Upload
camilacardozof
View
356
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
FACULDADE FARIAS BRITO
CURSO DE DIREITO
DIREITOS DOS IDOSOS: UMA ANLISE DAS SITUAES DE VIOLNCIA
CONTRA O IDOSO DE FORTALEZA SEGUNDO O CIAPREVI
Camila Cardozo Fontinele
FORTALEZA-CE
2013
FACULDADE FARIAS BRITO
CURSO DE DIREITO
DIREITOS DOS IDOSOS: UMA ANLISE DAS SITUAES DE VIOLNCIA
CONTRA O IDOSO DE FORTALEZA SEGUNDO O CIAPREVI
Camila Cardozo Fontinele
Trabalho de concluso de curso apresentado ao
curso de Direito da Faculdade Farias Brito com
critrio parcial para a obteno do grau de
Bacharel em Direito.
Orientadora: Professora Dra. Ldia Valesca Bonfim
Pimentel Rodrigues
FORTALEZA-CE
2013
Essa monografia foi submetida ao curso de Direito da Faculdade Farias Brito
como parte dos requisitos necessrios para a obteno do grau Bacharel em Direito. Na
avaliao da banca este trabalho obteve o conceito ____________________
Conferido pelos avaliadores da banca e outorgada pela referida Faculdade.
A citao de qualquer trecho desta monografia permitida, desde que seja feita de
acordo com as normas cientficas.
_______________________
Camila Cardozo Fontinele
Banca examinadora:
___________________________________________
Profa. Dra. Ldia Valesca Bonfim Pimentel Rodrigues
ORIENTADORA
___________________________________________
Prof. Me. Osvaldo Costa Martins
___________________________________________
Profa. Me. Helena Stela Sampaio
Monografia avaliada em _____ de ___________ de ________.
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo analisar os Direitos atinentes s pessoas idosas, as violncias
praticadas contra os mesmos e como se d o enfrentamento pelos rgos e unidades que o
Estado do Cear dispe para sua efetivao, tendo como principal fonte o Centro Integrado de
Ateno e Preveno Violncia contra a Pessoa Idosa CIAPREVI. Para tanto, parte-se do
entendimento que as diversas sociedades em distintas pocas deram aos idosos, at
compreenso do ser idoso pelas atuais sociedades, e a sua importncia social crescente ao
longo desse perodo, culminando no que hoje conhecido como o fenmeno do
envelhecimento populacional. Trazendo toda essa discusso da relevncia da pessoa idosa
para tratar da normatizao dos seus direitos, tanto no mbito internacional quanto nos
dispositivos nacionais, que tem como principal carta legal o Estatuto do Idoso. Adentrando
ento no tema das violncias cometidas contra os idosos, sua tipologia, constatao e as
formas de enfrentamento no Cear.
Palavras-chave: Direitos dos idosos, envelhecimento, princpios constitucionais, Poltica
Nacional do Idoso, Estatuto do Idoso, violncias contra o idoso, CIAPREVI.
SUMRIO:
INTRODUO 06
1. O IDOSO EM UMA PERSPECTIVA SCIO-HISTRICA E JURDICA 08
1.1 A evoluo histrica do ser idoso 08
1.2 O envelhecimento da populao na contemporaneidade 12
1.3 O idoso e a sociedade 15
2. O DIREITO DO IDOSO 18
2.1 Os direitos humanos e fundamentais 18 2.2 O idoso no direito internacional 19 2.2.1 O idoso e a Declarao Universal dos Direitos Humanos 20
2.2.2 Acordos internacionais que contemplam o idoso 21
2.3 O idoso no ordenamento jurdico brasileiro 22
2.3.1 O ser idoso na Constituio Federal Brasileira 26
2.3.2 Os princpios constitucionais dos direitos dos idosos 27
2.3.2.1 Dignidade da pessoa humana 28
2.3.2.2 Igualdade 28
2.3.3 A Poltica Nacional do Idoso 29
2.3.4 O Estatuto do Idoso 30
3. A VIOLNCIA CONTRA O IDOSO E AS FORMAS DE ENFRENTAMENTO 33
3.1 O que a violncia e sua perspectiva 33
3.2 Tipos de violncias mais comuns que atingem os idosos 36
3.3 A violncia contra o idoso no Estado do Cear 37
3.3.1 A tipologia das violncias e sua constatao 38
3.3.2 O perfil do agressor e do agredido 38
3.3.3 O Estado do Cear na efetivao dos direitos dos idosos 40
3.3.4 O CIAPREVI e sua ao para o enfrentamento da violncia contra o idoso 41
3.3.4.1 A atuao do CIAPREVI 42
3.3.4.2 Os obstculos encontrados no desempenho das atividades do CIAPREVI 46
CONCLUSO 48
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 51
6
INTRODUO
O presente trabalho trata dos direitos dos idosos e das violaes existentes a estes
na cidade de Fortaleza. Apesar de ser um tema atual, no se trata de um assunto amplamente
discutido, debatido ou divulgado pela mdia, sendo a velhice considerada por muitos um
assunto tabu em razo da cultura e da sociedade em que vivemos.
A metodologia para o desenvolvimento desse trabalho se deu, principalmente,
atravs das pesquisas bibliogrfica e de campo. Durante a escrita dessa monografia foi notvel
que, embora a rea para pesquisa seja bastante extensa, existe a insuficincia no ramo da
pesquisa bibliogrfica sobre o tema abordado que poderia ser mais ampla e rica, posto a
importncia do assunto.
A pesquisa de campo foi possvel atravs do estgio voluntrio realizado no
Centro Integrado de Ateno e Preveno Violncia Contra a Pessoa Idosa CIAPREVI. E
a partir das atividades l desempenhadas houve a anlise e constatao pessoal da situao de
ampla vulnerabilidade vivenciada pelo ser idoso, de forma que, atravs dessa convivncia de
seis meses com situaes reais de inmeras violaes aos direitos dos idosos, o interesse e
identificao com o tema somente aumentou e estimulou na escrita do presente trabalho.
O tema escolhido surgiu em decorrncia do contato direto e constante com
pessoas idosas (tanto familiares quanto pessoas alheias), da indignao gerada ao presenciar
no dia a dia os desrespeitos constantes a essas pessoas, seja nos atos de cidadania mais
simples quanto em situaes mais bruscas.
O interesse tambm se deu em razo das notcias de violaes brutais aos direitos
dos idosos que nos chegam atravs dos meios de comunicao. Os maus tratos aos idosos e a
crueldade com que so praticados sempre geram grande averso, pois se tratam de pessoas
vulnerveis, com idade mais avanada e que j no so mais to vigorosos para se protegerem
dos abusos externos que, normalmente, so cometidos por aqueles que esto prximo ao
idoso, principalmente seus familiares que tm o dever de proteg-los.
O declnio da fecundidade e a crescente longevidade esto resultando no
fenmeno do envelhecimento gradual e massivo da populao mundial e brasileira,
repercutindo e causando transformaes sociais e econmicas, fazendo-se, pois, cada vez
7
mais necessria a existncia e aplicao efetiva dos dispositivos jurdicos responsveis por
resguardar os direitos dos idosos.
O Brasil um dos pases com mais leis e dispositivos de proteo ao ser idoso.
Sendo os direitos daqueles de idade avanada, elencados, primordialmente, em nossa
Constituio Federal de 1988, mas tambm em leis mais especficas como o Estatuto do
Idoso, que se destaca por ser uma Lei Federal ampla que contempla em seus 118 (cento e
dezoito) artigos os diversos direitos fundamentais dos idosos, suas violaes e sanes.
Apesar dos dispositivos legais existentes, o desrespeito aos direitos destes
cidados de idade superior a 60 anos uma constante, e sabido que a maior parcela das
violaes a estes direitos nunca chega ao conhecimento das autoridades ou unidades que
amparam estas pessoas.
Os abusos constantes aos direitos humanos e fundamentais dos idosos, o
fenmeno atual do envelhecimento da populao brasileira cumulado com a enorme
importncia econmico-social que hoje os idosos exercem como chefes de famlia e
responsveis pelo sustento do lar so alguns dos principais responsveis pela solidificao da
pesquisa, pois se a populao est envelhecendo e o nmero de idosos crescendo
significativamente, h, pois, uma necessidade urgente de que estas pessoas de idade avanada
tenham seus direitos cada vez mais protegidos e resguardados contra os diversos abusos e
violncias existentes.
Portanto, em razo da atualidade do tema e de sua enorme importncia presente e
futura, busca-se, atravs desta monografia, realizar uma breve anlise da viso que a
sociedade possui da pessoa idosa, os dispositivos legais que embasam os direitos dos idosos e
a participao do Estado do Cear na efetivao destes direitos, atravs, principalmente, da
pesquisa de campo realizada no CIAPREVI.
8
1. O IDOSO EM UMA PERSPECTIVA SCIO-HISTRICA E JURDICA
Ao longo da histria o papel do idoso modificou-se por diversas vezes, tendo cada
sociedade em distintas pocas adotado diferentes formas de tratar e inserir o cidado de mais
idade ao convvio social. Com o advento do envelhecimento como um acontecimento em
grandes propores, tem-se enfrentado desafios sociais e econmicos e buscado solues
para a adequao essa nova realidade social.
1.1 A evoluo histrica do ser idoso
Segundo Braga (2011), o tratamento respeitoso e de deferncia quele que
envelhece encontrado nos diferentes perodos histricos pelos quais atravessou a
humanidade, mas independente da poca vivida, a ideia de inutilidade e os preconceitos,
rejeio e excluso ao idoso, possuem registros no passado mais distante.
Essas distintas vises podem ser analisadas ao buscar o histrico do tratamento
dos povos primitivos com seus ancies. Enquanto algumas sociedades respeitavam esses
cidados e cuidavam dos mesmos at o momento de sua morte, outras demonstravam
desprezo pelo declnio fsico e improdutividade dos mais velhos.
Segundo Fernandes (1997, p. 30):
O antroplogo americano Leo Simmons, na obra O Papel do Idoso na Sociedade Primitiva (The Role of the Aged in Primitive Society), menciona que era habitual os mais velhos receberem os melhores pedaos da caa,
serem servidos antes de todos, com grande respeito s suas incapacidades e
limitaes, mormente no tocante alimentao e enfermidades que
causavam dependncias.
J, de acordo com Moreno (2007, p. 4-5):
O desprezo por parte dos primitivos, como os poncas, os esquims, os tupis,
as tribos sul-africanas, entre outros culminavam na matana dos idosos. Os
prprios filhos matavam os pais por um costume ou por determinao legal.
muito conhecida a histria do mawle sagrado, uma espcie de clava
chata, com a qual os filhos golpeavam os pais, na cabea, ao atingirem a
idade de 70 anos. Na Islndia, em poca de penria, decidiu-se, em
deliberao solene, que todos os idosos e improdutivos fossem mortos. Esta
determinao fazia parte do sistema legal, que protegia a sociedade contra
os membros suprfluos e dependentes. Os gregos e romanos nutriam
profundo desprezo pelos velhos. Todos os povos admiradores da fora fsica
valorizavam a mocidade e desprezavam a velhice. Na Lapnia, extremo norte da Escandinvia, o idoso era considerado um problema. Era costume
arraigado entre as geraes de esquims ser o ancio abandonado em um
9
tren para acabar morto e devorado por lobos ferozes que povoavam
aquelas terras geladas. O idoso era deixado ali com todos os seus pertences
para morrer. Entre os dinkas, povo que habitava a parte meridional do Sudo, era tradio enterrar vivo o velho para que ele passasse a eternidade
ainda no vigor de suas foras e imune decrepitude. A mesma crena
tinham os habitantes das ilhas Fidji, os quais levavam seus velhos morte
violenta para assegurar-lhes uma existncia vigorosa , pois acreditavam que
iam ressuscitar no outro mundo.
Como exposto, tal tratamento desprestigioso aos ancies encontrava contraponto
com outras sociedades, exemplo a China e o Japo que pregam em seus ensinamentos
milenares, a reverncia, respeito e assistncia aos pais, sendo a velhice, segundo Filizzola
(1964), considerada honrosa e venervel.
J o Cdigo de Hamurabi, com data aproximada do sculo XVIII, a. C., expe em
seu corpo legal as primeiras disposies sobre os direitos dos idosos. Tambm no Egito,
atravs de hierglifos, foi possvel constatar a preocupao dessa sociedade antiga na
assistncia aos seus ancies.
Simone de Beauvoir ao tratar da viso dos gregos antigos com relao ao
envelhecimento, cita tambm a ambiguidade existente no olhar geral e no tratamento que era
destinado aos cidados mais velhos.
Nas palavras de Simone de Beauvoir (1990) apud Braga (2011, p. 24):
Entre os filsofos gregos existia um conflito: a velhice trazia sabedoria, a
capacidade de se tornar preceptor (professor) de jovens, a possibilidade de
ser ouvido: nem tudo desprezvel na velhice, Etocles, meu filho a experincia bem tem a dizer sua palavra, mais sbia que a palavra dos
jovens (Eurpedes). Por outro lado a velhice era sinnimo de fragilidade fsica: Uma vida longa coisa penosa. pesada velhice! Nada tens de bom para os mortais, mas prodigas dores e males. E, no entanto, todos ns
almejamos alcanar-te, e nos esforamos para ir ter contigo (Menandro).
Os filsofos Plato e Aristteles, do mesmo modo, trataram do tema da senectude,
porm com entendimentos distintos. Para Plato (1994), a velhice gerava conhecimento e sua
decadncia fsica era mera aparncia, chegando a afirmar que: quanto mais se enfraquecia os
outros prazeres os da vida corporal- tanto mais crescia, em relao s coisas do esprito, as
suas necessidades e alegrias. Enquanto que, para Aristteles a unio entre o corpo e a alma era
necessria para a plenitude do indivduo, sendo o desempenho dos velhos manifestamente
aqum do que seria necessrio.
10
Ainda durante a Antiguidade Clssica, o filsofo e poltico romano Ccero, inova
ao trazer um tratado sobre a velhice, o livro De Senectude (Saber Envelhecer), que traz
argumentos contra e a favor da velhice.
No que diz respeito religio, diversos so os livros sagrados e religies, ao longo
da histria da humanidade, que propagam o respeito pessoa idosa. O cristianismo, que
baseia seus preceitos bsicos na Bblia, trata em um de seus Dez Mandamentos do respeito a
pai e me, tendo sido tal comportamento reiterado pela Igreja Catlica, muito tempo depois,
pelo Cdigo do Direito Cannico. Ainda no livro sagrado do cristianismo, possvel
encontrar passagens como a de Levtico captulo 19, versculo 32 que dispe claramente sobre
a necessria deferncia s pessoas mais velhas: Levantem-se na presena dos idosos, honrem
os ancios (...). O Vedas, Avestra, bem como, o Alcoro, livros sagrados dos hindus, persas e
muulmanos respectivamente, contemplam em suas escrituras o respeito, a proteo, o apoio e
o reconhecimento da sua sabedoria dos idosos. O Talmude, livro sagrado dos judeus, traz
passagens como uma cabea coberta de cabelos brancos uma coroa de glria, exaltando
visivelmente, a figura do idoso e a sua importncia.
Em razo das condies insalubres de vivncia, fome, s pestes e baixa
expectativa de vida, examinando a literatura sobre a histria do ser idoso, existe uma espcie
de lapso temporal no perodo da idade mdia (sculo V ao XV) quanto viso econmico-
social especfica do idoso perante a sociedade, na qual somente o adulto tinha relevncia
social. Diante da atuao da Igreja Catlica em praticamente todas as reas (cultura, poltica
etc), realizando trabalhos de cunho social, cuidando dos rfos, dos pobres, vivas e
indigentes de modo geral, tambm, tendo forte participao no acolhimento aos idosos, tem-se
a percepo pessimista da figura do idoso como algum em fase de declnio, um ser frgil,
vitimizado, talvez, o principal papel assumido pelo mesmo nesse perodo. Tal viso pela
Igreja e tratamento dado aos idosos encontra contraponto no exposto na Bblia, conforme
citao anterior, expondo como deveria ser o tratamento honroso e como de fato se deu os
cuidados aos idosos por parte dessa instituio.
Podemos encontrar na obra As pessoas idosas na legislao brasileira (1997)
referncias ao surgimento de casas de acolhimento na Holanda do sculo XV, onde a igreja e
empregadores foram responsveis pela construo dessas casas que recebiam idosos, carentes
e enfermos. Na mesma linha seguiu a Irlanda durante o sculo XVI, onde os idosos sem
11
parentes e sem recursos financeiros eram recolhidos e recebiam atendimento e tratamento a
fim de evitar sua deteriorao.
Fazendo um recorte para o ano de 1804, aps a Revoluo Francesa (1789),
Napoleo Bonaparte chegou ao poder, tornando-se imperador da Frana. E para consolidar
sua autoridade, convocou juristas para criar um Cdigo Civil Francs, responsvel por realizar
uma reforma e reorganizao no sistema legal da Frana, de acordo com os princpios
propagados pelo iluminismo. O Cdigo Napolnico, entrou em vigor em 21 de maro de 1804
e obteve grande sucesso, tendo vigorado em toda a Europa. O dado diploma legal foi
responsvel por contemplar os idosos, tendo, inclusive, inspirado Constituies por toda a
Amrica Latina e o Cdigo Civil brasileiro de 1916.
No final do sculo XVIII, d-se incio na Inglaterra a Revoluo Industrial, que se
expandiu pelo mundo durante o sculo XIX. Essa revoluo foi responsvel por uma
modificao profunda nos processos de produo e comercializao dos produtos, provocando
uma grande transformao econmica e social.
Conforme Simone de Beauvoir (1990) apud Braga (2011, p. 26):
A Revoluo Industrial no empregava idosos em suas estruturas e mais
uma vez eles ficaram merc dos filhos, que os consideravam bocas inteis
a sustentar. Vale dizer que o patriarcado s resistiu nas grandes
propriedades rurais, visto que, nos centros urbanos, os idosos tornaram-se
um fardo a ser carregado. Cada vez mais numerosos, os idosos eram tidos
como inteis e incmodos.
Reafirmando o exposto por Simone de Beauvoir, Ramos (2002, p.17), expe:
s etapas etrias do homem foram atribudos valores diferenciados, de
acordo com sua utilidade para a produo e reproduo da riqueza.
Passando a questo a ser visualizada por essa tica, a velhice ao mesmo
tempo em que se constituiu como objeto de saber, passou a ocupar, na
qualidade de fenmeno social alvo de discurso, um lugar marginalizado... o
conceito de velhice surge na passagem do sculo XVIII para o sculo XIX,
quando o envelhecimento passou a ser sinnimo de degenerao e
decadncia...
Foi durante esse perodo que a Europa passou por um processo de higienizao e
avano da medicina, onde essas novas condies deram impulso para uma diminuio dos
ndices de mortalidade em todas as faixas etrias e, consequentemente, um progressivo
aumento da longevidade.
12
Nas palavras de Ramos (2002, p. 15):
Com a consolidao do processo de industrializao, etapa avanada do
sistema capitalista, a cincia foi capaz de estimular avanos tcnicos que
propiciaram a melhoria das condies sanitrias das cidades ao mesmo
tempo em que a medicina desenvolveu inmeros remdios e vacinas capazes
de combater doenas que dizimavam as populaes frequentemente, o que
as impediam de envelhecer, uma vez que as pessoas morriam muito jovens.
Portanto, nas sociedades dessas pocas eram altas as taxas de natalidade e
mortalidade.
O ano de 1889 tornou-se um marco na positivao dos direitos dos idosos. Nesse
ano, a Alemanha, atravs do Chanceler Bismarck, instituiu o direito aposentadoria,
fenmeno esse que se estendeu para outros pases como a ustria (1906), Inglaterra (1908),
Frana (1910), bem como, os Estados Unidos tempos depois, entre 1930 e 1940. Era o
chamado Estado-Previdncia.
Aps a Segunda Guerra Mundial deu-se incio a uma nova etapa de
conscientizao dos problemas vividos pelos idosos. De acordo com Fernandes (1997, p.35)
em razo da mobilizao de milhares de aposentados e cidados mais velhos para realizar
trabalhos essenciais (ex. correios, transportes etc.), bem como os soldados veteranos,
desajustados e com envelhecimento precoce, deram ensejo Inglaterra, seguida pelos Estados
Unidos, para implantar servios geritricos e gerontolgicos, destinando recursos financeiros
para tratar dessa problemtica. Adveio, ento, a Declarao Universal dos Direitos Humanos
de 1948, grande responsvel por corroborar a questo da velhice como fato de
responsabilidade de todos os Estados. Posto tratar-se de um diploma legal de grande valor e
vigente at os dias atuais.
O que se pode constatar com esse histrico que a viso sobre o idoso, bem como
seus direitos e sua importncia, foram alterados ao longo da histria e variando de acordo com
a sociedade estudada, ora sendo exaltado por sua experincia e sabedoria, ora sendo relegado
pela sua condio.
1.2 O envelhecimento da populao na contemporaneidade
O declnio da fecundidade e da mortalidade e a crescente longevidade esto
culminando no fenmeno mundial do envelhecimento populacional, que atinge,
principalmente, os pases da Europa e Amrica do Norte, onde j se observam lugares em que
a populao predominantemente de pessoas com uma faixa etria mais elevada.
13
O Brasil, assim como os demais pases em desenvolvimento, tambm est sendo
abrangido por este acontecimento que se trata de um novo desafio para as geraes atuais e
futuras, pois questiona-se como se dar esta nova realidade do envelhecimento massivo da
populao e os seus reflexos sociais e econmicos, posto que o envelhecimento populacional
se deu de forma gradativa nos pases desenvolvidos o que lhes permitiu se adequar
paulatinamente a esta realidade, enquanto o mesmo fenmeno est se dando nos pases em
desenvolvimento de forma acelerada e sem o devido planejamento poltico e econmico.
Ainda assim, de acordo com Ramos (2002, p. 30):
(...) a questo da velhice no est de todo resolvida nos pases
desenvolvidos. Na verdade, nos ltimos anos, esta tem sido uma das piores
preocupaes dessas sociedades, especificamente no que se refere ao
pagamento de benefcios previdencirios e tratamentos mdicos.
Segundo dados da Organizao das Naes Unidas, a ONU, em 1950 a populao
idosa (com idade igual ou superior a 60 anos) mundial era de 200 milhes de pessoas.
Passado mais de seis dcadas, esse nmero multiplicou-se, atualmente so 550 milhes de
idosos e a projeo que para o ano de 2020 o nmero suba para 1 bilho em todo o mundo e
em 2025 passe para 1 bilho e 200 milhes pertencentes a essa faixa etria. Ainda
estatisticamente, segundo a Organizao Mundial de Sade, a OMS, em 2050 teremos 1
bilho e 500 milhes de idosos.
Nos pases de terceiro mundo, segundo Lima (1998), a melhoria nutricional e das
condies sanitrias e ambientais das cidades tem contribudo para o aumento do nmero de
pessoas idosas.
Em recente estudo datado de novembro de 2012, o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatstica (IBGE) mostrou que em um perodo de 10 anos houve crescimento na
quantidade de brasileiros com idade igual ou superior a 60 anos de idade, tendo crescido mais
de 55% de 2001 a 2011, ou seja, a populao idosa passou de 15,5 para 23,5 milhes de
pessoas.
Ainda segundo o IBGE, em 2001 a populao de terceira idade representava 9%
da populao brasileira, hoje, cerca de 12% dos quase 195 milhes de brasileiros so idosos,
sendo as mulheres a maioria dessa populao (55,7%) contra 44,3% dos homens, esse
fenmeno da feminilizao da velhice, no encontra um respaldo somente nacional como
tambm, mundial.
14
O crescimento da populao idosa se deve, sobretudo, ao declnio da taxa de
fecundidade total (que mede o nmero mdio de filhos nascidos vivos que uma mulher teria
ao fim do seu perodo reprodutivo) que em 2011 foi de 1,95 filho por mulher. Segundo o
estudo do IBGE, essa diminuio encontra respaldo, principalmente, nas modificaes sociais
ocorridas no que tange insero da mulher no mercado de trabalho, o aumento do grau de
escolaridade e a propagao dos mtodos contraceptivos.
Em estimativa realizada pela ONU, o Brasil possuir em 2025 um total de 225
milhes de habitantes, dos quais 33 milhes sero de idosos, e , segundo Moreno (2007)
ocupar o 62 lugar no mundo com relao populao idosa, logo abaixo da China, ndia,
Rssia, Estados Unidos e Japo.
Ainda com relao aos impactos do envelhecimento populacional, Moreno (2007,
p. 179), dispe:
A Organizao Internacional do Trabalho OIT tem verificado uma queda da participao das pessoas com mais de 55 anos na fora de trabalho do
Brasil, no obstante seja progressivo o nmero de trabalhadores que
atingem as faixas etrias superiores no conjunto da populao. As projees
at o ano de 2025 so preocupantes, e a OIT tem feito constantes
advertncias s autoridade brasileiras quanto ao fenmeno.
Corroborando o exposto, embora o idoso tenha permanecido por mais tempo
atuante no mercado de trabalho com um significativo impacto na dimenso econmica da
sociedade contempornea, atualmente, no Brasil, existe aproximadamente um idoso para cada
duas pessoas com menos de 15 anos (futura fora de trabalho), nmeros esses que se
aproximam bastante da mdia mundial, mas bem inferior se comparado com o Japo, onde a
taxa de quase trs idosos para cada pessoa de at 15 anos.
Diante do envelhecimento populacional em escala mundial e seus inmeros
desafios a serem enfrentados, trata-se de questo social e econmica de extrema importncia a
implantao de polticas pblicas adequadas para atender as necessidades das sociedades
atuais e futuras, tanto no que concerne ao trabalho, sade, previdncia social e demais temas
pertinentes.
15
1.3 O idoso e a sociedade
O ser idoso percebido diferentemente de acordo com a sociedade em que est
inserido. Isto , cada sociedade pensa o ser idoso de maneira particular, de acordo com a sua
formao cultural.
Ao longo da histria social, diversas so as denominaes e as conotaes dadas
queles cidados de idade mais avanada. Velho, ancio, antigo, de idade provecta,
maturidade, melhor idade, terceira idade, idoso etc.
Em decorrncia das conotaes negativas atribudas ao vocbulo velho, que
virou sinnimo de algo imprestvel, sem utilidade, atualmente, o termo mais utilizado e
considerado correto a nomenclatura idoso, esse vocbulo possui origem latina no
substantivo feminino aeta, aetatis, que corresponde idade ou espao de tempo. A palavra
idoso corresponde juno de idade com o sufixo oso, que denota uma qualificao
acentuada de algo. Portanto, conforme Boas (2011), idoso pode significar algum cheio de
idade.
Essa dificuldade na escolha do vocbulo mais correto a ser utilizado para aquele
que est envelhecendo, reflete o pensamento de uma sociedade que impe diversos
esteretipos ao envelhecimento. A ideia de amadurecer est, em grande parte da populao,
diretamente vinculada decrepitude, decadncia fsica e mental e dependncia. Numa
sociedade que super valoriza a juventude e a beleza, ser velho ou tratar do tema
inoportuno e inconveniente.
Essa viso capitalista e preconceituosa, na qual o valor da pessoa est vinculado
sua mo de obra ofertada ao sistema, tem resultado na constituio e disseminao de
inmeras ideias preconceituosas e discriminatrias. Tendo como consequncia uma
marginalizao social do ser idoso, em razo da diminuio da sua fora laboral, Ramos
(2002, p. 18) expe:
Ao se identificar a velhice como fenmeno social associou-se imediatamente
a ela a noo de decadncia. Em razo disso, o Estado, a sociedade e a
famlia no foram capazes de trat-la como questo social relevante.
Ocuparam-se dela to somente a partir de uma perspectiva fundada na idia
de filantropia e piedade. Tal percepo decorreu, dentre outros fatores, da
viso consoante a qual os velhos tinham pouca ou nenhuma utilidade na
produo e reproduo de riqueza. Essa ideologia imps a esse segmento
um nvel de vida miservel.
16
O que necessrio compreender que o envelhecimento um processo
individual, ocorrendo de forma diversa para cada ser humano. Desse modo, ressalta-se a viso
do envelhecimento como um processo bio-social, compreendendo uma perspectiva social e
no apenas cronolgica.
Segundo Norberto Bobbio apud Braga (2011, p.3) a velhice pode ser
compreendida, ainda, sobre trs aspectos: o cronolgico, o psicobiolgico e o econmico-
social.
O cronolgico define como idoso a pessoa que tem mais idade do que um
certo limite preestabelecido. Por se tratar de um critrio objetivo, de
faclima verificao concreta, geralmente adotado pelas legislaes,
como, por exemplo, a que trata da aposentadoria por idade...
Pelo critrio psicobiolgico deve-se buscar uma avaliao individualizada
da pessoa, ou seja, seu condicionamento psicolgico e fisiolgico, logo,
importante no a sua faixa etria, mas sim as condies fsicas em que
est o seu organismo e as condies psquicas de sua mente...
O critrio econmico-social considera, como fator prioritrio e
fundamental, uma viso abrangente do patamar social e econmico da
pessoa, partindo-se sempre da ideia de que o hipossuficiente precisa de
maior proteo se comparado ao autossuficiente.
Diante da subjetividade do critrio psicobiolgico e da dificuldade de ter por base
o critrio econmico-social, a legislao brasileira busca se enquadrar no critrio cronolgico,
denominando como idoso e concedendo os direitos atinentes a essa faixa etria, os cidados
com idade igual ou superior a 60 anos. Podemos concluir, pois, que o Direito brasileiro possui
uma olhar restrito quando reduz ao aspecto meramente cronolgico quem o ser idoso.
Em razo do considervel aumento da populao idosa no Brasil, essas pessoas
tem se tornado mais visadas, e tem sido possvel sociedade observar o novo idoso, o idoso
ativo, que ainda trabalha e, mesmo aposentado, provedor do seu lar e chefe de famlia,
sendo, por vezes, a nica fonte de renda de sua habitao. Tendo, inclusive, o Estatuto do
Idoso, Lei Federal n 10.741, tratado do tema em seus artigos 26, 27 e 28, ao promover o
direito do idoso ao exerccio de uma atividade profissional, respeitando-se as suas condies
fsicas, intelectuais e psquicas, obedecendo, tambm, vedao estabelecida no artigo 7,
inciso XXX da Magna Carta nacional que probe a diferena de salrios, de exerccio de
funes e de critrio de admisso por motivo de idade.
Esse novo quadro social exposto tem sido vital para um gradual distanciamento da
figura do idoso da imagem que ainda se perpetua na mente de vrios, uma imagem atrelada,
17
exclusivamente, inatividade, improdutividade, crescente decrepitude, dependncia e
conseqente isolamento social.
De acordo com Braga (2011, p.9), baseado em dados do IBGE:
Os frutos econmicos do trabalho dos idosos, mesmo depois de aposentados
tem tido um peso bastante significativo na sua renda e na de suas famlias e,
mais importante do que o aumento no nvel de atividade econmica, tem-se
verificado um crescimento na participao da Populao Economicamente
Ativa (PEA) idosa no total da Populao Economicamente Ativa brasileira.
Logo, no apenas cresce o contingente de idosos em nosso pas, mas
tambm sua importncia em nossa economia.
Conforme Ramos (2002), na sociedade atual ainda vigora a viso da velhice como
desvalor social, o que gera a ideia do idoso improdutivo e excludo socialmente. Porm,
diante da nova realidade do idoso, sua expectativa de vida aumentada, seu vigor fsico e
intelectual prolongados em razo das atividades realizadas e da medicina avanada, exposto
um novo quadro, o de um ser idoso ativo socialmente e financeiramente, havendo uma
necessidade real e urgente do reconhecimento do ser com mais de 60 anos como algum
socialmente relevante, em um conceito que v alm da sua fora de trabalho, para que o
preconceito, discriminaes e atos de violncia diminuam e, consequentemente, os direitos
dessas pessoas se efetivem de forma mais eficaz.
18
2. O DIREITO DO IDOSO
Com o advento do reconhecimento da velhice como uma questo social de
extrema relevncia e em razo da apresentao de taxas elevadas de determinadas debilidades,
perda da autonomia e grau de dependncia em parte da populao idosa, o cidado com mais
de 60 anos de idade tem recebido cada vez mais ateno, cuidados e proteo por parte dos
sistemas legais, fazendo-se necessrio uma anlise da delineao jurdica internacional e
nacional que trata dos direitos humanos e fundamentais dos idosos para concluir que os
mesmos encontram-se juridicamente resguardados nos mais diversos mbitos.
2.1 Os direitos humanos e fundamentais
Segundo Bulos (2007, p.40), os direitos fundamentais,
so o conjunto de normas, princpios, prerrogativas, deveres e institutos
inerentes soberania popular, que garantem convivncia pacfica, digna,
livre e igualitria, independentemente de credo, raa, origem, cor, condio
econmica ou status social.
De acordo com Paulo e Alexandrino (2007) os direitos fundamentais encontram-
se dispostos na Constituio Federal de 1988, arrolados no Ttulo II (arts. 5 ao 17), sendo
classificados em cinco grupos distintos: direitos individuais e coletivos, direitos sociais,
direitos de nacionalidade, direitos polticos e direitos relacionados existncia, organizao e
participao em partidos polticos.
Sobre a definio de direitos humanos, afirma Louis Henkin1apud Piovesan
(2011):
Direitos humanos constituem um termo de uso comum, mas no
categoricamente definido. Esses direitos so concebidos de forma a incluir
aquelas reivindicaes morais e polticas que, no consenso, todo ser humano tem ou deve ter perante sua sociedade ou governo reivindicaes estas reconhecidas como de direito e no apenas por amor, graa ou caridade.
Embora os direitos humanos e fundamentais tenham contedos bastante
semelhantes, a doutrina majoritria costuma diferenci-los no que diz respeito ao seu plano de
positivao. Enquanto os direitos humanos tm seus valores ligados dignidade da pessoa
humana e positivados apenas no plano internacional, os direitos fundamentais dizem respeito
aos princpios j positivados internamente na esfera constitucional.
1 Louis Henkin, The rights of man today, p. 1-3
19
Sarlet (2006, p. 35-36) afirma, neste sentido, que:
Em que pese sejam ambos os termos (direitos humanos e direitos fundamentais) comumente utilizados como sinnimos, a explicao corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para a distino de que o
termo direitos fundamentais se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de
determinado Estado, ao passo que a expresso direitos humanos guardaria relao com os documentos de direito internacional, por referir-
se quelas posies jurdicas que se reconhecem ao ser humano como tal,
independentemente de sua vinculao com determinada ordem
constitucional, e que, portanto, aspiram validade universal, para todos os
povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequvoco carter
supranacional (internacional).
Apesar dessa distino quanto s suas esferas de positivao existente, os direitos
humanos e fundamentais, segundo Sarlet (2006), no so incompatveis entre si ou
reciprocamente excludentes, mas sim se encontrando cada vez mais inter relacionados.
nesse ponto onde, segundo Ramos (2002), embora mais restritos, os direitos
fundamentais confundem-se com os direitos humanos, e onde a velhice vista como um
direito humano fundamental em uma perspectiva de garantir o direito a uma existncia digna
durante todas as etapas da vida, incluso a velhice, com base no item XXV, 1 da Declarao
Universal dos Direitos Humanos.
2.2 O idoso no direito internacional
Apesar do envelhecimento massivo da populao ser um fenmeno atual e
mundial, os direitos dos idosos, em grande parte dos pases, no se encontram dispostos em
leis especficas, mas sim esparsos em leis diversas, sendo resguardados, inicialmente, por suas
Constituies. Atualmente, segundo Siqueira (2004), alm do Brasil, 28 pases (entre eles
China, Venezuela, Espanha, Colmbia, Finlndia, Hungria, Irlanda e Argentina) contemplam
expressamente em suas Cartas Constitucionais disposies relativas aos direitos dos idosos e
proteo especial do Estado a estes direitos.
De acordo com Braga (2011, p.98):
a maioria dos pases possui alguma lei, constitucional ou
infraconstitucional, voltada para o tratamento dos idosos em suas
necessidades bsicas. Muitos possuem estas legislaes como resultado
direto da Declarao Universal dos Direitos Humanos, da Organizao das
Naes Unidas, que data de 1948.
20
A partir da questo tratada por Braga, podemos concluir que necessria no
somente a aplicao das leis particulares de cada pas, mas tambm que os pases reconheam
e apliquem os ordenamentos internacionais de direitos humanos existentes, os tratados e
acordos internacionais firmados. Posto que as leis individuais dos pases, por vezes, no
apresentam posicionamento jurdico sobre assuntos mais especficos que abordam a proteo
aos direitos dos idosos.
2.2.1 O idoso e a Declarao Universal dos Direitos Humanos
A Declarao Universal dos Direitos Humanos foi proclamada em 10 de
dezembro de 1948 pela Assembleia Geral das Naes Unidas, tratando-se de documento
criado em decorrncia das atrocidades cometidas durante a 2 Guerra Mundial, onde o regime
nazista condicionava direitos a determinadas raas. O que se buscou com esta Carta foi
universalizar direitos bsicos e primordiais, independentemente de raa, sexo, idade etc.
Segundo Piovesan (2011, p.196):
A Declarao Universal de 1948 objetiva delinear uma ordem pblica
mundial fundada no respeito dignidade da pessoa humana, ao consagrar
valores bsicos universais. Desde seu prembulo, afirmada a dignidade
inerente a toda pessoa humana titular de direitos iguais e inalienveis. Vale
dizer que para a Declarao Universal a condio de pessoa o requisito
nico e exclusivo para a titularidade de direitos.
A Declarao Universal de Direitos Humanos preceitua, em seu artigo 1, que
todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Por ser datada do ano de
1948, quando ainda no havia a noo do impacto do envelhecimento nos diversos mbitos
sociais, no feita qualquer meno explcita ao ser idoso, mas essa igualdade mencionada
protege a todos de maneira geral, independentemente de idade, sendo, pois, o documento
internacional de maior relevncia aos direitos dos idosos, pois se trata de resoluo que
vincula juridicamente todos os Estados membros das Naes Unidas, garantindo ao idoso
gozar de todos os direitos inerentes a esta Declarao que, em seus trinta artigos, versa sobre
direitos civis, polticos, sociais, econmicos e culturais. Sendo tambm instrumento inspirador
para Constituies e Leis de diversos pases que apreciam os direitos dos idosos.
Decorrendo desse documento de ampla relevncia, diversas Convenes
especficas foram realizadas pela ONU, contemplando os direitos dos mais variados grupos
como mulheres, crianas, pessoas com deficincia etc. Havendo nesse ponto uma deficincia,
posto o idoso no se encontrar, ainda, protegido por uma Conveno prpria.
21
Segundo Kalache (2010, p.200) uma Conveno promove um sistema que codifica
direitos humanos e os torna obrigatrios. Uma vez ratificada, cria a obrigatoriedade de os
pases signatrios a observar como leis seu contedo.
A necessidade dessa Conveno que regulamenta os direitos dos idosos encontra
respaldo em razo da discriminao por idade e da insuficincia das leis internacionais, dando
ensejo ao combate aos atos de preconceito e adoo de leis protetoras dos cidados idosos.
Porm, embora necessria, a ideia da edio de uma Conveno dos direitos das pessoas
idosas, tem sofrido rejeio por parte de vrios pases.
2.2.2 Acordos internacionais que contemplam o idoso
Desde a Declarao Universal dos Direitos do Homem em 1948, passaram a
ocorrer diversas declaraes internacionais em relao aos direitos humanos, tendo sido
contemplados em muitos deles os direitos do cidado de terceira idade, tornando-se
verdadeiros marcos legais.
Examinado as informaes contidas no site oficial da ONU2, percebe-se que as
Assembleias Gerais da ONU tornaram-se as principais responsveis pelos acordos mais
significativos relativos aos direitos dos cidados de idade mais avanada visto o grande apelo
deste rgo perante os diversos pases do mundo, fazendo com que a adeso por estes pases
aos seus tratados fosse sempre ampla.
Em 1977 reafirmou-se a Declarao da ONU de 1948 e desta vez cento e
cinquenta pases foram signatrios, dando aplicao massiva a este documento de direitos e
garantias fundamentais.
J no ano de 1982, realizou-se em Viena, ustria, a I Assembleia Mundial do
Envelhecimento, organizada pela ONU. Esta Assembleia teve como propsito traar um
Programa de Ao Internacional para Garantia de Segurana Econmica e Social dos Idosos,
criando-se, assim polticas pblicas especficas, mas sem carter de norma jurdica
vinculativa. Esta mesma Assembleia tornou a ocorrer no ano de 2002 em Madri, Espanha,
onde, no somente houve a ratificao do exposto pela I Assembleia, como tambm, criou-se
uma Declarao Poltica e o Plano de Ao Internacional para o envelhecimento (Paie), que,
2 Dados retirados do site: .
22
embora no seja um documento legal, responsvel, em suas 117 recomendaes aos pases
signatrios, por tratar da promoo da sade, bem estar e desenvolvimento da pessoa idosa.
Nos anos de 1991 e 1992 a Assembleia Geral da ONU atuou mais uma vez de
forma significativa. Em 1991 instituram-se os Princpios das Naes Unidas em prol das
pessoas idosas, tendo havido como tema a independncia, participao, cuidado, auto-
realizao e dignidade. E em 1992 foram aprovados os oito objetivos globais sobre o
envelhecimento para o ano de 2001 e a Proclamao sobre o envelhecimento.
O que estes documentos internacionais provam uma tendncia mundial que
demonstra a condio atual de muitos pases que passam por um processo de envelhecimento
de sua populao.
2.3 O idoso no ordenamento jurdico brasileiro
O idoso est amparado no ordenamento jurdico brasileiro de modo amplo em
diversos documentos. Eles so, em sua maioria, interdependentes e complementares, sendo o
guia dos direitos dos idosos no Brasil, conforme exemplos dispostos a seguir:
1. Precipuamente, pela Constituio Federal de 1988, pilar do nosso
ordenamento, que versa em dispositivos genricos e especficos sobre direitos assistidos aos
idosos.
2. Lei Orgnica da Assistncia Social (Lei n 8.742 de 1993): dispe sobre a
organizao da Assistncia Social, dispondo em seu artigo 2 sobre seus objetivos, incluso a
proteo a velhice, e em demais dispositivos sobre alguns benefcios concedidos ao idoso.
3. Poltica Nacional do Idoso (Lei n 8.842 de 1994): trata de assegurar em seu
artigo 1 os direitos sociais do idoso, buscando sua insero social de forma ampla em seus
artigos seguintes, sendo tambm a lei responsvel pela criao do Conselho Nacional do
Idoso. O Decreto de n 1.948 veio em 1996 para regulamentar a Poltica Nacional do Idoso,
tratando das competncias dos rgos e entidades pblicas, de atendimento asilar, dentre
outras providncias.
4. Cdigo Penal (Decreto Lei n 2848 de 1940): responsvel por contemplar o
idoso em alguns dos seus artigos (arts. 61, II, h); 65, I; 77, 2; 115, dentre outros), no que
23
tange a aumento de pena se crime cometido contra maior de 60 anos, circunstncias
atenuantes e suspenso de pena em razo da idade avanada.
5. Cdigo Eleitoral (Lei n 4.737 de 1965): esse Cdigo trata, em seus arts. 6, I,
b) e 110, do idoso no que diz respeito aos seus direitos polticos, como o voto facultativo aos
maiores de 70 anos e a eleio do candidato mais idoso em caso de empate.
6. Cdigo Civil (Lei n 10.406 de 2002): contempla o idoso em seus artigos ao
tratar da sucesso (art. 38 sucesso definitiva poder ser requerida se houver prova que o
ausente tem mais de oitenta anos e estiver desaparecido h, ao menos, cinco anos), coao
(art. 152 a coao ter seu grau de gravidade avaliado de acordo com a idade do coagido),
doao (arts. 543, 544, 545 e 547 tratam de situaes de doao onde o idoso poder estar
incluso, como ex. ao tratar da doao de ascendente a descendente, onde esta poder se
configurar como adiantamento de herana), casamento (art. 1641 coloca como regime
obrigatrio do casamento, a separao de bens, para aqueles com idade superior a setenta
anos) alimentos (arts. 1694 a 1701 tratam das situaes gerais do dever de prestar alimentos,
como o direito recproco da prestao de alimentos entre pais e filhos), tutela (art. 1736
aquele maior de sessenta anos poder escusar-se da tutela) e testamento (arts. 1860 e 1861
trata da incapacidade do testador , onde os incapazes e os que no tem discernimento no
podem testar nem a incapacidade superveniente invalida o testamento realizado
anteriormente).
7. Cdigo de Processo Civil (Lei n 5.869 de 1973): trata em seu artigo 1211-A da
prioridade de tramitao nos procedimentos judiciais onde o cidado com mais de 60 anos
parte ou interessado.
8. Cdigo de Trnsito Brasileiro (Lei n 9.503 de 1997): versa sobre o exame de
aptido diferenciado aos que possuem idade superior a 65 anos e preferncia de passagem
ao pedestre idoso arts. 147, 2 e 214, III.
9. Lei de Execuo Penal (Lei n 7.210 de 1984): trata do preso maior de 60 anos,
visando sua condio para a atribuio de trabalho adequado sua idade e estabelecimento
prprio; contempla, tambm, o condenado beneficirio do regime aberto com idade superior a
70 anos para que tenha o direito de recolher-se em sua residncia - arts. 32, 2; 82,1 e 117.
24
10. Lei das Contravenes Penais (Decreto Lei n 3.688 de 1941): instituiu que
quando a vtima possui idade superior a 60 anos, a pena aumentar de 1/3 at a metade art.
21, pargrafo nico.
11. Lei n 10.048 de 2000: estabeleceu a prioridade de atendimento ao idoso em
reparties, empresas, prdios pblicos e no transporte coletivo aos deficientes, gestantes,
lactantes e pessoas com criana de colo. O Decreto n 5.296 de 2004 visa regulamentar a
citada lei explicando como se dar o atendimento prioritrio.
12. Lei n 6.179 de 1974: estabeleceu amparo previdencirio aos maiores de 70
anos.
13. Lei n 8.926 de 1994: tornou obrigatria em bulas de medicamentos,
advertncias e recomendaes aos maiores de 65 anos.
14. Lei n 12.213 de 2010: instituiu o Fundo nacional do Idoso, cuja destinao
financiar aes relativas ao idoso que vise a garantia dos seus direitos sociais, conforme
dispes ser artigo 1. Essa lei tambm autoriza a deduo do imposto de renda devido pelas
pessoas fsicas e jurdicas as doaes realizadas aos Fundos Municipais.
15. Lei n 11.551 de 2009: criou o programa de disque denncia do idoso a fim de
receber denncias de maus tratos e violncia queles com mais de 60 anos de idade.
16. Lei n 9.455 de 1997: responsvel por definir os crimes de tortura,
aumentando a pena de 1/6 a 1/3 se o crime for cometido contra maior de 60 anos art. 1, 4,
II.
17. Lei n 9.656 de 1998: dispe sobre os planos privados de sade, tratando da
prestao dos servios, como a prioridade na marcao de consultas e exames (art. 18, II)
daqueles com mais de 65 anos, e da contraprestao pecuniria e sua variao para aqueles
com mais de 60 anos de idade (art. 35-E).
18. Lei n 9.784 de 1999: assegura a prioridade na tramitao do processo
administrativo na esfera da Administrao Pblica Federal para aquelas pessoas com idade
igual ou superior a 60 anos.
25
19. Leis que alteraram o Estatuto do Idoso: Lei n 11.765 de 2008 (acrescentou o
inciso IX ao artigo 3, pargrafo nico, que trata da prioridade do idoso no recebimento da
instituio do imposto de renda); Lei n 11.737 de 2008 (alterou o artigo 13 do Estatuto ao
atribuir competncia Defensoria Pblica de referendar as transaes que envolvem
alimentos); Lei n 12.418 de 2011 (alterou o inciso I do artigo 38, reservando aos idosos 3%
das unidades residenciais dos programas de habitao pblicos), Lei n 12.419 de 2011
(alterou o artigo 38 do Estatuto, para garantir ao idoso, prioridade nos programas
habitacionais pblicos); Lei n 12.461 de 2011 (alterou o artigo 19 do Estatuto para
estabelecer a notificao compulsria dos agentes de sade em caso de constatao de
violncia contra o idoso).
20. Resoluo STJ n 11 e Resoluo STF n277 de 2003: tratam da prioridade na
tramitao processual, onde a parte possui idade igual/superior a 60 anos.
21. Portaria interministerial MS/MPAS n 5.153 de 1999: instituiu o programa
nacional de cuidadores de idosos.
22. Portaria MS/GM n 280 de 1999: tornou obrigatria nos hospitais pblicos,
contratados ou conveniados com o Sistema nico de Sade - SUS, a presena de
acompanhantes a pacientes com mais de 60 anos de idade, disposto, esse, incorporado pelo
Estatuto do Idoso em seu artigo16.
23. Decreto n 5.109 de 2004: dispe sobre as competncias, finalidade,
composio e funcionamento do Conselho Nacional dos Direitos do Idoso CNDI, buscando,
atravs desse conselho, a elaborao de diretrizes para implementar a Poltica Nacional do
Idoso, conforme o que dispe o Estatuto do Idoso.
24. Decreto n 2.181 de 1997: trata da organizao do Sistema Nacional de Defesa
do Consumidor SNDC, e em seu artigo 26, VII, dispe como circunstncia agravante da
infrao, se esta for cometida contra aquele com mais de 60 anos.
25. Resoluo RDC n 283 de 2005: define as normas de funcionamento das
Instituies de Longa Permanncia ILP (abrigos) de carter residencial para os idosos,
incluso nmero de cuidadores, trato ao idoso, como devem ser as portas, rampas, banheiros,
escadas etc.
26
26. Resoluo ANAC n 009 de 2007: dispe sobre o acesso facilitado ao
transporte areo dos passageiros que necessitam de atendimento e cuidados especiais.
27. Ato da Presidncia do Tribunal Superior do Trabalho n 484 de 2003: assegura
a prioridade na tramitao processual, no mbito do TST, queles com idade igual ou superior
a 60 anos.
Mas, sem dvida, a principal base legal dos direitos dos idosos e a Lei mais
especfica do nosso ordenamento a Lei Federal n 10.741 de 2003 que instituiu o Estatuto do
Idoso, pois foi o responsvel por englobar os demais dispositivos legais antecedentes.
As normas citadas acima demonstram, em quantidade, a preocupao do
legislador brasileiro na proteo dos direitos dos idosos, abarcando distintas situaes nos
mais diversos mbitos, mas isso no significa que sua observncia seja realmente cumprida,
como no caso das vagas para idosos em estacionamento que so visivelmente desrespeitadas
pelos cidados. H, portanto, um distanciamento da norma e da sua eficcia cotidiana.
2.3.1 O ser idoso na Constituio Federal Brasileira
Ao longo da histria das Constituies brasileiras, pode-se fazer uma anlise
evolucional da relevncia social do idoso em cada poca estudada. A primeira Constituio
foi a Poltica do Imprio de 1824 e em seus 179 artigos no havia qualquer meno ao ser
idoso; igualmente na Constituio de 1891 no houve referncias ao idoso, somente quanto a
aposentadoria, mas em relao aos invlidos e aos magistrados; A Constituio de 1934 tratou
da Ordem econmica e social, porm sem garantir o direito a uma velhice para todos, apenas
para classes especficas, situao essa que permaneceu nas Constituies de 1937, de 1946,
1967 e 1969 em nada alterando ou reconhecendo direitos aos idosos.
Por fim, a Constituio da Repblica Federativa do Brasil datada de 1988
considerada o marco inicial e primordial de proteo e garantia aos direitos dos idosos no
ordenamento jurdico brasileiro.
Nas palavras de Moreno (2007, p. 153 e 154):
Sendo a funo da Constituio garantir os direitos fundamentais do
homem, podemos dizer que os idosos tiveram seus direitos essenciais
respeitados. Apesar de no terem sido privilegiados nas constituies
anteriores, no foram esquecidos quando da promulgao da Carta Magna
de 1988, tendo papel importante na colocao do direito a uma velhice
27
digna. O ponto maior, a emprestar sustentao ao direito velhice digna,
no se refere diretamente aos idosos, pois se trata do aspecto de que a
dignidade da pessoa humana um dos fundamentos da Repblica
Federativa do Brasil.
A Constituio atravs de seus artigos gerais garante os direitos fundamentais a
todos, sem qualquer tipo de distino, sempre obedecendo aos princpios de igualdade,
liberdade e dignidade da pessoa humana. Mas o idoso s contemplado especificamente em
alguns artigos como o 229 que estabelece que: Os pais tm o dever de assistir, criar e educar
os filhos menores, e os filhos maiores tm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice,
carncia ou enfermidade. Este artigo responsvel por estabelecer o dever de alimentos e
amparo dos filhos em relao aos pais.
Ademais, de acordo com o artigo 230, fica estabelecido aqueles que possuem
dever de cuidado com o idoso e alguns de seus direitos:
Art. 230 - A famlia, a sociedade e o Estado tm o dever de amparar as
pessoas idosas, assegurando sua participao na comunidade, defendendo
sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito vida.
1 - Os programas de amparo aos idosos sero executados
preferencialmente em seus lares.
2 - Aos maiores de sessenta e cinco anos garantida a gratuidade dos
transportes coletivos urbanos
A Constituio Federal, embora genrica, a base legal inicial que deu ensejo
para o aparecimento das demais leis especficas que vieram a contemplar os direitos dos
idosos nos diversos mbitos legais.
2.3.2 Os princpios constitucionais dos direitos dos idosos
Conforme Clemente3apud Bonavides (2010, p. 256): princpio de direito o
pensamento diretivo que domina e serve de base formao das disposies singulares de
Direito de uma instituio jurdica, de um Cdigo ou de todo um Direito Positivo. Desse
modo, mesmo esses princpios no estando expressos tacitamente e positivados, eles esto
intrnsecos, sendo a base, a fundamentao essencial s normas.
A Constituio brasileira de 1988 a responsvel por dedicar o Ttulo I de seu
corpo legal aos princpios fundamentais do Estado brasileiro, estando elencados nos seus
primeiros quatro artigos.
3 El mtodo em La aplicacin Del Derecho Civil, in Revista de Derecho Privado, ano IV, n.37, out. 16, p.290.
28
Constata-se, pois, que os direitos dos idosos esto fundamentados e resguardados
por vrios desses princpios constitucionais, destacando-se o da dignidade da pessoa humana e
o da igualdade.
2.3.2.1 Dignidade da pessoa humana
O Princpio da dignidade da pessoa humana, segundo Paulo e Alexandrino (2007)
trata-se de fundamento da Repblica Federativa do Brasil e responsvel por consagrar,
desde logo, nosso Estado como uma organizao centrada no ser humano, e no em qualquer
outro referencial.
Este princpio est disposto no inciso III do Artigo 1 da Carta Magna da
Federao, sendo afirmado que: A Repblica Federativa do Brasil, formada pela unio
indissolvel dos Estados e Municpios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrtico de Direito e tem como fundamentos: III- a dignidade da pessoa humana (...).
Segundo G. Durig apud Sarlet (2011, p. 52):
tal constatao possui respaldo na conceituao de dignidade como
qualidade intrnseca da pessoa humana, sendo irrenuncivel e inalienvel,
constituindo elemento que qualifica o ser humano como tal e dele no pode
ser destacado, de tal sorte que no se pode cogitar na possibilidade de
determinada pessoa ser titular de uma pretenso a que lhe seja concedida a
dignidade.
Complementando o pensamento acima, para Sarlet (2011, p.53) a dignidade deve
ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida, no podendo, contudo, ser criada,
concedida ou retirada, j que reconhecida e atribuda a cada ser humano como algo que lhe
inerente.
Encontrando-se a dignidade da pessoa humana na posio de princpio absoluto e
inerente a todo e qualquer ser humano, no devendo jamais ser desrespeitada ou preterida,
devem, pois, a criao e aplicao das normas jurdicas prezarem e resguardarem esse
princpio, de forma a dar-lhe implementao integral.
2.3.2.2 Igualdade
Tambm chamado de princpio da isonomia, o princpio da igualdade, segundo
Celso Antnio Bandeira de Mello (2011), prope o tratamento equitativo de todos os
cidados, nivelando-os perante a norma legal, no podendo a lei ser editada em
29
desconformidade com a isonomia e sendo as normas voltadas tanto para o aplicador da lei
quanto ao prprio legislador. Porm tal princpio no se limita somente igualdade formal
estabelecida no art. 5, caput da Carta Magna, o qual afirma que todos so iguais perante a
lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e
propriedade (...).
A relativizao dessa igualdade ocorre com base na teoria criada por Aristteles,
onde a igualdade consiste no somente no tratamento igualitrio para todos, mas em tratar
igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, desde que respeitada a proporcionalidade.
Consoante a esta afirmativa, Mello (2011, p.17), expe:
as discriminaes so recebidas como compatveis com a clusula
igualitria apenas e to-somente quando existe um vnculo de correlao
lgica entre a peculiaridade diferencial acolhida por residente no objeto, e
a desigualdade de tratamento em funo dela conferida, desde que tal
correlao no seja incompatvel com interesses prestigiados na
Constituio.
O princpio da igualdade possui grande abrangncia, pois dele decorrem
diretamente inmeros outros princpios constitucionais, como a proibio ao racismo (art. 5,
XLII), a proibio de diferena de salrios, de exerccio de funes e de critrio de admisso
por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (art. 7, XXX), a proibio de qualquer
discriminao no tocante ao salrio e critrios de admisso do trabalhador portador de
deficincia (art. 7, XXXI), a exigncia de aprovao prvia em concurso pblico para
investidura em cargo ou emprego pblico (art. 37, II), o princpio da isonomia tributria (art.
150, II) etc.
2.3.3 A Poltica Nacional do Idoso
De acordo com Moreno (2007), a partir da dcada de 70, em razo do crescimento
expressivo de pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, houve uma necessidade da
criao de uma poltica de atendimento ao idoso, surgindo, ento, a Lei n 8.842, de 04 de
janeiro de 1994, que trata da Poltica Nacional do Idoso, a qual foi regulamentada pelo
Decreto n 1.948, de 03 de julho de 1996.
Contendo apenas 22 artigos, a Poltica Nacional do Idoso, tratou de estabelecer
apenas normas gerais, onde instituiu princpios, diretrizes e aes governamentais a despeito
do tema, como a criao do Conselho Nacional do Idoso, responsvel por acompanhar,
30
fiscalizar e avaliar a implementao da poltica nacional do idoso, no mbito das respectivas
instncias poltico-administrativas (artigo 7).
O seu artigo 1 contempla sua finalidade, expondo que: A poltica nacional do
idoso tem por objetivo assegurar os direitos sociais do idoso, criando condies para
promover sua autonomia, integrao e participao efetiva na sociedade.
De acordo com Moreno (2007, p.162) a pretenso do legislador com esta Lei foi
inserir os idosos na vida scio-econmica do pas, contribuindo para o seu desenvolvimento.
A Poltica Nacional do Idoso converteu-se no marco inicial do tratamento
individualizado do idoso em uma lei prpria, resultado da necessidade de uma normatizao
que tratasse de assuntos atinentes essa populao especfica, em resposta a uma realidade
social, dando o pontap inicial para a criao de uma lei mais ampla e especial, o Estatuto do
idoso (Lei 10.741).
2.3.4 O Estatuto do Idoso
A Lei Federal n 10.741, conhecida como Estatuto do Idoso, foi proposta,
inicialmente, atravs do Projeto de lei n 3.561 no ano de 1997, sendo de autoria do ento
deputado federal Paulo Paim e fruto da organizao e mobilizao dos aposentados,
pensionistas e idosos vinculados Confederao Brasileira dos Aposentados e Pensionistas
(COBAP)4.
Aps sete anos de discusso e tramitao no Congresso, finalmente foi aprovada,
por unanimidade, e sancionada na data de 1 de outubro (Dia Internacional das Pessoas
Idosas) de 2003, pelo ento presidente da Repblica, Lus Incio Lula da Silva, a Lei 10.741,
responsvel por instituir o Estatuto do Idoso.
O texto final, segundo o ento deputado Silas Brasileiro, relator da matria, foi
fruto do trabalho conjunto de parlamentares, especialistas, profissionais das reas de sade,
direito e assistncia social; e das entidades e ONGs voltadas para a defesa dos direitos e
proteo aos idosos.5
4 Dados retirados da enciclopdia virtual Wikipdia:
5 Dados retirados do site: < http://www.vivendo.org.br/estatuto.htm>
31
Trata-se de Lei mais especfica e abrangente do que a anterior Poltica Nacional
do Idoso, Lei de 1994, tendo sido ampliada atravs dela os direitos e garantias daqueles com
mais de 60 anos, como assim determina o artigo 1 da referida lei, ao declarar que o Estatuto
do Idoso destina-se a regular os direitos assegurados s pessoas com idade igual ou superior a
60 (sessenta) anos.
O Estatuto do Idoso responsvel por contemplar uma gama de direitos queles
pertencentes terceira idade, perpassando atravs dos seus 118 artigos por diversos temas que
amparam o cidado idoso: direito vida, liberdade, ao respeito, dignidade, aos alimentos,
sade, educao, cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, profissionalizao,
previdncia social, assistncia social, habitao, ao transporte, tambm tendo sido incluso
nesta lei a poltica de atendimento ao idoso, os crimes que atingem a pessoa idosa, assim
como suas penalidades e medidas de proteo.
O artigo 2 da referida lei destaca os direitos fundamentais da pessoa idosa, ao
determinar que:
O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes pessoa humana,
sem prejuzo da proteo integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe,
por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para
preservao de sua sade fsica e mental e seu aperfeioamento moral,
intelectual, espiritual e social, em condies de liberdade e dignidade.
J o artigo 3 dispe que:
obrigao da famlia, da comunidade, da sociedade e do Poder Pblico
assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivao do direito vida,
sade, alimentao, educao, cultura, ao esporte, ao lazer, ao
trabalho, cidadania, liberdade, dignidade, ao respeito e convivncia
familiar e comunitria.
Este artigo responsvel por estabelecer aqueles que tem deveres de cuidado com
os idosos, sendo este disposto destacado em razo de reiterar e dar nfase ao antes j exposto
no artigo 230 da Constituio Federal de 1988.
Conforme o Estatuto do Idoso comentado (2005, p.12) o que a aprovao do
Estatuto do Idoso demonstra a existncia da preocupao da sociedade brasileira com o
seu novo perfil populacional. O Brasil no mais uma pas de jovens, mas um pas em
acelerado processo de envelhecimento.
32
Embora, sendo o Brasil um dos pases com mais dispositivos legais que
contemplam os direitos dos idosos e que garantam a sua proteo, faz-se necessrio que estes
direitos sejam efetivados na prtica, devendo haver o estmulo formulao e execuo de
polticas pblicas direcionadas ao idoso, como dispe o Estatuto do Idoso de forma que a
dignidade da pessoa humana seja garantida em todas as fases da vida.
33
3. A VIOLNCIA CONTRA O IDOSO E AS FORMAS DE ENFRENTAMENTO
A violncia contra o idoso no algo recente, remonta histria e s civilizaes
mais antigas, apenas as notificaes de sua ocorrncia que encontram amparo nas ltimas
dcadas. De acordo com Minayo (2005), os abusos contra os idosos foram descritos pela
primeira vez em revistas cientficas britnicas no ano de 1975, chamando o feito de
espancamento de avs. J no Brasil, tais fatos comearam a ganhar repercusso, apenas na
dcada de 90. Podemos inferir que, atualmente, as formas de denncias e a observao da
sociedade tem se tornado mais frequentes. O que nos leva a questionar se de fato houve um
real crescimento no nmero de casos de violncia contra os idosos ao longo dos tempos ou a
visibilidade do tema refletiu no aumento do nmero de notificaes e denncias, o que, ento,
pode ter nos levado a crer que houve esse aumento.
Nesse captulo faremos uma incurso sobre essa temtica e as formas de proteo
e enfrentamento s violncias cometidas contra o ser idoso.
3.1. O que a violncia e sua perspectiva
Segundo Minayo (2005, p. 13) a violncia
Uma noo referente aos processos e s relaes sociais interpessoais, de
grupos, classes, de gnero, ou objetivadas em instituies , quando
empregam diferentes formas , mtodos e meios de aniquilamento de outrem,
ou de sua coao direta ou indireta, causando-lhes danos fsicos, mentais e
morais.
Corroborando o conceito exposto, o artigo 19 do Estatuto do Idoso, teve, em 2011
pela Lei n 12.461, um acrscimo do pargrafo 1, responsvel por conceituar violncia contra
o idoso como (...) qualquer ao ou omisso praticada em local pblico ou privado que lhe
cause morte, dano ou sofrimento fsico ou psicolgico.
Essa conceituao trazida pela Lei d uma conotao ampla do significado do
termo violncia, incorporando ao ordenamento jurdico brasileiro, uma classificao dos
tipos de violncia j adotada internacionalmente e que ser discutida no prximo tpico.
De acordo com Minayo (2005), as violncias contra os idosos se manifestam das
formas estrutural, interpessoal e institucional. A estrutural remete s desigualdades sociais que
possuem relao direta com as manifestaes de pobreza e discriminao, dizendo respeito
precria situao do idoso e nfima parcela de idosos aposentados que possuem
34
aposentadorias dignas, consubstanciando no grau de pobreza dessa classe, posto que grande
parte desses aposentados so pobres, o que amplia sua vulnerabilidade. A interpessoal diz
respeito a atos e como se do as interaes do cotidiano e as violaes ali ocorridas. J a
estrutural uma violncia que est diretamente ligada ao Estado, sendo ele o agressor e,
conforme Minayo (2005, p. 13), essa violncia se d atravs da aplicao ou omisso na
gesto das polticas sociais pelo Estado e pelas instituies de assistncia, maneira
privilegiada de reproduo das relaes assimtricas de poder, de domnio, de menosprezo e
de discriminao. Como exemplo de violao estrutural encontramos queixas s instituies
prestadoras de servios como o de sade.
Essa situao de violncia e maus tratos contra a pessoa idosa, conforme estudos e
pesquisas advindos de outros pases, mostra que a agresso ao idoso trata-se de um fenmeno
universal, no atingindo somente o Brasil ou esparsas naes, mas sim os mais diversos
pases, a todas as classes sociais, etnias, religies, estando o idoso mundialmente em uma
posio de vulnerabilidade destacada quanto s violncias que ocorrem das formas mais
diversificadas: fsica, psicolgica, sexual, e financeira, de forma cumulada ou no.
A Organizao Mundial de Sade realizou no ano de 2011 uma pesquisa com 50
pases europeus e constatou a situao crtica de violaes aos direitos dos idosos nesses
pases. As naes com os piores ndices foram Portugal, onde 39% dos idosos portugueses
sofrem maus tratos, Srvia, ustria, Israel, Macednia e Eslovquia. A OMS informou, ainda,
que a tendncia que os maus tratos contra os idosos aumentem nos prximos anos em
decorrncia do crescimento de pessoas pertencentes a essa faixa de idade.6
No Brasil, no entanto, no existem dados nacionais oficiais especficos relativos
violncia contra o idoso. Os estudos existentes so de entidades e instituies particulares e
pblicas ou dados relativos s instituies especficas que tem como prioridade e foco o
atendimento pessoa idosa. Encontramos nesse ramo o Instituto de Segurana Pblica (ISP)
do Rio de Janeiro que realizou no ano de 2011 uma ampla pesquisa nos registros de
ocorrncia da Polcia Civil. Esse estudo de referncia resultou no Dossi Pessoa Idosa 2011.
O qual traz temas como: crimes contra a pessoa (ameaa, leso corporal culposa, leso
corporal dolosa e homicdio culposo), crimes contra o patrimnio (estelionato, extorso,
roubo de rua e roubo a residncia), bem como, os crimes expostos no Estatuto do Idoso.
Esse dossi trouxe como concluso de seu estudo e levantamento de dados que os idosos so
6 Dados retirados do site:
35
proporcionalmente mais vitimados em determinados delitos, como estelionato, extorso e
roubo a residncia.
No que diz respeito aos dados obtidos de formas esparsas sobre violncias contra
o idoso importante tratar da violncia que no chega s estatsticas. Estudos mencionam que
os nmeros de violncias contra o idoso que chegam aos registros das estatsticas oficiais
muito pequeno com relao realidade. Apenas uma pequena parcela denuncia as agresses.
Pessoas alheias violao, mas que constatam a ocorrncia dela tem a obrigao legal de
denunciar, mas nos dias atuais onde predomina o individualismo social, essas denncias,
dependendo de fatores como localidade e classe social dos envolvidos, podem no ocorrer.
Quanto ao idoso, por vezes, o prprio poderia ser o denunciante, mas no o faz,
principalmente por temor s consequncias da denncia e por vergonha. O medo do agressor e
de que piore o quadro de violncia sempre muito presente, o temor do abandono, vez que
muitas vezes o violador aquele que tambm faz companhia, o familiar cuidador. A
vergonha se configura pelo embarao de se mostrar vulnervel, o receio do julgamento social
e de ter como agressor algum prximo e que no o respeita.
Atualmente, os dados advindos dos atendimentos mdicos em hospitais na rede de
sade informam a ocorrncia de traumas, leses e mortes de forma violenta. Em decorrncia
da maior fragilidade do ser idoso, os acidentes de transporte e as quedas constituem parcela
significativa de causa de bito e leses.
O Ministrio da Sade na posio de rgo federal, atravs de sua rede nacional,
possui alguns dados obtidos atravs do atendimento de idosos pelos servios de sade de
referncia ofertados. Conforme dados do Ministrio, foram relatados na rea da sade 626
casos de violncias contra idosos, sendo que 338 tiveram como agressores os prprios filhos7.
A obrigatoriedade dessas notificaes feitas pelos rgos de sade encontram respaldo no
artigo 19 do Estatuto do Idoso, o qual expe:
Os casos de suspeita ou confirmao de violncia praticada contra idosos
sero objeto de notificao compulsria pelos servios de sade pblicos e
privados autoridade sanitria, bem como sero obrigatoriamente
comunicados por eles a quaisquer dos seguintes rgos:
I autoridade policial; II Ministrio Pblico; III Conselho Municipal do Idoso; IV Conselho Estadual do Idoso; V Conselho Nacional do Idoso.
7Dados retirados do site:
36
Para que se faa um real estudo e anlise dos dados fornecidos pelas instituies,
faz-se necessrio discorrer sobre a classificao das violncias existentes.
3.2. Tipos de violncias mais comuns que atingem os idosos
Em mbito internacional, a Organizao Mundial da Sade, no ano de 2002,
editou um Relatrio Mundial sobre a Violncia e Sade, onde, alm de conceituar o termo
violncia, estabeleceu-se algumas categorias e tipologias de violncias para designar as suas
vrias formas e as mais praticadas contra a pessoa idosa. No Brasil, segundo a Poltica
Nacional de Reduo da Morbimortalidade por acidentes e violncias, emitida pelo Ministrio
da Sade em 2001, as violncias se consubstanciam em: abuso fsico, abuso psicolgico,
abuso sexual, abandono, negligncia, abuso financeiro e auto-negligncia. Minayo (2005,
p.15) em seu estudo adequou as categorias e ampliou os conceitos genricos do documento
nacional ao ser idoso:
Abuso fsico, maus tratos fsicos ou violncia fsica so expresses que se
referem ao uso da fora fsica para compelir os idosos a fazerem o que no
desejam, para feri-los, provocar-lhes dor, incapacidade ou morte.
Abuso psicolgico, violncia psicolgica ou maus tratos psicolgicos correspondem a agresses verbais ou gestuais com o objetivo de aterrorizar
os idosos, humilh-los, restringir sua liberdade ou isol-los do convvio
social.
Abuso sexual, violncia sexual so termos que se referem ao ato ou jogo
sexual de carter homo ou hetero-relacional, utilizando pessoas idosas.
Esses abusos visam a obter excitao, relao sexual ou prticas erticas
por meio de aliciamento, violncia fsica ou ameaas.
Abandono uma forma de violncia que se manifesta pela ausncia ou
desero dos responsveis governamentais, institucionais ou familiares de
prestarem socorro a uma pessoa idosa que necessite de proteo.
Negligncia refere-se recusa ou omisso de cuidados devidos e
necessrios aos idosos, por parte dos responsveis familiares ou
institucionais. A negligncia uma das formas de violncia contra os idosos
mais presente no pas. Ela se manifesta, freqentemente, associada a outros
abusos que geram leses e traumas fsicos, emocionais e sociais, em
particular, para as que se encontram em situao de mltipla dependncia
ou incapacidade.
Abuso financeiro e econmico consiste na explorao imprpria ou ilegal
dos idosos ou ao uso no consentido por eles de seus recursos financeiros e
patrimoniais. Esse tipo de violncia ocorre, sobretudo, no mbito familiar.
Auto-negligncia diz respeito conduta da pessoa idosa que ameaa sua
prpria sade ou segurana, pela recusa de prover cuidados necessrios a
si mesma.
As mais diversas tipificaes de violncias descritas encontraro respaldo no texto
legal da Lei 10.741/03, o Estatuto do Idoso, que foi responsvel por contemplar em diversos
artigos exemplos de cada violncia aqui descrita.
37
Esses so alguns artigos que tratam do direito do idoso de ser resguardado de
qualquer violncia e daqueles responsveis por prevenir a ocorrncia das violaes aos
direitos do idoso:
Art. 4o Nenhum idoso ser objeto de qualquer tipo de negligncia,
discriminao, violncia, crueldade ou opresso, e todo atentado aos seus
direitos, por ao ou omisso, ser punido na forma da lei.
1o dever de todos prevenir a ameaa ou violao aos direitos do idoso.
Art 10o 2
o O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade
fsica, psquica e moral, abrangendo a preservao da imagem, da
identidade, da autonomia, de valores, idias e crenas, dos espaos e dos
objetos pessoais.
3o dever de todos zelar pela dignidade do idoso, colocando-o a salvo de
qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatrio ou
constrangedor.
Outros artigos que esto dispostos no mesmo diploma legal no captulo II, Ttulo
VI, denominado Dos Crimes em Espcie, trazem exemplos de violncias contra o idoso e as
suas penas legais previstas. No artigo 98 configura-se expressamente abandono, os artigos
102 e 104 so exemplos claros de violncia financeira.
Art. 98. Abandonar o idoso em hospitais, casas de sade, entidades de longa
permanncia, ou congneres, ou no prover suas necessidades bsicas,
quando obrigado por lei ou mandado:
Pena deteno de 6 (seis) meses a 3 (trs) anos e multa. Art. 102. Apropriar-se de ou desviar bens, proventos, penso ou qualquer
outro rendimento do idoso, dando-lhes aplicao diversa da de sua
finalidade:
Pena recluso de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa. Art. 104. Reter o carto magntico de conta bancria relativa a benefcios,
proventos ou penso do idoso, bem como qualquer outro documento com
objetivo de assegurar recebimento ou ressarcimento de dvida:
Pena deteno de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos e multa.
Diante da diferenciao dos tipos de violncias que mais so praticados contra os
idosos, importante ressaltar que nem sempre um crime configura apenas uma violncia, ou
seja, o mesmo ato de agresso e maus tratos ao idoso podem estar eivados de vrios tipos de
violncias.
3.3. A violncia contra o idoso no Estado do Cear
No Estado do Cear, diversas so as Unidades de atendimento ao idoso,
institutos colocados disposio que primam pela proteo, guarda e efetivao dos direitos
do idoso. Porm, a instituio de referncia que trata da preveno e enfrentamento direto e
especial violncia contra o idoso o CIAPREVI Centro Integrado de Ateno e Preveno
38
Violncia Contra a Pessoa Idosa. Portanto, faz-se importante para essa pesquisa, a
apresentao dos dados dessa instituio que trazem informaes referentes configurao da
violncia contra os idosos no Cear.
3.3.1. A tipologia das violncias e sua constatao
O CIAPREVI surgiu em fevereiro de 2009 e, segundo dados fornecidos pela
instituio, do ms do incio de suas atividades at dezembro de 2012, foram recebidas 2997
denncias de violncias praticadas contra o idoso, nesse nmero configurou-se os tipos de
violncias aplicadas a cada caso, conforme tabela explicativa:
Tabela 1.Tipos de Violncias nas denncias recebidas, 02/2009 a 12/2012
Fonte: Tabela elaborada pela acadmica atravs dos dados do CIAPREVI
Nessa tabela visvel a diferena encontrada entre os nmeros de denncias, que
totalizam 2.997, com o total de casos que apresentaram os tipos de violncias citadas, que
somam 5.030 casos. Isso se deve ao j relatado anteriormente, onde um nico caso de abuso
ao ser idoso no traz apenas uma espcie de violncia, mas sim vrias cumuladas.
Constata-se, ainda, que a violncia que possui maior ndice de casos a
psicolgica e isso se deve ao fato de que praticamente todas as violncias praticadas contra o
idoso o afligem mentalmente, afetando sua autoestima, nimo, trazendo tristezas, humilhaes
e infelicidade.
3.3.2. O perfil do agressor e do agredido
Diante do quadro da existncia de diversas violncias, aqui, constata-se quem so
os idosos vitimados e quem so os responsveis pelas agresses e maus tratos aos mesmos.
Violncias N de casos %
Fsica 689 14
Psicolgica 1707 34
Abandono 131 3
Negligncia 1324 26
Autonegligncia 111 2
Sexual 8 -
Financeira 1060 21
Total 5030
39
Atravs da anlise das tabelas fornecidas, baseadas em dados fornecidos pelo
CIAPREVI, verifica-se que o idoso agredido na maioria das vezes do sexo feminino e
principalmente aquele que j passou dos 70 anos, onde o vigor fsico e mental j bastante
atenuado, fase da vida em que se torna mais difcil a reao s agresses.
Constata-se, ainda, um nmero razovel de vtimas de 60-69 anos por alguns
motivos. nessa faixa etria onde ainda no existem tantos casos de dependncia fsica e
mental, onde o idoso ainda est ativo, muitos, inclusive, trabalhando. Sendo possvel, nesse
segmento, encontrar muitos idosos responsveis por realizar a denncia de violao aos seus
direitos.
Tabela 2. Perfil do Idoso Vitimado, 02/2009 a 12/2012
Sexo N de casos
Masculino 905
Feminino 2014
No Consta 78
Total 2997
Faixa Etria N de casos %
60-69 599 20
70-79 1019 34
80-89 951 32
90-99 221 7
>100 30 1
No Consta 177 6
Total 2997
Fonte: Tabela elaborada pela acadmica atravs dos dados do CIAPREVI
Nessa tabela que trata do denunciado, pode-se verificar que o perfil do agressor
quanto ao sexo bastante equiparado e quanto idade bem distribudo. O que chama a
ateno nesses dados o perfil do violador no que tange sua relao de proximidade com o
violado, sendo os filhos os principais agressores, tratando-se de violncia familiar, onde
aquele que tem dever de proteger e cuidar do idoso contra as agresses externas justamente
aquele que maltrata e agride.
40
Tabela 3. Perfil do Denunciado, 02/2009 a 12/2012
Sexo N de casos
Masculino 1387
Feminino 1373
No Consta 237
Total 2997
Faixa Etria %
10-19 3
20-29 8
30-39 12
40-49 17
50-59 9
60-69
70-79
>80
No Consta
4
3
1
42
Vnculo com o idoso N de casos %
Filhos 1477 54
Netos 233 8
Outros Familiares 457 17
Vizinhos 116 4
O Prprio 103 4
Poder Pblico 122 4
Outros
No Consta
124
126
4
5
Fonte: Tabela elaborada pela acadmica atravs dos dados CIAPREVI
Bem como a violncia contra o idoso, a violncia que acontece no mbito familiar
no um fenmeno recente e nem meramente nacional, trata-se de um problema de
propores internacionais. Ocorre que, assim como no Brasil, em grande parcela dos pases
o dever de cuidado tambm dos familiares. No Brasil, para ter uma maior noo do tema e
fazer reais constataes, ainda faz-se necessria uma sistematizao de dados de propores
nacionais e no meramente dados locais de cada rgo ou instituio de cada lugar do pas,
para que seja possvel afirmar como se d esse tipo de violncia na nao brasileira.
3.3.3. O Estado do Cear na efetivao dos direitos dos idosos
Como reflexo do fenmeno do envelhecimento populacional, como j tratado em
tpico pertinente, o Estado do Cear tambm tem, ao longo dos anos, passado por esse
41
processo de amadurecimento da sua populao. Segundo dados do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatstica IBGE8, o Cear tinha no ano de 2000 uma populao residente total
de 6.366.647, enquanto o nmero de idosos correspondia a 490.505 dessa fatia. Dez anos se
passaram e ao realizar o censo demogrfico de 2010, o IBGE constatou o aumento da
populao total cearense que, hoje, de 8.452.381 pessoas. No tocante aos idosos, seu
nmero havia aumentado para 909.215 idosos residentes no Cear, ou seja, hoje essas pessoas
constituem 10,75% da populao total cearense.
No Cear existe uma rede formada por algumas instituies e unidades que
trabalham no atendimento, preveno e combate violncia contra a pessoa idosa. Algumas
unidades pertencentes a essa rede so o CREAS (Centro de Referncia Especializado de
Assistncia Social), que atua ofertando servios de ordem especial e continuado no mbito do
segmento social, tendo como foco as classes mais vulnerveis: mulheres, crianas,
adolescentes, pessoas com deficincia e idosos. Atuando em situaes onde existe ameaa ou
violaes aos direitos desses indivduos; qualquer Delegacia em caso de violncia, em
especial, a Delegacia de Defesa do Idoso em Fortaleza, implantada no ano de 2012; DPGE
(Defensoria Pblica Geral do Estado), responsvel pela prestao de auxlio jurdico gratuito
quele impossibilitado de arcar com os encargos de um advogado.
Fazem parte, ainda, dessa rede o Ministrio Pblico, atravs da Promotoria do
Idoso e da Pessoa com Deficincia (cidade de Fortaleza), sendo o responsvel por atuar na
defesa dos direitos nos idosos em casos de violaes, posto os crimes contra os idosos,
definidos no Estatuto do Idoso, serem de ao penal pblica incondicionada, ou seja,
independendo de manifestao do ofendido; CEDI-CE (Conselho Estadual dos Direitos do
Idoso) um rgo vinculado Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social responsvel
por controlar do ponto de vista social a poltica estadual de atendimento ao idoso; CIAPREVI
(Centro Integrado de Ateno e Preveno Violncia Contra a Pessoa Idosa) que, em linhas
gerais, atua na preveno, averiguao de violncias e mediando conflitos.
3.3.4. O CIAPREVI e sua ao para o enfrentamento da violncia contra o idoso
O CIAPREVI - Centro Integrado de Ateno e Preveno Violncia contra a
Pessoa Idosa, iniciou suas atividades em 12 de fevereiro de 2009. Antes, o espao era
utilizado como Centro Comunitrio, hoje, apesar de ainda permanecer o centro de
8 Dados retirados do site: < http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/perfil