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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO E CIÊNCIA POLÍTICA RELAÇÃO DE EMPREGO E CONTRATO DE TRABALHO Orientanda: Anna Claudia de Vasconcellos Orientador: Prof. Estevão Riegel Florianópolis, 2 de junho de 1.997. A presente Monografia entitulada Relação de Emprego e Contrato de Trabalho, elaborada por Anna Claudia de vasconcellos e aprovada pela banca examinadora composta pelos Professores abaixo assinados, obteve a aprovação com nota 9,5 (nove e meio), sendo julgada adequada para o cumprimento do requisito legal previsto no art. 9.º da Portaria n. 1.886/94/MEC, regulamentado na UFSC pela Resolução n. 003/95/CEP. Prof. Orientador Estevão Valmir Torelli Riegel Prof. Alexandre Luiz Ramos Prof. Hélio Henrique Garcia Romero

MONOGRAFIA - Direito Trabalho - Relacao de Emprego E Contrato de Trabalho

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINACENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICASDEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO E CIÊNCIA POLÍTICA

RELAÇÃO DE EMPREGOE

CONTRATO DE TRABALHO

Orientanda: Anna Claudia de VasconcellosOrientador: Prof. Estevão Riegel

Florianópolis, 2 de junho de 1.997.

A presente Monografia entitulada Relação de Emprego e Contrato de Trabalho, elaborada por Anna Claudia de vasconcellos e aprovada pela banca examinadora composta pelos Professores abaixo assinados, obteve a aprovação com nota 9,5 (nove e meio), sendo julgada adequada para o cumprimento do requisito legal previsto no art. 9.º da Portaria n. 1.886/94/MEC, regulamentado na UFSC pela Resolução n. 003/95/CEP.

Prof. Orientador Estevão Valmir Torelli Riegel

Prof. Alexandre Luiz Ramos

Prof. Hélio Henrique Garcia Romero

AGRADECIMENTOS

Ao caro Professor Estevão Riegel, pela atenção dispendida e pelas opiniões sempre

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construtivas.

A meus pais, Aulo e Anna,sem os quais eu não teria chegado até aqui.

À vovó Alzair, a meus tios e tias queridos, em especial ao tio Toninho e à tia Conceição, pela paciência e prontidão.

A todos os amigos, que de uma forma ou de outra me ajudaram na realização deste trabalho.

Muitíssimo obrigada.

Sumário

INTRODUÇÃO

CAPÍTULO I

EVOLUCÃO HISTÓRICA1 - ASPECTOS GERAIS

1.1 -Escravidão1.2 - Servidão1.3 - Salariato

2 - ASPECTOS BRASILEIROS2.2 - O Direito do Trabalho e as Constituições Brasileiras

2.2.1 - Constituição de 18242.2.2 - Constituição de 18912.2.3 - Constituição de 19342.2.5 - Constituição de 19462.2.6 - Constituição de 1967 (carta outorgada)2.2.7 - Constituição de 88

CAPÍTULO II

1 - A Constituição de 88 e os Direitos Sociais Trabalhistas2 - Direitos Individuais do Trabalhador

3 - CONTRATO DE TRABALHO E RELAÇÃO DE EMPREGO

3.1 - Contrato de Trabalho3.2 - Relação de Emprego

CAPÍTULO III

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1. DESVIRTUAMENTOS DA RELAÇÃO EMPREGATÍCIA

1.1 - Cooperativismo1.2 - Terceirização1.3 - Economia Informal

CONCLUSÃO

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

NTRODUÇÃO

Através do estudo a partir de agora empreendido buscaremos traçar um panorama da situação da relação de emprego no atual contexto histórico, econômico e jurídico.

A intenção primordial é analisar o vínculo sócio-econômico-jurídico estabelecido entre o titular do empreendimento empresarial e o trabalhador, com apontamento de seus aspectos positivos e negativos, sem esquecer do papel do judiciário.

A partir de seu nascimento, ocorrido em meio a muita luta, especialmente dos trabalhadores, até hoje, tentaremos esboçar um perfil dessa relação dinâmica, em constante mutação, sensível a qualquer mudança estrutural do mercado e da política.

Dentre outros aspectos procurar-se-á dar atenção à situação de subordinação/sujeição do trabalhador frente a um mercado de trabalho saturado, uma economia desigual e o poder/dever empregatício do empreendedor, sempre apto a impor normas ou tendências que, via de regra, beneficiam a seus próprios mentores.

Procurar-se-á, da mesma forma, pensar a validade das normas jurídicas de defesa e garantia do trabalho, bem como a eficiência da atuação do judiciário nas questões trabalhistas, demonstrando as perdas sofridas pelos trabalhadores decorrentes da Revolução Tecnológica, dos ideais neoliberalistas aplicados à política (não-intervenção estatal) e ao mercado (alta especialização dos trabalhadores, diminuição do quadro de pessoal das empresas, que passam a se preocupar e se responsabilizar - diretamente - tão-somente por sua atividade-fim), do enfraquecimento dos movimentos trabalhistas e da crise conjuntural pela qual passa a questão do emprego.

A metodologia empregada para feitura da presente monografia foi desenvolvida a partir da leitura e fichamento de obras e de artigos de revistas jurídicas, com sua posterior conjugação, juntamente com as informações colhidas nos diferentes canais de comunicação/informação

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disponíveis acerca do assunto, utilizados em sua maioria de forma acessória.

Tudo isso procurando atingir uma meta que é a consecução de um trabalho de finalização do Curso de Direito, que possa de alguma forma contribuir para o enriquecimento daqueles que a ele se reportem futuramente.

Capítulo I

EVOLUCÃO HISTÓRICA

1 - ASPECTOS GERAIS

Inicialmente o trabalho era realizado objetivando-se a subsistência. Na medida em que as necessidades humanas foram aumentando o trabalho deixou de ser uma relação individual passando a constituir-se de uma relação social entre indivíduos, e é esta última, por sua vez, que determina a condição histórica do trabalho. Segundo Carlos Roberto de Oliveira1 o processo histórico do trabalho é compreendido como sendo a forma como os homens produzem os meios materiais para a satisfação de suas necessidades. Desde o surgimento de uma relação social de trabalho três sistemas fundamentais reflectivos de uma estrutura econômica, são identificados: a escravidão, o servilismo e o salariato.

A escravidão foi a relação de trabalho predominante da Idade Antiga, nela o trabalhador era visto como coisa, parte integrante do patrimônio. Já na Idade Média identifica-se o servilismo como principal forma de relação de trabalho. Menos objeto que o escravo, neste período o trabalhador era considerado um servo da terra. Na idade moderna o trabalhador começa a se tornar sujeito de direitos e obrigações, sendo aqui o palco da transição das formas servis de relação de trabalho para a capitalista. Caracteriza-se essa transição pelo surgimento e desenvolvimento do mercantilismo e das manufaturas (surgidas em contraposição às corporações de ofício). E por fim com o advento do capitalismo inaugura-se a Idade Contemporânea, marcada pelo regime de trabalho conhecido como salariato, no qual o trabalhador vende sua força de trabalho ao tomador de serviços, e pelas conquistas trabalhistas nos planos econômico e social.

Veremos agora, de forma suscinta, as particularidades de cada sistema produtivo, tomando por base o tipo de relação de trabalho existente e suas respectivas épocas de emergência.

1 História do Trabalho, ed. Ática, 1995.

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1.1 -Escravidão

Sua origem remonta aos primórdios da história humana. A característica fundamental desse sistema produtivo é o estado de perpétua e absoluta subordinação do trabalhador ao seu dono/senhor, exercente da plena in re potesta. O escravo reúne em si duas funções: a de produtor direto, por ser aquele que produz, e de meio de produção, já que, rebaixado ao nível de mero instrumento para exploração, é coisa e como tal pode ser objeto de comércio. Nas formações escravistas a relação econômica é marcada pela dominação absoluta do capital sobre o trabalho, sendo, a relação de trabalho, identificada pela subordinação total de um indivíduo por outro. Antes porém de se analisar as sociedades escravistas propriamente ditas, vamos fazer uma rápida incursão as formações sociais anteriores àquelas, conhecidas por formações primitivas e asiáticas, estas últimas estudadas por Marx.

As sociedades sem classe existentes nas formações primitivas eram predominantemente comunitárias em suas relações de produção (produto do trabalho como propriedade coletiva). Estas deram origem as formações asiáticas, marcadas pelo aparecimento do Estado e das formas de exploração de classe. Essa mudança originou-se em decorrência do desenvolvimento da agricultura, que permitiu a produção de excedentes regulares, gerando diferenças em sua distribuição e permitindo, por sua, vez, o domínio de uma unidade produtora (comunidade aldeã) por outra.

As formações asiáticas funcionavam através das comunidades aldeãs que tinham função produtiva nas terras do Estado, controladas pela comunidade superior através de mecanismos jurídicos, políticos e ideológicos que buscam a legitimação de sua função exploradora. É nesse contexto que surge a figura do rei (déspota oriental), representante hereditário da função dominante; determinante da função da comunidade superior; marco da prevalência do símbolo de imposição da cooperação entre as comunidades inferiores para a realização do trabalho e da produção. Representa, também, a conversão do poder como função em poder de exploração.

Nas formações asiáticas a exploração do trabalho é denominada por Marx de escravismo generalizado. Diferencia-o do escravismo greco-romano pois ao contrário deste, aquele mantém a idéia de liberdade pessoal do indivíduo. O laço de dependência não é mantido de indivíduo para indivíduo, mas mediante a exploração das comunidades locais pela comunidade superior.

Na produção rural prevalece a cooperação, sendo que diretamente dependente desta produção encontram-se as poucas cidades existentes na época, que nada mais eram que núcleos administrativos, mantidos pelo excedente da produção rural, visando, sobretudo, a manutenção do poder e

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do prestígio da corte. O trabalho urbano, predominantemente artesanal, era desenvolvido em consonância com estes interesses. O comércio era praticado monopolisticamente pelo rei e dominado pelo intercâmbio de produtos in natura (sistema de troca).

Das formações asiáticas sobrevieram as formações antigas. Surgiram com o aparecimento e desenvolvimento da propriedade privada da terra como privilégio de uma determinada classe, sendo o Estado agente legitimador dessa apropriação.

As formações antigas são, segundo MARX,

formações de pequena economia agrária e prática de ofícios independentes (que) formam, por sua vez, a base econômica da comunidade clássica em seus melhores tempos, depois de desmoronar-se o coletivismo primitivo e antes de que o escravismo se aproprie da produção. 2

Resultado da dissolução das relações antigas de produção, as formações escravistas são estruturadas a partir da mercantilização da economia (o móvel do escravismo) e dos conflitos sociais que liberam o cidadão do domínio da aristocracia tradicional, marcando a transição das formações antigas para as escravistas. E estas formações representaram a institucionalização de um modo de produção baseado na total subordinação de um homem em relação a outro.

Agora as cidades não são mais formadas por um aglomerado de proprietários rurais em torno da aristocracia dominante, mas sim o centro de tudo, organizado civilmente, embora ainda dependente do campo.

As formações escravistas são representadas basicamente pela Grécia e por Roma (onde a institucionalização da apropriação da terra, da produção e do trabalho foi mais ampla). Nessas sociedades os escravos eram aproveitados nas mais variadas áreas. Eram explorados como trabalhadores rurais, artesanais, comerciais e intelectuais e a ele, enquanto escravo, embora produtor direto, responsável pelo desenvolvimento econômico e social dessas formações, cabia, via de regra, como pagamento, a garantia do recebimento do mínimo vital para manutenção de sua sobrevivência.

1.2 - Servidão

Forma atenuada de escravidão, a servidão surgiu em meio a uma série de mudanças ocorridas pela Europa Ocidental de domínio romano, como conseqüência das invasões bárbaras. Com o avanço dos latifúndios e a institucionalização do colonato (representantes das formas embrionárias de senhorio), deixa o trabalho escravo de corresponder às necessidades de

2 Ob. cit., p. 23-24.

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produção. A sua manutenção torna-se igualmente cara, não correspondendo mais ao investimento com ele dispendido. Através das invasões os bárbaros trouxeram para o Ocidente uma estrutura fundiária comunitária onde a terra era de propriedade coletiva, mas os produtos eram de apropriação individual. Tal possessão individual somente ocorria em relação aos membros da comunidade. O trabalho agrícola era realizado por todos os indivíduos, organizados em famílias, havendo dessa forma uma cooperação permanente entre trabalhadores. Porém, ao chegarem na Europa Ocidental encontraram populações miseráveis, arruinadas e desprotegidas. A minoria latifundiária remanescente, composta por romanos, aproveitando a situação precária do povo, passa a trocar proteção por trabalho. Os pequenos proprietários, diante das enormes dificuldades de manutenção da terra acabam por vendê-las aos grandes senhores, recebendo-as, após, agravadas de encargos e compromissos. Os bárbaros, em contato direto com esta realidade acabaram por verem alteradas sua relações tradicionais. E é justamente a partir da combinação desses dois modos de produção, escravista e germânico, que surge o modo de produção feudal.

O feudalismo é marcado por duas etapas históricas: a primeira entre os séculos IV e IX, compreende a formação e organização do sistema de apropriação; a segunda vai do século X ao XII, e é a etapa de pleno funcionamento do feudalismo na Europa. É neste período que surge e se legitima, através das instituições políticas básicas, o poder do Senhor Feudal e onde se dá o fortalecimento da Igreja.

A exploração nesse período foi marcada pela sujeição do trabalhador à terra. Tal exploração estava alicerçada em um aparato jurídico-político baseado nos direitos e poderes do dono da terra chamado senhorio, cuja relação fundamental era a senhoria (feudo-vassálica), que consistia no pressuposto da exploração econômica na sociedade feudal.

A sustentação da ordem feudal era caracterizada “pela propriedade da terra, pela exploração de trabalho compulsório (servil), pela criação da força militar correspondente, a serviço da segurança e das garantias do senhor e pela vassalagem em graus mais elevados (entre reis e senhores)”.3

Durante a Idade Média a relação de trabalho travava-se em função da necessidade econômica da exploração da terra. O servo a ela estava vinculado jurídica e politicamente, servia à terra e não ao senhor feudal. Tinha uma condição jurídica não tão infamante quanto a do escravo, pois era considerado pessoa, podendo, inclusive, constituir patrimônio e exercer alguns atos da vida civil, desde que previamente autorizado.

A apropriação da renda e do trabalho rural no feudalismo dava-se através da corvéia, em que o servo trabalhava nas terras do senhor e em suas terras, respectivamente e da banalidade, onde as terras do senhor feudal e do servo eram comuns, recebendo este último, como pagamento, parte da produção, suficiente para seu sustento, sendo que o excedente pertencia ao dono do feudo. Havia ainda uma modalidade de apropriação, menos comum que as antecedentes, que consistia na concessão, ao camponês, do direito de

3 Ob. cit. p. 52.

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exploração do solo e da venda do excedente, cujo produto era entregue ao senhor feudal.

A igreja, que se tornara autônoma a partir da instituição do dízimo, em 585, reproduzia, geralmente, a mesma coerção adotada pelos representantes feudais, ou seja, uma estrutura de produção baseada no trabalho escravo e servil.

Com o desenvolvimento do comércio as cidades medievais desenvolveram-se muito. Surgiram os artesãos urbanos, a maioria proveniente do campo. É nesse contexto que apareceram as associações de grupos de trabalhadores, classificadas em:

- comunidades aldeãs - consistiam numa associação de moradores de uma determinada propriedade em torno de princípios comuns (reprodução de práticas tribais);

- confrarias - eram associações patrocinadas pela Igreja, sob a proteção de santos padroeiros. Havia as confrarias rurais, voltadas à posse comum da terra e à assistência aos camponeses, e as confrarias urbanas, que organizavam-se de acordo com os ofícios realizados;

- corporações de ofício - organizadas de forma profissional a partir da primeira metade do século XII. Tornaram-se obrigatórias com a elaboração do Livre Métiers, por Etienne Boileau, em 1258. Por esse documento estabeleceu-se o conceito de ofício, criaram-se mecanismos de controle do seu exercício e as formas de controle do trabalho.

Os artesãos não tinham a posse de seus instrumentos nem da matéria-prima com a qual trabalhavam. Sua capacidade laborativa era emprestada (ou vendida) ao mestre-de-ofício por meio de uma remuneração instável, trabalhando de 8 a 16 horas diárias.

Tal estrutura de produção correspondia a uma estratégia feudal mantenedora de uma subordinação do artesão aos proprietários das oficinas.

1.3 - Salariato

O regime do salariato surge como conseqüência da Revolução Industrial. Antes porém existiu todo um processo de transição pelo qual passou a Europa Ocidental até que fossem alcançadas as condições políticas, econômicas e sociais adequadas para que as relações feudais cedessem lugar às relações capitalistas de produção.

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A crise do feudalismo inicia-se ainda na Idade Média, nos séculos XIV - XV, tendo como principal causa o mercantilismo, que nas palavras de Carlos Roberto de Oliveira:

Significou historicamente uma política global (grifo meu) adotada pelo Estado moderno europeu, de caráter centralizado e absolutista, e voltada para os interesses da burguesia emergente no período, sob várias formas: comercial, na Inglaterra; industrial, na França e metalista, na Espanha. O mercantilismo consagra a intervenção econômica do Estado na agricultura, nas manufaturas, no comércio, e estabelece uma estratificação mais sólida e rígida da sociedade em ordens, que mais tarde serão chamadas de estados: a nobreza, o clero e o povo.4

É nesse período que se inicia o processo de acumulação do capital pela burguesia, posto que a ela cabia o monopólio do excedente da produção. O Estado, detentor do aparato de controle e vigilância, beneficia-se dessa acumulação através da cobrança de taxas e impostos, responsáveis pela sustentação de seu aparelho. E a burguesia emergente, detentora do capital, aproveita-se do Estado, mediante pagamento, iniciando-se também seu período de controle financeiro.

Estruturalmente fundado no binômio monarquia-burguesia, no Estado, ao contrário do que ocorria na Idade Média, o papel representado pelo clero e pela nobreza resumia-se ao exercício de funções burocráticas e administrativas restando afastados das funções decisórias.

Durante os séculos XVI e XVII deflagrou-se definitivamente o processo de expropriação camponesa, conseqüência dos cercamentos das propriedades, como forma de proteção da propriedade privada, da ampliação das áreas de cultivo, do crescimento dos rebanhos. Também nesse contexto histórico é que ocorreu o desenvolvimento do processo de exploração colonial, que marcou o início de uma era constituída de um mercado mundial responsável pelo grande desenvolvimento do comércio e pelo fornecimento à burguesia das condições históricas necessárias à construção de seu império econômico.

Todas essas transformações tiveram como conseqüência o crescimento das cidades e o aumento das populações trabalhadoras, o que não implicou necessariamente na modificação das relações de trabalho, uma vez que na Europa, o cooperativismo resistiu até o século XVIII.

A necessidade da permanência de uma parcela do campesinato na terra, para promover a produção rural, fez com que fossem mantidas duas formas de exploração de trabalho - o arrendamento e a parceria (a mais comum). Ambas realizavam a produção com vistas ao pagamento do aluguel, no caso do arrendamento e à divisão dos produtos obtidos com os proprietários das terras, no caso da parceria. Tais formas de exploração mantinham o camponês numa relação de dependência com o proprietário da terra, pois raramente conseguia acumular algo, vivendo, via de regra, em situação de penúria. Esta realidade apenas melhora a partir do século XVIII, com as

4 op. cit., p. 64-65.

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inovações das técnicas de produção.

O Trabalho urbano sofre grande modificação com a substituição das corporações pelas manufaturas, responsáveis pela divisão entre capital e trabalho. No século XVI as corporações começaram a dar sinais de enfraquecimento em decorrência do aumento da demanda e da busca pela qualidade dos produtos fabricados, posto que encontraram dificuldade de se adaptarem as exigências do mercado e às novas condições econômicas, representando o século XVII o marco dessa sucumbência. Era o trabalho semicompulsório tradicional cedendo lugar ao trabalho livre emergente.

Agora,

a divisão do trabalho é organizada para atender ao aumento da demanda com maior produtividade, e é bastante nítida nos grêmios livres. Nesses casos, a divisão profissional do trabalho é substituída pela divisão técnica do trabalho, isto é, a exclusividade profissional dominante nas oficinas de artesanato medievais é substituída pela distribuição de funções nas oficinas de manufaturas modernas.5

Formado o cenário político, econômico e social explode a Revolução Industrial.

A Inglaterra, no século XVIII, foi o primeiro país a experimentar a evolução tecnológica aplicada à produção, sofrendo em conseqüência disso uma revolução nos processos de produção e também nas suas relações sociais. Os demais países europeus apenas adentram na era industrial em meados do século XIX.

Dois períodos marcam a história da revolução industrial, o primeiro, de 1760 a 1850, com a introdução da máquina a vapor; o segundo, de 1850 a 1900, com a expansão da maquinaria a outros países da Europa, América e Ásia. As grandes descobertas desse período foram a energia elétrica, os combustíveis a partir do petróleo, a invenção do rádio, o submarino e os motores de explosão.

O crescimento econômico da burguesia foi um dos fatores responsáveis pela revolução industrial. A substituição do trabalho manual pela máquina modificou toda a estrutura social e econômica da Europa. Agora, ao invés do senhor feudal é a burguesia que se apropria da força de trabalho mediante um pagamento, a que Marx chamava preço do trabalho. Surge aqui um paradoxo: ao mesmo tempo que a tomada do poder pela burguesia torna livre o trabalhador para a escolha e execução de um ofício, libera também a burguesia para a exploração e apropriação do trabalho alheio, prendendo, dessa forma, o trabalhador, chamado agora de operário, às regras de um mercado voltado, única e exclusivamente, aos anseios capitalistas.

Todo progresso econômico e social que pôde ser vislumbrado com a revolução industrial não foi acompanhado da mesma forma pelos diferentes grupos sociais. Enquanto a burguesia acompanhou de perto esse

5 Ob. cit. p. 73.

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processo, o operariado contemporâneo não teve a mesma sorte, posto que visto como continuação da máquina, tendo sua capacidade produtiva condicionada à noção de lucro.

Trabalhador livre no sistema capitalista pode ser traduzido como sendo o homem destituído de todo o meio de produção, pois somente assim ele poderá vender sua força de trabalho. Essa venda é regulada pelo contrato de trabalho e constitui-se pela troca de trabalho por salário. Este por sua vez não representa o que o trabalhador produz, mas sim o que ele ganha para produzir (suficiente apenas para sua subsistência). Tal diferença entre o que o operário ganha para produzir e aquilo que ele efetivamente produz é a mais-valia, e representa o lucro do capitalista.

À excitação causada pela revolução industrial à burguesia, contrapuseram-se as reações hostis dos trabalhadores que viam no emprego da máquina um fator de desemprego e de supressão de postos de trabalho. A exploração desmedida do trabalho efetuada pela burguesia foi a principal responsável pelos movimentos operários a partir do século XIX. Acerca dessa época conturbada assim escrevem Orlando Gomes e Elson Gottschalk:

A concentração do proletariado nos grandes centros industriais nascentes; a exploração de um capitalismo sem peias; a triunfante filosofia individualista da Revolução Francesa; os falsos postulados da liberdade de comércio, indústria e trabalho, reflectivos no campo jurídico da falaz liberdade de contratar; o largo emprego das chamadas ‘meias-forças’, isto é, o trabalho da mulher e do menor; a instituição das sociedades por ações, sociedades anônimas propiciando, a princípio, a reunião de grandes massas de capital necessário aos empreendimentos industriais, e seu posterior desdobramento em capitais monopolizadores (trusts, cartéis, holdings), a idéia vigorante do não-intervencionismo estatal, por mais precárias que fossem as condições econômicas e sociais, tudo isso gerando um estado de miséria sem precedentes para as classes proletárias, resultou no aparecimento, na história do movimento operário, de um fenômeno relevantíssimo: a formação de uma consciência de classe.6

Quando uma determinada classe encontra-se numa posição de opressão por parte de outra, tal identificação nas condições de vida cria entre os membros de um determinado grupo um sentimento de solidariedade, movido pelo instinto de defesa coletiva, que os leva a união e a luta dirigida contra o grupo opressor. Foi o que aconteceu com o proletariado pós-revolução industrial, que se uniu contra as condições ínfimas de vida social às quais foi reduzido pela burguesia capitalista. Primeiramente de maneira ilegal, através das associações de resistência, e depois reconhecidas pelas autoridades públicas, concretizando-se, então, a consciência de classe das massas proletárias na Europa durante o século XIX.

Graças a esse trabalho de resistência posto em prática pelos operários e exteriorizado na forma de movimentos grevistas, ações diretas de 6 ob. cit. p. 102

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sabotagem ou boicote, ludismo, convênios coletivos precários, é que nasceu o Direito do Trabalho, coletivo nos primeiros tempos, motivado pela consciência de classe. Saliente-se que além do suso mencionado movimento dos trabalhadores, outros fatores contribuíram para a formação de um direito voltado para os interesses da classe operária, tais como as doutrinas que pregavam a necessidade do intervencionismo estatal na ordem econômica e trabalhista. Dentre todas estas, provavelmente a mais revolucionária foi a doutrina socialista de Marx, que pregava a total abolição da propriedade privada, além da expropriação dos meios de produção das mãos do capitalista. Ainda como fatores de influência mediata no aparecimento e desenvolvimento do direito do trabalho pode-se citar as duas grandes guerras mundiais, o tratado de versalhes que se seguiu à primeira grande guerra; a ação da igreja, através da publicação da Encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII; a criação da OIT e da ONU e por fim a Revolução Tecnológica pela qual ainda passamos.

Hoje, como decorrência da Revolução Tecnológica acima mencionada, o mundo passa por um processo de globalização econômica, onde a busca pela dominação dos mercados está levando os países a adotarem uma ideologia neoliberal com sérias repercussões na esfera trabalhista. O neoliberalismo é uma negação ao Estado do Bem Estar, pregando a total desvinculação do Estado da sociedade em dois de seus prismas fundamentais: o social e o econômico. Entre outros requisitos para o crescimento econômico, o neoliberalismo prega o enfraquecimento dos sindicatos e a manutenção de uma taxa de desemprego “sadia” para o mercado, criadora de uma massa de trabalhadores disponíveis para que se possam desvalorizar os salários. Hodiernamente passamos ainda por uma onda de terceirização e de informalização dos serviços, deletéria também para os trabalhadores, que acabam por assistir a desvalorização de seu trabalho, acabando, o capital, por concentrar-se, novamente, nas mãos de poucos. Vislumbra-se, em todo o mundo os reflexos destes acontecimentos, buscando os países, a fuga da crise através da união, e conseqüente fortalecimento, nos blocos econômicos. Exemplos disto são a Comunidade Comum Européia, o Mercosul, dentre outros.

2 - ASPECTOS BRASILEIROS

No Brasil a história do trabalho teve início com a colonização, a partir de 1532. O trabalho escravo foi o primeiro a ser experimentado na então colônia portuguesa. Inicialmente houve a tentativa de escravização do índio, porém aqui os colonizadores encontraram duas fortes barreiras: a primeira consistia na dificuldade de adaptação dos aborígenes à vida escrava; a segunda repousava no fato de os jesuítas quererem catequizar os índios e por esta razão opunham-se à escravidão. Em decorrência destes problemas, introduziu-se na colônia a escravaria da África, promovida pelos jesuítas, que poderiam, assim, prosseguir na catequização indígena almejada, enquanto aos colonos não faltariam os escravos necessários.

Aqui, como em outras sociedades, a escravidão foi uma

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instituição jurídica, regida por normas legais provenientes das mais variadas fontes. A um só tempo coisa e pessoa o escravo era um ente com muitos deveres e mínimos direitos. Como coisa, o escravo era considerado um semovente e podia ser vendido, trocado ou alugado conforme a vontade de seu senhor. Podia ainda ser marcado com ferro em brasa não apenas como pena, mas também como forma de reconhecimento, tal qual ocorre com os animais. Sua subordinação era total. O trabalho infantil era liberado a partir dos oito anos de idade, quando então o jovem escravo passava a representar um título de renda. O escravo integrava o patrimônio de seu senhor, e no caso da morte deste passava a integrar seu espólio, sendo arrecadado, inventariado e partilhado, ou então, ao invés da partilha, procedia-se sua venda judicial. Nos primeiros tempos, não se respeitavam sequer as famílias constituídas pelos escravos, porém, a partir da Lei 1.695, de 15.10.1869, proibiu-se a separação de marido, mulher e respectiva prole.

Aos escravos era permitido o casamento, que durante o Império era apenas religioso. Podiam casar não apenas entre si como também com pessoas não cativas, desnecessitando para tanto de consentimento de seus senhores. “O casamento, contudo, não altera a condição de escravo.”7 Mas apesar da permissão para o casamento, e da proibição de intervenção por parte dos senhores, estes não se privavam de separar os casais conforme bem entendessem, tanto que a Lei 1.695, suso mencionada, previa sanções contra tais procedimentos.

Se o escravo ao ser comprado apresentasse algum defeito físico não ostensivo, como p. ex. hérnia ou epilepsia, fazia nascer para seu adquirente o direito de propor ação redibitória contra o vendedor da coisa viciada, com prescrição prevista de seis meses. Como coisa podia ser furtado, sendo que, a lei equiparava o furto do escravo ao roubo, com agravamento da pena (forma de proteção da propriedade). Era ainda objeto de estelionato se vendido por outro que não seu dono.

Decorrência do direito de propriedade, o escravo não podia ser abandonado, posto que o senhor tinha o dever de alimentá-lo, vesti-lo e curá-lo, porém os abandonos eram usuais quando a velhice ou a doença os tornavam imprestáveis para o trabalho. Com o advento da Lei do Ventre Livre, o abandono era sinônimo de liberdade, desobrigando-se o senhor de alimentá-lo e cuidá-lo, exceção feita ao abandono por motivo de invalidez, quando então, era devida ao escravo uma prestação alimentícia, cujo valor era fixado judicialmente.

O escravo era passível de castigos por parte de seu senhor, este, no entretanto, não tinha sobre aquele direito de vida ou de morte. Os excessos cometidos sujeitavam o autor da infração à sanção penal. Porém, o escravo vítima de violência exacerbada não podia figurar no pólo passivo da ação penal, já que miserável, podendo apresentar queixa apenas por intermédio de seu senhor, do Promotor Público ou de qualquer do povo. Quando cometia um crime o escravo era submetido ao procedimento comum, reservando-lhe a lei um tratamento rígido, especialmente quando o delito era cometido contra seu senhor,

7 DEBES, Célio, in “Aspectos Jurídicos da Escravidão”, Revista da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, jan./dez. 1987, p. 171/197.

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direta ou indiretamente, variando as penas do açoite à morte conforme a sua gravidade.

A Lei 2.040, de 28.9.1871, denominada Lei do Ventre Livre, que declarava livre, ou ingênuos, os filhos de escravos nascidos no Império, obrigava os senhores a guardá-los e sustentá-los até que completassem oito anos, quando então poderiam optar por receber do Governo uma indenização pecuniária irrisória ou manter os jovens escravos sob seus serviços até os vinte e um anos (as duas opções diziam respeito ao título de renda preservado em favor dos senhores de escravos), o que consistia numa perpetuação da escravidão. Podia ainda o próprio escravo indenizar o patrão pela sua liberdade, pela formação de um pecúlio, constituído através de doações, legados, heranças e com o que obtiver de seu trabalho e economia própria. Esta era uma faculdade concedida pelo art. 4º, da Lei 2.040 e representava uma exceção à regra de que, por não ter personalidade, o escravo não poderia possuir bens.

Em 28.9.1885 foi instituída a Lei 3.270, conhecida com a Lei dos Sexagenários, que declarava livre todo o escravo com sessenta anos de idade em diante. No entanto, os escravos entre 60 e 65 anos tinham que prestar a seus senhores, a título de indenização três anos de serviços. Esta lei também instituía um fundo de emancipação destinado a liberação dos escravos alforriados.

Aos poucos, como se vê, os grilhões escravocratas foram-se afrouxando. Parte da sociedade, conscientizada das condições desumanas a que eram submetidos os escravos passou a mobilizar-se oficial ou clandestinamente, individual e coletivamente, para fazer desmoronar esta instituição jurídica tão injusta. Não bastassem os brancos das mais variadas classes sociais, os negros livres e os libertos, havia ainda os fugitivos que, escondidos nos Quilombos lideravam movimentos de libertação procedendo a invasão das senzalas e a soltura dos negros. O próprio Poder Público passou a alforriar seus negros escravizados. Nos leilões realizados dava-se preferência ao lances que visassem à alforria do escravo, desde que fosse equivalente à avaliação. Em 1887 fazendeiros e proprietários de escravos fundaram a Associação Libertadora do Trabalho, em São Paulo. E finalmente, em 1888 foi assinada a Lei Áurea.

Saliente-se que havia uma grande pressão interna e externa (Inglaterra) para que a escravidão no país fosse extinta. Internamente essa pressão foi decorrência do convencimento por parte dos proprietários rurais de que o trabalho livre era bem menos oneroso que o escravo. A pressão externa justifica-se sob o ponto de vista econômico. Escravos não são consumidores, mas apenas meros produtores diretos. A Inglaterra, em plena Revolução Industrial estava a procura de mercados consumidores e o Brasil representava um grande mercado consumidor, ainda mais quando engrossado pelo seu enorme contingente de escravos.

Concedida a alforria o que aconteceu aos negros? Livres, sem terra, sem casa, sem nome, foram em sua esmagadora maioria expulsos das fazendas e casas em que trabalhavam. Substituídos por trabalhadores assalariados. Simplesmente jogados fora, como material obsoleto, abandonados

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pela sociedade e pelo Estado, vagaram miseravelmente pelo país. Posteriormente tornaram-se operários, relegados a feitura de serviços secundários, em vista da sua falta de qualificação, ganhando salários ínfimos. Libertos de seus senhores mas aprisionados a um sistema tão cruel quanto antes, ainda hoje lutam para fincarem-se como integrantes da nossa sociedade.

Nessa época o país praticamente não possuía indústrias e as poucas que existiam funcionavam de maneira extremamente primitiva. Os trabalhadores assalariados não eram assistidos pelo Estado. Verificava-se isso nas primeiras legislações relativas às relações de trabalho, que eram referentes ao trabalho na agricultura, posto a produção no Brasil ser eminentemente rural. Vigia, nesses tempos uma ideologia liberal, alicerçada em princípios extremamente individualistas, acreditando-se que o papel do Estado era meramente o de assistir à formação dos contratos sem intervir, a não ser para assegurar a realização de seus efeitos e suas conseqüências, evitando dessa forma, limitar ou diminuir a ação da liberdade e a ação individual.

A partir do século XX o interesse pelas condições de trabalho dos operários toma vulto. Multiplicam-se as legislações voltadas para o problema do trabalho, não apenas no campo, mas na cidade. Entre elas salienta-se a Lei sindical 1.637, de 05.1.1907, o projeto de locação comercial, de Nicanor do Nascimento, que já trazia em suas entrelinhas o reconhecimento da inferioridade econômica do trabalhador: “todos os empregados do comércio entendem-se pobres no sentido da lei”, tendo direito, inclusive, à assistência gratuita. Sendo esse projeto considerado a maior tentativa de proteção do trabalhador antes da Primeira Guerra Mundial.

Em 1915 temos o primeiro projeto do Código de Trabalho. Nele o contrato de trabalho era definido como sendo o “convênio pelo qual uma pessoa se obriga a trabalhar sob a autoridade, direção e vigilância de um chefe de empresa ou patrão, mediante uma remuneração, diária, semanal ou quinzenal, paga por este, calculada em proporção ao tempo empregado, à quantidade, qualidade e valor da obra ou serviço, ou sob quaisquer outras bases não proibidas por lei”.

Os requisitos essenciais desse contrato de trabalho eram: tempo de vigência menor ou igual a quatro anos; designação detalhada da obra ou serviço; salário, tempo e forma de pagamento; lugar de execução do trabalho. Os contratos em que não houvesse duração determinada davam direito à rescisão, condicionada a aviso prévio de oito dias. Em havendo rescisão sem justa causa, antes de atingido o termo, teria o trabalhador direito de ressarcir-se através de ação de perdas e danos. Previa os deveres do empregado e do empregador e a licença maternidade, parcialmente remunerada, de quinze a vinte dias antes do parto e até vinte e cinco dias depois. Em 1917 foi apresentado, por Maurício Lacerda, um conjunto de projetos que regulava a duração da jornada de trabalho, criava a Departamento Nacional do Trabalho, que por sua vez instituiu Comissões de Conciliação e Conselhos de Arbitragem Obrigatória, que obrigava a existência de creches nos estabelecimentos industriais em que trabalhassem mais de dez mulheres, regulava os trabalhos dos menores e estabelecia o descanso semanal de 36 horas e a possibilidade de greves lícitas.

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A história das conquistas no país caracteriza-se pelos chamados movimentos descendentes, ou seja, diante da inexistência de lutas concretas, da falta de associações sindicais fortes e da inexistência de uma massa proletária densa, os avanços trabalhistas foram concessões do Governo para a coletividade, especialmente no período do Governo Vargas, pós-Revolução de 30. Na realidade todas as vantagens conferidas aos trabalhadores, da CLT às legislações referentes aos sindicatos foram formas de manutenção e fortalecimento do domínio do Estado sobre as relações de trabalho, de maneira direta, e da produção de maneira indireta.

De 1918 a 1930 passamos por um período de grande inatividade legal, justamente durante o período em que o país começou a se industrializar, crescendo a massa de proletários, juntamente com sua consciência de classe. Com o crescimento do problema social começaram a crescer as vozes defendendo uma vida melhor para os trabalhadores.

É após a Revolução de 30 que se inicia a história da legislação trabalhista brasileira. Logo após a Revolução foi criado o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, e a partir daí deslancha, finalmente, a elaboração de leis visando a proteção do trabalho.

Entre os anos de 1930 a 1934 foi concretizado pelo Governo o projeto de apropriação “da relação estabelecida pelo movimento operário entre fábrica, direitos sociais e sociedade”8, retirando dessa relação as reivindicações de uma representação pública autônoma. Esse projeto em muito se assemelhava ao que Lênin denominava de “reformismo pelo alto”, ou seja, a conciliação dos interesse agrários e urbanos, feito pelas classes dominantes, excluindo-se, totalmente, a participação operária.

O aparato criado pelo Estado era destinado especialmente para mediar e referenciar as lutas de classe. Pouco a pouco a tutela do Estado sobre o direito do trabalho vai se revestindo de um caráter de pleno poder, utilizando-se, cada vez mais, de diversos recursos legais e coativos objetivando deter o direito de decisão acerca dos assuntos reivindicados pelos trabalhadores. Ao mesmo tempo em que o governo de Getúlio Vargas enriquece a legislação trabalhista afoga a autonomia dos trabalhadores, dando funções ilusórias aos sindicatos, tirando-lhes a força e a voz. Durante a vigência desse Governo “os direitos do trabalho se internalizaram como regras legais no plano do próprio processo do trabalho, mas deslegalizaram a sua expressão como ação de luta política - e, portanto, legalizaram também a repressão”9.

Em 1935 iniciou-se uma série de movimentos populares e partidários, chamados por Getúlio Vargas de arenas de lutas estéreis, organizados com o escopo de acabar com o monopólio do Estado sobre o trabalho e a política. Em março deste ano foi fundada a Aliança Nacional Libertadora, dirigida pelo Partido Comunista, imediatamente o Governo iniciou uma campanha repressiva na tentativa de evitar o avanço popular. Alguns meses

8 PAOLI, Maria Célia de, Estudos Avançados. p. 51, 1989.9 Ob.. cit., p. 57.

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após sua fundação a ALN foi decretada ilegal, fato que levou os aliancistas à tentativa de um levante armado, no que foram derrotados por não contarem com o apoio da população. A partir daí enfraquecem-se todas as tentativas de instauração de um sindicalismo autônomo. Diante da enorme repressão efetuada pelo Governo intensificou-se o processo de controle, repressão e cooptação dos dirigentes sindicais, criando-se uma burocracia sindical passiva e obediente. É aqui que surge a expressão peleguismo, que representava o sindicalismo sem raízes, dos quinze anos de duração do Estado Novo.

Os descontentamentos e as reivindicações do proletariado não chegaram a acabar, mas arrefeceram enormemente, continuando a ocorrer, porém de forma dispersa e sem grande força.

A CLT, aprovada em 1º de maio de 1943, e entrando em vigor em 10 de novembro do mesmo ano, representou uma conquista para os trabalhadores, mas não dos trabalhadores, pois conforme já foi dito tratou-se de uma concessão do Governo ao proletariado, decorrente do movimento descendente que caracteriza nossa história trabalhista.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial termina também o Estado Novo e com o seu fim renascem as lutas operárias. Os movimentos sindicais, através especialmente da CGT, e trabalhistas intensificam-se, alcançando nos primeiros anos da década de 60 seu apogeu. O golpe militar de 64 por sua vez representou uma nova derrota imposta aos trabalhadores. As lideranças operárias foram esmagadas, os delegados sindicais foram denunciados às polícias e despedidos. Novamente a luta dos trabalhadores no país teve que recomeçar.

Em 67 é criado o MIA (Movimento Intersindical Anti-arrocho), que contava com a participação de sindicatos dos metalúrgicos de vários centros industriais de São Paulo. Em 68 duas greves são deflagradas pelos sindicatos de Osasco e Contagem, respectivamente, no entanto nenhum dos dois conseguiram se manter por mais de quatro dias. A repressão contra esses sindicatos foi enorme, sendo esta mais uma derrota do movimento operário, que teve que novamente recomeçar sua luta.

A classe operária volta ao cenário político nacional em 12 de maio de 1978, com as greves contra o arrocho salarial, em especial no ABC paulista, representando a primeira grande vitória operária no país. O ano de 1979 também foi marcado por movimentos grevistas, só que ao contrário do que aconteceu no ano anterior, em que os patrões estavam desprevenidos, os trabalhadores foram impedidos de promover paralisações dentro das fábricas. Tal impedimento, porém, não retirou a força da greve geral, a qual não terminou nem mesmo com a intervenção decretada pelo Governo nos três sindicatos metalúrgicos do ABC. Forçados a negociar, os patrões e o Governo acabaram por devolver aos operários suas lideranças sindicais que haviam sido cassadas, em gesto extremamente ditatorial e repressivo do Estado. A década de 80 foi marcada pela continuação dos movimentos grevistas. No ano de 1981 ocorreu a 1ª Conferência Nacional da Classe Trabalhadora, o primeiro grande encontro de trabalhadores desde o golpe militar de 64, reunindo “mais de 5 mil delegados

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sindicais e de base, representantes dos assalariados urbanos e rurais (quase mil representavam o campo), operários e assalariados médios, funcionários públicos e despossuídos da terra”10.

Concomitantemente surgem e consolidam-se os dissensos dentro do mundo sindical na forma das duas grandes centrais formadas em 1983: a CGT, que exerce o chamado sindicalismo de resultados, defensora do capitalismo neoliberal; e a CUT, que nasce em torno do novo sindicalismo, mais combativo, com sua atuação centralizada no combate ao arrocho salarial e à superexploração do trabalhador. Neste período crescem muito os índices de sindicalização, tanto nas cidades como no campo. Em 1988 foi promulgada a 8ª Carta Constitucional do país, 6ª da República, marcada pelo conservadorismo das classes dominantes, porém cedendo, em alguns pontos, aos interesse operários e sindicais, conforme veremos no próximo capítulo.

2.2 - O Direito do Trabalho e as Constituições Brasileiras

Estudar nossas Constituições é a melhor forma de se visualizar a evolução do direito do trabalho no Brasil. É a partir das concessões, proibições e omissões da Lei Maior que se pode apreender o contexto histórico e político em que se deu sua elaboração.

Veremos agora como se deu o desenvolvimento do Direito Constitucional do Trabalho no país.

2.2.1 - Constituição de 1824

Abole as corporações de ofício.

2.2.2 - Constituição de 1891

Baseada em princípios liberais e individualistas, não continha nenhum princípio referente à proteção do trabalho ou do trabalhador.

2.2.3 - Constituição de 1934

Baseada nos princípos da social-democracia, instituiu, o salário mínimo, a limitação dos lucros, a nacionalização de empresas, a 10 ANTUNES, Ricardo C., O que é sindicalismo. p. 68.

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intervenção direta do Estado para normalizar, utilizar e orientar as forças produtoras, a organização sindical, a limitação do direito de propriedade ao interesse social ou coletivo.

2.2.4 - A Constituição de 1937

Chamada de “Polaca”, foi marcada por um caráter revolucionário e autoritário. Definia o trabalho como um dever social, continha princípios sobre o repouso semanal, a indenização por cessação de relações de trabalho injustamente, as féria remuneradas, o salário mínimo, a jornada de trabalho de 8 horas, a proteção da mulher e do menor, o seguro social, a assistência médica e higiênica e proibiu o exercício da greve, definida como “crime contra a produção nacional”.

2.2.5 - Constituição de 1946

Esta constituição possuía um forte conteúdo social, porém seus dispositivos eram muito imperativos, figurando mais como recomendações do que como leis.

2.2.6 - Constituição de 1967 (carta outorgada)

Pós golpe de 64, valorizava o trabalho como condição de dignidade humana; proibia a greve dos servidores públicos e nas atividades essenciais estabelecidas em lei; proibia a diferenciação no salário ou nos critérios de admissão decorrentes de sexo, cor ou estado civil; previa a participação do trabalhador nos lucros da empresa; a duração máxima diária do trabalho em 8 horas, com intervalo para repouso; descanso semanal remunerado não subordinado ao limite das exigências técnicas das empresas; idade mínima de 12 anos para o trabalho de menores, proibindo o trabalho noturno; garantia repouso à gestante, antes e depois do parto, sem prejuízo do emprego ou salário; garantia de indenização ou recebimento do FGTS equivalente, em caso de despedida sem justa causa; estabeleceu, porém não criou o seguro-desemprego; proibia a distinção entre trabalho manual, técnico ou intelectual; concedia aposentadoria com rendimentos integrais às mulheres com 30 anos de serviço; estabelecia a manutenção pelo Estado de colônias de férias e clínicas de repouso, recuperação e convalescença; mantinha a intervenção estatal nos sindicatos; nacionalizava o trabalho nas empresa jornalísticas de qualquer espécie. Esta Carta foi modificada pela Emenda de 69 e por outras emendas posteriores, mas tais modificações não hegaram a alterar os princípios norteadores dos capítulos que diziam respeito ao problema social.

2.2.7 - Constituição de 88

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É a Constituição do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988, mais voltada para os problemas sociais. No tocante ao trabalho reconheceu uma série de direitos aos trabalhadores, que serão estudados no próximo capítulo.

Capítulo II

1 - A Constituição de 88 e os Direitos Sociais Trabalhistas

Direitos Sociais, segundo escreve José Cretella Jr. na obra Comentários à Constituição Brasileira de 1988, são aqueles “de todos e de cada um e que se opõem ao Estado, que tem o poder-dever de proporcioná-los não ao indivíduo ou a grupos privilegiados, mas a todos, indistintamente”11. Entre os estudiosos jurídicos existe uma divergência quanto ao real espaço ocupado pelo direito social. Alguns autores acreditam que o direito social surgiu como um novo gênero, ao lado do direito público e do privado. Outros crêem ser o direito social apenas uma disciplina relativa às relações individuais e coletivas do trabalho e da previdência social. Outros, ainda, criticam o direito social enquanto gênero e enquanto disciplina específica do direito trabalhista, pois que vêem o direito, qualquer que seja ele, como sendo social em si mesmo, não cabendo, portanto, a nenhum de seus ramos específicos o privilégio dessa qualificação.

Os defensores do denominado direito social como ramo independente do direito, sustentam o fato de este haver nascido da necessidade de resolução dos problemas sociais, surgidos com as lutas advindas das transformações sofridas pelas relações de trabalho após a revolução industrial, ou seja, normas jurídicas protetoras ditadas pela própria sociedade, abrangendo, englobando, por esta forma, o direito do trabalho.

Se o direito do trabalho é um direito social, ou se o direito social é relativo ao direito do trabalho, isto de pouca importância prática será para o desenvolvimento da monografia ora apresentada. Ouso, no entanto, tomar posicionamento frente a esta controversa questão. O direito do trabalho é, sem dúvida alguma, um direito de cunho extremamente social, que pressionado pelas próprias necessidades da sociedade “operariada”, transformou-se, não em um direito social do trabalho, mas em um direito do trabalho voltado para o problema social. Ser um direito com cunho social é uma característica do direito do trabalho, assim como de outros ramos do direito, como por exemplo o direito da criança e do adolescente, a legislação preocupada com o meio ambiente, etc. Portanto, acredito ser o direito social, não um gênero mas um segmento do direito, qualquer direito, que não poderia escapar às preocupações hodiernas da sociedade para com seu próprio bem-estar, muito embora estejamos atravessando um certo 11CRETELLA JR., José, Comentários à Constituição de 1988. p.876.

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momento de crise jurídica, decorrente das tendências neoliberais de individualização social, econômica e legal.

Decorrente, especialmente, dos ideais surgidos com o welfare state, a socialização dos direitos fundamentais, em especial o trabalhista, é sentida como nunca na atual Constituição pátria. Estrutura-se o direito constitucional do trabalho em cinco partes, assim ordenadas:

1) Direito Individual do Trabalho - tendo como objeto interesses trabalhistas de natureza individual;

2) Direito Coletivo do Trabalho - correspondente a interesses de grupos profissionais;

3) Direito Tutelar do Trabalho - que diz respeito ao interesse do Estado em preservar a integridade psicossomática da população;

4) Previdência Social - objetiva assegurar os meios indispensáveis à manutenção (em casos de velhice, tempo de serviço, prisão etc.), assim como à prestação de serviços que visem o bem-estar de seus beneficiários.

5) Assistência Social - que corresponde ao caráter paternalista do Estado;

Passemos agora à análise dos direitos individuais dos trabalhadores, segundo a Constituição Federal de 1988.

2 - Direitos Individuais do Trabalhador

Segundo Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena, direito individual do trabalho é “qualquer norma que tenha por objeto a prestação de serviços, tomada em sua polaridade empregado-empregador, seja visando o intercâmbio jurídico entre eles, seja vinculando um deles ao Estado”12, assim entendida, é individual “porque tutela um interesse individual ou tutela um interesse público, extraída, porém, sua força vinculante da posição individual da relação”13.

O direito individual do trabalho vem estruturado no art. 7º e respectivos incisos, da Carta Constitucional de 88, a ver:

a) Inciso I - protege a relação de emprego contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, exceção feita à falta grave cometida pelo empregado, e a despedida derivada da ocorrência de fato social relevante, que tenha natureza técnica, como p. ex. a modernização de equipamentos; ou natureza econômica, como p. ex. a retração grave do mercado. A despedida

12VILHENA, Paulo Emílio, Relação de Emprego. p. 47.13Ob. cit., p. 47.

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arbitrária comporta indenização, que corresponde ao levantamento do FGTS, acrescidos do adicional de 40%, que substituiu a estabilidade decenal, e ainda dá ao empregado despedido o direito a receber o seguro-desemprego(inciso II);

b) Inciso III - trata do FGTS do qual são beneficiários todos os trabalhadores. Trata-se de um crédito trabalhista, que resulta da monetarização do tempo de serviço do trabalhador para protegê-lo de situações excepcionais, durante e depois da cessação do contrato de trabalho, exceção feita à despedida com justa causa. Além desta função individual, ainda tem o FGTS uma função coletiva, posto que seus recursos são aplicados no financiamento de habitações populares, saneamento e infra-estrutura urbana e rural. Segundo a lei, o descumprimento da obrigação de recolher o FGTS consiste numa afronta legal, que dá ensejo à condenação criminal dos empregadores, variável de um mês a um ano, além do impedimento de remunerar seus administradores, ou de valer-se dos benefícios de natureza fiscal, tributária ou financeira concedida pelos Municípios, Estados e União. No entanto, na prática o que ocorre é o não cumprimento desta exigência legal, inclusive com a conivência silente dos empregados que, por necessidade do emprego, sujeitam-se a tal situação.

c) Incisos IV ao XII - são os dispositivos constitucionais que cuidam do salário, visando a proteger o empregado dos abusos que possam ser cometidos pelos empregadores. Segundo Everaldo Gaspar Lopes de Almeida, o salário é “a forma pela qual o empresário compra a energia do trabalhador, mantendo o perfil da superestrutura, centrada na dominação dos meios de produção”14. O salário pode ser pago por outras formas além de dinheiro, ou seja, compõem o salário: alimentação, habitação ou qualquer outra medida assistencial (benefício) que a empresa proporcionar aos empregados, de forma habitual, por acordo expresso ou tácito. A proteção do salário está estruturada nos seguinte princípios básicos: inalterabilidade, irredutibilidade (art. 7.º, VI), integralidade e intangibilidade. Tais princípios protetivos contam com as seguintes medidas regulamentadoras: certeza de pagamento periódico e tempestivo, em moeda corrente ou cheque (geralmente), feito mediante recibo, onde constará local, dia e hora do pagamento. O não cumprimento destas medidas fará nascer para o trabalhador o direito de ação de cobrança ou de rescisão contra o empregador inadimplente.

A CF/88 prevê um salário mínimo capaz de satisfazer as necessidade do trabalhador, não apenas as necessidades vitais básicas, mas também as de lazer e cultura (art. 7.º, IV). Prevê a obrigatoriedade da existência de piso salarial (art. 7.º, V), fixado proporcionalmente à extensão e à complexidade do trabalho realizado, e que é estabelecido em Convenção Coletiva. O trabalhador tem ainda direito ao décimo terceiro salário (art. 7.º, VIII), no valor da maior remuneração por ele percebida durante o ano e devida no décimo segundo mês do ano; a remuneração do trabalho noturno em porcentagem no mínimo 20% superior a do trabalho diurno (art. 7.º, IX); a retenção do salário pelo empregador ou por qualquer que seja é vedação expressa da Constituição (art. 7.º, X); prevê ainda a Carta Política a participação

14ALMEIDA, Everaldo Gaspar Lopes, Direito do Trabalho: itinerário da dominação. p.149

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nos lucros (resultados) da empresa, podendo esta participação estender-se até sua gestão (art. 7.º, XI); o trabalhador que constituir família passa a ter direito ao salário família.

Cumpre-se ressaltar que tanto a previsão de um salário mínimo capaz de satisfazer as necessidades básicas do trabalhador, quanto as demais relativas ao salário, está muito aquém da realidade vivida pelos milhões de assalariados do país. Hoje temos um salário mínimo que mal se presta a alimentar o trabalhador e seus dependentes, um salário família que de tão irrisório talvez fosse melhor nem existir, além de outras aberrações legais, configuram uma afronta à dignidade do operário e ao próprio texto constitucional.

d) Incisos XIII a XVI - tratam da jornada de trabalho e sua remuneração. O trabalho não pode ultrapassar as oito horas diárias, divididas em dois turnos (art. 71, da CLT); ou seis horas ininterruptas de revezamento (inciso XIV), nem ultrapassar as 44 horas semanais. A Constituição prevê, ainda, a possibilidade de ocorrência de horas extras, facultado ao empregador pagar por ela no mínimo 50% a mais no valor/hora do salário (inciso XVI) ou, do contrário, proceder a compensação ou redução da jornada se houver prévio ajuste em acordo ou convenção coletiva. O trabalhador tem, também, direito a no mínimo 11 horas de descanso entre duas jornadas de trabalho (art. 66, da CLT) e a 24 horas de descanso semanal, ambos consecutivos, preferencialmente aos domingos, sendo que este deverá ser remunerado na proporção de 1/6 do salário da semana (inciso XV). A cada 12 meses de trabalho (período aquisitivo), tem direito o empregado de gozar 30 dias (período concessivo/aquisitivo) de férias remuneradas, com adicional de 1/3 do salário normal (inciso XVII). Se faltou injustificadamente ao serviço mais de 5 vezes ainda terá o direito a gozar suas férias, porém na inversa proporção das faltas, segundo dispõe o art. 130, da CLT. Em caso de o trabalhador ter férias vencidas, tem o direito de recebê-las em dobro mais o acréscimo de 1/3 acima mencionado (art. 137, c/c art. 134, da CLT).

e) Inciso XVIII - é a licença gestante concedida pela Constituição atual à empregada grávida. Esta licença é um direito constitucional subjetivo, com duração de 120 dias, remunerada e interruptora da relação empregatícia. O vínculo jurídico que a une a gestante à empresa não se desfaz nem se suspende durante a duração da licença.

f) Inciso XIX - uma novidade consitucional que trata da licença-paternidade. Segundo o art. 10, § 1.º, do ADCT, o prazo, na falta de lei ordinária disciplinadora, é de 5 dias.

g) Inciso XX - é a proteção ao mercado do trabalho da mulher. Apesar do inciso XX prever incentivos fiscais para motivarem a integração da mulher no mercado de trabalho, deixou, o legislador constituinte, ao legislador ordinário a especificação destes incentivos favorecedores da inserção da mulher em um campo onde os homens ocupam posição bastante mais vantajosa.

h) Inciso XXI - o aviso prévio é o período (de no mínimo 30 dias) em que empregado e empregador preparam-se para trocar, ou não, de empresa e empregado, respectivamente. O aviso prévio pode ser dado tanto por

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um quanto pelo outro. No primeiro caso o empregador pode optar por continuar com o prestador de serviços, reduzindo-lhe a jornada de trabalho em duas horas, ou em uma semana ininterrupta, para que procure outro emprego, ou dispensá-lo, pagando-lhe o salário desse período. No segundo caso, o empregado apenas notifica o empregador que irá demitir-se. Em caso de não ser concedido o aviso prévio por empregado ou empregador, nascerá o dever de indenizar decorrente do inadimplemento de uma cláusula legal do contrato de trabalho.

i) Inciso XXII - este dispositivo, que trata da redução dos riscos inerentes ao trabalho, complementa-se com o inciso XXVIII, do mesmo artigo, que trata do seguro acidente. Dispõe este inciso que o seguro acidente deverá correr por conta do empregador (o que é matéria previdenciária), ressalvando-se o dever de indenizar deste (sendo esta matéria de responsabilidade civil), se tiver concorrido para o evento danoso com dolo ou culpa, em qualquer de suas graduações. A legislação ordinária prevê normas de saúde, higiene e segurança no trabalho, que devem ser seguidas por empregadores e empregados. Aqueles colocando a disposição destes os aparatos necessários e fiscalizando seu uso; estes seguindo as instruções recebidas e utilizando-se dos mecanismos de segurança e higiene colocados a sua disposição.

j) Inciso XXIII - trata da remuneração adicional do trabalhador pela execução de atividades penosas, insalubres ou perigosas. Esta remuneração é acrescida ao quantum fixo percebido pelo empregado que é representado pelo salário-base ou referencial, constituindo-se esta regra jurídica constitucional em um direito subjetivo do obreiro. Atividade penosa é aquele “trabalho acerbo, árduo, amargo, difícil, molesto, trabalhoso, incômodo, laborioso, doloso, rude”15, p. ex. ajuste de aparelho eletrônico de alta precisão. Atividade insalubre é, de acordo com o art. 189, da CLT, aquela que expõe o trabalhador “a agentes noscivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição a seus efeitos”. É aquela que ainda que exercida em locais saudáveis (salubres) pode vir a afetar os sentidos, o corpo ou a mente. Alguns exemplos de atividades insalubres são: a inalação contínua de gases que afetam o olfato; o trabalho no interior de minas de carvão que causam uma doença degenerativa e incurável do pulmão conhecida como a pneumoconiose; o excesso de tensão no trabalho que pode vir a causar algum tipo de distúrbio mental. O art. 192, da Consolidação das Leis Trabalhistas prevê a percepção de 40% (grau máximo), 20% (grau médio) ou 10% (grau mínimo) de adicional para as atividades insalubres. Atividade perigosa é aquela que, segundo o art. 193, da CLT, coloca o trabalhador em contato com produtos inflamáveis ou explosivos. São ainda consideradas perigosas as atividades do setor de energia elétrica e as atividades ou operações com radiações ionizantes ou substâncias radioativas. Aos trabalhadores que exercem estas atividades, consideradas perigosas, é assegurado, pelo §1.º, do art. 194, suso mencionado, “um adicional de 30% sobre o salário”.

Nem sempre há identificação entre atividade insalubre ou perigosa, p. ex., quem trabalha na polícia, via de regra, não exerce atividade insalubre, mas perigosa tão-somente; já quem trabalha em uma usina nuclear

15CRETELLA JR., José, Comentários à Constituição de 1988, p. 975.

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exerce atividade insalubre, devido a radiação e perigosa, decorrente do risco iminente e contínuo de um vazamento. A regulação jurídica destas atividades deverá ser feita em legislação ordinária.

k) Inciso XXIV - o instituto conhecido como aposentadoria é um direito subjetivo ao descanso, após o exercício de atividade remunerada por um determinado tempo. Para alguns autores, através da aposentadoria, extingüi-se a relação empregatícia, salientando que o art. 453 da CLT, prevê a cessação da contagem do tempo de serviço pela sua configuração. Outros, no entretanto, crêem que o vínculo não se desfaz, pois ao se aposentar o empregado continua percebendo remuneração. Portanto, se a obrigação da contraprestação continua, o vínculo não se desfaz. Com a Constituição de 88 passaram a ter direito a aposentadoria compulsória o homem e a mulher com 65 e 60 anos, respectivamente. O direito à aposentadoria por tempo de serviço dava-se para o homem aos 35 anos de trabalho efetivo, e à mulher ao 30 anos. Àqueles trabalhadores que por um motivo ou outro tornaram-se inválidos têm o direito de perceberem remuneração. Hoje porém algumas destas regras mudaram, a ver: deixa de existir a aposentadoria proporcional, persistindo apenas a por tempo de serviço (homens aos 40 anos de trabalho e mulheres aos 35 anos) e a compulsória (homens aos 70 anos de idade e mulheres aos 65 anos de idade).

l) Inciso XXV - dispõe sobre a assistência gratuita, em creches e pré-escolas, dispendida a filhos e dependentes do trabalhador. Este instituto da assistência é objeto do ramo do direito do trabalho, chamado direito assistencial. Para usufruir deste direito não há necessidade de participação do beneficiário para recebimento da assistência com a qual será favorecido. Este direito abrange os campos: familiar, higiênico, educacional e econômico, estando estreitamente ligado ao direito do trabalho, posto que como este, visa a auxiliar os economicamente mais fracos.

m) Inciso XXVII - cuida este dispositivo da proteção do trabalhador em face da automação que vem crescendo em alta velocidade nas últimas décadas. Alguns autores, entre eles J. Cretella Jr., defendem a tese de que a automação não subtrai o emprego do trabalhador, criando-se, inclusive, novos postos de trabalho. Entretanto, analisando-se a realidade brasileira, onde a automação ainda não atingiu níveis tão elevados quanto nos países desenvolvidos, vê-se que a tese acima defendida está muito aquém da realidade. Na verdade a automação extingue postos de trabalho, de uma maneira definitiva, sendo que nem todos os trabalhadores despedidos, talvez até sua maioria, conseguem ser remanejados para outras áreas ou funções. O que se deve é encontrar um meio termo entre a implantação das modernas tecnologias e a valorização do trabalho humano.

n) Inciso XXVIII - sobre o seguro contra acidentes do trabalho ler o inciso XXII.

o) Inciso XXIX - trata dos prazos prescricionais no direito do trabalho, que são de 5 anos para o trabalhador urbano, com limite de dois anos após extinto o contrato e, para o trabalhador rural, de 2 anos após a extinção do contrato de trabalho.

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p) Incisos XXX, XXXI e XXXII - o primeiro proíbe a diferença de salários para os ocupantes de funções iguais dentro de uma mesma empresa, respeitado seu plano interno de carreira. Veda, também, a discriminação por motivo de sexo, raça, idade ou estado civil, estando este inciso em expresso acordo com o caput do art. 5.º, da CF/88. Já o segundo proíbe a discriminação de portador de deficiência física no ambiente de trabalho, especificamente com relação a salário e critérios de admissão. O inciso XXXII, por sua vez, trata da igualdade entre os diferentes tipos de trabalhos e profissionais (manuais, técnicos e intelectuais), posto que todo tipo de trabalho se equivale e dignifica o homem.

q) Inciso XXXIII - dispõe sobre a proibição do trabalho do menor de 14 anos, com exceção dos aprendizes e do trabalho noturno, perigoso ou insalubre àqueles adolescentes com menos de 18 anos.

r) Inciso XXXIV - este inciso estende os diretos do trabalhador com vínculo empregatício ao trabalhador avulso, equiparando este ao trabalhador contratado por tempo indeterminado. Trata-se de uma extensão de direitos trabalhistas aos trabalhadores avulsos.

s) Parágrafo único - trata especificamente do trabalhador doméstico, concedendo-lhe alguns dos direitos concernentes aos outros tipos de trabalhadores dos quais tratam os incisos do suso analisado art. 7.º.

Vimos, pois, os direitos individuais constitucionalmente garantidos, alguns deles devendo constar especificamente no contrato de trabalho, como é o caso da jornada e do local da prestação do serviço.

3 - Contrato de Trabalho e Relação de Emprego

Antes de tratarmos da relação de emprego, que é aquela resultante de um contrato de trabalho, expresso ou tácito, submetido aos dispositivos da CLT, urge diferenciá-la da relação de trabalho.

Relação de trabalho pode ou não resultar de um contrato de emprego, só que ao contrário do que ocorre na relação de emprego, este contrato deriva das normas contidas no Código Civil, no título referente à locação de coisas, sendo as prestações, neste caso, com limite temporal e prévia individualização. Este contrato civil não faz criar uma relação de emprego, mas uma relação de trabalho, subordinado às normas civis e não às normas trabalhistas. Hoje, o contrato de trabalho civil (leia-se locação de coisas) repousa em certo desuso, especialmente em vista das normas trabalhista específicas para a regulamentação do trabalho. No entretanto existe um movimento de alguns estudiosos do direito em defesa da aproximação do direito civil ao direito do trabalho, especialmente no que diz respeito à autonomia de vontades, que existe, de forma bastante latente nos contratos cíveis e que nos contratos trabalhistas

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encontra-se bastante limitada pela lei, em vista, especialmente, da proteção dispendia aos trabalhadores, um dos princípios básicos da legislação trabalhista..

Existem relações de trabalho firmadas sem que sejam seguidas ou levadas em consideração nenhuma norma jurídica (civil ou trabalhista), fazendo parte da chamada economia informal, porém, desde que presentes os pressupostos legais necessários à configuração do contrato realidade, constitui uma relação de emprego. Esta prática, atualmente muito difundida, representa o enfraquecimento da relação de emprego como garantia e decorre do fato de, hoje, haver uma diminuição da disciplina contratual do direito do trabalho, em virtude de muitos aspectos que serão analisados no próximo capítulo. Muitos autores, inclusive, vêm negando a existência da figura do contrato, defendendo sua substituição pelo conceito de relação de trabalho.

A partir deste conceito, o empregado deixaria de contratar com o empregador e passaria a integrar uma instituição, qual seja, a empresa. Abandonam, destarte, a idéia de contratualidade do direito do trabalho, passando a defender sua institucionalização. Trata-se esta nova mentalidade de um erro de conceituação, posto que a admissão de um trabalhador em uma determinada empresa pressupõe um acordo de vontades, o que por definição legal representa um contrato, mesmo que tal contrato implique, como de regra acontece na seara trabalhista num ato de adesão. Mas ainda que um contrato de adesão, ao qual se subordina “juridicamente” o trabalhador, representa um acordo que deve seguir certas imposições legais para sua validade. Isto porque o contrato de trabalho segue o princípio da proteção que é aquele que “se refere ao critério fundamental que orienta o direito do trabalho pois este, ao invés de inspirar-se num propósito de igualdade, responde ao objetivo de estabelecer um amparo preferencial a uma das partes: o trabalhador”16. Afirma Américo Plá Rodrigues, que o direito do trabalho surgiu como conseqüência de que a liberdade de contratar entre pessoas com poder e capacidade econômicas diferentes conduz a diferentes formas de exploração.

Além das considerações acima formuladas, ressalte-se que trabalhador não é empregado, não recebe salário, mas sim vende sua força produtiva por um preço e, como tal, vê-se mais do que nunca submetido às regras injustas de um mercado onde a dignidade humana está sendo sobrepujada, cada vez mais, pela força do capital. Outra implicação, talvez ainda mais grave, exsurge do fato de que as normas celetistas foram formuladas para a proteção do empregado, não do trabalhador sem contrato, sem carteira assinada, sem vínculo jurídico.

Com relação aos contratos de trabalho, geradores da relação de emprego legalmente concebida, as exigência legais, como pressupostos de validade são, via de regra, as que dizem respeito ao salário, local da prestação, jornada de trabalho e tipo de atividade desenvolvida na empresa, já tratadas no tópico anterior. Estas determinações visam suprir a necessidade de proteção do empregado, posto encontrar-se em posição de inferioridade econômica em relação ao empregador. Conforme preconiza Délio Maranhão:

16RODRIGUES, Américo Plá, Princípios do Direito do Trabalho, p. 28.

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O contrato de trabalho pressupõe a liberdade de contratar ou não; a igualdade dos contratantes no plano jurídico; e o respeito à palavra empenhada, à fé contratual: dignifica a pessoa humana do trabalhador. A noção de contrato traduz a idéia de uma união para produzir e do trabalho livremente aceito.17

O mesmo Autor, citando RIPERT escreve que a relação institucional defendida por alguns, por sua vez, implica na

obediência imposta ao interesse da empresa, de que não participa o empregado: mais fortemente que a noção clássica do contrato, acentua a subordinação de homens pertencentes a uma classe social e a manutenção da servidão sob a forma do salariato18.

Há autores que apesar de admitirem o contrato de trabalho, defendem a idéia de que ele deve corresponder a realidade para que resulte em uma relação jurídica de trabalho, ou seja, sustentam que esta apenas se concretiza a partir da prestação real do serviço objeto do contrato. É o que chamam de contrato-realidade. Para Délio Maranhão, entretanto, em tendo sido firmado o contrato, passa a produzir conseqüências jurídicas, ainda que não cumpridas as obrigações nele previstas. Isto ocorre porque o contrato de trabalho é um contrato excepcional, que visa antes de mais nada a proteger o empregado, parte contratante economicamente mais débil. Pode, portanto, o empregado propor uma ação de cobrança contra o empregador para recebimento de salários e demais direitos, mesmo que não tenha havido qualquer prestação real, fundamentando-se tal assertiva no art. 4.º, da CLT. O contrato de trabalho produz efeitos jurídicos posto que dele resultam uma relação de direito. É caracterizado pela criação de uma situação jurídica subjetiva, condição sine qua non para aplicação do direito objetivo.

Do contrato deriva o instituto da estabilidade, que nada mais é que o direito que tem o empregado de não ver extinto o contrato por vontade unilateral do empregador. Quer dizer, em sendo o contrato um acordo bilateral de vontade só pode sofrer resilição por acordo das partes.

A resilição unilateral colide com o princípio da força obrigatória dos contratos e depende da lei, ou de novo acordo de vontade dos contratantes, além de sempre constituir uma causa anormal de extinção por ser forçada. Não há como se negar que em se tratando de contrato de trabalho por tempo indeterminado difícil fica vislumbrar uma causa normal de extinção, posto que nele não existe termo previsto ou execução específica, como ocorre nos contratos firmados por tempo determinado. Acontece que os contratos por tempo indeterminado seguem o princípio protetivo, já que, conforme dito em outras ocasiões, ao trabalhador, parte contratante mais fraca, interessa continuar no emprego, até porque isto não deixa de ser uma necessidade vital. Assim, após o contrato de trabalho atingir um determinado tempo de duração, passa a obedecer à regra de que seu desfazimento dependerá da vontade das partes.

17MARANHÃO, Délio, Instituições de Direito do Trabalho, p. 226.18 Ob. cit. p. 226.

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A resilição de contrato de empregado estável, da mesma forma que a resilição unilateral do contrato de trabalho, é uma manifestação do direito potestativo, dependendo, no entanto de uma sentença judicial constitutiva, quando se tratar de empregado civil, e de inquérito administrativo, quando se tratar de funcionário público. Ambas as formas representando os instrumentos controladores do direito potestativo.

Agora analisaremos as especificidades do contrato de trabalho.

3.1 - Contrato de Trabalho

A origem histórica do contrato de trabalho remonta à antiga Roma, onde foram desenvolvidas três modalidades de contrato que eram realizados sempre que alguém, através de pagamento, se comprometia a oferecer coisa, serviço ou obra a outrem. Tais modalidades de contrato de trabalho eram19:

a) locatio rei - uma da partes contratantes concedia a outra o uso e gozo de coisa em troca de remuneração. “Locator” era o que concedia o bem; “conductor” o que pagava o preço (estes eram divididos em “inquilinos”, se o prédio fosse urbano; e “colonus”, se o prédio fosse rural);

b) locatio operarum - tinha como objeto o trabalho humano, levando-se em consideração o tipo de trabalho. Tratava-se de um contrato sinalagmático. O pagamento era periódico, até finalizar-se a execução do trabalho;

c) locatio operis faciendi - visava a consecução de um serviço, sem preocupação com o trabalho executado em si. Preocupava-se com o fim a que se destinava o contrato, não com os meios que eram empregados para isso. Nele o pagamento era feito a partir da realização do trabalho;

Para melhor compreendermos a legislação trabalhista pertinente ao contrato de trabalho será agora feita uma rápida apresentação das teorias existentes sobre a matéria.

3.1.1 - Teoria Institucionalista

Por ela a relação de trabalho é resultado da simples inserção do trabalhador no âmbito da empresa. Não há a figura do contrato entre empregado e empregador. A partir da ocupação de fato do trabalhador na empresa, este passa a fazer parte da instituição empresarial.

19GOMES, Orlando & GOTTSCHALK, Elson. Curso de Direito do Trabalho. p. 110-111.

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A crítica feita a esta teoria repousa no fato de que o pressuposto da admissão de um trabalhador em uma empresa é parte integrante de um acordo de vontades, que por definição legal é contrato. Mesmo que a manifestação da vontade do empregado seja mera adesão aos termos lhe são apresentados pelo empregador, não deixa de constituir-se num acordo. É claro que a vontade do trabalhador, via de regra, encontra-se suplantada pela força econômica do empresário, sendo esta a grande razão da existência dos preceitos legais que visam, através da regulamentação, diminuir a desigualdade latente entre as partes contratantes.

3.1.2 - Teoria do contrato-realidade

Esta teoria apenas admite a existência da relação jurídica de trabalho a partir da efetiva prestação do serviço na empresa contratante, sendo o contrato de trabalho elemento secundário. Ou seja, para a constituição da relação jurídica há a necessidade, não de um contrato, mas da prestação de serviços em condições reais.

Repousa a crítica a esta teoria no fato de que o contrato cria uma relação jurídica e esta relação produz efeitos, independentemente de haver ou não sido efetivada. O contrato de trabalho regularmente firmado faz nascer uma relação jurídica de trabalho, pois que dele, como de qualquer outro contrato, surge uma relação de direito. Esta posição é amparada pela CLT, que em seu art. 4.º assim dispõe: “Considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens....”.

3.1.3 - Teoria do ato-condição

Segundo esta teoria a admissão de um trabalhador em uma empresa configura um ato-condição e não um contrato, posto que é ato condicionado a toda uma série de preceitos jurídicos já existentes.

A falha desta teoria encontra-se no fato de que todo contrato vem condicionado a um estatuto legal. Através do contrato se cria uma situação jurídica de direito subjetivo, de acordo com o direito objetivo constante na lei.

A Consolidação das Leis do Trabalho define, em seu art. 442 o que seria contrato de trabalho, a ver: “é o acordo tácito ou expresso correspondente à relação de emprego”. Quando fala em acordo tácito a CLT prevê a institucionalização do trabalho. Já quando prescreve a possibilidade de acordo expresso, verbal ou por escrito, está fazendo menção à contratualidade do direito trabalhista. A diferença que existe entre o acordo verbal e o acordo tácito é que o primeiro vem acompanhado das anotações na CTPS, que servem de prova a existência do contrato e é elemento essencial da subordinação jurídica do empregado. Já o segundo é tácito na sua formação e em seu desenvolvimento, e chamá-lo de contrato constitui quase uma afronta ao direito e sempre um risco para o trabalhador. Representa uma negação expressa a toda doutrina protetiva

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trabalhista e conduz a mecanismos de sujeição econômica do trabalhador.

O contrato de trabalho cria uma relação jurídica. Stricto sensu “é o negócio jurídico pelo qual uma pessoa física (empregado) se obriga, mediante pagamento de uma contraprestação (salário), a prestar trabalho não eventual em proveito de outra pessoa física ou jurídica (empregador), a que fica juridicamente subordinada”20.

Enquanto o direito civil aproximava a relação de trabalho à locação de coisas, o direito do trabalho reconhece o contrato de trabalho como uma figura jurídica, dando-lhe um sentido autônomo.

Quanto às obrigações decorrentes do contrato de trabalho, subsistem opiniões contrárias. Alguns estudiosos, como Carnelutti defendem a idéia de que o contrato de trabalho cria uma obrigação de dar (o empregado, objeto do contrato, se obriga a dar sua energia laboral ao empregador). No entretanto, a maioria doutrinária sustenta que com o contrato trabalhista surge uma obrigação de fazer, posto que o trabalhador, ao subordinar-se juridicamente ao empregador, deve comportar-se no sentido de atingir a finalidade nele contida. Concordando com esta corrente, pode-se dizer que o contrato de trabalho traz em si uma obrigação de fazer, positiva ou negativa, realizada em um estado de subordinação.

Se o objeto do contrato de trabalho é constituir uma obrigação, o objeto dessa obrigação constituída é uma prestação para cada um dos contratantes. Para o empregado a obrigação é a de fazer (prestação do trabalho), para o empregador o que nasce é uma obrigação de dar (pagamento do salário). Constituindo, estas, as duas obrigações principais originadas a partir do contrato, delas extaem-se obrigações acessórias, também chamadas de poderes-deveres.

Alguns doutrinadores fazem a distinção técnica entre prestações contratuais, que são aquelas obrigações que surgem da autonomia contratual entre as partes; e prestações legais, conceituadas como aquelas que provém de uma fonte normativa estatal (obrigação legal stricto sensu), podendo também resultar da produção normativa.

As prestações de trabalho compreendem os atos de execução, as operações e incumbências para as quais o empregado foi admitido, destinadas à utilidade de uma outra pessoa.

Como resultado direto do contrato de trabalho, passa o empregado a ser subordinado ao empregador. Não cria um estado de sujeição pessoal, mas de subordinação jurídica. A dependência econômica em que, via de regra, o trabalhador encontra-se frente ao tomador de serviço, da mesma forma, não implica em sujeição. O direito do trabalho nasceu justamente para retirar a sujeição pessoal e econômica que até então existia nas relações trabalhistas. A subordinação jurídica do empregado em relação ao empregador repousa essencialmente na faculdade que este tem de utilizar-se da força de trabalho

20MARANHÃO, Délio, Instituições de Direito do Trabalho. p. 231.

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daquele, para atingir o fim constante no contrato de trabalho. Tal subordinação, desse modo, não é indeterminada, mas determinada ao tipo de trabalho especificado no acordo firmado entre as partes. A prestação devida pelo empregado encontra-se delineada pela vontade do empregador, que assumindo os riscos do empreendimento tem reconhecido seu direito de, no curso do contrato e dentro dos seus limites, definir como e quando o trabalho será realizado.

Da situação de subordinação jurídica do empregado resultam direitos e deveres para ambas as partes. Para o empregador, os direitos são: de dirigir e comandar os trabalhos, e por conseguinte os trabalhadores; controlar o cumprimento das prestações de trabalho; aplicar penas disciplinares em face do não cumprimento das obrigações contratuais, sendo este direito decorrente do seu poder disciplinar.

Sobre o poder/direito disciplinar cabe ressaltar que este deve ser exercido de forma proporcional à falta cometida, posto que do contrário tornar-se-á um abuso de seu direito/poder, estando sujeita tal sanção ao crivo do judiciário.

As sanções disciplinares que podem ser aplicadas pelo empregador, no Brasil, são de três tipos: repreensão, suspensão e despedida, variando sua aplicação, por certo, ao tipo e graduação da falta cometida.

A cada um destes direitos/poderes do empregador corresponde um dever do empregado, ou seja, obedecer ao empregador, ser-lhe diligente e fiel.

O empregado tem o direito de ver cumpridos os termos do contrato e dos preceitos costitucionais; tem o direito de permanecer empregado nos casos de contrato por tempo indeterminado, salvo se deu ensejo à despedida. Tem, ainda, o direito de resistir às ordens do empregador quando estas ultrapassarem às disposições contidas no contrato de trabalho, ou quando forem ilícitas, ilegais, extremamente difíceis ou atentatórias a sua honra. Este decumprimento do dever de obediência é chamado pela doutrina de Jus Resistentiae.

Caracteriza-se, ainda, o contrato de trabalho, por ser um contrato de direito privado, embora de ordem pública; concluído intuitu personae, em relação à pessoa do empregado; sinalagmático, posto que faz surgir obrigações para ambas as partes; consensual, já que não pode resultar de uma imposição devendo seguir certas regras jurídicas; sucessivo ou continuado, podendo ser por tempo determinado ou indeterminado; oneroso, possuindo uma prestação e uma contraprestação; é contrato principal que pode vir acompanhado de contratos acessórios e por fim, caracteriza-se, também, por ser comutativo. Pode-se ainda dizer que o contrato de trabalho é um contrato regulamentado de caráter fiduciário.

O contrato de trabalho, como qualquer outro contrato pode padecer de vícios. Isto ocorre quando é firmado contrariando a regra do art. 82,

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do CC, ou seja, por agente incapaz ou objeto ilícito (erro), ou quando acordado por meio de dolo, coação ou simulação.

O erro, forma mais comum, diz respeito a natureza do trabalho, ao local da prestação, ao quantum do salário ou sobre as qualidades essenciais da pessoa a quem se refira a declaração. Portanto, quando for o acordo firmado por agente incapaz, p. ex., a contratação, como empregado, de menor de 14 anos, ou com objeto ilícito que pode ser caracterizado pela contratação de pessoas para trabalhar em um Cassino, ou ainda, com falta de capacidade jurídica de um ou ambos os contratantes, o contrato de trabalho torna-se passível de resilição, tanto por parte do empregado, quando por parte do empregador.

O dolo, vício raro no direito do trabalho, pode surgir por ato do empregador, quando este, em busca do consentimento do candidato ao emprego, apresentar, p. ex., falsas cifras de seus negócios, induzindo o trabalhador a acreditar em uma remuneração falsa, através da participação nos lucros. Configura-se o dolo do empregado quando este apresenta-se como candidato ao emprego afirmando ser habilitado ou competente para exercer determinada função inveridicamente. A coação (também rara, ao menos de ser provada se se levar em conta a coação econômica que sofre, via de regra, o empregado), da mesma forma, pode nascer por ato do empregador ou do empregado, representando, no entretanto, formas raras de vícios de consentimento. A simulação, por sua vez, pode ocorrer quando uma determinada pessoa, que figure como empregado de uma empresa, seja na realidade um sócio.

Tais vícios dão ensejo à nulidade do contrato de trabalho, pois de acordo com o que preceitua o art. 9.º, da CLT, “serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação” e, da mesma forma, com o disposto no art. 145, do Código Civil, “É nulo o ato jurídico: I - quando praticado por pessoa absolutamente incapaz (art. 5.º); II - quando for ilícito, ou impossível seu objeto; III - quando não revestir a forma prescrita em lei (arts. 82 e 130); IV - quando for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; V - quando a lei taxativamente o declarar nulo ou lhe negar efeito”.

Se a nulidade atingir a relação jurídica iniciada com o contrato de trabalho, ao contrário do que ocorre com outros tipos de contratos, não produz a dissolução ex tunc do acordo, ou seja, as partes não têm que voltar ao status quo ante. O problema aqui reside no fato de o contrato de trabalho ser sucessivo, cujas prestações pagas tendem a assumir um caráter definitivo. Portando, quando tal contrato restar viciado, será simplesmente invalidado desde que as partes não estejam em débito uma com a outra. No entanto, quando a nulidade alcançar algum elemento que não seja essencial do contrato, haverá apenas sua substituição, em benefício do empregado.

Orlando Gomes e Elson Gottschalk, na obra Curso de Direito do Trabalho, afirmam que a anulação do contrato de trabalho por vício de

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consentimento, só é interessante se o contrato viciado for por tempo determinado, pois a ruptura pode trazer conseqüências danosas caso não dê lugar a uma despedida por justa causa, na hipótese de tal vício ter-se originado por culpa do empregado. Segundo os autores, nos contratos por tempo indeterminado viciados, valem mais a pena serem rescindidos do que anulados.

3.2 - Relação de Emprego

Preconiza Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena que “a relação de emprego independe da vontade ou interpelação negocial do prestador de serviços, mas do conjunto de atos-fatos por eles continuamente desenvolvidos em razão daquela prestação”21. Define-a como sendo “um complexo de relações jurídicas”, que “pontuam-se, naturalmente, nos sujeitos; contêm um objeto e, como cobertura vinculadora, legitimam-se na norma jurídica”22.

O fato de encontrar-se o empregado juridicamente subordinado ao empregador não significa que o primeiro seja dependente do segundo, mas sim que entre eles existe uma relação de interdependência (presunção absoluta) resultante do contrato de trabalho, que válido, faz nascer a relação empregatícia.

Conforme já foi visto a relação de emprego pode ou não surgir do vínculo jurídico nascido de um contrato de trabalho. No caso da existência do contrato de trabalho, este deverá adotar normas jurídicas determinadas, havendo, no entretanto, certa autonomia para que as partes integrantes da relação jurídica estipulem condições contratuais próprias, desde que dentro dos limites legais.

É correto afirmar que é o contrato de trabalho, embora não seja elemento essencial para configuração da relação de emprego, é a forma mais segura de salvaguardar os direito e garantias dela provenientes.

Vejamos, agora, a diferencia entre empregado e trabalhador.

Empregado é todo trabalhador, que mediante um contrato de trabalho, oneroso e sinalagmático, predispõe-se a vender, por um salário, sua força produtiva a outrem (empregador), de forma subordinativa e não eventual.

Trabalhador é todo indivíduo, que mediante o ajuste de determinado preço, predispõe-se a vender sua força de trabalho a outrem, de forma autônoma e eventual.

É claro, que se o trabalhador, mesmo que não empregado, ajustar uma prestação de serviço com um empregador, de maneira a que não se caracterize a eventualidade nem a autonomia, poderá gozar da tutela das normas contidas na CLT, referentes à relação empregatícia. É que no direito do trabalho dá-se enorme importância à realidade dos fatos (princípio da primazia da

21VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de, Relação de Emprego. p. 37.22Ob. cit. p 63.

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realidade), e não a sua aparência jurídica, especialmente quando diz respeito à dignidade e integridade econômica e jurídica do obreiro. Mas há que se ressaltar que nestes casos, mesmo possuindo o direito subjetivo ao vínculo empregatício, estará, o trabalhador, sempre correndo o risco de não ter o seu direito reconhecido pela Justiça, restando a partir daí, completamente desamparado.

O direito tutelar do trabalho, pode-se dizer, não resguarda apenas a prestação do serviço, como bem jurídico que é, mas também a pessoa do prestador do serviço, seu bem estar, sua liberdade, sua saúde física e mental (que são direitos personalíssimos). Por isso é que o direito individual do trabalho não cuida apenas da remuneração ajustada entre as partes, ou do tempo em que o empregado deve manter-se à disposição do empregador, mas dos períodos de descanso, das férias, dos direitos assistenciais, das garantias trabalhistas, do tipo de trabalho prestado e da forma com que se dá esta prestação. Ou seja, não cuida, nem baseia-se única e exclusivamente no contrato de trabalho para caracterização da relação de emprego, mas sim, preocupa-se com os fatos, sua aparência e especialmente, com a proteção do trabalhador.

Por empregado entende a doutrina, o trabalhador que, mediante contrato de trabalho, exerce prestação pessoal de serviços a outrem, que não seja eventual, de forma subordinada. Não será inserido aqui o salário por não se caracterizar como pressuposto da relação de emprego, mas conseqüência da prestação laborativa.

A prestação pessoal do serviço decorre do fato de a relação de emprego ter caráter intuitu personae. Qualquer que seja o tempo de duração ela se institui entre dois pólos: empregado e empregador. A doutrina clássica, devido a esta regra da pessoalidade, desconhece a substituição no emprego. Dela ainda decorrem os deveres de diligência, boa-fé, lealdade (já tratados em outro tópico) e o da profissionalidade, já que via de regra o trabalhador é contratado com vistas ao exercício de uma determinada profissão.

A não eventualidade na prestação dos serviços significa a prestação de trabalho em caráter permanente e contínuo (sucessividade). A efetiva integração do trabalhador na atividade empresarial. Para sua caracterização torna-se de grande importância o tempo através do qual o trabalho é desenvolvido. Surge aqui um impasse doutrinário, pois que não há um regramento objetivo para que se caracterize, matematicamente, quanto tempo é necessário para que se vislumbrar a não eventualidade, sendo este problema sanado na prática, através do arbítrio judicial.

Talvez, a melhor forma de resolução do conflito ora em questão seja o critério subjetivo da sucessividade com que se apresentar a prestação laboral. Quer dizer, se se sucede a prestação no tempo (atos contínuos), irrefutável resta, via de regra, a prestação dos serviços de maneira não eventual.

Subordinação é o oposto de autonomia, conceituada como sendo “a participação integrativa da atividade do trabalhador na atividade do

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credor do trabalho”23. Ela é decorrente e está concentrada na atividade exercida. É a dependência hierárquica (jurídica) em que se encontra o trabalhador em face do empregador, isto porque apesar de o trabalhador vender sua força laborativa, esta não se desvincula de sua pessoa. Subordina-se, desta forma, o primeiro à vontade e aos limites instituídos pelo segundo, ainda que este tenha sua vontade e suas diretrizes limitadas pela lei e pelo contrato. Ou seja, o empregado deve obedecer o empregador, ser-lhe fiel e servil dentro dos parâmetros legais. Daí falar-se em subordinação jurídica e não em dependência pessoal. Caracteriza-se, também, a subordinação, por se uma exteriorização da relação de trabalho, o débito permanente em que se encontra o empregado face o empregador.

Diante destes pressupostos caracterizar-se-á a relação de emprego. Deste vínculo jurídico, expresso ou verbal, defluem uma série de direitos e obrigações, todos já analisados. Porém, cumpre ressaltar que a relação de emprego vem mudando rapidamente nesses novos tempos e assim continuará nos tempos vindouros. A revolução tecnológica com suas novas formas de prestação de serviços, o fenômeno de globalização pelo qual passa o mundo, tudo vem contribuindo para estas mudanças. Como se isto não bastasse, ainda existem os ideais neoliberalistas, que vêm desvirtuando o direito do trabalho, contribuindo para o seu retrocesso e para o aniquilamento do vínculo empregatício. Sobre esta última afirmação trataremos no próximo capítulo, ao serem discutidas as formas de trabalho e produção conhecida como Cooperativismo, Terceirização e Economia Informal.

Capítulo III

1. Desvirtuamentos da Relação Empregatícia

Como dito no final do capítulo anterior será agora feito um estudo e algumas considerações acerca de certos aspectos das três formas atuais de desvirtuamento da relação de emprego: o Cooperativismo, a Terceirização e a Economia Informal. A primeira representa-se por contratos de locação de serviços, a segunda através de subcontratos que podem ser tanto de âmbito civil (locação de serviço), quanto de âmbito trabalhista (contrato de trabalho), sendo que este última cria liame empregatício apenas com a empresa subcontratante. Finalmente, a terceira forma de relação de trabalho a ser examinada é caracterizada pela inexistência de contrato formal.

São estas as formas cada vez mais difundidas no campo das relações de trabalho em nosso país.

23Ob. cit. p. 232

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1.1 - Cooperativismo

A idéia do cooperativismo surgiu no século XIX, na Inglaterra e foi defendida por alguns reformadores sociais, como Robert Owen e representava uma forma de tornar menos penosa a vida dos operários ingleses que viviam constantemente sob a pressão do sistema capitalista liberal, surgido e difundido com a Revolução Industrial. Nasceu como doutrina de reforma social dentro do capitalismo 24

O cooperativismo é um tipo de associação formada por um grupo de operários que se unem com o escopo de desenvolver uma atividade econômica, aproveitada por todos, sem o objetivo de lucro e sem vínculo empregatício.

No Brasil, após uma série de experimentos legislativos e factuais foi, em 16.12.1971, através da Lei n.º 5.764, instituída a Política Nacional de Cooperativismo, que aborda as iniciativas de implantação de atividades relacionadas a sistemas cooperativos, originados dos setores público e privado, isoladas ou coordenadas, desde que reste reconhecido seu interesse público, pois é ele que deve presidir sua ação.

O art. 3.º da suso mencionada lei dispõe que os indivíduos que firmarem um contrato de sociedade cooperativa (chamados cooperados ou associados), visam, através de contribuições individuais de bens e serviços, exercer uma atividade econômica para proveito comum de seus membros.

Entre os cooperados não há hierarquia pois todos são possuidores de igual número de quotas, além de seus dirigentes gozarem da estabilidade no emprego, conferida pelo art. 55 da lei das Cooperativas, no qual é feita expressa menção ao art. 543, da CLT, que em seu caput concede a estabilidade ao “empregado eleito para cargo de administração sindical ou representação profissional”.

Pelo art. 86 da lei das cooperativas, estas podem fornecer bens e serviços a empresas e pessoas não associadas, desde que atendidos os objetivos sociais a que estão vinculadas suas atividades, e sempre que tenham por objetivo a melhoria das condições de vida de seus membros.

Apesar de as cooperativas não estabelecerem relações de emprego entre seus cooperados (art. 90), a lei igualam-nos aos empregados de empresas públicas e privadas no tocante a legislação trabalhista e previdenciária (art. 91). Disto se extrai que existem determinadas condições em que pode o membro de uma cooperativa gozar do status de empregado. É o que Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena 25 chama de sociedade como simulação. Sendo este o campo de atuação do art. 9.º, da CLT: “Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvituar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente consolidação”.

24 Enciclopédia Mirador Internacional. p. 2862 - 2864.25 Relação de Emprego

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Em dezembro de 1994, pela edição da Lei n.º 8.949, foi acrescentado o parágrafo único ao art. 442, da CLT, com a seguinte disposição: “Qualquer que seja o ramo de atividade cooperada, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre ela e os tomadores de serviço”.

Tal parágrafo foi idealizado por parlamentares do PT e objetiva, de acordo com seus defensores, fortalecer as cooperativas, especialmente no campo, como forma de diminuição do êxodo, para evitar que seus associados ao se desligarem dela, ajuízem ações trabalhistas e, também, desafogar o judiciário trabalhista, fomentando, ao mesmo tempo, a criação de novas cooperativas de trabalho.

O grande problema surgido com o acréscimo desse parágrafo ao art. 442, da CLT, repousa no fato de o art. 170, inciso VII, da CF/88, no Título referente à Ordem Econômica e Financeira, prever como um dos princípios da atividade econômica “a busca pelo pleno emprego”. Ora, o pleno emprego se concretiza pelo vínculo empregatício, no entanto, o parágrafo único inserido no art. 442, da CLT, colide diretamente com o regramento constitucional. Além do mais, tal inserção era desnecessária, haja visto que o vínculo empregatício entre os associados e a cooperativa nunca existiu, por expressa vedação da própria lei das cooperativas. Da mesma forma, a locação de serviços não implica em vínculo empregatício. Os abusos que possam vir a nascer, através de simulação, sempre foram e continuarão a serem coibidos pela lei, respaldando-se no art. 9.º, CLT.

Portanto, pode-se concluir que o parágrafo único aditado ao art. 442, da CLT, em nada contribuiu no regime das cooperativas, ou nas relações de trabalho que a partir delas possam ser constituídas, servindo única e exclusivamente para engordar o texto da CLT e também para estimular os espíritos oportunistas que objetivam, sempre, o maior lucro possível.

Tal problema passa a ser visualizado, com relação ao tomador de serviços, no momento em que uma cooperativa formada por ex-empregados de uma empresa, com esta contrata para o exercício de atividade-fim empresarial. Apesar de aparentemente existir um contrato de locação de serviços (que por definição não faz surgir uma relação empregatícia), a realidade demonstrará que tal relação decorrente de contratação de mão-de-obra para consecução de atividade-fim da empresa, possui todos os pressupostos caracterizadores de um contrato de trabalho. Esta assertiva encontra total respaldo no princípio da primazia da realidade, acerca do qual preleciona Américo de Plá Rodrigues, na obra Princípios de Direito do Trabalho: “o princípio da primazia da realidade significa que, em caso de discordância entre o que ocorre na prática e o que emerge de documentos ou acordos, deve-se dar preferência ao primeiro, isto é, ao que sucede no terreno dos fatos”26.

De igual maneira, se a cooperativa não vem revestida dos pressupostos legais para sua caracterização (Lei n.º 5.764/71, art. 4.º, incisos I a XI) cria um vínculo empregatício entre os associados e seus dirigentes, posto que passa a figurar como uma empresa prestadora de serviços e não como uma

26 Ob. cit., p. 210.

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associação cooperativa. Um exemplo desta afirmação é uma cooperativa que visando lucro, não os dividide entre os associados, mas que representa uma acumulação de capital em favor de um ou alguns de seus dirigentes, entrando concorrencialmente no mercado de trabalho. Sendo este o exemplo típico de uma sociedade como simulação no campo do cooperativismo.

Por que estas situações são deletérias ao direito do trabalho? Porque quebram o vínculo empregatício, trucidam os direitos trabalhistas e caracterizam uma concorrência desleal à busca do pleno emprego. Por que contratar um empregado, se o empresário pode locar trabalhadores para exercerem atividades-fim de sua empresa, a um custo muito menor pois que não terá de pagar nenhum encargo trabalhista ou previdenciário? Por que abrir uma empresa, se uma cooperativa pode concorrer muito mais facilmente no mercado de trabalho já que possui um custo menor, não necessita de empregados, mas apenas de trabalhadores, não busca salário mas sim preço? Não há motivos para se fazer o caminho mais longo se a própria lei abre espaços para atalhos menos dispendiosos.

Desvirtua-se o ideal da cooperativa pois que seu objetivo é prestar serviços a todos os associados e não apenas a alguns. Não visa, da mesma forma, maximizar os lucros do empresário ou oferecer concorrência ao mercado de trabalho, mas tão-somente melhorar a qualidade de vida dos cooperados.

1.2 - Terceirização

Vocábulo cuja origem pode ser de origem gaúcha, também chamada de subcontratação (especialmente na Europa), reconcentração, focalização ou descentralização, possui muitos adeptos, especialmente nas áreas econômica e administrativa, e muitos opositores, os mais fervorosos na área do direito. Significa “o mecanismo pelo qual uma pessoa jurídica comete a outra atividades não essenciais aos seus objetivos empresariais” 27(grifo meu), e representa uma prática chamada de “exteriorização do emprego”28.

A terceirização faz cair por terra a clássica estruturação organizacional da empresa, concebida como sendo uma instituição responsável por todo, ou praticamente todo, o processo produtivo. Representa uma desconcentração produtiva na busca de maior agilidade e flexibilidade, além de menor custo.

Hoje não se pensa mais em expansão vertical da empresa (“big is beautiful”), mas sim em sua fragmentação horizontal (‘small is beautiful”), através do trabalho em regime de parceria entre a empresa tomadora de serviços e aquela subcontratada. Cada uma das empresas envolvidas no processo de

27 MELHADO, Reginaldo. in Globalização, Terceirização e Pincípio da Isonomia Salarial. LTr 60-10/1323.28 ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. in O Moderno Direito do Trabalho. LTr . p. 240.

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subcontratação é especializada em uma atividade, mediata ou imediatamente ligada a determinada produção empresarial, cada qual com seus próprios empregados ou prestadores de serviços, não havendo subordinação entre elas, ou entre os empregados da empresa contratada para com a empresa contratante. Tal fragmentação (ou desconcentração) exige menor investimento de capital e uma maior especialização de seus empregados.

Permite, a subcontratação, que as grandes empresas deixem de se preocupar com a gestão de pessoal, voltando-se exclusivamente às tarefas produtivas.

Seus defensores reconhecem-lhe vantagens econômicas, financeiras e administrativas, a ver:

a) concentra mais recursos na área produtiva, melhorando a qualidade e a competitividade do produto; b) incrementa a produtividade; c) reduz os controles; d) libera a supervisão para outras atividades produtivas; e) reduz as perdas; f) libera recursos para aplicação em outras tecnologias; g) concentra esforços na criação de novos produtos; h) reduz os custos fixos e os transforma em variáveis; i) gera ganhos de competitividade; j) pulveriza a ação sindical; l) otimiza o uso de espaços colocados em disponibilidade; m) aumenta a especialização; n) dá agilidade as decisões; o) simplifica a estrutura empresarial; p) desmobiliza os movimentos grevistas; q) proporciona o aumento do lucro; r) cria condições para melhoria na economia de mercado; s) gera melhoria na administração do tempo; t) gera efetividade e eficiência, u) diminui o nível hierárquico; v) proporciona melhor distribuição de renda com a geração de mais empregos em novas empresas; x) reduz o passivo trabalhista nas empresas tomadoras; y) racionaliza as compras. (grifos meus) 29

No entanto, apesar de todos as qualidades proclamadas por seus adeptos, o que se vê, na prática, é que a terceirização influi negativamente nas condições de trabalho e, conseqüentemente, de vida dos subcontratados. Diminuem as condições de segurança e higiene (até porque a estrutura empresarial da empresa tercerizadora de serviços é menor), da mesma forma a integração e a participação dos trabalhadores na empresa contratante e contratada restam dificultados em decorrência da ocasionalidade dos contatos mantidos entre elas e os empregados subcontratados, a participação nos lucros e na gestão da empresa, que em tese é possível por disposição da Lei n.º 6.019/74 (Lei dos trabalhadores avulsos, aplicada, no que couber, à terceirização), torna-se inviável na prática já que a força de trabalho dos empregados de empresas terceirizadoras de serviço é voltada à empresa subcontratada e não à contratante. Cria também uma enorme insegurança no emprego, amplia a rotatividade de mão-de-obra, possui tendências individualizadoras das relações de trabalho e acaba por deslocar a instalação de empresas em regiões onde a industrialização seja fraca e, conseqüentemente, possua organização sindical inócua.

29 QUEIROZ, Carlos Alberto Ramos Soares. Manual da Terceirização. p. 33-34.

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Reginaldo Melhado30, citando Monero Pérez, escreve que a subcontratação feita com a finalidade (quando não exclusiva, ao menos principal) de dispor de mão-de-obra em condições laborais mais precárias, promovendo assim a segmentação entre o pessoal que forma parte do núcleo protegido do ciclo produtivo (os da empresa principal) e os trabalhadores inseridos na periferia do mesmo, pertencentes a uma empresa auxiliar, menos protegidos, e com farta freqüência com emprego precário.

Caracterizando-se dessa maneira a configuração nociva da terceirização, ou seja, a criação de um segmento de trabalhadores de segunda classe (periféricos), dentro de uma mesma profissão e não raro numa mesma empresa, com idêntica responsabilidade que os empregados integrantes dos seus quadros fixos (nucleares), com salários inferiores e condições precárias de trabalho e garantia de emprego.

No Brasil o processo de terceirização em alguns setores da economia encontra-se em estágio avançado. Segundo pesquisa da Manager Assessoria de Recursos Humanos os setores alcançados por esta onda, em percentual, são:

- 76,7% dos serviços de limpeza e conservação de ambientes;

- 70,0% dos serviços de preparação e distribuição de refeições;

- 66,7% dos serviços de vigilância e segurança patrimonial;- 60,3% dos serviços médico-assistenciais;- 60,0% dos serviços de transporte de funcionamento.31

Através de pesquisa do DIEESE constatou-se que:

- 72,5% dos benefícios sociais das empresas prestadoras de serviços contratas são menores que os vigentes na empresa cliente;

- 67,5% inferiores que os da empresa contratante são os níveis salariais das empresas subcontratadas.*

A trajetória da subcontratação pode ser acompanhada facilmente pela jurisprudência. Entre os anos 86/93, através da Súmula n.º 256, do TST, restringia-se a possibilidade de terceirização aos casos dispostos nas Lei ns. 6.019/74 e 7.102/83.

Súmula n.º 256:

“Salvo os casos previstos nas Leis ns. 6.019, de 3.1.74, e 7.102, de 20.6.83, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador de serviços” (DJU de 30.9.86).

30 LTr 60-10/1325.31 Ob. cit., p. 1326.* Ibis ibidem

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Porém, por pressão do discurso neoliberal, foi editada a Súmula n.º 331, do TST:

“I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador de serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei n.º 6.019, de 3.1.74).

II - A contratação irregular do trabalhador, através de interposta pessoa, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional (art. 37, II, da Constituição da República).

III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei n.º 7.102, de 20.6.83), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que este tenha participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.”

Os incisos I e III dizem respeito a terceirização nas empresas privadas, o inciso II é uma adaptação do primeiro inciso às empresas públicas e o último inciso trata de matéria processual, onde reconhece-se a possibilidade de o tomador de serviços (empresa contratante) ser responsabilizado solidariamente pelas obrigações trabalhistas não-cumpridas.

A Súmula n.º 331, ao contrário da Súmula n.º 256, indica os casos em que subcontratação não pode ocorrer: quando não houver especialização da empresa terceirizada; quando os serviços prestados forem alheios à atividade-fim da empresa tomadora de serviços; quando não houver, simultaneamente, pessoalidade e subordinação direta.

A especialização da empresa terceirizada é assunto que não levanta controvérsias, no entretanto o mesmo não acontece no tocante ao que seria atividade-fim da empresa tomadora de serviços. Existem divergências sobre qual o melhor conceito para se definir o que seria atividade-fim e o que seria atividade-meio. O entendimento sobre o assunto na Argentina segmenta-se em duas correntes: uma é chamada restritiva e considera principal somente a atividade que é ligada diretamente ao objeto da empresa. A outra orientação, chamada ampliativa, considera, ao invés de apenas o objeto da empresa, seu processo produtivo, abrangendo inclusive serviços secundários (p. ex., limpeza e segurança), sendo esta a que conta com maior número de simpatizantes.

Sobre a problemática suscitada por esse assunto Reginaldo Melhado cita o exemplo da indústria automobilística que terceiriza boa parte da fabricação de seus veículos. Sendo tal fabricação o objetivo da empresa, certo é dizer que ela subcontrata serviços ligados à sua atividade-fim, nem por isso pode ser acusada de estar agindo de forma ilegal.

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A solução para tal controvérsia repousa, provavelmente, na adoção de critérios mais rígidos e claros relacionados à subcontratação, como de resto acontece em países da Europa. Tais medidas regulamentadoras, não restritivas dos direitos dos empresários, mas limitadoras de abusos, com certeza extinguiria muitas empresas que se denominam de terceirizadoras de seviços, que na verdade são simulações destinadas a diminuir os encargos trabalhistas e gerar mais lucros para seus dirigentes.

Como se vê a terceirização é uma realidade, e não representa uma mal em si mesma, porém há que se ajustá-la ética e racionalmente ao direito do trabalho, de modo a causar os mínimos prejuízos possíveis aos trabalhadores, posto que ela representa, da forma como vem sendo aplicada no Brasil, uma possibilidade de exploração muito grande e poderosa, haja visto que o intermédio retira o seu lucro da mais-valia do trabalhador.

1.3 - Economia Informal

Economia informal é toda aquela que não vem revestida das exigências legais para sua existência. Filha direta da crise econômica aguda pela qual passa o mundo, a economia informal surgiu como uma ajuda para aqueles empregados de baixa renda que fazem “bicos” para complementar o salário, e uma tábua de salvação para aqueles trabalhadores desempregados não morrerem à mingua. Varia desde a prestação de serviços autônomos, até a prestação de serviços subordinados (caso em que se configuraria o contrato-realidade).

Recentes pesquisas revelaram que a economia underground atinge hoje 53% da economia do país, representando cerca de 30% do PIB. Ora, isto significa que mais da metade da população ativa do Brasil não existe para a Justiça do Trabalho. Quando muito lhes assiste o direito (e o risco) de ajuizaram ações trabalhista visando provar a existência efetiva de um vínculo empregatício, oriundo de um contrato de trabalho tácito, também chamado de contrato-realidade. Diz-se risco pois que ao proporem ações trabalhistas, os trabalhadores estão sujeitos ao preconceito que nutrem os empregadores ou os tomadores de serviços por este tipo de atitude, da mesma forma que podem passar a ter uma dificuldade cada vez maior para encontrar trabalho ou emprego, visto passarem a fazer parte de listas negras nas empresas.

Além desses trabalhadores informais subordinados, ainda existem os trabalhadores informais autônomos. Em sua maioria vendedores ambulantes ou prestadores de serviços, que tem na economia informal sua principal fonte de renda. Ao contrário do que acontece com os subordinados, os autônomos têm muito a lucrar com a informalização. Não possuem nenhum tipo de encargo trabalhista, social ou tributário. A insegurança que porventura a informalidade poderia gerar acaba sendo suprida pela possibilidade de maiores lucros auferidos.

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O trabalho informal também é mais um dos fatores ensejadores do enfraquecimento dos movimentos sindicais, pois que o trabalho do sindicato é corporativamente voltado aos trabalhadores empregados, sendo que a informalização, bem como a terceirização, representa um obstáculo à força de suas reivindicações, estando em campos diametralmente opostos.

Sustentam alguns estudiosos que a flexibilização do contrato individual de trabalho seria uma maneira de diminuir o desemprego e a conseqüente corrida à informalização. No entanto na prática dos países Europeus que se renderam à flexibilização o que se viu foi uma redução salarial, mas não um aumento significativo do número de empregos. Tanto é que as posições tomadas por estes países estão sendo, uma a uma, repensadas.

O que não se pode esquecer jamais, é que a informalização é uma forma de precarização do trabalho, além de consumir divisas do país, através da não-arrecadação dos encargos legais. A economia informal não leva ao crescimento econômico nem social, mas sim ao seu desvirtuamento, ao seu empobrecimento qualitativo e ao total desrespeito às condições de vida dos trabalhadores.

CONCLUSÃO

A relação de emprego, por sua natureza dinâmica e por todas as mudanças que vêm ocorrendo no mercado (lato sensu) mundial, tem apresentado variações em sua configuração quando comparada aos padrões clássicos pelos quais era definida (prestação pessoal de serviços pelo empregado, de natureza não-eventual, mediante contra-prestação, gerando, por conseguinte, a subordinação jurídica - ou dependência hierárquica -, do prestador para com o tomador de serviços.

Agora, algumas dessas características estão em um processo radical de mudança, como por exemplo a subordinação jurídica do empregado.

Em decorrência da Revolução Tecnológica, quanto mais “know how” tiver o trabalhador, quanto mais dominar a tecnologia aplicada à empresa da qual faz parte, menor será sua subordinação jurídica. Esta subordinação agora é definida pela integração do trabalhador na estrutura empresarial, sua importância na atividade produtiva da empresa. Surge inclusive uma nova forma de subordinação, a tele-subordinação. Esta ocorre nas prestações de serviço à distância, os chamados tele-trabalhos. Neles o controle da produção é também feito à distância, daí a nomenclatura dada a esta nova maneira de “tele” controle exercido pelo superior hierárquico. Os tele-trabalhadores ainda protagonizam a mudança conceitual do local de trabalho (antes concentrado no espaço físico da empresa) e da jornada de trabalho (posto que realizado na própria residência, ou em qualquer outro lugar que não a empresa, flexibiliza o horário de trabalho).

Da mesma forma que a subordinação, outras características

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da relação de emprego vêm mudando. A contraprestação, classicamente conhecida como o pagamento semanal, quinzenal ou mensal, feito (principalmente) em dinheiro e referente ao tempo dispendido pelo empregado na empresa, tem sido substituída pelo salário por tarefa ou por produção, visto por muitos como uma incentivo ao trabalho, apesar das inúmeras críticas que vem recebendo.

A não-eventualidade vem sendo modificada em virtude da própria modificação do conceito de empresa. Agora, está intimamente ligada à atividade-fim empresarial (devendo-se provar a natureza da vinculação jurídica do trabalhador à empresa), posto que as atividades-meio, as intermitentes e as definidas pelo objeto e pelo tempo (não-essenciais), podem ser exercidas por trabalhadores autônomos, empresas terceirizadas e até mesmo por cooperativas de trabalho que, por princípio não geram vínculo empregatício com o tomador.

A prestação pessoal do serviço tornou-se menos rígida, sendo inclusive admitida a substituição não habitual do trabalhador e desde que haja prévia autorização do empregador (um exemplo dessa flexibilização do conceito intuitu personae da prestação de serviços seria uma substituição eventual e autorizada a uma exercente do tele-trabalho).

No entretanto, a Revolução Tecnológica não trouxe apenas mudanças conceituais nas relações de emprego. Com ela, somadas outras mudanças econômicas e políticas pelas quais passa o mundo, muitos outros fatores foram alterados, e na sua maioria, prejudiciais ao trabalhador, como já vista no corpo da monografia ora apresentada, em especial no Capítulo III.

Em face da Revolução Tecnológica (extintora de postos de trabalho e, ao mesmo tempo, exigidora de profissionais super-habilitados), dos programas neoliberais (ou neocorporativistas) adotados por diversos países, defensores de uma empresa mínima (“small is beautifull”), bem como de um Estado mínimo (não-intervencionista), da enorme crise do instituto conhecido como pleno emprego, decorrente das duas situações acima mencionadas, acaba-se por tornar fértil o terreno para o aparecimento de formas de trabalhos precarizados (cooperativismo “empresarial” - representando uma concorrência de mercado ao pleno emprego, empresas terceirizadoras de trabalho, alimentadas especialmente pela mais-valia usurpada aos seus trabalhadores e economia informal, colocada, por Amorim Robortella, como sendo “um produto ilegítimo da diferença de proteção entre trabalho subordinado e trabalho autônomo”32). Tais fórmulas, sem dúvida alguma representam uma otimização da produção empresarial, mas, ao mesmo tempo, uma fórmula de fomento à exploração daqueles que vendem sua força laboral.

Os avanços tecnológicos vem mudando a apresentação da subordinação jurídica do empregado, e ao mesmo tempo, junto aos demais fatores já tratados, vem aumentando sua sujeição econômica. Diante de um mercado de trabalho saturado, e como se não bastasse, assistindo à extinção de postos de serviço, sofrendo a pressão empresarial, que segue a cartilha neoliberal do Consenso de Washington, frente à impotência da Justiça do Trabalho, os empregados sujeitam-se. Sujeitam-se às regras, aos trabalhos existentes ou, até

32 O Moderno Direito do Trabalho. p. 56.

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mesmo, a sua falta. Daí o crescente número de trabalhadores informais (autônomos e subordinados), da exploração empreendida por muitas empresas denominadas “terceirizadas”. (Aqui não será feita menção às cooperativas desvirtualizadas, pois que não representam sujeição, mas adaptação às regras do jogo.)

O empregador continua a ter o poder e o dever de empregar. Porém, enquanto o poder se mantém, o dever diminui, pois cada vez procura-se empregar menos. Os empregadores querem menos encargos, os trabalhadores querem garantias. São posições dicotômicas, no entretanto existem muitas idéias para torná-las menos divergentes.

Uma dessas idéias, e talvez a mais importante, é a reestruturação do Direito do Trabalho, que conta com duas correntes.

Uma que pretende sua aproximação com o direito civil (dando-se maior importância à autonomia de vontade, à multiplicação de contratos atípicos - que adequariam a necessidade de empregados e empregadores à realidade do mercado - e decorrentes de acordos coletivos, dando-se margem à implantação efetiva da flexibilização da jornada de trabalho e valorizando-se mais o trabalhador autônomo - como tentativa de formalizar a informalidade econômica).

A outra corrente defende o surgimento de uma novo direito do trabalho a partir do atual, e que teria como um dos princípios básicos o direito ao trabalho produtivo e útil.

Qual delas seguir? Eis uma discussão bastante árdua que já está sendo travada entre aqueles que pregam a neoliberalização do direito e aqueles que defendem sua socialização. O que não se pode olvidar é que o direito do trabalho foi concebido para proteger o cidadão, garantindo-lhe a sobrevivência digna a partir do seu próprio trabalho. Ora, os fatos nos mostram que o trabalhador continua sendo hipossuficiente, posto que a parte economicamente mais fraca num mundo onde dinheiro é sinônimo de poder. Portanto, a escolha que descarte de seu centro de atuação a proteção do trabalhador será certamente indigna e representará um retrocesso enorme na evolução social da humanidade com conseqüências trágicas em nossa história futura.

Se no campo teórico as discussões já estão bastante avançadas, no plano fático, ao contrário, estão incrivelmente nebulosas. A verdade é que os profissionais ligados ao direito do trabalho não podem fechar os olhos à realidade que se apresenta, continuando a agir como se as coisas fossem imutáveis, nem esquecer, jamais, seu caráter social. Claro está que há necessidade de o Estado criar condições efetivas para que a Justiça do Trabalho possa exercer sua função, moldando-se às exigências atuais, e para que possa agir como gestor e dirigente social, procurando convergir interesses contrários a um ponto comum, buscando sempre a melhoria, o equilíbrio social e coibindo as tentativas de exploração do trabalhador.

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REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

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7- ROBORTELLA, Luiz Carlos. A Legislação Trabalhista Está Putrefata. Consulex, p. 754-755. 1995.

8- SÜSSEKIND, Arnaldo. A Justiça do Trabalho 55 anos Depois, Revista Ltr., v. 60, n. 07, p. 875-882, julho. 1996.

9- TEIXEIRA, Sérgio Torres. O Novo Modelo de Relação de Emprego - Repercussões das Inovações Tecnológicas Sobre os Elementos Estruturais do Vínculo Empregatício, Revista LTr, v. 60, n. 10, p. 1309-1312, out., 96.

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