ADES, 1999; BARRETO, 2000; FREITAS, 2001; GUEDES, 2003) so a humilhao e a vergonha.

1.3.2 Humilhao e vergonha nos locais de trabalhoOs fenmenos estudados pela Psicologia esto relacionados com outras reas de conhecimento, difceis de serem considerados apenas pelo lado do indivduo ou pelo lado da sociedade. o caso da humilhao, pois um fenmeno ao mesmo tempo cultural e psicolgico. A humilhao surge com freqncia maior do que suspeitado, e estranho o pouco interesse da pesquisa psicolgica pelas suas formas e determinantes (ADES, 1999). No dia-a-dia, a humilhao nem sempre reconhecida por quem a vivencia. mascarada por regras de interao ou disfarada pelas defesas do indivduo, mesclada com outro sentimento: a vergonha. O impacto dos eventos humilhantes depende das regras socioculturais vigentes e do conjunto das experincias individuais. O que pode ser humilhante em um contexto social, em uma cultura ou em um grupo, em outro pode ser considerado perfeitamente aceitvel. A humilhao interfere tanto na dimenso fsica quanto na psicolgica do humilhado. Weil (1996) assevera que a humilhao sempre traz como conseqncia pensamentos proibidos e que esto cobertos pelo silncio ou pela mentira. A humilhao o rebaixamento da auto-estima relacionada vergonha, ao embarao, experincia de ser tratado com desprezo. A humilhao distinguida como

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pontual ou repetida (crnica) tanto por Ades (1999) como por Hirigoyen (2000, 2002). A humilhao pontual pode ser apenas reatividade, que deixa o indivduo sem meios prontos de revide, ou de defesa para com o agressor; uma ofensa pessoal em uma discusso aleatria; um gritar com base em uma situao especfica, mas no repetidamente. A humilhao repetida (crnica) constituda pelo domnio do hbito, no costume, na relao dominante-dominado. O que comanda a situao procura submeter o outro a humilhaes at fazer com que perca a sua identidade. o abuso de poder e de autoridade legtima com o objetivo de dominao. Para Harkot-de-la-Taille (1996 apud ADES, 1999, p. 45), mais do que a simples perda da boa imagem, um rebaixamento que atinge a identidade moral do indivduo. Isso leva confuso entre o conceito de humilhao crnica e assdio moral, pois ambos so caracterizados pela repetio e freqncia de comportamentos hostis por parte do agressor para com o assediado. O sentimento de humilhao depende do contexto especfico em que surge, e os indivduos diferem quanto sua suscetibilidade diante dos atos humilhantes. A humilhao remonta ao sentimento de injustia para com os princpios morais do indivduo. um sentimento de ser ofendido, inferiorizado e vexado pelo outro. A humilhao est relacionada a dois contextos: o primeiro o choque entre a autopercepo (como o indivduo se v) e a percepo do outro (como os outros vem esse indivduo); o segundo est relacionado ao sentimento de que as regras de conduta do indivduo foram violadas. A suscetibilidade da humilhao caracterizada no indivduo que se sente inferior, ou no que o indivduo sente que os outros podem o caracterizar como inferior (ADES, 1999). A vergonha um sentimento negativo e, segundo Ades (1999, p. 41): o eu por inteiro submetido a um exame doloroso e a uma avaliao negativa, isto , a recriminao recai sobre o que a pessoa , e no sobre algo que tenha feito. A avaliao negativa que uma pessoa faz de si ocorre por meio dos seus padres, das suas regras e dos seus valores. Qualquer coisa pode ser causa de vergonha, como a no-aceitao de uma parte do corpo, o medo de fracassar ante alguma tarefa, o medo de perder uma partida de futebol. Os indivduos percebem a si e aos outros por meio de padres internalizados de conduta, formados por categorias de valores desejveis e negativos. Tangney (1991 apud ADES, 1999, p. 43) explica que:

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A vergonha tambm pode ser vista como um afeto negativo ligado avaliao num contexto social (...) Ela se marca, contudo, sempre por um sentimento de insatisfao do eu em relao ao eu submetido a escrutnio, uma regra muitas vezes moral aplicada pelo prprio indivduo a si prprio, em paralelo ou s vezes, independente do julgamento dos outros.

Em relao humilhao, Ades (1999) argumenta que a percepo do rebaixamento induzida por um juzo ou comportamentos depreciados por outrem. A humilhao tem por objetivo a violao do princpio de respeito e de limite do comportamento por parte do humilhador. A vergonha representa a vinculao entre os valores comuns e a capacidade de julgar a si alm de julgar os outros. A vergonha tem por objetivo que o indivduo fique envergonhado pelo contexto em que est inserido. A diferena entre humilhao e vergonha que, na humilhao, o indivduo no partilhou da inteno que o levou a ser humilhado, ou no concorda com o juzo ou no se sente envergonhado. Segundo Tangney (1991), a vergonha costuma ser acompanhada de um desejo de se esconder ou de fugir da situao interpessoal em questo; na humilhao, um sentimento freqente a raiva e o desejo de revidar, dentro ou fora de um cdigo de honra. Em pesquisa sobre gnero, Tangney (1990, apud ADES, 1999) demonstrou que as mulheres adultas expressam mais a vergonha que os homens adultos. A pesquisa de Barreto (2000) tambm confirma isso. Homens e mulheres possuem diferentes reaes em relao vergonha. Nas mulheres, a vergonha causa, principalmente, tristeza e depresso e, nos homens, raiva. Brown e Moran (1998 apud ADES, 1999, p. 32) relatam que a humilhao compe a experincia das pessoas que sofrem desajustamento psicolgico leve ou profundo. O ambiente social pode criar fortes emoes negativas como sentimento de perda, de fragilidade, de fracasso, de incompetncia, de humilhao. Brown (1998 apud ADES,1999, p. 32) salienta que eventos humilhantes (ou percebidos como tal) no apenas aumentam a suscetibilidade diante de situaes ambientais ameaadoras como podem estar na base de um recrudescimento de reaes depressivas. Quando algum humilhado repetidamente, independente do ambiente social, ocorre uma mudana negativa na sua auto-imagem, uma postura de passividade, como se o indivduo confirmasse as acusaes feitas pelo humilhador. No seu ambiente, o indivduo fica constrangido, aptico, desacreditado. O grupo passa a ser menos receptivo e mais hostil. Tanto o indivduo quanto o grupo rompem o sistema social de interao. Klein (1991 apud ADES, 1999, p. 37)

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argumenta que esta situao pode gerar comportamento anti-social e suicdio. A humilhao constitui um indicador importante na avaliao das condies de trabalho e de sade dos trabalhadores, ao revelar as formas de violncia sutil nas relaes organizacionais e na sociedade, que so mais freqentes entre as mulheres e com os adoecidos pelo trabalho (BARRETO, 2000). Ferraz e Ges (1999), em matria na Revista Isto, analisaram a humilhao com o ttulo O imprio do mau. Descreveram a experincia de um administrador de empresas obrigado a realizar tarefas abaixo de sua formao, como levar os carros para a oficina, cuidar da manuteno do telhado, alm de escutar termos humilhantes. A sua opo por suportar o ambiente era devido busca de segurana financeira, que no impediu sua demisso. Segundo Ades (1999, p. 58):O fato de muitos relacionamentos sociais envolverem papis assimtricos, em termos de competncia, em termos de poder de deciso, etc., no significa que seja livre o exerccio do predomnio. Este guiado por princpios moderadores que levam o mais poderoso a respeitar os direitos de expresso, ao e, principalmente, de honra, do menos poderoso. A humilhao, como a vem alguns participantes, o resultado de uma transgresso dessas regras que gera impotncia, sensao de perda de controle e da liberdade de colocar as prprias idias. Sentir-se humilhado torna, ento, muito prximo de sentir-se oprimido. O poder social partilha, no extremo, a imagem de poder da fora fsica.

A humilhao, quando ocorre de modo repetido, freqentemente caracteriza o assdio moral. Ao estudar o assdio moral, necessrio analisar o fenmeno em diferentes perspectivas: a perspectiva psicolgica, que leva em conta a personalidade do indivduo e sua histria; a perspectiva organizacional, que analisa as regras de gesto. O assdio moral, em uma organizao, passa por diferentes etapas, acrescenta Hirigoyen (2002), como o isolamento e a recusa de comunicao, a desqualificao, a deteriorao proposital das condies de trabalho e a violncia verbal, fsica ou sexual.

1.4 Procedimentos de assdio moral nas organizaesDe acordo com Hirigoyen (2002), um bom nmero de estudos a respeito dos comportamentos hostis foram realizados por vrios autores de diferentes culturas. Os

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procedimentos no so muito diferentes, o que muda a classificao dos diferentes tpicos, de acordo com os autores. Os procedimentos descritos pela autora (2002) foram: a) Isolamento e recusa da comunicao direta: quando algum est sozinho, difcil agir de maneira rebelde. Para destruir psicologicamente um empregado e evitar a autodefesa dele, o primeiro passo cortar as possveis alianas. O ataque no explcito, mas caracterizado por comportamentos de desqualificao e isolamento como insinuaes, falta de repasse de informaes, afastamento de reunies, solicitao de trabalhos por escrito sem contato com o solicitante, recusar falar, no cumprimentar ou no olhar para a pessoa. So condutas que parecem insignificantes, mas, com a repetio diria, pode magoar e humilhar a quem a vivencia. O assediador recusa explicar o seu comportamento, dessa maneira, impede uma possvel soluo. O primeiro passo para o assdio moral e a violncia o desprezo pelo outro, que, como ttica, tem o objetivo de manter o domnio e desqualificar o outro. Para Hirigoyen (2002, p. 76) no mecanismo da comunicao perversa, o que se busca fazer impedir o outro de pensar, de compreender, de reagir. Essa negao paralisa a vtima, impossibilita-a de defender a si, pois no compreende contra o que deve lutar. A situao mais agravante quando a vtima possui propenso para assumir culpa e passa a dar lugar a todas as interpretaes e a todo mal-entendido. b) Desqualificar: as agresses no so explcitas para permitir o revide. Elas so praticadas por meio de palavras subentendidas, ridicularizao, calnias sobre o comportamento ou o trabalho do assediado. No dirigir a palavra diretamente ao assediado, mas falar dele como se fosse objeto ou como se ele no estivesse presente. O assediador faz com que o assediado perceba a sua ao, sem, no entanto, poder se defender das agresses. As crticas, muitas vezes, so dissimuladas em brincadeiras ou piadas. O objetivo confundir a sua percepo e levar o assediado progressivamente a duvidar da sua competncia, pois como relatar um suspiro irnico ou um olhar agressivo? Conduzindo com habilidade a desqualificao do

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assediado perante o grupo, o assediador o induz ao erro para dele afirmar para todos a incompetncia do assediado. c) Deteriorao proposital das condies de trabalho (atentado contra a dignidade): o assediador faz com que o assediado sinta-se incompetente, com isso, ter pretexto, ento, para o mandar embora. Crticas exageradas e injustas em relao ao trabalho executado, tarefas alm das competncias ou inferiores a elas e induo ao erro fazem com que o assediado tenha uma imagem negativa de si. No caso de uma reao impulsiva por parte do assediado, como um comportamento agressivo, o assediador defende-se por trs do interesse do servio ou com base na postura profissional do assediado. Uma das formas mais comuns de humilhao freqente nos locais de trabalho, encontrada nas pesquisas de Ades (1999) e de Hirigoyen (2000, 2002), a negao da competncia. O chefe nega duplamente a competncia de seu empregado, tanto na capacidade de realizar as tarefas de responsabilidade, quanto na capacidade de esforo para melhorar as suas atividades. Assediar pode ser um exerccio de poder. Muitas pessoas no ficam satisfeitas sem auto-afirmao, humilhando outrem (HIRIGOYEN, 2000, 2002). d) Violncia verbal, fsica ou sexual: Hirigoyen (2002) menciona que essa violncia surge quando o assdio percebido por todos no ambiente de trabalho. caracterizada mais pela afirmao de poder do assediador, que considera, principalmente, a mulher como seu objeto sexual, do que por favores de natureza sexual. A violncia psicolgica (provocaes diversas, ameaas, intimidaes) que d o poder ao assediador para humilhar e submeter o assediado (BARRETO, 2000; HIRIGOYEN, 2000, 2002). Com medo, o assediado submetido violncia moral, passa a ser incapaz de se defender adequadamente. Com raiva e poder, o assediador possui o controle, impe as suas vontades e submete o outro s suas ordens. Quando o assediado discorda do que o assediador diz ou faz, este comea a agir com prepotncia e imposio e capaz de usar qualquer meio para obter os seus fins. O assdio moral nas organizaes

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uma realidade que milhares de trabalhadores vivenciam nos seus locais de trabalho (HIRIGOYEN, 2000). O descaso pela adoo de um comportamento tico, aquele que busca as formas pelas quais um ser humano pode manter relacionamento de forma harmoniosa com os demais semelhantes, fez com que parte dos movimentos dos ltimos tempos reengenharia, administrao da qualidade, gerenciamento por equipes tenham deixado de produzir os benefcios que deveriam ter proporcionado s organizaes e aos seus empregados.

1.5 Regulamentao e preveno do assdio moral nas organizaesO assdio moral uma das formas de representao social da degradao das relaes de trabalho no mundo moderno, onde so registrados o individualismo, a arrogncia e a prepotncia gerencial (BARRETO, 2000; HIRIGOYEN, 2002). importante que sejam estabelecidos mecanismos de regulao nas organizaes para impedir comportamentos de desprezo, humilhao, perseguio, maus-tratos pelo ser humano. As entidades sindicais devem ser mobilizadas para inclurem clusulas no acordo coletivo que protejam os trabalhadores do assdio moral. Hirigoyen (2002, p. 311) adverte que:mesmo que seja imprescindvel uma lei para lembrar das proibies e responsabilidades de cada um pela maneira de se comportar em relao ao outro, ela no ser capaz de resolver tudo. Sempre iro existir indivduos com um prazer mrbido em descumprir as leis ou que conseguiro utiliz-las em benefcio prprio.

preciso agir com antecedncia, obrigando as organizaes e os poderes pblicos a pr em prtica polticas de preveno eficazes. A ao mais eficaz dos trabalhadores ante as situaes de assdio moral ainda a denncia e o esprito de solidariedade de classe (BARRETO, 2000; HIRIGOYEN, 2000, 2002). A soluo para esse problema, s pode ser encontrada de uma maneira multidisciplinar. A multidisciplinaridade positiva caso um saiba escutar o outro, se houver disposio de cada qual para rever a prpria conduta e se souberem transferir atribuies. Hirigoyen (2002) observa que, at o momento, a comunicao no tem funcionado a contento entre os Departamentos de Recursos Humanos (DRH) e os sindicatos. Os mdicos que fazem o acompanhamento, clnicos gerais ou psiquiatras, hesitam, muitas vezes, em convencer os mdicos do trabalho. Um trabalhador

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assediado deve ter condies de escolher a pessoa da organizao que vai servir de mediador interno. Essa pessoa precisa gozar de sua confiana, mas precisa tambm ser aceita pelo assediador (HIRIGOYEN, 2002). Segundo a pesquisa realizada pela autora, 35% das vtimas que procuraram um advogado, 18% dos casos foram revolvidos; 32% que procuraram a fiscalizao do trabalho, 10% dos casos foram resolvidos; 65% que procuraram um mdico generalista, 42% foram resolvidos; e 52% que procuraram um psiquiatra, 42% foram resolvidos. A autora ainda refora que a preveno do assdio moral deve fazer parte de uma poltica geral de preveno de riscos profissionais, pois a sade no trabalho, inclusive a sade psquica, um direito fundamental dos trabalhadores. Os dirigentes, diante das pesquisas, j no podem mais ignorar o problema, pois deles a responsabilidade, por ter deixado acontecer ou no ter evitado a propagao do fenmeno (BARRETO, 2000; FREITAS, 2001; HIRIGOYEN 2000, 2002; GUEDES, 2003). Ao contrrio do que tentam fazer acreditar certos empresrios, as organizaes que se preocupam com o bem-estar de seu pessoal conseguem os melhores resultados em relao s que controlam seus empregados por meio de estresse, ameaa e medo (HIRIGOYEN, 2001). Hirigoyen (2002) tambm revela que, como no h uma proteo jurdica adequada, os profissionais da rea da sade tratam as vtimas de assdio moral como doentes e transferem o que de responsabilidade da organizao para a sociedade, por intermdio dos mdicos e da previdncia social. Isso ocorre porque, assim que so colocados em licena de tratamento de sade, os assediados melhoram sensivelmente e, quando do retorno, voltam ao estado de sade anterior ao afastamento. Os mdicos no devem apenas afastar o empregado ou prescrever antidepressivos e ansiolticos, devem desempenhar seu papel social. Conforme Hirigoyen (2002, p. 304), poucos psiquiatras, psicanalistas ou psicoterapeutas tomaram conscincia da gravidade do problema do assdio moral. A autora (2002, p. 304) ainda refora que no estado atual da situao, enquanto o assdio moral no for ainda reconhecido no plano jurdico e social, o recurso psicoterapia o nico meio de romper o silncio no qual o trabalhador assediado est confinado. Poucos profissionais da rea da sade (especificamente) conhecem a realidade, o cotidiano organizacional e o sofrimento no trabalho. Dessa maneira, ainda insistem em analisar apenas pelo fsico, intrapsquico e/ou sexual, permanecendo fechados em seus referenciais

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tericos e, neste caso especfico, h situaes das quais no lhes foram ensinadas (HIRIGOYEN, 2002). No que se refere atuao dos psiclogos organizacionais, a autora no faz meno ao profissional. O problema do assdio moral , antes de tudo, o dos limites e da regra. Ele ocorre em organizaes, porque elas assim o permitiram. Barreto (2000) e Hirigoyen (2002) observam que, apesar de hoje existirem os departamentos de recursos humanos, as organizaes, salvo excees, raramente levam em conta o fator humano e menos ainda, a dimenso psicolgica das relaes de trabalho. A gesto do conflito passa a ser a principal preocupao dos agressores, dos agredidos e das testemunhas, que perdem a concentrao em suas tarefas. As perdas para as organizaes podem assumir propores significativas, por um lado pela diminuio da qualidade do trabalho, por outro, pelo aumento dos custos devido s faltas. Tambm pode acontecer uma inverso, a organizao pode ser vtima dos indivduos que a dirigem, ou seja, valorizar esse tipo de sistema. Hirigoyen (2002, p. 319) revela que algumas diretorias se eximem de emitir julgamento a respeito do comportamento de um executivo que apresenta bons resultados. importante que as organizaes, por meio de seus mtodos de gesto, dem o exemplo, de modo transparente, pois, em estruturas slidas e sadias, o assdio moral no tem lugar (HIRIGOYEN, 2002). Quando uma organizao respeita verdadeiramente seus empregados, isso tem um efeito positivo sobre o comportamento dos indivduos que a compem. Entretanto, apesar de alguns gestores falarem cada vez mais de tica, o respeito pelas pessoas no mundo do trabalho continua questionvel (BARRETO, 2000; FREITAS, 2001; HIRIGOYEN, 2000, 2002). Para Hirigoyen (2002, p. 320), alguns deles esto sendo sinceros quando falam de seus valores morais ou de tica, para outros, so apenas palavras que lhes permitem aliviar a conscincia ou salvaguardar uma boa imagem. De nada adianta punir os agressores se estes no mudarem os seus comportamentos, salienta a autora. no nvel da sociedade, em sua totalidade, que preciso agir, sem ficar escondido por trs da responsabilidade das organizaes. O trabalho de preveno precisa comear dentro das escolas. De acordo com Hirigoyen (2002, p. 323), as crianas aprendem a partir dos modelos. Quando batemos nelas e as humilhamos, transmitimos-lhes exatamente o que no queremos ensinar: a violncia, a ignorncia e a hipocrisia. A preveno nas organizaes deve ser articulada

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com base nos seguintes procedimentos: 1) informar e sensibilizar todos os empregados sobre o assdio moral, por meio de um debate pblico, 2) formar especialistas internos, 3) treinar os empregados do DRH quanto s providncias a adotar para prevenir o assdio moral, detectar ou administrar os casos j existentes; 4) redigir uma agenda social e distribuir para cada empregado (HIRIGOYEN, 2002). Hirigoyen (2002) acrescenta que, como no fcil obter provas do assdio moral, os empregados devem ficar atentos s violaes ao direito trabalhista. Na falta de provas tangveis, devem manter um caderno de notas, se possvel, com pginas numeradas e nele anotar, a cada momento, os fatos, as palavras, os atos de assdio, assim como os nomes das testemunhas. Na hiptese de um processo, isso pode permitir ao tribunal estabelecer o conjunto de indcios. Essas notas permitem tambm ao assediado tomar conscincia da realidade ou gravidade da agresso. A Consolidao das Leis do Trabalho (CLT), criada em 1943, constata previso legal que ampara o trabalhador acometido de assdio moral, no Artigo 483, especialmente na alnea f, est previsto o amparo legal ao trabalhador que for o empregado tratado pelo empregador ou por seus superiores hierrquicos com rigor excessivo (GUEDES, 2003). Diante do dispositivo legal, o trabalhador poder ajuizar ao titulada como resciso indireta, objetivando por fim ao contrato de trabalho, recebendo todas as verbas de natureza indenizatria como se demitido fosse, alm de pleitear indenizao por danos morais ou materiais conforme o caso. Para denunciar, o assediado precisa ter coragem, ou ter chegado a uma situao limite, pois isso implica, na maioria das vezes, em ruptura definitiva com a organizao. importante atentar para qualquer forma de provocao ou de agresso. A dificuldade de autodefesa reside no fato de que, raramente, h provas evidentes. O assediado ter que acumular dados, indcios, registros de injrias, fazer fotocpias, ter testemunhas, tudo que poder constituir em sua defesa. Tambm no se tem certeza de que a queixa ser acolhida, nem que o processo desencadeado venha a ter resultado positivo. O assdio moral corre risco de ser banalizado. Ele no conseqncia da crise econmica atual, apenas um derivado de um laxismo organizacional (HIRIGOYEN, 2002). O ideal ao assediado, reagir o mais cedo possvel, antes que no tenha outra soluo, a no ser, sair do emprego. Mundialmente, h outras vises relacionadas ao fenmeno assdio moral. Mesmo que ele no seja um fenmeno recente, tampouco so os estudos em torno do tema, a

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definio pode mudar de cultura para cultura, de contexto para contexto. No h uma terminologia nica para o assdio moral, mas a utilizao de partes de conceitos em decorrncia dos diferentes grupos de pesquisa escolherem nomes diferentes para seus objetos de estudo.

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2 AS DIFERENTES VISES DO FENMENO ASSDIO MORALSo muitas as definies de assdio moral encontradas na literatura e elas variam de acordo com os modelos tericos adotados. Um resumo histrico dessas diferentes vises necessrio para mostrar que a noo de assdio moral difere em um certo nmero de estudos. Para isso, h a referncia a autores como Heinemann, 1972; Brodsky, 1976; Yamanaka, 1997; Olweus, 1997; Lorennz, 1991; Zapf, 1999 citados por Hirigoyen, 2000, 2002; Lazarus e Folkman, 1984; Leymann, 1986, 1990, 1996; Ades, 1999; Barreto, 2000; Skinner, 2000; Sidmann 2001. Existem vrios termos utilizados mundialmente para descrever o assdio moral. No Brasil, o assdio moral conhecido como violncia moral ou tortura psicolgica. Na Alemanha, Frana, Itlia, Hungria, nos EUA, na Austrlia e Sucia, conhecido como mobbing. Na Inglaterra, Noruega e Austrlia, conhecido como bullying. No Japo, so utilizados os termos ijime e bullying. Harassment utilizado pelos americanos. O whistheblower utilizado para denominar quem denuncia o assdio. A coero moral caracteriza as formas de poder por meio da ameaa de punio, da punio (que gera fuga e esquiva) e da recompensa. O termo mobbing vem do verbo ingls to mob, que significa maltratar, atacar, perseguir, tumultuar, importunar, assediar. O substantivo mob significa multido, populacho, plebe, ral. Mob, com letra maiscula, significa, em ingls, mfia. Pode ser definido mobbing como assediar por interesse, admirao, ataque ou para importunar. Lorenz (1991 apud HIRIGOYEN, 2002) nos anos 60 do sculo XX, etlogo, utilizou pela primeira vez o termo para descrever o comportamento agressivo de animais que expulsavam intrusos no territrio grupal. Heinemann (1972 apud HIRIGOYEN, 2002), mdico sueco, na dcada de 1960, utilizou o termo para descrever o comportamento hostil de determinadas crianas em relao ao grupo, dentro da escola. Em 1972, Heinemann publicou o primeiro livro sobre o tema mobbing, que tratava da violncia grupal entre crianas (termo esse conhecido na rea de educao). Em 1976, Brodsky publicou o primeiro livro, resultado de uma pesquisa sobre o tema trabalhador assediado, que enfatiza a difcil vida do trabalhador e sua situao (termo conhecido por estresse). Mais tarde,

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denominou o fenmeno como mobbing, mas a sua pesquisa no teve influncia na poca porque Brodsky era um poltico da esquerda, contrrio a posio poltica da poca. As pesquisas na Sucia iniciaram em meados de 1980, sem o conhecimento do trabalho de Brodsky e resultaram numa nova lei de ambiente de trabalho na Sucia e um fundo de pesquisa nacional para a rea de Psicologia Industrial (LEYMANN, 2003). Leymann (2003) encontrou o mesmo tipo de comportamento hostil de longo prazo em empregados em ambientes de trabalho. Definiu o conceito para identificar formas severas de assdio moral dentro das organizaes, deixando claro que se trata de um fenmeno grupal. Muitos estudos, aps a definio do termo, foram realizados, principalmente nos pases escandinavos (na dcada de 1980). Leymannn um dos mais renomados pesquisadores do assunto mobbing nos ambientes de trabalho. Desenvolveu um programa de tratamento para diagnstico de mobbing chamado de trabalho socialanamenese, em que tratou aproximadamente 1.300 pacientes, sendo 300 deles internos em uma clnica que hoje no existe mais, pois o sistema de sade sueco no aprovou a tcnica utilizada. Leymann (2003) desenvolveu um questionrio chamado de LIPT (Inventrio Leymann de Terrorizao Psicolgica) e um manual que avaliava os nveis de mobbing nos ambientes de trabalho. O mtodo comprovou as atividades criminosas e at ilegais a que as vtimas eram submetidas, principalmente pelos empregadores, pelos sindicatos e pelo sistema de sade. Segundo Leymannn (1986 apud HIRIGOYEN, 2002), o mobbing consiste em manobras hostis freqentes e repetidas no local de trabalho, visando sistematicamente mesma pessoa. Provm de um conflito que degenera e uma forma particular grave de estresse psicossocial. O mobbing pode ser caracterizado por perseguies, ataque, importunao, violncia grupal por interesse, que pode chegar violncia fsica. O termo usado para as situaes individuais e grupais. Leymann (2003) define o mobbing como interao social, por meio da qual um indivduo (muito raramente mais que um) atacado por um ou mais indivduos (raramente mais que quatro), quase diariamente e por muitos meses, com o objetivo de induzir a pessoa ao medo e ao receio de expulso. A definio exclui o conflito e focaliza na situao psicossocial que comea a resultar em condies patolgicas, psiquitricas ou psicossomticas. No focaliza o que feito, mas a freqncia e a durao do que quer que seja feito.

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O termo bullying vem do verbo ingls to bully que significa tiranizar, ameaar, intimidar, maltratar, assediar. O substantivo bully significa brigo, valento, tirano. Bullying pode ser definido como assediar, forando a fazer algo (intimidar). Inicialmente, o termo bullying foi utilizado para descrever humilhaes, vexames ou ameaas que certas crianas ou grupos de crianas realizavam umas s outras. Desde cedo, as crianas ficam preocupadas com a sua imagem e nem sempre os colegas so benevolentes. No grupo de brincadeiras, os apelidos estigmatizantes e a disputa por poder envolvem uma inteno nem sempre sutil. Olweus (1997 apud ADES, 1999, p. 32), em uma pesquisa, em larga escala, feita na Noruega, constatou que aproximadamente 9% das crianas, da primeira nona srie, foram submetidas intimidao (bullying) sistematicamente pelos colegas, e sugeriu a adoo de programas preventivos. O termo foi estendido para agresses, em vrias outras reas sociais como no exrcito, no esporte, na famlia, com pessoas de mais idade, at chegar s organizaes, por intermdio do trabalho de Lazarus (LAZARUS e FOLKMAN, 1984), na rea da Psicologia do Trabalho. Zapf (1999 apud HIRIGOYEN, 2002), comparou o bullying e o mobbing, por meio dos seus estudos, e concluiu que o mobbing mais um fenmeno grupal, enquanto que o bullying originrio majoritariamente de superiores hierrquicos. Bullying a representao da utilizao do poder organizacional para abusar, agredir e humilhar uma ou mais pessoas, tanto fsica como psicologicamente. caracterizado por comportamentos mais sofisticados como, por exemplo, comunicao hostil e no-tica, isolamento social da vtima, de maneira sistemtica, por um ou mais indivduos. Conforme pesquisas de Lazarus e Folkman (1984), essas aes ocorrem muito freqentemente, pelo menos, uma vez por semana, por um longo perodo de tempo (pelo men