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125 Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 8, p. 125-137, outubro/2010 PoBrEZA E DESiGuALDADE SoCiAL No ESTADo DEmoCráTiCo DE DirEiTo: o CASo BrASiLEiro Francys Layne Balsan 1 1 Docente do curso de Direito da UNIRB – Faculdade Regional de Alagoinhas, em Alagoinhas/BA e da FAT – Faculdade Anísio Teixeira, em Feira de Santana/BA. Mestre em Sistema Constitucional de Garantias pela Instituição Toledo de Ensino, em Bauru/SP. rESumo: O presente trabalho tem por objetivo um estudo reflexivo sobre a pobreza e a exclu- são que deriva desta, bem como suas possíveis causas. Discute-se sua possibilidade em uma Nação democrática. Enfoca-se o Bolsa Família, programa governamental que tem como fito a inclusão das famílias que se encontram em es- tado de pobreza ou extrema pobreza através da transferência de rendas. Palavras-chave: Pobreza. Democracia. Direitos Humanos. ABSTrACT: The present work aims at a re- flective study on poverty and the exclusion that comes from within and its possible causes. And discusses its possibility in a democratic nation. It focuses the “Bolsa Família”, a government program, that has the purpose of the inclusion of families who are in poverty or extreme poverty by transferring income. Keywords: Poverty. Democracy. Humans Rights introdução Considerando que o Brasil é uma Repú- blica que se constitui em Estado Democrático de Direito, que tem como fundamentos, entre outros, a cidadania e a dignidade da pessoa hu- mana, bem como é seu objetivo a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais, pretende este trabalho questionar os níveis de pobreza que podem ser tolerados, tendo em vista que a pobreza é Artigo

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POBREZA E DESIGUALDADE SOCIAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO: O CASO BRASILEIRO

PoBrEZA E DESiGuALDADE SoCiAL No ESTADo DEmoCráTiCo DE DirEiTo: o CASo BrASiLEiro

Francys Layne Balsan1

1 Docente do curso de Direito da UNIRB – Faculdade Regional de Alagoinhas, em Alagoinhas/BA e da FAT – Faculdade Anísio Teixeira, em Feira de Santana/BA. Mestre em Sistema Constitucional de Garantias pela Instituição Toledo de Ensino, em Bauru/SP.

rESumo: O presente trabalho tem por objetivo um estudo reflexivo sobre a pobreza e a exclu-são que deriva desta, bem como suas possíveis causas. Discute-se sua possibilidade em uma Nação democrática. Enfoca-se o Bolsa Família, programa governamental que tem como fito a inclusão das famílias que se encontram em es-tado de pobreza ou extrema pobreza através da transferência de rendas. Palavras-chave: Pobreza. Democracia. Direitos Humanos.

ABSTrACT: The present work aims at a re-flective study on poverty and the exclusion that comes from within and its possible causes. And discusses its possibility in a democratic nation. It focuses the “Bolsa Família”, a government program, that has the purpose of the inclusion of families who are in poverty or extreme poverty by transferring income.Keywords: Poverty. Democracy. Humans Rights

introdução

Considerando que o Brasil é uma Repú-blica que se constitui em Estado Democrático de Direito, que tem como fundamentos, entre outros, a cidadania e a dignidade da pessoa hu-mana, bem como é seu objetivo a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais, pretende este trabalho questionar os níveis de pobreza que podem ser tolerados, tendo em vista que a pobreza é

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um fenômeno que promove a exclusão social, inviabiliza a participação dos excluídos na so-ciedade, fere os Direitos Humanos e prejudicam o exercício dos direitos inerentes à cidadania.

É certo que o regime que mais se compa-tibiliza com Direitos Humanos é o democrático, portanto, há que se indagar se, uma vez a pobreza ferindo os Direitos Humanos, não estaria ferindo a própria democracia.

Para responder a estas indagações faz-se necessário entender o fenômeno pobreza e a exclusão social originada desta, ou seja, é preciso estudar o que é pobreza e qual a conseqüência da desigualdade social para a Nação.

Em seguida é preciso analisar as ações estatais com vistas ao seu combate e à inclusão social das pessoas pobres e miseráveis, abor-dando o efetivo cumprimento dos objetivos constitucionais e os resultados obtidos. Entre as ações governamentais com este intuito confere-se especial destaque ao Bolsa Família por sua amplitude, apontando seus aspectos positivos e negativos.

1 pobreza

A história brasileira é marcada pela po-breza e pela desigualdade social. Os recursos destinados ao seu enfrentamento nunca foram suficientes para seu efetivo combate. Talvez o seu auge esteja nos anos 80, a chamada década perdida, pois, neste período, a pobreza torna-se tão gritante que passa a ser o tema central da agenda social, haja vista a extrema distância observada entre os poucos ricos e os muitos miseráveis, verificando-se “antinomias entre pobreza e cidadania2”

Vários estudiosos tentam conceituar o que é pobreza. Passaremos a analisar alguns destes estudos.

Cotazar, citado por Graciano e Wada3 faz a conceituação da pobreza sobre o critério rela-tivo, qual seja, a permanência da pobreza como fenômeno incidente sobre o desenvolvimento de um país; e sobre o critério absoluto, que quali-fica as pessoas pobres quando são incapazes de

usufruir de bens e serviços indispensáveis por seus próprios recursos e também não os recebem do Governo.

Ávila faz distinção entre pobreza, indigên-cia e miséria, em suas palavras4:

Pobreza – É um estado habitual de priva-ção de bens supérfluos, carência de bens necessários à condição de desempenho social e estrita suficiência de bens neces-sários à subsistência.

Indigência – é um estado habitual de privação de bens supérfluos e dos bens necessários à vida.

Miséria – é um estado habitual de carência tanto de bens supérfluos e necessários à vida.

Maria Veralucia Leite Nogueira5 trabalha a concepção de Demo sobre a pobreza, explican-do que este autor “concebe a pobreza enquanto privação da cidadania”, uma vez que ser pobre é também não poder defender seus direitos. Explica ainda que, Demo concebe duas formas de pobreza “não ter e não ser”, ou seja, pobreza quantitativa material e pobreza qualitativa, de ordem política e imaterial.

Destaca-se o ensinamento:

Nessa concepção de pobreza política, tra-balhada por Demo, povo pobre é também aquele que, mesmo sem privação material para a sobrevivência, ainda não se autode-terminou, ou seja, ainda não se organizou para participar de forma consciente do processo histórico da sociedade da qual faz parte como cidadão. Demo assim se expressa: “não é exagero afirmar que o traço mais profundo da pobreza política de um povo seja a falta de organização da sociedade civil, sobretudo frente ao Estado e às oligarquias econômicas.”

Muito acertado a conceituação de Demo sobre a pobreza, uma vez que não se restringe somente a fatores econômicos, ao revés, consi-dera a autodeterminação, a capacidade que têm os cidadãos de participarem da sociedade na qual estão inseridos.

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Maria Ozanira da Silva e Silva6

afirma que a pobreza é um fenômeno multidimensional e explica que por isso ela “não pode ser vista somente como insuficiência de renda”, mas também como “não acesso a serviços básicos, à informação, a trabalho e uma renda digna; é não participação social e política”.

Muitas conceituações, no entanto, levam em consideração os fatores de privação econô-mica para fazer distinção entre os pobres e os não-pobres. Importante frisar que, embora este não seja o único prisma pelo qual a pobreza deva ser analisada, ele reflete a vulnerabilidade da economia, bem como da inserção dos indivíduos no mercado de trabalho. Neste sentido, Carla Bronzo Ladeira Carneiro aduz que “uma pessoa é pobre se a renda ou os gastos de consumo agre-gados forem inferiores a um valor estabelecido como necessário para a sobrevivência7”. Como já dito, este fator determinante não é o mais acerta-do e, de acordo com a autora, traz a idéia de que a vida das pessoas pobres pode ser modificada com a simples transferência de renda.

Existe um outro fator ou enfoque dado à pobreza que considera as capacidades. Esta teoria desenvolvida por Amartya Sen é explicada por Carneiro8:

A pobreza é definida como privação de capacidades, sendo pobres aqueles que carecem de oportunidades básicas para operarem no meio social, que carecem de oportunidades para alcançar mínimos aceitáveis de realizações, o que pode inde-pender da renda que os indivíduos detêm.

Observa-se que a conceituação acima exposta guarda estreita relação com a pobreza política trabalhada por Demo, pois não se res-tringe aos fatores econômicos, antes aborda a participação social.

Para o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNDU – existe a pobreza geral e a pobreza extrema9, abaixo:

Pobreza Geral, identificada como ausência de renda necessária para satisfazer neces-sidades essenciais – alimentares, vestuá-rio, moradia, etc. – geralmente chamada

de pobreza relativa. A pobreza extrema é aquela cuja ausência de renda está re-lacionada à satisfação de necessidades básicas de alimentação, também chamada de pobreza absoluta ou indigência.

Embora não seja explícito o PNDU consi-dera a concepção de pobreza como inadequação de capacidade. Desta forma, a pobreza não se re-laciona somente com a ausência ou insuficiência de renda, mas também com a capacidade de se viver dignamente participando da comunidade.

Uma das grandes conseqüências da pobreza ou da falta de combate a esta é o chamado ciclo da pobreza ou auto-reprodução da pobreza, que pode ser definida como o entrelaçamento de carências e privações que se sustentam e se reproduzem, ampliando ainda mais a exclusão.

Apesar das diferentes conceituações, certo é que a pobreza está sempre ligada a fatores sociais, à própria sociedade. Também é incon-troverso que a pobreza, embora não possa ser confundida com exclusão social, é uma de suas causas, dado que provoca a desigualdade, como veremos.

Para fins desse trabalho, consideramos pobreza em sua amplitude, podendo defini-la como uma fator que condiciona o ser humano a uma vida de privações, sejam elas monetárias ou culturais. Do ponto de vista monetário, vale dizer que a pessoa é considerada pobre quando não consegue, com seus próprios esforços, manter despesas mínimas com moradia, alimentação, saúde e educação. Já do ponto de vista cultural, pobreza é o enfraquecimento do vínculo que une o cidadão ao seu Estado, tornando-o menos participativo, pouco conhecedor de seus direitos e deveres.

2 Exclusão social

Seguindo a teoria hegeliana, Müller diz que a desigualdade econômica está ligada às desvantagens da formação da personalidade e da capacitação profissional, bem como da cultura, do grau de informação, do sentimento de justiça e do enfraquecimento da auto-estima

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que provoca a paralisação das pessoas, enquanto seres políticos o que conduz a conseqüências sérias, veja-se10:

O descenso econômico conduz rapida-mente à depravação sócio-cultural e à apa-tia política – que quase sempre se acomoda bem aos desígnios das esferas dominantes da sociedade. O “desfavorecimento, mes-mo em apenas uma área parcial”, produz uma “reação em cadeia de exclusão” que resulta na “pobreza política”. A dimensão perigosa nesse escândalo estrutural está provavelmente no fato de que o campo de batalhas no terreno da economia política e da política ainda são complementados por um campo de batalhas jurídicas; a injustiça econômica, social e política se vêm acrescidas da jurídica.

A pior das conseqüências desta desigualda-de, para o autor, é a vitimização da democracia, do Estado de Bem-Estar Social e da igualdade, já que o Estado fica sujeito à economia fazendo com que a própria Constituição perca seu nexo de legitimidade democrática, haja vista que, à medida que “a metaestrutura superintegração/subintegração domina a sociedade, ela não des-legitima a sociedade organizada apenas na esfera do seu caráter de Estado de Direito, mas deci-sivamente a partir da sua base democrática”11.

Vale lembrar que nossa Constituição Fede-ral destinou um capítulo à Ordem Econômica e nele pode se verificar que esta se presta a “asse-gurar a todos existência digna, conforme os dita-mes da justiça social”, o que significa dizer que, através do desenvolvimento da economia ocorre o financiamento das políticas sociais. Também é por meio do desenvolvimento da economia que se busca a inclusão e ou manutenção de pessoas no mercado de trabalho, uma vez que o trabalho é uma forma de concretização da dignidade da pessoa humana, bem como de emancipação do cidadão.

Embora a previsão constitucional, a ex-clusão cresce sobremaneira, principalmente por causa da desregulamentação que faz com que a diferença entre ricos e pobres torne-se cada vez maior, indicando a dimensão da integração social.

Excluem-se as pessoas que se encontram em estado de pobreza e ou indigência, porque elas não são consideradas aptas a contribuir para o desenvolvimento da sociedade, uma vez que não têm voz ativa e também, devido à bai-xa auto-estima, não conseguem atuar de forma participativa na sociedade, o que muitas das vezes é considerado como falta de perspectiva, objetivos e futuro.

Não raras vezes os absolutamente pobres não são realmente vistos por outros cidadãos ou mesmo pelo Governo; a dignidade destas pessoas não é respeitada, tampouco eles são considerados cidadãos, dando a impressão que eles são invisíveis para os grupos dominantes, ou pior, em muitos casos a pobreza é tida como sinônimo de criminalidade.

É comum pessoas sem moradia fixa serem vistas como parte da paisagem da cidade, paisa-gem esta desagradável, poluente, o que revela a forma como esses cidadãos são tratados, ou seja, como coisas e não mais como seres humanos merecedores de respeito e dignos de atenção.

3 Dados sobre a pobreza no Brasil

Importante a tentativa de quantificação da pobreza para que se possa ter uma noção de quantos brasileiros se encontram nessa situação, sem o mínimo necessário à sobrevivência, sem “dignidade”, sem terem acesso ao exercício de seus direitos constitucionalmente garantidos.

Cabe destacar que, embora a seriedade dos estudos aqui apresentados, nem sempre eles revelam a total realidade, dado que, muitas vezes a pesquisa é feita considerando domicílios e, em se tratando de miséria, poucos são aqueles que o possuem. Sendo assim, é importante ter a certeza que os números apresentados podem ser bem maiores.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Esta-tística, em estudo realizado em 2003, constatou que a população brasileira é de cerca de 174 milhões de pessoas. Um estudo do PEA12 – População Economicamente Ativa- revela que somente 50% da população o compõe, ou seja,

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apenas metade da população nacional está inseri-da no mercado de trabalho, fato que já demonstra parte da desigualdade social brasileira causada pela não igualdade de oportunidades.

O Centro Internacional de Pobreza indica que 24, 3 milhões de pessoas estão vivendo abaixo da linha da pobreza13.

Sobre a desigualdade social e má distribui-ção de rendas, se faz interessante a constatação de Müller14:

Do ponto de vista econômico, a assim chamada “tesoura da renda” [Einkom-mensschere], cujas pontas assinalam as rendas máximas e as rendas mínimas e se distanciam cada vez mais, não está tão aberta em nenhuma região do mundo como nos países emergentes da América Latina, ficando entre “seis vezes” (Costa Rica) e “quinze vezes” (Brasil). Isso quer dizer que os 10% dos brasileiros mais ricos percebem uma renda quinze vezes superior à dos 40% mais pobres.

Essa constatação nos mostra que, sem igualdade de oportunidades é praticamente impossível o cidadão romper com a barreira da pobreza e, assim, diminuir essa gritante desi-gualdade.

Silva e Silva também traz dados alarmantes sobre o crescimento da desigualdade de renda no país. Utilizando-se de dados no Ministério de Desenvolvimento Social e de Combate à Fome, ela explica que “em 1980, a renda média da população mais rica era 10 vezes maior que a renda média da população brasileira, que, em 2004, essa renda era 14 vezes maior em relação à renda dos 20% mais pobres”15.

André Campos mostra uma linha de acompanhamento dos rendimentos dos cidadãos brasileiros, e conclui16:

[...] a proporção da população brasileira que podia ser classificada como indigente se situou em torno dos 21% entre 1990 e 1993. Já entre 1993 e 1995, essa proporção reduziu-se para algo próximo a 14%. Os-cilou neste patamar daí em diante, ficando em 12, 8% em 2003.

O autor ainda traz dados sobre a parcela brasileira considerada pobre que “corresponde a algo como 43% entre 1990 e 1993. Entre 1993 e 1995, tal parcela diminui para cerca de 33%. Nos anos seguintes, permaneceu no mesmo nível, chegando a 31,7% em 2003”.

Um estudo da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe - CEPAL, realizado em 2001, no qual a linha de indigência nacional está representada pelo custo de uma cesta básica, indica que 8,2% da população vivia com menos de 1 dólar ao dia e 22, 4% viva com menos de 2 dólares ao dia. Considerando somente a linha nacional, temos que, 13, 2% da população bra-sileira vive em estado de indigência, enquanto que 37,5% são considerados pobres17.

José Pascoal Vaz trata da concentração de renda em números, observe-se18:

A concentração de renda foi tão forte que seus efeitos sobrepujaram os do crescimento, fazendo com que a pobreza, definida por uma linha igual a 0 do valor da renda per capita, não só passasse, em termos absolutos, de 52 milhões de pobres em 1960 para 132 millhões em 2000, como também aumentasse, em termos relativos, de 74% para 79% da população.

Interessante notar que, embora ainda haja grandes e gritantes desigualdades sociais no Brasil, e que estas estejam aumentando com o passar dos anos, o Índice de Desenvolvimento Humano apresentou um crescimento conside-rável. O relatório apresentado em novembro de 2007 inclui o Brasil no grupo dos países de Alto Desenvolvimento Humano, isso porque o país conseguiu alcançar o índice de 0,800 e ocupar a 70º posição no ranking que inclui 177 países e territórios. Grande parte deste êxito se deve a análise e consideração da expectativa de vida, que no Brasil aumentou de 70,8 anos para 71,7 anos19.

O IDH pode não representar a realidade brasileira, a saber, três são os componentes consi-derados: longevidade, conhecimento e padrão de vida. Em relação ao primeiro pode-se considerar que houve um verdadeiro avanço, como acima demonstrado. Já em relação aos outros dois,

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temos uma situação bem crítica, pois o conhe-cimento é medido pelo nível educacional, assim compreendido como a taxa de alfabetização de adultos, de matrículas no ensino fundamental, médio e superior.

Ocorre que, embora o acesso ao ensino te-nha aumentado, não significa que o conhecimen-to aumentou, pois esse só aumenta à medida que a educação ofertada seja de qualidade e cumpra com os objetivos constitucionais de exercício da cidadania e preparo para o trabalho. Assim, resta indagar se a excelência no ensino tem sido alcançada para sabermos se houve real aumento no conhecimento.

O padrão de vida é medido pela renda per capita dos brasileiros que recebeu valioso impulso principalmente pelo programa Bolsa Família, que trataremos mais a frente. Mas, nos cabe questionar se isso é efetivamente um meio de acabar com a pobreza ou somente com a fome, dado que para o fim da pobreza é necessário mais que comida no prato, mais que criança na esco-la, é necessário que a todos seja conferido uma vida digna com acesso à educação de qualidade, trabalho valorizado, manutenção da saúde, pois, é por esses meios que o cidadão se emancipa e, dessa forma, pode participar ativa e igualmente da sociedade.

Não se deve, contudo, desconsiderar o aumento do IDH, uma vez que ele reflete a tentativa de combater as desigualdades sociais, a marginalização e à discriminação no país, o que é feito através de políticas públicas voltadas para os setores mais empobrecidos da sociedade. Estas políticas públicas são também chamadas de ações afirmativas, haja vista que buscam a inclusão das minorias na sociedade, primando assim pelo princípio constitucional da igualdade. A igualdade de que trata as ações afirmativas é a igualdade material, que se realiza no plano fático.

Neste aspecto se faz preciso o entendi-mento de Yazbeck, lembrando que a autora refere-se a estas políticas ou ações como rede de segurança20:

Caracterizada, em geral, por sua heteroge-neidade, essa rede de segurança (constitu-ída pelos órgãos governamentais e por en-tidades da sociedade civil) opera serviços

voltados ao atendimento de um vastíssimo conjunto de necessidades, particularmente dos segmentos mais pobres da sociedade: atende famílias, idosos, crianças e ado-lescentes, desempregados, portadores de deficiência, migrantes, portadores do HIV, dependentes de drogas, etc; arrecada e doa alimentos, alfabetiza adultos, protege testemunhas, defende os direitos humanos e a cidadania, atende suicidas, adolescen-tes grávidas, órfãos, combate a violência, cria empreendimentos autogestionados, cuida de creches, de atendimento médico domiciliar e de outras iniciativas que com-põem o complexo e diversificado campo da Assistência Social à população. Dessa forma a Assistência Social como campo de efetivação de diretos é (ou deveria ser) política estratégica, não contributiva, voltada para a construção e provimento de direitos, buscando romper com a tradição clientelista e assistencialista que histori-camente permeia a área onde sempre foi vista como prática secundária, em geral adstrita às atividades do plantão social, de atenções em emergências e distribuição de auxílios financeiros.

Importante notar e verificar que os avanços no combate à pobreza e à marginalização, apesar de surtir efeitos mais significativos no presente, é fruto de políticas implementadas anteriormente, como passaremos a estudar.

4 Políticas públicas de combate à pobreza

Vimos que o Brasil já conseguiu avançar no que reporta ao combate às desigualdades sociais, mas isto não significa que estamos perto de solucionar esta questão.

A partir dos anos 90, após ter sido pro-mulgada a Constituição Cidadã, que tem como objetivo erradicar a pobreza e a marginalização, houve um maior esforço na implementação de ações afirmativas voltadas para a população bra-sileira pobre. Importante destacar que, as Consti-tuições anteriores tinham previsão de igualdade, muito embora só com a atual foi possível dar

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um suporte real, o que propiciou a criação de vários programas com vistas à inclusão social das minorias pois, trouxe a previsão da participação dos grupos sociais nas iniciativas de combate à pobreza, à exclusão e à discriminação.

Buscando a igualdade e a inclusão das pes-soas consideradas pobres e extremamente pobres na sociedade, foram criadas algumas políticas públicas, que passaremos a estudar.

Em 1993 foi criado o Plano de Combate à Fome e à Miséria, que propunha um movimento articulado de recursos institucionais, organiza-cionais e humanos com vistas a atender parte da população que sobrevivia com um ¼ de salário mínimo. Este plano tinha como princípios a parceria, a descentralização e a solidariedade.

De 1995 a 2002, o programa acima foi substituído pelo Programa Comunidade Solidá-ria, que fazia uso de ações descentralizadas com participação da sociedade para combater à fome e à exclusão social.

No ano de 1999 lançou-se o Programa Co-munidade Ativa que visava o combate à pobreza por meio do desenvolvimento local, assim, os governos federal, estadual e municipal trabalha-vam em parceria com a comunidade para criação e implementação de programas.

Já em 2001 criou-se o Fundo de Combate à Pobreza que tinha como meta financiar pro-gramas de transferência de rendas associados a outros fatores determinantes da pobreza. Criou-se ainda o Programa de Combate à Miséria que atuava nos municípios cujo IDH era inferior a 0,500.

No ano de 2003, implanta-se o programa Fome Zero cujo objetivo maior era assegurar o direito à alimentação e por meio deste, conseguir a inclusão sem caráter assistencialista.

Em linhas gerais, todos os programas de transferência de renda pressupõe uma contra-prestação por parte do indivíduo beneficiário, como a manutenção de crianças na escola. Cabe dizer, que alguns requisitos são de fundamental importância para que a inclusão seja realizada, assim, se é obrigatório que as crianças permane-çam na escola para que as famílias sejam benefi-ciadas com a transferência, temos a diminuição

do trabalho infantil, bem como do analfabetismo.Silva e Silva aponta os aspectos negativos

dos Programas de Transferência de Renda, veja-se21:

Não indica, portanto, qualquer mudança no modelo econômico historicamente adotado, já que não coloca a questão da redistribuição de renda e da riqueza so-cialmente produzida, apenas possibilita uma distribuição irrisória, que permitirá, senão regular, a continuidade do processo de empobrecimento, mantendo as famílias num patamar de pobreza ou indigência no qual são classificadas para inserirem-se nos próprios Programas de Transferência de Renda.

Compartilhamos da opinião acima, po-rém, somente no que concerne à fragilidade do combate à pobreza, no entanto, reconhecemos a importância desses para a batalha contra a fome. Admitimos ainda, o papel das condicionantes como um fator essencial para, a longo prazo, conquistarmos resultados no combate à pobre-za, porém, insistimos, para tanto é preciso que toda a rede de serviços públicos sejam dotadas de qualidade.

Os governos tem investido cada vez mais recursos nos programas de transferência de renda, mas o mesmo não ocorre com os serviços públicos básicos, isso nos leva a um resultado rápido, como o obtido no IDH, mas, não muda a realidade, somente a mascara, talvez por isso as políticas públicas implementadas até hoje não foram capazes de solucionar este grave problema social, porém, não se deve esquecer os avanços conseguidos ao longo destes anos, assim como deve-se considerar que tais avanços devem conti-nuar, porque o Brasil é um país democrático que respeita os Direitos Humanos e como tal, não deve admitir que uma parte considerável de seus cidadãos viva em estado de pobreza e ou miséria.

5 A pobreza e o sistema democrático de direito

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão declara em seu artigo 1º que “os homens

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nascem livres e iguais em direitos” o que revela que a soberania pertence a indivíduos, ou seja, a soberania é popular.

Declara ainda, que a lei é a expressão da vontade geral, em seu artigo 6º, o que implica na reafirmação da soberania popular, bem como nos direitos que os cidadãos têm de concorrer para a formação das mesmas, ainda que por meio de seus representantes.

Temos então, que os cidadãos são os ti-tulares da soberania e, portanto, detentores dos direitos políticos o que faz com que o Estado Moderno seja por princípio um Estado Demo-crático de Direito.

Em geral explica-se a democracia através do conceito grego, da semântica grega da pa-lavra, a saber, o povo como detentor do poder. Ocorre que o termo democracia é muito amplo e susceptível de várias interpretações, muitas das quais inadequadas ao seu verdadeiro sentido. Neste aspecto interessante a lição de Friedrich Müller22:

“Democracia” é uma das expressões mais indeterminadas, isto é, uma das expressões mais utilizadas dos modos mais distintos imagináveis, frequentemente opostos. De qualquer modo, a história do termo nos oferece os significados “governo” e “povo”; mas se isso resulta em algo como “governo do povo” é justamente a questão: ou melhor, já nem é mais a questão. “Isso não vai dar em nada, em nada”, teria sus-pirado um honrado monarca alemão diante da rebelião desesperada da gente pobre. E onde existe o que estamos discutindo aqui – um sistema democrático (não no sentido da teoria sistêmica), pergunta-se, antes de mais nada, diante de expressões como governo “do” povo, “pelo” povo, “para” o povo e “em nome” do povo, onde deverá ficar o povo em meio a tanto governo?

O que pretende o doutrinador é verificar qual o verdadeiro papel do povo no sistema de-mocrático de direito, pois sabe-se que o povo é elemento legitimador das diferentes concepções acerca da democracia. Desta forma, um processo democrático está vinculado a um processo do

povo na sua totalidade. Quando se fala em tota-lidade, o que se pretende é que todas as pessoas que compõem determinada sociedade devem ter direitos iguais, o que abarca inclusive, as minorias, pois estas devem ter chances efetivas de se transformarem em maiorias, participando assim, em pé de igualdade, do processo político.

Muito justo tal idéia dado que não pode ser admitido em um Estado Democrático de Direito, principalmente se considerarmos o plano da ética política, que exista a exclusão e a marginalização das pessoas.

Não é tarefa fácil definir o que é a democra-cia no Estado moderno, porém, existem algumas características que sempre devem ser observadas quando se trata deste regime. A primeira delas é o denominado princípio majoritário, pelo qual o exercício do poder político é legitimado pela manifestação livre de vontade da maioria, outra é a distribuição de poder entre órgãos e a exis-tência de alternativas de poder. No que reporta à distribuição de poder, ela está prevista no art. 2º da Constituição brasileira.

No Estado moderno prevalece a demo-cracia representativa, ou seja, aquela em que os cidadãos tomam as decisões políticas por meio de seus representantes. Esses representantes são eleitos pelo povo e por isso exercem um man-dato, onde sua missão é representar e defender os interesses dele.

Assim, o sufrágio é uma instituição de fundamental importância para este tipo de de-mocracia, pois é através dele que os cidadãos elegem seus representantes ou são eleitos para representar.

Anteriormente à Constituição de 1988, so-mente se utilizava a expressão “Estado de Direi-to”, sobre a inserção do adjetivo “democrático”, interessante o ensinamento de Miguel Reale23:

Pela leitura dos Anais da Constituinte infere-se que não foi julgado bastante dizer-se que somente é legítimo o Esta-do constituído de conformidade com o Direito e atuante na forma do Direito, porquanto se quis deixar bem claro que o Estado deve ter origem e finalidade de acordo com o Direito manifestado livre

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e originariamente pelo próprio povo, excluída, por exemplo, a hipótese de adesão a uma Constituição outorgada por uma autoridade qualquer, civil ou militar, por mais que ela consagre os princípios democráticos.Poder-se-á acrescentar que o adjetivo “Democrático” pode também indicar o propósito de passar-se de um Estado de Direito, meramente formal, a um Estado de Direito e de Justiça Social, isto é, instaurado concretamente com base nos valores fundantes da comuni-dade. “Estado Democrático de Direito”, nessa linha de pensamento, equivaleria, em última análise, a “Estado de Direito e de Justiça Social”.

O autor supracitado diz que os elementos fundantes do Estado Democrático de Direito no Brasil são a soberania nacional, a cidadania e a dignidade da pessoa humana.

Não há, contudo, como falar de democracia sem falar de cidadania, pois os cidadãos são mais que beneficiários do Estado, são detentores de parcela da soberania.

Cidadania pode ser definida como o con-junto de poderes que são outorgados ao povo autorizando-o a participar do exercício político de forma livre e consciente.

Segundo Miguel Reale, a cidadania e a dignidade da pessoa humana são valores que devem ser interpretados conjugadamente, as-segurando ao cidadão um campo específico de direitos e obrigações, sem prejuízo da igualdade que deva existir24.

Para que isto ocorra é preciso, no entanto, que os homens tenham conhecimento a fim de que não sejam iludidos ou ludibriados e isto pressupõe que eles sejam formalmente iguais, bem como tenham recebido educação que os capacite para as tomadas de decisões, por isso pode-se afirmar que o princípio da igualdade é um princípio da própria democracia.

A cidadania expressa-se pelo voto, pela escolha que fazem os cidadãos, ou seja, é des-tes a responsabilidade de manter a democracia participativa.

Não é possível um Estado democrático onde as minorias não são ouvidas ou não tenham seus direitos e interesses respeitados, porque isto fere os direitos fundamentais do homem. É, portanto, inaceitável em uma democracia, as desigualdades, porém, faz-se necessário seu reconhecimento para que haja o combate efetivo, bem como para que se elimine toda e qualquer forma de discriminação.

Para que todos exerçam de forma responsá-vel a cidadania é imperioso que a eles seja dado o conhecimento, a cultura, pois a falta disto pode levar a engano. Faz-se necessário ainda, para que a democracia seja mantida e que seus elementos fundantes estejam sempre presentes.

Como já dito um dos elementos fundantes é a dignidade da pessoa humana, por isso cabe indagar se no Estado Democrático pode haver a exclusão social, em outras palavras, a exclusão ferindo a dignidade da pessoa humana também não feriria a própria democracia, à cidadania ou existem níveis de exclusão que podem ser tolerados?

6 A pobreza e os direitos humanos

Com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, uma nova concepção destes direitos foi introduzida, a saber, a caracterização dos Direitos Humanos pela universalidade e in-divisibilidade. Vale dizer, os Direitos Humanos são universais e indivisíveis. Flávia Piovesan elucida25:

Universalidade porque clama pela extensão universal dos direitos humanos, sob a crença de que a pessoa é o requisito único para a titularida-de de direitos, considerando o ser humano como um ser essencialmente moral, dotado de unici-dade existencial e dignidade. Indivisibilidade porque a garantia dos direitos cíveis e políticos é condição para a observância dos direitos sociais, econômicos e culturais e vice-versa. Quando um deles é violado, os demais também o são.

Tratando especificamente dos Direitos Sociais, que têm pertinência com o objetivo deste trabalho é importante mencionar que estes

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BALSAN, F. L.

surgem após a Primeira Grande Guerra e têm como base a igualdade e o reclamo por direitos que visam a supressão de carências e a proteção da dignidade humana. Para tanto, é preciso que o Estado atue de forma a criar condições materiais de existência digna aos seus cidadãos, sem o qual é impossível o exercício da cidadania.

Em outras palavras, os cidadãos têm o direito político de receber do governo padrões mínimos para seu bem estar, como renda, alimen-tação, habitação, saúde e educação. Este modelo institucionalizou os Direitos Sociais, pois colo-cou o cidadão na posição de credor em relação ao bem-estar social, proporcionando caminhos para o exercício dos direitos individuais.

Importante lembrar que para a efetivação dos direitos sociais não basta somente a atuação do Estado, é preciso que haja um engajamento de toda a sociedade em prol da integração social, da solidariedade e da igualdade, bem como da distribuição de renda.

Falar em Direitos Econômicos e Sociais implica em afirmar a obrigação de proteger os grupos vulneráveis, de incluí-los na sociedade, primando pela igualdade e pela dignidade dos indivíduos que compõem estes grupos.

O Comitê sobre Direitos Econômicos, So-ciais e Culturais, reconheceu em 2001 que a po-breza constitui violação dos Direitos Humanos. Sendo assim, não se deve admitir que um Estado Democrático viole direitos tão fundamentais, em outras palavras, uma democracia deve olhar por todos os seus cidadãos e combater a pobreza para que não fira os direitos de todos os seres humanos, sem distinção.

Os Direitos Humanos são exigíveis, afinal a exigibilidade é que representa a existência prática destes, e isto se dá também através da judicialização, ou seja, a exigência dos direitos feita através do Poder Judiciário.

Jayme Benvenuto Lima Jr. defende uma atenção especial aos direitos econômicos , para que os Direitos Humanos possam ser realizados, uma vez que há um “descompasso em relação às possibilidades de validação dos direitos humanos civis e políticos.”26.

Considerando a pobreza como uma viola-ção dos Direitos Humanos, faz-se necessário que, não somente sejam criados programas, mas, que estes trabalhem com metas e prazos para o seu alcance. É imperioso que se busque a distribuição de riquezas e a ampliação das oportunidades com igualdade.

Fica evidente que a pobreza constitui violação aos Direitos Humanos e que políticas públicas devem ser implementadas com o fito de erradicá-la, garantindo a todos os cidadãos igualdade de oportunidades, de participação so-cial, bem como a distribuição de rendas, sempre visando a emancipação do ser humano.

6 Bolsa Família

Até agora defendemos a criação de ações afirmativas que combatam à pobreza, à margi-nalização e proporcionem aos indivíduos o gozo dos direitos inerentes à soberania. Fizemos uma retrospectiva de alguns programas que tinham esta finalidade.

Cabe destacar que a Constituição brasi-leira, em seu art. 3º, inciso III, estabelece como objetivo fundamental da República a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais. Importante então destacar o programa estabelecido pelo Governo Federal, chamado de Bolsa Família que, embora seja um programa de transferência de renda, tenta promover o acesso à educação e à saúde e, desta forma, conseguir a inclusão na sociedade de famílias economicamente carentes.

O Bolsa Família unificou outros progra-mas de transferência de renda já existentes, o que reduz o desperdício de recursos. Para ser beneficiado por este programa é necessário uma contraprestação por parte do cidadão, ou seja, para receber a ajuda financeira, as famílias de-vem cumprir com determinados requisitos como a manutenção de crianças na escola.

A cada ano o governo investe mais neste programa e, consequentemente mais famílias são beneficiadas. No ano de 2003 foram investidos 3, 4 bilhões de reais e 3,6 milhões de famílias

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foram beneficiadas, já no ano de 2005, os re-cursos praticamente dobraram, ou seja, foram investidos 6,5 bilhões de reais e o número de famílias atendidas foi de 8,7 milhões.

Este programa vem obtendo êxitos signifi-cativos, que são reconhecidos, inclusive, inter-nacionalmente. O relatório de acompanhamento do desenvolvimento do Brasil nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, de agosto de 2007, afirma que houve uma diminuição da extrema po-breza em ritmo duas vezes maior que a pobreza.

Silva e Silva comenta o Bolsa Família, a saber27:

A transferência monetária concedida pelo Bolsa Família é associada ao desenvol-vimento de outras ações como alfabeti-zação, capacitação profissional, apoio à agricultura familiar, geração de ocupação e renda e micro-crédito, acesso a educa-ção e a serviços de saúde para os filhos. É atribuída relevância ao que denomina contrapartidas ou condicionalidades a serem cumpridas por parte das famílias beneficiárias, destacando-se a manuten-ção de filhos em idade escolar na escola; freqüência regular de 0 a 6 anos de idade aos postos de saúde, com a manutenção do cartão de vacinas atualizado; freqüência de mulheres gestantes aos exames de rotina; retorno de adultos analfabetos à escola, além da participação de todas as famílias em ações de educação alimentar quando oferecidas pelo Governo.

Não resta dúvidas quanto à importância deste programa para a inclusão das famílias carentes na sociedade, porém, cabe destacar que esta importância não diz respeito ao valor recebido por elas, mas sim às condicionantes do benefício. A transferência de renda nada mais é do que uma tutela de emergência, que visa com-bater a fome, mas somente isto não proporciona a inclusão, ao contrário, pode até promover a exclusão à medida que estas famílias podem ser discriminadas pelo recebimento do benefício.

Por sua vez, as condicionantes importam na realização do direito à educação e à saúde, di-reitos estes fundamentais para o exercício da ci-

dadania e para a inclusão política. Muito embora exista este aspecto positivo, para que os objetivos de erradicação da pobreza e da marginalização sejam efetivados, é necessário ações afirmati-vas que melhorem o ensino nas redes públicas de forma que o aprendizado realmente prepare para o trabalho, desenvolva as capacidades dos indivíduos e os transforme em cidadãos aptos a exigir seus direitos. Sem isso, toda a intenção deste programa resta comprometida.

Considerações finais

Ante ao todo estudado, verifica-se que, embora não haja um consenso quanto à concei-tuação da pobreza, esta não pode estar somente relacionada com a ausência de renda, mas tam-bém com a falta de educação e capacitação para a atuação na sociedade, com a capacidade de autodeterminação dos cidadãos e com o pleno exercício dos direitos inerentes à cidadania.

É inconteste que a pobreza afeta sobrema-neira os Direitos Humanos e via de conseqüência o próprio Estado Democrático de Direito. Desta forma, não existem e nem podem existir limites toleráveis ou aceitáveis de pobreza e marginali-zação, por isso é necessário que a cada dia mais sejam implementadas políticas públicas que busquem a eliminação desta situação, com vistas a promover a igualdade social e a inclusão das pessoas pobres e indigentes na sociedade.

Referidas políticas devem contar com a participação social, dado que não se pode atri-buir somente ao Governo a responsabilidade no combate à pobreza e marginalização, antes é imperioso que a sociedade civil enxergue as pessoas pobres como cidadãos, como iguais e que lutem para que esta situação seja findada.

O combate à pobreza exige que as políticas públicas sejam multifacetárias, e que não se res-trinjam à mera transferência de renda, sob pena de ferir a dignidade da pessoa humana. É preciso que os recursos sejam investidos principalmente em educação, educação esta que deve propor-cionar a capacitação profissional e o exercício da cidadania.

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Se no Estado Democrático a soberania pertence ao povo, este deve estar preparado para fazer escolhas, para se autodeterminar, para exi-gir o cumprimento de seus direitos e para cumprir com seus deveres.

Além de investimento na educação faz-se necessário investimento em saúde, habitação, geração de empregos e rendas, sem isso não será possível cumprir com o objetivo constitucional.

Notas

2 YAZBEK, Maria Carmelita. A pobreza e as formas histó-ricas de seu enfrentamento. Revista de Políticas Públicas. São Luís, v.9, n.1, p. 217-227, jan./jun. 2005, p. 222.

3 GRACIANO, Maria Inês Gândara; WADA, Neli Maria Paschoarelli. Pobreza: conceitos e indicadores sociais. Serviço Social e Realidade. Franca. v. 2, 14-18, 1993, p. 28.

4 Idem, p. 295 NOGUEIRA, Maria Veralucia Leite. Uma representação

conceitual da pobreza. Serviço Social e Sociedade. São Paulo, n. 36, p. 101-113, ago. 1991, p. 110.

6 SILVA E SILVA, Maria Ozanira. Os programas de trans-ferência de renda e a pobreza no Brasil: superação ou regulação?. Revista de Políticas Públicas. v.9, n.1, p. 251-278, jan./jun. 2005, p. 253

7 CARNEIRO, Carla Bronzo Ladeira. Concepções sobre pobreza e alguns desafios para a intervenção social. Serviço Social & Sociedade. São Paulo, n. 84, p. 66-90, nov. 2005, p. 68.

8 Idem, p. 719 PNDU, 2000, p. 20.10 MÜLLER, Friedrich. Que grau de exclusão social ainda

pode ser tolerado por um sistema democrático?. Direitos Humanos, Globalização Econômica e Integração Regio-nal: desafios do Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 568-596, p.572.

11 Idem, p. 574.12 Dados obtidos no site: < http://www.brasilescola.com/

geografia/estrutura-populacao-brasileira.htm>. 13 Dados obtidos no site: < http://www.brasilescola.com/

geografia/estrutura-populacao-brasileira.htm>. 14 Ob. cit. p. 578.15 Ob. cit. p. 242.16 CAMPOS, André. O enfrentamento da pobreza brasileira

nos anos recentes. Revista de Políticas Públicas. V. 9, p. 229-249, jan./jun. 2005, p. 242.

17 CEPAL, 2005, p. 34.18 VAZ, José Pascoal. Desigualdade social e pobreza no

Brasil, 1940-2000. Leopoldanum – Revista de Estudos e Comunicação da Universidade Católica de Santos. Santos, n. 75, p. 17-31, dez. 2001, p. 20.

19 http://www.pnud.org.br/pobreza_desigualdade/reporta-gens/index.php?id01=2823&lay=pde.

20 Ob. cit. p. 224.21 Ob. cit. p. 260.22 Ob. cit. p. 567.23 REALE, Miguel. O Estado Democrático de Direito e

os Conflitos de Ideologias. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 1999, p. 02.

24 Idem, p. 03.25 Ob. cit. p. 114.26 LIMA JR. Jayme Benvenuto. O caráter expansivo dos

direitos humanos na afirmação de sua indivisibilidade e exigibilidade. Direitos Humanos, Globalização Econômica e Integração Regional: desafios do Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 659.

27 Ob. cit. p.270.

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