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INTRODUÇÃO
A obra prima da literatura do movimento sapiencial é o livro de Jó.
Começa com uma narração em prosa. Era uma vez um grande servo de
Deus, chamado Jó, que vivia rico e feliz. Deus permitiu a Satanás prová-lo
para ver se ele continuará fiel no infortúnio. Ferido primeiro nos seus bens
e nos seus filhos, Jó aceita que Deus retome o que lhe havia dado.
Atormentado em sua carne por doença repugnante e dolorosa, Jó se
mantém conformado e censura sua mulher que o aconselha a amaldiçoar
a Deus. Então, três amigos seus, Elifaz, Baldad e Sofar, chegam para
compadecer-se dele (1-2). Após este prólogo, abre-se grande diálogo
poético, que forma o corpo do livro. Primeiramente, é uma conversa entre
quatro pessoas: em três ciclos de discursos. (3-14; 15-21; 22-27) Jó e
seus amigos contrapõem suas concepções da justiça divina; as idéias
progridem de modo bastante livres, principalmente intensificando-se a luz
sobre os princípios postos no início. Elifaz fala com a moderação da idade
e também com a severidade que longa experiência dos homens pode dar;
Sofar se deixa levar pelos arroubos da juventude; Baldad é homem
sentencioso que se mantém no meio termo. Mas os três defendem a tese
tradicional das retribuições terrestres: se Jó sofre é porque pecou; pode
parecer justo a seus próprios olhos, mas não o é aos olhos de Deus.
Diante dos protestos de inocência de Jó, só sabem radicalizar sua
posição. A essas considerações teóricas, Jó contrapõe sua experiência
dolorosa e s injustiças de que o mundo está cheio. Retorna ao tema sem
cessar, e sempre esbarra no mistério de um Deus justo que aflige o justo.
Não caminha, fica vagando na escuridão. Em sua aflição moral, profere
1
gritos de revolta e palavras de submissão, e tem momentos de crise e de
alívio em sofrimento físico. Este movimento alternado atinge dois ápices:
o ato de fé do cap. 19 e o protesto final de inocência do cap. 31. É então
que intervém nova personagem, Eliú, que contesta Jó e seus amigos e,
com eloqüência prolixa (32-37), procura justificar a maneira de agir de
Deus. É interrompido pelo próprio Iahweh que “do meio da tempestade”,
isto é, no contexto das antigas teofanias, responde Jó; ou melhor, recusa-
se a responder, pois o homem não tem o direito de julgar Deus, que é
infinitamente sábio e todo-poderoso, e Jó reconhece que falou sem
compreender (38,1-42,6). Epílogo em prosa põe termo ao livro: Iahweh
censura os três interlocutores de Jó e devolve a estes filhos e filhas e
seus bens em dobro (42,7-17).
A personagem principal deste drama, Jó, é herói dos tempos antigos (Ez
14,14-20), que se supõe ter vivido na época patriarcal, nos confins da
Arábia e do país de Edom, numa região cujos sábios eram célebres (Jr
49,7; Br 3,22-23; Ab 8) e de onde vêm também seus três amigos. A
tradição considerava-o grande justo (cf. Ez 14) que permanecera fiel a
Deus numa provação excepcional. O autor serviu-se desta velha historia
para enquadrar seu livro e, não obstante as diferenças de estilo e de tom,
o diálogo poético não pode ter existido sem o prólogo e o epílogo em
prosa.
No diálogo, tem sido contestada a autenticidade de certos personagens.
O poema sobre a Sabedoria (28) não pode ser posto nos lábios de Jó:
contém noção de sabedoria que não é a de Jó nem de seus amigos; por
outro lado, tem afinidades com o discurso de Iahweh (38-39). Mas é obra
2
que provém do mesmo ambiente e que foi composta à margem do livro;
não se sabe por que foi inserida precisamente neste lugar, onde ela não
tem ligação com o contexto. Também se tem duvidado que os discursos
de Iahweh (38-41) pertençam ao poema primitivo, mas quem assim pensa
desconhece o sentido do livro: precisamente porque não levam em conta
a discussão que precedeu nem o caso particular de Jó, porque transferem
o debate do plano humano ao puramente divino, esses discursos dão ao
problema a única solução que ou autor vislumbrava: a do mistério das
ações de Deus. No interior desta seção, alguns gostariam de descartar
pelo menos a passagem sobre o avestruz (39,13-18) e as longas
descrições de Beemot e de Leviatã (40,15-41,26). Se suprirmos as
descrições desses dois animais exóticos, quase nada resta do segundo
discurso de Iahweh: teria existido primitivamente um discurso único, que
teria sido aumentado e dividido em dois por uma primeira e breve
resposta de Jó (41,3-5). A hipótese é atraente, mas não há nenhum
argumento decisivo em seu favor e a questão é de importância
secundária. Há, enfim, no terceiro ciclo de discursos (24-27), desordem
real, que se poderia explicar por acidentes de tradição manuscrita ou por
retoques redacionais.
A autenticidade dos discursos de Eliú (32-37) está sujeita a dúvidas mais
sérias. A personagem intervém subitamente, sem ter sido comunicada, e
Iahweh, que o interrompe, não o leva em conta. Isto é mais estranho
ainda, porque Eliú antecipou em parte os discursos de Iahweh; dá
inclusive a impressão de querer completá-los. Por outro lado, repete
inutilmente o que disseram os três amigos. Enfim, o vocabulário e o estilo
3
são diferentes e os aramaísmos são muito mais freqüentes que em outros
lugares. Parece, portanto, que esses capítulos foram acrescentados ao
livro, e por outro autor. Mas eles também trazem sua contribuição
doutrinária.
O autor de Jó não nos é conhecido senão pela obra prima que compôs.
Por ela reconhece-se que certamente se trata de um israelita, nutrido das
obras dos profetas e dos ensinamentos dos sábios. Vivia provavelmente
na Palestina, mas deve ter viajado ou morado no exterior, particularmente
no Egito. Sobre a data em que viveu não podemos fazer senão
conjecturas. O tom patriarcal do relato em prosa levou os antigos a crer
que o livro era como o Gênesis, obra de Moisés. Mas seja como for, o
argumento só valeria para o contexto do poema, e esse colorido se
explica suficientemente como herança da tradição ou como pasticho
literário. O livro é posterior a Jeremias e a Ezequiel, com os quais tem
contatos quanto à expressão e ao pensamento, e sua linguagem está
fortemente mesclada de aramaísmo. Isto nos situa na época posterior ao
Exílio, num momento em que a obsessão pela sorte da nação é
substituída pela preocupação com o destino dos indivíduos.
A data mais indicada – mas sem razões decisivas - é o começo do século
V antes da nossa era.
O autor considera o caso de um justo sofredor. Para a doutrina corrente
das retribuições terrestres, tal caso seria paradoxo irreal: o homem recebe
aqui na terra a recompensa ou o castigo de suas obras. No plano coletivo,
a norma é claramente indicada pelos grandes textos de Dt 28 e Lv 26; o
livro dos Juízes e os dos Reis mostram como o princípio se aplica no
4
desenrolar da história, e a pregação profética o supõe constantemente. A
noção da responsabilidade individual, já latente e às vezes expresa (Dt
24,16; Jr 31,29-30; 2Rs 14,6), é exposta claramente por Ez 18. Mas até
mesmo Ezequiel se restringe às retribuições terrestres e assim incorre no
flagrante desmentido dos fatos. Numa perspectiva de solidariedade, pode-
se aceitar que, predominando os pecados da coletividade, os justos sejam
punidos com os maus. Mas se cada um deve ser tratado segundo as suas
obras, como um justo pode sofrer? Ora, há justos que sofrem, e
cruelmente: Jó, por exemplo. O leitor sabe, pelo prólogo, que seus males
vêm de Satã e não de Deus e que eles são uma prova de sua fidelidade.
Mas Jó não o sabe, e tampouco seus amigos. Estes dão as respostas
tradicionais: a felicidade dos maus é de curta duração (cf Sl 37 e 73), o
infortúnio dos justos prova sua virtude (cf. Gn 22,12), ou então a pena é
castigo pelas faltas cometidas por ignorância ou por fraqueza (cf Sl 19,13;
25,7). Isto, à medida que acreditam na inocência relativa de Jó, mas os
gritos que a dor lhe arranca, suas queixas contra Deus, levam-nos a
admitir nele um estado de injustiça muito mais profundo: os males que Jó
padece não se podem explicar senão como castigo de pecados graves.
Os discursos de Eliú aprofundam estas soluções: se Deus aflige os que
parecem justos, é para fazê-los expiar pecados de omissão ou faltas
inadvertidas, ou então – e esta é a contribuição mais original desses
capítulos – é para prevenir faltas mais graves e curar do orgulho. Mas Eliú
mantém como os três amigos, embora com menor rigidez, a ligação entre
o sofrimento e o pecado pessoal.
5
Contra essa rigorosa correlação, Jó se levanta com toda a força de sua
inocência. Não nega a retribuição terrena; espera-a e Deus lha concederá
finalmente no epílogo.
Mas para ele é escândalo o fato de ela lhe ser negada no presente, e
busca em vão o sentido de sua provação. Luta desesperadamente par
reencontrar a Deus que se esquiva e em cuja bondade ele continua
crendo. E quando Deus intervém, é para revelar a transcendência de seu
ser e de seus desígnios e reduzir Jó ao silêncio. Esta é a mensagem
religiosa do livro: o homem deve persistir na fé até mesmo quando seu
espírito não encontra sossego. Naquela etapa da revelação, o autor do
livro de Jó não podia ir mais longe. Para aclarar o mistério da dor
inocente, era preciso aguardar que se tivesse a certeza das sanções de
além-túmulo e conhecer o valor do sofrimento dos homens unido ao
sofrimento de Cristo. À pergunta angustiante de Jó responderão dois
textos de Paulo: “Os sofrimentos do tempo presente não têm comparação
com a glória que há de revelar-se em nós” (Rm 8,18) e: “Completo em
minha carne o que falta às atribuições de Cristo em favor de seu Corpo,
que é a Igreja” (Cl 1,24).
6
CAPÍTULO 1
O LIVRO DE JÓ
1.1 - A estrutura do Livro de Jó
O livro de Jó se estrutura em três partes:
I – Prólogo – Capítulos 1-2
II – Seção de diálogos – Capítulos 3-42,6
III – Epílogo – 42, 7-17
O prólogo e o epílogo foram redigidos em prosa, formando a moldura em
torno da seção de diálogos, formulada como poesia, 1 parecem formar um
todo solitário, porque a história das tribulações de Jó pede a sua
restauração e vice-versa. Pode-se admitir, é verdade, que a narração da
restauração de Jó tenha recebido alguns floreios posteriores, porque a
exigência popular reclamasse detalhes concretos sobre a felicidade
reencontrada pelo herói. Entretanto, parece que um relato de sua
reabilitação (42,7-11), mesmo que em forma breve, seria necessário à
forma primitiva da narração.
Alguns estudiosos rejeitam a originalidade das cenas da corte celeste
(1,6-12; 2,1-7 a). Eles pensam que essas passagens podem facilmente
ser supressas de seus respectivos contextos, sem que fique perturbada a
fluência da narração ou obscuridade a sua inteligibilidade. Segundo essa
conjectura, a historia original supunha que o próprio Iahweh tivesse ferido
Jó (cf. 42,11b), mas um editor ter-se-ia recusado a pensar que Iahweh
1 Introdução ao Antigo Testamento – Erich Zenger - pg. 292
7
fosse o autor direto do mal. Em conseqüência disso, esse editor teria
introduzido a personagem do adversário (“o satã”), a fim de tirar da
divindade a responsabilidade por um ato imoral. Mas essa omissão
privaria a historia de sua razão de ser. A finalidade da narração em prosa
é justamente mostrar que Jó não é culpado, e isso deve ser afirmado sem
ambigüidade, como o é nas cenas da corte celeste. Mais ainda: o motivo
da aposta de Iahweh e um membro da assembléia divina têm a qualidade
de humor popular que faz pensar em mentalidade politeísta (cf, supra) e
que é estranho ao monoteísmo piedoso dos escribas da época judaica. 2
1.1.1 – O prólogo
O prólogo relata uma dupla aprovação de Jó, no sofrimento e numa
subseqüente visita de seus três amigos. Ele se subdivide numa exposição
em de cenas: 3
1,1-5: A fé e felicidade de Jó;
1, 6-12: Primeira cena celestial: depois que Satanás duvidou da fé
desinteressada de Jó, ele obtém de Javé a permissão para “tocar”
tudo o que ele possui;
1, 13-22: Primeira prova e aprovação de Jó: em quatro golpes Jó
perde seu gado e seus filhos, sem se rebelar contra Javé;
2, 1-7a: Segunda cena celestial: depois que Satanás duvidou
perante Javé de que Jó ficará firme na fé quando for atingido pela
enfermidade, ele obtém a permissão de “vitimá-lo”, respeitando,
porém, a sua vida;
2 Grande Comentário Bíblico – Jó – Samuel Terrien – pg. 193 Introdução ao Antigo Testamento – Erich Zenger – pg. 292
8
2, 7b-10: Segunda prova e aprovação de Jó: Jó é vitimado com
pústula, mas persiste na fé, apesar da solicitação de sua mulher,
para que amaldiçoe a Deus;
2,11-13: Os três amigos Elifaz de Teman, Bildad de Shûah e Sofar
de Naamá visitam Jó, para consolá-lo e lhe manifestar sua
simpatia.
1.1.2 – A seção de diálogos
O diálogo entre jó e seus três amigos parece formar um todo homogêneo
e podem ser agrupados em três seções:
3 - Monólogo de Jó – Lamento.
1ª Seção 2ª Seção 3ª Seção
4-5 – Elifaz 15 - Elifaz 22 – Elifaz
6-7 - Jó 16-17 - Jó 23-24 – Jó
8 - Bildad 18 - Bildad 25 – Bildad
9-10 - Jó 19 - Jó 26 – Jó
11 - Sofar 20 - Sofar - -
12 – 14 - Jó 21 - Jó 27 – 28 - Jó
29 – 31 – Monólogo de Jó – Desafio a Deus.
32 1-6 – Apresentação de Elihu.
32, 7-33, 33 – Primeiro discurso de Eliuh.
34 – Segundo discurso de Eliuh
9
35 – Terceiro discurso de Eliuh
36 – 37 – Quarto discurso de Eliuh
38 – 40,2 – Primeiro discurso de Javé
40, 3-5 – Primeira resposta de Jó.
40, 6-41,26 – Segundo discurso de Javé
42, 1-6 – Segunda resposta de Jó
Foi detectada, entretanto, a mão de um editor ou de vários copistas que,
acidentalmente ou intencionalmente, introduziram no diálogo certo
números de alterações. Suspeitou-se em particular do estado de
conservação do terceiro ciclo ou terceira seção e da autenticidade do hino
sobre a sabedoria.
A terceira seção (caps. 22-27) difere dos dois primeiros em três aspectos
principais: a) nele Jó parece sustentar o ponto de vista dos amigos, aos
quais até então se opusera com veemência (24 18-24; 26 4-14; 37 13-23);
b) o terceiro discurso de Bildade é muito mais curto do que os dois
primeiros (25,1-6; cf. 8,2-22; 18 2-21); c) o “terceiro” discurso de Sofar, a
se esperar, por causa da estrutura simétrica da discussão em tríptico,
está completamente ausente. Segundo a opinião geral, um editor do livro
tentou suavizar o tom das ultimas réplicas de Jó, sem dúvida por
ofenderem elas a piedade da Sinagoga; ele suprimiu delas as frases mais
ousadas e atribuiu ao herói proclamações de ordem convencional tiradas
do terceiro discurso de Bildad (daí a brevidade excepcional deste) e do
terceiro discurso de Sofar (donde sua ausência inesperada). Outros
críticos, mais respeitosos da integridade, mas não da competência dos
10
escribas da época judaica pós-exílica, apresentam a hipótese de uma
confusão acidental de duas ou três folhas de pergaminho, cujas costuras,
formando o rolo, se rasgaram com o tempo e com as intempéries. 4
Há divergências se o primeiro discurso de Jó (cap. 3) constitui a abertura
da primeira seção de discursos ou se aparece isolado, como um
monólogo. Como em Jó 3 não há nenhum tipo de referência aos três
amigos presentes, deve-se aceitar a tese do monólogo. Assim, Jó 3 e 29-
31 formam uma moldura em torno das três rodadas entre jó e seus
amigos. Em termos de conteúdo, o discurso de finalização de Jó (caps.
29-31) aponta para frente. Jó desafia Deus a dar uma resposta (31-35).
Contudo, antes disso seguem-se quatro discursos do quarto amigo, Elihu,
que até então não fora mencionado (32-37). Somente em 38-41 Javé
responde a Jó de dentro do temporal. Se deixarmos inicialmente fora de
consideração 40.1, a resposta de Javé é dada em dois grandes discursos
(38-39; 40,6-41,26), a cada um dos quais segue uma breve resposta de
Jó (40,3-5; 42,1-6). 5
1.1.3 – O Epílogo
O epílogo se desembaraça em duas seções:
42, 7-9 – O julgamento de Javé sobre os três amigos.
42, 10-17 – O restabelecimento de Jó.
4 Grande Comentário Bíblico – Jó - Samuel Terrien – Pg.27
5 Introdução ao Antigo Testamento – Erich Zenger – pg. 293
11
O final do Livro de Jó (42, 7-17) retorna à prosa e em certo sentido nos
recorda o prólogo (1-2), mesmo que nele notemos ausências e silêncios
significativos: nada se diz da mulher de Jó, nada de Satã, que solicitara e
provocara a prova de Jó. Assombra-nos, entretanto, as palavras que o
Senhor dirige a Elifaz, as quais contem o ditame sobre o poema inteiro:
“Estou irritado contra ti e teus dois companheiros porque não falastes
com retidão a meu respeito, como fez meu servo Jó” (42,7)
É lógico pensar que foram os amigos de Jó que falaram bem de Deus, já
que não o acusaram de nada e defenderam a justiça e a equidade; Jó,
por outro lado, não cessou em suas queixas e acusou abertamente a
Deus de ser injusto para com ele.
Não esqueçamos que a maneira de pensar do autor de Jó não é
precisamente a mesma que a dos amigos de Jó. O autor do poema e Jó
se identificam. Uma vez que Jó se reconciliou plenamente com Deus,
formal e pessoalmente (cf. 42, 1-6), Deus aprova e aceita a atitude dele
como a acertada, por ser nobre e sincero de coração. As palavras de
Deus assim o demonstram, e o final da vida de Jó o confirma:
“O Senhor abençoou a Jó muito mais ainda no fim de sua vida que no
começo” (42,12) 6
1.2 – Dos Autores
6 Sabedoria e Sábios de Israel – O livro de Jó – pgs. 164 - 165
12
Certamente é preciso falar de uma pluralidade de autores originais, todos
desconhecidos.
Quando dizemos autor de Jó, o singular é coletivo, a não ser que o
reservemos para o redator final, que nos deixou o livro assim como
chegou até nós, à exceção de possíveis mudanças de lugar de algumas
passagens. Pertence aos sábios e é dos mais representativos do gênero
não só na literatura israelita, mas também na literatura internacional do
antigo Oriente Médio7.
A literatura sapiencial do Antigo Testamento em geral e o livro de Jó em
particular manifestam uma atmosfera internacional bem marcada e não
contém nenhum dos temas especificamente hebraico. 8
1.3 – Do Gênero Literário
O gênero literário, se é que podemos falar no singular, é muito variado;
em seu conjunto, não existe igual nem em Israel nem fora dali. O marco
do poema, ou seja, o prólogo e o epílogo, pertence ao gênero de contos
ou das anedotas folclóricas, também assimilados pelos sábios. O poema
em si é uma jóia da literatura sapiencial. Distingui-se dos demais livros
sapiências do Antigo Testamento por tratar fundamentalmente de um só
tema e pela forma dialogada em que o desenvolve.
A obra lírica e didática às vezes, e o gênero sapiencial não é único: há
diálogos, hinos, discursos, sentenças, processo judicial, etc.
O livro se divide em cinco partes distintas:
7 Idem pg. 138 – 2º prg.8 Grande Comentário Bíblico – Jó – Pg.11
13
1. Um prólogo em prosa (1,1-2,13), que descreve herói e seus
sofrimentos;
2. Uma discussão em verso (3,1-31,40), entre Jó e três de seus
amigos, em três ciclos de seis ou sete poemas cada um;
3. Um discurso em verso (32,1-37,24), pronunciado por um quarto
amigo, Eliú;
4. Duas séries de questões em verso, propostas por Iahweh, e as
duas respostas de Jó (38,1 – 42,6);
5. Um epílogo em prosa (42, 7-17), que conta a restauração do herói
e sua morte depois de uma longa e feliz velhice. 9
1.4 – Do personagem
O livro de Jó é conhecido por seu personagem principal e, em especial,
como aparece nos dois primeiros capítulos. Jó é o tipo de homem
paciente e sofrido, que aceita calado as desgraças, como aceita as
bênçãos da parte de Deus.
“Nu saí do ventre de minha mãe, e nu a ele voltarei. O Senhor deu o
Senhor tirou: bendito seja o nome do Senhor”. (1,21)
Menos conhecida é a parte poética do livro em que aparece o outro Jó.
Não existe na Bíblia um personagem que mais se queixe de suas dores e
sofrimentos do que este Jó, protótipo do homem rebelde. É, pois,
necessário falar desses dois personagens cujo nome é o mesmo. Disto
falaremos no segundo capítulo.
1.5 – Contexto Histórico
9 Grande Comentário Bíblico – Jó – pg. 9
14
É possível que a camada básica da narrativa de Jó tenha surgido antes
do exílio. Mais provável, porém, é um surgimento dela logo após o exílio.
O “herói” da narrativa é um não-israelita. Essa amplitude teológica, com
sua tendência implícita de monoteísmo universal, encaixa bem nas
correntes da teologia exílica e pós-exílica, tal como se evidenciam, entre
outros, nos livros de Jonas, Rute e Daniel. Indicio do tempo
imediatamente posterior ao exílio e também a ampliação da narrativa por
meio de cenas celestiais, porque nela “Satanás” (acusador), à
semelhança de Zc. 3.1s, designa um ente celeste de intenções hostis ao
seu humano, mas ainda não é utilizado, como em 1Cr 21,1, como nome
próprio10.
1.6 – Ênfases Teológicas
Ainda se admite muitas vezes que o livro de Jó considere a questão:
Porque sofrem os justos? De fato, a antiga narração folclórica como
também o poema se servem do problema do sofrimento injusto a fim de
perseguir um fim superior e mais amplo. Embora o enigma da dor tenha
sido para os antigos hebreus e, sobretudo para os judeus do séc. VI a.C.
um problema urgente, havia outro de importância crucial.
No momento em que o seu mundo acabava de ruir, eles se perguntavam
qual era o significado de sua fé. A aliança rompida, o templo arrasado, a
terra violada, a população dizimada ou no exílio, a família real
massacrada ou na prisão. 11
1.6.1 – O comportamento correto no sofrimento12
10 Introdução ao Antigo Testamento – Erich Zenger – pg. 30111 Grande Comentário Bíblico – Jó – Pg. 43.12 Introdução ao Antigo Testamento – Erich Zenger – pg. 302-303
15
A narrativa da moldura considera como concretização da atitude humana
correta no sofrimento que Jó aceita o sofrimento como submissão a Deus.
A compreensão tradicional judaica e cristã do livro de Jó atém-se,
sobretudo à narrativa da moldura, na qual Jó, enquanto sofredor piedoso
é apresentado diante do leitor como persona imitabilis.
Na seção de diálogos essa solução é problematizada. O bloco inicia com
um grande lamento de Jó (3), que se potencia até a acusação a Deus (9,
14-35). Recorrendo à tradição sapiencial, Elifaz interpela Jó a parar com
seu lamento (5,1-2; cf. Pr 29,11). Elifaz parece recomendar a Jó que
aceite a solução do problema visada pela narrativa da moldura. Jó se
nega a assumir a atitude do sofredor submisso a Deus (6,1-13;7,11;10,1).
Como o epílogo caracteriza a “fala sobre Deus” de Jó como “reta” e
condena o discurso dos amigos (42,7s), parece que o autor de Jó está
reconhecendo como atitude humanamente legítima o lamento no
sofrimento.
Nos discursos de Deus, Jó é criticado no aspecto de que em suas
lamentações ele levantou a acusação de que o mundo seria um caos
(3;21,7-11) e estaria entregue na mão de um criminoso (9,24). Com essa
acusação ele ultrapassa sua experiência humana pessoal e se arroga um
direito quase divino. Nos discursos de Deus, indaga-se de Jó
(retoricamente) se ele de fato alguma vez desempenhou o papel do Deus
Criador e se poderá assumi-lo (40,9-14). Pergunta-se a ele se esteve
presente no ato originário da Criação (credito prima) e se conhece as leis
de sua preservação (credito continua). Corrigido pelo discurso divino, Jó
confessa que falou com ignorância sobre coisas elevadas demais e
16
maravilhosas demais para ele (42,3.6). Assim, atravessando o lamento e
encontrando-se com Javé (42,5), ele reencontra a posição de aceitação
silente (40,4s), já apresentada o prólogo como exemplar.
1.6.2 – Causa e finalidade do sofrimento13
Na forma da narrativa da moldura, possivelmente a mais antiga (sem as
duas cenas no céu), não se aborda a questão do porquê e para quê do
sofrimento. Entretanto, a maneira como se descrevem os quatro casos de
desgraça, em que são adotadas metáforas do agir julgador de Deus (cf.
1,16: “fogo de Deus”), deixa entender que o infortúnio que se abate sobre
Jó provém de Deus. Em 1,21 Jó confessa sua calamidade como causada
por Javé e aceita como tal.
Na forma narrativa da moldura ampliada pelas duas cenas do céu é
refletida adiante a pergunta pela causa e finalidade do sofrimento. A
resposta desenvolvida de modo narrativo condiz plenamente com o que
afirma a tradição teológica sobre a questão (cf. Tomás de Aquino, Summa
Theologica, vol. 1, 2,3 ad 1): Deus permite o sofrimento. A permissão do
sofrimento por Deus, contudo, atende à finalidade de refutar uma
acusação levantada contra Jó, a saber, de que a religiosidade de Jó não
seria desinteressada. Assim, por mais paradoxo que possa parecer, na
narrativa da moldura a calamidade causada por Satanás ao ser humano
(Jó) é permitida por Deus “por causa da dignidade do ser humano”. Deus
não duvida da natureza desinteressada da fé de Jó, pelo contrario, aposta
nela.
13 Introdução ao Antigo Testamento – Erich Zenger – Pg. 303-305
17
Nos discursos dos amigos podem ser destiladas ao todo quatro respostas
à pergunta pela causa e finalidade do sofrimento:
1. Sofrimento é decorrência de culpa humana;
2. Sofrimento faz parte da natureza humana;
3. Sofrimento é uma forma de educação e disciplina por Deus;
4. O infortúnio é uma prova para o fiel.
Visto que no epílogo Javé condena a “fala sobre Deus” dos três amigos
(42,7s), o autor de Jó parece rejeitar as explicações do sofrimento
fornecidas pelos amigos. Assim, para descobrir a teologia do poeta de Jó,
somos remetidos aos discursos de Deus.
É significativo que os discursos de Deus (38,2-40,6-41,26) não abordam
de maneira alguma a teologia dos três amigos. Assim os discursos de
Deus de certa forma livram (redimem) Jó, ainda antes da sua
“restauração” explicita, de um antropocentrismo fechado em si próprio.
Desse modo correspondem, de modo previsível-imprevisível, ao seu
anseio por uma resposta do Todo – Poderoso:”Que o Todo-poderoso me
responda” (31,35). Esse é o último desafio de Jó e do homem natural.
Mas a resposta de Deus é sempre diferente do que o homem espera. 14 O
movimento aqui desenvolvido pode ser descrito como uma evolução do
antropocentrismo pelo cosmocentrismo até o teocentrismo, ao trazer à
sua presença o mistério da Criação como metáfora de seu próprio
sofrimento. Suas perguntas e queixas não são respondidas por terceiros
impassíveis, mas saciadas pelo Deus que misteriosamente está presente
na Criação e lhe dá respostas. (42,5)
14 Grande Comentário Bíblico – Jó – pg. 55
18
1.7 – Relevância 15
Pelo livro de Jó se questiona toda a teologia que não é mais capaz de
admitir a dor, as questões abertas, e a queixa e acusação dirigidas a
Deus, por sentir ameaçada, por meio delas, sua doutrina sobre Deus. O
livro de Jó constitui um pleito em favor do ser humano que sofre, dirigido
contra uma teologia excessivamente afirmativa. Sob esse aspecto é uma
advertência especial para que a teologia cristã considere que a redenção
ainda não chegou á conclusão. Para os cristãos a pergunta de Jó
continua tão atual quanto antigamente.
Na crítica à atitude dos três amigos, o livro contém uma instrução implícita
para sermos solidários com os que sofrem. Não se trata de compreender
o sofrimento, e sim de ser aprovado nele.
No entanto, no livro também se articula a esperança de que Javé é um
Deus que não deixa o sofredor para sempre em desgraça. A restauração
de Jó, muitas vezes caricaturada como “happy end”, constitui uma
expressão da esperança de que Javé em última instancia se revelará para
as pessoas atormentadas até a morte.
CAPÍTULO 2
DOIS PERSONAGENS
15 Introdução ao Antigo Testamento – Ercih Zenger – pg.305
19
O Livro de Jó é conhecido por seu personagem principal e, em especial,
como aparece nos dois primeiros capítulos.
Jó é o tipo do homem paciente e sofrido, que aceita calado as desgraças,
como aceita as bênçãos da parte de Deus:
“Nu saí do ventre de minha mãe, e nu a ele voltarei. O Senhor deu o
Senhor tirou: bendito seja o nome do Senhor!” (1,21).
Menos conhecida é a parte do livro em que aparece o outro Jó. Não
existe na Bíblia um personagem que mais se queixe de suas dores e
sofrimentos do que este Jó, protótipo do homem rebelde. É, pois,
necessário falar desses dois personagens cujo nome é o mesmo.
Trataremos primeiro do Jó paciente e depois do rebelde.
2.1 – O Jó paciente
Antes de tratarmos do Jó paciente, vejamos um pouco sobre o que
significa ser paciente, o que é paciência.
A palavra paciência tem sua raiz no Latin patientia, e dentre os seus
vários significados, destaco: Conformidade em suportar os males ou
os incômodos sem se queixar.
A Bíblia define a paciência como um dos frutos do Espírito Santo
conforme Gálatas 5, e dentre as várias atribuições que lhe são propostas,
diz que deve ser exercida na tolerância do jugo (cf.Lm. 3,27), na
tribulação (cf. Lc. 21,19; Rm 12:12) e no seu exercício para com todos (cf.
1Ts. 5,14).
20
“Jó é um personagem ativo. É um homem que constrói riquezas com seu
trabalho, é um homem feliz, que deseja entender a existência do mal.
Reduz-se Jó, em geral, a uma caricatura – por exemplo, quando se fala
da ‘paciência de Jó’. Contudo, a idéia de que Jó é um homem paciente
que sofre pacificamente é falsa. Ele está sempre em luta contra o mal, ele
o enfrenta e o combate. Por que o mal? Por que Deus permite o mal? –
essa é sua grande pergunta já que não há nada que justifique o mal”. 16
Realmente pelo lado humano se torna impossível compreender tamanha
paciência. Quase improvável é a aceitação do comportamento de Jó
diante das notícias que lhe são entregues pelos mensageiros que
sobreviveram às desgraças. Diante das circunstâncias passadas por Jó
podemos concluir que, por mais críticos os historiadores, a figura paciente
deste homem sempre estará marcada.
O que se percebe neste Jó paciente é um homem não apegado ao
material, embora este pudesse ter grande significado para ele, nem tão
pouco, por mais que pareça estranho afirmar, àqueles que faziam parte
de sua casa, de sua família.
Neste momento, para Jó, o corpo é simplesmente matéria espacial,
substância extensa, mera extensão mensurável matematicamente,
enquanto que a alma ou espírito ou consciência é uma substância
pensante. Na realidade, o corpo não passa de uma máquina que pode
funcionar independente da alma. Esta não interfere na vida biológica do
ser humano, pois sua finalidade única é precisamente pensar. Tanto o
pensamento (característica do espírito) quanto a vida biológica (a
16 Antonio Negri em entrevista ao jornalista José Castello do Jornal Valor Econômico em 9 de Julho de 2007 sobre o Livro: Jó a força do escravo.
21
máquina do corpo) são substâncias radicalmente separadas que podem
subsistir uma sem a outra, mas que se encontram relacionadas no ser
humano de maneira puramente extrínsecas.
As conseqüências desta antropologia são bem conhecidas: o sujeito (a
consciência humana) está cortado da própria corporeidade e vice-versa.
Ora, se o sujeito entra em contato com os outros sujeitos mediante o
corpo, uma vez separado deste, fica igualmente isolado dos outros
sujeitos17.
O Jó paciente se encontra neste momento isolado de todos e ligado a si
mesmo e à certeza de que uma solução seria dada para aquilo que
estava passando.
O homem justo e integro agüentou até o limite de suas forças e
pacientemente suportou aquele “jogo” onde ele era a peça fundamental
para a continuidade do mesmo.
Este Jó paciente irá voltar no final do relato, mais “experiente” e
“experimentado” do que qualquer outro ser humano. Um conhecimento
maior adquirido que o levou a um auto-conhecimento e a um
conhecimento maior do Deus que o tinha como íntegro, justo e puro.
Certamente, um homem que ainda não tem mais do que o conhecimento
vulgar e imperfeito – embora não seja este o caso de Jó – deve antes de
tudo buscar formar-se uma moral que possa bastar para regrar as ações
de sua vida. 18
Estas regras farão a diferença na vida deste “segundo Jó”. O Jó rebelde.
17 Unidade na Pluralidade – O ser humano à luz da fé e das reflexões cristãs – pg. 10118 Carta-Prefácio dos Princípios da Filosofia – René Descartes – pg. 33
22
2.2 – O Jó rebelde
Por que tantos sofrimentos na vida de um homem tido por Deus como
justo, bom e integro? Jó, nos quarenta e dois capítulos que formam a sua
história, vê-se cercado de interrogações, dúvidas e porquês. Ele procura,
sem medo e desesperadamente por uma resposta, a causa de tanto
sofrimento. Afinal ele era visto como um homem prestativo, ajudador,
solidário.
Jó não permite nenhuma palavra insensata contra Deus, nem por parte de
sua mulher nem por parte dos seus amigos. A primeira quando diz:
“amaldiçoa este teu Deus e morre” e o segundo quando diz: “você está
passando por isto devido ao teu pecado, este mal provém de Deus”.
Embora não conheça a razão do seu sofrimento, compreende que seus
interesses pessoais não se identificam necessariamente com os de Deus.
Ao manter a sua fé, tem a certeza que ao final de tudo, Deus irá salvá-lo.
Com efeito, diante do espírito do mal que sempre acusa os que crêem em
Deus de interesseiros e oportunistas – aproveitam a “prova” para saírem
por cima da situação – Jó demonstra que Deus sabe despertar em seus
fiéis um amor totalmente desinteressado.
Até aqui não temos nada que identifique a rebeldia deste servo de Deus.
Onde então identificá-la? A partir de qual momento na vida de Jó ela pôde
ser percebida?
É no momento da confusão que realmente vemos se a nossa fé e a nossa
perseverança estão baseadas em Deus. É neste momento que a nossa
paciência é posta em prova e percebemos até onde vai a nossa
confiança.
23
O problema começa a surgir em um instante em que chamo de “crise”
quando Jó percebe que crê em um Deus que é Poderoso, Justo e Bom e
mesmo assim permite que ele sofra injustamente e ainda quando Jó O
chama, estando ele, Jó, jogado em seu sofrimento e dor, e não encontra
uma resposta, somente o silencio.
2.2.1 – A situação do Jó rebelde19
O drama apresentado pelo Livro de Jó no poema é de uma pessoa boa,
inatacável, que chega a uma situação-limite: padece toda a espécie de
sofrimento sem saber por quê. A situação é idêntica à do Jó do prólogo,
mas não a reação. No prólogo, a reação é de submissão absoluta; no
poema, de rebeldia declarada.
Jó não tem consciência de haver cometido pecado ou alguma injustiça
que o torne merecedor do castigo que padece.
Por que Deus o submete à dura prova de dor?
Enquanto não se responde a essa pergunta, subjacente a todas as suas
reflexões e razão de suas queixas, seu sofrimento e o de qualquer
inocente é, segundo sua opinião, injusta.
Jó considera-se inocente; uma e outra vez ele o repete: “Sou inocente”
(9,21). Às duras acusações de seus amigos, “consoladores importunos”
(16,2), responde resolutamente: “Sei que sou inocente” (16,2), “Longe de
mim dar razão a vocês! Até o ultimo alento manterei minha honradez,
agarrar-me-ei à minha inocência sem ceder: a consciência não reprova
nenhum de meus dias” (27,5s; cf. 6,25-30). Com a mesma convicção
dirige-se confiadamente a Deus: “Mesmo que não haja em minhas mãos
19 Sabedoria e sábios em Israel – O livro de Jó, pg. 141
24
violência e seja sincera minha oração” (16,17), ouso perguntar: “Quantos
são os meus pecados e minhas culpas? Mostra-me meus delitos e
pecados”. (13,23). Jó está seguro de que nem o próprio Deus encontrará
nele algo responsável: “Já que ele conhece a minha conduta, que me
examine, e sairei como ouro” (23,10; cf. 10,7)
A situação de Jó é tão desesperadora que ele deseja se apresentar a
Deus como que diante de um tribunal a fim de ter a sua causa julgada
(23,1-3), ao menos ter a oportunidade de “defender-se”, apresentar a sua
queixa.
Com imensa nostalgia Jó recorda sua vida anterior, mais distante ainda e
idealizada por sua atual situação dolorosa: “Quem me dera voltar aos
velhos tempos, quando Deus velava sobre mim” (29,2).
Na verdade Jó é um homem justo, como demonstrou em todos os
momentos de sua vida, na prosperidade e agora na adversidade. Sua fé
em Deus é firme e inabalável; assim não fosse não teria surgido em sua
consciência conflito algum, ou não seria tão radical nem com seus amigos
nem com o próprio Deus, a quem apela tão apaixonadamente.
O fato de não ter surgido conflito em sua consciência demonstra para nós
o quanto devemos ter a certeza das coisas que fazemos, se as fazemos
da forma correta.
Homem nenhum gosta de ser acusado por algo que tem certeza que não
cometeu e Jó se encontrava nesta situação.
Injustiça ou Deus queria provar que ele tinha alguém que era
“insuperável” diante de suas limitações?
25
Neste ponto cito uma parte da resposta de um diálogo entre Trasímaco e
Sócrates em a primeira parte da República de Platão20:
“Embora tão avançado no conhecimento de justo e da justiça, do injusto e
da injustiça, você ainda ignora que a justiça e o justo na realidade não nos
pertencem porque constituem o interesse do mais forte que comanda
enquanto quem obedece e serve só leva prejuízo, e a injustiça, pelo
contrário, se impõe a quem é verdadeiramente ingênuo e justo”.
Uma conseqüência lógica do que foi dito até agora é que Jó experimenta
sua situação como algo injusto, que não deveria ter sofrido. Por isso
protesta e dirige-se à instância mais alta, ao próprio Deus: “Hoje também
me queixo e me rebelo, porque sua mão aumenta meus gemidos” (2,2);
“Queixo-me de algum homem ou perco a paciência sem razão”? (21,4).
Deus é o único e último responsável pelo que acontece no mundo, por
sua ordem ou sua desordem. De que se queixa Jó? Melhor seria
perguntar de que ele não se queixa.
Certamente o que mais interessaria para Jó era saber a natureza da
justiça e da injustiça, bem como os seus efeitos sobre a alma, além das
vantagens e conseqüências que delas derivam.
Jó não é de pedra, sente-se abandonado de tudo e de todos (cf. 6,12-15).
Seus pesares não podem ser medidos nem comparados a nada. Vemos o
limite da resistência humana: “Se pudesse pesar minha aflição e juntar
numa balança minhas desgraças, seriam mais pesadas que a areia; é por
isso que minhas palavras desvariam” (6,2s).
O que se percebe é um homem gravemente ferido no corpo e no espírito.
A sua imagem desolada, ferido dos pés a cabeça, é assustadora (cf.
20 Platão – A República – Parte 1
26
2,7s); suas palavras cheias de aflição descrevem um quadro pavoroso,
que nenhum artista plástico foi capaz de levar à tela:
“Meus ossos grudam-se na pele, só fiquei com a pele de meus dentes.
Piedade, piedade de mim, amigos meus, que a mão de Deus me feriu!”
(19,20s).
Um pedido de socorro de um homem que, além de ter a sua moral, o seu
psicológico e o seu espiritual abalados, sofria na pele – sem nenhum
jargão- a dor. O pedido de piedade vai para os amigos e não para Deus,
pois Este o feriu.
“Vermes e crostas cobrem-me, a pele rasga-se e converte-se em pus”
(7,5).“Chamo a podridão de mãe, aos vermes, pai e irmãos” (17,14).
“A noite martela-me até os ossos, pois não dormem as chagas que me
roem, [...] confundo-me com o barro e a cinza” (30,17.19)
Só o pensar já passa uma idéia de repugnância e nojo. A realidade é algo
que não tem ao que se comparar.
Até durante o sono, os sonhos eram motivo de desespero para aquele
homem.
Como dito antes, às dores do corpo somam-se as da alma, porque Jó é
objeto de humilhação e desprezo: “Dedicam-me cantigas de gozação; sou
eu tema de suas zombarias, [...] e ainda por cima me cospem na cara”
(30,9s;cf. 30,26-31). Se a doença do corpo não provoca na alma a doença
da alma, não devemos em absoluto pensar que a alma deva perecer por
27
um mal estranho, se não tiver um próprio, e que essa venha a perece pelo
mal do outro.
Alguém precisava demonstrar para Jó se ele estava realmente errado!
Este era o seu maior desejo.
Logo, ou alguém demonstra que estamos errados ou, até enquanto isso
for impossível, devemos afirmar que nem a febre ou qualquer outra
doença, nem a morte, nem se o corpo fosse retelhado em pedaços
minúsculos, enfim, nada disso pode provar o aniquilamento da alma,
porque antes seria necessário demonstrar que esses sofrimentos físicos
tornam a própria alma mais injusta e mais ímpia. E não toleraremos a
afirmação que a alma ou qualquer outra coisa perece pela intervenção de
um mal estranho ao seu, se não concorrer o mal que lhe é próprio. 21
Jó é vitima de uma desordem radical que causa estragos na sociedade,
onde tudo ao revés: “Por que continuam vivos os maus e ao envelhecer
tornam-se ainda mais ricos?” (21,7). Uns poucos vivem pomposamente à
custa de numerosos pobres e infelizes e, no fim, “este chega à morte sem
nenhuma doença, tranqüilo e em paz; [...] aquele que morre cheio de
amargura; os dois jazem juntos no pó, cobertos de vermes” (21,23-26; cf.
21,8-22; 24, 2-17). Este é o lamento das vítimas da injustiça, cujo eco
repete-se inutilmente ao longo do tempo (cf. Ecl 2,14-16; 3,19s).
Quem é o responsável por tanta irracionalidade e tanto absurdo? Não é
por acaso Deus.
2.2.2 – A Atitude de Jó diante de Deus22
21 Platão – A República – Parte II22 Jó – Grande Comentário Bíblico – pgs. 54-55
28
“Que o todo poderoso me responda” (31,35). Esse é o ultimo desafio de
Jó e do homem natural. Mas a resposta de Deus é sempre diferente do
que o homem espera. Do meio da tempestade, Iahweh não responde às
questões; ele põe outras (38,3ss). Como ele não explica o mistério da
providencia, não resolve filosoficamente o problema do mal nem declara
publicamente justiça de seu servo, muitos estudiosos, especialmente
desde a metade do séc. XVIII, mostraram-se desapontados. Alguns foram
mais longe. Com efeito, eles condenaram a ironia divina e a chamaram de
demonstração de crueza refinada, mas conforme à de um diabo do que a
de um deus. Aparentemente não é o que Jó mesmo sentiu ou pensou
(42,5).
Dando com audácia termos humanos à divindade transcendente, o poeta
consegue realizar a tarefa mais delicada: mostrar que Jó descobre ao
mesmo tempo a santidade e o amor de Deus, isto é, os dois pólos da
divindade. O herói aprende que o Deus que é verdadeiramente Deus não
só ordena o cosmo, mas também conscente em inclinar-se para sua
criatura. Aquele que enviou a chuva sobre as estepes, onde “não há
homem” (38,26), oferece a Jó a intimidade de um diálogo. Comunica-lhe
suas preocupações com o cosmo e ensina-o a sair da prisão do eu e a
contemplar o universo. É nesse momento preciso que o poeta, com a
maestria do teólogo honesta e do psicólogo lúcido, põe na boca de
Iahweh a questão fundamental:
29
“Cinge agora teus rins como um homem valente! Interrogar-te-ei, e tu me
instruirás. Quererias realmente anular meus julgamentos e condenar-me,
a fim de te justificares?” (40,7-8).
Aqui está a chave de todo o livro!
Jó pôs realmente a injustiça de Deus em dúvida. Então a ironia de Iahweh
se carrega de profunda melancolia. Deus não condena o homem, mas o
poeta dá claramente a entender o caráter estritamente teológico do
pecado do homem. O esforço para justificar a sua conduta leva o homem
a condenar a de Deus. Todas as vezes que pronuncia um julgamento
sobre o caráter da divindade, ele transgride os limites de sua
humanidade.
Deus não condena o homem nem pelos crimes de moralidade que ele
não cometeu, nem pela ofensa teológica da qual ele, de fato, foi culpado.
Mas o que agora está no espírito do poeta é o desafio titânico. Jó cedeu a
um acesso de hybris metafísica. Duvidou da justiça do Criador, embora,
ao mesmo tempo, a reconhece, uma vez que esperava dela a sua
quitação. Exigindo de Deus a proclamação de sua justiça, na verdade ele
negou a liberdade de Deus. Tentando justificar-se, reduziu Deus à
finitude. Entendeu a justiça divina não em relação com o macrocosmo
teocêntrico, mas em função de um microcosmo antropocêntrico. Vivendo
em sua egocentricidade, ignorou a teocentricidade da vida.
Se Jó tivesse o poder de Deus, poderia salvar a si mesmo, e Deus não
hesitaria em oferecer-lhe os ritos na adoração cultual (40,14)! Mas o
poder do homem, por mais vasto que ele seja nos limites de sua
30
mortalidade, está cercado pelo nada. Exerça Jó o seu poder dentro e fora
do seu eu, e descobrirá logo sua fraqueza existencial!
A ironia divina deve ser retomada, porque Jó está reduzido ao silencio,
mas não ainda à rendição final de suas pretensões. Beemot e Leviatã
(40,15-41,26) são criaturas do abismo. Diferentes do hipopótamo e do
crocodilo egípcios, embora tirem deles sua enormidade física, eles
representam o mal cósmico, cujo mistério é resolutamente enfrentado
pelo poeta. O que o homem denomina mal – tal parece ser a implicação
do poeta – torna-se o símbolo da liberdade de Deus. A afirmação
teológica da transcendência não permite o homem identificar Deus com a
noção humana do bem. A moral não pode, em nenhum caso, ser
empregada como a avenida epistemológica da teologia. O homem se faz
de Deus. Deus não é criado à imagem do homem, fosse até do homem
de bem.
2.2.3 – O alvo de Deus23
Esperando a morte, Jó exige desse Deus atormentador um instante de
trégua. Geralmente se reconhece nesses versículos uma parodia do Sl 8.
Enquanto o Salmista se surpreende com o Criador dando ao homem a
soberania sobre a natureza, Jó admira, com ironia, que o Senhor do
universo faça de um simples mortal o centro de suas atenções. Como Jó,
ele liga o motivo da brevidade da existência ao da importância ridícula
que o pecado parece assumir aos olhos da divindade. É talvez como
recordação inconsciente da piedade formal que o poeta faz seu herói
23 Jó – Grande comentário Bíblico – pgs. 102-103
31
passar da invectiva à oração, mesmo quando esta se torna uma série de
questões sarcásticas.
Jó não percebe nenhuma presença ou não favorável de Deus, mas sabe
que esse Deus o olha constantemente. A sua fé está profundamente
ancorada no fundo mais intimo do seu ser. Deus pode odiá-lo, mas não
permanece indiferente.
Jó não tem consciência de ter cometido nenhum pecado. Ele pode ter
errado quando atribuiu a seus amigos intenções más a seu respeito, mas
não reconhece em si mesmo o sentimento do pecado.
O herói parece desenvolver gradualmente uma consciência de titã. A
divindade, sem dúvida, não tem outra coisa a fazer senão exercitar-se no
tiro com o arco! Ou para Deus o caso de Jó é tão embaraçador como um
fardo a carregar? Ironicamente, o tema do perdão divino pode ser
compatível com o deísmo: “Deus me perdoará; é o seu ofício”. Jó retorna
à idéia de seu extermínio próximo, e a usa para importunar uma vez mais
a divindade. “Tu me procurarás!” O paradoxo da fé é habilmente
apresentado sob o pretexto da grosseria blasfematória. Jó sabe que,
apesar das aparências, Deus não o abandonaria jamais; por isso, mostra
aqui, implicitamente, que compreende o que pode ser uma noção
pervertida do amor divino. Ele imagina esse Deus, caminhando às
apalpadelas nas profundezas do Xeol, como um pastor que procura suas
ovelhas no meio da tempestade ou da noite brumosa (Ez 34,12), e
encontrando sua última frustração no “não ser” de Jó! Assim o poeta
transforma em gracejo lúgubre o apego desesperado do homem a um
Deus que ama ainda, mas tarde demais!
32
Ao chegar ao final desta história algumas perguntas ecoam em nossos
ouvidos:
É possível confrontar estes personagens vivenciados em um só? Como
aplicá-los à vida do homem e da mulher que servem a Deus nos dias de
hoje?
A igreja está repleta de “Jós”. Rebeldes e pacientes, tolerantes e
afrontadores. Certamente procurando absorver o que há de melhor nos
dois, vivenciá-los e aplicá-los em sua vida diária.
CAPÍTULO 3
A VIDA DE JÓ APLICADA À VIDA DA IGREJA
ATUAL
Jó. Um homem de tolerância heróica. 24
Chega-se ao fim da história e neste momento pesa-se tudo o que se teve
durante ela.
24 Jó – Um homem de tolerância heróica – Charles R. Swindoll – Ed. Mundo Cristão – SP. 2004.
33
A declaração de Jó remete bem a situação de um homem que pôde
aprender a suportar tudo o que foi “imposto” à sua vida.
“Reconheço que tudo podes, e que nenhum desígnio te é inacessível.
Quem é aquele que obscurece o conselho [divino], sendo desprovido de
conhecimento?
Por isso falei, sem compreendê-las, de maravilhas que me ultrapassam.
Escuta-me, eu te peço, e deixa-me falar: interrogar-te-ei, e tu me
instruirás! Outrora meus ouvidos ouviam falar de ti, mas agora são meus
olhos que te vêem! Por isso eu me abismo e sofro no pó e na cinza! “Jó
42:1-5”.
Jó ensina coisas relevantes e mui importantes que, se não estão,
precisam ser aplicadas à vida da Igreja dos dias de hoje e ainda à vida
pessoal de cada um dos que a compõe.
Em primeiro lugar aprende-se sobre Deus, o nosso Deus único e
verdadeiro que sonda e conhece o coração do homem, suas forças e
limitações.
Nunca sabemos os planos que Deus tem para nós. O plano de nosso Pai
Celestial se desenrola em separado de nossa percepção. Andamos pela
fé e não pelo que vemos como confiança e não pelo toque, nos apoiando
confiantes e não fugindo.
Ninguém sabe antecipadamente o que o plano do Pai inclui. É melhor
assim. Pode ser uma benção maravilhosa ou um teste que nos faz cair de
34
joelhos. Ele sabe antes de nós, mas não é obrigado a nos advertir a
respeito ou a nos lembrar do que nos aguarda no horizonte. Podemos
estar certos de uma coisa: nosso Deus sabe o que é melhor.
Não há nada que Deus não possa fazer. É impossível frustrar os
Seus propósitos;
Os planos de Deus estão além da nossa compreensão e são muito
profundos para serem explicados. Só mediante a instrução de Deus
podemos humilhar-nos e descansar na sua vontade.
Quando chega o dia certo, Deus é sempre justo. Ele não vai falhar com
aqueles que Lhe são fiéis, independente das circunstâncias. E ainda:
Ninguém se compara a Deus quando se trata de bênçãos.
Para Deus não existe diferenças entre Bênçãos – pequenas ou grandes –
elas nos são dadas de acordo com o tamanho de nossa fé.
“Pois em verdade vos digo que, se tiverdes fé como um grão de
mostarda, direis a este monte: Passa daqui para acolá, e ele passará.
Nada vos será impossível”. Mt. 17:20b
Só Deus pode preencher nossos últimos anos com música divina
que nos permite viver a cima de nossas circunstâncias.
35
“O coração do homem traça o seu caminho, mas o Senhor lhe dirige os
passos” Pv. 16.9
Não há nada melhor do que um coração contrito e quebrantado diante de
Deus. Um coração onde prevalece única e de maneira soberana a
vontade do Deus dos deuses, do Senhor dos senhores.
No caso de Jó, este exemplo se mostra de forma ainda mais latente nos
últimos momentos de sua “prova”.
“Nu saí do ventre de minha mãe, nu a ele voltarei”. O que quis dizer: os
meus planos eram de uma vida tranqüila, cuidando dos meus filhos, dos
meus negócios. Uma vida sossegada. Deus, porém, tinha outros planos e
os colocou em prática. Bendito seja o Senhor!
Uma perspectiva vertical impedirá nosso pânico horizontal.
“... Jó prostrou-se de joelhos e adorou”.
Sua perspectiva vertical é clara e corajosa. É como se Jó estivesse
dizendo: “Eu tive. Eu gozei. Fui abençoado. Estou agora sem esses
benefícios. Eles não fazem mais parte do meu mundo. Mas o mesmo
Deus que deu tudo isso de graça é o Deus que, em sua vontade soberana
decidiu tirar tudo. Dou-lhe glória e louvor. Que o Seu nome seja sempre
exaltado!
Esta falta de perspectiva vertical - o olhar para cima, para o Autor e
consumador de nossa fé – é que leva ao chão muitas vidas e ministérios:
Em um instante possuem tudo e em outro já não tem mais nada.
36
O desespero toma conta e, ao invés de glorificarem, questionam,
resmungam e procuram de todas as formas “colocar Deus na parede”,
exigindo que Ele “restitua” tudo o que possuíam.
Discernimento.
“Mas ele lhe respondeu: ‘Falas como qualquer doida; temos recebido o
bem de Deus, e não receberíamos também o mal? ’ Em tudo isto não
pecou Jó com seus lábios”. Jó 2.10
O discernimento é necessário para detectar o conselho errado de
pessoas “bem intencionadas”.
Deus não é o nosso Deus apenas quando tudo vai bem. Nossa fé Nele
não fica ou não deveria ficar limitada aos dias em que Ele nos abençoa.
Quando as coisas vão de mal a pior, a teologia correta nos ajuda a
permanecer fortes e estáveis.
O homem não aceitou sugestões da esposa nem por um momento: “Você
fala como doida”. Jó sabia evidentemente que os seus lábios não podiam
amaldiçoar a Deus.
A morte pertence a Ele e não a mim. Quando estiver pronto para levar-
me, Ele o fará.
Ele estava seguro em seu conhecimento de Deus.
Em crises desse tipo, a teologia sólida é de valor incalculável.
Os amigos atenciosos e sensíveis sabem quando nos procurar,
como reagir e o que fazer.
No caso dos amigos de Jó o que vimos foi:
37
Censura; dúvidas; falaram demais; sondaram os pecados ocultos;
Os danos foram enormes!
Alguma coisa aplicada às nossas igrejas? Às nossas vidas?
Bom será se não!
Afinal o que a palavra de Deus nos ensina é sobre o Amor genuíno, a
sinceridade no falar, o olhar para si mesmo em primeiro lugar antes de
apontar os outros; dentre outros preceitos fundamentais.
É fácil ocupar a posição de jogadores do nosso time preferido. O
problema é o dia seguinte após o jogo quando ouvimos: “Se fosse eu não
teria feito esta jogada”.
“Eu nunca diria estas palavras para Deus!” “Como ele pode afirmar ser
cristão e agir desta forma?”.
“Se fosse o Senhor, eu o disciplinaria por isto!”.
Como amigos nós precisamos tomar cuidado com as palavras ou até
mesmo com a falta delas.
Os amigos de Jó tinham falado muitas coisas certíssimas sobre Deus,
inclusive algumas das mais inspiradas exortações sobre a conversão a
Deus, e Jó havia tomado algumas atitudes erradas em querer entrar em
contenda com Deus. Mas há uma grande distinção: Jó estava buscando
sinceramente a verdade sobre a justiça divina, e sobre a razão dos seus
sofrimentos físicos e morais, enquanto seus amigos, sem ter o coração
aberto para Deus, simplesmente quiseram forçar Jó a ingerir suas teorias
pré-frabricadas. Jó glorificara ao Senhor no sentido de buscar a
incontestável verdade em Deus, os amigos estavam errados justamente
no assunto básico do teste em que Satanás submetia a Jó: o que é que o
38
homem pode falar sobre a providência divina e o significado dos
sofrimentos, na hora da tragédia?
Cultivar a perseverança obediente é um sinal supremo de
maturidade.
Quando as dificuldades chegam, temos duas opções: Podemos vê-las
como um ultraje ou como uma oportunidade para responder em
obediência específica à vontade de Deus.
A perseverança não é uma resignação de dentes cerrados nem uma
aquiescência passiva. É uma longa obediência na mesma direção.
“Não to mandei eu? Sê forte e corajoso; não temas, nem te espantes,
porque o Senhor teu Deus é contigo, por onde quer que andares”. Js 1:9
A história de Josué e da Promessa de uma nova Terra para o Povo de
Deus se passou bem antes da que foi relatada neste estudo, porém, as
palavras poderiam ser muito bem aplicadas à vida de Jó. Se ele foi
conhecedor da história dos patriarcas, certamente, em algum momento,
deve ter se recordado destas palavras vindas da parte de Deus: “Sê forte
e corajoso...”, ou seja, “persevere, não desista, esta situação vai passar!”.
Deus, mais do que ninguém, sabia até onde Jó agüentaria e por isto o fez
perseverante.
Deus o fez perseverante! Se não fosse o Senhor do que adiantaria todo o
esforço de Jó? Ele sozinho não suportaria tal pressão.
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Da mesma forma somos nós quando, passando por alguma situação que
foge às nossas forças, buscamos em Deus o ultimo suspiro para
continuar.
Tolerância, aprendizado, discernimento, perseverança, atenção aos
conselhos, olhos fitos no alvo e verticalmente apontados para o horizonte,
o futuro, foram fatores fundamentais na vida de Jó e podem ser também
aplicados a vida atual daqueles que pretendem servir a Deus de todo o
seu coração, de toda a sua alma.
Jó teve de volta tudo àquilo que havia perdido e, de uma forma tremenda
e mais virtuosa.
“Mudou o Senhor a sorte de Jó, quando este orava pelos seus amigos;
e deu-lhe o dobro de tudo o que antes possuía”. Jó 42.10
Um último ato.
Aqueles amigos que tentaram ajudar e que de certa forma só jogaram
mais para baixo a vida de Jó, foram apresentados a Deus pelo seu servo
fiel, justo e íntegro e neste momento “mudou o Senhor a sorte de Jó”.
Deus, mais uma vez, está atento à oração do seu servo.
Os familiares, todos eles se apresentaram diante de Jó com presentes e:
“Assim abençoou o Senhor o último estado de Jó mais do que o
primeiro...” Jó 42:12a.
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Uma nova família, novos bens, respeito e dignidade foram restituídos.
Jó conheceu ao Senhor!
Jó, possuindo uma experiência com Deus, reconhece que as perguntas e
respostas levantadas por ele não têm importância comparadas com a
sublime bênção da verdadeira comunhão com Deus.
Não recebeu todas as respostas: sabe que Deus é justo, que ele tem sido
fiel a Deus, e não entende o porquê de seu sofrimento em tais
circunstâncias; mas agora atingiu um ponto de espiritualidade que lhe
basta para, mesmo em meio àqueles sofrimentos, saber que pode confiar
em Deus, aceitando qualquer quinhão que Deus tenha decretado para a
sua vida.
“Depois disto viveu Jó cento e quarenta anos; e viu a seus filhos, e aos
filhos de seus filhos, até à quarta geração. Então morreu Jó, velho e farto
de dias” Jó 42:16.17
CONCLUSÃO
O fio condutor do livro de Jó que foi tirado dele mesmo e foi perseguido
para ter acesso à sua compreensão, deu frutos de verdade!
A intuição que se teve do papel da trama narrativa para a dinâmica global
do livro de Jó consolidou-se no decorrer desta obra tão marcada pelos
maiores enigmas da existência humana.
É um longo suspense, que começa com a aposta de Satã, colocando em
dúvida a famosa integridade desinteressada do servo de Deus, da qual
ele podia tanto se gloriar, já que era de fato um homem reto e íntegro, que
temia a Deus e se afastava do mal.
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A mola-mestra da trama da narrativa esteve concentrada na própria
evolução do protagonista da obra. Jó resistiu até o fim, e com uma
persistência impressionante, ao círculo vicioso no qual os seus amigos
insistiam em fazê-lo entrar.
Para piorar tudo, o silencio de Deus veio reforçar o seu estado de
perplexidade: ele não compreendia porque estava sendo submetido a tal
provação e aflição! Jó não cessou de queixar-se, de clamar por justiça, de
encontrar um modo de manter viva a relação que podia uni-lo de uma
forma ou de outra ao Deus da Vida. Ele nunca perdeu a esperança. Foi
esta busca desesperada de Deus que o preparou para o maravilhoso
encontro final, que o levou para a grande amplitude de novos espaços.
Ao concluir este estudo chego ao momento de reflexão do quanto um
homem pode suportar por amor e por fé a um Deus que o gerou, mas
também o torna como um “verme”!
Quantos “Jós” estão espalhados no meio da Igreja dos nossos dias!
Homens e mulheres que têm aprendido, por meio da dor da provação,
conhecer o Deus que servem, não apenas de ouvir falar, mas, por poder
ver.
Tão pacientes e ao mesmo tempo com rompantes de rebeldia, calados e
ao mesmo tempo questionadores, quebrados, mas sem perder a certeza
da restauração.
Bom será se, ao lerem esta explanação, àqueles que ainda não
conseguiram enxergar verdadeiramente o Deus que servem, passem a
vê-Lo, não apenas com interesses, mas com o desejo genuíno de serem
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também chamados de homens íntegros e retos, tementes a Deus, e que
se desviam do mal e assim encerrarem suas vidas velhos e fartos de dias.
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