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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE PS-GRADUAO EM FUNDAMENTOS CRISTOS DE EDUCAO TURMA

A literatura Infanto-Juvenil e o desenvolvimento moral da crianaMARIA MADALENA NUNES matrcula n:

ORIENTADOR (A): PROF. DRA. INEZ AUGUSTO BORGES

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NOVEMBRO 2011

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE PS-GRADUAO EM FUNDAMENTOS CRISTOS DE EDUCAO

A literatura Infanto-Juvenil e o desenvolvimento moral da criana

__________________________________

MARIA MADALENA NUNES matrcula n: 7102583-9 BANCA EXAMINADORAPROF. ORIENTADOR. PROF. PROF.

NOVEMBRO 2011

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Dedico este trabalho a meus pais, que tanto contriburam para minha formao crist. Com eles aprendi o valor da dedicao aos estudos

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AGRADECIMENTOS

Agradeo a todos aqueles que de alguma forma colaboraram para o ingresso e concluso deste curso. Agradeo professora Doutora Inez Augusto Borges pelo estmulo na pesquisa e no prosseguimento da vida acadmica.

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RESUMO

A discusso sobre moralidade e resgate de valores tem permeado o cenrio educacional brasileiro tanto nas assertivas de professores quanto dos pais O presente trabalho trata da construo da personalidade moral da criana tendo como ferramenta a utilizao da literatura infanto-juvenil como uma estratgia didtica, considerando-se as caractersticas prprias da literatura como uma coletnea de valores e princpios morais, cultivados por um determinado grupo social. Como orientador das problematizaes morais, o texto literrio aqui visto como um guia de valor, que fornece exemplos de atitudes valorativas, bem como pautas normativas , caracterizaes estas, apresentadas por Josep Maria Puig em sua anlise dos meios de experincia moral que contribuem para a construo da personalidade moral do indivduo. Atendendo ao paradigma atual da educao moral na educao bsica, apresentado um resgate histrico da educao moral no Brasil ajudando-nos a compreender porque a educao visando a formao tica para a cidadania foi assumida pela educao nos seus parmetros curriculares. Palavras chave: tica, Guias de valor, literatura infanto-juvenil, transdisciplinaridade, valores e atitudes, personalidade moral

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ABSTRACT

The discussion of morality and redemption values have permeated the Brazilian educational scenery in both assertions of teachers and parents. The present work describes the construction of the moral personality of the child as a tool with the using the childrens literature as a strategy of teaching, considering the Literature by her characteristics as a collection of values and moral principles, cultivated by a particular social group. The literary text is seeing like a guide of value that contributes to the moral problematization, because provides examples of evaluative attitudes, as well as regulatory guidelines. These characterizations presented by Josep Maria Puig in his analysis of the means of moral experience that contribute to construction of the moral personality. The analysis of moral educations developed in Brazil provide us to understanding why Ethical and formation to Citizenship was taken over by the curricular guides in Brazil. Keywords: Ethics, value guides, childrens literature, values and attitudes, moral personality,

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SMBOLOS, ABREVIATURAS, SIGLAS E CONVENES

MEC PCN CETRANS

Ministrio de Educao e Cultura Parmetros Curriculares Nacionais Centro de Educao Transdisciplinar

8 SUMRIO INTRODUCO

1 - TICA - UM FOCO TRANSDISCIPLINAR1.1. DEFININDO CONCEITOS.......................................................................... 1.1.1. MORAL E TICA SEMELHANAS E DISTINES..................................... 1.1.2. TICA CRIST ................................................................................... 1.1.3. DISCIPLINARIDADE, MULTIDISCIPLINARIDADE, INTERDISCIPLINARIDADE E TRANSDISCIPLINARIDADE................

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2. A CONSTRUO DA PERSONALIDADE MORAL E OS GUIAS DE VALOR, SEGUNDO JOSEP MARIA PUIG2.1 O CONCEITO DE PERSONALIDADE........................................................ 2.2 DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE MORAL............................. 2.3 O PROCESSO DE CONSTRUO DA PERSONALIDADE MORAL........ 2.3.1 O JUZO MORAL , A COMPREENSO E A AUTO-REGULAO......... 2.3.2 MEIOS DE EXPERINCIA MORAL E GUIAS DE VALOR......................33 35 37 40 42 44

3.. A LITERATURA INFANTIL COMO GUIA DE VALOR3.1.EVOLUO DA LITERATURA INFANTO-JUVENIL NO BRASIL.............. 3.1.1 CONCEITUAO ................................................................................ 3.1.2 LITERATURA INFANTO-JUVENIL NO BRASIL...................................... 3.2. USOS DA LITERATURA INFANTO-JUVENIL COMO ESTRATGIA DE ENSINO............................................................................................................. 3.3. DO DISCURSO UTILITRIO CONCEPO DA LITERATURA COMO GUIA DE VALOR................................................................................................

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4. ANLISE DA OBRA : O LIVRO DAS VIRTUDES PARA CRIANAS4.1. APRESENTAO E DESCRIO DA OBRA.......................................... 4.2. OS VALORES APRESENTADOS NA OBRA............................................ 4.2.1 AS FORMAS DE COMPORTAMENTOS APRESENTADAS COMO VALIOSAS............................................................................................ 4.2.2 OS MODELOS APRESENTADOS NA OBRA......................................... 4.2.3 AS PAUTAS NORMATIVAS.................................................................... 4. 3. PARECER FINAL SOBRE A OBRA COMO GUIA DE VALOR................ 5. CONCLUSO..................................................................................................................

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INTRODUO

... A leitura de um bom livro um dilogo incessante: o livro fala e a alma responde. Andr Maurois

O fascnio que um bom livro apresenta para a criana de qualquer idade algo que ns educadores cristos devemos considerar. Este foi o ponto de partida para este trabalho que trata tanto da boa produo literria como do poder que esta produo tem de provocar mudanas comportamentais. Questes como para onde vai a educao brasileira? Como resgatar valores h muito tempo perdidos? Como criar ambientes educacionais permeados por uma tica solidria? Esto cada vez mais presentes nas discusses e debates educacionais, sendo o foco de ateno de pais e educadores. Pais buscam uma educao para seus filhos que os prepare para viver na sociedade contempornea, e educadores pensam em como viabilizar um trabalho pedaggico que agregue tanto o conhecimento geral como os valores ticos desejveis da sociedade, visando formao integral, voltada para a cidadania. Abordar essas duas situaes, o prazer das crianas ao manipularem um livro e a preocupao com a formao de sua personalidade moral, motivou este trabalho.

12 Tanto a literatura, como forma de fruio, quanto educao focada em valores, tem sido palco de discusses acadmicas e pensar na possibilidade da literatura infanto-juvenil se constituir numa ferramenta para a formao moral da criana salutar. Nesse sentido a pesquisa trata num primeiro momento, justamente dessa possibilidade, tendo em vista que o ensino da tica tem sido tratado de forma transversal nos referenciais da educao bsica. Cada disciplina do currculo pode e deve primar pela aquisio de valores e atitudes. O primeiro captulo aborda a tica,definindo-a e buscando possibilidades de um trabalho pedaggico que favorea a formao da personalidade moral da criana. Tanto a transversalidade dos temas que devem transitar no currculo da educao bsica, quanto o entendimento de que transdisciplinaridade favorece uma formao holstica, foram aqui abordados, alm de se buscar uma definio dos conceitos de moral, tica, valores e suas implicaes para uma tica crist. No segundo captulo buscou-se o referencial terico de Josep Maria Puig, analisando o percurso histrico do trabalho com a educao moral, alm de observar suas proposies para um trabalho focado em valores. A anlise se faz a partir da aquisio do juzo moral, para a qual o autor afirma que os meios nos quais a criana transita esto cobertos de possibilidades de problematizao moral. Nesses meios, vrias ferramentas podem favorecer a reflexo sobre valores morais, entre elas os guias de valor. A literatura infanto-juvenil foco do trabalho vista como um guia de valor que possibilita a reflexo moral da criana a partir de modelos valorativos em situaes onde se requer a aplicao dos valores. A personalidade moral definida, tendo em vista a singularidade humana e a necessidade de uma formao completa que contemple o ser humano em sua integralidade. No terceiro captulo temos a anlise da literatura infantil como guia de valor.

13 Nessa perspectiva, uma literatura que seja produzida intencionalmente para, tratar e impor valores esperados, no atende essncia do que se entende por texto literrio esttico, nem se constitui um bom guia de valor. Uma literatura utilitria, alm de no apresentar quaisquer atrativos para a criana, tambm no se constitui numa boa estratgia de ensino. O captulo discorre, justamente sobre a produo literria esttica em contraponto com a literatura utilitria. Tambm se apresenta neste capitulo o paralelo entre literatura e o conceito de guia de valor, segundo Puig. Finalmente, no ltimo captulo temos a analise da obra literria: O livro das Virtudes para Crianas, onde se busca a partir das narrativas de contos da tradio oral, cultivadas ao longo da historia da humanidade, uma reflexo sobre os valores, as atitudes consideradas valiosas, os modelos de comportamento em diferentes situaes problematizadoras , bem como as pautas normativas , ou seja, a constituio formal de regras expressas.

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I - tica - um foco transdisciplinarQuando nos deparamos com o tema tica em educao, costumamos nos remeter ao ensino da moral, como parte da historia da Educao Brasileira. Hoje vemos a grande nfase na necessidade da abordagem da tica como componente curricular no s da educao bsica como tambm das universidades. O que antigamente era tratado como educao moral e cvica hoje, contudo de forma distinta, abordado pela tica. A sociedade brasileira tem, cada vez mais, sentido a necessidade de voltar-se para o campo da tica a fim de regular as relaes sociais, profissionais e familiares. Nesse sentido, tica e educao esto intimamente ligados, j que a meta da educao , alem de transmitir conceitos e valores, tambm moldar o carter. Portanto temas como moral, tica, valores, virtudes vcios, carter, so importantes objetos de estudo. Segundo Yves de la Taille( 2009 p.109) o tema das virtudes morais abarca at mesmo o campo da psicologia moral, indo alem do conceito antropolgico e filosfico.Acreditamos que possvel defender a importncia de pesquisas sobre as virtudes morais de trs formas diferentes e complementares: 1) o interesse universal do tema; 2) sua insero numa possvel definio do que seja moral ou tica; e 3) sua relevncia psicolgica na construo da moral por parte do ser humano em geral e da criana em particular. ( LA TAILLE, 2009 p.109)

Ele defende a ideia de que o tema das virtudes universal, e que elas incidem sobre as qualidades de cada pessoa: Em resumo, as virtudes remetem-nos a dimenses universais, pois essencialmente humanas, a saber: qualidade atribuda

15 pessoa, valor desejvel e admirvel, leitura tica da personalidade. Pensamos que isso j basta para avalizar um estudo psicolgico das virtudes. ( LA TAILLE, 2000). Isso justifica pensar na tica em todos os aspectos que ela influi, bem como na forma como deve ser tratada como componente curricular no ensino fundamental Definir os conceitos acima citados e sua relao com o estudo da tica no somente necessrio como tambm primordial. Quando nos referimos tica o que de fato queremos dizer? Seu conceito similar ao moral? So termos distintos? So sinnimos?Esto circunscritas ao mesmo campo de ideias? Porque historicamente, durante o perodo, denominado ditadura militar, as questes das virtudes e valores foram abordadas por uma disciplina especfica? Para maior clareza quanto presena da moral e tica, nos currculos escolares, podemos buscar na historia da Educao Brasileira, como eram tratados estes contedos em diversos momentos, at chegarmos s concepes atuais. O panorama do ensino da moral e cvica sempre esteve em pauta, na educao brasileira, embora esquecido por um tempo. Rita Melissa Lepre, (2008) em seu artigo Consideraes sobre a educao moral no Brasil: percurso histrico e proposta atual, afirma que o trabalho com a disciplina tica no Brasil, passou por diferentes momentos de acordo com a histria scio-poltica da nao, at chegarmos ao momento atual, que determina seu trabalho dentro de uma perspectiva transdisciplinar, como preconizam os Parmetros Curriculares Nacionais. Segundo a autora, o resgate histrico nos leva a lembrar do momento em que a disciplina Educao Moral e Cvica, obrigatria, por lei, fazia parte da grade curricular obrigatria, tanto no ensino fundamental como do Ensino superior, onde se focava o estudo dos problemas scio- poltico brasileiros.O termo Educao Moral no novidade para a educao brasileira. A maioria dos brasileiros com mais de 30 anos, j ouviu falar nessa matria e, muitos de ns, a cursaram nos tempos de colgio. No h como fugir: todos que passaram pelo ensino formal no perodo de 1969 a 1993, cursaram as disciplinas Educao Moral e Cvica e Organizao Social e

16Poltica do Brasil e para os alunos do Ensino superior, a inesquecvel Estudos dos Problemas Brasileiros (EPB).Tais disciplinas foram criadas, atravs de um decreto-lei, em 12 de setembro de 1969, durante o governo ditatorial do presidente Garrastazu Mdici (LEPRE, 2008)

A autora afirma ainda, que o objetivo da obrigatoriedade da disciplina, pautava-se na necessidade do estabelecimento da ordem dentro do regime ditatorial.Com o suposto objetivo de manter a ordem, a democracia e a liberdade dos cidados e livrar o pas da ao comunista, o governo militar decreta em 13 de dezembro de 1968, o Ato Institucional nmero 5, o AI5, no qual reprimida toda ao considerada subversiva. Inicia-se, ento, um perodo de perseguies, torturas e cerceamento dos discursos do livre pensamento. Todos os setores da sociedade passaram a servir, ento, Ditadura. A Educao era um desses fatores que serviu de cenrio para as sandices ditatoriais. Em 1969 comeam a surgir os decretos-lei, 24 no total, normatizando toda a Educao no pas. Entre eles, o decreto-lei no. 869, que institua a disciplina Educao Moral e Cvica como obrigatria nas escolas de todos os graus e modalidades dos sistemas de ensino no pas. ( LEPRE,2008)

Vemos aqui o ensino da moral com um forte cunho ideolgico, com objetivos bem definidos que distam da preocupao com a formao moral do individuo. Historicamente a educao para a formao moral, parece demonstrar um carter utilitrio de adestramento, dentro de um contexto onde os valores eram prdeterminados e a moral apresentava um forte aspecto heternomo. No parecer da autora, o trabalho com a moral nesse contexto se poderia chamar de anti-educaco moral, contrariando, segundo ela, os princpios apontados por Piaget na construo da moralidade. Ela afirma que ao pensar a educao moral h que se considerar como princpios irrefutveis: 1. A educao moral no pode ser tratada como uma disciplina parte; 2. A cooperao no algo que possa ser imposto, ela se constri no contato com o grupo;3. A educao moral no pode ser entendida como doutrina, mas como um conjunto de princpios autonomamente elaborados pelos indivduos, visando a justia e o bem comum. (2008)

17 A redemocratizao do pas trouxe ao longo dos ltimos anos um novo paradigma para a Educao Moral, respeitando as vertentes pedaggicas que preconizam um trabalho voltado para a construo da cidadania consciente a partir de princpios norteadores no trabalho com a tica. Estes princpios perpassam todas as disciplinas e so tratados de forma a permitir a transversalidade como, vemos no Documento denominado Parmetros Curriculares Nacionais. Eles tratam da matriz curricular de forma abrangente, traando diretrizes para o trabalho pedaggico dos componentes curriculares. No volume que trata do ensino da tica, h um esclarecimento sobre a matriz curricular e os temas transversais que devem perpassar todas as disciplinas do currculo. Segue abaixo a visualizao dos componentes curriculares que devem compor o ncleo comum de disciplinas obrigatrias com os temas transversais, indicando a estrutura como o documento foi elaborado. Nele fica claro que os temas considerados transversais podem e devem ser tratados em todos os componentes curriculares.

ESTRUTURA DOS PARMETROS CURRICULARES NACIONAIS PARA O ENSINO FUNDAMENTAL

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Os quadrinhos no-sombreados correspondem aos itens que sero trabalhados nos Parmetros Curriculares Nacionais de quinta a oitava srie.(BRASIL,PCN,1997)

Desta forma os temas transversais no so mais uma disciplina no currculo. Na verdade se constituem em questes que devem ser contempladas em todas as reas do conhecimento, preconizando uma viso de educao holstica que integra os contedos com a finalidade da construo de uma cidadania plena. A leitura do documento leva-nos a constatar que houve uma significativa mudana em relao ao trabalho no s em relao tica, como tambm aos demais temas que so imprescindveis atual demanda da sociedade moderna. A necessidade de se desenvolver um trabalho transdisciplinar , surge com as teorias contemporneas de educao que focam seu olhar no educando,

19 entendendo a necessidade de um trabalho significativo voltado construo do conhecimento. A anlise destas teorias pode nos fornecer dados para o entendimento do que seja uma educao transdisciplinar ,Portanto definir alguns conceitos imprescindvel para caminhar no conhecimento do que seja a proposta de um trabalho com tica como um tema transversal, que trabalhado de forma a permear todas as reas do conhecimento. 1.1 Definindo conceitos Num primeiro momento precisamos esclarecer se de fato h uma distino entre tica e moral. O volume dos Parmetros Curriculares nacionais que trata do tema tica inicia suas consideraes, justamente apontando o pensamento corrente a respeito de tica e moral.Moral e tica, s vezes, so palavras empregadas como sinnimos: conjunto de princpios ou padres de conduta. tica pode tambm significar Filosofia da Moral, portanto, um pensamento reflexivo sobre os valores e as normas que regem as condutas humanas. Em outro sentido, tica pode referir-se a um conjunto de princpios e normas que um grupo estabelece para seu exerccio profissional (por exemplo, os cdigos de tica dos mdicos, dos advogados, dos psiclogos, etc.). Em outro sentido, ainda, pode referir-se a uma distino entre princpios que do rumo ao pensar sem, de antemo, prescrever formas precisas de conduta (tica) e regras precisas e fechadas (moral). Finalmente, deve-se chamar a ateno para o fato de a palavra moral ter, para muitos, adquirido sentido pejorativo, associado a moralismo. Assim, muitos preferem associar palavra tica os valores e regras que prezam, querendo assim marcar diferenas com os moralistas (Brasil, PCNs, 1995, p.47).

Desta forma, admite-se que a moral e a tica podem, num certo sentido, ser entendidas como sinnimas, porem pode-se tambm utiliz-las fazendo distino entre a moral, entendida como um conjunto de valores e normas a serem seguidas, enquanto que a tica se refere reflexo sobre esses valores. O fato de etimologicamente as duas palavras terem o mesmo sentido pode dar a ideia de sinonmia.

20 Yves de La Taille, ao considerar sobre moral e tica nos traz a relevncia de se considerar tanto as semelhanas como as possveis distines entre elas o que para ele nos ajuda a compreender as aes morais (2009, p.11).

1.1.1.Moral e tica semelhanas e distines.La Taille desenvolveu uma pesquisa significativa entre os jovens de So Paulo, sobre os valores. Como resultado dessa pesquisa ele trata das dimenses intelectuais e afetivas da Moral e tica. Em seu trabalho temos uma anlise dos termos Moral e tica. Suas reflexes podem nos ajudar na definio desses termos. Segundo ele, Moral e tica so conceitos habitualmente empregados como sinnimos. Ambos referem-se a um conjunto de regras de conduta consideradas como obrigatrias (2006 p.25).Tal sinonmia perfeitamente aceitvel: se temos dois vocbulos porque herdamos do latim (moral) e outro do grego (tica), duas culturas antigas que assim nomeavam o campo da reflexo sobre os costumes dos homens, sua validade, legitimidade, desejabilidade, exigibilidade. Note-se desde j que a exigibilidade das condutas, os deveres portanto, tema central da grande maioria das reflexes modernas, no era o nico que dominava os campos moral e tico.( LA TAILLE, 2006 p.25)

Conquanto os termos moral e tica, sejam muitas vezes empregados como sinnimos , segundo o autor h quem faca distino entre eles , atribuindo um sentido filosfico tica e um sentido mais social moral . Ele opina que essa distino dos termos interessante. Por um lado , permite nomear diferentemente o objeto e a reflexo que incide sobre ele, portanto demarcar nveis de abstrao .E, por outro lado permite sublinhar o fato de se poder viver uma moral sem nunca ter se dado ao trabalho da reflexo tica ( LA TAILLE,2006 p.26). Ele esclarece que apenas ficar no campo das definies no ajuda na compreenso da relevncia dos estudos de Moral e tica. Ele amplia a viso destes conceitos demonstrando o quanto isso importante para tratar do assunto a que ele se prope, ou seja as dimenses psicolgicas da moralidade.(2009, p.11)

21 No se pode, contudo, desprezar as consideraes sobre a tica e Moral quando pensamos na cosmoviso Crist de Educao, isto porque a tica Crist traz em si pressupostos que determinam uma viso de homem e de mundo, segundo os conceitos irrefutveis das Escrituras Sagradas. A tica Crist parte da convico de um Deus Criador de todas as coisas e do homem de uma maneira singular , dotando-o de capacidades que implicam em sua responsabilidade na manuteno do Universo criado. Inez Borges assevera que mesmo havendo um campo de disputa entre f e cincia, esta no descarta a singularidade e dignidade do ser humano,A cincia moderna, mesmo desconsiderando o processo de criao, assevera como verdadeiro que o ser humano surgiu na Terra apenas depois que uma condio ideal em termos fsicos, bioqumicos e climticos pudesse tornar possvel a sobrevivncia humana. A cincia moderna, portanto, no tem recursos para contestar a ideia bblica de que o ser humano uma criatura especial de Deus, que se distingue de todas as demais criaturas, tanto em dignidade, quanto em relao ao propsito de sua existncia. (BORGES, 2011.p.7)

Alem disso, a cincia no descarta a presena de princpios que regem o Universo em suas leis imutveis e anteriores ao aparecimento do homem, o que implica em admitir que a reflexo sobre a Criao do Universo mais profunda, e isto abarca o campo da tica, que estabelece os princpios que regem a vida humana (BORGES, 2011.p.7). Segundo a autora o principio maior que rege todo o Universo o da Soberania e este se relaciona ao homem porque ele foi criado com o propsito de glorificar o Criador atravs de sua existncia responsvel. Ela afirmaDeus criou o homem sua imagem e semelhana, capacitando-o a viver de forma piedosa (em comunho com o prprio Deus), de forma virtuosa (em honesta comunho com os outros seres humanos) e de forma racional (exercendo capacidade de identificar, conhecer e administrar as demais obras da criao). Deus criou os seres humanos com uma ordem tica. J na criao h um DEVER-SER. (BORGES,2011.p.8)

22 Tais reflexes implicam que devemos considerar a tica Crist em seus princpios absolutos determinado valores que devem orientar o bem viver. Da ela destacar um dever ser para a coroa da criao, o homem. 1.2 tica Crist Borges afirma que as reflexes sobre a tica, como uma cincia dos valores universais, no se pode desvincul-la da existncia humana. Segundo ela todas as sociedades e culturas regulam sua conduta social atravs de normas morais. O comportamento moral prprio do ser humano, pois todos os seres humanos so seres sociais e so socialmente responsveis pelas normas de conduta em sua esfera de vida. Mas, se todas as sociedadestm uma forma de moral, tambm evidente que existem infinidades de diferentes morais. Como fica ento, nosso questionamento sobre a tica. [...](BORGES,2011).

Uma moral prpria de cada coletividade nos faz questionar a necessidade de padres nicos, ou absolutos de procedimento que devem regular a vida planetria. Nessa linha a autora discute a necessidade de princpios que rejam a determinao desses padres morais de vivncia. Assim afirma que os valores ticos esto relacionados, de forma inerente prpria condio de ser humano. Identificar os valores ticos requer a busca de conhecimento sobre a condio distintiva entre seres humanos e demais criaturas. Esse raciocnio que nos motiva a pensar nos princpios da tica Crist. Recorrendo ento aos princpios bblicos que asseguram que a existncia humana impossvel sem uma tica que reja as relaes, podemos ter a clara viso de que prprio da humanidade criada viver em grupo tendo como parmetro um cdigo de conduta para regular as inter-relaes sociais.

23, portanto, a condio humana a determinante da exigncia tica. A tica a condio para que existam homens e comunidades, indivduos e sociedades. Nenhum indivduo, por mais presunoso que seja, pode afirmar que se fez indivduo de forma desvinculada de uma sociedade. Foram necessrios cuidados bsicos, estmulos e restries para que os instintos naturais e as capacitaes biolgicas se transformassem em caractersticas distintivas de uma singularidade e personalidade nicas. (BORGES,2011.p.10).

Dessa forma, podemos entender que os cristos em todo seu percurso histrico, desde a comunidade judaica at a instituio da igreja crist primitiva, compreendendo seu papel de cumprir ordenanas divinas, manifestaram em sua conduta o padro tico determinado no Evangelho, tanto para sua convivncia social como na demonstrao que esse um padro que deveria permear a sociedade como um todo independente de quaisquer etnias.O Evangelho uma mensagem transformadora das relaes sociais, espirituais e psicolgicas. Os seres humanos de todas as naes da terra devero saber que so criados por um Deus amoroso e justo, que no tolera o pecado, mas que providenciou o recurso para o perdo e justificao de todo aquele que cr: primeiro do judeu e tambm do grego. A mensagem a ser levada at aos confins da terra no exclui ningum, mas exige transformao radical da percepo de mundo, de si mesmo e do outro (BORGES, 2011. p.13)

Essas consideraes nos ajudam a entender a relevncia do tema, a ponto de assumirmos que qualquer discusso feita at aqui, deve aprofundar-se, para obter mais elementos que nos ajudem a buscarmos uma prtica educativa que se aproxime mais do padro valorativo desejvel na conduta social. Avanando um pouco mais na anlise desses conceitos entendemos que no podemos nos ater ao campo das definies etimolgicas dos termos, pois preciso compreender que h um plano Moral e um plano tico onde estes conceitos se desenvolvem. Ao fazermos isso no h uma preocupao exclusiva de determinar significados, mas sim de entender que ao trazer luz as definies dentro destes planos, descrevemos os nveis de desenvolvimento moral (2009, p.22).

24 Ele admite que hoje, seguindo o pensamento da modernidade e tambm de certa forma um modismo e uma necessidade de fugir do emprego pejorativo do termo moral, fala-se muito mais em tica do que em moral,[...] as constantes referencias atuais tica parecem mais relacionadas a uma demanda quase que desesperada por normas, limites, por controle. Fala-se em tica na poltica: trata-se de regras. Elaboram-se cdigos de tica nas empresas: mais uma vez, declinam-se regras de conduta. Criam-se comits de tica na pesquisa: mais regras. [...] Ou melhor, h uma: a proliferao de diversas ticas so o sintoma de uma espcie de fria normatizadora, a qual assistimos hoje, e que as estreitas balizas do politicamente correto traduzem com perfeio..Tal fria no ser , na verdade, decorrncia de uma crescente desconfiana em relao conscincia moral dos indivduos?{[...} Como j sinalizaram alguns autores, fala-se muito em tica na verdade, pensa-se muito na moral. (LA TAILLE,2009,p.28)

Parece evidente que a necessidade de entendimento do que est na essncia no emprego destes termos, faz-se premente. Tanto este, quanto outros autores usam os termos moral e tica para se referirem s distintas dimenses da vida humana, reservando a palavra tica para o bem viver. (2009, p.29). Concluindo seu pensamento sobre moral e tica, antes de entrar nos planos de cada uma delas, La Taille, distingue-as dizendo que falar em moral falar em deveres, e falar em tica falar em busca de uma vida boa, de uma vida que vale a pena ser vivida. (2009, p.30). Conquanto o autor trate mais pormenorizadamente os planos da moral e da tica, o que at aqui foi proposto nos ajuda a entender que o documento curricular que trata da tica coloca de forma sinttica as similaridades e distines entre elas Fazer isso extremamente necessrio para no incorrermos no erro de pensar tica como uma disciplina curricular que pode dar conta da aquisio de valores e virtudes. Fica claro que o reducionismo desses conceitos pode levar a equvocos como foi o entendimento de que as disciplinas Educao Moral e Cvica (E.M.C.), Organizao Social e Poltica Brasileira (OS. P.B.) e Estudos dos Problemas Brasileiros (E.P.B.) poderiam abarcar todas as reflexes sobre tica e moralidade.

25 O parmetro para a reflexo tica sobre os valores descrito nos PCNs. Dando o parecer de que a criao de uma disciplina no capaz de atender a demanda pela necessidade da aquisio de uma postura tica frente vida cidad.Em 1942, a Lei Orgnica do Ensino Secundrio falava em formao da personalidade integral do adolescente e em acentuao e elevao da formao espiritual, conscincia patritica e conscincia humanista do aluno. Em 1961, a Lei de Diretrizes e Bases do Ensino Nacional colocava entre suas normas a formao moral e cvica do aluno. Em 1971, pela Lei n. 5.692/71, institui-se a Educao Moral e Cvica como rea da educao escolar no Brasil. Porm, o fato de, historicamente, verificar-se a presena da preocupao com a formao moral do aluno ainda no argumento bastante forte. De fato, alguns podero pensar que a escola, por vrias razes, nunca ser capaz de dar uma formao moral aceitvel e, portanto, deve abster-se dessa empreitada. Outros podero responder que o objetivo da escola o de ensinar conhecimentos acumulados pela humanidade e no se preocupar com uma formao mais ampla de seus alunos. Outros ainda, apesar de simpticos ideia de uma educao moral, podero permanecer desconfiados ao lembrar a malfadada tentativa de se implantar aulas de Moral e Cvica no currculo. Mesmo reconhecendo tratar-se de uma questo polmica, a resposta dada por estes Parmetros Curriculares Nacionais afirmativa: cabe escola empenhar-se na formao moral de seus alunos. Por isso, apresenta-se uma proposta diametralmente diferente das antigas aulas de Moral e Cvica e explica-se o porqu. (BRASIL, PCN de tica)

Embora reconhecendo a importncia do reconhecimento de que mesmo de forma equivocada as questes ticas nunca deixaram de estar presentes nas pautas escolares preciso entender que a proposta de uma educao integral, com vistas ao desenvolvimento da cidadania exige um pensar mais profundo sobre a tica, entendendo a complexidade e a transversalidade do tema. tica no pode ficar circunscrita ao campo de uma disciplina. Ela est presente nas reflexes que constituem o desenvolvimento moral, portanto h que se ter um foco transdisciplinar no seu estudo. Conquanto a questo da transdisciplinaridade seja preconizada nas novas prticas pedaggicas, trata-se de um conceito de definio complexa. O conceito de transdisciplinaridade surgiu a partir das discusses levantadas pelas novas correntes pedaggicas, no contexto de analise dos rumos da educao num mundo globalizado, cuja demanda aponta para a necessidade de novos paradigmas educacionais.

26 De acordo com o CETRANS a validade de observar uma viso transdisciplinar, conduz a uma profundidade no estudo de quaisquer assuntos que sejam objeto de estudo e tem orientado as recentes pesquisas, a capacitao docente, e consultorias. Ela possibilita uma maior organicidade e coerncia aprendizagem (1999,p.9). Um primeiro aspecto a se considerar o da necessidade desta viso transdisciplinar. O congresso da Arrbida ocorrido em 1994 procurou colocar a contemporaneidade deste conceito ao mesmo tempo em que admitiu a dificuldade da definio do termo. Este congresso foi escolhido como o palco das discusses sobre a transdisciplinaridade e contou com grandes nomes como Edgar Morin, Basarab Nicolescu e Lima de Freitas, com o apoio geral da UNESCO.O artigo 7 da Carta da Transdisciplinaridade, afirma que a Transdisciplinaridade no constitui nem uma nova religio, nem uma nova filosofia, nem uma nova metafsica, nem uma cincia das cincias. Tambm no se constitui num cientismo neopositivista, nem numa ideologia, nem numa nova linguagem e no deve ser um mero hibridismo, uma importao de metforas. ( 1994)

E, ainda, de acordo com Nicolescu:Todo o conhecimento ocidental assenta sobre a eficcia da especializao, o que para mim uma ideia justa. Mas, a Transdisciplinaridade no uma nova disciplina , eno diz respeito nem ao mtodo (nem portanto transferncia do mtodo), nem justaposio de conhecimentos que fazem parte de uma disciplina j existente. antes uma atitude rigorosa em relao a tudo o que se encontra no espao que no pertence a nenhuma disciplina . Dito de outra forma, a Transdisciplinaridade complementar da aproximao disciplinar; ela faz emergir da confrontao das disciplinas novos dados que as articulam entre si e que nos do uma nova viso da natureza e da realidade(Apud SANTOS, 1995.p.2)

Assim, vemos a transdisciplinaridade como um dilogo articulado entre as disciplinas promovendo uma nova dimenso no estudo dos contedos, quer sejam factuais, conceituais, procedimentais ou atitudinais. Nesse sentido, nos aproximamos do que proposto nos Parmetros Curriculares Nacionais, em relao aos temas transversais. Eles so tratados dialogando com as diferentes disciplinas, ou seja, de forma transdisciplinar.

27 Tal forma de pensar as novas pedagogias, observando a complexidade da construo do conhecimento, traz essa nova necessidade de um trabalho que no se limite ao aspecto de uma transmisso cumulativa e fragmentada. Isso levou necessidade de estabelecer conexes entre as diferentes disciplinas, comeando pelos conceitos de pluridisciplinaridade e interdisciplinaridade.

1.1.2 Disciplinaridade, Multidisciplinaridade, Interdisciplinaridade e Transdisciplinaridade

Trazer luz uma definio de cada um desses conceitos, como j vimos uma tarefa difcil e sujeita a equvocos. Estamos aqui tratando no s da forma como tambm da epistemologia que abraamos ao defini-los . H nesses conceitos uma similaridade que pode nos fazer pensar nestes termos como sinnimos, e assumindo esta concepo nos limitar no tratamento pedaggico que damos s diferentes disciplinas. Conquanto tenham o mesmo sufixo, disciplinaridade, cada uma dessas abordagens implica numa forma de trabalhar as diferentes disciplinas. Pensar num objeto de estudo e visualiz-lo sob diferentes aspectos a partir de diferentes disciplinas constitui-se no que chamamos de pluridisciplinaridade. Embora haja uma ampliao do estudo, j que a pesquisa ultrapassa as vrias disciplinas, no entanto o campo de estudos ainda disciplinar. A proposta de uma abordagem interdisciplinar caminha num sentido um pouco diferente, porque transfere os mtodos de uma disciplina para outra (CETRANS, 1999).Podemos distinguir trs graus de interdisciplinaridade: a) um grau de aplicao. Por exemplo, os mtodos da fsica nuclear transferidos para a medicina levam ao aparecimento de novos tratamentos para o cncer; b) um grau epistemolgico. Por exemplo, a transferncia de mtodos da lgica formal para o campo do direito produz anlises interessantes na epistemologia do direito; c) um grau de gerao de novas disciplinas. Por exemplo, a transferncia dos mtodos da matemtica para o

28campo da fsica gerou a fsica matemtica; os da fsica de partculas para a astrofsica, a cosmologia quntica; os da matemtica para os fenmenos meteorolgicos ou para os da bolsa, a teoria do caos; os da informtica para a arte, a arte informtica (1999, p.8).

Observa-se que, tratar contedos didticos de forma interdisciplinar, favorece a aquisio de conhecimento, da mesma forma que trabalhando-se de maneira pluridisciplinar. Mas tanto num como no outro caso ainda ficamos circunscritos ao campo das disciplinas. Quando se fala em transdisciplinaridade h uma ampliao de conceitos. O prefixo trans, indica algo que esta entre, atravs e alem das disciplinas, tendo como objetivo uma compreenso de mundo, tendo em vista a unidade do conhecimento e no sua fragmentao.A transdisciplinaridade se interessa pela dinmica gerada pela ao de vrios nveis de Realidade ao mesmo tempo. A descoberta desta dinmica passa necessariamente pelo conhecimento disciplinar. Embora a transdisciplinaridade no seja uma nova disciplina, nem uma nova hiper disciplina, alimenta-se da pesquisa disciplinar que, por sua vez, iluminada de maneira nova e fecunda pelo conhecimento transdisciplinar. Neste sentido, as pesquisas disciplinares e transdisciplinares no so antagonistas mas complementares.(1999,p.12).

Assim, no contexto dos Parmetros Curriculares Nacionais temos a abordagem dos contedos, dentro de uma tica transdisciplinar, como vemos na afirmativa de Akiko Santos no artigo Complexidade e transdisciplinaridade em educao: cinco princpios para resgatar o elo perdido.Recomendados nos Parmetros Curriculares Nacionais (PCNs) (Brasil, 2001), os temas transversais recorrem a essa lgica quando articulam os conhecimentos das diversas disciplinas. Os temas transversais, tendo em vista um tema social, transgridem as fronteiras epistemolgicas de cada disciplina, possibilitando uma viso mais significativa do conhecimento e da vida. Na medida do vivel, os temas transversais resgatam as relaes existentes entre os conhecimentos. (SANTOS, 2008,p.81)

Analisando o volume introdutrio dos Parmetros curriculares Nacionais vemos a justificativa para o trabalho transdisciplinar a ser realizado com os temas transversais entre eles o tema tica.

29 O texto aponta para uma educao que visa o preparo para a cidadania e para tanto a incluso das questes sociais possibilitar ao educando uma postura mais reflexiva quanto ao conhecimento culturalmente acumulado.Os Parmetros Curriculares Nacionais incorporam essa tendncia e a incluem no currculo de forma a compor um conjunto articulado e aberto a novos temas, buscando um tratamento didtico que contemple sua complexidade e sua dinmica, dando-lhes a mesma importncia das reas convencionais. O currculo ganha em flexibilidade e abertura, uma vez que os temas podem ser priorizados e contextualizados de acordo com as diferentes realidades locais e regionais e outros temas podem ser includos (BRASIL, PCN, 2001, p.25).

A tica tratada e entendida como um dos temas mais explorados pelo pensamento filosfico moderno e que faz parte do cotidiano de cada um sendo um tema amplamente conhecido, e que requer uma reflexo profunda e consistente. Para tanto os PCNs apontam sua relevncia como tema que contribui para a formao da cidadania, como vemos:A reflexo tica traz luz a discusso sobre a liberdade de escolha. A tica interroga sobre a legitimidade de prticas e valores consagrados pela tradio e pelo costume. Abrange tanto a crtica das relaes entre os grupos, dos grupos nas instituies e perante elas, quanto dimenso das aes pessoais. Trata-se portanto de discutir o sentido tico da convivncia humana nas suas relaes com vrias dimenses da vida social: o ambiente, a cultura, a sexualidade e a sade. (BRASIL,PCN,2001p.25)

As reflexes sobre a tica, abordadas no documento, envolvem as questes da inter-relao e das condutas humanas, portanto o eixo de estudo da tica no ensino fundamental deve priorizar os valores da justia, solidariedade, respeito mutuo, dilogo, por serem os que atribuem a importncia da garantia dos direitos individuais da pessoa humana, como aponta o texto da Constituio da Republica Federativa do Brasil e se reafirmam nos parmetros.tica encontra-se nas disciplinas do currculo, uma vez que, sabe-se, o conhecimento no neutro, nem impermevel a valores de todo tipo. Finalmente, encontra-se nos demais Temas Transversais, j que, de uma forma ou de outra, tratam de valores e normas. Em suma, a reflexo sobre as diversas faces das condutas humanas deve fazer parte dos objetivos maiores da escola comprometida com a formao para a cidadania. Partindo dessa perspectiva, o tema tica traz a proposta de que a escola realize um trabalho que possibilite o desenvolvimento da autonomia moral, condio para a reflexo tica. Para isso foram eleitos como eixos do trabalho quatro blocos de contedo: Respeito Mtuo, Justia, Dilogo e

30Solidariedade, valores referenciados no princpio da dignidade do ser humano, um dos fundamentos da Constituio brasileira. ( BRASIL,PCN,2001,p.26).

Interessante observar que os temas transversais resgatam a ideia de intercmbio disciplinar. H uma dinamicidade do conhecimento. Mudar prticas pedaggicas cristalizadas requer reflexo sobre a epistemologia que envolve essas prticas. Cada dia mais temos visto um discurso que ressalta a ideia da complexidade do processo ensino aprendizagem. Tal complexidade requer um novo olhar, no s para os contedos e disciplinas, mas para a forma como so trabalhados, e neste aspecto que vemos avanar a ideia da transdisciplinaridade.Na prtica do magistrio, esse novo referencial representa mudana epistemolgica e vem sugerindo reconceitualizaes de categorias analticas, de vez que, pelas orientaes dicotmicas das dualidades, se valorizou somente uma das dimenses de tais dualidades: pela dicotomia inicial sujeito-objeto, houve a supervalorizao da objetividade e da racionalidade, como tambm se seguiu a orientao de descontextualizao, simplificao e reduo quando o fenmeno complexo, em detrimento da dimenso oposta, igualmente integrante dos fenmenos, que compreende a subjetividade, a emoo, a articulao dos saberes disciplinares e o contexto. (SANTOS, 2008, p.72.).

Mudana epistemolgica significa mudana tanto de paradigmas, quanto de praticas educacionais. A quebra de crenas de que a fragmentao de contedos colabora com o processo ensino-aprendizagem, permitindo uma aquisio cumulativa de saberes, despreza a ideia das inmeras redes , conexes e intercmbios que podem promover um dilogo transdisciplinar. Segundo Akiko Santos, o princpio da fragmentao do currculo em disciplinas impedem o fluxo de relaes existentes entre as disciplinas e reas do conhecimento. E mais, continua afirmando que tal prtica reducionista e descontextualizada. Essa ideia apoia a expresso de que a viso transdisciplinar transgride essa lgica da no-contradiao (2008, p.72 e 75). Avanando ainda mais, o autor afirma que ao instituir os temas transversais, os Parmetros Curriculares Nacionais, houve uma abertura para o entendimento dos novos processos educacionais.

31[...] os temas transversais recorrem a essa lgica quando articulam os conhecimentos das diversas disciplinas. Os temas transversais, tendo em vista um tema social, transgridem as fronteiras epistemolgicas de cada disciplina, possibilitando uma viso mais significativa do conhecimento e da vida. Na medida do vivel, os temas transversais resgatam as relaes existentes entre os conhecimentos. Ao trabalhar com a multirreferencialidade do conhecimento, o princpio que rege os temas transversais muda o conceito de conhecimento. Passase da disciplinaridade (lgica clssica) a transdisciplinaridade (lgica do terceiro termo includo). O conhecimento concebido como uma rede de conexes (do arbreo passa-se ao conceito rizomtico), o que leva a multidimensionalidade do conhecimento e distino de vrios nveis de realidade (SANTOS, 2008 p.75).

Essa nova viso de um conhecimento que multidimensional traz abertura para novas percepes, dando aos contedos disciplinares maior amplitude e significado como observa Santos:Assim, a multidimensionalidade diz respeito ao reconhecimento dos diferentes nveis de realidade no processo cognitivo. Abertura que se d conforme os tipos de observadores, cujas percepes, quando ampliadas por variadas articulaes, possibilitam um conhecimento cada vez mais significativo e abrangente. O conhecimento transdisciplinar associa-se dinmica da multiplicidade das dimenses da realidade apoia-se no prprio conhecimento disciplinar. Isso quer dizer que a pesquisa transdisciplinar pressupe a pesquisa disciplinar, no entanto, deve ser enfocada a partir da articulao de referncias diversas. Desse modo, os conhecimentos disciplinares transdisciplinares no se antagonizam, mas se complementam (SANTOS, 2008, p.75)

Isso posto, somos levados a considerar que, trabalhar a tica como um mero componente curricular, impondo aos educandos os valores e virtudes morais e cvicas que consideramos ser essenciais para um comportamento moralmente correto insuficiente para entender os preceitos que devem reger uma sociedade democrtica e comprometida com a formao para a cidadania. Formar um cidado olhar para ele com todas as suas potencialidades . v-lo como um individuo capaz de aprimorar suas condutas a partir de uma convivncia social e da reflexo sobre as virtudes e valores que devem reger essas relaes sociais . Desta forma, no poderamos deixar de considerar os princpios educativos abordados pelo grande educador Comnius (2001). Segundo ele possvel ensinar tudo a todos, isto inclui a tica. Em seu tratado de ensinar tudo a todos, ele inicia dizendo:Processo seguro e excelente de instruir, em todas as comunidades, de qualquer reino cristo, cidades e aldeias, escolas tais que toda a juventude de um e de outro sexo, sem excetuar ningum em siveiarte alguma, possa ser formada nos estudos, educada nos bons costumes, impregnada de piedade, e, desta maneira, possa ser,

32nos anos da puberdade, instruda em tudo que diz respeito vida presente e futura, com economia de tempo e de fadiga, com agrado e com solidez (COMENIUS, 2001, p.11)

Vemos na citao, palavras que expressam a forca do ato de educar. Ele no fala da pura e simples transmisso cumulativa de contedos factuais. Pelo contrrio , palavras como : instruir, formar,educar, imprimem ao processo educacional uma importncia singular . A expectativa de preparar um ser humano para a vida com tudo que ela envolve. Segundo ele, esto no homem as sementes da moral e, que as sementes no so ainda frutos, portanto o ser humano precisa ser formado a fim de que se torne homem, seno no passar de um bruto (COMENIUS, 2001, p.101) Essa clareza do grande educador nos estimula a pensar em como se processas nas crianas a aquisio dos conceitos morais e ticos, como elas formam a sua moralidade, em que medida a transversalidades das disciplinas permitem a reflexo sobre os valores do bem viver. Ainda, pensando na tica como um tema transversal e que deve ser trabalhado em todas as disciplinas de forma transdisciplinar, preciso entender que a construo da personalidade moral acontece dentro do contexto escolar e que a prtica pedaggica pode favorecer essa construo. No h como pensar no trabalho com a tica na Escola, sem entender como a criana forma o seu juzo moral. Que espaos ou prticas podem funcionar como coadjuvantes da construo dessa personalidade moral, assuntos que sero abordados no prximo captulo.

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2. A construo da personalidade moral e os guias de valor, segundo Josep Maria PuigNo sei quem sou, que alma tenho. Quando falo com sinceridade no sei com que sinceridade falo. Sou variamente outro do que um eu que no sei se existe (se esses outros)... Sinto crenas que no tenho. Enlevam-me nsias que repudio Fernando Pessoa.

Chama-nos a ateno a manifestao da incerteza quanto identidade prpria que o poeta revela aqui, em seus versos. Por outro lado, vemos o salmista admitindo no salmo 139. Algumas de suas certezas, entre elas a de que o Senhor o conhece plenamente, desde sua concepo, e, consequentemente infunde nele a certeza de sua dignidade como ser criado por Deus. Temos aqui dois extremos: a incerteza e a convico. O que nos leva a refletir to distintamente assim sobre a vida? Essas consideraes esto associadas nossa personalidade moral? A cultura na qual estamos inseridos pode moldar nossa personalidade?Somos o resultado do ambiente em que vivemos? Tais questes so significativas , quando pensamos no que constitui nossa essncia , nossa identidade, nossa individualidade. Aliado a essa reflexo sobre a identidade, temos a nossa busca pelo entendimento do que valioso para cada um de ns, e nesse mbito encontramos os valores morais que podem determinar no s nossa essncia moral, como tambm nossas condutas. Caminhando na discusso sobre valores, tema altamente significativo, nos dias atuais, marcados por uma preocupao tica, de resgatar valores h muito perdidos, ou melhor, dizendo esquecidos, vemo-nos impelidos a uma anlise de como se forma nossa personalidade moral. Segundo Ives de La Taille em seu prefcio obra de Josep Maria Puig, vivemos neste final de sculo uma crise de valores que atinge as esferas moral e tica (1998, p.7) Ele afirma ainda que, estudar o homem dentro do seu contexto

34 cultural pode colaborar para a construo de uma tica, no restrita apenas ao rido campo terico, mas com significativas aplicaes prticas. Como dissemos no captulo anterior, a tica est presente de forma transdisciplinar, no contexto escolar e deve ser trabalhada a partir do entendimento de como se d a formao da personalidade moral. Nesse, sentido precisamos recorrer s pesquisas psicolgicas realizadas no campo da moralidade e entender os diferentes pontos de vista dos seus pesquisadores quanto construo da personalidade moral. Essas diferentes concepes tm determinado as prticas pedaggicas adotadas pela escola, no trabalho com a educao moral, ao longo dos ltimos anos. Portanto, buscando uma possvel resposta para o desenvolvimento de um trabalho pedaggico significativo, com os guias de valor, na construo da personalidade moral, o capitulo apresenta o conceito de construo da personalidade moral e o papel dos guias de valor, como produtos culturais que podem fazer a mediao scio moral, na reflexo sobre valores. (1998,p.195) Para uma compreenso mais detalhada da formao da moralidade, precisamos ali-la ao conceito de personalidade, j que a proposta pensar na construo de uma personalidade moral. O que se quer dizer com isso? A moralidade se distingue de outros aspectos da nossa personalidade? Inez Borges ao tratar dos meios de experincia moral, segundo Puig. apresenta a complexidade da conceituao de personalidade moral (2008, p.116), mas afirma que a dificuldade de conceituao no deve nos impedir de faz-lo ( 2008 , p.118). Assim, pensemos primeiro na definio de personalidade, para ento nos determos na conceituao de personalidade moral como trata Puig.

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2.1 O conceito de personalidadeUma definio de personalidade apontada no Wikipdia trata tanto do seu aspecto psicolgico como do conceito do senso comum.Personalidade o conjunto de caractersticas psicolgicas que determinam os padres de pensar, sentir e agir, ou seja, a individualidade pessoal e social de algum. A formao da personalidade processo gradual, complexo e nico a cada indivduo. O termo usado em linguagem comum com o sentido de conjunto das caractersticas marcantes de uma pessoa", de forma que se pode dizer que uma pessoa "no tem personalidade"; esse uso no entanto leva em conta um conceito do senso comum e no o conceito cientfico.

Numa linha semelhante,blogspot.com,(01/2010) apresenta o conceito de personalidade como o conjunto de caractersticas psicolgicas que determinam a identidade pessoal e social de uma pessoa. J o dicionrio Webster define personalidade como a qualidade ou estado de ser pessoa, a existncia pessoal,o conjunto de caractersticas que distinguem a pessoa, das demais. Num sentido mais prximo do original da palavra grega persona, da qual se deriva personalidade, era usada para designar a mascara usada pelos atores nas representaes teatrais de seus personagens (BORGES, 2008, p.118). Essa mscara era utilizada para potencializar a voz e nesse sentido poder-se-ia usar o termo para designar que a mascara (persona), amplifica as caractersticas individuais , e dessa forma a personalidade se constituiria da parte conhecida e explicitada do prprio ser. Outros autores tambm caminham nessa direo afirmando que a palavra deve ser usada para descrever atitudes observveis, portanto Borges (2008, p.119) completa dizendo que para esses autores a definio do termo depender daquilo que observvel e, portanto, depender da viso do observador. Conquanto se fale de caractersticas observveis , constituindo a personalidade , as outras definies aqui apontadas tambm remetem a outros

36 aspectos ligados a caractersticas que podem at determinar a forma de pensar,sentir e agir. Portanto preciso assumir um sentido mais amplo entendendo que personalidade[...] o conjunto das caractersticas pessoais, sejam elas perceptveis ou no pelos demais e conhecidas ou no pela prpria pessoa, que, de qualquer maneira , influenciam sua forma de ser e estar no mundo e com o mundo, determinando tambm as particularidades de seu modo de agir e reagir aos eventos, sentimentos e estmulos, tanto internos quanto externos. Esse conjunto de caractersticas necessariamente diferente para cada indivduo [...] em outras palavras, a personalidade a maneira como cada pessoa assume sua prpria condio de ser humano como ser totalmente diferenciado dos demais, mas tambm totalmente inserido num meio social que lhe confere referenciais para construir e explicitar suas particularidades e sua singularidade (BORGES, 2008, p.124).

Tal concluso se aproxima do conceito de singularidade humana, apresentado nas Escrituras Sagradas . O homem, criado imagem e semelhana de Deus , reflete em si caractersticas que lhe conferem uma dignidade mpar. Ao mesmo tempo em que toda a humanidade marcada por essa dignidade cada um de forma singular possui uma importncia nica aos olhos do Criador. o que o salmista revela no salmo 8.4-5 : Que o homem que dele te lembres [...] Fizeste-o, no entanto, por um pouco menor que Deus e de honra e glria o coroaste Tal dignidade adentra todos os aspectos da vida ,de forma integral , e, consequentemente envolvendo o aspecto da moralidade. Cabe, portanto, que ao pensarmos nos valores morais , estejamos conscientes , que tais valores so o reflexo do juzo moral e necessitamos conhecer e entender o que diferentes autores concluram sobre o trabalho e aquisio dos valores na construo da personalidade moral. Ainda que possamos nos aproximar do conceito de personalidade, entendendo que ela retrata aquilo que somos como pessoas, incluindo nossos atributos caractersticos, no entanto definir personalidade moral um pouco mais complexo

37 por se tratar de um conceito ainda novo , no meio acadmico brasileiro.(BORGES , 2008 p.124) . Necessrio que recorramos s conceituaes apontadas pelos estudiosos do comportamento humano.

2.2 Desenvolvimento da personalidade moralDentre os estudiosos do comportamento humano , o que mais tem sido referencial para a nova educao , segundo os pressupostos da atual legislao brasileira , apontamos Jean Piaget . Tanto ele como Laurence Kohlberg , se dedicaram aos estudos do desenvolvimento da moralidade. Similaridades e distines so apresentadas em suas teorias da construo do juzo moral. Yves de La Taille aponta que para Piaget o desenvolvimento moral corresponde a uma progressiva integrao da moral personalidade (2009,p.133). Piaget trabalha o desenvolvimento do juzo moral a partir de uma situao de heteronomia , caminhando em direo a uma moral autnoma, como afirma Puig (1996,p.49) [...] os jovens experimentam um desenvolvimento que os leva desde uma moral baseada na presso adulta at uma moral de cooperao e autonomia. Puig deixa claro que a realidade moral no inata , mas resulta de um desenvolvimento, estabelecido a partir de um convvio social.Piaget entende que nenhuma realidade moral completamente inata, mas sim que resulta do desenvolvimento cognitivo e sobretudo das relaes sociais que a criana estabelece com os adultos e com seus iguais. As relaes interpessoais so, em ltima instncia, o principal fator na elaborao dos critrios de juzo moral. Todavia, as relaes sociais podem ser de natureza diferente, e, assim, o mesmo ocorre com a moral.(1996)

Ainda , segundo ele as relaes de presso que os adultos exercem sobre as crianas favorecem a moral heternima onde as relaes de desigualdade entre

38 o adulto e a criana , levam a um sentimento de dever , de obrigao. (PUIG,1996,p.50). Considerando o exposto vemos que no h uma reflexo sobre as regras, normas e valores , numa moral heternoma, j que o cumprimento ou a observncia de regras se faz com base na obrigao e na sano e no na certeza de que a norma boa.em si. Ainda , segundo Piaget ,uma moral autnoma se constri a partir de estgios de desenvolvimento moral , que foram observados em situaes de jogo de regras. (PUIG, 1996, p.51). Numa linha de pensamento similar , Kohlberg analisa o desenvolvimento do juzo moral , utilizando-se da estratgia do julgamento de dilemas morais. Ele construiu situaes hipotticas que colocavam em jogo valores socialmente aceitos, onde as pessoas tinham que assumir posturas baseadas nesses valores, para resolver os dilemas apresentados.(DOWS, 2001,p.122). A partir da anlise das respostas dadas pelas pessoas pesquisadas , Kohlberg, a semelhana de Piaget determinou os estgios de desenvolvimento moral, considerando a ao por meio de princpios gerais e regras de raciocnio. (BORGES, 2008p.127). Agir por meio de princpios revela um nvel mais profundo de desenvolvimento moral, porque so os princpios que funcionam na escolha das normas mais adequadas a cada situao. Assim , ele aponta trs nveis bsicos de desenvolvimento moral: o prconvencional onde o comportamento condicionado pelas normas socialmente aceitveis , com base no temor punio,o nvel convencional, onde as normas so aceitas , independente da aprovao do grupo, onde as obrigaes do dever que determinam o que se deve fazer e , finalmente o nvel ps-convencional, onde a maturidade e demonstrada pela preocupao com o bem estar da sociedade, onde o respeito para com os princpios universais prevalece sobre as demandas da conscincia individual (BORGES, 2008,os.128,129).

39 Na concepo de Kohlberg, o desenvolvimento cognitivo ou intelectual e a perspectiva social so dois fatores igualmente importantes , para o desenvolvimento moral (2008.p.127). Ives de La Taille (apud BORGES, 2008), ao estudar a relao entre o sentimento de vergonha e a moralidade, utiliza o conceito de personalidade moral , ou moral ,self .Para ele, a psicologia o campo privilegiado para as investigaes sobre moral , por se tratar da cincia que estuda os comportamentos (2008,p.131). Nesse caminho pode-se admitir um conceito de uma personalidade que moral. Mas , Kohlberg , no se limita apenas a descrever os nveis de desenvolvimento moral. Segundo Puig , ele[...] elaborou importantes indicaes que tm servido para orientar a educao moral [...] o principal fim da educao moral propiciar o desenvolvimento o desenvolvimento do educando nesta faceta de sua personalidade- entendendo-se o desenvolvimento no como mera mudana comportamental, mas como a passagem de um modo de adaptao , a si e ao meio social de um estgio menos adequado a outro mais adequado. (1996,p.61)

Para Puig , o que melhor caracteriza esse paradigma moral a convico de que uma pessoa no moral , se conhece o Bem apenas intelectualmente. preciso se conduzir virtuosamente.(1996,p.62)Para considerar moral um sujeito preciso que ele mantenha uma linha de conduta virtuosa: que realize atos virtuosos e o faca habitualmente. Sem a formao de hbitos e a configurao do carter no h personalidade moral, bem como se tais hbitos no so virtuosos, isto , se no visam o bem e a felicidade que cada homem procura e que cada coletividade necessita para reproduzir suas tradies valiosas.[...] a moralidade que deve impregnar cada sujeito defini-se por normas e valores culturais e institucionais. Sob esta perspectiva , uma pessoa moral aquela que aderiu s tradies e valores sociais, e os converteu em um conjunto de virtudes pessoais.

Temos ainda , como aponta Josep Maria Puig , o trabalho de R.S.Peters, que segundo ele uma das obras mais explicitas em favor de uma formao que contemple os hbitos virtuosos nos educandos.(1996,p.66).Ele afirma :

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Peters parte das dificuldades que os meninos e as meninas de tenra idade sentem para realizar processos de raciocnio complexo.[...] a limitao para entender o porqu e como das regras e normas vigentes justifica e faz necessria uma interveno explicita e direta orientada a transmitir aos educandos as regras morais que a comunidade tem priorizado e considerado bsicas para a convivncia.

Pensando mais especificamente na construo da personalidade moral , segundo Josep Maria Puig, devemos considerar s novos paradigmas morais , que apontam para a necessidade de vermos a educao moral como construo. Ele afirma :A moral no dada de antemo , tampouco descoberta ou escolhida casualmente;a moral exige um trabalho de elaborao pessoal,social,cultural. Por isso, no se trata de uma construo solitria nem desprovida de passado e margem do contexto histrico. Ao contrrio, uma tarefa de cunho social, que conta tambm com precedentes e elementos culturais de valor que contribuem, sem dvida, para configurar seus resultados. Mas em todo caso uma construo que depende de cada sujeito (1996,p.73).

Assim , tendo levantado algumas das definies mais correntes do pensamento moderno sobre a personalidade moral , caminharemos um pouco mais focando os aspectos principais da teoria de Puig , sobre a construo da personalidade moral e o papel dos guias de valor nesta construo.

2.3 O processo de construo da Personalidade MoralDe que forma tem se pensado sobre a moralidade ? Est associada a bons hbitos adquiridos desde a infncia ? Ou desencadeada por uma capacidade de raciocinar e julgar ? So estas questes levantadas por Ives de La Taille em seu prefcio do Livro de Puig , que o levam a afirmar que ao contrrio disso se pode observar, que pensar na moralidade pelo conceito de personalidade, deve nos levar compreenso da complexidade do assunto.(1996,p.15).

41 Portanto , como ele declara h que se pensar na educao moral como um processo de construo de si mesmo, entendendo que a dimenso moral da vida deve ser incorporada personalidade (1996). Ao descrever o perfil da personalidade moral , Puig trata dos procedimentos de reflexo e ao que compe a conscincia moral, entendendo que ela se constitui de forma autnoma. No modelo de Educao moral proposto por ele preciso considerar o aspecto da autonomia da conscincia moral. Em meio a tantas concepes sobre autonomia moral ele afirma :

[...] atingimos a moralidade quando podemos refletir sobre o comportamento interpessoal, sobre a convivncia social, sobre o tipo de vida que se leva, sobre os valores que pretendem conduzir o comportamento sobre as vivncias conflitivas. Adquire-se a capacidade de atribuir valor,pensar e decidir por si mesmo sobre os prprios valores, pensamentos e decises. .A conscincia se faz juiz do sujeito que a possui (1996, p.79).

O autor admite que h divergncias quanto a essa conscincia moral autnoma, afirmando que se a autonomia for limitada , fica reduzida a uma atividade dedutiva e de acomodao e adaptao a normas impostas (PUIG,1996,p.82). relevante o que Puig afirma quanto ao entendimento de que a autonomia no se alcana pelo individuo fechado em si mesmo, preciso reconhecer os fatores de origem biolgica ou sociocultural., segundo ele mais acertado entender que os indivduos so resultado do cruzamento de muitos fatores que os impulsionam , por isso ele afirma :A impossibilidade de a conscincia moral autnoma chegar a ser verdadeiramente ela mesma e verdadeiramente autnoma se explica pelo esforo impossvel que deve realizar o sujeito encerrado em si mesmo para chegar a conhecer-se de um modo autnomo e transparente. No parece possvel entender o sujeito como uma entidade capaz de tornar-se dono de si mesmo.(1996,p.86)

Nesse aspecto ele revela a importncia da dialogicidade que se torna mediadora dessa construo moral. Portanto ele afirma:

42Parece possvel e desejvel que uma conscincia procedimental participe de personalidades morais construdas no interior de formas de vida moral que contm tradies de valor merecedoras de considerao , porque ajudam a formar a ideia de pertencer a comunidades abertas e crticas, e finalmente porque facilitam a construo de identidades complexas.[...] A formao completa da conscincia moral requer determinadas condies de complexidade do meio social e prticas educativas reflexivas e dialgicas especialmente dirigidas neste sentido.(PUIG,1996,.87)

Assim, uma autonomia moral alcanada , no sobre e por si mesmo , mas na relao de dilogo com os demais .Esse dilogo facilita a construo e o desenvolvimento de si mesmo. Portanto, a construo da conscincia moral depende da mediao que a linguagem realiza , Puig afirma que construmos a conscincia graas ao uso da linguagem na relao interpessoal (1996, p.97) Em resumo, como afirma Puig :A autonomia e a dialogicidade da conscincia moral abrem as portas a um modelo de personalidade moral baseado na construo e na crtica de princpios , normas, valores e modos de ser. Um modelo com essas caractersticas, no possui de antemo solues para todos os conflitos morais imaginveis nem delega, em exclusivo, a busca de tais orientaes morais a um sujeito obrigado a decidir e adotar uma postura a partir do isolamento e da solido de seu ponto de vista. Trata-se, pelo contrrio, de um modelo que, aps reconhecer a problematicidade da realidade e submet-la a uma analise reflexiva, deve esforar-se por critic-la e construir aqueles princpios e normas que permitiro , do melhor modo possvel, o enfrentamento dos conflitos morais (1996,p.103).

Dessa forma , vemos esse novo paradigma proposto pelo autor da busca da moral autnoma atravs de uma conscincia moral construda com base numa relao de dilogo, portanto os procedimentos da conscincia moral so as ferramentas que iro auxiliar a construo da personalidade moral . Esses procedimentos so: o juzo moral,a compreenso e a auto regulao .

2.3.1 O juzo moral , a compreenso e a autorregulaoPuig declara que O Juzo moral a faculdade que permite que sejam formadas as opinies racionais sobre o que deve ser (1996,p.103) Ele nos ajuda a julgar a realidade,mostrando-nos o que certo ou errado , mas o que deve ser feito.

43 importante entender que o juzo moral , no significa emitirmos opinies sobre as coisas, ele no descritivo , pelo contrrio prescritivo , na medida que nos leva a considerar sobre o que deve ser feito.AS decises devem ser imparciais e para emiti-las necessrio o uso de princpios e critrios em nossos julgamentos, logo ele parte de uma reflexo sobre valores, Puig afirma:Digamos , para concluir, que por juzo moral como procedimento da conscincia moral autnoma nos referimos tanto capacidade de produzir juzos morais corretos e coerentes com os princpios em qualquer situao, como tambm ao desenvolvimento e formao de critrios, princpios ou estruturas de juzo moral (1996,p.106)

Segundo ele, a compreenso difere do juzo moral , pois ela se refere forma universal da reflexo no mbito da vida prtica,em situaes contextuais (PUIG,1996,p.107) Ela tem um alcance mais universal , pois atinge a estrutura mais profunda do ser humano. Funciona ajudando a captar o sentido histrico da realidade a partir de uma problematizao , e colaborando no sentido determinar o que justo em cada situao (1996). A compreenso um processo continuo,de renovao de sentido da realidade a partir das ideias previas que temos e das que intercambiamos. Ela supe um problema percebido por todas as pessoas implicadas nele,supe o reconhecimento e confronto com as razoes alheias e, finalmente, entende a necessidade do dialogo para o entendimento das diferentes posturas e pontos de vista. Em resumo:Se antes o juzo moral puro se revelara insuficiente para captar a singularidade da realidade, a compreenso do concreto sem a crtica se manifestar tambm insuficiente para considerar moralmente o real. Assim , o juzo moral e a compreenso crtica , enquanto ferramentas diferentes da conscincia moral autnoma, podem e devem contribuir para orientar a reflexo moral.(PUIG,1996,p.112)

Assim , se tanto o juzo moral, quanto compreenso tm um carter essencialmente cognitivo (1996) a autorregulao , ao contrrio, mais bem definida

44 atendendo s dimenses condutuais, ou seja , ela est mais afeita ao sentido do esforo do individuo para regular as suas aes frente s suas reflexes.[...] entendemos que a autorregulao um procedimento universal de formao da personalidade moral que contribui para conseguir maior coerncia entre juzo e ao, para configurar hbitos morais conscientes e desejados, e para formar um modo de ser pessoal que considerar valioso. (PUIG, 1996,p.114)

Sem nos delongar na anlise dos procedimentos da construo da personalidade moral, vamos nos ater ao fato j apontado da importncia do meio social como o lugar onde acontece o dilogo e reflexo sobre os valores , bem como a adoo de condutas valiosas. A construo da personalidade moral , no acontece no vazio , ela se faz dentro de um meio o qual Puig denomina meio de experincia moral. neste meio que acontecem os procedimentos de construo da autonomia moral.

2.3.2 Meios de Experincia Moral e Guias de valorPara Puig a relao do individuo com a problematizao scio moral fundamental na construo da personalidade moral, bem como perceb-la nos meios de experincia moral que ele explica :A construo da personalidade moral se produz sempre no interior ou em relao a um certo nmero de meios de experincia :isto , se produz em funo de um contexto de desenvolvimento que apresenta dificuldades valorativas, que aporta uma determinada cultura moral e, finalmente, que serve de espao no qual transcorre o processo de formao moral.[...] fornece as experincias vitais a partir das quais os sujeitos podem reconhecer o que para cada um deles vai ser um problema scio moral expressivo (1996,p.152)

Os meios de experincia moral so identificados como os espaos inter relacionais que promovem as aes formativas. No se pode excluir a formao da personalidade moral , do meio onde ela acontece, j que a formao humana depende do ambiente onde ela realizada (PUIG,1996,p.152).

45 nos meios de experincia moral que se compreendem a natureza moral dos indivduos, a coexistncia de boas e ms ideias , boas e ms condutas. Segundo Borges Os meios de experincia moral so entendidos como elementos ativos, com caractersticas sociais,culturais e histricas diferenciadas que afetam a construo da personalidade moral .(2008 p.155) Puig , elege como meios de experincia moral as metas,as possibilidades de comportamento,as formas de relao e regulao, os guias de valor e os dispositivos fsicos. As metas se referem s funes que so ou devem ser cumpridas dentro do meio considerado, segundo o autor elas pautam o para que do meio de experincia moral, os fins a serem atingidos no so os mesmos na famlia, na escola ou num grupo de amigos (1996,p.155). As possibilidades de comportamento, se referem s tarefas tpicas que o meio exige que sejam feitas porm seu cumprimento o no obrigatrio. Tambm podemos incluir aqui o modo sujeito vive e se organiza. As formas de regulao e relao referem-se organizao dos intercmbios sociais. Esses intercmbios so marcados por papeis, ou seja , atitudes, comportamentos e relaes, as normas,que so os padres de conduta e as inter relaes sociais que so as formas de vnculos entre as pessoas. Os guias de valor , em resumo, so os produtos culturais que colaboram para a reflexo do sujeito quanto ao seu modo de pensar e agir. Quanto a esses , aprofundaremos os conceitos mais adiante. Finalmente, os dispositivos referem-se as formas organizativas no interior dos meios de experincia, como exemplos , a fim de deixar mais claro , temos as assembleias escolares, a vida urbana,o espao familiar, etc Um conceito extremamente importante para a compreenso dos meios de experincia moral o de ambiente ecolgico-moral. Puig o define assim:O conceito de ambiente ecolgico moral imprescindvel para descrevermos a relao entre um sujeito e o conjunto de meios em que simultaneamente se encontra ou que o influenciam. Ningum fica jamais

46limitado a um s meio de experincia moral. Em qualquer momento de seu processo de vida , os indivduos pertencem a mais do que um meio e recebem , assim, a influencia de muitos meios dos quais no participam de modo direto. [...] A construo da personalidade moral depende das relaes entre os meios que o sujeito em formao capaz de perceber. (1996,p.159).

Tendo em vista a importncia dos meios de experincia moral na construo da personalidade moral , bem como do ambiente ecolgico moral no qual acontecem as experincias scio morais, que consistem, na resoluo atravs do dilogo dos conflitos de valor , podemos nos delimitar ao conceito de guias de valor como instrumentos facilitadores da construo da personalidade moral. Puig parte do pressuposto de que :[...] a construo da personalidade moral implica encarar os conflitos de valor com os quais nos deparamos nos meios de experincia. [...] enfrentar tais controvrsias morais exige um trabalho que no pode ser limitado aquisio de pautas de comportamento, clarificao de valores e ao desenvolvimento de capacidades. A formao da personalidade uma tarefa de construo ou reconstruo da conscincia e da identidade moral. (1996,p.194)

Ficam aqui as questes de onde vm esses valores? Como so priorizados? Por que motivam o conflito na resoluo de situaes problemticas? Que importncia eles tm na construo da moralidade. Para Puig a educao em valores imprescindvel para ajudar as crianas a construrem solidamente a sua personalidade moral ele afirma :O principal objetivo da educao em valores ajudar os alunos a prender a viver. Essa a primeira tarefa dos seres humanos , porque, apesar de estarmos preparados para viver, precisamos adotar um modo de vida que seja sustentvel e realmente queiramos para ns mesmos e para todos os que nos cercam. Temos de escolher como queremos viver. Esse aprendizado essencial para a vida porque algo nico e valioso [...] a vida tambm um espao de cristalizao de valores,uma realidade que toma forma medida que o esforo humano a constri em relao ntima com o entorno.(2007, p.17)

Assim, pensar na importncia dos valores propagados , nos meios de experincia moral parece ser primordial para construir uma moralidade que priorize o aprender a viver.

47 Para responder as questes precisamos entender o que so e qual o papel dos guias de valor na formao da moralidade do sujeito .Puig aponta que eles so produtos culturais que funcionam como recursos ou instrumentos que fazem a mediao para a resoluo das controvrsias de valor (1996,p.195).So eles que pautam a forma de viver de uma sociedade. A guiza de exemplos Puig diz:[...] os guias de valor , enquanto elementos culturais, so entidades simblicas que pautam as formas de vida de uma coletividade e lhes do significado. Trata-se ,pois, de informao cristalizada graas ao significado que lhe dado.[...] so realidades informativo significativas que modelam as formas de vida e convivncia dos indivduos e sociedades .[...] normas sociais,ditados,contos ou histrias,conceitos de valor, praticas como a confisso ou um dirio so alguns exemplos de guias de valor (1996 p.195)

O objetivo desses produtos culturais, segundo Puig facilitar a adoo de formas de vida individual e coletiva viveis , felizes e justas.(1996) Esses guias de valor formam a cultura moral de uma coletividade. Interessante notar que segundo sua concepo a cultura moral em parte est, pronta e em parte h que ser pensada criticamente. Fica claro tambm no seu pensamento que embora sejam importantes mediadores da reflexo, a ao scio moral no depende exclusivamente deles. Dentre os guias de valor que constituem a cultura moral Puig aponta as ideias morais,que so os elementos simblicos que permitem abordar e descrever a vida dos sujeitos e das comunidades , permitindo uma avaliao com vistas transformao .Essas ideias podem se referir dignidade humana, ao bem comum,etc. Derivada destas o autor aponta tambm as mximas e os valores morais. Esses valores agem como critrios de julgamento.(1996) Ainda como guia de valor temos as tecnologias do eu que so prticas que os indivduos realizam sobre si mesmo , como o autoexame, a meditao e leitura, a conversa formativa , o aconselhamento psicolgico,a confeco de um dirio ntimo, a observao da prpria conduta. A finalidade das tecnologias do eu intervir na conduta prpria, modificando a personalidade moral.(1996,p.201)

48 Os modelos tambm so considerados guias de valor pois , como construo simblica, apresentam condutas , atitudes e formas de vida que podem ser praticadas . Eles mostram condutas que encarnam valores, propem exemplos concretos que podem motivar a mudana de comportamento. em tipos pblicos representativos.(1996) Cabe ainda ressaltar, que embora esses modelos apresentem princpios e valores morais , nem sempre podem ser tidos como um exemplo a seguir , na verdade so antimodelos , ou seja modelos de condutas que no devem ser seguidas . As pautas normativas , como guias de valor , so construes de uma coletividade que devem ser transmitidas como forma de conduta para todos os seus membros. So descries de condutas que se prescrevem , regulando o comportamento dos indivduos (1996). Finalmente , temos as instituies sociais que so formas sociais , ou seja entidades que dirigem e garantem a atividade humana.Nelas se desenrolam as relaes de convivncia relevantes. Elas atuam como guia de valora medida que conseguem explicitar no s seus objetivos como suas prticas aos sujeitos que delas participam .Em ltima instancia elas pautam a atividade humana para alcanar com maior facilidade objetivos valiosos (1996). De tudo que foi descrito , resta-nos entender como funcionam os guias de valor , no desenvolvimento da moralidade e conclui-se que eles no so apenas mais um elemento da moral , que imposta a ns , mas sim um recurso que poderemos usar no enfrentamento das experincias de problematizao. (1996). Puig , conclui dizendo que h consequncias da natureza cultural dos guias de valor , ou sejam , por serem construes culturais tm um modo especfico de atuar .[...] o modo especfico de atuar de cada um dos guias de valor na construo da personalidade moral, parece bastante claro que todos eles orientam a ao sociomoral a modo de linhas de fuga ou de horizontes

Esses modelos

podem vir apresentados em contos da literatura, filmes,obras de arte , biografias ou

49valorativos. Fazem-no enquanto propostas que no marcam com exatido como devem ser as coisas, mas nos mostram para onde devem se dirigir. Orientam, mas no determinam a ao sociomoral.(1996,p.206,207).

Ele explica que pelo fato de serem produo cultural, tornam-se um espao privilegiado das diferenas morais , ao mesmo tempo em que esto submetidos a processos evolutivos de mudanas. Em virtude disso necessrio que os educadores assumam sua responsabilidade educativa atravs de um trabalho equilibrado com os guias de valor. Ele ainda afirma que os educadores devem desenvolver competncias para educar em valores. Ele afirma:Para influir no aprendizado de uma maneira de viver, os educadores precisam desenvolver um conjunto variado de competncias profissionais. Estas permitiro que eles sejam pessoalmente relevantes na relao com seus alunos , que consigam criar uma atmosfera na sala de aula para impulsionar o trabalho e, por ltimo, contribuam para formar uma cultura escolar de transmisso de valores.(PUIG,2010,p.22)

Nos interessa justamente identificar essas possibilidades de trabalho de educao moral realizado na escola de ensino bsico como meio de experincia moral ,utilizando-se como ferramenta da ao moral , os guias de valor e mais especificamente, o livro de literatura infanto-juvenil . Tendo em vista que os contos , as biografias, os modelos exemplares, os provrbios podem ser utilizados como guias de valor. Assim necessrio buscar na literatura infanto-juvenil, em todas as suas formas a possibilidade de um trabalho intencional e transdisciplinar que promova a reflexo, o dialogo produtivo e a aquisio de valores, assunto que dever ser tratado no prximo captulo.

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3 . A Literatura Infantil como guia de valorO livro caindo n'alma, germe - que faz a palma, chuva - que faz o mar (Castro Alves)

A literatura infantil , sempre permeou tanto o universo ldico como o universo escolar . Se na escola ela utilizada para fomentar o ensino da Lngua materna , nos outros espaos onde ela veiculada , constitui-se num instrumento de fruio. Quem no tem uma histria pra contar sobre os livros que leu na infncia? Personagens que marcaram sua vida? Heris e heronas que procuramos imitar? Viles que permearam nossos pesadelos infantis? As atuais editoras tm trabalhado este mercado, trazendo ao livro de literatura infantil os mais diversos atrativos , as ilustraes , a interatividade , as diferentes texturas, e at odores . Como agradvel observar uma criana na mais tenra idade folheando um livro. Mesmo sem saber ler ainda , ela conversa com o livro , cria suas prprias histrias, faz narrativas , compartilha o que acha que l . E , de certa forma , est mesmo fazendo uma leitura dos elementos pictogrficos que v no livro. Do valor da Literatura infanto-juvenil , ningum duvida , por estas e outras razes a sociedade entende que deve estimular a leitura. Mas , em que medida possvel se realizar um trabalho didtico intencional , utilizando a literatura infantil como um guia de valor ? Historicamente se observa que as histrias infantis foram por muito tempo , utilizadas no contexto escolar de uma forma utilitria , sobretudo para transmitir valores morais pr-determinados ressaltando virtudes morais desejveis para se perpetuar a moral de ento. Tal literatura era escrita com este objetivo como coloca Edmir Perroti.Hoje j se tornou lugar comum reconhecer que a literatura para crianas e jovens tem desempenhado um papel predominantemente pedaggico, desde o sculo XVIII, quando da sua constituio em forma de comunicao escrita dirigida por um

51adulto a uma criana. Trabalhos diversos nos dizem que o compromisso com o ensinamento sempre caracterizou esse tipo de manifestao literria. Nela, o cuidado com a elaborao do discurso s interessava na medida em que isto no constitua um entrave para o ensinamento. Nunca importou muito, por exemplo, a coerncia interna das narrativas ,em nenhum de seus aspectos : personagens, enredo, tempo e espao. Trabalhos flcidos , inconsistentes, sem coeso abundam no gnero. A feitura do texto no foi quase nunca preocupao maior dos autores de literatura para crianas e jovens. E isto porque o texto sempre foi pretexto, complementao do trabalho escolar (1986,p.27)

Ressaltando que a literatura Infantil deve penetrar o mundo infantil de forma inserir a criana no mundo da imaginao temos a contrapartida do que afirma o autor citado,Brbara Vasconcelos de Carvalho aponta que a literatura infanto-juvenil deve atender a requisitos literrios bsicos levando em conta seu pblico alvo.[...] no livro de literatura infantil, os requisitos literrios so, talvez, os mais difceis de ser atingidos. No basta saber escrever, no basta ser escritor; preciso saber escrever para a criana , ser escritor de crianas . Penetrar em seu mundo, retornar s suas idades, sentir os seus interesses so requisitos primordiais , para centralizar a sua ateno. Escrever para crianas , ao contrrio do que parece a muitos, a tarefa mais difcil em literatura. A imaginao e o maravilhoso so fontes essenciais da Literatura Infantil, por isso , encontramos tantas obras que, sem ser dirigidas s crianas, foram por elas celebrizadas, pelo poder de imaginao e do maravilhoso com que foram realizadas.(CARVALHO,?, p.156)

Considerando essas caractersticas e preocupaes quando qualidade dos textos literrios destinados s crianas, precisamos ter claro que papel e que importncia tem e teve a literatura infanto-juvenil no contexto educacional brasileiro.

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3.1.Evoluo da literatura infanto-juvenil no Brasil

Antes de adentrarmos no assunto da literatura infanto-juvenil no Brasil, precisamos pensar um pouco mais sobre Literatura e mais especificamente este qualificativo , infantojuvenil. Quem nunca contou uma histria?Quem nunca gostou de ler ou ouvir histrias? Que criana no movida pelo fascnio de folhear um livro? Mesmo considerando que grande parte da populao brasileira no consegue ter acesso boa literatura, sabemos da importncia da tradio oral no universo literrio . Assim , no podemos dizer que h quem no seja de alguma forma afetado pelas historias, sejam elas escritas ou contadas.

Se quisermos retroceder no tempo ,para tecermos nossas consideraes sobre os contos e as histrias , podemos recorrer a anlise do discurso de Jesus nos Evangelhos . Que clareza de anlise pedaggica ! Didaticamente, o mestre reconhecia o valor das parbolas para transmitir conceitos importantes. Podemos dizer que Ele foi um grande contador de histrias. Claro que sabemos que Ele foi muito mais que isso , mas precisamos reconhecer o valor dessas histrias. Quem no capaz de fechar os olhos ao ouvir a histria de dois homens construtores, um muito sbio que pensa no alicerce de sua casa e outro que no d muita importncia a isso , e imaginar o final dessa histria ? Portanto, conceituar literatura um passo inicial que devemos dar.

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3.1.1 ConceituaoSegundo Marta Morais da Costa ,a literatura surgiu com a tradio oral, atravs do seu folclore ,com narrativas de provrbios , mitos ,contos e lendas. A autora afirma que o homem , o sujeito da literatura ,foi atravs da tradio oral incorporando suas histrias e repassando-as s crianas com a finalidade , a princpio moralizadora.Na verdade, o principal responsvel pelo surgimento da Literatura Infantil o prprio homem que, ao sentir a necessidade de transmitir ideias e acontecimentos,buscou na fico uma maneira de transmitir a herana cultural, acumulada pela humanidade ao longo do tempo. H, portanto, um forte elo entre literatura e oralidade. A princpio, a literatura surgiu com fins moralizadores, pois a criana era vista como um projeto de adulto, ou seja, ela devia ser educada conforme os objetivos traados pelos adultos,sem se preocupar com as capacidades e anseios da infncia (COSTA,2008 p.65)

J, Carvalho diz que a literatura foi uma das mais nobres conquistas da humanidade.O homem descobriu, desde os tempos remotos e imemoriais, que qualquer habilidade um recurso a mais sua disposio; mas s depois que aprendeu a criar disponibilidades para seu prprio conhecimento, ele e cultivou os seus valores, fazendo-se admirado e respeitado. E a literatura Infantil que vai criar essas disponibilidades.[...] As histrias so para a criana o que foram as parbolas de Cristo para os cristos, para os homens:sementes a germinar e frutificar.(CARVALHO, (?),p.10)

Ainda, segundo a autora necessrio ter em mente que todo o patrimnio cultural da humanidade vem da Literatura (CARVALHO,? p.10). Entendendo que a literatura parte do homem e destinada a ele, podemos ento tecer consideraes sobre o desenvolvimento da literatura no Brasil. Como j foi dito , escrever para crianas no uma tarefa fcil , por as crianas formam um pblico exigente. Se a obra no lhe chama a ateno a criana a coloca de lado , e , mais especificamente as crianas de hoje, abandonam o livro pra se dedicar a um jogo de vdeo game. Contudo as crianas gostam e apreciam as histrias . Elas s precisam ser bem contadas .[...] as crianas so muito exigentes. preciso ser ou tornar-se criana, para escrever para e agradar a essas criaturinhas .A imaginao, a extra temporalidade, as metamorfoses, o maravilhoso, a inteno recreativa por

54excelncia e,sobretudo, a dramaticidade so caracteres literrios que mais agradam s crianas.(CARVALHO,?p.215).

3.1.2 Literatura Infanto-juvenil no Brasil.

De acordo com Brbara Carvalho, algumas dificuldades , sobretudo o fato de que escrever para crianas no uma tarefa simples, marcaram o retardamento de uma produo literria especfica para crianas no Brasil. Esses foram os motivos para que a produo literria, especfica para crianas no Brasil, s acontecesse mais recentemente. Ela diz que no havendo uma preocupao dirigida realmente educao e cultura infanto-juvenil , em nossa terra, ela s comeou a esboar-se nos fins do sculo passado (p.216) Nos fins do sculo XIX , o ensino no Brasil adquire um carter mais prtico e se comea a adaptar a literatura de recreao para a linguagem infantil. A literatura produzida para o publico infantil no Brasil comeou a partir do exemplo de Perrault e muitos autores nacionais adaptaram estas histrias . Entre eles: Alberto Figueiredo Pimentel,Arnaldo de Oliveira Barreto, Manuel Jos Gondim da Fonseca,Viriato Correia, Vicente Paulo Guimares,rico