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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA
Graduação em História
Luciano Leal da Costa Lima
O TERREIRO SAMBURUCU E A ORIGEM DOS CULTOS AFRO-BRASILEIROS EM PORTO VELHO
PORTO VELHO
2011
Luciano Leal da Costa Lima
O TERREIRO SAMBURUCU E A ORIGEM DOS CULTOS AFRO-BRASILEIROS EM PORTO VELHO
Monografia apresentada Curso de História da Fundação Universidade Federal de Rondônia – UNIR, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em História. Orientador: Dr. Dante Ribeiro da Fonseca
Porto Velho
2011
Luciano Leal da Costa Lima
O TERREIRO SAMBURUCU E A ORIGEM DOS CULTOS AFRO-BRASILEIROS EM PORTO VELHO
Monografia apresentada Curso de História da Fundação Universidade Federal de Rondônia – UNIR, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em História.
_________________________________________ Dante Ribeiro da Fonseca (Orientador) – UNIR
__________________________________________ Catherine Bárbara Kempf – UNIR
__________________________________________ Marcelo Sabino - UNIR
Porto Velho, 03 de abri l de 2012.
Ao meu filho (in memorian), eternas saudades!
AGRADECIMENTOS
A todos os que contribuíram para a realização e elaboraçã o desse
trabalho, f ica aqui expressa a minha satisfação e gratidão,
especialmente:
Ao professor Dante Ribeiro da Fonseca, pelas incansáveis horas
de dedicação e incentivo, além de propiciar aprendizado e apoio em
todos os momentos necessários e à sua esposa Zélia Fonseca pela
receptividade e comodidade.
Ao professor Marcelo Sabino pelo acompanhamento de nosso
trabalho e pela sua participação na minha formação teórica.
À Professora Catherine bárbara Kempf pelas considerações e
incentivo.
Aos meus colegas de Classe, em especial a Nábila Raiana Magno
Pimentel, Sidnei Bruno da Silva e Débora Évelin Ferreira Monteiro, pela
rica troca de conhecimentos e experiências.
A toda comunidade rel igiosa dos terreiros pelas longas horas
dedicadas em responder perguntas e indagações, em especial ao
Senhor Hilton da Veiga Monteiro e dona Maria Edite do Nascimento,
peças fundamentais para a elaboração desse trabalho.
A todos que, de alguma forma, contribuíram para essa
construção.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Dona Esperança Rita... ...... ..... ....... ........ ........ .... ........ . 21
Figura 2 - Alojamento dos Trabalhadores da Ferrovia (RO)................................ 22
Figura 3 – Avenida Presidente Dutra (RO)......... ......... .... ............ .. 23
Figura 4 – Dona Chica Macaxeira........ ............ ........ ........ ............ 33
Figura 5 – Terreiro de São Benedito – Década de 1940.... ............ . 33
Figura 6 - Visão Panorâmica aonde foi o Terreiro Samburucu........ 41
Figura 7 – Tambozeiros do Terreiro de São Benedito ...... ............ .. 45
Figura 8 – Manoel Alves Feitosa....... . ............ ........ ........ ............ .. 45
Figura 9 - Dona Maria Edite do Nascimento ............... .... ............ ... 48
Figura 10 – Part icipantes do Terreiro na década de 1960 ............ .. 50
Figura 11 – Meninas criadas por Dona Chica Macaxeira ... ............ . 70
LISTA DE GRÁFICOS E MAPAS
Gráfico: Pacto colonial .... ........ ........ ... ............ ........ ........ ............ .. 13
Mapa: Divisão polít ica do Brasil no século XVIII. ..... ... ..... ............ ... 17
SUMÁRIO
1. Introdução....... ...... ...... ........ ........ ............ ........ . ....... ..... ....... ... 1
2. O ciclo da borracha e os processos de ocupação do espaço
urbano em Porto Velho: a presença de afrodescendentes e de
suas práticas religiosas..... ......... .... ............ ........ ........ ............ ...
12
3. O tambor de mina e os terreiros de Porto Velho..... . ........... ..... 34
4. O Surgimento do Terreiro São Benedito, a ascensão de Dona
Chica Macaxeira e as práticas inovadoras nos rituais. . ............ ...
40
5. Mitos construídos em torno da figura de Chica Macaxeira ...... 59
6. Considerações finais.. ........ ......... ............ ........ ........ ............ ... 67
Fontes consultadas............. ........ ... ............ . ....... ........ ........... . .... 72
1
1. Introdução
Desde início do século XX já se constata em Porto Velho, através
de relatos orais de antigos moradores e de um número restrito de
fontes secundárias, a criação do primeiro terrei ro de macumba1
denominado de Santa Bárbara, situado no bairro do Mocambo e
liderado por uma mãe de santo conhecida por D. Esperança Rita. Tal
terreiro foi e ainda é, na memória de antigos moradores, um marco
inicial para a af irmação do sincretismo rel igioso que se propagará pela
cidade nas décadas posteriores àquele século, part icularmente após os
anos de 1970.
Entre essa primeira manifestação da religiosidade afro -brasi leira
e a atualidade, a cidade cresceu e vários terreiros foram surgindo. Em
determinados momentos foi acentuado o quadro de perseguições,
prisões, fechamento e várias outras formas de intervenções
intimidatórias contra esse tipo de manifestação religiosa. Esses
momentos marcaram a trajetória de dir igentes como Pai Hilton e Pai
Celso que fundaram o Terreiro São Sebastião em 1964, no Bairro Mato
Grosso, além de outros frequentadores e simpatizantes dos cultos afro -
brasi leiros nessas paragens Amazônicas. Consultando outros
pesquisadores, vemos que a lembrança desses momentos não foram
exclusivas dos crentes de Porto Velho. Conforme declara Oro:
Como sabemos, as rel igiões afro -brasileiras possuem um passado feito de est igmatizações, preconceitos, e até mesmo de repressões, rel igiosas e pol ic iais. Ora, este passado não foi apagado da memória cole t iva dos adeptos destas relig iões; até certo ponto ele se mantém
1Segundo o d ic ionár io Houaiss: Macumba s.f . 1 MUS ant igo ins trumento de
percussão de or igem afr icana, que era outrora usado em terrei ros de cultos af ro -bras i le iros 2 RELA designação genér ica dos cul tos af ro -bras i lei ros or iginár ios do nagô e que receberam inf luênc ias de outras rel ig iões af r icanas, e tb. ameríndias, cató l icas, espír i tas e ocul t is t as 3 RELB o r i tual ce lebrado nesses cul tos 4 p.ext. des ignação le iga dos cultos af ro -bras i le iros em geral (e seus r i tuais respect ivos) 5 f req. RELB des ignação le iga desses cul tos quando supostamente prat icam a magia negra 6 p.met . RELB oferenda a Exu, esp. nas encruzi lhadas; despacho 7 p.ext . em sent ido lato, magia negra, fe i t içar ia; fe it iço, despacho 8 em terre iros do Nordeste do Bras i l , excremento 9 ousadia, audác ia * ETIM or ig. contrv. * SIN/VAR ver s inonímia de fe i t iço.
2
até hoje e, por certo, contr ibuiu para a formação do atual ethos dos seus membros. (2005, p .13).
O título dessa monografia “O Terreiro Samburucu e a origem dos
cultos afro-brasi leiros em Porto Velho” surgiu quando realizava um
levantamento do perf i l dos terreiros de candomblé, umbanda e outras
formas de expressões dos cultos afro -brasi leiros. A pesquisa visava o
mapeamento de todos os terreiros existentes em Porto Velho. Com
base nela, seria confeccionado um catálogo, contendo todos os dados
dos referidos terreiros, com o intuito de documentar e orientar os
praticantes, simpatizantes e estudiosos com um guia detalhado
contendo informações pert inentes a cada um deles. Durante a
pesquisa, a menção de Dona Chica Macaxeira foi recorrente, sendo na
maioria das vezes mais mencionada do que D. Esperança Rita , l íder
rel igiosa mais conhecida no meio acadêmico .
Embora na literatura produzida a respeito do assunto a f igura de
Chica Macaxeira f ique bastante obscurecida, ante o destaque dado à
dona Esperança Rita, a constante recorrência ao seu nome na memória
dos depoentes é sintomática. É uma evidência clara que Dona Chica
Macaxeira foi uma mãe de santo que inf luenciou a formação rel igiosa
de matriz africana da cidade de Porto Velho. Seu legado permanece
vivo até os nossos dias. Assim, levantar informações acerca dessa mãe
de santo, de sua vida e part icipação na fundação do terreiro de São
Benedito é os caminhos que essa pesquisa ousa trafegar.
1.1 Delimitação do problema
Dona Chica Macaxeira é uma das principais f iguras que ajudam
no processo de fundação do terreiro conhecido como Santa Bárbara.
Posteriormente, vai assumir as funções de zeladora no Terreiro de São
Benedito, à época localizado no cruzamento da Rua Abunã com
Marechal Deodoro. Apesar da grande inf luência exercida por Dona
Esperança Rita durante as décadas de 1920 a 1950, a f igura de Dona
Chica Macaxeira se sobressai. Dona Chica recebe destaque por manter
3
no terreiro Samburucu uma ritualíst ica bem elaborada e heterogênea,
merecendo destaque o Culto da Ayahuasca e a forte devoção a o santo
católico São Benedito, não encontrados no Terreiro de Santa Bárbara.
Destacam-se, ainda, os diversos mitos, construídos em torno dessa
mulher. Esses mitos vão desde as invasões do terreiro, marcadas por
acontecimentos e, assim registradas no imaginário da cidade,
intervenções sobrenaturais ou a proteção a um ente querido por meio
de feit iço2. Outro fato que marcou fortemente sua vida foi a história de
sua morte e ressurreição, retratada em várias entrevistas e
depoimentos orais. Por essas e uma série de outras razões , a vida de
D. Chica Macaxeira, sua trajetória rel igiosa, tornou-a f igura de
destaque na cidade de Porto Velho.
Além de perceber que todos esses elementos requerem exames
detalhados e cuidadosos, essa monografia se preocupa em analisar a
história do Terreiro Samburucu e a origem dos cultos afro-brasileiros
em Porto Velho, abordando suscintamente esses mitos construídos em
torno de Chica Macaxeira. Partindo desse pressuposto, diversas
perguntas surgem: Como são interpretadas as práticas ritualíst icas
difundidas pelo terreiro? Como é interpretada a história de seus feitos
espirituais pelos adeptos dessa matriz religiosa que presenciaram os
fatos narrados nos depoimentos?
1.2 Justificativa
2 O d ic ionár io Houaiss apresenta uma completa def in ição de fe i t iço: adj. (sXV) 1
não natural ; ar t i f ic ia l <pérola f .> 2 não verdadeiro; fa lso, post iço <barbas f .>*s.m. 3 OCT ação ou prát ica própr ia de fe it ice ira ou fei t ice iro; sort i lég io, bruxar ia, enfei t içamento 4 OCT ut i l ização de forças mágicas, com f inal idade div inatór ia ou intenções malfazejas 5 p.met .OCT efe ito dessas ações; bruxedo 6 p.ext.OCT acontec imento ou fenômeno que, por parecer inexpl icável, se imputa às ar tes d iaból icas, potênc ias ocul tas e ent idades sobrenatura is ; bruxedo 7 OCT objeto ou conjunto de i tens us. para o enfe i t içamento de a lguém ou de a lgo; bruxar ia 8 f ig . atração i r res is tíve l; fascinação, encantamento < exerc ia um f. inexpl icável sobre a moça> *virar o f . contra o fei t ice iro f raseol. recair o mal sobre quem o prat icou; voltar-se o fei t iço contra o fe it ice iro *ETIM lat. fac t icìus,a,um 'ar t i f ic ial , não natura l ' *SIN/VAR bruxar ia, bruxedo, coisa-fe ita, despacho, ebó, encantamento, encanto , encomenda, envultamento, fe it içar ia, macumba, magia, malef íc io, mandinga, mandraquice, mi longo, muamba, mundrunga, padê, paje lança, serviço, sort i lég io, trabalho; ver tb. s inonímia de sedução.
4
Poucos estudos foram desenvolvidos acerca da temática da
cultura negra (capoeira, candomblé, congadas) e da prática da
rel igiosidade afro-brasi leira na nossa região. Apesar de esses estudos
serem bastante signif icativos, não abordam em sua magnitude ou nem
promovem discussões mais acentuadas para a inclusão e valorização
das comunidades de terreiro, dado a perpetuação dos valores culturais
l igados ao negro.
Apesar de sua relevância, esses estudos se restringem
exclusivamente à casa de culto conhecida como Santa Bárbara, bem
como acerca da vida de sua principal l íder espir itual, Dona Esperança
Rita3, restringindo, assim, um enorme campo de pesquisa, que há muito
tem sido renegado pelos estudiosos no assunto.
Além disso, percebe-se que em toda a Amazônia vem se gerando
uma série de estudos sobre os afrodescendentes e suas prát icas
rel igiosas, dada a sua importância para a formação e sobrevivência da
região. Part indo desse pressuposto e visando contribuir com essas
pesquisas é que se propõe realizar um estudo de caso em torno da
pessoa de D. Ceci Bit tencourt, mais conhecida como Dona Chica
Macaxeira, e da Casa de Culto por ela dirigida, dada a sua marcante
expressão cultural afro-brasileira.
1.3 Objetivo
Através de seu personagem mais destacado, D. Chica Macaxeira,
buscaremos reconstituir a origem e evolução do Terreiro Samburucu,
procedendo ao levantamento da história desse terreiro intimamente
identif icada com a nossa personagem. Como líder religiosa, D. Chica
Macaxeira combinou elementos de diversos de cultos em seu terreiro
como: tambor de mina, pajelança, a util ização de bebidas como a
3 LIMA af irma que apesar de haver divergênc ia quanto a data de fundação do
terre iro de Santa Bárbara esta ocorreu no ano de 1917. Ainda segundo a pesquisadora, os nomes de Esperança Rita da Si lva e I r ineu dos Santos como os pais fundadores do Recreio de Iemanjá (2003, p. 2) .
5
chicha e da ayahuasca nos rituais. Qual a origem desse sincret ismo? A
resposta será encontrada na vida da líder desse terreiro.
1.4 Referencial metodológico
É importante explicitar o referencial metodológico que d eu
suporte à pesquisa, pois é ele que permitiu travar um diálogo entre a
memória desse passado e a construção empírica da temática proposta.
O referencial está ligado a um tipo de procedimento metodológico que
estabelecemos como principal: história oral. A história oral, def inida por
Thompson é um valioso método de pesquisa para o século XX:
Ela permite acesso à exper iência não documentada - inclusive as vidas de l íderes que ainda não escreveram suas autobiograf ias – e, mais importante, às histór ias ocultas dos marginal izados: trabalhadores, mulheres, indígenas, minor ias étnicas e membros de outros grupos oprimidos, ou excluídos. (2000, p. 51).
Vale salientar que trabalhar com esse referencial metodológico
não é uma tarefa simples. Contudo, nos reportando ainda a Thompson
(1998, p. 146-47), trabalhar com fontes orais signif ica estabelecer o
mesmo rigor com que se trabalha com outras fontes documentais e
signif ica, também, estabelecer relações com outras ciências. De outro
modo, podemos dizer, que o fato de produzir documento a partir da
oral idade não nos dispensa do exercício fundamental na construção do
conhecimento histórico, a crít ica às fontes, ou, a crít ica interna e a
crít ica externa. Assim, cabe-nos registrar que a oral idade tem suas
vantagens e desvantagens, conforme Thompson:
A gravação é um registro muito mais f idedigno e preciso de um encontro do que um registro simplesmente escr ito. Todas as palavras empregadas estão al i exatamente como foram faladas; e a elas se somam pistas sociais, as nuances da incerteza, do humor ou do f ingimento, bem como a textura do dialeto. (. . .) Por continuar sendo sempre exatamente o mesmo, um texto não pode ser def init ivamente refutado; essa a razão por que se queimam livros. Um falante, porém, pode sempre ser imediatamente contestado; e, à diferença do texto
6
escrito, o testemunho falado jamais se repetirá exatamente do mesmo modo. Essa autênt ica ambivalência o aproxima muito mais da condição humana. (. . .) Não obstante, a f ita é um registro muito melhor e mais completo do que jamais se encontrará nas anotações rascunhadas ou no formulár io preenchido pelo mais honesto entrevistador, e menos ainda nas atas of iciais de uma reunião. (1988, p. 146 -7).
A monografia está dividida em quatro capítulos. O primeiro
capítulo trata do processo de colonização da região. Também da opção
dominante pelo extrativismo f lorestal e pela adoção da mão de obra
indígena, formal ou informalmente util izada, assim como d o papel da
escravidão africana na região, enfatizando como se deu o processo de
ocupação colonial dos rios Madeira e Guaporé a partir do século XVII
até a decadência das atividades extrativistas na Amazônia no f inal do
século XIX. A seguir trabalha os elementos históricos acerca do ciclo
da borracha e a mão-de-obra uti l izada para sua extração. A vinda dos
negros de diversas partes do Brasil e os processos de ocupação do
espaço urbano em Porto Velho. Nesse ponto destaca a presença de
afrodescendentes e de suas práticas religiosas. Os rituais nos moldes
africanistas nas imediações da estrada de ferro Madeira -Mamoré e o
surgimento das primeiras casas de cultos afro -brasileiros na região.
O segundo capítulo descreve elementos históricos, antropológicos
e culturais do Tambor de Mina a part ir da sua formação no Maranhão e
dos terreiros de Porto Velho. O surgimento das primeiras casas de
Tambor de Mina no Maranhão e suas principais caracter íst icas; como
esses seguimentos chegam aqui, como se dá a sua elaboração nas
primeiras casas de culto de Porto Velho e quais as entidades que serão
trazidas para a região e sincret izadas com elementos locais.
O terceiro capítulo explora os relatos sobre a vida de Chica
Macaxeira e o surgimento do Terreiro São Benedito . Informações sobre
direção da casa de culto e as práticas inovadoras nos ri tuais do
terreiro. Tais informações foram obtidas através do uso da história oral,
por meio de entrevistas realizadas com moradores adeptos e não
adeptos desse seguimento religioso. Além do registro desses
depoimentos, que contribuem para o resgate de parte da história da
7
rel igiosidade na região. Além das fontes orais, complementares ou
confrontantes com elas uti l izamos fontes escritas primárias , de modo a
estabelecer o diálogo crít ico entre fontes de duas naturezas.
Os principais entrevistados, cujos nomes aparecem no corpo
dessa monografia foram:
1) Entrevista realizada no dia 27/03/2010. Entrevistada Dona
Marlene Souza Monteiro, nascida em 17/10/49, na i lha de
Assunção, margem direita do Rio Madei ra, no município de Porto
Velho/RO. Conhecida como Marlene de Iemanjá, sempre viveu em
Porto Velho. Em seu relato, abordou elementos l igados aos rituais
do terreiro, às vestimentas elaboradas para as festas rituais e
dos mitos construídos em torno da f igura de Dona Chica
Macaxeira. Quando criança freqüentou o terreiro , acompanhando
sua mãe que era costureira de D. Chica . Posteriormente foi
iniciada na Bahia, tornando-se ialorixá do candomblé jeje4, ao
fundar o terreiro localizado na Rua Vanice Barroso, 2701, Bairro
Três Marias, Porto Velho.
2) Entrevista realizada no dia 26/04/2010. Entrevistada Dona Julieta
Óstia de Jesus Ribeiro. Conhecida como Mãe Óstia é líder
espir itual e fundadora do Terreiro conhecido como Centro Espírita
São João Batista. Abordou fatos relacionados à vida de dona
Chica Macaxeira, como o uso de elementos da natureza para a
realização de feit iço, detalhes da morte e da ressurreição da mãe
de santo.
3) Entrevista realizada no dia 08/06/2010. Entrevistado Seu
Raimundo Nonato da Mota, amazonense, casado, aposentado
pelo Ministério da Agricultura, nascido na localidade Pedras
4 Segundo o d ic ionár io Houaiss , a palavra Ia lor ixá s ignif ica: s.f . (sXX) RELB m.q.
mãe de santo ; USO ia lor ixá é termo mais us. no candomblé; ETIMior. iya 'mãe' + olo 'possuidor , dono' + or ixa 'or ixá' ; SIN/VARi ia lor ixá. É o mais al to posto dentro de uma casa de cul to af ro-bras i lei ra, mais conhec ida como Terre iro, que uma mulher exerce. Seu substant ivo mascul ino é Babalor ixá, que segundo o mesmo dic ionár io s ignif ica: s.m. (1938) RELB nos candomblés, xangôs e em alguns centros de umbanda, chefe espir i tual e adminis trador da casa, responsável pelo culto aos or ixás; candomblezeiro; GRAM fem.: ia lor ixá ; ETIMior . babalor ixa ' id. ' ; SIN/VAR babaloxá, babalaxé, pai de santo, pai de terre iro. Esse t í tu lo só é adquir ido após se cumprir todas as suas obr igações durante 21 anos dentro da re l ig ião.
8
Negras no Guaporé no dia 25/01/1925, conhecido como Seu Dico,
f i lho adotivo de dona Esperança Rita.
4) Entrevista realizada no dia 07/05/2010. Entrevistado Seu
Claudionor Ferreira Lima, nascido no dia 19/04/1923, ex-
presidente da associação dos soldados da borracha em Porto
Velho e ex-Guarda Territorial. Suas informações foram relevantes
por ser frequentador do primeiro local de culto nas imediações da
Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, além de fornecer dados dos
locais onde o terreiro pesquisado foi erguido.
5) Entrevista realizada no dia 10/06/2010. Entrevistada Dona Maria
Edite do Nascimento, casada, residente no Bairro Nova Porto
Velho, dona de casa e f i lha adotiva de dona Chica Macaxeira,
forneceu informações detalhadas dos rituais, das entidades
cultuadas, dos usos e costumes do Terreiro Samburucu.
6) Entrevista realizada no dia 10/06/2010. Entrevistado Seu Manoel
Alves Feitosa, solteiro, residente no Bairro Nova Porto Velho, que
exerceu a função de tambozeiro (que tocava os tambores) no
terreiro pesquisado, forneceu canções entoadas no terreiro .
7) Entrevista realizada no dia 20/11/2010. Entrevistado Seu
Sebastião José da Silva, viúvo, aposentado como soldado da
borracha, residente no Bairro JK I. Contribuiu com informações
acerca da existência do Terreiro Samburucu, quando o mesmo
estava edif icado às margens da Sete de Setembro e sua mudança
para a Avenida Abunã.
8) Entrevista realizada no dia 01/05/2010. Entrevistado Seu Hélio
Oliveira, solteiro, cozinheiro, exerce a função de babalorixá no
seu terreiro, localizado no Bairro São Sebastião II, que com
riqueza de detalhes, embora tivesse apenas 11 anos de idade,
narrou diversos acontecimentos que presenciou , embora não
fosse membro do terrei ro pesquisado, mas morava nas
imediações do mesmo.
9) Entrevista realizada no dia 14/01/2010. Hilton da Veiga Monteiro,
casado, nascido 1945 no município de Carero, Estado do
Amazonas, reside em Porto Velho desde o ano de 1964.
9
Considerado o babalorixá mais antigo do candomblé em Porto
Velho, Hilton da Veiga Monteiro é um dos responsáveis pela
difusão das rel igiões de matrizes africanas em quatro estados da
Região Norte: Acre, Amazonas, Rondônia e Roraima. Aos cinco
anos de idade, teve seu primeiro contato com a rel igiosidade afro-
brasi leira, o que se deu em 1950 quando, pela primeira vez,
incorporou uma entidade chamada de Pomba-Gira Rainha das
Sete Encruzilhadas. Mas foi em 1959 que babalorixá Hilton se
aprofundou na religião, quando desenvolveu sua mediunida de
numa casa de Umbanda de Mesa (ou de Cura), de Mãe Jacira, no
Bairro Petropólis, Manaus/AM. Depois frequentou a casa de Mãe
Creuza, conhecida como Dona Boneca, na Rua Cajual, no Bairro:
Santa Luzia. Conheceu as principais personagens do cenário
rel igioso de Porto Velho: Dona Esperança Rita e babalorixá
Albert ino (Terreiro de Santa Bárbara), Dona Chica Macaxeira e
Sr. Luiz Lopes (Terreiro de São Benedito), Mestre Gabriel (Santo
Daime) entre outros. Veio para Porto Velho junto com babalorixá
Celson, com quem iniciou o Terreiro de São Sebastião na Rua
Jaci-Paraná, Bairro Mato Grosso constituindo-se o terceiro
terreiro mais antigo de Porto Velho. Sua primeira casa de
Candomblé foi fundada no ano de 1989 na Rua Percy Holder,
Bairro Cidade do Lobo, terreno obtido por meio de doação, e local
onde o terreiro ainda hoje está plantado e onde reside o
babalorixá e toda sua família.
O quarto capítulo aborda os diversos mitos construídos em torno
da f igura de Chica Macaxeira. Essa f igura construída no imaginário
rel igioso local lhe dar o destaque de uma mulher envolta em mistérios e
detentora de poderes, fazendo com que pudesse transitar entre os
mundos dos vivos e dos mortos. Ressalta-se, também, as diversas
invasões e tentat ivas de remoção do terreiro de seu local, abo rdando-
se acontecimentos considerados como intervenções sobrenaturais , o
uso da magia e a como é interpretada o episódio de sua morte e
ressurreição nas comunidades de terreiro.
10
1.5 Referencial teórico
O referencial teórico aqui adotado está fundamentado nos
conceitos de identidade, nação, sincretismo, longa duração, gênero e
cultura. O termo identidade é tratado a partir das ref lexões de cunho
antropológico definidas por Stuart Hall (2003) e Barth (2000). Esses
autores apresentam suas ref lexões levando em consideração a forma
como o negro se adapta a sua nova terra, criando laços que o vai l igar
e o reportar à África ou regiões originárias como Caribe, Santa Lúcia,
Jamaica, Granada, Barbados, dentre outras localidades percebidos na
escrita de seus nomes, idiomas falados e as próprias condições sociais
em que são submetidos. Esse conceito de Identidade será trabalhado,
também, a partir das histórias de vida dos atores envolvidos na
pesquisa em questão, o que possibi l i tará a discussão de aspectos da
identidade barbadiana na nossa região. Para Parés o termo identidade:
. . .não deve ser encarado como um conglomerado de sinais diacrít icos f ixos (origem, parentesco biológico, l íngua, rel igião etc.), mas um processo histór ico, dinâmico, em que esses sinais seriam selecionados e (re) elaborados em relação de contraste com o outro. (2006, p. 15)
Vale ressaltar aqui que a ut i l ização do termo genérico
barbadiano, segundo Ferreira (2005) e Souza (1980), era aplicada a
todos os trabalhadores de cor negra oriundos dos ma is diversos países
do Caribe que para vieram.
O termo sincret ismo será trabalhado a partir das ref lexões
proposta por Ferret i (1995), que apresenta quatro situações
hipotéticas: 1) Separação ou não sincret ismo – aqui se analisa esse
termo a partir da ideia de que o sincretismo é visto como antagônico,
ou oposto a uma determinada situação anterior, de pureza ; 2) Mistura,
junção ou fusão – seus sentidos e definições apresentadas dão sentido
diversif icado e muitos se aproximam entre si ; 3) paralelismo ou
justaposição – denotando para o sentido de correspondência ou
semelhança com outras rel igiões; 4) convergência ou adaptação–
11
mecanismo de estratégia para a sobrevivência em meio a outros,
mantendo seus valores espirituais e a adoração as suas divindades .
Dentro dessas ref lexões propostas por meio dessas quatro situações ,
conclui-se que existe uma crescente e gradativa diferença dos diversos
tipos de sincret ismos, que irão depender das circunstâncias, regiões,
modos de vida, etc. Essas nuances são percebidas a pa rt ir do momento
em que os negros que para cá vieram e, assim, t iveram que adaptar
seus costumes e crenças religiosas aos modos de vida da região.
Quanto à aplicabilidade do termo longa duração de Fernand
Braudel (1949), levar-se-á em consideração, principalmente, os
movimentos lentos pelos quais as mudanças acontecem nas práticas
rel igiosas e a part ir da combinação de elementos que esses negros já
traziam consigo. Essa forma de combinar elementos religiosos é uma
prática bastante comum entre os africanos desde muito antes do início
da escravidão moderna.
Os termos gênero e cultura serão trabalhados a partir das
conclusões de Scott (1988), Chartier (1993) e Thompson (1987). Em
Scott será abordada a noção de gênero como uma das principais bases
para a construção de uma cultura ideológica acerca dos papéis entre
homens e mulheres e como são tratadas essas questões dentro da
rel igiosidade afro-brasi leira em Porto Velho:
O gênero como elemento const itut ivo das relações sociais, baseado nas diferenças perceptíve is entre os sexos e o gênero como forma básica e representar relações de poder em que as representações dominantes são apresentadas como naturais e inquest ionáveis. (1987, p. 106).
Assim, conclui-se em Chartier que a construção dessa cultura
ideológica dos papéis possibi l ita a criação do gênero como uma
construção cultural. Para Thompson esses papéis tidos como informais,
irão construir e reconstruir a experiência entre homens e mulheres na
elaboração de sua própria história.
12
2 O ciclo da borracha e os processos de ocupação do espaço
urbano em Porto Velho: a presença de afrodescendentes e de suas
práticas religiosas
Há uma diversidade de registros históricos que nos permitem
concluir que já nos primórdios da colonização da América do Sul os
europeus tentaram a ocupação colonial da região amazônica. O
primeiro desses é datado de 1499 ou 1500, quando Vicente Pinzon, que
empreendia expedição pelas novas terras passou pela foz do rio
Amazonas. É nessa expedição que o rio Amazonas vai receber de
Pinzon o nome de Mar Dulce, em razão do grande volume de água que
esse grande rio despeja no Oceano Atlântico. Já nesse momento
registra-se também o início dos conflitos interétnicos ao norte do
continente, os espanhóis da expedição de Pinzon travaram combate
com grupos potiguaras . A expedição navegou até a região das Guianas,
chegando ao Mar do Caribe. Outro registro é o da expedição
portuguesa de João Coelho, datada de 1502 ou 1503 que, ao part ir da
região do atual Pernambuco, atinge o Cabo Norte da região do Amapá.
Em 1513, portugueses navegaram pelo litoral das guianas e
encontraram um número considerável de espanhóis que também
seguiam para o rio Amazonas. Já no ano de 1530 -32, encontra-se
registro de que Pero Lopes de Souza, ao realizar viagem exploradora
pela costa do Brasil, encontrou contingente de embarcações
espanholas que se dir igiam para a foz do rio Amazonas, chamado por
esse explorador de Maranhon . A expedição espanhola recebe do
explorador português um ultimato para que retornassem, pois aquele
rio pertencia ao rei de Portugal. Em 1538, Diogo Nunes desce o rio
Amazonas, part indo da região do atual Peru em companhia de
comerciantes espanhóis. Digo Nunes ao perceber o grande montante
de recursos na região, solicita ao rei autorização para colonizar o rio
Amazonas.
Somente em 1540 e 1542, é que se tem noticia de uma expedição
que irá navegar o rio Amazonas em toda a sua extensão. Comandada
por Francisco de Orellana, a expedição espanhola partiu dos Andes,
13
tendo entre seus integrantes o cronista frei Gaspar de Carvajal. Em
1560 e 1561 Pedro de Ursúa tentou percorrer o mesmo caminho. No
decorrer da expedição é assassinado por Lope de Aguirre que, após
perder-se pelo emaranhado de rios e igarapés da região, chega a
desembocadura daquele rio nas proximidades da i l ha de Trindade, em
pleno l itoral venezuelano.
Apesar de todos esses contatos, as primeiras tentativas de
ocupação de fato da região se dão com a criação das Capitanias
Hereditárias pelo rei de Portugal . Consist ia essa tentat iva na polít ica
real de doar capitanias, grandes faixas de terra transversais à atual
costa brasi leira, a homens que possuíssem cabedais suficientes para
explorá-las. O extremo norte também foi objeto de doação de uma
capitania. Contudo, seja pela distância, seja pelo contato conflituoso
com os nativos ou pelo esgotamento dos capitais essa , e quase todas
as demais capitanias, não prosperaram. Com a União Ibérica (1580-
1640) algumas capitanias reais, pertencentes a Portugal, foram
instaladas na região, como são os casos das capitanias do G urupá e
Grão-Pará. É durante esse período que ocorre a segunda tentativa de
estabelecimento de uma colônia francesa em território português, a
França Antárt ica ou França Equinocial, no atual estado do Maranhão.
Em 1615 é enviada uma expedição portuguesa para expulsar os
franceses do Maranhão e, dessa expedição, foram destacados alguns
navios para estabelecer a soberania portuguesa no extremo norte. É
fundado então o Forte do Presépio (1616), onde hoje se situa a cidade
de Belém do Pará, para expulsar os est rangeiros que já haviam
estabelecido entrepostos de comércio com os índios na bacia f luvial do
rio Amazonas.
Portugal encontra dif iculdades em adotar um modelo de
colonização para as novas terras, devido a grande extensão territorial
da região. Essas dif iculdades aparecem em razão de diversos
problemas que enfrentava, graças a duas característ icas principais:
não havia excedente demográfico na metrópole suficiente para ocupar
a nova colônia, além de ter que dar conta da expansão territorial
iniciada a parti r do século XVI. A estratégia encontrada pela coroa
14
portuguesa consist iu então em conquistar o território e, ao mesmo
tempo, inserir arbitrariamente o nativo ao processo de colonização.
Mas, na região amazônica enfrenta outro problema: o baixo grau de
capital ização das atividades extrativistas torna reduzida a possibil idade
de util ização da mão de obra escrava na região, restando como escape
a util ização do indígena, em geral escravizado.
Além desses problemas, Portugal t inha que integrar o Brasil ao
circuito comercial europeu garantindo, à coroa, o domínio das riquezas
da colônia pela burguesia mercantil lusitana. Assim, tornava -se
indispensável à produção de um arranjo monopolíst ico nos moldes do
mercanti l ismo. O Pacto Colonial abrigava essas necessidades, pois
garantia a apropriação metropolitana das riquezas produzidas na
colônia.
Gráfico: Pacto colonial
Fonte: Dante Ribeiro da Fonseca, 2012.
Para atender as necessidades econômicas da metrópole
portuguesa, o Brasil vai desenvolver no seu l itoral uma monocultura de
exploração baseada no trabalho escravo africano e na Amazônia irá se
desencadear a coleta das drogas do sertão como substitutas das
especiarias asiát icas, cujos mercados fornecedores os portugueses
vinham perdendo. A estratégia de uti l ização da mão-de-obra nas duas
15
atividades econômicas irá atender as exigências locais. A uti l ização do
escravo africano só irá acontecer onde à mão-de-obra indígena for rara
ou quando a produção gerasse melhores possibi l idades econômicas.
Note-se, além disso, que era o indígena mais apropriado ao
extrat ivismo amazônico, pois dominava o conhecimento técnico -
ambiental.
O processo de ocupação colonial dos rios Madeira e Guaporé,
tem início no século XVII , conforme os primeiros registros de luso -
brasi leiros e espanhóis que percorreram esses rios. Lima (1993, p. 5),
relata que esses contatos são intensif icados através das bandeiras
f luviais paraenses que, partindo de Santa Maria de Belém do Pará,
instalada pelos portugueses na foz do rio Amazonas, em 1616, subiam
estes rios e seus af luentes em expedições exploradoras e
colonizadoras. Além dos portugueses e espanhóis, ao longo do tempo,
outros grupos de estrangeiros se aglomeraram na região dos Vales
Guaporé, Mamoré e Madeira: judeus, árabes, gregos e negros,
formando uma grande massa populacional que se instala às margens
desses vales durante o século XVIII , em razão da descoberta do ouro
no rio Guaporé. Essas paragens foram também tratadas como uma
espécie de prisão em plena selva amazônica, onde aqueles que eram
considerados desclassif icados no restante da colônia, como: brancos
endividados e até criminosos de várias regiões, irão compor a elite dos
colonizadores, com exceção dos cargos de primeiro escalão da
administração pública e os que exerciam funções clericais, ma s que
exerciam cargos da sociedade e do poder locais.
No rio Madeira, durante o século XVIII, a principal atividade era o
extrat ivismo nômade das drogas do sertão. Ao f inal desse século a
região entre os rios Madeira e Guaporé entra em um período de
estagnação em razão Tda decadência da produção aurífera guaporeana
e do extrat ivismo f lorestal no Madeira.
O território que hoje ocupa o estado de Rondônia foi, outrora,
pertencente às capitanias do Mato Grosso e de São José do Rio Negro,
atual Amazonas, capitania secundária em relação ao Grão-Pará. O rio
Guaporé, embora tenha sua nascente no Mato Grosso, corre para a
16
bacia amazônica e sua parte rondoniense também presenciou a
escravidão resultante do surto minerador do século XVIII, inclusive com
a formação de quilombos. Teixeira, Fonseca & Moratto (2009, p. 09),
defendem que o sistema de ocupação e colonização adotado pelos
portugueses no Guaporé foi baseado na mineração, escravidão e
ocupação militar das fronteiras. A pesquisa mineradora encontrou ouro
e pedras preciosas no Mato Grosso. Como em geral ocorreu no Brasil ,
a mineração ocupou mais a mão de obra escrava africana que a mão de
obra indígena. Contudo, na Amazônia , a economia baseada na coleta
das drogas do sertão teve como melhor opção de escravização a m ão
de obra indígena. É importante ressaltar que, do ponto de vista da
ocupação mil itar das fronteiras o Estado Português desenvolveu uma
ideologia de segurança cuja estratégia servia tanto às capitanias do
extremo norte como do extremo oeste.
A conjuntura polít ica e econômica da Amazônia de meados do
século XVIII está l igada as reformas propostas por Pombal que propõe
uma série de medidas que desencadearão uma melhor inserção da
Amazônia nos quadros do colonial ismo português. Isso irá afetar
também a região do Madeira-Guaporé, fazendo com que o centro
minerador seja deslocado para a região do rio Guaporé. Esse
deslocamento além de melhorar esse ramo de exploração, irá colaborar
para que o terri tório tenha uma melhor defesa das investidas
espanholas. Para garantir a submissão às novas fronteiras
portuguesas, criam-se diversas capitanias: em 1748 a capitania do
Mato Grosso e definit ivamente instalada em 1752 com a criação de sua
capital Vila Bela da Santíssima Trindade. Em 1755, cria -se a
Companhia de Comércio do Grão-Pará, extinta no ano de 1778, devido
os investidores perceberem baixa remuneração e a produção mineral
entrar em decadência. Em 1755 é criada a Capitania de São José do
Rio Negro, cuja capital será Barcelos, antiga aldeia missionári a de
Mariuá.
O governo também irá trazer para cá, aqueles que eram
considerados desclassif icados no restante da colônia. Essas paragens
foram tratadas, também, como uma espécie de prisão em plena selva
17
amazônica. Brancos endividados e criminosos irão compor a el ite dos
colonizadores, exceto os cargos de primeiro escalão da administração
pública e dos que exerciam funções clericais. Teixeira & Fonseca
af irmam que:
. . .em Vila Bela e no Vale do Guaporé as dist inções sociais cavavam verdadeiros abismos entre os seguimentos da sociedade, embora sua constituição fosse marcada predominantemente por excluídos sociais (pobres e miseráveis) de diversos pontos da colônia, incluindo-se aí brancos pobres, endividados ou culpados junto à just iça, fora os negros ou mest iços, indígenas e escravos. A polít ica desenvolvida pelos governadores, a part ir de Rolim de Moura, permit ia aos brancos, mamelucos e mestiços de cor mais clara, a reconquista de um status social, que seria impossível de se obter em outras regiões da colônia. (2001, p. 72).
Percebe-se que era dada aos de cor clara essa regalia, que os
faria homens bons e capazes para participarem da vida pública, úteis
ao sistema que os governava e com novo prest igio diante da imensa
maioria negra ou mestiçagem escura.
Mapa: Divisão polít ica do Brasil no século XVIII
Fonte: Edeni lson Morais, 2012
18
Tratando-se da mão de obra escrava, Vergolino & Figueiredo
(1990, p. 52-54, 149) af irmam ser possível se af irmar que os escravos
que vieram para o Grão Pará, eram dedicados exclusivamente à
mineração e destinados às lavouras e aos roçados, para a produção de
farinha, açúcar, construções urbanas, serrarias, olarias, bandas
marciais, porteiros do legislat ivo, nos transportes, etc. Além dessas
atividades, o negro escrav izado vai exercer prof issões como carreteiro,
estaleiro, ferreiro, sapateiro, escultor, torneiro, alfaiate, artesão e até
nos trabalhos pastoris. Destaca também o papel que a mulher exerce
como amassadeiras de açaí ou vendedoras de tacacá. Figueiredo
destaca as fontes de informação das atividades que os negros
exerciam na Amazônia:
Quanto ao elemento afr icano, as notas mais antigas nos são fornecidas pelos naturalistas viajantes, que em seus relatos nos trazem algumas informações sobre os
mesmos. (1976, p. 148).
Outros autores abordam as mais diversas atividades que o negro
desempenhou na sociedade, nesse período. Através da análise dos
textos desses natural istas, apresenta -se o negro inserido na vida
econômica, atuando nas festas e comemorações locais, dizendo
também que essa mão de obra não vai ser encontrada somente na
região de Belém e cercanias, mas espalhados por toda a Amazônia.
Ferreira cita alguns desses viajantes:
Alcides Dessalines D‟Orgigny (1802 -1857), Edward F. Poeppig (1798-1868), Carl Friedr ich Von Mart ius, Johann Von Spix, Johann Natterer (1787-1845) e Richard Spruce são nomes i lustrat ivos das explorações cient íf icas pioneiras nessa parte do Brasi l (Cunha, 1991; Lorch, 2000; Pereira, 2003). (2004, p.70).
Ao f inal do século XVIII as atividades da economia de exportação
baseada no extrativismo na Amazônia se encontravam em plena
decadência, da qual apenas sairá quando do início do surto gumífero,
na segunda metade do século XIX. No Guaporé, nessa época, a
exploração mineral encontrava-se em plena decadência. Em razão
19
disso a el ite social passou a abandonar a região, deixando lá muitos de
seus escravos que irão se constituir, nos séculos seguintes, como as
populações tradicionais da f loresta, passado a viver como homens
livres os seguintes surtos extrativistas da região, in clusive o surto da
borracha.
Vale ressaltar que o processo de colonização e ocupação da
região que irá ser proposto pela coroa portuguesa e que se iniciou no
início do século XVII é o modelo agrícola. Contudo, predominou, em
razão de uma série de característ icas humanas e ecológicas da região
aliadas àquelas de natureza histórica, a opção pelo extrat ivismo que
vai culminar somente a partir do século XIX com o Primeiro Ciclo da
Borracha (1850-1912) e com a construção da Estrada de Ferro
Madeira-Mamoré. A procura pela borracha vai dar a Amazônia o
monopólio do fornecimento do produto para mercados consumidores,
entre a segunda metade do século XIX e o início do século XX, por ser
abundantemente encontrada na região amazônica e ser capaz de
apresentar uma alta produtividade do látex.
A procura pelo látex se deu graças ao desenvolvimento
tecnológico, bem como da Revolução Industrial, que gerava, na Europa,
lucros para todos os empreendedores nesta atividade. Outro fator a se
considerar é a descoberta do processo de vulcanização realizada por
Charles Goodyear em 1839. Tal processo permit iu a aplicabil idade do
produto em larga escala promovendo a expansão da demanda pela
borracha em razão de novos inventos e aplicações como pneumáticos,
mangueiras, isoladores de condutores de energia, capas, botas e todo
tipo de impermeáveis e isolantes.
Para o escoamento do látex no Rio Madeira era preciso criar um
mecanismo capaz de fazê-lo de forma eficiente em razão da existência
de numerosos obstáculos naquele rio . A priori, surge a ideia de
exploração da navegação f luvial, iniciada em 1869, pelo engenheiro
George Earl Church. Embora tenha conseguido a concessão da Bolívia
de criar e explorar a navegação, l igando os rios Mamoré e Madeira,
Church não obteve sucesso. Com o desenrolar das negociações para
propiciar o escoamento do látex, o mesmo Church consegue a
20
permissão do governo brasi leiro para construir uma ferrovia ao longo
do trecho encachoeirado do Rio Madeira. Tanto a exploração da
seringueira quanto a construção da ferrovia provocaram um grande
f luxo migratório para o Rio Madeira, tanto de estrangeiros e
aventureiros em busca de riqueza, quanto de nordestinos que
migravam em razão das dif iculdades provocadas pela seca .
A mão-de-obra util izada nos seringais antes dos anos de 1870
será a indígena, tapuia e cabocla, engrossada pela força de trabalho do
migrante nordestino. Devido a essa migração, a população da província
do Grão-Pará quase duplicou entre os anos de 1850 e 1872. A taxa
média de crescimento anual da cidade de Belém nesse período será de
2,65% ano, fazendo dessa cidade em 1910, o maior núcleo urbano da
região, possuindo quase o dobro da população de Manaus nesse
período. Vale considerar o crescimento demográfico da região a partir
de 1872. Nesse ano, a população da região Norte era de 329 mil
habitantes, crescendo para 695 mil habitantes já no ano de 1900. Em
1920 essa população aumenta para 1.346.673 habitantes, acrescendo -
se aqui os 92.379 habitantes recenseados no Território do Acre, chega -
se a um total de 1.439.052 habitantes. Nesse momento em que a região
acreana é invadida por brasileiros que, também, saem em busca do
látex, a região do Alto Madeira será inicialmente ocupada por
bolivianos que abrem seus seringais. O povoamento por brasileiros se
dará no rio Amazonas no sentido da foz para a nascente. No início do
século XIX poucos núcleos de colonização existiam naquele rio, o mais
importante era Borba, situada próxima à foz. Ao longo do século, várias
localidades serão estabelecidas na bacia daquele rio ou áre a de
inf luência, especif icamente as localizadas no Rio Madeira que são:
Humaitá, Calama, Jumas, Crato e Santo Antonio.
Assim, na segunda metade do século XIX a região entrará
novamente em um f luxo de intensif icação da ação de colonização em
razão da demanda pela borracha, cuja matéria prima, o látex, era
extraído da seringueira, arvore encontrada em grande quantidade na
Amazônia. Embora a borracha pudesse ser fabricada a partir da seiva
de outras árvores, era da seiva da seringueira que se produzia o
21
melhor látex, e a seringueira somente exist ia na Região Amazônica. A
região entre os rios Madeira e Guaporé começa a ser ocupada por
seringais e para transportar a borracha pelo trecho encachoeirado do
rio Madeira é construída a Estrada de Ferro Madeira -Mamoré.
Teixeira, Fonseca e Morato af irmam que “... a presença de
populações negras em Rondônia ref lete três momentos ou seguimentos
dist intos dos processos de povoamento e colonização na região ” (2010,
p. 14-20). O primeiro seguimento de negros escravizados povoou o
Vale do Guaporé a partir do século XVIII, o segundo é composto de
negros barbadianos afro-caribenhos da Estrada de Ferro Madeira -
Mamoré e se deu entre os anos de 1873 e 1912 e o terceiro seguimento
composto por migrantes negros isolados, afrodescendent es oriundos
das diversas regiões brasi leiras, a partir do Ciclo da Borracha
(1870/1945), das minerações de cassiterita, pedras preciosas e ouro
(1950/1990) e para as frentes de colonização agropastoril (1960/1990).
Entre esses barbadianos predominantemente protestantes, estão
inseridos negros que não eram barbadianos e praticantes de outr a
forma de culto, mais próximos das práticas de culto afro -brasi leiras. A
vinda de Dona Esperança Rita, Chica Macaxeira e de outros
nordestinos negros ocorre em um dos momentos da vinda dos
barbadianos e de outros afrodescendentes brasileiros.
Figura 1 Dona Esperança Rita
Fonte: Nábila Raiana, 2010
22
Com o inicio da Construção da Estrada de Ferro aberto o pátio da
ferrovia, marco inicial da cidade, com todos os requisitos d a
modernidade em plena f loresta, iniciando o processo de dualidade
contraditória, ou seja, a Porto Velho da primeira metade do século XX,
não será somente a do espaço privado da ferrovia, como podemos
perceber nas palavras de Fonseca:
O povoamento fora da área do pátio ferroviár io ocorreu de forma desordenada... Dessa forma surgiu o centro e os embriões dos primeiros bairros da cidade, muitos signif icat ivamente denominados Favella e Mocambo, pois os reportam a sua composição social. (2007, p. 139).
Figura 2 Alojamento dos Trabalhadores da Ferrovia - 1910
Foto de Dana Merr i l , 1910.
Grande número de migrantes nordestinos se aloja nessa região,
junto aos barbadianos que para cá vieram em decorrência da oferta de
trabalho na Estrada de Ferro. Em Porto Velho eram chamados de
barbadianos não apenas aos naturais daquela ilha, mas genericamente
a todos os migrantes do Caribe. Alguns desses migrantes barbadianos
praticavam uma ritualística chamada pelos antigos moradores de
mandinga5 e, a part ir deste, é que darão forma e origem aos primeiros
5 Termo pol issêmico, embora no tex to ac ima seja usado espec if icamente como
fei t iço, conforme Mendonça (1973, p. 147) : . . . fei t iço, ta l ismã para fechar o corpo. Et im.: provém do nome geográf ico Mandinga, na Guiné, lugar onde havia ins ignes
23
cultos na região, sincret izado com pajelança e, além de ser fortemente
inf luenciado pelo ambiente místico da f loresta, unif icado com as
práticas africanas presentes no tambor de mina.
A abertura da clareira para a construção do ponto inicial da
ferrovia, onde seria concentrada a administração e a manutenção das
máquinas, se dá em 1907. Pouco a pouco, ao redor desse pátio
ferroviário, começa a aglomerar uma população que dará origem à
cidade de Porto Velho. Em 1912 a ferrovia é concluída. Teixeira e
Fonseca complementam:
Precedendo à primeira área residencial da cidade, o pátio da ferrovia, com suas casas para o pessoal qual if icado separados dos demais funcionár ios e trabalhadores braçais e mesmo um bairro, o Alto do Bode, ini c iou a surgir, outra cidade. Para além da l inha que dividia o terr itór io da ferrovia do restante da urbe, signif icat ivamente denominada Avenida Divisória, surgiram às primeiras áreas residenciais e comerciais. Ao redor surgiu o que hoje é o centro da cidad e e, com o tempo, seus primeiros bairros: Baixa União (tr iângulo), Mocambo e Favela, mais tarde o Caiari, a Arigolândia e o Olaria. (2005, p. 143).
fei t ice iros. Houve a extensão do sent ido e o termo passou de terra do fe it iço ao própr io fe it iço. Há o adj . Mandingueiro. Ar . Geog. : Cuba, Costa Rica, Venezuela, Peru, Chi le, Argent ina, Bras i l . Abon. : é comum dizer -se que uma coisa tem mandinga. Reforça a interpretação o verbete de Houaiss, cont ido em Lopes (2006) : MANDINGA, s . f . (1) Bruxar ia; fei t iço, ta l ismã ( BH). (2) Qual idade de jogo de capoeira (SC) - A et imologia tradic ionalmente acei ta é a que vê a or igem do etnônimo Mandinga ou Mandingo. Mas a nossa opin ião é a de Raymundo (1936: 57) : O termo ( . . . ) é mais certo que se prenda a prát ica do fet ichismo entre os congueses. Estes não só se ut i l izavam como amuleto, de uns pacot i lhetes, que t inham pendentes do pescoço: masaluma- (e) d inga, = embrulh inhos ou breves do colo; mas, igualmente, enraivecidos, quando contrar iados, praguejavam aos brados: era a gr i tar ia das injúr ias, eram os convíc ios do c lamor, mayanga -ma-ndinga. As duas expressões conjugam -se certamente, restando apenas os determinantes que se p lasmaram: ma-(e) diga + mandinga > mandinga. Em abono a Raymundo, encontramos em Lama: d iga (pl . ma -), pescoço, garganta, lar inge; dardo, lança, azagaia. E em Silva Maia: ndinga (quicongo), l íngua, l inguagem. Cp. o quicongondaka, l íngua, garganta, l inguagem, voz, mald ição (Maia) e ndaka, l íngua, id ioma, voz punhal , est i le te (Laman). A par t ir dessa comparação, e conhecendo o poder que os negros af r icanos at r ibuem à palavra (que pode func ionar como um punhal) , vamos ver que ndinga e d inga podem também signif icar praga, mald ição. Por f im, vejamos em Maia (1964) quimbundo mandinga, supers t ição, ao lado de uanga e umbanda .
24
Esses autores defendem que emerge desse novo aglomerado dois
grupos sociais bem definidos, separados por uma linha6 baseada em
status definidores dos papéis sociais: a elite ferroviária, circunscrita ao
pátio da ferrovia e os marginalizados, vivendo na periferia do pátio
ferroviário. Ainda sobre esse tema, Nogueira relata que:
Enquanto o Barbadian Town repor tava a idéia de bairro ordenado e focado no mundo do trabalho, os outros bairros, sobretudo, o Mocambo era o espaço do desordenamento. Enquanto os negros advindos da América Central l iam a Bíbl ia, no Mocambo os toques dos Tambores do terreiro de Santa Bárbara conclamavam os excluídos para evocação dos seus or ixás. (. . .) . Porto Velho se estruturou, assim: de um lado, os escolhidos, que se const ituiam em mão-de-obra qualif icada, e de outro, os excluídos. (2008, p. 58).
Figura 3 Avenida Presidente Dutra
Foto: Centro de Documentação do Estado
Mara Nogueira (2008) enfatiza ainda que a cidade de Porto Velho
apesar de ser apresentar sinais da modernidade em seu pátio
ferroviário, é concebida pelo paradoxo da desorganização,
6 Essa l inha, chamada antes de Avenida D iv isór ia é a Avenida Pres idente Dutra,
local izada no centro da c idade.
25
desenvolvendo critérios de sobrevivência com o propósito de conviver
com as diferenças e com os diferentes.
Dentre esses marginalizados, e simultaneamente a eles, uma
enorme massa humana é atraída do nordeste para trabalhar nos
seringais da Amazônia. Esse t ipo humano é apontado por Ferret i (1996,
p. 2) que mostra o processo de prol iferação da cultura rel igiosa para
outras regiões a partir das duas casas de cultos mais tradicionais . A
Casa das Minas, de tradição jeje, e a Casa de Nagô, de tradição nagô.
Campello (2007, p. 68) também registra a existência das duas casas de
culto mais tradicionais na região de São Luiz e Belém , fundadas por
africanos que vieram na condição de escravos para a região. Esse
conjunto de novos migrantes é formado principalmente pelo negro e
todo um conjunto humano de mestiços na f igura do caboclo nordestino.
Tal população já chega à Amazônia com sua formação cultural
rel igiosa. Em alguns casos, aqui sincret izarão essa formação,
acrescentando crenças e concepções de matriz indígena. Foram então
os nordestinos, que para cá vieram trabalhar com a borracha,
inicialmente, os principais difusores dos cultos afro -brasileiros. Lima
(2000, p. 2) diz que esses prat icantes trouxeram seu legado cultural do
tronco fon-yorubá, através dos rituais do tambor de mina, sendo
popularmente chamado de tambor, batuque, macumba e,
posteriormente, umbanda. Desses nordestinos, sobressaem mulheres
de cor negra que conquistam seus espaços e detiveram grande
inf luência sobre a sociedade local. Entre elas se destacaram: Dona
Chica Macaxeira, Esperança Rita e Zefa Cebola. É importante aqui
notar que desde a institucionalização dos terreiros de culto de
inf luência jeje, candomblés, a liderança das mulheres já se faz
observar, embora na África, origem desses cultos, a l iderança religiosa
era masculina. Praticantes de uma religião que assimilou também as
matrizes de origem indígena denominada cura/pajelança 7 com uma
7 Segundo o d ic ionár io Houaiss , Paje lança s ignif ica: s. f . (1928) B 1 ETN sér ie de
r i tuais que o pajé indígena real iza em certas ocas iões com um objet ivo espec íf ico de cura ou magia 2 REL AMAZ PI r i to que mescla prát icas re l igiosas indígenas com elementos cató l icos, espír i tas e de sei tas af ro -bras i lei ras , empr. com f inal idades de cura, prognóst ico de acontec imentos, in tercessão de poderes sobrenat ura is etc. 3
26
tradição afro-brasileira, surgida em Codó (MA), conhecida como Mata
ou Terecô8, esse grupo é atraído pelas grandes t ransformações
socioeconômicas em curso na região norte do Brasil. Assim, a matriz
original das prát icas rel igiosas afro -brasileiras em Porto Velho remete a
um tipo de migrante não vinculado inicialmente à ferrovia. Esse é o
caso de D. Chica Macaxeira, que vem para a região em busca de
trabalho nos seringais.
Além desse elemento humano, os negros barbadianos. Salles
(2004, p. 15), af irma que os barbadianos estão inseridos no movimento
migratório que ocorreu nos f ins do século XIX, advindos da colônia
inglesa em Barbados, Caribe, imigrando, sobretudo, para Belém e,
razão de uma forte crise econômica naquele país (MACPHERSON,
1969). Essa presença irá ser percebida em Belém, Manaus, Pará,
Maranhão e na região guaporeana (IBGE, 1992, p. 32). Entre o início
do surto gumífero e a sua queda observamos nos relatos as prát icas
rel igiosas e o processo de adaptação que o negro sofre nessas
regiões. Particularmente os barbadianos, foram um tipo de migrante
negro oriundo de uma forma de colonização diferente da portuguesa .
Contudo, a anglicanização desses barbadianos, embora bastante
ef iciente, não evitou brechas para a manifestação de suas crenças
ancestrais. Prado (1959, pp. 153-155) ao relatar fatos que marcaram a
sua vida quando esteve na região amazônica até meados do ano de
1918, presenciou no ano de 1910, uma senhora barbadiana realizando
consultas espiri tuais na cidade de Belém. Exatamente que tipo de
consulta ele não informa, mas é permitido supor que sejam práticas de
matrizes africanas, já que nem no catolicismo nem no anglicanismo
encontramos esse tipo de prática. Além do trabalho ferroviário, ou na
ETNAMAZ qualquer t ipo de benzedura 4 ETNAMAZ prát ica dos curandeiros * ETIM der . de pajé , segundo AGC com prov. inf luênc ia de comi lança * SIN/VAR ver s inonímia de fe i t iço.
8 Rel ig ião af ro-bras i le ira d ifundida no inter ior do Maranhão, pr incipal mente na
c idade de Codó. Segundo Ferret i (1996, pp. 4 -5) , ex iste duas h ipóteses quanto ao surgimento do Terecô l igado a ra iz af r icana: 1) de or igem banto - angola, „cambinda‟ – e não se confundir ia com a mina ( jeje, nagô, ou com outra da tradição af r icana da mina maranhense) ; 2) ser ia uma mina je je-nagô desf igurada, que ter ia s ido levada para o in ter ior .
27
construção de portos, a presença dos barbadianos na Amazônia é
observada também nas áreas urbanas que se encontravam em
expansão nesse período. Será nesse cenário de cidade dual e de
múltiplas raízes étnicas e nacionais que se formarão os primeiros
terreiros de culto afro-brasileiro em Porto Velho, na primeira metade do
século XX.
A primeira menção de praticante da ritualíst ica nos moldes
africanos se reporta a um trabalhador da Estrada de Ferro Madeira -
Mamoré, conhecido pela alcunha de Benedito. Negro, barbadiano,
apresentando grande dif iculdade para falar e entender a l íngua
portuguesa realizou seus serviços braçais no setor da estiva até
meados do ano de 1942 quando veio a óbito, ao contrair uma das
várias doenças tropicais da época. Apesar de não se precisar quais das
doenças o levam a morte, seu Benedito deixou sua esposa Francisca e
duas f i lhas, a primeira falecida e as f i lhas não localizadas . Seu
Claudionor, hoje com 89 anos de idade, soldado da borracha, foi um
dos frequentadores da casa de Seu Benedito. Seu Claudionor lembra
que uma das coisas que o levava a participar das festas promovidas
pelo Terreiro de Seu Benedito era a quantidade de mulheres que al i se
faziam presente. Segundo ele, a residência de madeira de Seu
Benedito f icava nas proximidades da Estrada de Ferro, às margens do
Rio Madeira, podendo ser avistada da colina onde hoje é o Hospital da
Guarnição. Em depoimento Seu Claudionor fala de algumas
características desse culto: que era uma comemoração aos marinheiros
de bordo, vestiam roupas brancas, tocavam tambores, culto aos
voduns. Aduz, ainda, que Aluizio Ferreira também freqüentava esse
culto.
Expulso pelo desbarrancamento das margens do rio, o terreiro do
Seu Benedito muda-se para o local onde hoje se cruzam a Avenida
Sete de setembro com a Rua Tenreiro Aranha, no local hoje ocupado
pela loja de tecidos Novo Mundo. Construiu aí sua residência e a casa
de culto. Essa mudança não ocorreu antes dos anos quarenta porque
Seu Claudionor freqüentou-o quando era da Guarda Territorial,
portanto, com um mínimo de 18 anos idade, ainda na Beira do Rio. Seu
28
Benedito estava vivo quando dessa transferência, que, então, não
ocorreu depois do ano de quarenta e dois, ano de seu falecimento.
Chamado de bruxo e temido pela sociedade local, seu Benedito
conquistou espaço e demarcou território. A ele também é atribuído o
inicio dos cultos afro-brasileiros nesse aglomerado que se formou em
torno do pátio da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré e de onde veio a
se originar a cidade de Porto Velho. Contudo, a questão exige maior
pesquisa.
O Terreiro de Seu Benedito era bastante frequentado e sempre
procurado pela sociedade local para realizar trabalhos que viessem
trazer a cura às doenças e a saúde a família. Nesse período os santos
católicos estavam quase desacreditados. Embora os f iéis f izessem tudo
que o Santo Padre mandava, o avanço das doenças minava famíl ias e
gerava viúvas. “Parece que os santos perderam suas forças ”, diz-nos
Seu Claudionor. Galvão constatou na região conhecida como Gurupá
que:
Fracamente assist ido pelos sacerdotes catól icos e pelos missionár ios evangél icos, o indivíduo e a comunidade recorrem a outras crenças, que reunidas às catól icas, constituem a sua rel igião, o catolicismo é uma f i losof ia de vida que se sobrepõe a idéias locais, cuja origem é diversa, mas que dependem, sobretudo, de inf luências ameríndias absorvidas na moderna cultura do caboclo amazônico. (1953, pp. 4-5 apud FIGUEIREDO, 1972, p. 134).
Teixeira (1993, p. 49) aborda que desespero do povo era
aterrorizador. Acreditava-se que visões e tormentos mentais de
ferroviários era fruto de trabalhos feitos pelos indígenas locais, a f im
de impedir que os trabalhadores dessem prosseguimento às obras da
estrada. Para afugentá-las, os moradores se dirigiam aos terreiros
existentes, a f im de obter uma paz duradoura, prosperidade, saúde e
felicidade. Certamente eram sabedores das crenças existentes nessas
práticas rel igiosas, onde os santos também são vistos como entidades
que protegem os homens e a comunidade em que vivem e, nesses
lugares de culto, eram reverenciados da melhor forma e modos
possíveis. Os santos que conseguiram destaque e eram adorados
29
veementemente nessas regiões foram São Benedito e São Seb astião. O
primeiro alcança grande destaque e aceitação na sociedade da época ,
haja vista que se trata do santo padroeiro e protetor dos negros e
protege a todos aqueles que lhe prestam devoção, não importando em
qual classe social estejam inseridos, abençoa ricos e pobres.
Lendas e mitos foram construídos em torno da pessoa desse
negro barbadiano. Uma das mais expressivas, narrada por Seu
Claudionor é o desaparecimento de um soldado da guarda territorial
que, além de tê-lo desafiado, zombou das entidades adoradas no
terreiro.
. . . outra coisa que eu vi ele fazer aqui foi o desaparecimento de um homem. Não me recordo o nome do homem, mas isso ai foi ele que fez isso ai. Ele fez um trabalho muito bem feito, que o cara desapareceu no mato... ninguém sabe... tomou dor i l, acabou... nem roupeiro, nem rastro, f icou nada .. . Ele era um pol ic ial.
Esse mesmo mito é repetido na história da vida de dona
Esperança Rita. Pimentel (2010, p. 6) analisou a construção desse mito
e concluiu que o termo sumiço, desaparecimento, chega a tomar mais
força no imaginário popular, do que a morte da pessoa.
Nesse período de tempo em que Seu Benedito f irma residência
nas imediações da Sete de setembro, área rural da cidade em
formação. Maranhenses chegam aqui e iniciam cultos na região do
bairro Mucambo. Silva (1984) e Ary Pinheiro (1986) precisam que entre
esses maranhenses encontravam f iguras como dona Chica Macaxeira e
o casal Irineu dos Santos e Esperança Rita. Os estudos desenvolvidos
pelo Antropólogo Sergio Ferret i (1996) acerca da Casa das Minas no
Maranhão, o terreiro afro-brasi leiro mais tradicional existente na
cidade, mostram que a partir dessa casa, além da prol iferação da
rel igiosidade para outras partes da região amazônica, seguem os
moldes de cultos, as formas ritualísticas e os modelos de atendimento
ao público. Campelo e Luca, ao citarem o trabalho realizado por
Vergolino e Silva no ano de 2003, descrevem:
30
De origem histór ica mais ant iga em terras paraenses, a
Mina é uma rel igião trazida pelos escravos vindos do
Daomé (República Popular do Benin) para os Estados do
Maranhão e Pará. O termo Mina faz referência ao maior
empório de escravos sob domínio português; o Forte São
Jorge de Elmina, s ituado na Costa do Ouro, atual Gana,
que exportava mão-de-obra negra para diversas partes do
Brasil. No Estado do Maranhão estes negros fundaram
duas casas mater; a Casa das Minas – de tradição Jeje –
e A Casa de Nagô – com inf luência da tradição nagô, em
meados do século XIX. (2007, p. 4).
Raimundo Nonato, conhecido como seu Dico, af irmou-nos em
depoimento que Dona Chica Macaxeira, a qual chamava de madrinha,
veio para cá algum tempo antes e residia em um dos muitos seringais
que exist iam na região.
Com a chegada de Dona Esperança Rita, da qual era prima, e de
seu esposo Ir ineu dos Santos, Dona Chica se muda para cá. Desejosos
de praticarem sua religião, o Terecô, nesse local e, sabedores da
existência de seu Benedito, logo o procuram a f im de receberem ajuda
para a formação do terreiro e a f irmação de seus elementos. Surge,
assim, o Terreiro denominado de Santa Bárbara, erguido junto ao
Cemitério dos Inocentes, no bairro Mucambo. Pinheiro confirma os
relatos em trecho de sua obra:
Dona Chiquinha, Dona Esperança, Ir ineu dos Santos e Florêncio Paula Rosa fundaram a primeira tenda de Umbanda nesta cidade, para os lados do bairro Mocambo, a 3 de dezembro de 1917. (1986, p. 157).
Fundado em meio a um grande aglomerado de trabalhadores, o
Terreiro de Santa Bárbara alcança destaque. As festas aos sábados, ao
som do toque dos atabaques, atraía a população em geral. Pobres e
ricos bailavam juntos no mesmo espaço, sem diferença de cor, raça ou
posição social. Lima af irma que:
Entre os anos 1930 e 1950 o Recreio de Santa Bárbara f irmou-se como espaço de cura e de lazer, as festas e o atendimento religiosos promovidos pelos af i l iados
31
popular izaram algumas ent idades do seu panteão mágico-rel igioso que se tornaram famosas por seus poderes curat ivos, como por exemplo: Seu Mansidão, Seu Bahia, Seu Roxo, Caboclo Brabo, Dona Jar ina, Seu Jurema, Jatapequara, Barão de Goré, Príncipe Regino, Cabocla Mariana e outras (2003, p. 3).
Os barbadianos, que formavam a ala protestante, preocupados
com o avanço e a divulgação das festas e eventos que o terreiro de
Santa Bárbara promovia, resolveram criar seu próprio e spaço de festa,
atendendo aos seus membros também nos dias de sábado, a f im de
evitar o desvio de alguns dos irmãos de sua fé. Aurél ia Banfield
(Entrevista para o Centro de Documentação do Estado de Rondônia)
destaca que:
Os barbadianos t inham também um local para apresentações, como parque, onde apresentavam teatro e outras coisas ao est i lo de Car ibe. Essas apresentações eram feitas num barracão, no Alto do Bode. Os americanos construíram um barracão pra fazerem festa. Eles faziam festa, e quase todos os sábados fazia festa.
Enquanto os tambores soam forte no terreiro, os barbadianos no
alto do bode realizavam suas festas, algumas crianças brincavam nas
proximidades do barracão, enquanto outras aproveitavam para vender
guloseimas e produtos de rápido consumo. Ao ser entrevistado, Elton
Blackman (Entrevista para o Centro de Documentação do Estado de
Rondônia) diz que:
A diversão preferida era a dança, o salão de dança. Eu cansei de vender doce com a velha minha mãe no terreiro, na noite do bai le. Era todo sábado. Era o único divert imento.
Nesse período em que o Recreio de Santa Bárbara se f irma como
espaço religioso, desentendimentos entre Dona Esperança Rita e Dona
Chica Macaxeira fazem romper uma aliança que vinha dando certo até
então. Dona Chica e seu esposo Luís Lopes retornam à vida no
seringal e se afastam momentaneamente da sua vida religiosa.
32
Em meados de 1940, seu Benedito é acometido por uma grave
doença e a cada dia seu estado de saúde é last imável. Nos relatos
encontramos nuances de que nenhum dos f i lhos de santo estava
preparado ou não possuía as exigências requeridas ao sucessor que
ascenderia à direção do terreiro. Dentre essas exigências, destacava -
se a de que o sucessor deveria incorporar uma entidade, a que regia a
casa, conhecida como Caboquinho da Maiada 9. Assim, Dona Chica
Macaxeira rompe a l inha sucessora, quando foi apontada pela entidade
para que ascendesse na direção do Terreiro. Ao receber o convite,
Dona Chica, junto a sua famíl ia, retorna à cidade e assume as funções
de zeladora do Terreiro. Nesse instante de sua ascensão a liderança
do terreiro, o mesmo já se encontrava nas imediações da Avenida
Abunã, Bairro Olaria. Seu Claudionor relata que seu Benedito adquiriu
diversos lotes e propriedades de terra nas imediações do pátio da
ferrovia, estando entre eles uma propriedade próxima a Avenida Abunã,
onde é hoje o cruzamento com a Avenida Marechal Deodoro, local onde
será construído o terreiro Samburucu ou São Benedito. O antropólogo
Nunes Pereira visitou o Terreiro de São Benedito na década de 1940.
Observou a prát ica de Tambor de Mina oriundo do São Luiz e de
elementos ritualíst icos das práticas existentes de Codó, ambas cidades
maranhenses.
9 Conforme Mundicarmo Ferret i (1996, p. 7) , os caboc los podem ser: 1) encantados
que t iveram vida terrena, mas não podem ser confundidos com espír i tos de m ortos (eguns), do astra l, e a lguns deles per tencem a categor ias não humanas como os botos e surrupiras; 2) são assoc iados às águas salgadas, como os turcos; à mata, como a famíl ia de Légua-Boj i ; à água doce, como Corre -Beirada (or iundo da Cura/ Paje lança) ; 3) per tencem a encantar ia brasi le ira, mas podem ser or ig inár ios de outros países (França, Turquia) ; 4) têm l igação com grupos indígenas mas podem ser nobres que prefer i ram f icar fora dos caste los; 5) são recebidos f requentemente , mas nem sempre na qual idade de donos da cabeça; 6) são homenageados , geralmente, no f inal ou no ú l t imo dia do toque mas podem ser recebidos em r i tuais onde há voduns.
33
Figura 4 Dona Chica Macaxeira
Fonte: Luciano Lima, 2010.
Figura 5 Terreiro de São Benedito na década de 1940
34
Fonte: Nunes Pereira, 1949.
35
3. O tambor de mina e os terreiros de Porto Velho
As primeiras e mais antigas casas de Tambor de Mina no Brasil
surgiram no Maranhão. Essas casas de culto afro -brasi leiro são
chamadas de Casa das Minas Jeje e de Casa de Nagô. Fundadas em
meados do século XIX por africanos da etnia de Mina, pertencente à
região da Costa da África Ocidenta l. Segundo Ferreti (2006, p. 1) é
nessa região onde se localizava o antigo reino do Daomé, onde os
portugueses fundaram um Forte em alusão a São Jorge de Elmina. As
Casas de Tambor de Mina podem ser encontradas no bairro São
Pantaleão, no centro de São Luiz, capital maranhense. A Casa das
Minas Jeje é consagrada ao Vodun Zomadonu10, e a Casa de Nagô,
consagrada ao orixá Xangô 11.
Ferreti (2006, p. 2) apresenta uma das principais característ icas
que vai diferenciar a Casas das Minas Jeje da Casa de Nagô . Na Casa
de Mina Jeje, os cânticos são em língua jeje e os caboclos que ali são
manifestos, não recebem culto. Já na Casa de Nagô, os cânticos são
entoados em língua nagô e em português e uma gama de entidades
caboclas é são cultuadas e invocadas. Apesar dessa diferenciação
entre as casas, nelas se preserva o costume de somente dançarem
mulheres receptoras das divindades e que estejam em transe. Aos
homens são imputadas funções ligadas à música e ao sacrif ício de
animais.
A partir dos trabalhos realizados por Sérgio Ferret i (2006),
podem-se apresentar as principais entidades cultuadas nos
seguimentos religiosos presentes no Maranhão e perceber quais serão
10
Segundo Prandi (2005, p. 5) o s ignif icado de Zomadônu - o dono da Casa das Minas e chefe de uma das l inhagens d a famíl ia de Davice. Rei e pai dos toqüéns Toçá e Tocé (gêmeos), Jagoboroçu (Boçu) e Apoj i . Zomadônu é f i lho de Acoic inacaba, que é f i lho de Dadarrô.
11 Conforme o Dic ionár io Houaiss , Xangô s ignif ica: s.m. (sXX) REL 1 B or ixá iorubá
dado como o quar to re i ( lendár io) de Oyo, na Nigér ia, cuja epifania são os ra ios e os trovões [Doze qual idades desse or ixá são refer idas nos candomblés nagôs de Salvador. ] * in ic ia l maiúsc. 2 PB a SE cu lto af ro-bras i leiro que const i tu i uma alteração do padrão l i túrg ico nagô, adap tado por d iversos grupos étn icos conviventes no Nordeste do Bras i l 3 p.met . PB a SE local onde se real iza esse culto; terre iro * X. de Ouro REL B Xangô em sua forma adolescente * ETIM ior . Xãgo ' id . ' * PAR xangó (s.m.) .
36
as que serão trazidas para cá, graças as suas característ icas de cura e
intervenção sobrenatural.
Nas casas maranhenses de Mina Jeje e Mina Nagô, presta-se
culto a pouco mais de 60 voduns 12, os quais são organizados em
famílias apresentadas a seguir . A famíl ia de Davice com 27 voduns e
Tobossis (entidades femininas infantis). A famíl ia de Savaluno com 6
voduns e tobossis. A famíl ia de Dambira ou Acossi Sakpatá com 17
voduns e tobossis. A famíl ia de Quevioçô e de Aladanu com 15 voduns
e tobossis. Vale ressaltar que no Tambor de Mina entidades caboclas
são cultuadas, mas são incorporadas aos seus rituais a part ir das
práticas encontradas nos terreiros brasileiros. Para Ferreti :
Algumas ent idades caboclas da Mina possuem característ icas semelhantes as de Exu e Pombagira. Alguns caboclos são vistos como fortes , mas perigosos e vingativos; fazem uso de bebida alcoól ica, de palavras e gestos chistosos e meio obscenos (como os turcos, a famíl ia de Legua-Boj i e os surrupiras). Mas essas característ icas são reprimidas na maioria dos terreiros mais tradicional istas. (1996, p. 5).
No Terecô, destaca-se a família de Légua Boji Buá. Na Pajelança
ou Cura, destacam-se entidades que estão ligadas a várias l inhas de
encantados como peixes, pássaros, princesas, caboclos, etc.
A tradição Mina Jeje-Nagô que será seguida em Porto Velho não
é apresentada como um seguimento puro em suas raízes. É fruto de um
sincretismo que trás em seu bojo crenças nos voduns, orixás e inquices
e apropria-se da manifestação rel igiosa de origem indígena
denominada Cura/Pajelança com a tradição religiosa afro-brasileira
denominada Mata ou Terecô, surgida na cidade maranhense de Codó.
Essa observação chegou até nós, graças ao depoimento de Hilton da
Veiga Monteiro, babalorixá da nação ketu, também adepto das práticas
de Tambor de Mina desde a cidade de Manaus/AM, de onde é
originário. Quando da sua vinda para cá, em 1964, Hilton observou que
12
Voduns são deuses do povo fon ou jeje são forças da natureza e antepassados humanos d iv in izados. (PRANDI, 2005, p. 5) .
37
o Tambor de Mina dos dois terreiros apresentava elementos pra ele
desconhecidos:
Quando eu cheguei aqui, me disseram que o Terreiro de Santa Bárbara era Tambor de Mina, mas eu não vi
Tambor de Mina aqui. Eu vi foi uma mistura de Pajelança, de Terecô e pouco de Tambor de Mina 13.
Essa tradição que aqui chega a meados da década de 1910 vem
repleta de transformações já observadas pelos pesquisadores Sérgio
Ferreti (2006) e Ferret i, M. (1997) nas primeiras casas de Mina no
Maranhão. Apesar dessa tradição vi r com elementos de Mina Jeje, não
signif ica que seus seguidores tivessem completamente ligados à Casa
das Mina Jeje. Os pesquisadores citados acima defendem que os
rituais Mina Jeje são levados para Codó e lá vão ser preservado s junto
a rituais de Mina Nagô, Terecô e Cura/Pajelança. A part ir das ref lexões
de Ferret i (2006, p. 4), conclui -se que só é possível a preservação de
elementos doutro seguimento rel igioso, a partir do momento que esses
elementos não tragam em seu bojo nenhuma contradição ou rejeição no
uso. Dessa forma cada um desses seguimentos faz parte do grupo de
rel igiões afro-brasileiras, por apresentarem elementos de diversos
outros seguimentos, além das prát icas africanas.
Num de seus primeiros contatos e experiênc ias com a
rel igiosidade professada em Porto Velho, babalorixá Hilton confessa
que Apesar de alguns terreiros apresentarem cultos ligados ao Tambor
de Mina, percebeu uma enorme falta de homogeneidade com àquela
rel igiosidade que praticava em Manaus. Os toques, as danças e as
cantigas eram diferentes. Os caboclos, as caboclas e encantados foram
outro motivos de perplexidade para ele: “Lá em Manaus tinha, mas era
em algumas festas. Eles lá t inham senhores de toalha, voduns. Aqui
eles diziam que era Mina, mas eu nunca vi, aqui, um ritual de Mina ”.
Isso fez com que passasse por um processo de readaptação que durou
alguns meses.
13
Entrevis ta real izada na casa do Seu Hi l ton da Veiga Monteiro, local izada na Rua Percy Holder, 3913, Bairro Cidade do Lobo.
38
Essa tradição sincrét ica vai ser praticada nos Terreiros de
Samburucu, dir igido por Dona Chica Macaxeira desde 1940 (LIMA,
2011, p. 5) e Santa Bárbara, dir igido por Dona Esperança Rita desde
meados de 1910 (LIMA, 2003, p. 5). Os principais pontos de l igação
entre os prat icantes desse culto e suas origens foram quase que
completamente perdidos, mantendo-se pequenas ramif icações nos mais
antigos terreiros de umbanda da cidade de Porto Velho/RO, dos quais
podemos citar:
Terreiro Santa Bárbara dir igido por Pai Beto , localizado na Rua
Ubirajara, 221, Bairro Vila Tupi;
Terreiro de Santo Onofre dirigido pelo babalorixá Jacinto,
localizado na Rua Salgado Filho, 1146, Bairro Mato Grosso;
Centro Espírita do babalorixá José de Ubirajara, localizado na
Rua Pernambuco, 2016, Bairro Três Marias;
Centro Espirita São João Batista dir igido pela ialorixá Óstia,
localizado na Rua da Fortuna, 1017, Bairro Areal da f loresta e
Centro Espirita da ialorixá Marl i, localizado na Rua União, 2459,
Bairro Social ista.
Lima (2003, p. 7) diz que esses primeiros praticantes mantinham
todo um conjunto de doutrinas que se conservaram ao longo dos anos,
apesar do isolamento do terreiro em relação a outras casas com as
mesmas tradições em outros estados. Essa tradição rel igiosa afro -
brasi leira em Porto Velho apresenta um modelo sacerdotal marcado
pela atuação e dominação do feminino, embora não deixe de
apresentar a f igura masculina.
Como no Maranhão, duas entidades vão marcar a trajetória
rel igiosa das duas casas mais antigas da cidade de Porto Velho. Seus
cultos, festas e ritualíst icas são preservadas tanto no Terreiro de Santa
Bárbara, como no Terreiro Samburucu. No primeiro, Sa nta Bárbara, a
chefe dos terreiros de Mina, torna-se a dona do terreiro, tendo sua
festa como o principal evento da casa. No segundo, Toi Verequete,
sincretizado com São Benedito, vai ascender ao terreiro que leva o seu
nome como santo católico. Ferret i af irma que o Vodum Verequete é:
39
Considerado na Casa de Nagô e nos terreiros de Mina Nagô, como o vodum que abre para a mata e chama as entidades caboclas. Na Mina do Pará e no Terecô de Codó, Averequete é considerado também a entidade que traz os caboclos. (2006, p. 3).
Segundo Teixeira (1993, p.83), as principais entidades cultuadas
e preservadas no Terreiro de Santa Bárbara de raízes de Tambor de
Mina são:
o Santa Bárbara > Iansã;
o N. Sra. da Conceição > Iemanjá;
o São Lázaro > Obaluaiê;
o São Jorge > Ogum;
o São Benedito > Averequete;
o Santaria > Nanã.
Os dois Terreiros que exist iam até a década de 1960 eram o de
Santa Bárbara e o de São Benedito. Esses terreiros eram bastante
frequentados e procurados pela sociedade local para realizar trabalhos
que viessem trazer a cura às doenças e a saúde a família. Pelas suas
origens maranhenses, que se remete a cidade de Codó, as mães de
santo Chica Macaxeira e Dona Esperança Rita demonstraram profundo
conhecimento das prát icas ritualísticas e dos cultos as entidades do
tambor de mina jeje-nagô, bem como daquelas l igadas as entidades
caboclas presentes nos seguimentos de terecô e cura/pajelança
predominantes na cidade codoense. Dona Esperança Rita e Dona Chica
Macaxeira marcaram toda uma geração de seguidores. Suas crenças,
af irmações e reafirmações nessas paragens, ainda são lembradas,
seguidas e realizadas nos mais de 130 terreiros de umbanda de Porto
Velho.
Vale ressaltar que cada uma delas teve seu período de glória, de
ascensão religiosa em meio a uma sociedade marginaliza dora e
discriminadora. Tal reconhecimento estar na memória dos antigos
moradores da cidade de Porto Velho. Numa das narrativas
apresentadas, podemos frisar a apresentada por Dona Raimunda de
Lima em entrevista realizada no dia 13 de fevereiro de 2012. Segu ndo
ela, Dona Esperança Rita, Maria Barão e Dona Maria Estrela desfilam
40
em carro aberto, quando o Território Federal do Guaporé passa a ser
denominado do Território Federal de Rondônia, no dia 14 de outubro de
1956. Em tom afirmativo, Dona Raimunda relata que Dona Esperança
Rita morava em Belém, quando as autoridades da época a convidaram
para o desfile comemorativo, a f im de que representasse a todos os
seguidores da rel igiosidade afro -brasileira da cidade e por ser uma
f igura da história da formação da cidade de Porto Velho.
Dona Chica Macaxeira é lembrada por diversos episódios
presentes no imaginário popular. Lima (2011), em artigo publicado com
o título de Dona Chica Macaxeira, a mãe de santo que ressuscitou:
contribuições para o estudo dos cultos afro -brasileiros em Porto
Velho/RO, apresenta diversos mitos construídos em torno dessa
mulher, podendo aqui destacar as diversas invasões promovidas por
autoridades poli t icas que queriam que o terreiro saísse das
proximidades da Rua Abunã, pois inibia o arruamento promovido pela
Prefeitura; sua morte e ressurreição; o caixão roxo guardado dentro do
terreiro que atraia muitos curiosos para ver a mãe de santo bailando; o
uso do feit iço para proteger seu f i lho Japão enquanto ela vivesse, entre
outros. Sua trajetória de vida social estar inteiramente ligada ao
terreiro e suas práticas cultuais. Esses episódios serão abordados no
quarto capítulo dessa monografia.
41
4. O surgimento do Terreiro São Benedito, a ascensão de Dona
Chica Macaxeira e as práticas inovadoras nos rituais
O Terreiro de São Benedito foi um espaço reconhecido pela
sociedade de seu tempo. Apesar dos trabalhos acadêmicos elaborados
acerca da rel igiosidade local, rápidas menções são feitas ao Terreiro.
Contudo, sua importância foi reconhecida por grand es vultos que
visitaram seus cultos e rituais e que deixaram seus escritos repletos de
narrat ivas e descrições antropológicas e etnográficas. Na historiograf ia
local encontramos a obra “Viver amazônico ” de Ary pinheiro (1960), e
cenário nacional, encontramos a obra A Casa das Minas: contribuição
ao estudo das sobrevivências do culto dos voduns do panteão
daomeano, no Estado do Maranhão de Nunes Pereira (1949). Em
ambas, encontramos a descrição de rituais, dados etnográficos,
registros de músicas e cantigas religiosas, dentre outras prát icas
util izadas por Chica Macaxeira e seus adeptos.
O Terreiro de São Benedito deixou de existir logo após a morte de
sua mãe de santo Chica Macaxeira no dia 04 de dezembro de 1979.
Seu legado ritual subsist iu ainda em diversos terreiros umbandistas de
Porto Velho e nos ritos antigos preservados pela União do Vegetal,
graças às doutrinas deixadas por Mestre Gabriel, que frequentou e foi
Ogã no terreiro de São Benedito , assunto que será tratado no próximo
capítulo.
É importante ressaltar que quando se trata da história dos
primórdios dos cultos afro-brasileiros em Porto Velho muito há ainda de
imprecisão factual, part icularmente no que se refere às datas, em razão
do tempo transcorrido, ou seja, pelo falecimento de seus part icipa ntes
e pela dif iculdade em se obter registros escritos.
Essas sucessivas mudanças repetem o fato já estabelecido que
os terreiros, historicamente, situam-se em áreas suburbanas em sua
origem (esse é o caso, por exemplo, do Terreiro de Santa Bárbara, no
bairro do Mocambo), ou em áreas rurais, muito próximas dos l imites
com as áreas urbanas. Frequentemente, com a expansão e as reformas
urbanas esses centros são deslocados para a nova periferia. Assim,
42
não há data precisa da instalação do culto presidido pelo Sr. Benedito
nas margens do rio Madeira, nem da transferência desse culto para a
Av. Sete de Setembro ou mesmo sua transferência f inal para a Rua
Abunã. Sabemos apenas que todas essas mudanças ocorreram antes
do ano de 1943, quando Seu Benedito faleceu, po is que part icipou
ainda da instalação desse novo terreiro. Vale ressaltar que nesse
período o processo de arruamento da cidade não havia se estendido
plenamente para essa região. Posteriormente, na Administração
municipal de Odacir Soares, é que a Rua Mare chal Deodoro irá ser
estendida e cruzar a Avenida Abunã.
Figura 6 Visão panorâmica do local onde foi o Terreiro Samburucu
Fonte: Google Earth, 2012.
Lima (2001) relata que nesse processo de arruamento da cidade,
intensas perseguições e invasões foram desencadeadas aos terreiros
existentes na cidade: São Benedito e Santa Bárbara, na medida em que
os mesmos atrapalhavam o projeto de arruamento da prefeitura. O
Terreiro de São Benedito não permit ia a continuidade da Rua Marechal
Deodoro da Avenida Abunã até a Avenida Calama. Não suportando as
43
pressões das autoridades locais, Dona Chica Macaxeira aceita a
proposta de retirada do Terreiro do local, aceitando em troca certa
indenização e um lote de terras, localizado a 30 quilômetros da cidade,
sentido à cidade de Humaitá, estado do Amazonas. Segundo Seu
Francisco Barros Pará relata essa mudança de localidade no ano de
1974.
Ficava no quilometro 30 da estrada que vai pra Humaitá. Ela mudou no dia 22 maio de 1974 ... como menino eu gostava de andar muito, eu fu i mais eles fazer essa mudança... Foram oito pessoas que ajudaram na mudança...Teve o tambor de abertura .. . 14
Com a mudança de localidade e o dif ícil acesso, o Terreiro de
São Benedito e sua Mãe de Santo, receberam poucas visitas de
adeptos e seguidores. Os rituais foram sendo esvaziados aos poucos e,
em algumas semanas, a Mãe de Santo realizava os ri tuais com um
numero reduzido de pessoas, muitas vezes sem tambozeiros ou
mulheres que auxil iavam nos cantos e zelo do local. Em menos de um
ano os rituais realizados contavam apenas com a presença da mãe de
Santo e de Seu Esposo Luiz Lopes.
Chica Macaxeira morre aos 84 anos de idade no dia 04 de
dezembro de 1979. Seu Luiz Lopes manteve o terreiro aberto até o ano
de 1987. Não conseguindo êxito ao convidar integrantes do terreiro
para que dessem continuidade à casa e com a idade avançada, Seu
Luiz Lopes vende a propriedade no ano de 1987 e se muda para a
cidade novamente. Segue trecho do depoimento:
O terreiro dela f icou até 1987 vivo, até quanto o velho tava vivo. O marido dela chamado Seu Lopes. Ele que f icou cuidando, sem ninguém, f icou só ele mesmo lá.. . nos festejos o povo ia.. . Ele morreu em 1989, foi. . . Ele morreu no hospital de base... .
14
Entrevis ta real izada no d ia 20.09.2010 .
44
Esquecido, Seu Luiz Lopes vai morar em um dos bairros
periféricos da cidade de vindo a óbito no ano de 1989 no Hospital de
Base da cidade de Porto Velho.
4.1 Cargos e funções no Terreiro Samburucu
Os principais cargos da casa eram: Mãe Pequena, Zeladora da
Capela e seus auxiliares e o Ogã de Sala, nos quais as atividades eram
bem organizadas. Dona Chica Macaxeira zelava para que as
responsabil idades fossem bem distribuídas a f im de que o desenvolver
de toda a ritualíst ica do terreiro acontece sse ordenada e
sistematicamente.
4.2 Outras entidades cultuadas
No terreiro de São Benedito, além das entidades do Terreiro de
Santa Bárbara, cultuavam-se diversas entidades caboclas, destacando-
se entre elas:
o Caboclo Sultão das Matas,
o Seu Risca,
o Seu Mineiro,
o Quebra Barreira,
o Moço da Jurema,
o Princesa Olindina,
o Aracari,
o Algemiro Grande,
o Caboquinha da Maioba,
o Zé da Bandeira,
o Guerrerinho e
o Erê Indinho.
As entidades que atuam na cabeça de Dona Chica eram:
o Caboquinho da Maiada,
o Cabocla Braba,
o Caboclo Roxo,
45
o Caboclo Floriano,
o Caboclo Pena Verde,
o Seu Ricardinho,
o Joaquim da Costa Jurema,
o Princesa Eloisa e
o Seu Rompe-Mato.
Pereira (1949, p. 224) apresenta o nome de outras entidades l igadas
ao panteão mina-jeje que eram veneradas no terreiro Samburucu:
o Dom João,
o Barão de Goré,
o Averequete ou Verequete,
o Iemanjá,
o Badé,
o Xangô,
o Ogum,
o Adôhum,
o Santa Bárbara,
o São Cosme e São Damião,
o Jesus e
o Maria.
4.3 Ciclo de festas do Terreiro Samburucu
O terreiro mantinha intenso ciclo de festas. Pode -se observar a
presença do sincretismo rel igioso no calendário de festas. C omo nas
demais casas de matriz africana de sua época, o calendário catól ico
era obedecido rigidamente e as entidades cultuadas são apresentadas
com seus nomes locais e africanizados. As realizações das novenas e
de ladainhas religiosas e católicas também são pontos marcantes em
todas as celebrações. Além das obrigações no terreiro, seus adeptos
obedeciam a uma rigidez doutrinária seguida a risca pela mãe de
santo. Dentre essas exigências podemos destacar: a abstinência sexual
e banhos rituais que deveriam ser realizados como processo de
purif icação, além das defumações feitas rot ineiramente. Dona Maria
46
Edite, uma das muitas crianças que dona Chica Macaxeira ajudou a
criar, lembra que os f i lhos da casa deveriam estar vestidos a caráter.
Figura 7 Tambozeiros do Terreiro de São Benedito, década 60 ou 70
Fonte: Luciano Lima, 2010.
Figura 8 Manoel Alves Feitosa
Tambozeiro do Terreiro Samburucu
Fonte: Luciano Lima, 2010.
47
Dona Edite, ainda carrega consigo os dias de festas do calendário
anual, bem como os detalhes de cada uma delas.
Quadro 1: Calendário de Festividades do Terreiro Samburucu
4.4 A festa de São Benedito ou Verequete
A festa de São Benedito (sincretizado com Toi Verequete) é
bastante difundida em Porto Velho. Trata-se de um santo padroeiro e
protetor dos negros e seringueiros, contudo, protege a todos aqueles
que lhe prestam devoção, não importando se sejam esses ricos ou
pobres. Segundo Bastide (1971):
As festas para São Benedito, que faleceu em 1589, eram real izadas no Brasi l em inícios do século XVIII , sendo já considerado protetor dos negros. Seu culto permaneceu à margem do catol ic ismo ortodoxo, só foi autor izado pela Igreja em 1743 e sua canonização data apenas de 1807. (p.158).
48
Outra crença bastante difundida entre os maranhenses é de que
São Benedito dançava tambor de crioula, a dança dos negros. Ao
af irmar que São Benedito é sincret izado com o vodum daomeano Toi
Averequete ou Verequete, Ferret i (1997, p.7) conclui que esse
sincretismo o eleva a condição de guia ou chefe de todos os t erreiros
de Tambor de Mina no Maranhão.
Em pesquisas realizadas entre os anos de 2009 e 2011,
constatou-se que a festa de São Benedito durava nove noites, iniciada
com uma procissão repleta de orações e cânticos em alusão ao santo
católico. Grande número de seguidores, frequentadores e admiradores
se aglomeravam nas dependências do Terreiro. A procissão ocorria nas
imediações do terreiro. Duas meninas virgens iam à frente: uma
portava uma espada branca, enquanto que outra levava uma bandeira
branca, como símbolo da pureza e o caráter sagrado do espaço ao qual
estava inserida toda a ritual idade ali presente. A localidade era
rodeada por três vezes.
Ao adentrarem nas dependências do terreiro, homens colocavam
o mastro deitado em cima de estruturas de bambu, recebiam a bandeira
das crianças e a colocavam no mastro para suspendê -la. Assim que
terminava a procissão, todos eram convidados a entrarem na capela
pra rezar e, logo depois, se iniciava os toques. No últ imo dia, o mastro
era derrubado, seguindo-se uma grande comemoração e um banquete
oferecido a toda a comunidade. Os f i lhos da casa deveriam estar
vestidos a caráter . As mulheres estavam sempre de saia e camisa
marrons. Algumas proibições eram expostas em uma pequena placa : As
pessoas não podiam entrar de bermuda, não entravam de roupa preta,
nem de sapato preto, roupa curta, mulher de calça cumprida, madrinha
não aceitava, complementa Dona Edite.
49
Figura 8 Dona Maria Edite do Nascimento Filha de Santo de Dona Chica Macaxeira
Fonte: Luciano Lima, 2010.
Após o devocional da capela, os participantes adentravam no
salão. Seu Lopes, esposo de Dona Chica Macaxeira, que exercia as
funções ogã, doutrinador e puxador de ponto do Terreiro Samburucu,
solicitava que a Mãe Pequena Raimundinha e auxil iares, ade ntrassem
ao recinto, portando os agdá (recipiente de barro com arroz e caruru) e
que os colocassem diante da Mãe de Santo Dona Chica, os quais eram
entregues por ela a duas meninas vestidas e preparadas para o
cerimonial. Sob a orientação da mãe de santo, davam-se três voltas no
salão do terreiro junto aos agdá, cantando e exaltando ao
homenageado da festa:
Janepapa, Oh Janepapa
Janepapa, Oh Janepapa
Ariê, Ariô
Vamos dar graça ao Mocororó
Ariê, Ariô
Vamos dar graça ao Mocororó
Em seguida, adentravam na capela e em silêncio, comiam
daquela comida, refeição restrita aos membros da irmandade e
50
tambozeiros. Esse momento era reservado àqueles participantes e,
portanto, os participantes e convidados não sabiam o que se passava
ali. Após a refeição, retornavam ao salão e continuava-se o
doutrinamento, cantando para Nanã:
Cantiga I
Aiê, oh Nanã Acojalô
Omolu Lodo Aiê
OH Nanã Loco
Omolu Lodo Aiê
Ilê Oh I lô Xanguê
Abalô Micasô Xangô
Cantiga II
Nanã Aiê, Nanã Ioá
Tô Tô Nanã Aiê, Nanã Ioá
Tô Tô
Oh Nanã Borocô, Borocô
Requebra, requebra nagô
Oh Nanã Borocô, Borocô
Requebra, requebra Nagô
Cantiga II I
Se essa casa fosse minha
Eu mandava laviar
Ou com pedrinha diamante
Para não apassear
Com predrinha diamante
Para não apassear
51
A festa continuava noite adentro, com cantigas, incorporações,
consultas e muita alegria. O toque dos tambores ecoava noite adentro
até raiar o dia. E assim, se seguiam oito noites subsequentes. No
últ imo dia, logo após o derrubamento do mastro e o entoar dos cânticos
aos voduns, inquices e or ixás, outro grande banquete era oferecido à
sociedade.
Figura 9 Participantes do terreiro na década de 1960
Fonte: Luciano Lima, 2010
A festa de São Benedito (ou Verequete) não é encontrada
atualmente no calendário de festa dos terreiros de Porto Velh o. Seus
ritos permanecem apenas na mente daqueles que a festejaram. Apesar
do abandono desse ritual, o resgate etnográfico é de suma relevância
para a preservação da história das religiões afro -brasileiras na região.
4.5 A festa de São Sebastião
A festa de São Sebastião comemorada no dia 20 de janeiro era
uma das grandes festas do terreiro. Parte dos ri tuais realizados na
festa de São Benedito era aqui reapresentado. A devoção a esse santo
católico se remetia a crença ao Rei São Sebastião. Essa crença,
52
presente na encantaria cabocla, apresenta a existência da família de
São Sebastião, cultuada em todas as casas Tambor de Mina. Apesar da
semelhança nos rituais, os cânticos entoados nessa festa lhe são
exclusivos e sempre aludem ao santo homenageado.
4.6 A festa de São Lázaro e as notas de Ary Tupinambá Penna
Pinheiro
A festa de São Lázaro era realizada no dia 01 de fevereiro . Um
grande banquete era servido para os cachorros. Segundo Teixeira
(1993, p. 86), as festividades do dia incluíam o preceito de abs tinência
sexual, banhos e defumações de limpeza ritual. Ary Pinheiro (1986, p.
159) relata que os membros do terreiro e convidados deveriam estar
trajando roupas de cor branca. O mesmo autor diz que pessoas de
todos os níveis sociais eram convidadas e part icipavam. O autor ainda
relata que:
A mãe do terreiro de São Benedito, apesar da idade, naquela época, encontrava-se ainda em pleno vigor f ísico, e com muita graça e elegância desenvolvia os passos coreográf icos que a doutr ina impunha no momento. (1986, p.157).
A festa descrita nas páginas 157 à 161, aconteceu nos idos de
1960 quando dona Chica tinha cerca de 70 anos de idade (ver dados
biográf icos da terceira página desse capítulo III). Dona Edite lembra um
dos acontecimentos que mais impressionava a todos naquele dia:
grande número de cães, de todas as espécies, aparecia nas
dependências do terreiro sem que ninguém os trouxesse. Ary Pinheiro
diz que aos som dos tambores, Dona Chica iniciava o ritual cantando
ao patrono da seara em língua nagô: Chaum nereketê naverêk . Segue
três das várias cantigas transcritas por Ary Pinheiro:
Cantiga I – Ao espírito-guia
A lua no céu bri lhou
53
E a mata virgem estremeceu
Onde anda o mensageiro de Umbanda
Que até agora não apareceu?
Cantiga II – Para Ogum
Ogum! Ogum! Ogum!
Meu Pai!
Na beira da praia
Eu vim sarava
O povo da umbanda
Aruê! Aruê! Aruê!
Aruá!
O povo da umbanda
Do lado de lá
Aruê! Aruê! Aruê!
Aruá!
O povo da umbanda
Do lado de lá
Cantiga II I – Para Iemanjá
Ozana mananmandá
Ozana mananmandá
Obadê, obadê, assuan
Ozana mananmandá
Logo após as cantigas, o almoço era servido aos animais, tendo
em seu cardápio os melhores pratos, carnes e tudo que fosse de
melhor era oferecido. Todos aqueles que quisessem receber a cura de
alguma doença, cumprir suas promessas, deveriam comer junto com os
animais. Dona Edite abordou que os animais não apresentavam
nenhum sinal de estranhamento às pessoas, comendo e saboreando
calmamente ali. O ritual se estendia até por volta das 15 horas,
54
encerrando-se com defumações e consultas aos caboclos que
incorporavam seus cavalos.
4.7 A festa de São Jorge (Ogum)
Comemorada no dia 23 de abri l, logo após a quaresma, com a
reabertura da capela, defumação dos presentes e toques aos voduns.
TEIXEIRA (1993, p. 86) af irma que essa festa também fa zia parte do
calendário do terreiro Santa Bárbara até a década de 1990.
4.8 A festa de Santa Maria
A festa a Santa Maria realizada no dia 31 de maio é marcada por
uma novena, com a entoação de cânticos e canções católicas, seguid as
por canções aos voduns, inquices, orixás e caboclos. A festa também
faz parte do calendário de muitos terreiros de Tambor de Crioula no
Maranhão. Uma das obrigações requeridas aos celebrantes e membros
do terreiro, é a restrição ao uso da televisão e ao ouvir músicas.
4.9 A festa de Santo Antônio
Realizada no dia 13 de junho, esse festejo marca a maneira e a
forma de agradecimento dos adeptos das rel igiões afro -brasileiras,
porque se relaciona a proteção que o santo oferece contra os assaltos
e até mesmo contra a polícia, que, nesse período, era um dos
instrumentos do estado na repressão contra os terreiros e seguidores
dessas matrizes rel igiosas. Santo Antônio também oferece direção para
a escolha do cônjuge ideal para um bom relacionamento. Também estar
sincretizado com outras entidades: no Rio Grande do Sul esta
associado com Exu; no Rio de Janeiro com Exu Bará e com Verequete;
Nos cultos bantos da região de Guiné e de Luanda é apresentado como
Ekerê. No Tambor de Mina no Maranhão é também associado ao Vodun
Toi Poliboji.
55
4.10 A Festa de São Pedro (Xangô Alufam)
A festa de São Pedro marca o dia 28 e 29 de junho, dias
expressivos no calendário catól ico romano, pois são dias de celebração
das festas juninas. No Terreiro Samburucu, São Pedro é venerado pela
proteção que dá aos pescadores e por possuir as chaves dos céus,
além de atuar nas pedras dos rios, lagos, cachoeiras, dos mares.
4.11 A festa de São Marçal e a sessão de descarrego
A festa ao santo realizada no dia 30 de junho, data que se
encerra os festejos católicos, está relacionada à sessão de descarrego
que era realizado no terreiro. Esse era o momento em que todos os
integrantes do terreiro passavam pelo ri tual de limpeza e de purif icação
e, logo depois, era oferecido a todos os visitantes presentes.
4.12 A festa de Senhora Santana e suas atribuições de Nanã, mãe
velha
Realizada no dia 26 de julho, era o dia em que se comemorava o
dia da Vovó, por se tratar da mãe mais velha. Daí sua relação com
Nanã e com a mãe da Virgem Maria. Temida pelos seus feitos, Senhora
Santana recebe veneração no terreiro apenas com toques e orações.
Conforme TEIXEIRA (1993, p. 86) nenhum tipo de comida era ofertada
em seu dia, apenas novena, ladainhas e toques de abatás.
4.13 A Festa de Cosme e Damião
Realizada no dia 27 de setembro, batia-se e tocava-se o dia todo.
No ritual de abertura da festa, as crianças eram colocadas em roda,
enquanto se cantavam pontos aos santos com acompanhamento das
crianças. Depois das cantigas, Dona Chica Macaxeira, com as mãos
repletas de bombons, jogava-os para cima no meio do salão. Esse ato
56
era repetido por três vezes. Em seguida a mãe de santo entregava para
cada criança balas, simbolizando benção e proteção.
4.14 A festa de São Francisco (Salve Odé)
A festa de São Francisco era celebrada no dia 04 d e outubro. Nesse
dia além da novena, da cantoria e toques habituais dos dias de festas,
o terreiro Samburucu, no cerimonial o santo era lembrado pelo cuidado
aos pobres, aos velhos, aos animais e, conforme a lenda haver
enfrentado os poderosos opressores dos mais fracos e desprovidos.
4.15 Dia de todos os santos
Celebrada no dia 01 de novembro, a festa do dia de todos os santos
apresentava característ icas especiais. Além de venerar a todas as
outras entidades que não faziam parte do calendário anual, os t oques
só podiam ir até às 23 horas.
4.16 A Festa de Santa Bárbara, a chefe dos Terreiros de Tambor de
Mina.
A Festa de Santa Bárbara é realizada entre os dias 26 de
novembro a 20 de janeiro, tendo seu inicio marcado pelo levantamento
do mastro, como abertura do calendário de festa e ano litúrgico da
casa, f inalizando-se com o derrubamento do mastro (TEIXEIRA, 1993,
p. 82). Conforme Teixeira:
Até 1974, a festa era marcada por quase 60 dias de arraial, com barraquinhas, jogos, comidas t ípicas. Os abatás tocavam durante todos os dias e, nos f inais de semana, viravam pela madrugada adentro. As at ividades começavam com o oferecimento de sacr i f ícios e comidas a Exu, numa tronqueira da f loresta. Em seguida, um grupo de homens entrava na mata para cortar o mastro , que era trazido para o terreiro todo enfeitado de f itas e ramos. O transporte feito nos ombros dos homens era disputado. Todos carregam o mastro cantando, sendo elogiados por sua força, bravura e dedicação. Ao serem
57
recebidos no Terreiro com fogos e foguetes, eram recompensados com al imentos e o mastro era levantado e ornamentado. Hasteava-se a bandeira de Santa Bárbara e real izava-se a procissão com a imagem da Santa pelas ruas da cidade. Em seguida, tocavam -se os abatás e as comemorações viravam a noite . Dava-se inic io às devoções e ao arraial. Durante os festejos que se prolongavam até 20/01, (São Sebastião), mult ipl icavam-se as missas, novenas e ladainhas. (1993, p. 84).
Vale ressaltar que na atualidade o Terreiro de Santa Bárbara não
realiza mais a festas seguindo os mesmos padrões deixados por Dona
Esperança Rita. Parte desse ritual deixou de ser realizado, hoje
pequenas ladainhas são promovidas e a procissão se restringe as
dependências do Terreiro. Os antigos lamentam ao af irmar que os
novos adeptos não conseguem seguir os preceitos antigos, por isso
novas formas e maneiras de realizar a liturgia foram surgindo, a f im de
se manter a fé e os rituais mesmos simplif icados.
4.17 A Festa de Nossa Senhora da Conceição ( Iemanjá)
A festa de Nossa Senhora da Conceição era realizada no dia 08 de
dezembro. Sua festa é marcada pela veneração àquela que é tida como
a abençoadora e orientadora dos ri tuais de cura quando invocada. Seu
festejo é um dos mais celebrados na Bahia, quando milhares de
seguidores fazem suas oferendas nas águas do mar. No Terreiro
Samburucu, a festa alusiva a santa mostra a estreita l igação com o
catolicismo e a manutenção dos rituais do tambor de crioula
maranhense.
4.18 A Festa de Santa Luzia
A festa de Santa Luzia era comemorada no dia 13 de dezembro e
era a últ ima festa do calendário tradicional. Após a celebração, os
f i lhos de santo eram liberados para estar com suas famílias e
orientados a permanecer o mais próximos possível dos seus,
principalmente nos dias 24 e 31 de dezembro. Dona Edite lembra que
58
era uma das coisas que mais prezava Dona Chica: a boa manutenção
do convívio familiar.
4.19 Rituais inovadores: o uso da chica e da ayahuasca no Terreiro
Segundo o dicionário Houaiss, a Chicha é uma bebida que pode ser
feita com mandioca, mel e água, mas também com milho ou fruta. É
uma espécie de cerveja da América do Sul e América Central, feita
principalmente de milho fermentado. Tem suas origens nos povos que
viveram na região da Cordilheira dos Andes, sendo ulteriores ao
Império Inca. Entre os maias, essa bebida fermentada servia como
alimento. Entre esses povos, torna-se a bebia mais popular.
O seu preparo consiste em que garotas masquem milho e o cuspam em um caldeirão de água fervida. Depois de fermentada, a mistura se transfo rma em chicha e pode ser servida. Embora o milho seja o ingrediente mais comum, também podem ser usadas mandioca ou f rutas . Nos países andinos, o termo pode referir -se a qualquer bebida fermentada caseira. (STORM-RAQUEL, 2011, p. 315)
Não se sabe ao certo como essa bebida é incorporada aos rituais
do terreiro. Sabe-se que era a principal bebida servida nas festas do
Terreiro Samburucu. Em certos rituais específ icos e secretos, essa
bebia era servida às pessoas em um quarto reservado, onde podiam
bebê-la e receber os cuidados das autoridades do terreiro, designados
para as funções espirituais que o rito requeria. Acredita -se que pelo
grande uso dessa bebida nos rituais do terreiro, é que se passou a
chamar dona Ceci de Chica, aglut inando-se a palavra Macaxeira.
Alguns mais íntimos a tratavam de Chiquinha.
Nunes Pereira diz que encontrou uma inovação no ri tual do terreiro
de São Benedito:
Os cânticos r ituais e a voz sagrada dos tambores, ogãs e gôs, o estado de transe, a possessão que l igam os Voduns do panteão daomeano ou do ioruba às gonjais e noviches que o cultuam.(1949, p.223).
59
A inovação consiste em um conjunto de cânticos util izados na
Doutrina da Ayahuasca e que, em muitos deles, percebia -se a mistura
de nomes de santos católicos com os voduns mina -jeje. Nunes Pereira
(1949, p. 224), apresenta dois cânticos entoados no ritual da Huasca.
Cantiga I
Marangalé, éh! Marangalé
Nós vamos querer quem
Me mande.
Olha os caboclos de Angola
Marangalé, éh marangalé.
Cantiga II
Estava a senhora
Na beira do rio
Lavando os paninhos
Do seu bento f i lho.
Lavava os paninhos
José estendia
Menino chorava
Do frio que sentia.. .
Por f im, Nunes Pereira conclui que os elementos rituais naquela
doutrina era inovador, por ter sido ali elaborado e a doutrina manter
apenas concepções originais, mas que em seu corpo era estritamente
nova.
60
5. Mitos construídos em torno da figura de Chica Macaxeira
Nesse capítulo, retrata-se os diversos mitos construídos em torno
da f igura de dona Ceci Lopes Bittencourt. Considerada no imaginário
rel igioso local como uma mulher envolta em mistérios e com uma vida
permeada de encantamentos15. Dona Chica é vista como sendo uma
mulher detentora de poderes que a faziam transitar entre o mundo dos
vivos e o mundo dos mortos. Como citado no in ício dessa monografia,
diversos episódios contados por membros da comunidade de terreiro
autorizam essa fama. Primeiramente, as diversas invasões
proporcionadas pela polícia a mando de autoridades públicas . Em
segundo lugar o uso do feit iço sobre pessoas que desafiavam as
entidades por ela cultuadas. Em terceiro lugar a proteção
proporcionada ao seu f i lho adotivo enquanto ela est ivesse viva . Em
quarto lugar a reação contra o uso abusivo do poder por parte do
executivo local que queria expulsar o terreiro de sua localidade, pois,
nas conclusões do poder público, ele atrapalhava o avanço urbano da
cidade e incomodava pessoas inf luentes que moravam nas suas
proximidades.
Vale ressaltar que a grande fragilidade a qual estão submetidos
os terreiros, acarretada por falta de documentação que atestem seus
limites, falta de reconhecimento da religiosidade entre outros fatores,
os tornam presas fáceis de invasões e imposições por parte de
autoridades. Sem deixar de se levar em consideração a intolerância
rel igiosa desencadeada por igrejas ligadas ao movimento
neopentecostal. Em todo o Brasil se tem notícias dessa prát ica. Os
famosos terreiros da Bahia: Axé Opô Afonjá, a Casa Branca, o Vodun
Zo e Oyá Onipó Neto (Imbuí) são testemunhas da perda de espaço por
invasões do terreno, como por ocupações habitacionais em seu terreno.
15
Encantamento aqui denota a idéia de uma palavra, f rase ou qualquer outro recurso a que se atr ibui o poder mágico de enfei t içar; encanto, embruxamento < lançar um e. sobre a lguém>; o suposto efei to dessa ação <um e. hav ia paral isado os habi tantes daquela a lde ia> * ETIM lat . incantaméntum , i ' id. ' * SIN/VAR encantação, encanto; ver tb. s inonímia de êxtase , fe i t iço , magia e sedução * ANT desencantação, desencantamento, desencanto.
61
O Terreiro de São Benedito também foi alvo desse tipo de ação.
Nos depoimentos e fontes orais coletadas junto às comunidades de
terreiro, frequentadores e f i lhos de santo da casa em questão, af irmam
que muitas vezes a polícia era enviada para por f im a uma festa do
terreiro. Nas narrat ivas coletadas, aborda -se detalhes desses
acontecimentos, mas revelam também as intervenções sobrenaturais ,
feitas pela suplica da mãe de santo Chica Macaxeira . A polícia que
vinha, mas ao entrar nas dependências do terreiro, não via ninguém,
somente ouvia o som dos tambores e o canto aos pretos velhos 16. Seu
Hélio Oliveira conta que:
. . . a polic ia chegava, tava todo mundo lá, mas eles não viam ninguém. (. . .) Um dia meu pai disse q ue quem ia acabar com os batuques na porrada era ele. Se ajuntaram uns quatro e foram. Quando ele chegou na beira do córrego, ao olhar ele não entendeu: Como é que um córrego virou um rio? Pois ele passou a noite toda al i, não ia pra f rente, nem cruzavam, nem pra trás. Amanheceu, quando terminou o Verequete, que todo mundo foi embora, foi que ele desacordou 17.
O córrego ao qual Seu Hélio se refere, pode ser visto até os dias
de hoje, servindo como local de despejo de resíduos das residências
que existem a sua margem (verif icar Figura 5, na página 46).
Um dos relatos que mais chama a atenção foi a invasão do
terreiro com tratores. Com a necessidade de se urbanizar a cidade,
novas ruas teriam que ser estendidas e ampliadas a f im de oferecer
melhores condições de infraestrutura, planejamento, organização
administrativa e embelezamento, conforme os princípios de
urbanização. Como o terreiro de São Benedito f icava no local onde ir ia
passar a Rua Marechal Deodoro, a prefeitura da época propunha a
16
No panteão af ro-bras i le iro, os pretos -velhos são ent idades t ip icamente umbandis ta , embora seja reconhec ido que nos terre iros de Tambor de Mina se real ize toques a eles por causa da abol ição da escravatura no Bras i l (FERRETI, 1996, p. 5) . Na c idade de São Luís/MA, acredi ta -se que a re l ig iosidade afro -bras i le ira conhec ida como Tambor de Cr ioula é em louvor a São Benedi to, cons iderado santo preto e que gosta de tambor .
17 Entrevis ta ora l com Hél io Ol ive ira real izado no d ia 01.05.2010 em Porto
Velho/RO.
62
retirada do terrei ro do local, a f im de estender a referida rua até a
Avenida Calama. Vale ressaltar que o terreiro Santa Bárbara já havia
sido deslocado de seu lugar original , localizado na época no Bairro
Nova Porto Velho, dir igido por Pai Albertino e Mãe Maria Estrela. Estes
foram forçados a se mudar para a Vila Tup i, atual localidade do
Terreiro (LIMA, 2003, pp. 4-5).
Diversos diálogos foram promovidos entre as autoridades e dona
Chica Macaxeira. Mas todos foram em vão. Hélio Oliveira af irma que:
Na época o seu Caboquinho da Maiada não quis aceitar a ret irada do terreiro de lá. Não aceitava, não compreendia. Quem era louco de chegar perto dele e dizer: o senhor vai aceitar ou vai ter que... Não t inha ninguém, todo mundo t inha medo.
Não conseguindo chegar a um acordo com a mãe de santo, o
prefeito local determinou a retirada do Terreiro do local. Um trator ista é
enviado ao local, com a ordem de por tudo abaixo . Seu Hélio Oliveira
complementa: “A mãe Chica Macaxeira tava na cozinha quando escutou os
trator zuar, ai perguntou: Chiquinho, que tá acontecendo? É o trator que tá
vindo ai. . . queriam derrubar o terreiro.. . ”.
Segundo o depoente, ao chegar a uma distância de cinco metros,
o trator não funcionou mais. Não conseguindo descobrir o que tinha
causado a pane no veículo, outro foi trazido e aconteceu o mesmo:
parava e não funcionara mais. O mesmo aconteceu a um terceiro trator.
Diante do alvoroço, as pessoas da redondeza correram para ver o que
estava acontecendo. Ao perceberem o grande aglomerado de pessoas
que havia al i se ajuntado, mandaram chamar o prefeito. Tendo
conhecimento que o prefeito não conseguiu nenhum acordo, o Coronel
Carlos Aloysio Weber, irr itado, ordenou que o terreiro fosse derrubado.
Maquinário pesado foi trazido ao local, pondo ao chão todas as
dependências do terreiro, f icando de pé somente a parte onde residia a
mãe de santo. Dona Chica tranquiliza seus f i lhos de santo dizendo que
ele (o coronel) receberia o pagamento do que t inha feito . São unânimes
os depoimentos ao dizerem que foi com a própria vid a de seu f i lho,
conhecido como Rogério Weber. O trágico acontecimento se deu alguns
63
dias depois. Sobre o episódio, Ciro Pinheiro (1988) em sua coluna no
jornal eletrônico Gente de Opinião fez a seguinte narrativa:
Vi, de perto (ao seu lado), Weber derram ar muitas lágrimas, com o rosto encharcado de poeira da bêerre, diante do cadáver do f i lho (morto em acidente), inconsolável. Rogério Weber, 18 anos, morreu pi lotando uma moto na avenida que hoje tem o seu nome. A sua morte abalou a cidade.
O uso do feit iço permeia as mais diversas culturas, tanto orientais
como ocidentais. Para o bem ou para o mal, o feit iço ou trabalho é
considerado pela cristandade como obra dos demônios e deve ser
combatido ferozmente. Mas, o que se sabe é que ao longo dos séculos
pessoas se ut il izaram de técnicas as mais diversas para efetuarem
curas que, na sua composição, são inseridas ervas, folhas, utensíl ios
pessoais, além de trabalhar com os elementos água, terra, fogo e ar.
Na pesquisa etnográfica que realizamos sobre o Terreir o
Samburucu, o relato que sempre esteve presente e que se tornou
principal, é o relato da morte e ressurreição de Chica Macaxeira. Nas
fontes orais encontramos que a Mãe de Santo f icou morta por cerca de
um dia, enquanto que outros dizem que ela permaneceu morta por três
dias. Essa divergência pode ser explicada quando examinamos as
várias correntes que definem tempo, memória e espacial idade. Cardoso
diz que: “Memória individual, comum e colet iva coexistem
necessariamente nas sociedades em diferentes níveis , os quais podem
entrar em contradição e conflito ” (1999, p. 5), nem sempre exist indo
acordo colet ivo dos elementos históricos, das l ições e dos juízos a
serem deles extraídos. Relembrar o passado faz muitas vezes com que
o individuo misture dados ou os tome emprestado do presente.
Segundo Halbwachs, “... a lembrança pode ser preparada por outras
reconstruções feitas em épocas anteriores e de onde a imagem de
outrora se manifestou já bem alterada ” (2004, p.75). Mas tudo isso não
vem signif icar que tal relato seja mentiroso. Entre os especial istas há o
consenso de que uma pessoa sozinha pode mentir ou até mesmo se
equivocar acerca de determinado assunto e, assim, inventar algo que
64
não aconteceu. Mas Capra (1996, p.14-20) diz que quando certo
número de pessoas, sem contato direto entre si ou com o depoente,
af irmam o mesmo fato com detalhes parecidos, diminuem -se para
quase zero as chances de haver um equivoco sistêmico, ainda que se
trate de um relato estranho, ele tem no mínimo o mérito da lógica
racional e pode realmente ter acontecido no passado. É claro que duas
pessoas não contam jamais a mesma história ou o mesmo evento
igualmente, exist indo contradições não essenciais que são
perfeitamente aceitáveis e toleráveis. O importante é que o testemunho
se harmonize em suas bases que o sustentam.
Dona Óstia relatou que todas as providências foram tomadas para
o sepultamento. Já que se tratava de uma mãe de santo, era preciso
realizar o r itual de Axexê 18. Com a chegada do Senhor Augusto
Queixada ao velório, todos os presentes são tomados por grande
espanto : “Augusto Queixada foi visitar o corpo e disse ass im: Essa
mulher não está morta ”, diz dona Óstia. Junto com algumas outras
pessoas, Augusto Queixada foi atrás de José Floriano (mais conhecido
entre os adeptos como Raimundo) para desencantar o corpo. Vale aqui
um parêntese: Shapanan (2001, p. 318) apresenta uma das mais bem
elaboradas definições acerca do termo encantamento . Ao falar do
termo Encantaria, Shapanan é preciso:
A encantar ia no Tambor de Mina, a l iás , pouco ident i f icáve l noutros cul tos af ro-bras i le iros, div ide-se em: a) Encantar ia gent i l , que reúne as famíl ias de re is, ra inhas, prínc ipes, pr incesas e nobres; b) Encantar ia caboc la, em que aparecem vár ias famíl ias , sendo 21 as pr inc ipais, entre elas : a d o Lençol, da Turquia, do Codó, da Gama, do Juncal, da Mata, dos Mar inheiros, das Caravelas, das Cobras, dos Surrupiras, dos Botos, da Bandeira, da Baía, do Pará e de Cax ias (Grifo meu). (SHAPANAN, 2001, p. 319) .
Shapanan define encantado como sendo um termo genérico para
designar entidades que não os voduns, orixás ou inquices. Para o povo
18
Conforme o Dic ionár io Houais, s ignif ica: s.m. (1935) REL B r i tual fúnebre af ro-bras i le iro, com dança e cânt icos, que se real iza nos candomblés por ocas ião da morte de um pai de santo, f i lho de santo ou ogã. [ In ic ia -se antesdo enter ro, dura de três a sete d ias , conforme a impor tânc ia do falec ido, e tem como f inal idade l iber tar da matér ia a a lma do morto.] * ETIM segundo Cacc iatore, ior . adjedje ' id . ' (< ior . id je red. de id jedje '7º dia') .
65
da Mina, o encantado não é o espírito de um humano que morreu, que
perdeu seu corpo físico. Não sendo um egum19 e encantando-se, a
pessoa toma nova forma de vida, numa planta, num acidente f ísico-
geográfico, num animal, virou vento, fumaça.
Diante do corpo, Seu Raimundo realiza um ritual de incorporação
a f im de trazer de volta o espírito de Chica Macaxeira. Para os adeptos,
ele invoca o caboclo Jatapeguara 20. Segundo a entidade, o caboclo
Caboquinho da Maiada é que havia encantado dona Chica Macaxeira e
estava no fundo do Mar embaixo de uma pedra. Dona Óstia
complementa:
Ai o caboclo subiu. Quando o caboclo voltou no homem, ela incorporou em cima da mesa. Ai nessa hora todo mundo correu. Eu fui a primeira que corr i. ( . . .) Saiu todo mundo correndo, a mulher pulou de cima da mesa.
A incorporação é prat icada em muitas as rel igiões. O transe
mediúnico é parte de um detalhado ritual mágico religioso, cujo
momento culminante é exatamente a incorporação da entidade, onde
muitas pessoas esperam ouvir uma mensagem de paz, amor,
prosperidade e tranquil idade.
Após esse acontecimento, grande quantidade de pessoas passou
a visitar o terreiro para ver a mulher do caixão, bailando . Os depoentes
atestam que Dona Chica Macaxeira guardava com muito carinho seu
caixão roxo, de forma que todos que passavam pelo terreiro o podiam
ver. Menciona-se até, em outros relatos, que o caixão corria atrás das
pessoas quando invadiam o terreiro. Dona Óstia af irma que mesmo
19
O Dic ionár io Houaiss a def ine: s.m. REL B 1 qualquer das a lmas de mortos que supostamente aparecem no candomblé de Egungum, a e les votado, na i lha de I tapar ica/BA; 2 p.ext. nos cultos af ro-bras i le iros, nac ional izados com inf luênc ia do baixo-espir i t ismo, alma penada, espír i to não desenvolv ido que vaga pela terra * ETIM ior. eegun oue'gun , f . s incopada de egungun 'espír i to reencarnado de ancestra l ' * SIN/VAR egungum.
20 Jatapequara ou Japetequara, conhecido também como rei dos índios, ter ia s ido
um turco que chegou ao Brasi l no século XVII e encantou -se numa árvore de sucupira, castanha-escura, pesada e res istente, da f loresta amazônica. (Def in ição d isponível no s ite: http: / /ronaldojatapequara.b logspot .com.br /2010/05/caboclo -jatapequara.html) .
66
depois que ela se mudou para o outro lado do rio, ela levou consigo o
seu caixão.
As variadas pressões que sofreu e as constantes invasões do
espaço do terreiro abateram as forças de Dona Ceci Bittencourt.
Fragil izada e cansada, aceita a proposta de mudar o Terreiro de São
Benedito para outro local : “Pai Caboquinho disse pra ela que se ela
tirasse o terreiro dali, ela ir ia embora ”, declarou-nos dona Edite . Ela
desobedeceu. Mudou-se para a sua nova propriedade, cerca de 30 km
da cidade de Porto Velho, na Estrada sentido Humaitá, e nunca mais
foi a mesma. Seus f i lhos de santo a abandonaram, bem como a
entidade que sempre a acompanhou. Acometida por várias
enfermidades, dona Chica Macaxeira, tentou passar todas as
responsabil idades do terreiro para outrem, mas todos sempre
apresentavam justif icativas as mais diversas. Enquanto alguns
alegavam que responsabil idades famil iares impediam de ir ao local e,
assim, darem continuidade ao terreiro, outros revoltados por não terem
sido escolhidos como sucessores, a desprezaram. Em meio às
lágrimas, dona Edite desabafou: “Eu não podia ir. Tinha casa pra
cuidar, não trabalhava e além disso tinha fi lhos pra criar e o marido
dizia que não podia ficar com os meninos. Pra mim era a maior tristeza
não poder fazer nada”.
Ninguém quis tomar posse do seu legado no terreiro. Dona Chica
morreu aos 84 anos de idade. Sua morte ocorreu no dia 04 de
dezembro de 1979. Dona Edite f inalizou:
Ela morreu no ano em que meu f i lho nasceu. Hoje ele tem 31 anos. Foi no dia da proc issão do Pai Albert ino do Terreiro de Santa Bárbara. (. . .) Ele tava passando aqui bem perto de casa. (. . .) Estava com o Paulo meu f i lho mais velho no braço. Ele nasceu dia 23 de novembro. (. . .) Eu não pude acompanhar a procissão por que eu estava de resguardo.
Momentos antes de sua morte, dona Óstia a viu declarar: “Tá
arriando a bandeira de Santa Bárbara, e então ela caiu e infartou ”.
Assim, morreu pela segunda vez Dona Ceci Bittencourt. Sem deixar
67
sucessor, o terreiro f icou abandonado. Seu legado espirit ual f ica com
poucos e sobrevive na memória de muitos que a conheceram.
68
6. Considerações finais
Nosso trabalho está voltado para o surgimento do terreiro
Samburucu ou São Benedito . Iniciando com Seu Benedito estudamos o
processo pelo qual dona Chica Macaxeira se tornou a mãe de santo do
terreiro. Nossa primeira abordagem se baseou no processo de
colonização e ocupação da região . A vinda do grande contingente de
pessoas dos diversos continentes, voltando para os negros chamados
barbadianos que, além de serem trabalhadores na Estrada de Ferro
Madeira-Mamoré, praticavam uma religião não of icial, tendo suas
crenças difundidas até os nossos dias. Em seguida , abordamos acerca
do Tambor de Mina de tradição Mina Jeje e Mina Nagô que vêm para
Porto Velho, sincretizados com prát icas indígenas, Terecô ou Mata,
oriundas da cidade de Codó/MA. Em seguida, apresentamos o
surgimento do Terreiro Samburucu, suas práticas ri tualíst icas e a
ascensão de Chica Macaxeira a l iderança do terreiro.
Após um momento inicial de l iderança do Seu Benedito, sobre o
qual pouco conhecemos, a liderança de D. Ceci conduz -nos à análise e
as considerações acerca desse terreiro que nos levam a concluir que
as raízes do Terreiro Samburucu ou São Benedito estão caracterizadas
e ligadas diretamente às práticas africanas e ao sincret ismo afro -
brasi leiro difundido no Maranhão, especif icamente nas Casas das
Minas Jeje e Casas da Mina Nagô.
Seu Benedito está inserido entre os negros chamados de
barbadianos que praticavam uma religião chamada de Mandiga. Conroy
Theophilus Shockness af irma que muitos dos barbadianos que para cá
vieram não eram protestantes, dando a eles a l iberdade de serem
frequentadores também dos rituais afro -brasi leiros existentes na cidade
(MENEZES, 1998, p. 38). Suas práticas rituais e suas crenças foram o
seu maior legado, muitas das quais foram mantidas no terreiro após a
sua morte e desconhecidas até nossos dias pelos seguidores das
rel igiões afro-brasileiras existentes na cidade. Essa conclusão é
possível devido as 45 visitas que realizamos em 45 terreiros dos mais
de 150 existentes em Porto Velho e percebermos que uma mínima
69
quantidade de pessoas conheceu Seu Benedito. Através desse trabalho
resgatamos um pouco de sua história, incluindo -se parte de sua vida
social e rel igiosa. Assim, iniciamos uma pesquisa que trouxe consigo
alguns esclarecimentos sobre a origem dos primeiros praticantes da
rel igiosidade afro-brasi leira, antecessores das conhecidas mães de
santo: Dona Esperança Rita e dona Ceci Lopes Bit tencourt, mais
conhecida como Chica Macaxeira.
Na segunda característ ica apresentada, diz respeito a
identif icação dos elementos rel igiosos originários do Maranhão,
especif icamente da cidade de Codó, que adotou em seu bojo rel igioso
um sincret ismo que irá constituir uma nova vertente rel igiosa. Quando
se fala em nova vertente rel igiosa, refer imo-nos ao fato de que não se
instala aqui um Tambor de Mina com suas característ icas Jeje ou Nagô,
mas um Tambor de Mina que incluiu em sua doutrina elementos de
Terecô e rituais de cura encontrados entre os indígenas, o uso de
bebidas rituais como a Ayahuasca e a Chica, além outras formas
desconhecidas por aqueles que as presenciaram. Essa conclusão foi
possível em entrevista que realizamos nos anos de 2009 e 2010 com
alguns membros de terreiros, entre eles pais de santo, que ao se
depararem com os rituais dos terreiros Samburucu e Santa Bárbara,
não conseguiram identif icar um único seguimento rel igioso, mas um
amontoado de crenças aceitáveis e rituais complexos até então
desconhecidos. Teixeira (1993, p. 138) acredita a existência de
diversas crenças num mesmo espaço religioso, funciona como uma
espécie de intercambio entre aquilo que é considerado sagrado e
aquilo que é profano, capaz de suprir as necessidades humanas dentro
do imaginário rel igioso criado pelo homem.
Nos atuais terreiros ainda encontramos a presença e a
permanência das práticas trazidas por dona Chica Macaxeira. As
incansáveis ladainhas, rezas e cânticos ainda fazem parte do corpo
litúrgico de muitos terreiros. Outros resumiram sua s liturgias,
adaptando-se ao novo modo de vida social e religioso de então. Alguns
af irmam que se as liturgias antigas fossem mantidas, presentes na
rigidez e exigências rel igiosas, a maioria dos terreiros da cidade já
70
teriam fechado suas portas. A mental i dade atual se volta para um ritual
festivo, incorporações constantes, bebidas e comida em abundâncias,
deve fazer parte do escopo rel igioso do culto, caso contrário a
frequência aos cultos religiosos se tornam escassa.
A importância do terreiro Samburucu e de dona Chica Macaxeira
para a formação dos cultos afro -brasileiros é marcante na cidade de
Porto Velho. É uma das f iguras mais mencionadas e lembradas por
seus feitos, não se remetendo exclusivamente como mãe de santo do
terreiro em questão. Suas prát icas, r ituais, crenças e a maneira como
vivia, são mencionados além dos l imites do terreiro. Lima (2011)
apresenta a história de vida dessa mãe de santo e como se apoderou
dos elementos rel igiosos e marcou sua geração. Os diversos rituais que
desenvolveu, inf luenciam até nossos dias diversos seguimentos
rel igiosos como a União do Vegetal, fundada por José Gabriel da
Costa, o mestre Gabriel, o qual foi Ogã no terreiro Samburucu, já sob a
liderança de Chica Macaxeira. Nesse terreiro, mestre Gabriel viveu,
aprendeu muitos dos rituais. Como citado no capítulo 03, O antropólogo
Nunes Pereira ao visitar o Terreiro de São Benedito na década de
1940, participou do ritual da Ayahuasca e concluiu que o ritual era
inovador e com uma doutrina completamente nova com resquíc ios de
elementos primários.
Outro fato observado em nossa pesquisa diz respeito as questões
sociais e a prestação de serviço à comunidade que o terreiro
desenvolvia. O trabalho social desenvolvido por dona Chica Macaxeira
era bastante relevante. Muitas crianças, na sua grande maioria
meninas, eram acolhidas por ela. Marcadas por maus tratos,
abandonadas ou rejeitadas pela famíl ia e muitas vezes seus pais
haverem falecidos, essas crianças recebiam abrigo, comida, educação
e carinho da mãe de santo. Todos os dias eram reunidas e, aos pés de
Chica Macaxeira, ouviam lições de vida e sabedoria daquela senhora
de cabelos brancos.
71
Figura 11 Meninas que foram criadas por Dona Chica Macaxeira
Fonte: Luciano Lima, 2010.
A vida de Dona Chica Macaxeira é permeada de mistérios e
assombros. Durante a fase de realização das entrevistas com pessoas
que a conheceram, percebeu-se o medo, o cuidado nas palavras e a
preocupação com o que estavam falando acerca dela. Muitos ao
ouvirem seu nome, calavam-se e até diziam que não a conheciam,
mesmo sabendo-se que aquelas pessoas haviam frequentado seu
terreiro. Sua ascensão ao Terreiro de São Benedito também é
permeada de muitas interrogações e, por isso, parte da história do
terreiro sempre foi colocada no anonimato.
Por f im, a luta dos praticantes da religião não oficial, da
preservação de seus valores, da manutenção de sua cultura, são
elementos que por si só mostram como um povo ou indivíduos isolados
podem deixar sua marca, suas crenças, seus traços ao longo da
história. Seu Benedito, dona Chica Macaxeira e dona Esperança
sofreram várias perseguições, t iveram seus cultos interrompidos, foram
presos ou tiveram que se evadir de perto dos seus, a f im de
permanecerem vivos para não deixar seu legado morrer e, assim, poder
72
transmit ir a outrem a sua religião, a sua crença nos seus deuses .
Apesar da perseguição desencadeada pela polít ica de Getúlio Vargas,
dos incentivos violentos promovidos pela rel igiosidade of icial, os
seguidores dessas orientações espirituais conseguiram transmi tir e
deixar vivos sua história, sua língua cultual e tantos outros elementos
vivos que jamais deixarão de fazer parte da vida do povo brasileiro.
73
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