Monografia Cds Petra Kaari

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UNIVERSIDADE DE BRASLIA CENTRO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL

A EXPLORAO DE EQDEOS POR CARROCEIROS NO DISTRITO FEDERAL: DIREITO, DIAGNSTICO E EDUCAO AMBIENTAL.

PETRA KAARI

Orientadora Prof Dr Izabel Cristina Bruno Bacellar Zaneti

Monografia de Curso de Especializao Braslia - DF, maio de 2006.

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UNIVERSIDADE DE BRASLIA CENTRO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL

A EXPLORAO DE EQDEOS POR CARROCEIROS NO DISTRITO FEDERAL: DIREITO, DIAGNSTICO E EDUCAO AMBIENTAL.

PETRA KAARI

Monografia submetida ao Centro de Desenvolvimento Sustentvel da Universidade de Braslia, como parte dos requisitos necessrios para a obteno do Grau de Especialista em Desenvolvimento Sustentvel e Direito Ambiental da Universidade de Braslia.

Aprovado por:

____________________________________________________ Prof Dr Izabel Cristina Bruno Bacellar Zaneti (Universidade de Braslia) (Orientadora)

_____________________________________________________ Prof Dr Isabel Teresa Gama Alves (Universidade de Braslia) (Examinadora Interna)

____________________________________________________ Prof. Mestre Nicolao Dino de Castro e Costa Neto (Procurador Regional da Repblica) (Examinador Externo)

Braslia - DF, 25 de maio de 2006.

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KAARI, PETRA

A Explorao de Eqdeos por Carroceiros no Distrito Federal: Direito, Diagnstico e Educao Ambiental. 109 p., 297mm (UnB -CDS, Especialista, Desenvolvimento Sustentvel e Direito Ambiental, 2006).

Monografia de Especializao Universidade de Braslia. Centro de Desenvolvimento Sustentvel.

1. Maus-tratos e crueldade contra animais 3. Eqinos I. UnB -CDS

2. Direito da fauna 4. Educao ambiental II. Ttulo (srie)

concedida Universidade de Braslia permisso para reproduzir cpias desta dissertao e emprestar ou vender tais cpias somente para propsitos acadmicos e cientficos. A autora reserva outros direitos de publicao e nenhuma parte desta dissertao de especializao pode ser reproduzida sem a autorizao por escrito da autora.

______________________________ PETRA KAARI

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Dedico esta monografia aos meus Pais e ao meu Querido Companheiro dison, fonte de incentivo e amor.

E, em especial, a todos que lutam pela proteo animal.

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AGRADECIMENTOS

Agradeo a Deus pela bno da vida.

Aos meus Pais, pelo apoio, ensinamento e exemplo sempre ntegro.

Ao meu Companheiro, em quem me espelho, pela pacincia, incentivo e apoio exercitados durante o desenvolvimento desse trabalho.

Aos meus Pais e amiga Gertrud Reichel, pela traduo do resumo para a lngua alem.

Ao Centro de Desenvolvimento Sustentvel, pela oportunidade em ampliar meus conhecimentos na rea ambiental.

A todos os Professores, que possibilitaram o sucesso desse curso.

A todos os amigos de classe, pela experincia compartilhada e amizade.

Ao Prof. Othon Henry Leonardos, pela composio de minha banca examinadora.

E em especial a minha Querida Orientadora e Professora Dr Izabel Cristina Bruno Bacellar Zaneti, pelo seu entusiasmo e alegria contagiante e pela sua orientao de nunca desistir, nada temer e de sempre perseverar. O meu muito obrigada !

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RESUMO

Vtimas de ignorncia e/ou maldade de seus detentores, bem como da ausncia pblica, os eqdeos (eqinos, asininos e muares) utilizados por carroceiros no Distrito Federal subsistem cerca da metade da expectativa de vida de um espcime saudvel. Na capital federal brasileira, vivem do lixo, de biscates e de fretes milhares de famlias. Subordinados a parte delas encontram-se os animais de trao, responsveis por transporte e viabilizao do trabalho informal. Submetidos ao trabalho precoce e excessivo, subnutrio, a arreios e ferrageamentos inadequados, eqinos e muares so alvos de abandono e morte quando no mais em condies de prestar servio. Nesse contexto, o presente trabalho visou investigar como ocorre a explorao desses animais por carroceiros no Distrito Federal e apresentar uma coletnea de abordagens jurdicas sobre proteo fauna contra maus-tratos e crueldade, tema amparado pela Constituio Federal. Abordou-se interpretaes bio e antropocntrica do Direito, o princpio da adequao social, bem como a questo dos direitos e interesses dos animais. Reuniu-se a legislao nacional e distrital concernentes ao tema e analisou-se sua eficcia no combate a maus-tratos a animais de trao na regio estudada. Para a construo do diagnstico, realizou-se levantamento de dados quantitativos sobre o nmero de eqdeos mortos e apreendidos, bem como o de acidentes envolvendo esses animais na regio. Apresentou-se os olhares dos atores sociais envolvidos diretamente com o tema e destacou-se duas experincias exitosas no Estado de So Paulo quanto proteo de eqdeos de propriedade de carroceiros. Ademais, o estudo examina a propositura da Educao Ambiental como instrumento preventivo a maus-tratos e crueldades aos eqdeos de trao. O trabalho termina por deduzir a factualidade de relaes de maus-tratos a animais de trao por carroceiros no Distrito Federal. A proteo jurdica, no obstante o acolhimento de abordagens biocntricas e o avano da legislao pertinente proteo da fauna, no efetiva, uma vez que normas no so cumpridas e infratores no so fiscalizados. De modo anlogo, constata-se a inexistncia de polticas pblicas no tocante proteo, de fato, aos animais vitimados no Distrito Federal. Palavras-chave: maus-tratos e crueldade contra animais; direito da fauna; eqinos e educao ambiental.

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ABSTRACT Victims of ignorance and/or cruelty of its owners, as well as the public absence, equids (equines, asininus and mules) used by carters in the Federal District subsist around half of the life expectance of an equivalent healthy animal. In the federal capital of Brazil, thousands of families make a live from waste material, casual work and horse-drawn freight. Subordinated to part of them are the draft animals, responsible for transportation and viability of informal work. Submitted to early and excessive work, to malnutrition, inadequate harness and horseshoe fastening, equines and mules are victims of abandonment and death when not more useful for work. In this context, the present monograph intends to investigate how the exploitation of draft animals by carters occurs in the Federal District of Brazil and to present a juridical collection of approaches related to the fauna protection against maltreatment and cruelty, theme tackled by the Brazilian Federal Constitution. There were approached bio and anthropocentric interpretations of the law about the issue, the social adequacy principle, as well as the question about animals rights and interests. National and local legislation related to the fauna protection were joined and analyzed according to their efficacy in fighting maltreatment to draft animals in the studied area. With the purpouse to diagnose the exploitation of draft animal by carters in the Federal District, it was realized a quantitative survey about the number of dead and seized animals, as well as the number of accidents involving these animals in the region. There were presented different perceptions of the social actors directly involved with the theme and it was highlighted two successful experiences in the Estate of Sao Paulo in what concerns the protection of draft animals owned by carters. Moreover, the study examines the proposal of Environmental Education as an instrument of prevention of maltreatment and cruelty of draft equids. The study concluded that it does exist a relation of maltreatment against draft animals by carters in the Federal District. The juridical protection, despite its opening to biocentrical views and the advance of the legislation related to the fauna protection, is not effective once the norms are not accomplished and the offenders are not inspected. In a similar way, it was observed the lack of public policies related to a real protection of victimized, draft animals in the Federal District. Keywords: maltreatment and cruelty against animals, fauna legislation, equines and environmental education.

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ZUSAMMENFASSUNG

Opfer der Unkenntnis und/oder der Bosheit der Besitzer, sowie der Abwesenheit der staatlichen Behrden, ist die Lebensdauer der Zugtiere, im Besitz der Pferdewagenleiter im Distrito Federal, etwa die Hlfte der Lebenserwartung fr gesunde Tiere. Tausende Familien berleben vom Mll und Gelegenheitsarbeit in der Bundeshauptstadt Brasiliens trgt. Dieser Arbeit sind die Zugtiere unterstellt Einhufer (Pferde, Steinesel und Maulesel), die fr den Transport und Ermglichung der informellen Arbeit verantwortlich sind. Der frhzeitigen und bermssigen Arbeit, der Unterernhrung, dem unangemessenem Pferdegeschirr und Hufeisen ausgesetzt, werden die Pferde, Steinesel und Maulesel verlassen und dem Tode ausgesetzt, sobald sie nicht mehr arbeitsfhig sind. In diesem Zusammenhang beabsichtigte diese Arbeit nachzuforschen wie die Ausnutzung der Zugtiere, durch die Pferdewagenbesitzer im Distrito Federal, vor sich geht. Hierzu weist die Studie eine Sammlung juristischer Unterlagen ber den Schutz der Fauna gegen Misshandlung und Grausamkeiten, welcher von der Bundesverfassung vorgesehen ist, auf. In diesem Kontext wurden die biologische und anthropozentrische Rechtsinterpretationen, das Prinzip der sozialen Anpassung, sowie die Fragen bezglich Rechte und Interesse der Tiere, dargelegt. Es wurden die nationale und distriktale Gesetzgebung entsprechend des Schutzes dieser Fauna nachgesehen und ihre Wirksamkeit in der Bekmpfung der Misshandlungen gegen Zugtiere in dieser Gegend, analysiert. Um die Benutzung der Zugtiere durch Pferdewagenbesitzer im Distrito Federal zu diagnostizieren, wurde eine quantitative Aufstellung ber die Zahl der toten und auf ffentlichen Anlagen festgenommenen Einhufer, sowie der Zahl der Verkehrsunglcke mit Tieren in dieser Gegend, durchgefhrt. Verschiedene Anschauungspunkte der direkt mit diesem Thema verbundenen Menschen, wurden in Betracht gezogen. Zwei erfolgreiche Erfahrungen im Bundesstaat So Paulo, bezglich Schutz der Zugtiere von Pferdewagenbesitzer, wurden erlutert. Ausserdem, untersucht die Studie den Vorschlag der Umwelterziehung als Vorbeugungswerkzeug gegen Misshandlung und Grausamkeiten an Zugtiere. Die Arbeit zieht Schlsse ber die Tatsache der Misshandlungen an Zugtiere von Seiten der Pferdewagenbesitzer im Distrito Federal. Der juristische Schutz ist, trotz der biozentrischen Angehen und des Fortschritts in der Gesetzgebung bezglich Fauna, nicht effektiv, denn die Vorschriften werden nicht eingehalten und die Gesetzesbertreter nicht berwacht. In gleicher Weise wird der Mangel an ffentlichkeitspolitik im Hinblick auf den tatschlichen Schutz der zum Opfer gefallenen Tiere im Distrito Federal, festgestellt. Schlsselwrter: Misshandlung und Grausamkeiten gegen Tiere; Recht der Fauna; Pferde und Umwelterziehung.

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SUMRIOLISTA DE FOTOS .............................................................................................................. 11 LISTA DE TABELAS ......................................................................................................... 11 LISTA DE GRFICOS ....................................................................................................... 11 LISTA DE ANEXOS ........................................................................................................... 12 LISTA DE SIGLAS, NOMENCLATURAS E ABREVIAES ....................................... 13 INTRODUO ..................................................................................................................... 14 PARTE I DO DIREITO ..................................................................................................... 19 CAPTULO 1: A EVOLUO DO DIREITO AMBIENTAL E A PROTEO DA FAUNA ............................................................................................................................. 19 1.1 A DECLARAO DOS DIREITOS DOS ANIMAIS .................................................. 20 1.2 O BIOCENTRISMO E O ANTROPOCENTRISMO NA CINCIA JURDICA ......... 20 1.3 DA ADEQUAO SOCIAL ......................................................................................... 22 1.4 DOS DIREITOS E INTERESSES DOS ANIMAIS ...................................................... 23 1.5 OS ANIMAIS COMO SUJEITO DE DIREITOS ? ....................................................... 25 CAPTULO 2: O ORDENAMENTO JURDICO BRASILEIRO E A PROTEO DA FAUNA CONTRA OS MAUS-TRATOS E A CRUELDADE ................................... 26 2.1 A CONSTITUIO FEDERAL DE 1988 E A PROTEO DA FAUNA ................. 26 2.2 A PROTEO PENAL DOS ANIMAIS ...................................................................... 27 2.2.1 A Lei de Crimes Ambientais e o crime de maus-tratos ............................................ 28 2.2.2 Regulamentao da Lei de Crimes Ambientais e o crime de maus-tratos ............... 31 CAPTULO 3: A LEGISLAO DISTRITAL E OS ANIMAIS DE TRAO DE PROPRIEDADE DE CARROCEIROS NO DISTRITO FEDERAL ............................... 33 3.1 DA ADEQUAO SOCIAL AOS MAUS TRATOS ................................................... 33 3.2 NORMAS DISTRITAIS ................................................................................................. 34 3.2.1 Da Lei de Proteo e Defesa Animal ........................................................................ 34 3.2.2 Da Lei dos Currais e Pastos Comunitrios .............................................................. 36 3.2.3 Do Trnsito de Veculos de Trao Animal no Distrito Federal .............................. 37 3.3 DA EFETIVIDADE DO DIREITO NO COMBATE AOS MAUS-TRATOS A EQDEOS DE TRAO POR CARROCEIROS NO DISTRITO FEDERAL................. 38 3.4 COMO EXERCER O DEVER CONSTITUCIONAL DE PROTEGER OS ANIMAIS.............................................................................................................................. 39

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PARTE II DO DIAGNSTICO ........................................................................................ 41 CAPTULO 4: BREVE CONTEXTUALIZAO DA SITUAO DOS CARROCEIROS QUE TRABALHAM NO DISTRITO FEDERAL ............................... 42 CAPTULO 5: DIAGNSTICO E ANLISE DA EXPLORAO DOS EQDEOS POR CARROCEIROS NO DISTRITO FEDERAL .................................... 44 5.1 EQDEOS MORTOS E APREENDIDOS NO DISTRITO FEDERAL RESULTADOS DA PESQUISA QUANTITATIVA .......................................................... 44 5.1.1 Destinao dos eqdeos apreendidos pela Gerncia de Apreenso de Animais ... 47 5.2 OLHARES E AES DO PODER PBLICO E DA COLETIVIDADE RESULTADOS DA PESQUISA QUALITATIVA ............................................................. 49 5.2.1 Gerncia de Apreenso de Animais GAA / GDF .................................................. 49 5.2.2 Hospital Escola de Grandes Animais da Granja do Torto da Universidade de Braslia ............................................................................................................................... 52 5.2.3 Secretaria de Coordenao das Administraes Regionais SUCAR / GDF ......... 57 5.2.4 Delegacia do Meio Ambiente da Polcia Civil no Distrito Federal DEMA/DF ... 58 5.2.5 Departamento de Trnsito do Distrito Federal DETRAN / DF ........................... 59 5.2.6 PROANIMA Associao Protetora dos Animais do Distrito Federal ................... 60 5.3 EXPERINCIAS DE OUTRAS CIDADES NA QUESTO PROTETIVA DE ANIMAL DE TRAO DE PROPRIEDADE DE CARROCEIROS ................................ 62 5.3.1 Prefeitura Municipal de So Carlos SP ................................................................ 62 5.3.2 Prefeitura Municipal de So Paulo em parceria com a Associao Beneficente de Proteo aos Animais Quintal de So Francisco .................................................... 64 PARTE III DA EDUCAO AMBIENTAL .................................................................. 73 CAPTULO 6: O PAPEL DA EDUCAO AMBIENTAL NA GESTO DO MEIO AMBIENTE ........................................................................................................................... 73 6.1 A EDUCAO AMBIENTAL NA LEGISLAO BRASILEIRA ......................... 76 6.2 A EDUCAO AMBIENTAL COMO INSTRUMENTO PREVENTIVO A MAUS-TRATOS DE ANIMAIS DE TRAO POR CARROCEIROS .................. 79 6.3 DESAFIOS DA EDUCAO AMBIENTAL NA PROTEO DE EQDEOS DE PROPRIEDADE DE CARROCEIROS NO DISTRITO FEDERAL ........................ 81 CONCLUSES E RECOMENDAES ............................................................................ 82 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................................................. 86 ANEXOS ................................................................................................................................. 91

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LISTA DE FOTOS

FOTOS 1 a 4 Mutilaes de Membros ............................................................................. 54 FOTOS 5 e 6 Ferradura de vergalho barra de ferro utilizada na construo civil ....... 56 FOTO 7 Cavalo recm chegado a stio de fiel depositrio ................................................ 66 FOTOS 8 e 9 Animais coando um ao outro .................................................................... 66 FOTOS 10 a 17 Curral da GAA-DF: Animais Apreendidos .............................................. 68 FOTOS 18 a 21 Condio Fsica dos Animais Apreendidos no Distrito Federal ................ 69 FOTOS 22 a 25 Aterro do Jquei, conhecido por Lixo da Estrutural, em Braslia (agosto de 2005) ...................................................................................................................... 70 FOTOS 26 a 31 Deformaes provocadas pelo mau-trato do animal ................................. 71 FOTOS 32 a 36 Trnsito de Carroas no Plano Piloto DF ............................................... 72

LISTA DE TABELAS

TABELA 1 Quantidade de Eqdeos Mortos e Removidos pela BELACAP .................... 45 TABELA 2 Quantidade Mensal de Eqdeos Soltos em rea Pblica e Apreendidos pela GAA ........................................................................................................................................ 45 TABELA 3 Quantidade de Animais Atendidos pelo Projeto Carroceiro ............................ 53

LISTA DE GRFICOS

GRFICO 1 Eqdeos Mortos e Removidos de reas Pblicas ........................................ 44 GRFICO 2 Eqdeos Apreendidos pela GAA .................................................................. 45 GRFICO 3 Eqdeos Mortos e Removidos por Trimestre ............................................... 46 GRFICO 4 Eqdeos Apreendidos por Trimestre ............................................................ 46 GRFICO 5 Animais Mortos e Apreendidos por Trimestre em 2005 ............................... 46 GRFICO 6 Animais Mortos em 2005 .............................................................................. 47 GRFICO 7 Animais Apreendidos em 2005 ..................................................................... 47 GRFICO 8 Destinao dos Animais Apreendidos em 2004 e 2005 ................................ 48

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LISTA DE ANEXOS

ANEXO 1 Declarao Universal dos Direitos dos Animais UNESCO, de 27 de janeiro de 1978 .................................................................................................................................... 91 ANEXO 2 Decreto n 24645, de 10 de julho de 1934 ........................................................ 93 ANEXO 3 Cartilha do Projeto Carroceiro do Futuro, da Prefeitura de So Carlos ......... 95 ANEXO 4 Lei Municipal de So Paulo n 11887, de 21 de setembro de 1995 ................... 99 ANEXO 5 Lei Municipal de So Carlos n 13222, de 14 de outubro de 2003 .................. 101 ANEXO 6 Lei Distrital n 549, de 24 de setembro de 1993 ............................................. 102 ANEXO 7 Lei Distrital n 1553, de 15 de julho de 1997 ................................................... 103 ANEXO 8 Lei Distrital n 2.095, de 29 de setembro de 1998 .......................................... 104 ANEXO 9 Decreto Distrital n 26.289, de 18 de outubro de 2005 .................................... 107

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LISTA DE SIGLAS, NOMENCLATURAS E ABREVIAES

AIE BELACAP

Anemia Infecciosa Eqina Empresa responsvel pelo servio de Conservao de Monumentos Pblicos e Limpeza Urbana do Distrito Federal

CCZ DEMA DETRAN DF DILURB DPDS EMATER GAA GDF MAPA PRODEMA RAs SEAPA SP SUCAR UnB VTA

Centro de Controle de Zoonoses Delegacia do Meio Ambiente da Polcia Civil Departamento de Trnsito Distrito Federal Diviso de Limpeza Urbana Diretoria de Pecuria e Defesa Sanitria Empresa de Assistncia Tcnica e Extenso Rural Gerncia de Apreenso de Animais Governo do Distrito Federal Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento Promotoria de Defesa do Meio Ambiente Regies Administrativas Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuria e Abastecimento So Paulo Secretaria de Coordenao das Administraes Regionais Universidade de Braslia Veculo de Trao Animal

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INTRODUO A civilizao de um povo avalia-se pelo modo como trata os animais. Humbold1 DEFINIO DO PROBLEMA

O Distrito Federal apresenta uma histrica peculiaridade no tocante utilizao de eqdeos como fonte geradora de renda em trabalhos de trao. Em plena capital federal do Brasil, concebida sob os preceitos de planejamento e urbanismo e atualmente detentora do maior ndice de Desenvolvimento Humano do pas, vivem do lixo, de biscates e de fretes milhares de famlias. Subordinados a parte delas esto os eqdeos2, responsveis pela viabilizao do servio de transporte de cargas. No presente, nota-se um constante trnsito de carroas tracionadas por cavalos esqulidos dia e noite. A origem do uso de eqinos (cavalos e jumentos) e, em menor nmero, muares (burros e mulas), para trao no Distrito Federal, remonta poca da edificao da cidade, quando trabalhadores da construo civil residiam no entorno campesino e utilizavam-se do servio de fretamento por carroas como meio de transporte vivel de seus pertences. Desta sorte, de uma necessidade pontual e acessria no passado, a trao animal passou a representar um meio de sobrevivncia de milhares de famlias urbanas na atualidade. De acordo com a pesquisa de campo realizada, constatou-se a existncia de dois tipos de carroceiros no Distrito Federal: o que trabalha com fretamento de mercadorias, profisso herdada de prticas familiares, datadas da construo da cidade, e aquele que subsiste da venda de materiais reciclveis, atividade mais recente, exercida em geral por migrantes desempregados a procura de sustento. Segundo entrevista3 realizada neste estudo, constatou-se que os eqdeos submetidos ao trabalho de trao por carroceiros subsistem cerca da metade da expectativa de vida de um espcime saudvel; grande parte compelida ao trabalho precoce, o que lhe ocasiona m formao dos ossos e das articulaes. Tais condutas, somadas subnutrio e o trabalho excessivo, comprometem a integridade fsica e psquica do animal.

Apud MOTTER, J. in JACOB, 2002, p.26. Consoante a Instruo Normativa n 45 de 2004 do Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento MAPA, entende-se por eqdeo qualquer animal da Famlia Equidae, incluindo eqinos, asininos e muares (art.1, VII). 3 Informao colhida em entrevista no Hospital Escola de Grandes Animais da Granja do Torto da Universidade de Braslia.2

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Tendo em vista que a Carta Magna vigente no pas incumbe ao Poder Pblico o dever de proteger a fauna4, coibindo prticas que submetam os animais crueldade (art.225, 1, inc.VII), o presente estudo visa reunir um arcabouo jurdico concernente proteo da fauna em anlise, diagnosticar a conformao do uso de animal de trao por carroceiros na regio do Distrito Federal e examinar a propositura da Educao Ambiental enquanto instrumento preventivo a maus-tratos e crueldades a animais.

RELEVNCIA DA PESQUISA

Haja vista a hiptese de existncia de um grande nmero de eqdeos submetidos a maus-tratos e abandono por carroceiros no Distrito Federal, entendeu-se basilar uma investigao aprofundada sobre: a sistemtica de explorao animal, a efetividade do Direito como instrumento coibitivo de maus-tratos, a existncia de aes referentes proteo animal promovidas pelo Poder Pblico detentor do dever constitucional de proteg-los (art. 225, 1, inc.VII) e as aes realizadas pela coletividade - a quem a Carta Magna tambm impe o dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial sadia qualidade de vida para as presentes e futuras geraes (art.225, caput) Ademais, a pesquisa proposta faz-se necessria haja vista a inexistncia de uma compilao estruturada de dados afetos ao tema no mbito do Distrito Federal, procedimento indispensvel orientao de Polticas Pblicas. De acordo com a pesquisa de campo realizada, um dos grandes entraves efetiva proteo jurdica dos eqdeos de propriedade de carroceiros no Distrito Federal encontra-se na caracterizao de maus-tratos para a tipificao do crime, bem como na destinao adequada dos animais vitimados. Quanto caracterizao, a Lei Distrital n 2095 de 1998 descreve algumas condutas delitivas e autoriza o uso do Decreto Federal n 24645 de 19345 para a tipificao de maustratos a animais. Apesar de esse diploma legal possuir vigncia polmica, e por isso sua utilizao ser resistida pelos operadores do direito, a presente lei autoriza o uso no Distrito Federal.

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Para MILAR (2000, p.95), a Constituio da Repblica de 1988, ao determinar essa incumbncia ao Poder Pblico, submeteu ao manto da lei todos os animais indistintamente, vez que todos os seres vivos tm valor, funo e importncia ecolgica, seja como espcie, seja como indivduo.

O Decreto Federal n 24645 de 1934, em seu artigo 3, define maus-tratos a animais em trinta e uma figuras (vide Anexo 2).

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Em referncia destinao, apesar de existir na legislao nacional a figura do fiel depositrio6, o fato de no haver um local predefinido para onde o juiz possa encaminhar o eqdeo retirado do proprietrio maltrator, dificulta a utilizao de tal instrumento. Para isso, h a necessidade de apoio por parte do poder executivo ou da sociedade civil organizada, no sentido de comprometimento pela guarda temporria, encaminhamento e monitorao do animal. No municpio de So Paulo, visando dirimir a problemtica sobre guarda e destinao dos animais de trao, a prefeitura firmou parceria com a entidade filantrpica de proteo animal Quintal de So Francisco, que se responsabiliza pelo encaminhamento a fiis depositrios dos eqdeos recolhidos pelo Centro de Controle de Zoonoses e no resgatados pelos proprietrios. Outra ao exitosa no combate aos maus-tratos ocorre no municpio de So Carlos SP, onde a prefeitura desenvolveu projeto intitulado Carroceiro do Futuro, pelo qual os eqdeos so identificados eletronicamente, recebem assistncia mdicoveterinria, vermifugao e ferrageamento gratuitos; os carroceiros so cadastrados, orientados e os veculos de trao passam por vistoria e emplacamento. Aps a implantao do projeto, a prefeitura obteve reduo de 60% do nmero de apreenses. Tambm foi constatado diminuio de maus-tratos a esses animais. Considerando as condies precrias em que vivem seus proprietrios e, tendo em vista a informao obtida em entrevistas de que a principal causa de maus-tratos aos eqdeos por carroceiros no Distrito Federal decorre da falta de conhecimento adequado sobre manejo e cuidados com o animal, entende-se que a Educao Ambiental constitui um importante instrumento preventivo a maus-tratos e crueldade; ademais, uma ferramenta integralizadora dos vrios atores sociais envolvidos com o assunto e responsveis pela resoluo do problema.

OBJETIVO GERAL O objetivo geral do presente estudo foi o de investigar como ocorre a explorao de eqdeos por carroceiros no Distrito Federal e reunir um arcabouo jurdico atinente proteo da fauna contra maus-tratos, em especial contra os animais de trao no Distrito Federal.

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Prevista no Decreto Federal n 3179 de 1999.

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OBJETIVOS ESPECFICOS

Diagnosticar a conformao do uso de animal de trao por carroceiros na regio do Distrito Federal. Identificar as aes de proteo animal promovidas pelo Poder Pblico - ao qual a Constituio Federal Brasileira incumbe o dever de proteger a fauna e coibir as prticas que submetam os animais crueldade (art. 225, 1, inc.VII), e pela coletividade - a quem a Carta Magna impe o dever de defender e preservar um meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial sadia qualidade de vida para as presentes e futuras geraes (art.225, caput). Examinar a propositura da Educao Ambiental como instrumento preventivo a maustratos e crueldade a animais.

METODOLOGIA

A metodologia adotada fundamentou-se em: 1) pesquisa bibliogrfica sobre Direito e Educao Ambiental, bem como a legislao pertinente proteo da fauna na Federao e no Distrito Federal; 2) levantamento de dados quantitativos por meio de relatrios da BELACAP/GDF, da Gerncia de Apreenso de Animais GAA/GDF, do Plo Ecolgico de Braslia e pesquisa no stio eletrnico do Departamento de Trnsito do Distrito Federal - DETRAN/DF. Nesta fase, objetivou-se identificar o nmero de eqdeos mortos e apreendidos no Distrito Federal, sua destinao, o nmero de acidentes envolvendo esses animais, bem como a quantidade de animais de trao de propriedade de carroceiros existentes na regio; 3) pesquisa qualitativa, baseada em entrevistas semi-estruturadas7 dos seguintes atores sociais:

Poder Pblico BELACAP, GAA/GDF, DETRAN-DF, Secretaria de Coordenao das Administraes Regionais SUCAR/GDF, Delegacia do Meio Ambiente da Polcia Civil DEMA/DF, Promotoria de Defesa do Meio Ambiente PRODEMA/DF, Empresa de Assistncia Tcnica e Extenso Rural EMATER/DF, Secretaria de Agricultura do municpio de So Carlos SP e Centro de Controle de Zoonoses CCZ, do municpio de So Paulo.

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Como observar-se- no decorrer do trabalho, as entrevistas foram enumeradas.

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Coletividade Hospital Escola de Grandes Animais da Granja do Torto da UnB, Associao Protetora dos Animais do DF PROANIMA", ambos no DF, e Associao Beneficente de Proteo aos Animais Quintal de So Francisco, no municpio de So Paulo.

ESTRUTURAO

O estudo monogrfico est subdividido em trs partes: Direito, Diagnstico e Educao Ambiental. Na primeira parte, apresenta-se a evoluo do Direito Ambiental e o ordenamento jurdico nacional e distrital pertinentes proteo da fauna - em especial a animais de trao. Dentre os tpicos, abordamos as questes do antropocentrismo e do biocentrismo na cincia jurdica, da adequao social e dos direitos e interesses dos animais. Sobre as normas de mbito federal, discorremos sobre a proteo fauna assegurada pela Constituio Federal Brasileira e pela Lei de Crimes Ambientais, que tipifica como crime as prticas de abuso e maus-tratos aos animais. Quanto legislao distrital, pesquisamos as normas concernentes aos animais de trao e apresentamos algumas das dificuldades de aplicao pelos operadores do direito local. Na segunda parte, foi realizada uma breve contextualizao da situao dos carroceiros que trabalham no Distrito Federal e objetivou-se diagnosticar e analisar a explorao dos animais de trao por carroceiros no Distrito Federal. Para isso, foram apresentados os dados quantitativos recolhidos, bem como os diversos olhares dos atores sociais envolvidos com a temtica dos eqdeos de propriedade de carroceiros no Distrito Federal. Apresentou-se, ainda, duas experincias exitosas no Estado de So Paulo na proteo aos eqdeos de propriedade de carroceiros: uma ao promovida pela Prefeitura do Municpio de So Carlos, por meio do Projeto Carroceiro do Futuro, e pela Prefeitura de So Paulo em parceria com a sociedade civil organizada Quintal de So Francisco. Na terceira parte, aborda-se o papel da Educao Ambiental na gesto do meio ambiente e sua previso na legislao brasileira. Ademais, apresenta-a como um instrumento preventivo a maus-tratos de animais de trao por carroceiros no Distrito Federal, e destacam-se alguns desafios da educao ambiental na proteo da fauna em estudo.

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PARTE I DO DIREITO "Eu sou a favor dos direitos dos animais, bem como dos direitos humanos. Essa a proposta de um ser humano integral Abraham Lincoln8 CAPTULO 1: A EVOLUO DO DIREITO AMBIENTAL E A PROTEO DA FAUNA

O processo civilizatrio do Homem tem-se caracterizado pela constante relao de soberania sobre povos e de instrumentalizao do meio ambiente natural. No desenvolvimento da histria humana, a servido do indivduo, bem como da fauna, caracterizou-se pelo sentimento de coisificao do ser subjugado. Consoante FAUSTO (2002, p.54), O negro escravizado no tinha direitos, mesmo porque era considerado juridicamente uma coisa e no uma pessoa. Segundo SANTANA (2004, p.85), foram os abolicionistas os primeiros a romper o absoluto silncio que reinava no seio da nao brasileira em relao escravatura negra. De acordo com FONSECA9, no havia echos que repetissem suas lamentaes nem seus gemidos. Todo mundo ignorava se ele sentia; a todos parecia impossvel que pensasse, e pareceria ridculo que cogitasse na liberdade. Com a presso humanitria, bem como econmica dos pases que disseminavam a adoo do trabalho assalariado, foi possvel a abolio do escravismo em 1888 no pas. Para CALHAU (2005, p.2308), as relaes do homem com o animal e a natureza, na civilizao ocidental, tm sido regidas pelo domnio. Esse vnculo, onde fauna e flora so instrumentalizados, ganhou fundamento nos ditames bblicos de que o homem superior a todas as coisas. Como coisas, todos os seres viventes no humanos seriam concebidos para satisfazer as necessidades humanas. Nesse sentido, SANTANA (2004, p.101), fundamentado nos estudos de Steven Wise, escreve que essa noo de que as criaturas nohumanas possuem mero valor instrumental ao invs de valor intrnseco decorrente da escravizao mundial a que esses seres foram submetidos em benefcio dos homens. Atualmente no Brasil, a circunstncia de escravido imposta aos animais de trao por carroceiros, ainda que a tutela jurdica da fauna contra maus-tratos seja garantida pela Constituio Federal e pela Lei de Crimes Ambientais.In stio eletrnico: http://br.geocities.com/equinosbrasil/ FONSECA, Lus Anselmo da A escravido, o clero e o abolicionismo. Recife: Fundaj, Massangana, 1998, p.14 apud SANTANA, 2004, p.85.9 8

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Como observa DIAS (1983, p.62), baseada no livro O jumento nosso irmo de Pe. VIEIRA, os escravos no foram libertados pela lei urea e sim pelos jumentos, que os substituram em seu trabalho, comendo apenas uma espiga de milho por dia. De acordo com DIAS (2004, p.1920), o surgimento da legislao de proteo animal s foi possvel com o processo evolutivo da Homem. Tal legislao, segundo a autora, progressivamente substituda por normas compatveis com o saber cientfico atual e o estgio consciencial da humanidade. Como os abolicionistas do passado, os ambientalistas, no presente, lutam pelos direitos dos animais e pela sua aplicao. 1.1 A DECLARAO DOS DIREITOS DOS ANIMAIS10

Como reflexo dessa evoluo, a comunidade internacional proclamou em 1978, em Bruxelas, na Blgica, a Declarao Universal dos Direitos dos Animais, a qual considera que o respeito pelos animais por parte do Homem est ligado ao respeito dos homens entre si. Tal documento preconiza que todos os animais nascem iguais diante da vida e tem o direito existncia e ao respeito. A Declarao reza que nenhum animal dever ser submetido a maltrato e a atos cruis (art.3) e considera o abandono um ato de crueldade (art.6, alnea b). Afirma que cada animal que vive habitualmente no ambiente do Homem tem o direito de viver e crescer segundo o ritmo e as condies de vida e de liberdade que so prprias da sua espcie (art. 5). Sugere, ainda, que o animal que trabalha tenha direito a uma razovel limitao do tempo e intensidade do servio, bem como a uma alimentao adequada e repouso (art.7).

1.2 O ANTROPOCENTRISMO E O BIOCENTRISMO NA CINCIA JURDICA

Dos diversos olhares sobre o meio ambiente natural surgiram duas correntes principais e antagnicas: o antropocentrismo e o biocentrismo11. Segundo nos ensinam MILAR e COIMBRA (2004, p.10/11), o antropocentrismo uma concepo genrica que, em sntese, faz do Homem o centro do Universo, a referncia mxima e absoluta de valores, ao redor do qual gravitariam todos os demais seres, inferiores. Nessa corrente, a razo (ratio) o valor maior e determinante da superioridade humana sobre os demais seres viventes, instrumentalizados e destitudos de prprio valor. Na viso10 11

Vide anexo 1. Alguns autores nomeiam o biocentrismo de ecocentrismo.

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antropocntrica, os animais e as plantas s possuem valor quando oferecem alguma utilidade ao Homem. Contrapondo a essa viso, surgiu o biocentrismo, o qual, como o prprio nome j diz, entende ser a vida o elemento principal do sistema terrestre. A corrente biocntrica ampara-se no paradigma holstico-sistmico de que cada ser vivo tem seu valor em si e fundamental para a manuteno da vida na Terra. De acordo com MILAR e COIMBRA (2004, p.17), essa corrente surgiu em decorrncia natural da ampliao de conscincia sobre a situao do planeta Terra e das preocupaes geradas pelo processo de globalizao; sustentada por slidas posies filosficas e amparada igualmente por teorias cientficas, as quais vm demonstrando as possibilidades e as limitaes da ao antrpica no ecossistema planetrio. Nesse contexto de novas descobertas e demandas por parte da sociedade, a cincia jurdica, como instrumento disciplinador das relaes humanas, provocada a se transformar e a considerar o reconhecimento do valor intrnseco do mundo natural, do fenmeno da vida e das suas inter-relaes. Nesse sentido, ANTUNES afirma:

Provavelmente, a principal ruptura que o Direito Ambiental cause na ordem jurdica tradicional seja com o antropocentrismo tradicional. Com efeito, toda a doutrina jurdica tem por base o sujeito de direito. Com o direito Ambiental ocorre uma transformao do prprio sujeito de direito, pois mediante a utilizao de um vasto sistema de presunes e de atribuio de personalidade jurdica e processual a coletividades, associaes e reconhecimento de algum status jurdico a animais e ecossistemas, tem sido possvel a defesa de formas de vida no humana. As normas de Direito Ambiental, nacionais e internacionais, cada vez mais, vm reconhecendo direitos prprios da natureza, independentemente do valor que esta possa ter para o ser humano. (ANTUNES, P. 2004, p.25). A comunidade internacional, por meio da Organizao das Naes Unidas - ONU, editou em outubro de 1982 a Resoluo n 37/7, pela qual toda forma de vida nica e merece ser respeitada, qualquer que seja sua utilidade para o Homem, e com a finalidade de reconhecer aos outros organismos vivos este direito, o Homem deve se guiar por um cdigo moral de ao.12 Consoante BORGES (1998, p.14), O direito ao meio ambiente s pode ser satisfatoriamente definido se pensado de acordo com um novo paradigma que supere a

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Segundo KISS, Alexandre apud ANTUNES, 2004, p.25.

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perspectiva segundo a qual surgiram os direitos individuais e sociais, ou seja, se considerado pelo seu valor intrnseco, respeitado independentemente de sua utilidade humana.

1.3 DA ADEQUAO SOCIAL O princpio da Adequao Social fundamenta-se na mutabilidade dos valores ticos de uma sociedade de acordo com o seu perodo histrico. Assim, uma conduta aceita ou tolerada no passado pode, no presente, ser socialmente reprovvel, ou vice-versa. Por isso, a proteo jurdica deve ser dinmica e acompanhar as exigncias da sociedade conforme sua transformao moral e tica. Segundo nos ensina WELZEL apud LIMA (2000), no se pode considerar como delituosa uma conduta aceita ou tolerada pela sociedade, mesmo que esta se enquadre em uma descrio tpica. O tipo penal no pode alcanar condutas lcitas, que se realizam dentro de uma esfera da normalidade social. Exemplo de manifestao cultural anteriormente aceita e hoje reprovada a farra do boi, prtica introduzida pelos aorianos h cerca de 250 anos no litoral de Santa Catarina, que inflige sofrimento e crueldade a animais.13 No caso da utilizao de animais para a trao de carga, constitui-se uma prtica socialmente aceita, desde que respeitadas as necessidades e caractersticas do animal. Porm, a exposio do mesmo a condies insalubres, subnutrio, ferimentos, carga excessiva14 e ferrageamento que causam deformaes fsicas, extrapola a aceitao social e requer proteo jurdica penal. De acordo com LEVAI, O problema relacionado ao uso e, de modo correlato, ao abuso - de animais utilizados em servios de trao, no se mostra to simples de resolver. Se de um lado h normas legais que permitem considerar como procedimento agressivo, por exemplo, atrelar animais s carroas e for-los ao trabalho pesado, de outro lado existe o argumento de que o simples uso do animal, sem abusos, seria legtimo. No bastasse isso, as vicissitudes scio-econmicas de um pas de contrastes tendem a influir nesse julgamento, como se a pobreza do carroceiro e daqueles que dependem dele legitimasse a servido animal. LEVAI, L.F. 1513

CALHAU, 2004. Artigo: Meio ambiente e tutela penal nos maus-tratos contra animais. Disponvel em: 14 Consoante entrevista [E10], prestada por representante da ONG Quintal de So Francisco (responsvel pelo encaminhamento dos animais capturados pelo Centro de Controle de Zoonoses do Municpio de So Paulo CCZ / SP a fiis depositrios), a carga excessiva quando mais pesada que o prprio animal. No caso dos eqdeos utilizados por carroceiros no DF, os animais pesam em torno de 300 kg, segundo informao obtida em entrevista [E4] no Hospital Escola de Grandes Animais da Universidade de Braslia. 15 LEVAI, L. ARTIGO: Animais de Trao e sua Tutela Jurdica pelo Ministrio Pblico Aspectos Sociais e Pedaggicos de um Termo de Ajustamento de Conduta. Disponvel em:

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1.4 DOS DIREITOS E INTERESSES DOS ANIMAIS No me importa saber se um animal capaz de pensar, sei que capaz de sofrer e por isso o considero o meu prximo." Albert Schweitzer - Prmio Nobel da Paz em 1952 Sob o ponto de vista tico e filosfico (viso biocntrica), a personalidade do animal justifica-se por sua qualidade de ser vivo senciente, ou seja, por possuir a capacidade de sentir sensaes (como, dor, medo e prazer) e demonstrar interesses (em no sofrer, por exemplo). De acordo com SINGER (2004, p.13), um animal que sofre algum tipo de dor ou ameaa, produz sinais comportamentais semelhantes aos humanos, como contores, gemidos, tentativa de evitar a fonte de dor e demonstraes de medo diante da perspectiva de repetio de sofrimento. No tocante sensibilidade de um eqdeo, de acordo com o videodocumentrio Vida de Cavalo16, apesar de este ser um animal aparentemente forte, trata-se de um ser frgil, que possui um limiar de dor muito baixo; pequenos estmulos provocam grandes sensaes de dor. De acordo com WALTER17: um dos poucos animais que literalmente morrem de dor. Muitas vezes, o que mata na clica no a doena em si. a dor que ele sente que d o colapso cardaco. Ele no agenta dor. WALTER, G. Consoante SOFFIATI18, nos anos de 1950, a Etologia - cincia que estuda o comportamento animal, comeou a demonstrar que os humanos procediam em relao aos animais como se eles fossem o negativo nosso. Temos inteligncia, capacidade de aprender, cultura, razo, livre arbtrio. Eles no. Falava-se dos animais sem estudo. Segundo o professor, a Etologia tem demonstrado que Todo ser vivo capaz de aprender, portanto pode adquirir e produzir cultura, ainda que esta faculdade varie de espcie para espcie. De acordo, ainda, com o mesmo videodocumentrio, o etograma19 do cavalo, indica que se trata de um ser vivo essencialmente de manadas, social, que necessita do convvio com outros animais da mesma espcie.20 Destarte, segundo JACCARD, especialista em etologia eqina, trata-se de um animal herbvoro, muito dcil e extremamente pacfico que no possuihttp://www.forumnacional.com.br/animais_de_tracao.pdf 16 Videodocumentrio Vida de Cavalo, produzido pelo Instituto Nina Rosa (stio eletrnico: www.institutoninarosa.org.br), em dezembro de 2005. 17 In videodocumentrio Vida de Cavalo (Instituto Nina Rosa, 2005). 18 SOFFIATI, Arthur. ARTIGO: A natureza sujeito de direito? Disponvel em: http://www.pop.com.br/barra.php?url=http://www.ecoterrabrasil.com.br/home/ 19 Etograma: conjunto de hbitos naturais do animal. 20 Conforme relatos da fisioterapeuta e instrutora de equitao Gabriele Walter, no citado videodocumentrio, o eqdeo no alcana a prpria coluna, por isso necessita do outro para se coar (vide fotos n 8 e 9, p.66).

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armas de defesa como chifres ou garras; por isso, seu nico meio de sobrevivncia contra o predador ou agressor a fuga21. Dentre outras caractersticas, um animal que estabelece um vnculo muito forte tanto com a me como com o ser humano, e que faz tudo o que lhe determinado; por essa razo, deve-se tomar um certo cuidado para no abusar da boa vontade do cavalo JACCARD, M. Esse conjunto de informaes denota as caractersticas naturais e as necessidades bsicas da espcie que, segundo o art. 522 da Declarao dos Direitos dos Animais, devem ser respeitadas pelo ser humano. Sob o ponto de vista jurdico, BOBBIO (1992, p.68-69) nos ensina que os direitos do Homem so, indubitavelmente, um fenmeno social, cujo desenvolvimento da teoria e da prtica ocorreu em duas direes, da universalizao e da multiplicao. Dentre as trs formas de ocorrncia desta ltima, destacamos o aumento da quantidade de bens considerados merecedores da tutela e a extenso da titularidade de alguns direitos tpicos a sujeitos diversos do homem, como

a passagem da considerao do indivduo humano uti singulus, que foi o primeiro sujeito ao qual se atriburam direitos naturais (ou morais) em outras palavras, da pessoa, para sujeitos diferentes do indivduo, como a famlia, as minorias tnicas e religiosas, (...); e, alm dos indivduos humanos, at mesmo para sujeitos diferentes dos homens, como os animais. (BOBBIO, N. 1992, p.68/69) Segundo o autor, est emergindo nos movimentos ecolgicos quase que um direito da natureza a ser respeitada ou no explorada, onde as palavras respeito e explorao so exatamente as mesmas utilizadas tradicionalmente na definio e justificao dos direitos do Homem.23 At a pouco tempo atrs, os recursos naturais eram tidos como inesgotveis e, por isso, no havia qualquer cuidado em seu uso. Porm, no momento histrico corrente, a cincia tem comprovado a inter-relao entre a exploso demogrfica da espcie humana e a degradao dos recursos naturais a nveis inibidores de sua perpetuao e, mais ainda, a dependncia humana da manuteno do equilbrio da vida na Terra. Reafirma-se, destarte, que os costumes

JACCARD, Maya Boss, in videodocumentrio Vida de Cavalo (Instituto Nina Rosa, 2005). Segundo a especialista, o eqdeo no morde como forma de defesa, mas sim, por brincadeira. 22 Art. 5 - a) Cada animal pertence a uma espcie, que vive habitualmente no ambiente do Homem, tem o direito de viver e crescer segundo o ritmo e as condies de vida e de liberdade, que so prprias da sua espcie. 23 BOBBIO, 1992, p.68/69

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e valores de cada poca determinam as transformaes nas relaes sociais, e delas com o meio. nesse contexto, e por esse motivo (em uma viso antropocntrica), que a sociedade tem repensado as relaes com o meio, bem como o seu direito sobre a natureza e os demais seres vivos.

1.5 O ANIMAL COMO SUJEITO DE DIREITOS ?

Segundo DIAS (2005, p.2745/2746), os animais so sujeitos de direitos subjetivos por fora das leis que os protegem. Embora no tenham capacidade de comparecer em Juzo para pleite-los, a Constituio Federal incumbiu ao Poder Pblico e coletividade o dever de proteg-los; tal qual compete ao Ministrio Pblico o dever de represent-los em juzo quando as leis que os protegem forem violadas. Desta forma, o fato de os animais serem objeto de nossos deveres fazem-nos sujeitos de direito, que devem ser tutelados pelos homens. A autora entende que, assim como ocorre a garantia dos direitos dos seres humanos incapazes ou relativamente incapazes - exercida por seu representante legal - os animais so sujeitos de direitos garantidos por representatividade. Nesse mesmo sentido, FARIAS afirma:

A eventual concesso de personalidade aos animais, por exemplo, no se mostra vedada pela impossibilidade de sua atuao efetiva no mundo jurdico (capacidade de exerccio). A representao supre tal problemtica do mesmo modo que o alienado mental pode ser representado para exercer seus direitos. (FARIAS, P. 2004, p.44) Os direitos de personalidade so aqueles emanados da pessoa como indivduo, compreendidos como um direito oriundo da natureza da pessoa como um ente vivo. Dessa forma, entende-se que os animais, embora no sejam pessoas humanas ou jurdicas, so indivduos que possuem direitos inatos, como o direito vida, ao livre desenvolvimento de sua espcie, da integridade de seu organismo e de seu corpo, bem como o direito ao no sofrimento, alm dos demais direitos que lhes so conferidos por lei.24

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DIAS, 2005, p.2745/2746.

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CAPTULO 2: O ORDENAMENTO JURDICO BRASILEIRO E A PROTEO DOS ANIMAIS CONTRA OS MAUS-TRATOS E A CRUELDADE

2.1 A CONSTITUIO FEDERAL DE 1988 E A PROTEO DA FAUNA

Como Lei Fundamental e Suprema do Estado brasileiro, a Constituio Federal versa sobre os preceitos normativos essenciais, os quais regulam a criao de outras normas. A insero da temtica do meio ambiente na Constituio Federal de 1988 e, mais especificamente, da coibio da crueldade contra animais (art. 225, 1, inc.VII), garante status constitucional ao assunto, o que resulta em proteo jurdica mxima:

Art. 225 - Todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Pblico e coletividade o dever de defend-lo e preserv-lo para as presentes e futuras geraes.

Para CUSTDIO (2005, p.111), tanto a pessoa humana, como os animais irracionais fazem parte do meio ambiente, sem qualquer exceo. Quanto sadia qualidade de vida, COIMBRA apud BECHARA nos ensina que se trata da somatria de todos os fatores positivos que determinado meio rene para a promoo da vida humana em conseqncia da interao saudvel entre a sociedade e o meio onde vive, e que atinge a vida como fato biolgico, de modo a atender s suas necessidades somticas e psquicas, assegurando ndices adequados ao nvel qualitativo de vida que se leva e do meio ambiente que a envolve.25 Contudo, pode-se entender que a sadia qualidade de vida conseqncia da interao positiva entre sociedade e meio ambiente, de modo a se considerar tanto os aspectos fsicos quanto psquicos da pessoa humana, bem como o equilbrio do meio. Assim, podemos concluir que a prtica de maus-tratos infligidos a animais de trao no Distrito Federal viola tal preceito, porque desrespeita o meio ambiente - no caso a fauna - e produz, na sociedade, comoo pelos animais.

COIMBRA, Jos de vila Aguiar. O outro Lado do Meio Ambiente. SP: Convnio CETESB/ASCETESB, 1985, p.49-50 apud BECHARA (2003, p. 18).

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De forma a garantir a efetividade desse direito, a Constituio incumbe ao Poder Pblico: Proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as prticas que coloquem em risco sua funo ecolgica, provoquem a extino das espcies ou submetam os animais crueldade (art. 225, 1, VII). Conforme nos ensina MILAR (2000, p.95), a Constituio da Repblica de 1988, ao determinar essa incumbncia ao Poder Pblico, submeteu ao manto da lei todos os animais indistintamente, vez que todos os seres vivos tm valor, funo e importncia ecolgica, seja como espcie, seja como indivduo.

2.2 DA PROTEO PENAL DOS ANIMAIS

Segundo COSTA NETO26, a funo primordial do Direito Penal a proteo dos valores fundamentais; para isso, sanciona apenas as condutas lesivas aos bens mais caros da coletividade. Neste sentido, NORONHA apud BECHARA (2002, p.1427) afirma que so objeto de tipificao as condutas que atingem os valores mais importantes ou fundamentais para a sociedade. Dessa forma, pode-se deduzir que os animais possuem valor maior para a sociedade, haja vista que so objetos da tutela penal. De acordo com CALHAU (2005, p.2310), a primeira norma que tratou da crueldade contra os animais no Brasil foi o Decreto n 16590 de 1924, o qual proibia as diverses pblicas que causassem sofrimento aos animais. Em 1934, medidas de proteo animal foram estabelecidas pelo Decreto Lei n 24645. Neste, o termo maus-tratos definido em trinta e uma figuras elencadas27. Em 1941, com o advento da Lei das Contravenes Penais - Decreto Lei n 3688, estabeleceu-se como contraveno a crueldade contra animais: Art. 64. Tratar animal com crueldade ou submet-lo a trabalho excessivo28: Pena priso simples, de dez dias a um ms, ou multa Porm, este dispositivo foi expressamente revogado pelo artigo 32 da Lei n 9605 de 1998, que eleva a crime a prtica de abuso, maus-tratos, ferimento ou mutilao de animais silvestres, domsticos ou domesticados, nativos ou exticos.

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In COSTA NETO; BELLO FILHO; COSTA, 2000, p.144. Vide Anexo 2. 28 Segundo Valdir Sznick, apud BECHARA (2003, p.92), o trabalho excessivo aquele que excede as foras do animal, ou executado quando o mesmo j est fatigado ou ainda doente.

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2.2.1 A Lei de Crimes Ambientais e o crime de maus-tratos

A prtica de maus-tratos a animais, em virtude da Lei n 9605 de 1998 - Lei de Crimes Ambientais - tornou-se crime, previsto no artigo 32, in verbis:

Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domsticos ou domesticados, nativos ou exticos: Pena deteno, de trs meses a um ano, e multa. 1 Incorre nas mesmas penas quem realiza experincia dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didticos ou cientficos, quando existirem recursos alternativos. 2 A pena aumentada de um sexto a um tero, se ocorre morte do animal. Objetividade Jurdica A objetividade jurdica do tipo penal a preservao do patrimnio natural e, em especial, da fauna silvestre, domstica ou domesticada, nativa ou extica, ameaada ou no de extino contra abusos e maus-tratos29. Segundo FREITAS e FREITAS (2000, p.94), o tipo penal visa reprimir os atentados contra os animais, para que tais fatos no se tornem rotineiros e tacitamente admitidos pela sociedade.

Sujeitos Ativo e Passivo O sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa, pois se trata de um crime comissivo30 e comum. Para CALHAU (2005, p.2311), tanto pode ser sujeito ativo do crime de maus-tratos a pessoa fsica como a jurdica, uma vez que a Lei n 9605/98 adotou expressamente o princpio da responsabilidade penal da pessoa jurdica. O autor esclarece, ainda, que a responsabilidade da pessoa jurdica no exclui a das pessoas fsicas, autoras, co-autoras ou partcipes do mesmo fato (dupla imputao). Por meio do mecanismo de dupla imputao, a punio de um agente (individual ou coletivo) no permite deixar de lado a persecuo daquele que concorreu para a realizao do crime, seja ele co-autor ou partcipe31.

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SIRVINSKAS, 2004, p.133. Segundo o Professor Nicolau Dino de Castro e Costa Neto (COSTA NETO, BELLO FILHO E COSTA, 2000, p.151/152), os crimes comissivos so aqueles cujo tipo encerra uma ao, tida como o comportamento humano voltado para a leso ou para o perigo de dano a determinado bem jurdico. 31 SHECAIRA, Srgio Salomo. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurdica. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p.127. Apud CALHAU, 2005, p.2311.

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O sujeito passivo do crime de maus-tratos, previsto pela doutrina, em uma viso antropocntrica, a coletividade32, uma vez que os animais constituem o objeto material da conduta e so um bem difuso, pertencente coletividade. Porm, e quando o animal for domstico ou domesticado e pertencer a uma pessoa fsica ou jurdica? Nesse caso, no localizamos doutrina na qual pudssemos nos embasar; todavia, considerando-se que a Lei Maior dispe que o meio ambiente um bem de uso comum do povo e essencial sadia qualidade de vida, considerando-se os ensinamentos de WALD apud BECHARA (2003, p.25) de que a noo [jurdica] de bens deve abranger todos os valores materiais e imateriais que possam ser objeto de uma relao jurdica e, como visto anteriormente, que a fauna, de forma indistinta, faz parte do meio ambiente, podemos, ento, concluir que a fauna domstica um bem jurdico ambiental, que, como bem, possui valor material e imaterial. O seu valor material conferido quele que detm o direito de propriedade, previsto no Cdigo Civil vigente, ou seja, quele que possui o direito de uso, gozo e disponibilidade sobre o animal. J o valor imaterial do animal domstico atribudo tanto ao seu proprietrio quanto coletividade, ambos titulares do bem essencial sadia qualidade de vida. Dentre as diversas formas de o animal contribuir para a melhoria da qualidade de vida humana33, ressalta-se a manuteno do equilbrio ecolgico, a promoo de lazer, esporte, educao civil e ambiental, a higienizao mental (bem estar psicolgico) e o transporte. Desta forma, podemos deduzir que o sujeito passivo, em caso de maus-tratos a animal domstico, constitui tanto a coletividade - prejudicada na manuteno da sadia qualidade de vida (bem estar psicolgico, educao civil e ambiental) e pela violao de um valor humano tutelado pela norma jurdica - como o proprietrio, no caso de a ao delituosa ter sido praticada por terceiros. Nesse sentido, ter-se-o dois sujeitos passivos34. Dessarte, conclui-se que o animal domstico ou domesticado um bem particular cuja proteo de interesse difuso, ou seja, de toda a coletividade. Pela corrente biocntrica, o sujeito passivo do tipo o prprio animal, vtima de maustratos e detentor de direitos subjetivos, como direito vida e integridade fsica e psquica. Como visto anteriormente, o biocentrismo considera o animal por suas carctersticas inerentes, e no por sua utilidade ou valor para o homem.

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CALHAU, 2005, p.2311. BECHARA, 2003, p.38-44. 34 Quando o crime for praticado pelo detentor do animal, o sujeito passivo passa a ser unicamente a coletividade.

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Conduta Vrias modalidades foram previstas pelo tipo penal: a) Praticar ato de abuso: uso errado, excessivo do animal35; exagero nas atividades impostas ao animal, exigindo mais do que o nvel suportado pelo espcime36; a utilizao de animal em trabalhos por um perodo mais longo do que ele possa suportar ou a colocao de peso excessivo para ele transportar o caso daquele que atrela um animal (cavalo, burro, jumento) debilitado carroa, obrigandoo a puxar cargas pesadas37; b) Maus-tratos: o castigo excessivo e desnecessrio do animal; bater, espancar, trat-lo com violncia; manter o animal em local sujo, inadequado, ou ainda, no aliment-lo adequadamente; c) Ferir ou mutilar: ferir significa causar ferimentos, fraturas ou contuses e mutilar consiste em extirpar parte do corpo do animal38.

Elemento Subjetivo o dolo, caracterizado pela vontade consciente e livre de praticar qualquer das condutas elencadas no tipo penal. No foi prevista a forma culposa.

Consumao e Tentativa A consumao do crime se d com a prtica efetiva da ao ou omisso de abusar, ferir, mutilar ou praticar maus-tratos aos animais. Parte da doutrina entende ser possvel a tentativa. Nesse sentido esto SIRVINSKAS39, MILAR e COSTA JNIOR40, CAPEZ41 e CALHAU42. Um exemplo o caso de agente que flagrado pela Polcia antes de praticar o ato lesivo, mas j superando o iter criminis dos atos preparatrios, e dando incio execuo.

Percia Segundo CALHAU (2005, p.2313), h controvrsias da sua necessidade. De acordo com o TACRIM-SP43 apud CALHAU, os maus tratos a animal, aplicados com crueldade, podem provar-se indiretamente, prescindindo-se, pois, do exame de corpo de delito direto. Outros elementos de carter probatrio possveis, hbeis ao vlido suprimento, (quando35 36

CAPEZ, 2004, p.75. BELLO FILHO, Ney de Barros. Crimes e Infraes Administrativas Ambientais, 2000, p.188 apud BECHARA, 2003, p.93. 37 CALHAU, 2005, p.2312. 38 CAPEZ, 2004, p.75. 39 SIRVINSKAS, Lus Paulo. Tutela Penal do Meio Ambiente. So Paulo: Saraiva, 1998, p.55, apud CALHAU, 2005, p. 2312. 40 MILAR E COSTA JR., 2002, p.88. 41 CAPEZ, 2004, p.77. 42 CALHAU, 2005, p.2312. 43 TACRIM-SP AC Relator Andrade Vilhema RT 43/367 apud CALHAU, 2005, p.2313.

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desaparecidos os vestgios sensveis da infrao penal) so os de natureza testemunhal, documental e, at mesmo, a confisso do prprio ru.

Ao Penal pblica e incondicionada (art.26). O rito sumrio, previsto no art. 539 do CPP. Aplica-se a Lei 9099/95 c.c. a Lei n 10259/2001 (Juizado Especial Criminal).44

Pena Deteno de trs meses a um ano, cumulada com a multa. E pode ser aumentada de 1/6 a 1/3 quando ocorre a morte do animal. Visto que o limite mximo da pena no ultrapassa os trs anos, possvel a suspenso condicional da pena (art. 16)45.

2.2.2 Regulamentao da Lei de Crimes Ambientais e o crime de maus-tratos Decreto n 3179 de 21/09/1999

A regulamentao da Lei 9605 de 1998 dispe sobre as sanes administrativas aplicveis s condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Dentre as sanes previstas esto: advertncia; multa simples; apreenso dos animais, instrumentos, petrechos,

equipamentos ou veculos de qualquer natureza utilizados na infrao; suspenso parcial ou total das atividades; pena restritiva de direitos e a reparao dos danos causados (art. 2 caput e incisos). O art. 17 estabelece a pena de multa para o crime previsto no artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais, de R$ 500,00 (quinhentos reais) a R$ 2.000,00 (dois mil reais). Incorre nas mesmas multas quem realiza experincia dolorosa ou cruel em animal vivo (pargrafo nico). De acordo com o art. 2, 4, tais multas podem ser convertidas em servios de preservao, melhoria e recuperao da qualidade do meio ambiente. Em referncia destinao de animais, o Decreto n 3179 de 1999 prev a figura do fiel depositrio (art. 2, 6, II, alnea c), a saber, pessoas que se responsabilizem em cuidar dos mesmos. Segundo pesquisa de campo46, a destinao de animal de grande porte, como o cavalo, um dos principais entraves para que o juiz determine a perda do animal por parte do proprietrio maltratante. O encaminhamento a fiel depositrio ainda algo pouco

44 45

SIRVINSKAS, 2004, p.139. MILAR e COSTA JR, 2002, p. 89. 46 Entrevista a delegado da DEMA-DF.

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comum no territrio nacional. No municpio de So Paulo, esse tipo de destinao realizado h dez anos por intermdio da sociedade civil organizada, que tem conseguido encaminhar toda a oferta de animais47. Um possvel caminho para a resoluo de parte da problemtica dos eqdeos maltratados no Distrito Federal a estruturao de banco de dados de possveis fiis depositrios na regio.

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Esse trabalho de encaminhamento a fiis depositrios realizado pela entidade filantrpica Quintal de So Francisco e, de acordo com o videodocumentrio Vida de Cavalo (Instituto Nina Rosa, 2005), segue rigorosos critrios de seleo e acompanhamento.

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CAPTULO 3: A LEGISLAO DISTRITAL E OS ANIMAIS DE TRAO DE PROPRIEDADE DE CARROCEIROS NO DISTRITO FEDERAL

3.1 DA ADEQUAO SOCIAL AOS MAUS-TRATOS

Segundo pesquisa informal realizada para subsidiar o presente estudo, j na poca da construo da capital do pas, em Braslia, utilizava-se de animais de trao para trabalhos de fretamento e trao de carga nas regies do entorno. Segundo relatos, a presena desses animais foi essencial facilitao da vida e dos trabalhos dos candangos48 que Braslia vieram para auxiliar na construo. Esses trabalhadores eram, em geral, pessoas de baixa renda, provenientes da zona rural e que se estabeleceram no entorno de Braslia. Como a regio restava inexplorada e no havia pavimentao das vias, os animais representavam meio de transporte barato para o conduzimento de materiais de construo, bem como meio de fretamento de moblias e utenslios domsticos. Esses trabalhadores eram, em geral, familiarizados com os afazeres do campo e, por conseguinte, com a questo dos tratos dos animais. Essa uma possvel explicao da origem histrica dos eqdeos presentes nas ruas e avenidas do Distrito Federal. Em virtude de a gerao de trabalho e renda no ter acompanhado o fluxo migracional, sucedeu-se o afastamento de milhares de famlias do mercado de trabalho formal; parte delas subsiste, no presente, de fretes ou de comrcio de materiais reciclveis. Tal excluso notria e pode-se observar grande quantidade de carroceiros dia e noite percorrendo ruas e avenidas da cidade. Segundo entrevista [E5], realizada na Secretaria de Coordenao das Administraes Regionais SUCAR/GDF, ainda hoje h filas de carroas em frente a casas de materiais de construo que contratam o servio de frete de mercadorias. Um dado inquietante o peso estipulado para esse servio - correspondente a dez sacos de cimento de 50 quilos cada, ou seja, meia tonelada, infringindo, assim, o Decreto n 26289 de 2005, que regulamenta a Lei de trnsito de veculo de trao animal e determina a capacidade mxima de carga do veculo de trao animal VTA, em 350 kg (art. 2, 1, alnea d). Desta sorte, de uma necessidade pontual e acessria na zona rural, a trao animal passou a representar um meio de sobrevivncia de milhares de famlias urbanas.

Candango: operrio que construiu Braslia (DF), conforme o Minidicionrio Houaiss da lngua portuguesa, 2.ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004.

48

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3.2 NORMAS DISTRITAIS Dentre as normas do Distrito Federal pertinentes proteo animal encontra-se a Lei Orgnica de Braslia, que estabelece em seu art. 296 a obrigao do Poder Pblico em proteger e preservar a flora e fauna, coibindo prticas cruis contra os animais. A seguir elencamos as normas distritais concernentes questo dos animais de trao :

Lei n 41 de 1989, Poltica Ambiental do Distrito Federal Lei n 549 de 1993, currais e pastos comunitrios; Lei n 1298 de 1996, preservao da flora e da fauna; Lei n 1492 de 1997, crueldade contra animais em eventos; Lei n. 1553 de 1997, trnsito de veculos de trao animal. Regulamentada pelo Decreto n 19804 de 1998, o qual foi alterado pelo Decreto n 26289 de 2005;

Lei n 1828 de 1998, comrcio de animais em feira livre e Lei n 2095 de 1998, proteo e defesa dos animais. Regulamentada pelo Decreto n 19988 de 1998.

A Lei n 41, de 13 de setembro de 1989, que instituiu a Poltica Ambiental do Distrito Federal, cobe o uso de lixo "in natura" para a alimentao de animais, prtica comumente realizada pelos carroceiros segundo informaes colhidas na pesquisa de campo. De acordo com a entrevista [E3], realizada no Hospital Escola de Grandes Animais da Granja do Torto da UnB, os proprietrios, no tendo como alimentar os animais, soltam-nos para vasculharem o lixo procura por alimento. Outra infrao Lei n 41 a deposio de lixo em locais inapropriados, sua incinerao e disposio final a cu aberto (art. 29, 1) muitos carroceiros promovem a triagem de material reciclvel em reas pblicas, inclusive de cerrado, deixando resduos sem valor comercial depositados no solo.

3.2.1 Da Lei de Proteo e Defesa Animal Lei n 2095, de 29/09/199849

A Lei de Proteo e Defesa Animal define, no inciso VI do art. 2, maus-tratos como sendo (in verbis): toda ao contra os animais que implique crueldade, especialmente ausncia de alimentao mnima necessria, excesso de peso de49

Vide Anexo 8.

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carga, tortura, uso de animais feridos em atividades, submisso a experincia pseudocientfica e o que mais dispuser o Decreto Federal n 24645, de 10 de julho de 1934 (Lei de Proteo aos Animais)50 O Decreto n 24645 de 193451, como j dito anteriormente, define maus-tratos a animais em trinta e uma figuras (art.3), dentre os concernentes aos eqdeos esto: obrigar animais a trabalhos excessivos ou superiores s suas foras (inc.III); golpear, ferir ou mutilar, voluntariamente, qualquer rgo ou tecido (inc.IV); abandonar animal doente, ferido, extenuado ou mutilado, (inc.V); atrelar animais a veculos sem os apetrechos indispensveis ou com arreios incmodos ou em mau estado, ou com acrscimo de acessrios que os molestem (inc.IX); utilizar, em servio, animal cego, ferido, enfermo, fraco, extenuado ou desferrado (inc.X); descer ladeiras com veculos de trao animal sem a utilizao das respectivas travas, cujo uso obrigatrio (inc. XII); Apesar de esse diploma legal sempre ter tido sua existncia polmica52, a presente lei o revivifica e autoriza sua utilizao pelos operadores do direito no tocante caracterizao do crime de maus-tratos a animais no Distrito Federal. Dentre os deveres previstos pela lei est a obrigao de cadastrar os animais utilizados no transporte de carga, bem como de recolh-los aos currais e pastos comunitrios, de acordo com a Lei n 549, de 24 de setembro de 1993 (art.4). Segundo a lei, proibida a permanncia de animais soltos nas vias e logradouros pblicos ou em locais de livre acesso ao pblico (art. 11), e o abandono de animais em rea pblica ou privada localizada no Distrito Federal (art. 13). De acordo com o decreto que regulamenta a lei (Decreto n 19988 de 1998), a multa varia conforme a classificao da infrao - leve, mdia ou grave - e os valores estabelecidos so: R$ 50,00, R$ 150,00 e R$ 450,00, respectivamente (art. 20)53. Contra os animais de trao cabem as infraes:

tipo leve (art.20, 1), infraes descritas nos artigos 3, 4, 5 e inciso I do art. 11

da Lei n 2095 de 1998. A saber: a no manuteno dos animais em boas condies, ausncia do registro do animal, ou quando no estiver renovado, no cadastro dos animais50 51

Grifo nosso. Vide Anexo 2. 52 DIAS, 2000, p.175. 53 Os valores das multas sero reajustados anualmente pelo ndice de Preo ao Consumidor - IPC, ou outro ndice que vier a ser adotado por lei (art. 28). Em caso de reincidncia os valores de multa sero aplicados em dobro (art.20, 4).

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utilizados no transporte de cargas e no recolhimento do animal em curral, de acordo com a Lei n 549/1993.

tipo mdio (art.20, 2), infrao descrita no art.13 da Lei n 2095 de 1998 -

abandonar animais em rea pblica ou privada localizada no Distrito Federal.

tipo grave (art.20, 3), infrao descrita no art. 8 da Lei n 2095 de 1998 - no

isolamento imediato do animal que possuir sintomatologia clnica de zoonose, conforme orientao de autoridade de sade pblica. Quanto destinao dos animais apreendidos, trata-se de competncia da Fundao Parque Ecolgico54. Dentre as possibilidades esto: resgate; leilo em hasta pblica; doao ou sacrifcios (art. 25, 1). Porm, o Decreto no estabelece critrios referentes destinao, o que dificulta a proteo animal.

3.2.2 Da Lei dos Currais e Pastos Comunitrios Lei n 549, de 24/09/199355

Esta Lei institui a criao de uma Rede Regional de Currais e Pastos Comunitrios nas Administraes Regionais do Distrito Federal, destinada a abrigar animais de trao de propriedade de carroceiros e trabalhadores urbanos e rurais, registrados em associaes de transportadores autnomos em veculos de trao animal e similares (art.1). Segundo o art. 2 da lei, este equipamento pblico deve ser localizado em reas pblicas prximas a permetros urbanos das cidades satlites e ficar sob a responsabilidade tcnica e assistncia direta da Administrao Regional onde os mesmos se localizam.

Art. 3 - pargrafo nico - Os currais e pastos comunitrios tero instalaes fsicas adequadas ao conforto e segurana dos animais, contendo reas cobertas para baias individuais providas de comedouros e bebedouros, reas cobertas destinadas ao preparo de raes verdes, exames e tratamento veterinrios, vestirio e instalaes para tratores, assim como gua potvel, instalaes eltricas e cercas de proteo. A administrao, manuteno, conservao, assim como, vigilncia dos Currais e Pastos Comunitrios sero de responsabilidade das associaes referidas no art. 1 da Lei, conjuntamente com a Administrao Regional (art. 6). A assistncia veterinria aos animais54 55

Atribuio absorvida pela Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuria e Abastecimento do GDF. Vide Anexo 6.

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usurios dos Currais e Pastos Comunitrios ser realizada pela Fundao Zoobotnica56 do Distrito Federal (art. 7). Das 29 Regies Administrativas existentes no DF, segundo entrevista prestada pela SUCAR [E5] apenas 04 possuem Curral Comunitrio Oficial; so elas: Brazlndia, Planaltina, Parano e Sobradinho.

3.2.3 Do Trnsito de Veculos de Trao Animal no Distrito Federal Lei n 1553 de 199757, Regulamentada pelo Decreto n 26289 de 200558

O trnsito de veculo de trao animal em vias pblicas urbanas e nas faixas de domnio das rodovias no Distrito Federal est regulado pelo Cdigo de Trnsito Brasileiro, pela Lei Distrital n 1553 de 1997 e pelo Decreto n 26289 de 2005, que a regulamenta. Para transitar com carroa, o condutor de veculo de trao animal deve estar devidamente autorizado pelo DETRAN, portar licena do veculo (concedida pelo DETRANDF), bem como documento de identificao do animal, expedido pela Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuria e Abastecimento SEAPA/GDF. De acordo com o Decreto supra citado, a autorizao de trnsito s poder ser obtida por pessoa maior de 18 anos, que apresente atestado mdico de boa sade fsica e mental e que freqente um curso bsico sobre sinais de trnsito e regras de circulao, promovido pelo DETRAN (art. 7). Em relao ao animal, este deve possuir boa sade e utilizar ferraduras nos membros posteriores e anteriores. Dentre os equipamentos previstos em norma esto freios, faixas refletivas, placa de identificao, arreata completa e coletor de excremento (art.5). As Administraes Regionais (RAs) so responsveis pelo cadastro tanto do condutor, como do animal utilizado na trao do veculo (art.4). Segundo entrevista colhida na SUCAR - [E5] - at o presente momento foi realizado somente o cadastro de condutores que participam do Projeto Limpeza a Galope, do GDF, implantado em 22 das 29 RAs existentes na regio. Quanto ao cadastro de animais de trao, houve efetuao apenas nas RAs do Gama e do Guar.

56

Esta Fundao foi extinta pelo Decreto n 20976 de 27 de janeiro de 2000, e suas atribuies foram absorvidas pela Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuria e Abastecimento do Distrito Federal. 57 Sob Anexo 7. 58 Vide Anexo 9. Ressalta-se que este Decreto est sob processo de atualizao pelos rgos: SUCAR, DETRAN-DF e SEAPA - GDF.

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A norma probe o transporte de passageiros em Veculo de Trao Animal (VTA) em vias pblicas urbanas e nas faixas de domnio de rodovias do Distrito Federal (art. 10). Tambm estabelece em seu art. 2, 1, alnea d, que a capacidade mxima de carga do veculo seja de 350 kg (entende-se que na medida estipulada esteja includo o peso do condutor e de eventual assistente). Em comparao norma estabelecida no municpio de So Carlos - SP, onde existe um projeto chamado Carroceiro do Futuro, a medida fixada para a trao animal de 250 kg, includos material a ser transportado e peso da carroa estimado em 100kg. No que tange cargas de sucatas e entulhos, de acordo com a cartilha do projeto59, deve-se proceder fiscalizao com especial cuidado, devido ocorrncia de grande peso e pouco volume. As penalidades previstas na Lei 1553/1997 so: multa no valor de R$ 20,00, apreenso do veculo e suspenso ou cassao da autorizao do condutor (art.13). Conforme entrevistas prestadas pelo DETRAN-DF [E7] e pela SUCAR-GDF [E5], est em andamento um projeto piloto de regularizao do trnsito de veculos de trao animal na RA do Gama - via Projeto Limpeza a Galope do GDF. De acordo com tais entrevistas, os carroceiros dessa regio receberam capacitao sobre as normas de trnsito e documento autorizador do DETRAN-DF para conduzir VTA; os animais foram cadastrados, examinados quanto Anemia Infecciosa Eqina - A.I.E.60 e receberam documentao, restando apenas o emplacamento dos veculos, que depende de alterao do Decreto n 26289 de 2005. Segundo informaes da SUCAR, o referido decreto foi atualizado e ser encaminhado votao na Cmara Legislativa do DF.

3.3 DA EFETIVIDADE DO DIREITO NO COMBATE AOS MAUS-TRATOS A EQDEOS DE TRAO POR CARROCEIROS NO DISTRITO FEDERAL

A lei ambiental no tem sido suficiente no combate aos delitos contra o meio. Segundo nos ensina NALINI61 apud CALHAU (2005, p.2310), a proliferao normativa desativa a fora intimidatria do ordenamento. Outras vezes, a sano irrisria e vale a pena suport-la, pois a relao custo benefcio estimula a vulnerao da norma.

59 60

Vide Anexo 3. Disponvel em: www.saocarlos.sp.gov.br - no link da Secretaria de Agricultura. Conhecida como AIDS eqina, a A.I.E., segundo a Instruo Normativa do MAPA n 45 de 2004, uma doena infecciosa causada por um lentivrus, podendo apresentar-se clinicamente sob as seguintes formas: aguda, crnica e inaparente (art. 1, II). Detectado A.I.E., o animal dever ser isolado ou sacrificado (art. 17, IV). 61 NALINI, Jos Renato. tica Ambiental. Campinas: Milennium, 2001, p.XXIII. apud CALHAU, 2005, p.2310

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Assim ocorre no Distrito Federal, onde a multa aplicada para o resgate do animal apreendido de R$ 60,0062. Para um animal de propriedade de carroceiro, cujo preo de compra varia entre R$ 50,00 e R$ 600,00 (de acordo com pesquisa informal), tal multa tornase irrisria, valendo a pena suport-la. No municpio de So Paulo, a multa aplicada em caso de animal solto em via pblica varia entre R$ 500,00 e R$ 700,00, dependendo do grau de risco ao qual o animal esteve submetido, ou ao qual o animal gerou sociedade63. Tal quantia cobe a prtica da infrao e desestimula a retirada do animal junto ao Centro de Controle de Zoonoses de So Paulo - CCZ/SP. Outro fator prejudicial proteo de animais de trao no Distrito Federal a inexistncia de um procedimento de identificao eficiente do animal, o que dificulta a responsabilizao do proprietrio, a caracterizao de reincidncia e a conseqente aplicao de multa aumentada. Segundo pesquisa realizada para este estudo, no municpio de So Carlos - SP, aps a identificao eletrnica dos eqdeos de trao presentes na cidade, houve a reduo em cerca de 60% do nmero de apreenses. Foi constatada, tambm, diminuio de casos de maus-tratos64.

3.4 COMO EXERCER O DEVER CONSTITUCIONAL DE PROTEGER OS ANIMAIS Em casos de crueldade contra animais, DIAS (2000, p.173) nos ensina que, por tratar-se de ao pblica incondicionada, qualquer cidado poder:

Denunciar Polcia Civil mais prxima, que dever lavrar Termo Circunstanciado65 do ocorrido e encaminh-lo imediatamente ao Juizado de Pequenas Causas. Pode-se solicitar ao escrivo sigilo de dados pessoais. A composio dos danos civis

tambm poder ser homologada nesse Juzo e ter eficcia de ttulo a ser executado no Juzo Civil competente.

62 63

Segundo informaes colhidas na Gerncia de Apreenso de Animais do GDF. Conforme informao prestada em entrevista [E10]. 64 Informaes prestadas pelo Departamento de Proteo Animal da Secretaria de Agricultura de So Carlos SP. A Prefeitura possui um Projeto chamado Carroceiro do Futuro, no qual os carroceiros so orientados quanto s normas e ao trato animal; os eqdeos so devidamente cadastrados e identificados, recebem atendimento mdico veterinrio e ferrageamento regular e gratuito, e os veculos so vistoriados e emplacados. 65 Termo Circunstanciado uma espcie de Boletim de Ocorrncia, referente a infraes penais de competncia do Juizado Especial Criminal. In artigo disponibilizado em http://br.geocities.com/equinosbrasil/leis.html.

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Proceder representao66 ao Ministrio Pblico, o qual ser o titular da Ao Penal. A materialidade do crime pode ser comprovada por boletim mdico testemunhas, fotos ou provas equivalentes. veterinrio,

Procurar diretamente o Juizado de Pequenas Causas (onde houver) para apresentar representao oral, a qual ser reduzida a termo.

Efetuar denncia por telefone Polcia Militar (190) - em caso da infrao estar ocorrendo no momento da ligao, ou Polcia Civil (197), quando a prtica de maus-tratos for freqente, e quando for sabido o endereo de residncia ou permanncia do agente maltratante e do animal vitimado.

No Distrito Federal, pode-se ainda:

denunciar Delegacia do Meio Ambiente DEMA/DF, da Polcia Civil, no telefone: 61 3234 5481.

ou, em caso de animal solto em via pblica, ligar para a Gerncia de Apreenso de Animais, no telefone: 61 3301 4952.

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De acordo com LEVAI, trata-se de um relato escrito do ocorrido, indicando, se possvel, testemunhas Promotoria de Justia (Ministrio Pblico).

41

PARTE II DO DIAGNSTICO "No semblante do animal que no fala, h todo um discurso que s um esprito sbio capaz de entender Filsofo Indiano67 Para a elaborao do presente diagnstico sobre a explorao de eqdeos por carroceiros no Distrito Federal, realizou-se pesquisa quantitativa e qualitativa. Na pesquisa quantitativa, objetivou-se identificar: o nmero de eqdeos mortos em vias pblicas no Distrito Federal; a quantidade de espcimes apreendida pelo GDF; o nmero de acidentes envolvendo esses animais e a quantidade de eqdeos que transitam pela regio. Os dados recolhidos nesta fase foram tabulados e alguns cruzamentos de informaes se fizeram necessrios para o aprofundamento das anlises. Na pesquisa qualitativa, visou-se compreender como ocorre a explorao desses animais pelos carroceiros no DF a partir dos diversos olhares dos atores sociais envolvidos diretamente com o assunto. No intuito de aprimorar o entendimento sobre tal explorao, utilizou-se da tcnica de entrevistas semi-estruturadas para: a) averiguar as condies sob as quais os animais de trao so explorados; b) identificar as aes promovidas pelo Poder Pblico e pela coletividade no DF no tocante proteo de animal de trao; c) levantar a opinio de especialistas da rea mdico-veterinria que possuem contato com esses animais e d) identificar aes exitosas de proteo aos eqdeos de trao em outras localidades do pas. Com a finalidade de resguardar os entrevistados, as entrevistas foram enumeradas e dispostas de [E1] a [E14]. Ressalta-se que todos os grficos e tabelas expostos a seguir foram elaborados pela autora desse estudo.

67

In stio eletrnico: http://www.quintaldesaofrancisco.org.br/ Acesso em : 01MAIO2006.

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CAPTULO 4: BREVE CONTEXTUALIZAO DA SITUAO CARROCEIROS QUE TRABALHAM NO DISTRITO FEDERAL

DOS

Segundo BURSZTYN e ARAJO68, com o objetivo de integrar as diferentes e isoladas regies do pas Braslia foi, e continua sendo, foco de grande fluxo migratrio de trabalhadores a procura por emprego. No presente, o novo candango, que no mais constri a cidade e nem encontra emprego na mquina administrativa do Estado, vive de pequenos biscates, do lixo e da bondade da populao. De antigos agricultores, passam a ser catadores de lixo, sustentam seus filhos com os despojos da populao de consumidores69. De acordo com os estudos de BERTRAN, a construo de Braslia reorientou os fluxos migracionais dirigidos ao Centro-Oeste. A cidade em si pouco alterou o contexto econmico regional, permanecendo por pelo menos um quarto de sculo como um enclave pouco integrado regio 70. Para BUARQUE, Braslia um exemplo dos problemas da migrao moderna, um caso tpico da convivncia do moderno com o nomadismo71. Os migrantes ou, como afirmam BURSZTYN E ARAJO, perambulantes72, deslocam-se de forma permanente, em busca do que comer no imediato: Ao chegarem a Braslia, sua maior expectativa se limita ao que comer na prxima refeio73. Segundo BUARQUE74, esses migrantes so modernmades nmades criados pela modernidade e lixveros vivem do lixo dos sedentrios do presente. Em virtude de sua caracterstica nmade, essa parcela da populao de difcil contabilizao e, por isso, est margem das estatsticas oficiais: Perambulam pelo Brasil, como perambulam pelas cidades por onde vo ficando. No so contados nas estatsticas oficiais, pois no permanecem em local fixo. Ou podem fazer parte de estimativas de contagem em mais de um local. Em todo o caso, no figuram nos censos da FIBGE. ( BURSZTYN; ARAJO, 1997, p.52). Em 1995, ano do estudo efetuado pelos autores, dos migrantes pesquisados - moradores de rua75 - havia o predomnio de jovens, com baixa escolaridade - quase 90% possua at o

68 69

BURSZTYN; ARAJO , 1997, p. 18-20. Ibidem, p.22. 70 BERTRAN, 1988, p.131. 71 BUARQUE, Cristovam apud BURSZTYN E ARAJO, 1997, p.10. 72 BURSZTYN; ARAJO, 1997, p.52. 73 Ibidem, p.25. 74 BUARQUE, Cristovam apud BURSZTYN E ARAJO, 1997, p.11 75 BURSZTYN; ARAJO, 1997, p.51-53. Segundo os autores, o estudo se concentrou na populao de rua, que sobrevive em Braslia pedindo esmolas, praticando pequenos servios e catando papel e outros materiais nas ruas

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primeiro grau incompleto: destes, um tero eram analfabetos; pouco mais de um quarto vieram diretamente do meio rural. Em relao renda familiar, 50% percebia at um salrio mnimo por ms e 7% declararam no possuir renda alguma.76 nesse cenrio de misria econmica extrema, marginalizao social e degradao educativa, que parte desses migrantes atuais utilizam-se do trabalho eqino para viabilizar um fluxo de renda melhor77. Segundo BURSZTYN e ARAJO,

o cavalo constitui elemento de fundamental importncia na economia do lixo. Garante o transporte, gera alguma renda quando reproduz, e serve de reserva de valor, espcie de caderneta de poupana dos catadores, que no tm conta bancria nem se sentem seguros para guardar dinheiro em seus barracos (1997, p.40). interessante ressaltar que, apesar das caractersticas urbano-geogrficas de Braslia (tais como disperso espacial, caracterizao desacidentada de terreno e amplas reas verdes) contriburem para a utilizao de animal de trao como instrumento de trabalho, as longas distncias entre a regio central (rica em reciclveis) e as RAs (moradia de grande parte de carroceiros), as altas temperaturas climticas, assim como o asfaltamento das vias pblicas, prejudicam a sade do animal. Os autores ensinam, ainda, que o animal serve de fator de sedentarizao, j que seu trato exige certas condies e o produto que transporta implica ter um local fixo para armazenar e vender os materiais78. Havendo, desta forma, certa fixao no espao geogrfico, entende-se ser possvel um trabalho de incluso social e educao ambiental com carroceiros e suas famlias, e tambm a consecuo de uma ao protetiva aos animais por eles utilizados, via identificao eficiente e capacitao dos proprietrios.

e nos lixos da cidade. (...) A pesquisa de campo foi realizada nos meses de maio e junho de 1996, quando ainda no se sentia o mpeto da estao da seca, que normalmente conduz a Braslia um contingente de migrantes temporrios. Ficou estabelecido que seriam entrevistadas apenas famlias que tivessem chegado ao Distrito Federal aps o incio de 1995, ou seja, aps 1 de janeiro de 1995. Foram aplicados 150 questionrios, realizadas entrevistas abertas e buscado informaes com pessoas que conhecem e tm experincia prtica com essa problemtica. 76 Ibidem. 77 Ibidem. 78 Ibidem, p.40.

44

CAPTULO

5:

DIAGNSTICO

DA

EXPLORAO

DE

EQDEOS

POR

CARROCEIROS NO DISTRITO FEDERAL

5.1 EQDEOS MORTOS E APREENDIDOS NO DISTRITO FEDERAL - RESULTADOS DA PESQUISA QUANTITATIVA

Conforme dados fornecidos pela BELACAP - empresa responsvel pela remoo de animais de grande porte mortos em rea pblica - nos anos de 2004 e 2005 foram removidos, respectivamente, 461 e 409 cavalos de logradouros e terrenos pblicos. No primeiro trimestre de 2006, foram removidos 81 cavalos, nmero bem menor que no primeiro trimestre dos anos anteriores, 138 e 128 animais respectivamente, conforme grfico abaixo. importante ressaltar que, de acordo com a informao colhida na [E1], tais nmeros no contabilizam os animais mortos: 1) no Curral Comunitrio da GAA; 2) no Zoolgico de Braslia; 3) no Hospital de Animais de Grande Porte da UnB; 4) em propriedade particular e 5) os portadores de AIE que foram sacrificados.

GRFICO 1 Eqdeos Mortos e Removidos de reas PblicasEQDEOS MORTOS, REMOVIDOS DE REAS PBLICAS81

2006

2005

138 409 128 461 0 100 200 300 400 500

1 TRIMESTRE ANUAL

2004

n animais

Fonte: BELACAP

Conforme o entrevistado, dentre as principais causa mortis destacam-se maus-tratos e atropelamento de animal solto ou abandonado. interessante destacar a diferena entre animal solto e abandonado; o primeiro caso ocorre quando o proprietrio libera o animal, geralmente prximo a rodovias, para pastar ou procurar alimento no lixo, momento em que o eqdeo caminha em direo s vias de rodagem e atropelado. J o animal abandonado configura aquele que vtima de descarte pelo carroceiro, por no ter mais serventia.

45

De acordo com os dados fornecidos pela GAA79, responsvel pela captura de animais de grande porte soltos em reas pblicas no DF, em 2004 e 2005 foram apreendidos 852 e 665 animais de trao. Em relao ao primeiro trimestre, foram apreendidos nos anos de 2004, 2005 e 2006, respectivamente, 234, 210 e 172 animais, conforme o grfico a seguir.GRFICO 2 Eqdeos Apreendidos pela GAAEQDEOS APREENDIDOS PELA GAA

2006

172 1 TRIMESTRE 665 234 852 0 200 400 600 800 1000 ANUAL

2005

210

2004

n anim ais

Fonte: GAA

Em anlise comparativa dos grficos constatou-se que, no ltimo binio houve uma reduo do nmero de animais mortos, bem como apreendidos. Apesar disso, o ndice ainda elevado: em 2005 morreram mais de um animal por dia no DF e quase dois foram apreendidos por dia. A diminuio gradativa tambm percebida no primeiro trimestre de 2004, 2005 e 2006. Seguem, abaixo, os valores mensais de remoo e apreenso de eqdeos, bem como o grfico trimestral correspondente.TABELA 1 - Quantidade de Eqdeos Mortos e Removidos pela BELACAPQUANTIDADE DE EQDEOS MORTOS E REMOVIDOS P