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1 CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO AMAPÁ RAIMUNDO CORDEIRO VALENTE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA EXECUÇÃO DOS CRÉDITOS TRABALHISTA Macapá 2008

MONOGRAFIA RAIMUNDO CORDEIRO VALENTE - ceap.br · A origem do instituto é disputada pela doutrina americana e inglesa. Segundo Koury (1998), a origem da teoria da desconsideração

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO AMAPÁ

RAIMUNDO CORDEIRO VALENTE

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA EXECUÇÃO DOS

CRÉDITOS TRABALHISTA

Macapá 2008

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RAIMUNDO CORDEIRO VALENTE

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA EXECUÇÃO DOS

CRÉDITOS TRABALHISTA

Macapá 2008

Monografia apresentada ao Curso de Direito do Centro de Ensino Superior do Amapá CEAP, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, sob a orientação do professor Agnaldo Alves Ferreira.

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RAIMUNDO CORDEIRO VALENTE

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA EXECUÇÃO DOS

CRÉDITOS TRABALHISTA

TERMO DE APROVAÇÃO

Estudo monográfico apresentado e aprovado no mês de outubro de 2008, como

requisito parcial para a obtenção do grau de bacharel em Direito pelo Centro de Ensino

Superior do Amapá CEAP.

DATA:

____/_____/_____

BANCA EXAMINADORA:

________________________________________________________

Orientador: Professor Agnaldo Alves Ferreira

_________________________________________________________

Examinador

__________________________________________________________

Examinador

Macapá 2008

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SUMÁRIO

Pág.

Introdução............................................................................................................... 8 Capitulo I – FASE HISTÓRICA, DESENVOLVIMENTO E APLICAÇAO DA TEORIA.........10 1 A origem da desconsideração da personalidade jurídica ..................................10 2 Evolução Histórica..............................................................................................13 3 Noções Gerais....................................................................................................17 4 Teoria da desconsideração da personalidade jurídica no direito estrangeiro.....21 4.1 Aplicação no direito norte-americano............................................................... 21 4.2 Aplicação no direito inglês..................................................................................25 5 Aplicação no direito tributário brasileiro..............................................................27 5.1 Aplicação no código de defesa do consumidor brasileiro...................................29 5.2 Aplicação no direito empresarial ........................................................................31 5.3 Aplicação no Código civil brasileiro....................................................................33 Capitulo II - ESPECIFICAÇÃO DA DOUTRINA NA TEORIA ...............................................37

1 Definição da Pessoa Jurídica...........................................................................37 2 Fins específicos da desconsideração da personalidade jurídica.....................39

3 Teoria maior da desconsideração.....................................................................41 3.1 Teoria da menor desconsideração.....................................................................43 4 Princípio da autonomia patrimonial .................................................................44

5 Jurisprudências a favor da desconsideração da personalidade Jurídica..........46 5.1 Jurisprudências contrárias à desconsideração da personalidade Jurídica.........48

6 Aplicação da teoria da desconsideração na jurisprudência trabalhista...............50 Capitulo III – RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL DOS SÓCIOS....................................51 1 Patrimônios alcançados na execução.............................................................51 1.2 Dos sócios administradores...........................................................................53 1.3 Sócios não-administradores...........................................................................55

1.4 Ex-sócios.......................................................................................................56 1.5 Patrimônios do cônjuge..................................................................................57 Capitulo IV – EFETIVIDADE DA TEORIA NO PROCESSO DO TRABALHO.......................59 1 Efetividade do crédito trabalhista .................................................................59 2 A penhora dos bens dos sócios como exceção...........................................60

3 A natureza alimentar do crédito trabalhista...................................................63 4 Princípios do direito do trabalho....................................................................68 4.1 Princípio da proteção.....................................................................................68 4.2 Sub-principios................................................................................................69 5 Aplicação da doutrina no Processo de conhecimento...................................71 6 Na fase de execução do crédito trabalhista: infringencia ao devido Processo legal..............................................................................................72 Capitulo V - Considerações finais..........................................................................................79 Referencias bibliográficas..................................................................................83

.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BACEN Banco Central

CC Código Civil

CF Constituição Federal

CLT Consolidação das Leis do Trabalho

CNPJ Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica

CPF Cadastro de Pessoa Física

CPC Código de Processo Civil

EC Emenda Constitucional

HC Hábeas Corpus

MP Ministério Público

RI Regimento Interno

STF Superior Tribunal Federal

STJ Superior Tribunal de Justiça

TST Tribunal Superior do Trabalho

TRT Tribunal Regional do Trabalho

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À minha querida mãe, meu querido pai, meus filhos e sobre tudo ao meu Senhor e salvador Jesus Cristo por terem me incentivado e orientado na busca por uma vida digna, através do respeito, amor, longanimidade, misericórdia, temperança, perdão, bondade e fortalecimento a todos os meus momentos de luta e adversidades, dedico-lhes essa inesquecível conquista como gratidão.

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Resumo

O presente trabalho foi desenvolvido com base nas questões que envolvem

a prática na aplicação da doutrina da desconsideração da personalidade jurídica. O

destaque principal foi dado à sua aplicação na esfera do processo de execução

trabalhista, posto que, quando a desconsideração é invocada nesta fase, os terceiros

alcançados, no caso os sócios ou seus cônjuges, geralmente alegam infração à

garantia constitucional do devido processo legal, já que não participaram do processo

de conhecimento, quando o título executivo judicial é formado, o que, em tese, levaria à

violação dos princípios da ampla defesa e do contraditório. A intenção é demonstrar

que, apesar das alegadas violações, estas não se configuram, podendo a doutrina ser,

perfeitamente, utilizada na fase de execução do processo do trabalho, até mesmo em

razão da natureza alimentar do crédito trabalhista, o que, conforme se verificou, é o

entendimento predominante, inclusive nos Tribunais Regionais do Trabalho e mesmo

no Tribunal Superior do Trabalho. No decorrer do presente trabalho foi abordada a

positivação da doutrina da desconsideração no ordenamento jurídico brasileiro, o que

tornou-se uma realidade prática com advento da vigência do Código Civil 2002 em seu

artigo 50, bem como no Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 28, os quais

trouxeram, a possibilidade de afetação pessoal dos sócios pelas dívidas da pessoa

jurídica. Concernente à doutrina da desconsideração da personalidade jurídica

propriamente dita, foram objetos de pesquisa sua conceituação, surgimento, requisitos,

pessoas que podem ser alcançadas em decorrência de sua aplicação, legislação

pertinente à matéria e observância dos princípios informadores do Direito do Trabalho.

PALAVRAS-CHAVE: Doutrina da desconsideração da personalidade jurídica; Processo

de execução dos créditos trabalhistas; Devido processo legal; Afetação do patrimônio

pessoal dos sócios.

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Introdução

Este trabalho monográfico tem como objetivo fazer uma abordagem

panorâmica na seara do tema “desconsideração da personalidade jurídica execução

dos créditos trabalhista”. A escolha desse tema tem importância em que se baseia na

prática forense da justiça do trabalho. A justificativa repousa na questão prática de que

a Justiça do Trabalho impulsionada pela filosofia de proteção ao hipossuficiente,

somando ao principio da proteção e sub-principios(in dúbio pro operário e norma mais

favorável) que não permite que os riscos da atividade econômica sejam transferidos

para o empregado como uma forma de obter do devedor a satisfação do crédito.

Com o presente estudo objetiva-se, especificamente, avaliar as hipóteses

legais de aplicação da doutrina da desconsideração no âmbito do processo do trabalho,

enfrentando, ainda, a questão da observância do devido processo legal quando os

terceiros, no caso, os sócios ou seus cônjuges, administradores e ex-administradores

são alcançados já em fase de execução, sem terem, por conseqüência, constado no

pólo passivo do processo de conhecimento.

Do seio desse tema alude-se como hipótese deste trabalho: a

desconsideração da personalidade jurídica como pressuposto de prática forense na

ceara do Direito do trabalho.

Com vista à comprovação, ou não, desta hipótese constitui-se o problema:

Qual a contribuição social diante a aplicação da teoria na execução dos créditos

trabalhistas? Considerando que o direito comum pode ser fonte subsidiária ao direito do

trabalho, porque a aplicação da teoria vem sendo aplicada diferente da norma prevista

nas leis? Qual a contribuição das leis para as execuções dos créditos na adoção da

teoria da desconsideração da personalidade jurídica na justiça do trabalho?

Nesse contexto, o objetivo geral deste trabalho monográfico é obter

substratos que apontem através dos dados à complexidade do tema, analisando o

direito e as práticas correlacionadas que o direito do empregado pode ser assegurado,

dentro da prática determinada na norma jurídica, sem causar lesão ao direito do

devedor.

Também se constitui um objetivo específico, qual seja de discorrer acerca do

panorama da desconsideração da personalidade na execução trabalhista no âmbito da

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justiça do trabalho, considerando eventuais curiosidades, as polemicas doutrinárias

e/ou jurisprudências.

Analisar a antijuricidade na aplicação da teoria objeto do tema combinado

com o direito alternativo, mostrando suas implicações práticas, sobre tudo para a

sociedade.

O presente trabalho foi composto sob a metodologia da consulta bibliográfica

e o método foi indutivo.

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Capitulo I – Fase histórica, desenvolvimento e aplicação da teoria

1 - A origem da desconsideração da personalidade jurídica

A origem do instituto é disputada pela doutrina americana e inglesa.

Segundo Koury (1998), a origem da teoria da desconsideração da personalidade

jurídica se deu nos Estados Unidos, em 1809, com o caso Bank of Unites vs. Deux. No

entanto, o caso mais famoso, que lançou mundialmente a teoria do “véu da

personalidade jurídica (“ piercing “the veil of the corporation” ou lifting the veil of the

corporation”) foi, na realidade, Salomon vs. Salomon & Co.(Inglaterra).

Aron Salomon era um homem rico, em julho de 1892. produtor de sapatos e

botas, exercia o comércio através de uma empresa denominada A . Salomon & CO, em

Hight Street, Whitechaoel, onde possuía grandes armazéns e o estabelecimento

propriamente dito. Estava no ramo há 30 anos. Começando seu comércio com um

pequeno capital, gradualmente construiu um próspero negócio, possuindo bom crédito

e boa reputação.

Seus negócios suplantavam, em muito, seus débitos e, segundo Lord

Macnaghten, em suas razões de voto no famoso caso Salomon vs. Salomon and

Company Limited (1987)A. C. 22 “poderia, à época, ter vendido seu negócio e

colocado em seu bolso £10.000,00”

O Mr. Salomon não queria se aposentar pois havia a mulher, mais cinco

filhos e uma filha, sendo que quatro dos filhos já estavam trabalhando com o pai. O

mais velho era gerente do negócio. Os filhos não eram sócios, eram apenas

empregados e, provavelmente, descontentes com essa situação, pressionavam o pai

para lhes dar uma participação na empresa “They troubled me”,...”all the while”, disse

Mr.Salomon durante o julgamento do famoso caso

Devido essas pressões familiares. Mr. Salomon transformou sua companhia

numa “limited stock company”, pois aumentaria seu negócio e aproveitaria sua família.

Esses foram os motivos que levaram Mr. Salomon a mudar o escopo da sua vida

profissional.

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A nova companhia(limited stock company) foi constituída e os subscritores

das “ações “ foram ele, sua mulher e cinco de seus filho maiores. Os subscritores do

capital nomearam Mr. Salomon e dois de seus filhos mais velhos como diretores.

A companhia se chamou “Aron Salomon and Company Limited”, de

responsabilidade limitada, com um capital no valor de £40.000,00, dividido em 40.000

quotas de £1 cada uma.

Por um acordo datado de 2 de agosto de 1982, o negócio do Sr. Salomon

foi transferido para a nova companhia. O preço fixado pelo contrato foi devidamente

pago. Entretanto, o preço colocado no documento dando valor à transação foi

exorbitante. Segundo Lord Macnaghten “ a sum which represented the sanguine

expectations of a fond owner rather than anything that can be called a businessilike or

reasonable estimate of value..” Mr Salomon vendeu seu negócio à nova companhia por

mais de £ 38,000 (o que era um valor superestimado à época). Parte do valor da

compra foi pago com 20.000 cotas integralizadas no valor de £1, e a companhia

também emitiu em seu favor debêntures o valor de £10.000(ele permitiu que £10.000

do valor da compra permanecesse devidos a ele e assegurados por uma hipoteca dos

bens da companhia).

As debêntures foram em números de, no valor de £100, cada uma, todas

em favor do Sr. Salomon , que ,dando-as em garantia, obteve um empréstimo do Sr.

Broderip. Em fevereiro de 1893, parte das debêntures originais foi cancelada e, em

substituição e com o consentimento do Sr. Salomon como beneficiário, novas

debêntures foram emitidas no mesmo valor em favor do Sr. Broderip, para pagar o

empréstimo com juros de 8 % a. a. A companhia teve uma vida curta. Após sua

criação, iniciou-se um período de depressão no mercado de botas e sapatos, assim

como greve no setor. Sendo os contratos comerciais da companhia com órgãos

públicos a principal receita do Sr. Salomon, foram estes divididos entre vários

competidores. As tentativas de levar o negócio adiante lotaram os armazéns da

companhia com estoques não vendidos.

Os Juros das debêntures não foram pagos. O Sr. Broderip ingressou em

juízo para cobrar seu crédito nomeando um “receiver” (recebedor) para receber o

crédito. Após , veio a liquidação da companhia e a venda de seus ativos. O sr. Broderip

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teve seu crédito satisfeito, todavia, havia ainda a pagar as outras debêntures de

propriedades do Sr. Salomon e os credores quirografários (sem garantias).

O liquidante defendeu a companhia, alegando que o valor do negócio

transferido àquela havia sido superfaturado e, portanto, era uma fraude.

O Juiz Vaughan Williams J., da Court of Appeal considerou que o acordo de

agosto de 1892 e a emissão das debêntures para o Sr. Salomon havia sido uma fraude

para possibilitar a ele continuar com os negócios em nome da companhia com

responsabilidade limitada, contrário entendimento da Companies Act de 1862, e obter

preferência sobre os credores.

Houve apelação para a House of. Lords. Lord Halsbury L.C. entendeu ser

indiscutível que, quando a companhia é legalmente incorporada, deve ser tratada como

um ente diferente, com seus direitos e obrigações e que motivos daqueles que a

constituíram são absolutamente irrelevantes na discussão dos direitos e obrigações.

Assim declarou seu voto:

“Para mim a lei dá à companhia uma existência legal, com direitos e

obrigações, quaisquer que tenham sido as idéias ou esquemas que a criam”

“A companhia limitada era uma entidade legal ou não. Se ela era, o

negocio pertence a ela e não ao Sr. Salomon”

Continuando com sua razoes, Lord Halsbury L.C, referindo-se ao Juiz da

instancia inferior:

“Vanghan Willians J., me parece ter utilizado do argumento que a

companhia ( que para esse propósito ele assumiu ser uma entidade legal) foi fraudada

na compra do negócio de Aron Salomon porque, assumindo que o preço pago pelo

negocio foi exorbitante, do que eu não estou convencido, mas assumindo que tenha

sido, o Juízo inferior deveria cogentemente observar que, quando todos os quotistas

têm conhecimento das condições da compra, é impossível se alegar que a companhia

tenha sido fraudada”

“O apelante na minha opinião, não fez nem pretendeu fazer nada

desonesto mas apenas sofreu uma grande má sorte nos negócios sem culpa”

Como se pode notar, o “leading case” que deu origem à denominada”

disregard doctrine” não desconsiderou a personalidade jurídica; pelo contrário,

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manteve a separação entre os entes de direito, a pessoa física e pessoa jurídica,

alicerce legal de nosso ordenamento jurídico.

2 - Evolução histórica

Visando o entendimento sobre o assunto proposto, comumente chamada

Doutrina da Desconsideração da Personalidade Jurídica, é imprescindível determinar

em que consiste esta doutrina. Nessa intenção, cumpre observar um conceito

elaborado por Fábio Ulhoa Coelho a respeito desta teoria:

“Pela teoria da desconsideração, o juiz pode deixar de aplicar as regras de

separação patrimonial entre sociedade e sócios, ignorando a existência da

pessoa jurídica num caso concreto, porque é necessário coibir a fraude

perpetrada graças a manipulação de tais regras. Não seria possível a coibição

se respeitada a autonomia da sociedade. Note-se, a decisão judicial que

desconsidera a personalidade jurídica da sociedade não desfaz o seu ato

constitutivo, não o invalida, nem importa a sua dissolução. Trata, apenas e

rigorosamente, de suspensão episódica da eficácia desse ato. Quer dizer, a

constituição da pessoa jurídica não produz efeitos apenas no caso em

julgamento, permanecendo válida e inteiramente eficaz para todos os outros

fins.” Fábio Ulhoa Coelho (2003, p. 40)

É neste sentido que se faz diferenciação entre os institutos da

despersonalização e da desconsideração da personalidade jurídica. Na

despersonalização, retira-se a qualidade de pessoa jurídica da sociedade, que

desaparece, não sendo mais considerada como sujeito de direito autônomo em relação

a seus sócios, ou seja, não há mais pessoa jurídica. No que se refere à

desconsideração da personalidade jurídica, somente há suspensão da eficácia, a

pessoa jurídica não desaparece, seus efeitos são afastados casuisticamente, apenas

para o alcance dos sócios em um específico caso concreto.

O primeiro dos casos, que se tem notícia, que deu origem a desconsideração

da personalidade jurídica, também chamada de Doutrina da Desconsideração da

Personalidade Jurídica, como já anteriormente abordado, datam do século XIX, foram

julgados no âmbito da common law, por Tribunais norte-americanos e ingleses, daí

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passou esta Doutrina ser conhecida por Disregard Doctrine, em decorrência de sua

origem norte-americana.

No ano de 1.809, nos Estados Unidos, uma questão envolvendo Bank of

United States v. Deveaux, por alguns estudiosos como precursora da Disregard

Doctrine naquele país, tendo em vista que, o Juiz Marshall, com a intenção de preservar

a jurisdição das cortes federais sobre as corporações, já que o artigo 3º, inciso

segundo, da Constituição Americana limita tal jurisdição às controvérsias entre

“cidadãos" de diferentes estados, foi compelido a olhar além do véu da entidade,

alcançando os personagens individuais que compunham a corporação, para que estes,

como sendo cidadãos de estados diferentes, dessem margem para a jurisdição das

cortes federais. Acerca disso, descreveu Maurice Wormser, em sua compilação de

casos de desconsideração da personalidade jurídica nos tribunais norte-americanos,

não cabe aqui discutir a decisão em si do Juiz Marshall, a qual foi, na verdade,

repudiada por toda a doutrina da época, mas sim ressaltar o fato de que já em 1.809

“as cortes levantaram o véu e consideraram as características dos sócios individuais.”

Wormser (1912) apud Koury (1995, p. 64).

Segundo Santos 2003 p. 110, no Estado da Virgínia, houve um interessante

caso de visível discriminação de pessoas, em razão de suas origens e tonalidades de

pele, mas que foi superado pela ficção da pessoa jurídica. Trata-se de um caso

envolvendo People´s Pleasure Park Co. v. Rohleder, em que uma grande extensão de

terras foi dividida em um número de lotes e cada documento de lote continha um

acordo com a cláusula de que as terras nunca poderiam ser transferidas ou passadas

às mãos de descendentes africanos e negros. Porém, a corporação, criada

exclusivamente por negros, adquiriu vários lotes e propôs construir um parque para

negros, não obstante ter ciência da restrição imposta quando adquiriu os lotes. Uma

ação foi proposta por um dos proprietários de lotes, Rohleder, contra a corporação,

inclusive contendo pedido de desconstituição dessa corporação. A corte decidiu em

favor da corporação, sustentando que, apesar de composta por negros, sua

personalidade jurídica era totalmente separada e distinta da de seus sócios.

Disse ainda, que a corporação não era dotada de cor, por ser uma pessoa de

existência apenas legal e não física. Neste caso, não houve desconsideração da

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personalidade jurídica da corporação, todavia, a decisão da corte reveste-se de

contribuição para a Disregard Doctrine, tendo em vista que afirmou ser a pessoa

jurídica uma pessoa de existência apenas legal.

Sobre os casos acima referidos, há discussão entre os doutrinadores,

acreditam que a Disregard Doctrine teve sua origem na Inglaterra, e não nos Estados

Unidos, com o célebre caso Salomon v. Salomon & Co. Ltd., julgado pela House of

Lords, em última instância, em 1897. Como inicialmente abordado, trata-se do caso de

um comerciante de couros e calçados, Aron Salomon, que constituiu sua companhia

em 1892 juntamente com mais seis membros de sua família, isto é, sua mulher, sua

filha e seus quatro filhos, sendo que a sociedade foi constituída com 20.007 ações,

onde sua mulher e os cinco filhos tornaram-se proprietários de uma ação cada um, e as

restantes, 20.001, foram atribuídas a Aron Salomon, das quais 20.000 foram

integralizadas com a transferência, para a sociedade, do fundo de comércio que Aron já

possuía, como detentor único, a título individual. Numa narrativa de Alexandre Couto

Silva, lemos que:

“Aparentemente, de acordo com as narrativas dos fatos existentes em várias

obras que tratam do assunto, o preço da transferência desse fundo seria

superior ao valor das ações subscritas: pela diferença, Aaron Salomon era

ainda credor da Salomon & Co. Ltd., com garantia real em seu favor

constituída. Com a sociedade, entretanto, vindo a entrar em insolvência e a

ser dissolvida, estabeleceu-se o litígio judicial entre o próprio Aron Salomon e

ela.” Alexandre Couto Silva (1999, p. 30)

Mesmo diante desse episódio, existem autores que discordam da afirmação

de ser o caso Salomon v. Salomon & Co. Ltd. o precursor da Disregard Doctrine, pois

salientam que o caso foi julgado somente em 1897 e, portanto, seria posterior ao

julgamento do caso Bank of United States v. Deveaux, julgado pelo juiz Marshall.

Desta forma, o caso Salomon seria o primeiro somente no Direito Inglês, não

podendo ser considerado como o verdadeiro precursor da doutrina da desconsideração.

Ainda, para esses autores, apesar de o juiz de 1º grau e da Corte de Apelação terem

desconsiderado a personalidade jurídica da companhia, a decisão foi reformada pela

House of Lords, sob a alegação de que a companhia havia sido validamente constituída

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e que Salomon era seu credor privilegiado por ter-lhe vendido o estabelecimento e

recebido, por isso, obrigações garantidas por hipoteca. É o que ressalta Silva :

“É importante ressaltar a influência negativa desse caso para o

desenvolvimento da Disregard Doctrine na Inglaterra, que, desde então, vem

aplicando rigorosamente os princípios da separação das personalidades

jurídicas entre sócio e sociedade e da responsabilidade patrimonial nele

consagrado.” Silva (1999, p.31):

Consoante ao assunto leciona Santos (2003, p. 111), em 1955, Rolf Serick,

um jurista alemão, publicou uma das mais importantes obras sobre a doutrina da

desconsideração da personalidade jurídica, que o levou a alcançar o título de privat-

dozente, na Faculdade de Direito e Economia da Universidade de Tubinga na

Alemanha. Nesta obra, o autor inicia seu trabalho examinando as possibilidades da

desconsideração da pessoa jurídica em caso de abuso, principalmente, em face da falta

de critérios objetivos na doutrina e na jurisprudência alemã para o ato de levantar o

“véu” da pessoa jurídica, com a finalidade de alcançar os sócios ou administradores por

atos de sua responsabilidade e não da pessoa jurídica, propriamente dita. Ainda, a

jurisprudência americana é largamente utilizada como fonte de estudo da Disregard

Doctrine, sendo, inclusive, citada por Rolf Serick, tendo em vista que ela privilegia a

valorização da empresa, como fator de desenvolvimento da nação, admitindo assim,

apenas excepcionalmente, e em face de cada caso concreto e julgado, a atribuição de

responsabilidade da empresa por atos de seus sócios, quando contrários aos objetivos

da sociedade. “Ao desconsiderarem a pessoa jurídica, em verdade estão eximindo,

poupando, excluindo a empresa de atos contrários a seus estatutos, praticados por

seus administradores.” (SANTOS, 2003, p. 112).

Constata-se, que a doutrina da desconsideração teve maior liberdade de

desenvolvimento no direito norte-americano, que, ao privilegiar a valorização da

empresa, busca protegê-la dos atos abusivos praticados por seus sócios, utilizando-se,

então, com maior freqüência, a desconsideração da personalidade jurídica. Todavia, no

direito inglês, a aplicação dessa doutrina encontra maior barreira, já que, como

anteriormente estudado, após o julgamento do caso Salomon v. Salomon & Co. Ltd., os

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tribunais ingleses vêm aplicando rigorosamente a separação das personalidades

jurídicas dos sócios e da empresa, não deixando margem para uma aplicação mais

flexível da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade empresarial em

vista à alcançar o patrimônio de seus sócios, por atos abusivos por eles praticados.

3 - Noções gerais

Em face do princípio da autonomia patrimonial, as sociedades empresarias

podem ser utilizadas como instrumento para a realização de fraude contra os

credores ou mesmo abuso de direito.

Assim, na medida em que é a sociedade o sujeito titular dos direitos e

devedor das obrigações , e não os seus sócios , muitas vezes os interesses dos

credores ou terceiros são indevidamente frustrados por manipulações na constituição

de pessoas jurídicas, celebração dos mais variados contratos empresariais, ou

mesmo realização de operações societárias, como as de incorporação, fusão , cisão.

Nesses casos, alguns envolvendo elevado grau de sofisticação jurídica, a consideração

da autonomia da pessoa jurídica importa a impossibilidade da ocorrência de fraude ou

do abuso. Quer dizer, em determinadas situações, ao se prestigiar o princípio da

autonomia da pessoa jurídica, o ilícito perpetrado pelo sócio permanece oculto,

resguardado pela ilicitude da conduta da sociedade empresarial somente se revela à

irregularidade se o juiz, nessas situações (quer dizer, especificamente no julgamento do

caso) não respeitar esse princípio, desconsiderá-lo. Desse modo, como pressuposto

da repressão a certos tipos de ilícitos, justifica-se episodicamente a desconsideração

da personalidade da sociedade empresarial.

Exemplos de conceito. Suponhamos que uma pessoa física, João,

organize, em seu nome, um completo e moderno estabelecimento para exploração de

atividade industrial. Esse bem integra a propriedade daquela pessoa física, por

evidente. Posteriormente, ele constitui uma sociedade limitada com seu irmão, ao qual

cabe participação pequena no capital social; mas, em vez de integralizar suas quotas

na sociedade com a transferência do estabelecimento, João vende a pessoa jurídica o

referido bem. A venda é feita a prazo, até mesmo porque a sociedade não tem recursos

para adquirir à vista o estabelecimento industrial. Note-se , contudo, que, ao escolher

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essa específica forma jurídica para a operação (venda),e não a da integralização em

bens do capital social. João passa a titularizar a condição de credor da sociedade (da

qual é sócio com maior participação). Se tivesse contribuído para a formação da

sociedade com a transferência, para esta, do seu estabelecimento, evidentemente ele

teria apenas os direitos de sócio, e não de credor.

Leciona, Fábio Ulhoa sobre o assunto, diz que:

“Sofisticando um pouco mais a hipótese, imaginemos que o negócio é feito

mediante alienação fiduciária em garantia, de modo que a propriedade do

estabelecimento não se transfere para o adquirente (a sociedade) senão

após a integral satisfação do crédito do alienante (o sócio majoritário)” .Ulhoa,

2007 p, 33.

Pois bem, se atividade industrial desenvolvida pela sociedade resultar

infrutífera e esta tiver a falência decretada, o seu sócio majoritário poderá reaver o

estabelecimento para si, por meio do pedido de restituição (LF, art. 85); porém, os

demais credores(civis e comerciais) terão os respectivos créditos insatisfeitos, na

medida em que não há outros bens no patrimônio da sociedade para atendê-los.

Como se trata de sociedade limitada, esses credores também não poderão ,

em princípio, responsabilizar o sócio pela obrigação social. Sofrem, assim, prejuízos,

enquanto João, a despeito da falência da sociedade empresarial que controla, não

perde nada, continuando com a mesma condição patrimonial que possuía antes do

inicio da exploração da indústria. Verifica-se, a margem, que a situação seria muito

diferente se o estabelecimento empresarial houvesse sido transferido à sociedade a

título de integralização do capital social, e não por venda a prazo com reserva de

domínio. Nesse caso, João não seria credor,mas apenas sócio da pessoa jurídica

falida. Assim, os bens do estabelecimento, integrantes do patrimônio social, seriam

arrecadados e vendidos no leilão judicial do processo falimentar,e, com o preço

alcançado, atendidos os credores(ao menos em parte, como ocorre geralmente nas

falências ).

Retomando o exemplo, João, além de sócio da sociedade falida, é também

credor desta pelo preço de venda do estabelecimento, garantido seu crédito pela

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cláusula de reserva de domínio. Em razão dessa forma jurídica escolhida para

operação, ele não sofre nenhum prejuízo com a falência da sociedade, da qual possui a

maior parte do capital, pelo contrario, conserva a sua condição patrimonial originária,

em detrimento dos credores civis e comerciais da sociedade. Acentue que não existe

nenhuma ilicitude no exemplo, posto que todos os atos jurídicos praticados são

plenamente válidos e eficazes (assim a venda, a constituição da garantia, o crédito de

sócio perante a sociedade, a retomada do estabelecimento na falência em virtude da

cláusula de reservado etc.). Mas é inegável que, a despeito dessa licitude, os

interesses legítimos dos credores foram fraudados. Como a sociedade falida é a

pessoa jurídica distinta da de seus membros, não cabe pretender a responsabilização

destes por dividas daquela. Assim, como atender o princípio da autonomia patrimonial

configura-se a fraude contra credores.

A segunda hipótese exemplificativa diz respeito a Antonio e Carlos, únicos

sócios de uma sociedade anônima dedicada ao ramo de mudanças. Neste caso os

negócios prosperaram, mas, um dos motoristas empregado da sociedade, conduzindo

caminhão com uma importante mudança, provocou um sério acidente de transito, com

diversas vitimas e danos de monta. Em decorrência, a sociedade está respondendo um

processo de indenização, que, julgado procedente, implicará a condenação da pessoa

jurídica em valores expressivos, sendo provável a sua a falência. Antonio e Carlos

decidem, então, construir uma outra sociedade mudança, do tipo limitada, com sede em

endereço diferente, funcionários próprios, novas instalações e novos veículos.

Resolvem não investir mais na primeira sociedade, deixam de renovar-lhe a frota,

abandonam projetos de qualificação de pessoal, não gastam com publicidade, e, aos

poucos, seus clientes são conquistados pela segunda, em cuja empresa os dois estão

empregando o melhor de seus esforços. Quando a condenação judicial, em decorrência

do acidente, transita em julgado e é executada, a companhia devedora não possui

mais movimento econômico ou bens suficientes para responder pelo débito. A limitada,

ao contrário, é econômica patrimonialmente forte. Antonio e Carlos, ao constituírem a

nova sociedade, realizaram ato plenamente legal; ao se interessarem mais pelo

sucesso dela do que pelo da primeira, também não incorreram em nenhuma prática

irregular; não desviaram bens nem funcionários da primeira para segunda sociedade, e

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a conquista da clientela deu-se em razão da melhor qualidade dos serviços prestados

por esta ultima. No entanto, se for dada atenção ao princípio da autonomia das pessoas

jurídicas, os interesses legítimos das vitimas do acidente do acidente restarão

frustrados: como a sociedade limitada não se confunde com anônima - aliás, ela nem

sequer existia ao tempo do surgimento da obrigação (a época do acidente) - , não é

possível responsabilizá-la por divida dessa ultima.

O terceiro exemplo de manipulação fraudulenta autonomia da autonomia

da pessoa jurídica vamos buscar no campo do direito antitruste. Suponhamos que ,

um determinado segmento de mercado, compete quatro sociedades anônimas, cada

qual com sua própria composição societária. Não há nenhum acionista de uma delas

que possua qualquer participação no capital de outra. Imaginemos, então, que o

controlador da empresa mais forte, Darcy, proponha aos controladores das

concorrentes um acordo, mediante o qual ele passa a ter direito de escolher seus

administradores, e ofereça, em troca, a garantia da rentabilidade mínima da empresa.

Quer dizer , se a sociedade não gerar pelo menos determinado patamar de dividendos.

Darcy pagará a diferença. Feito o acordo, são escolhidos administradores diferentes

para cada companhia. Não há, portanto, venda de ações, permanecendo o mesmo

quadro de acionistas de todas as concorrentes.

Nesse cenário, considerar as sociedades como pessoas jurídicas

distintas, em obediência ao princípio da autonomia, importa identificar, no referido

segmento do mercado, mais de uma sociedade empresária em competição. Quer

dizer, se há quatro concorrentes, descabe cogitar de monopólio. Contudo, é inegável

que Darcy, por meio de acordo com os controladores, domina o mercado, podendo,

por exemplo, determinar aos administradores que indicou para cada companhia a

majoração concertada dos preços, sem riscos, de perda de clientela.

Para Fábio Ulhoa: “A sociedade empresaria, em razão da sua natureza de

pessoa jurídica , isto é, de sujeito de direito autônomo em relação aos seus sócios,

pode ser utilizada como instrumento na realização de fraude ou abuso de direito”

Ulhoa,( 2007 p. 35).

Nesses três exemplos, a manipulação da autonomia das pessoas jurídicas

foi o instrumento para realização da fraude contra credores, ou, ao menos, abuso de

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direito. Deve-se ressaltar contudo, que a solução para evitar manipulações como estas

não é abolir a autonomia da pessoa jurídica, como regra. O problema não está no perfil

básico do instituto, mas no mau uso. O objetivo da teoria da desconsideração da

personalidade jurídica (disregard doctrine ou piercing the veil) é exatamente possibilitar

a coibição de fraude, sem comprometer o próprio instituto da pessoa jurídica, isto é,

sem questionar a regrada separação de sua personalidade e patrimônio em relação

aos de seus membros, ou seja, em outros termos, a teoria tem o intuito de preservar a

pessoa jurídica e sua autonomia, enquanto instrumentos jurídicos indispensáveis à

organização da atividade, sem deixar ao desabrigo terceiros vitimas de fraude.

4 - Teoria da desconsideração da personalidade jurídica no direito estrangeiro

Mesmo diante da abordagem anterior quanto a origem da Teoria da

desconsideração da Personalidade jurídica, existem divergências sobre em qual

ordenamento jurídico deu-se o primeiro caso, pois, enquanto existem autores que

defendem a tese de que o surgimento ocorreu na Inglaterra, com o caso citado

Salomon v. Salomon & Co., outros sustentam que o verdadeiro primeiro caso da

disregard doctrine ocorreu em 1.809, na questão envolvendo Bank of United States v.

Deveaux e, portanto, a origem da doutrina da desconsideração teria ocorrido no direito

norte-americano. Entretanto, como se vê, não há divergências sobre o fato de que a

origem se deu em um desses dois sistemas jurídicos, portanto, diante da contribuição

trazida por eles, válida é analisar a aplicação atual da doutrina da desconsideração

nestes dois países.

4.1 - Aplicação no direito norte - americano

Sobreleva ressaltar que os Estados Unidos são compostos por cinqüenta

Estados e um Distrito Federal, sendo que cada Estado constitui-se em uma entidade

soberana, com direitos próprios e leis de organização judiciária distintas, devendo a

análise da disregard doctrine neste país ter em conta o estabelecimento de linhas

comuns entre estes Estados membros.

Diante do incentivo ao desenvolvimento econômico, naquele país tem-se

utilizado em grande escala a limitação da responsabilidade dos membros da sociedade,

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ou seja, o surgimento da ficção da pessoa jurídica tem sido como uma espécie de

alavanca utilizada para favorecer o estabelecimento de grupos empresariais, com vistas

a beneficiar o crescimento econômico.

Na concepção de Santos , tem-se que:

“[...] a incorporation é uma instituição que promete aos membros da sociedade

que será constituída os benefícios da atividade econômica a que se propõe, com

a limitação da responsabilidade desses membros no mesmo limite do aporte de

capital efetuado no momento de sua constituição”. Santos (2003, p. 124)

A limitação de responsabilidade dos sócios pelo instituto da personalidade

jurídica, como incentivo para o desenvolvimento dos negócios, tem sido chamada de o

mais importante desenvolvimento legal do século XIX. Em uma narrativa de Wormser,

lê-se o seguinte:

“Wormser relata que em um discurso o presidente Butler do Estado de Columbia

declarou que “a limitação da responsabilidade das sociedades é a mais

importante descoberta dos tempos modernos”, e que `o vapor e a eletricidade

são menos importantes que a limitação da responsabilidade, esses seriam

reduzidos à comparativa impotência sem aquela”. Wormser (1929) apud Silva

(1999, p. 48).

Se de um lado os Estados Unidos consagram a limitação da

responsabilidade dos sócios, paralelamente tem-se o desenvolvimento da disregard

doctrine, que configura elementos limitativos da autonomia e distinção entre a

sociedade empresária e seus sócios, significa que, havendo abuso na utilização da

ficção da pessoa jurídica, o véu que separa empresa e sócios deverá ser levantado

para que os membros, de forma solidária, respondam pelos danos porventura

ocasionados pela corporação.

Diferentemente do sistema common law inglês, que baseia-se na aplicação

de casos já julgados, o ordenamento jurídico norte-americano, também voltado ao

sistema common law, tem como base a adoção de decisões no específico caso

concreto examinado. Ainda, não se vislumbra a preocupação do legislador norte-

americano em estabelecer normas legais disciplinadoras da aplicação da doutrina da

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desconsideração da personalidade jurídica, ou seja, o sistema jurídico norte-

americano,especialmente no que diz respeito a disregard doctrine, é altamente

consuetudinário, fundado na habitualidade, nas decisões jurisprudenciais aplicadas à

cada caso em particular, o que, sem dúvida, permite uma grande flexibilidade na

aplicação da doutrina neste país.

A questão que se propõe é: quando poderá um credor da sociedade recorrer

à justiça norte-americana para requerer o não atendimento da promessa de limitação

de responsabilidade, e declarar os sócios pessoalmente, e seus patrimônios

particulares, responsáveis em valores além do integralizado por eles à época da

constituição da sociedade?

Analisando-se as decisões judiciais sobre a matéria, verifica-se que estas

não oferecem resposta inequívoca a essa questão, todavia permitem estabelecer linhas

de tendência geral, principalmente em dados levantados por Thompson, em sua obra

“Piercing the Corporate Veil: An Empirical Study”, que podem ser resumidas nos

seguintes pontos, segundo Robert B. Thompson (1991) apud Santos:

- quando ocorre a não-aplicação da regra da responsabilidade limitada, refere-se

à sociedade de capitais unipessoais ou de qualquer outra espécie, mas com um

número restrito de sócios (as designadas closely held corporations);

- em todos os casos, os juízes tendem, fortemente, a interpretar que o veil

piercing pressuponha uma participação ativa e um comportamento positivo do

sócio cujos danos o piercing explica;

- são muito freqüentes as aplicações do piercing the corporate veil quando

invocadas pelos credores involuntários da sociedade (como são exemplos os que

foram lesados por fato ilícito praticado pela sociedade ou os beneficiários finais

de produtos de consumo ou de serviços oferecidos pela sociedade), e não

quando invocadas pelos credores contratuais normais;

- as cortes judiciárias tendem a considerar ilimitadamente responsáveis os sócios

quando a sociedade tenha criado uma falsificação da própria situação financeira

de tal forma a levar a engano os credores a respeito da solvência da mesma;

- as aplicações da piercing the corporate veil conduzem, mais freqüentemente, à

declaração de responsabilidade de uma sociedade pelos débitos assumidos por

uma outra sociedade a essa coligada ou participante de grupo, e não à

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declaração de responsabilidade ilimitada de um singular indivíduo pelas

obrigações assumidas pela sociedade a que pertence;

- as cortes judiciárias aplicam a regra da responsabilidade ilimitada na maior

parte dos casos em que os participantes de uma atividade econômica societária

tenham desatendido importantes formalidades procedimentais próprias da

organização da sociedade (formalidades que

dizem respeito, como exemplo, aos procedimentos de emissão de ações, de

eleições dos administradores, de instalação e desenvolvimento da assembléia,

de manutenção da escrituração contábil);

- as cortes tendem a aplicar o veil piercing quando os sócios tenham deixado de

manter separados seus patrimônios pessoais e aquele da sociedade, criando

confusão entre os mesmos, principalmente no ato da execução dos pagamentos;

- os juízes são muito mais inclinados a não aplicar o benefício da

responsabilidade limitada quando acham que a atividade societária foi iniciada

ou, de qualquer modo, foi conduzida sem que dispusesse de um capital

adequado a fazer frente aos riscos que a referida atividade comporta;

- os juízes são muito mais inclinados a não aplicar o benefício da

responsabilidade limitada se constatam que foi, por parte dos participantes da

sociedade, uma representação falseada na totalidade do patrimônio social, isto é,

da primária garantia dos credores, a dano obviamente no atendimento das

valorações feitas por estes últimos. Robert B. Thompson (1991) apud Santos

(2003, p. 125 e 126).

Como visto nos pontos levantados por Thompson, a tendência para a

aplicação da desconsideração nos Estados Unidos é a de não aplicar o instituto em se

tratando de responsabilidade contratual, tendo em vista que o credor teve ciência e

pôde negociar os riscos que poderiam advir do negócio, o que, diferentemente, não

ocorre nos casos de responsabilidade extracontratual, onde não há essa possibilidade,

como na hipótese de responsabilização proveniente de atos ilícitos. Assim, os tribunais

norte-americanos são mais tendentes a permitir a aplicação da desconsideração nos

casos de responsabilidade extracontratual, sendo mais conservadores no que se refere

às hipóteses de responsabilidade contratual. Ainda, esses tribunais conferem

relevância aos chamados credores involuntários, entendendo-se como tal aqueles que

se tornam credores da sociedade por atos desta, contra os quais eles nem sempre

podem se insurgir.

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Na espécie de credor involuntário, entende-se estar incluso o credor

trabalhista, já que este, em razão da necessidade do emprego, muitas vezes não pode

se insurgir contra atos da sociedade empregadora que lesionem direitos trabalhistas

seus. Numa assertiva de Santos, tem-se que:

“É exemplo o credor trabalhista, cuja necessidade do emprego, com

subordinação permanente, impõe-lhe a aceitação do não-cumprimento de

direitos trabalhistas a si assegurados, que, ao longo do cumprimento do

contrato de trabalho, vai acumulando créditos, passando a ser um “credor

involuntário” da sociedade empregadora”. Santos (2003, p. 127).

Como visto a limitação da responsabilidade dos sócios nos Estados

Unidos, teve como um de seus aspectos primordiais o incentivo ao desenvolvimento

econômico desse país, sendo utilizada de forma bastante abrangente desde a criação

da ficção da pessoa jurídica. Entretanto, o mesmo país que estimulou o crescimento da

utilização desse instituto, é um dos países onde se deu origem à doutrina da

desconsideração da personalidade jurídica, com vistas a amenizar o princípio da

limitação da responsabilidade, tendo como fundamento proteger os credores e

investidores das sociedades empresárias, já que são esses os principais responsáveis

pelos tão expressivos êxito econômico das empresas norte-americanas.

4.2 - Aplicação no direito inglês

Diferente do que ocorre no ordenamento norte-americano, o direito inglês

foi o primeiro a criar norma jurídica no campo da doutrina da desconsideração da

personalidade jurídica, pois, segundo Coelho, destaca-se que:

“O Companies Act, de 1929, estabelecia, na seção 279: “se no curso da

liquidação de sociedade constata-se que um seu negócio foi concluído com o

objetivo de perpetrar uma fraude contra credores, dela ou de terceiros, ou mesmo

uma fraude de outra natureza, a Corte, a pedido do liquidante, credor ou

interessado, pode declarar, se considerar cabível, que toda pessoa que

participou, de forma consciente, da referida operação fraudulenta será direta e

ilimitadamente responsável pela obrigação, ou mesmo pela totalidade do passivo

da sociedade”. Coelho (2003, p. 48),

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Concebe-se que referido dispositivo teve como incentivo à sua elaboração,

as repercussões do célebre caso Salomon v. Salomon & Co., julgado pelos tribunais

ingleses em 1897 e considerado, pela maioria dos doutrinadores, como o primeiro caso

de desconsideração da personalidade jurídica. Ainda, o ordenamento inglês tem como

fonte para a aplicação da doutrina da desconsideração, a teoria ultra vires, pela qual a

sociedade não pode responder pelos atos de seus representantes legais que violem o

objeto social da empresa, mesmo que estes atos sejam benéficos para ela. O ato ultra

vires é o ato praticado pelos sócios com inobservância dos limites postos pelo objeto

social da empresa.

A sociedade deve se ater à realização do que estabelece o objeto social,

sendo que os atos que violam esse mesmo objeto são considerados perigosos, tanto

para os sócios quanto para os credores. Amanda Alves Moreira assim descreve sobre a

aplicação da teoria do ato ultra vires:

“Aplicando essa teoria em termos absolutos, a sociedade não se responsabiliza

por tais atos, mesmo que eles trouxerem vantagens à empresa; os atos

estranhos ao objeto social são insanavelmente nulos, mesmo quando hajam sido

deliberados por decisão unânime dos sócios.

Qualquer negócio realizado pela companhia além de seus poderes é nulo e não

pode ser ratificado de modo algum.” (MOREIRA, 1998).

Embora se trate o ordenamento jurídico inglês de típico sistema common

law, a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica neste país, se

comparada ao direito norte-americano, encontra maior barreira à sua utilização, pois,

após o julgamento do caso Salomon v. Salomon & Co Ltd., os tribunais ingleses vêm

aplicando rigorosamente a separação das personalidades jurídicas dos sócios e da

empresa, tendo em vista que, neste célebre caso, a última instância reverteu a decisão

do juiz de primeiro grau para declarar a absoluta separação de personalidades entre a

companhia e Aron Salomon.

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5 - Aplicação no direito tributário brasileiro

Alguns autores atribuem à Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, que

instituiu o Código Tributário Nacional, a iniciativa no Brasil, da utilização da doutrina da

desconsideração da personalidade jurídica, quando esta disciplinou em seus artigos

134, VII e 135, o superamento da pessoa jurídica para reprimir a sonegação e a evasão

de impostos. O CTN assim disciplina nos artigos referenciados:

Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da

obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos

atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:

I - os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores;

II - os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou

curatelados;

III - os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes;

IV - o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio;

V - o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo

concordatário;

VI - os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos

devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu

ofício;

VII - os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.

Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades,

às de caráter moratório.

Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a

obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou

infração de lei, contrato social ou estatutos:

I - as pessoas referidas no artigo anterior;

II - os mandatários, prepostos e empregados;

III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de

direito privado.

Ressaltar, a previsão da doutrina da desconsideração da pessoa jurídica,

no âmbito do Direito Tributário, apresenta uma característica peculiar, tendo em vista a

obrigatória observância do princípio da legalidade, pois, esta doutrina ou qualquer

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outro instituto, para que possam ser aplicados em matéria tributária, devem estar

expressamente previstos na legislação pertinente.

Assim, pelo princípio da legalidade, entende-se que “ninguém será

obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (Constituição

da República Federativa do Brasil, artigo 5º, II), sendo que a previsão expressa deste

princípio também se encontra no Código Tributário Nacional, no artigo 97, que

determina que somente a lei pode estabelecer a instituição, extinção, majoração ou

mesmo redução de tributos.

Ocorre que, diante da previsão legal nos artigos 134 e 135 do CTN do

alcance de terceiros no âmbito tributário (o que, como visto, é exigido pelo princípio da

legalidade), existem autores que entendem que se está diante de uma espécie de

responsabilidade tributária, e não de utilização da doutrina da desconsideração da

pessoa jurídica. Entende-se que o legislador baseou-se na referida doutrina da

desconsideração para elaborar o dispositivo legal, entretanto, “doutrina não é norma

legal, mas sim elemento de integração da norma legal, com o propósito de afastar

lacunas do ordenamento jurídico e torná-lo justo.” (SANTOS, 2003, p. 155)

A partir do momento em que a teoria é positivada, não estamos mais diante

da aplicação de uma doutrina.

A disregard doctrine, como anteriormente mencionado, é hipótese de se ter

que, em razão de não haverem normas específicas, adotar a drástica medida de

levantar o véu que separa os sócios e sociedade, para que os sócios, pessoalmente,

possam ser responsabilizados por atos seus que tragam prejuízos a terceiras pessoas.

Dessa forma, a doutrina é utilizada quando da inexistência de normas reguladoras de

tais atos dos sócios, se existe uma previsão legal específica, determinando a

responsabilização solidária dos membros da sociedade, não há razão para dizer que se

está diante da aplicação da doutrina da desconsideração da personalidade jurídica.

Entende-se ainda, que os dispositivos do Código Tributário Nacional, significam apenas

que, em determinadas circunstâncias, os sócios são responsáveis por dívida alheia, no

caso, dívidas da sociedade, não existindo a aplicação da teoria da desconsideração da

personalidade jurídica, até porque, não existe quebra ao princípio da separação entre

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as pessoas da sociedade e dos sócios, simplesmente, há uma imputação de dever à

pessoa-membro da sociedade empresária.

Em conseqüência das assertivas doutrinárias, deve-se considerar que,

por conta do princípio da legalidade estrita e, também, da distinção entre

desconsideração da pessoa jurídica e imputação legal de responsabilidade tributária

aos sócios, não haveria hipóteses de invocação da doutrina da desconsideração da

pessoa jurídica em matéria tributária, muito embora, como salientado, existam autores

que entendem ter sido em matéria tributária a primeira utilização da doutrina da

desconsideração no direito brasileiro.

5.1 - Aplicação no Código de Defesa do Consumidor Brasileiro

Com advento da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, que instituiu o

Código de Defesa do Consumidor, um dos mais recentes acolhimentos da doutrina da

desconsideração da personalidade jurídica no ordenamento jurídico brasileiro, pois, no

artigo 28 da lei em referência, vê-se claramente prevista a doutrina da

desconsideração, o que constitui um dos mais significativos exemplos de assimilação

desta teoria pelo direito brasileiro.

O artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor assim estipula:

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade

quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de

poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato

social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado

de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por

má administração.

§ 1º (Vetado)

§ 2º As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades

controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes

deste Código.

§ 3º As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas

obrigações decorrentes deste Código.

§º As sociedades coligadas só responderão por culpa.

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§ º Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua

personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos

causados aos consumidores.

Neste sentido, dispõe a lei em questão que a personalidade jurídica da

sociedade somente poderá ser desconsiderada quando houver prejuízo para o

consumidor, através de relação de consumo. Entretanto, entende-se que a lesão ao

consumidor deve ser analisada de forma objetiva, ou seja, não há a necessidade de

comprovação da existência de culpa ou dolo por parte do fornecedor de produtos ou

serviços, basta a existência de uma ação e um dano, sendo ainda necessário o nexo

de causalidade entre ambos, excluindo-se a necessidade do consumidor comprovar a

culpa da sociedade, é o que leciona Rocha :

“Como o CDC faz parte de um sistema jurídico protetivo, entende-se que as

hipóteses legais para a desconsideração da personalidade jurídica, previstas em

seu art. 28, caput, devem ser analisadas objetivamente, sem qualquer indagação

de dolo ou culpa do fornecedor. Exigir-se que o consumidor prove as hipóteses

do art. 28, do CDC, sob o ângulo subjetivo, seria o mesmo que conceder ao

consumidor o direito de ação para desconsiderar a personalidade jurídica do

fornecedor e, ao mesmo tempo, inviabilizá-la, devido à sua vulnerabilidade e

hipossuficiência”. Rocha ,1999 p.125):

Todavia, o que se discute, é sobre a existência de discricionariedade do

juiz para desconsiderar ou não a pessoa jurídica, tendo em vista que o legislador fez

prever no caput do artigo 28 a expressão “poderá”. Neste sentido, existem autores que

entendem ser necessário concluir-se que, estando presentes os requisitos autorizantes

à desconsideração da personalidade jurídica do fornecedor, não cabe ao juiz

discricionariedade alguma na decisão, devendo ser deferida a pretensão do

consumidor.

Existem criticas no sentido de que a hipótese de desconsideração da

personalidade jurídica presente no CDC, estaria longe da idéia original da Disregard

Doctrine, pois esta teria como um de seus principais fundamentos a existência de

fraude por parte dos representantes da sociedade, o que não se exige pelo texto legal

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do Código de Defesa do Consumidor, pois, como se denota da análise deste texto, os

pressupostos para a desconsideração são, apenas: a) abuso de direito; b) excesso de

poder; c) infração da lei; d) fato ou ato ilícito; e) violação dos estatutos ou contrato

social; f) falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade provocados por

má administração. Segundo os autores que criticam a idéia trazida pelo texto do CDC,

se a doutrina da desconsideração da personalidade jurídica é uma teoria, ela somente

deverá ser utilizada diante da falta de norma legal disciplinadora de situação em que se

faça necessário o alcance dos sócios, o que não ocorre com as hipóteses previstas no

artigo 28 do CDC, pois o mesmo insere institutos já disciplinados juridicamente,

havendo de ser tratados como responsabilidade pessoal dos administradores e sócios

das pessoas jurídicas. Este é também entendimento de Coelho, que ressalta:

“A teoria da desconsideração, como visto, tem pertinência apenas quando a

responsabilidade não pode ser, em princípio, diretamente imputada ao sócio,

controlador ou representante legal da pessoa jurídica. Se a imputação pode ser

direta, se a existência da pessoa jurídica não é obstáculo à responsabilização de

quem quer que seja, não há porque cogitar do superamento de sua autonomia”.

Coelho (2003, p. 50)

Apesar das diversas críticas feitas ao disposto no Código de Defesa do

Consumidor, no que tange ao superamento da personalidade jurídica, muitos

festejaram a iniciativa do legislador, pois, é preciso confessar que o advento deste

dispositivo legal é um grande avanço no que concerne a utilização da Disregard

Doctrine no ordenamento jurídico brasileiro.

5.2 - Aplicação no direito empresarial

No direito empresarial brasileiro, o superamento da autonomia da pessoa

jurídica tem vazão no sentido de que as sociedades empresárias podem, muitas vezes,

ser utilizadas como meio para a realização de fraude contra os credores, tendo em vista

que é a sociedade, e não seus representantes, o sujeito titular dos direitos e

obrigações, pois é em nome dela que os sócios celebram os mais variados contratos

empresariais.

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Estando a sociedade regularmente constituída, ela adquire personalidade

jurídica e, portanto, o administrador, no exercício regular de suas atribuições, não

responde pelas obrigações contraídas em nome da sociedade. Entretanto, a Lei n º

6.404, de 15 de dezembro de 1976, estabelece sobre Sociedades por Ações, em seu

artigo 158 disciplina, ainda que regularmente constituída a sociedade, o administrador

responderá civilmente pelos prejuízos que causar, quando proceder:

I – dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo;

II – com violação da lei ou do estatuto.

Desta forma, se estaria diante de típico caso de acolhimento pelo direito

brasileiro da doutrina da desconsideração, onde, exclui-se a responsabilidade da

sociedade para alcançar o sócio, pessoalmente. Outro exemplo da utilização da

doutrina da desconsideração em matéria comercial é o disposto no artigo 117, § 1º, f,

da referida lei, pois assim dispõe mencionado dispositivo:

Art. 117. O acionista controlador responde pelos danos causados por atos

praticados com abuso de poder.

§ lº São modalidades de exercício abusivo de poder:

[...]

f) contratar com a companhia, diretamente ou através de outrem, ou de

sociedade na qual tenha interesse, em condições de favorecimento ou não

eqüitativas;

Na citada alínea o legislador prevê o abuso de poder por parte do

acionista controlador, quando este pratica atos que lhe são vedados, utilizando-se de

uma sociedade na qual tenha interesse, ou seja, o controlador, não podendo, ele

próprio, contratar diretamente com a companhia que controla, utilizaria a personalidade

jurídica de uma outra sociedade, na qual tivesse interesse, para realizar aquilo que lhe

fosse diretamente vedado. Neste contexto, Susy Elisabeth Cavalcante Koury , assevera

que:

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“Trata-se de hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, pois o

legislador subestima a personalidade jurídica da sociedade, para penetrar-lhe o

substrato e, verificando a existência de interesse comum entre ela e o

controlador, que pode ser uma outra sociedade, formando-se assim um grupo,

afirma haver aí abuso de poder de controle, responsabilizando o controlador”.

Koury (1995, p. 151).

Como se vê, o Direito Brasileiro está ligado ao sistema romano-

germânico, é muito mais difícil a aplicação da Disregard Doctrine, pois desta forma, faz-

se necessária a previsão legal da desconsideração para que ela seja aplicada,

diferentemente do sistema common law, onde a aplicação é mais flexível, tendo em

vista tratar-se de Direito Consuetudinário, onde tem-se como fundamento a análise do

específico caso concreto. Entretanto, há de se observar que, frente às deficiências da

legislação, o uso da doutrina do superamento da autonomia da personalidade jurídica

deve se operar de pleno.

O que justifica a aplicação da teoria da desconsideração no campo do

Direito Comercial, é o risco de utilização indevida da empresa de modo a acarretar-lhe

prejuízos em benefício do enriquecimento pessoal dos controladores, corrigindo, assim,

eventual falha do direito positivo.

5.3 - Aplicação no código civil brasileiro

Ressaltar aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no

direito civil, disposto no artigo 50 do Código Civil Brasileiro, prevê:

“Art. 50 -. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo

desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a

requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no

processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações

sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da

pessoa jurídica.

Com o advento deste texto legal, grande parte dos doutrinadores passaram a

entender que, indubitavelmente, a doutrina da desconsideração da personalidade

jurídica está tipificada no sistema legislativo brasileiro, visto que previu referido

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dispositivo, expressamente, a possibilidade de extensão dos efeitos de certas e

determinadas relações obrigacionais aos bens particulares dos administradores ou

sócios da pessoa jurídica, o que se configura clara hipótese de tipificação dos preceitos

da doutrina em comento.

Sobreleva a ressaltar, ainda, que o dispositivo descreve como hipótese de

alcance dos bens dos sócios, o abuso de personalidade jurídica, sendo este abuso

caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial. Desta forma, insta

salientar o significado destas expressões, ou seja, em que, efetivamente, consistem o

desvio de finalidade e a confusão patrimonial.

Neste sentido, Eduardo Viana Pinto, orienta que:

“Se constituem em desvio de finalidade a prática de atos de má gestão, a

cessação inopinada de atividades da sociedade, a ausência de bens para

satisfação de seu passivo social, a dissolução irregular, o fechamento abrupto de

sua sede social, tomando rumo ignorado e não se restabelecendo, ou, ainda,

qualquer ato de malícia, fraude ou abuso de direito. A confusão patrimonial

ocorre quando o acervo de haveres da sociedade se mesclam com os bens

individuais e particulares de seus sócios, de molde a gerar dificuldade para se

alcançar e estabelecer a sua distinção”. Pinto (2003, p. 125)

Corrobora ainda a concepção de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Mário

Pamplona Filho, ensina que:

“Segundo a novel regra legal, a desconsideração será possível, a requerimento

da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir, se o abuso consistir

em: a) desvio de finalidade; b) confusão patrimonial. No primeiro caso,

desvirtuou-se o objetivo social, para se perseguirem fins não previstos

contratualmente ou proibidos por lei. No segundo, a atuação do sócio ou

administrador confundiu-se com o funcionamento da própria sociedade, utilizada

como verdadeiro escudo, não se podendo identificar a separação patrimonial

entre ambos”. Filho (2002, p. 237)

Como se denota, as duas hipóteses trazidas pelo dispositivo são bastante

amplas, pois o desvio de finalidade e a confusão patrimonial correspondem a quase

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totalidade das ocorrências que ensejam a desconsideração da personalidade jurídica,

também sendo assim no âmbito do processo do trabalho.

Devido a extensa generalidade e amplitude do artigo 50 do Código Civil

Brasileiro é que a maioria dos doutrinadores entende estar definitivamente tipificada na

legislação brasileira a doutrina da desconsideração da personalidade jurídica,

observando-se tal entendimento no raciocínio de Vieira da Silva que, ao comentar sobre

referido dispositivo alguns meses antes de sua

entrada em vigor, descreveu:

“Enfim, passando a vigorar o artigo 50, do Projeto, com a mesma redação acima,

estará definitivamente introduzida no ordenamento jurídico brasileiro a teoria da

desconsideração da personalidade jurídica, exatamente da forma como delineada

por seus estudiosos, que buscaram na atuação dos tribunais, como se viu

anteriormente, as hipóteses autorizadoras e limites, do que deflui o seu caráter

pragmático e indiscutivelmente útil para a sociedade”. Silva (2002, p.146).

Concernente ao Direito do Trabalho, entende-se que o artigo 50 do atual

Código Civil é perfeitamente aplicável na esfera trabalhista, visto que o artigo 8º,

parágrafo único da Consolidação das Leis do Trabalho determina que “o direito comum

será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com

os princípios fundamentais deste” e, além disso, como o dispositivo civil em análise

consiste em uma norma genérica, pode este ser aplicado à qualquer ramo do direito,

desde que não exista norma especial disciplinando em contrário.

Todavia, apesar de grande parte dos estudiosos do assunto festejarem a

entrada em vigor do novo dispositivo, alguns doutrinadores ressaltam que, mesmo com

o reconhecido avanço trazido pela norma em questão, esta padece de vícios,

merecendo críticas, visto que, somente permite a desconsideração da personalidade

jurídica nos casos específicos de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial e,

além disso, não permite a aplicação da desconsideração de ofício pelo juiz, na medida

em que determina que o magistrado somente poderá aplicá-la a requerimento da parte

ou do Ministério Público, quando a este couber intervir no processo. Comenta Susy

Elisabeth Cavalcante Koury, relacionado ao tema em análise:

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“Deve-se ressaltar que, em que pese o avanço representado pelo artigo 50 do

novo Código Civil, pois não havia regra geral permitindo a desconsideração da

personalidade jurídica no nosso ordenamento jurídico, o mesmo merece

restrições, na medida em que elenca como hipóteses de aplicação apenas o

desvio de finalidade e a confusão patrimonial, além de não cuidar da

possibilidade de sua aplicação de ofício pelo juiz”.( KOURY ,2004, p. 24).

Entretanto, mesmo diante das críticas acima citadas, a mesma autora,

tecendo comentário sobre as restrições estabelecidas pela citada norma, ameniza o

tom crítico ao observar que:

“O fato de contar referência aos casos de aplicação, o que não é recomendável,

pois permite polêmicas judiciais, não traz, contudo, maiores prejuízos, não só

porque não se trata de enumeração numerus clausus, como também porque é o

desvio de função ou de finalidade que justifica todas as hipóteses de aplicação da

disregard doctrine”. (KOURY, 2004, p. 24).

Deste modo, apesar de existirem entendimentos desfavoráveis ao disposto

no artigo 50 do novo Código Civil, por ser ele restritivo na aplicação da

desconsideração, há de se considerar que a maioria dos doutrinadores se curvam ao

previsto neste texto legal, visto que, mesmo enumerando as hipóteses de cabimento da

desconsideração, o que não é considerado razoável, as duas situações por ele

elencadas, são extremamente amplas, no sentido em que, de fato, a necessidade de

aplicação da disregard doctrine geralmente decorre de um desvio de finalidade da

pessoa jurídica, que abandona o fim perseguido na relação obrigacional, causando

prejuízos aos credores e até mesmo a terceiros, como ocorre nas hipóteses de má

gestão, de cessação abrupta das atividades da empresa ou de dissolução irregular,

com a conseqüente constatação da ausência de bens para a satisfação do passivo

social.

Como se vê, o artigo 50 em comenta, trouxe expressivo avanço no campo

da aplicação da doutrina da desconsideração da personalidade jurídica, que neste

sentido deixa de ser somente uma doutrina, passando a estar expressamente tipificada

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no ordenamento jurídico, podendo, inclusive, ser aplicada no processo do trabalho, por

tratar-se de norma de caráter geral, prevista em norma do direito comum, que tem sua

aplicação possibilitada no Direito do Trabalho por expressa disposição do artigo 8º,

parágrafo único da CLT e, ainda, em razão da inexistência de norma específica na

legislação trabalhista disciplinando em contrário.

Capitulo II - Especificação da doutrina a teoria

1 - Definição da pessoa jurídica

A literatura jurídica ensina que o direito existe em função do homem, existe

para realizar da maneira mais adequada possível os interesses do homem. A questão

não é diferente em relação à pessoa jurídica, que nada mais é do que uma armadura

jurídica para realizar de modo mais adequado os interesses dos homens .

Com vista a realização de alguns empreendimentos, por vezes é

imprescindível a união de várias pessoas, as quais, todavia, não querem simplesmente

entregar recursos para que outra pessoa os administre, as mesmas querem assumir

responsabilidades e atuar diretamente na condução do empreendimento. De outro lado,

as mesmas pessoas têm medo de comprometer todo o seu patrimônio, e preferem não

assumir o risco, e investem seus recursos em atividades não produtivas.

Para incentivar o desenvolvimento de atividades econômicas produtivas, e

conseqüentemente aumentar a arrecadação de tributos, produzindo empregos e

incrementando o desenvolvimento econômico e social das comunidades, era

necessário solucionar os problemas mencionados, encontrando uma forma de limitação

dos riscos nas atividades econômicas. Para tanto, se encaixou perfeitamente o instituto

da pessoa jurídica, ou mais exatamente, a criação de sociedades personificadas.

Cria-se um ente autônomo com direitos e obrigações próprias, não se

confundindo com a pessoa de seus membros, os quais investem apenas uma parcela

do seu patrimônio, assumindo riscos limitados de prejuízo. Esta limitação de prejuízo só

pode ser reforçada com as sociedades de responsabilidade limitada (sociedade

anônima e sociedade por quotas de responsabilidade), as únicas usadas atualmente no

país.

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Deste modo, as sociedades personificadas são, pois, uma das chaves do

sucesso da atividade empresarial, proliferando-se cada vez mais como o meio mais

comum do exercício das atividades econômicas. Trata-se de um privilégio assegurado

àqueles que se reúnem e desenvolvem conjuntamente determinada atividade

econômica. A atribuição da personalidade corresponde assim a uma sanção positiva ou

premial, no sentido de um benefício assegurado pelo direito – que seria afastado caso a

atividade fosse realizada individualmente – a quem adotar a conduta desejada.

Este privilégio que é a pessoa jurídica, não existe apenas para satisfazer as

vontades e caprichos do homem, e sim, atingir os fins sociais do próprio direito. Como

afirma Rubens Requião, "A sociedade garante a determinadas pessoas as suas

prerrogativas, não é para ser-lhes agradável, mas para assegurar-lhes a própria

conservação. Esse é, na verdade, o mais alto atributo do Direito: sua finalidade social.”

Assim, a pessoa jurídica existe e deve ser usada por ser um instrumento

importantíssimo da economia de mercado, sem, contudo, cometer abusos, e gerar

iniqüidades.

Infelizmente, o uso adequado da pessoa jurídica por todos que gozem de tal

privilégio é uma utopia.

Reconhecida a personalidade jurídica, nas sociedades regulares, o particular

pode explorar atividade econômica com limitação de prejuízos pessoais. Todavia, tal

privilégio é uma utopia.

Reconhecida a personalidade jurídica, nas sociedades regulares, o particular

pode explorar atividade econômica com limitação de prejuízos pessoais. Todavia, tal

possibilidade permitiu uma série de fraudes, de abusos de direito. As sociedades

contraem, em seu nome, inúmeras obrigações (empréstimos, adquirem bens), não

restando, porém, bens suficientes em seu patrimônio para a satisfação das obrigações,

de modo que os sócios ficam com os ganhos, e o prejuízo fica com os credores e com a

sociedade, cuja falência, via de regra é decretada.

Com intuito de coibir esse uso indevido da pessoa jurídico surgiu a

desconsideração da personalidade jurídica.

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2 2 2 2 ---- Fins específicos da desconsideração da personalidade jurídicaFins específicos da desconsideração da personalidade jurídicaFins específicos da desconsideração da personalidade jurídicaFins específicos da desconsideração da personalidade jurídica

Sabe-se que a lei reconhece a pessoa jurídica como um importantíssimo

instrumento para o exercício da atividade empresarial, não a transformando, porém num

dogma intangível. A personalidade jurídica das sociedades deve ser usada para

propósitos legítimos e não deve ser pervertida. Todavia, caso tais propósitos sejam

desvirtuados, não se pode fazer prevalecer o dogma da separação patrimonial entre a

pessoa jurídica e os seus membros.

A desconsideração é, pois a forma de adequar a pessoa jurídica aos fins para

os quais a mesma foi criada, vale dizer, é a forma de limitar e coibir o uso indevido

deste privilégio que é a pessoa jurídica, vale dizer que é uma forma de reconhecer a

relatividade da personalidade jurídica das sociedades. Este privilégio só se justifica

quando a pessoa jurídica é usada adequadamente, o desvio da função faz com que

deixe de existir razão para a separação patrimonial. O conceito será sustentado apenas

enquanto seja invocado e empregado para propósitos legítimos. A perversão do

conceito para usos impróprios e fins desonestos ( ex: para perpetuar fraudes, burlar a

lei, para escapar de obrigações), por outro lado, não será tolerado. Entre esses são

várias as situações onde as cortes podem desconsiderar a pessoa jurídica para atingir

um justo resultado.

Quando desviada a utilização da pessoa jurídica, nada mais eficaz do que

retirar os privilégios que a lei assegura, isto é, descartar a autonomia patrimonial no

caso concreto, esquecer a separação entre sociedade e sócio, o que leve a estender os

efeitos das obrigações da sociedade. Assim, os sócios ficam inibidos de praticar atos

que desvirtuem a função da pessoa, jurídica, pois caso o façam não estarão sob o

amparo da autonomia patrimonial.

Ressaltar, que não se destrói a pessoa jurídica, que continua a existir, sendo

desconsiderada apenas no caso concreto. Apenas se coíbe o desvio na sua função, o

juiz se limita a confinar a pessoa jurídica à esfera que o Direito lhe destinou. A teoria da

desconsideração não visa destruir ou questionar o princípio de separação da

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personalidade jurídica da sociedade da dos sócios, mas, simplesmente, funciona como

mais um reforço ao instituto da pessoa jurídica, adequando-o as novas realidades

econômicas e sociais, evitando-se que seja utilizado pelos sócios como forma de

encobrir distorções em seu uso.

Trata-se, de medida excepcionalíssima, em que a regra é que prevaleça a

autonomia patrimonial, sendo uma exceção a desconsideração. A pessoa jurídica é um

postulado básico que serve de base para transações comerciais e deve haver razões

fortes para um tribunal ignorar este postulado. Apenas se comprovado cabalmente o

desvio no uso da pessoa jurídica é que cabe falar em desconsideração, e sacrificar a

autonomia patrimonial.

A personificação das sociedades é dotada de um altíssimo valor para o

ordenamento jurídico, e inúmeras vezes entram em conflito com outros valores, como a

satisfação dos credores. A solução de tal conflito se dá pela prevalência do valor mais

importante. O progresso e o desenvolvimento econômico proporcionado pela pessoa

jurídica são em regra mais importantes que a satisfação individual de um credor. Logo,

deve normalmente prevalecer a personificação.

Somente quando um valor maior for posto em jogo, como a finalidade

social do direito, em conflito com a personificação, e que esta cederá espaço. Quando o

interesse ameaçado é valorado pelo ordenamento jurídico como mais desejável e

menos sacrificável do que o interesse colimado através da personificação societária,

abre-se oportunidade para a desconsideração sob pena de alteração da escala de

valores.

Fábio Ulhoa, assim define a desconsideração: "O juiz pode decretar a

suspensão episódica da eficácia do ato constitutivo da pessoa jurídica, se verificar que

ela foi utilizada como instrumento para a realização de fraude ou de abuso de direito".

Semelhantemente se pronunciou Marçal Justen Filho afirmando que a desconsideração

"é a ignorância, para casos concretos e sem retirar a validade do ato jurídico específico,

dos efeitos da personificação jurídica validamente reconhecida a uma ou mais

sociedades, a fim de evitar um resultado incompatível com a função da pessoa jurídica".

Conquanto as definições sejam perigosas, neste particular, lançaremos mão

de uma, assim formulada: a desconsideração da personalidade jurídica é a retirada

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episódica, momentânea e excepcional da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, a

fim de estender os efeitos de suas obrigações à pessoa de seus sócios ou

administradores, com o fim de coibir o desvio da função da pessoa jurídica, perpetrada

pelos mesmos.

3 - Teoria maior da desconsideração

Verificam-se no direito brasileiro duas teorias da desconsideração. De um

lado, a teoria mais elaborada, de maior consistência e abstração, condiciona o

afastamento episódico de autonomia patrimonial das pessoas jurídicas à caracterização

da manipulação fraudulenta ou abusiva do instituto. Nesse caso, distingue-se com

clareza a desconsideração da personalidade jurídica e outros institutos jurídicos que

também importam a afetação de patrimônio do sócio por obrigação da sociedade (p.

ex., a responsabilidade por má gestão, a extensão da responsabilidade tributária ao

administrador etc.,). Ela será chamada aqui de teoria maior. De outro lado, a teoria

menos elaborada, que se refere à desconsideração em toda e qualquer hipótese de

execução do patrimônio do sócio por obrigação social, cuja tendência é condicionar o

afastamento do princípio da autonomia à simples insatisfação de crédito perante a

sociedade. Trata-se da teoria menor , que se contenta com a demonstração pelo

credor da inexistência de bens sociais e da solvência de qualquer sócio, para atribuir a

este a obrigação da pessoa jurídica.

Há duas formulações para a teoria da desconsideração: a maior, pela qual o

juiz é autorizado a ignorar a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, como forma

de coibir fraudes e abusos praticados através dela, e a menor, em que simples prejuízo

do credor já possibilita afastar a autonomia patrimonial.

A distância entre as duas teorias é tamanha que não se pode deixar de tomar,

hoje, a expressão “desconsideração”, no campo do direito societário brasileiro, como

ambígua. Isto é, a palavra passou a ter dois significados diferentes (o maior e o menor),

exigindo-se, no estudo da matéria, o cuidado de prévia definição do tema em

discussão. Tendo em vista esse cuidado, anote-se que, quando se mencionar a teoria

da desconsideração da personalidade, sem qualquer especificação, está-se referindo à

sua versão maior.

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A teoria é uma elaboração doutrinária recente, comenta Fábio Ulhoa: “Pode-se

considerar Rolf Serick o seu principal sistematizador, na tese de doutorado defendia

perante a Universidade de Tϋbigen, em 1953. É certo que, antes dele, alguns outros

autores já se haviam dedicado ao tema, como, por exemplo. Maurice Wormser, nos

anos 1910 e 1920. Mas não se encontra claramente nos estudos precursores a

motivação central de Serick de buscar definir, em especial a partir da jurisprudência

norte-americana, os critérios gerais que autorizam o afastamento da autonomia das

pessoas jurídicas(1955).” O resultado da pesquisa conduziu-o à formulação de quatro

princípios.

O primeiro afirma Fábio Ulhoa: “o juiz, diante de abuso da forma da pessoa

jurídica, pode, para impedir a realização de ato ilícito, desconsiderar o princípio da

separação entre sócio e pessoa jurídica”. Entende Serick por abuso da forma qualquer

ato que, por meio de instrumento da pessoa jurídica, vise frustrar aplicação da lei ou o

cumprimento de obrigação contratual, ou, ainda, prejudicar terceiros de forma

fraudulenta (1955:276)”. Ressalta, também , que não se admite a desconsideração

sem a presença deste abuso, mesmo para a proteção da boa fé. O segundo princípio

da teoria da desconsideração ocorre, com mais precisão, as hipóteses em que a

autonomia deve ser preservada. Afirma que: “é possível desconsiderar a autonomia

subjetiva da pessoa jurídica apenas porque o objetivo de uma norma ou causa de um

negócio não foram atendidos “ (ULHOA, 2003). Em outros termos , não basta a simples

prova da insatisfação de direito de credor da sociedade para justificar a

desconsideração. De acordo com o terceiro princípio “aplicam-se à pessoa jurídica as

normas de capacidade ou de valor humano, se não houver contradição entre os

objetivos destas e a função daquela. Em tal hipótese, para o atendimento dos

pressupostos da norma, levam-se as pessoas físicas que agiram pela pessoa jurídica.

O derradeiro princípio sustenta que “se as partes de um negócio jurídico

não podem ser consideradas um único sujeito apenas em razão da forma da pessoa

jurídica, cabe desconsiderá-la para aplicação de norma cujo pressuposto seja

diferenciação real entre aquelas disciplinas para os negócios entre dois sujeitos

distintos, cabe desconsiderar a autonomia da pessoa jurídica que realiza com um dos

seus membros para afastar essa disciplina” (KOURY,1998).

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Na doutrina brasileira, ingressa a teoria no final dos anos 60 apresentada

como superação do conflito entre as soluções éticas, que questionam a autonomia da

pessoa jurídica para responsabilizar os sócios , e as técnicas, que se apegam

inflexivelmente ao primada da separação subjetiva das sociedades. Requião sustenta,

também, a plena adequação ao direito brasileiro da teoria da desconsideração,

defendendo a sua utilização pelos juízes, independentemente de específica previsão

legal. Seu argumento básico e o de que as fraudes e os abusos perpetrados através da

pessoa jurídica não se poderiam ser corrigidos caso não adotada a disregar doctrine

pelo direito brasileiro. De qualquer forma, é pacífico na doutrina e na jurisprudência que

a desconsideração da personalidade jurídica não depende de qualquer alteração

legislativa para ser aplicada, na medida em que se trata de instrumento de repressão

a atos fraudulentos. Entende-se que, deixar de aplicá-la, a pretexto de inexistência de

dispositivo legal expresso , significaria o mesmo amparar a fraude.

4 - Teoria da menor desconsideração

A teoria da menor desconsideração é bem menos elaborada de que maior.

Reflete, na verdade, a crise do princípio da autonomia patrimonial, quando referente a

sociedades empresariais. O seu pressuposto é simplesmente o desatendimento de

crédito titularizado presente a sociedade , em razão da insolvabilidade ou falência

desta. Assim, de acordo com a teoria menor da desconsideração, se a sociedade não

possui patrimônio, mas o sócio é solvente, isso basta, para responsabilizá-lo por

obrigações daquela. A formulação menor não se preocupa em distinguir a utilização

fraudulenta da regular do instituto, nem indaga se houve ou não abuso de forma. Por

outro lado, é de todo relevante a natureza negocial do direito creditício oponível à

sociedade. Equivale, em outros termos, à simples eliminação do princípio da separação

entre pessoa jurídica e seus integrantes. Se a formulação maior pode ser considerada

um aprimoramento da pessoa jurídica, a menor deve ser vista como o questionamento

de sua pertinência, enquanto instituto jurídico.

Convém, realizar uma síntese abordagem sobre a formulação menor, e não

em desconhecimento dos exatos pressuposto da teoria da desconsideração, por uma

questão de método. Para o professor FÁBIO ULHOA, 2007 “Em outros termos, não

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seria propositado apenas dizer que os juizes brasileiros, em momento de descuido,

não se dedicaram ao prévio e suficiente estudo da matéria e passaram a fazer

apressado e inadequado uso da expressão “desconsideração”. De fato, como a teoria

maior nasce do esforço doutrinário, realizando a partir das decisões judiciais, o mesmo

método, adotado em vista da jurisprudência brasileira, que conduziria, assim ao

resultado de uma formulação diferente da teoria. Conforme já assinalado, o objetivo da

inversão de Serick era a identificação do critério a partir do qual os juízes norte

americanos consideravam-se autorizados ignorar a separação patrimonial entre

sociedade e sócios.”

Assim, valendo-se do mesmo argumento, a doutrina brasileira, ao se

debruçar sobre os julgados relativos ao assunto proferidos pela justiça nacional, deve

concluir que alguns juízes brasileiros se entendem autorizados a desconsiderar o

princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, tendo por pressuposto

unicamente a frustração do credor da sociedade.

5 - Princípio da autonomia patrimonial

Necessário o entendimento, para ficar claro, que esse aspecto, não é uma

teoria contra a separação subjetiva entre a sociedade empresária e seus sócios. Ao

contrário ele visa preservar o instituto, em seus contornos fundamentais, diante da

possibilidade de desenvolvimento vir a comprometê-lo. Isto é, a inexistência de um

critério de orientação, a partir do qual os julgadores pudessem reprimir fraudes e

abusos perpetrados através da autonomia patrimonial, poderia eventualmente redundar

no questionamento do próprio instituto, e não do seu uso indevido. Esse critério é

fornecido pela teoria da desconsideração, que assim, contribui para o aprimoramento

da disciplina da pessoa jurídica.

A preocupação dos estudiosos do assunto, diz respeito à reafirmação do

princípio da autonomia.

Concernente ao assunto Fábio Ulhoa, diz que “os pressupostos da

desconsideração são: a pertinência, a validade e a importância das regras que limitam,

ao montante investido, a responsabilidade dos sócios por eventuais perdas nos

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insucessos da empresa, regras que, derivadas do princípio da autonomia patrimonial.”

(Ulhoa, 2007)

Deste modo, servem de estimuladores da exploração de atividades

econômicas, com o cálculo do risco. Claro que muitos empreendedores poderiam ficar

desmotivados em se lançar em se lançar a novos e arriscados empreendimentos se

pudessem perder todo o patrimônio pessoa, caso o negócio não prosperasse. Não se

pode esquecer que fatores relativamente imprevisíveis, sobre os quais os empresários

não têm nenhum controle, podem simplesmente sacrificar a empresa, vez que,

motivação jurídica se traduz pela limitação das perdas, que não devem ultrapassar as

relacionadas com os recursos já aportados na atividade. Essa será a parte do prejuízo

dos sócios da sociedade empresária falida, posto que, a parte excedente será

suportada pelos credores, muitos deles empresários, e também exercentes das

atividades de risco.

Nesse sentido, a limitação das perdas, em outros termos, é fator essencial

para a disciplina da atividade econômica capitalista.

Um outro aspecto da questão, diz respeito ao custo da atividade

econômica, elemento que compõe o preço a ser pago pelos consumidores ao adquirem

produtos e serviços no mercado. No entanto, há concepção, que se o direito não

dispuser de instrumentos de garantia para empreendedores, no sentido de preservá-los

da possibilidade de perda total, eles tenderão a buscar maior remuneração para os

investimentos nas empresas. Em outros termos, apenas aplicariam seus capitais em

negócios que pudessem dar lucro suficiente para construírem um patrimônio pessoal de

tal grandeza que não poderia perder-se inteiramente na hipótese de futura e eventual

responsabilização. Pensando assim, para gerar lucro à sociedade, deve reduzir custos

e praticar preço elevado. Pode-se, assim entender que o princípio da autonomia

patrimonial das pessoas jurídicas, seja observado em relação às sociedades

empresárias.

Em virtude da sua importância fundamental para a economia capitalista, o

princípio da personalização das sociedades empresárias, e sua repercussão quanto a

limitação da responsabilidade patrimonial dos sócios, não pode ser descartado na

disciplina da atividade econômica. Em conseqüência, a desconsideração deve ter

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necessariamente natureza excepcional, episódica, e não pode servir ao

questionamento da subjetividade própria da sociedade. Esse é o sentido da ressalva

de Serick ao seu primeiro e o segundo, em que insiste no descabimento da

desconsideração quando não caracterizada especificadamente a fraude na

manipulação da forma da pessoa jurídica. Quer dizer, não se justifica o afastamento da

autonomia da pessoa jurídica apenas porque um seu credor não pode satisfazer o

crédito que titulariza. É indispensável que tenha havido indevida utilização, a

deturpação do instituto. A percepção de nuança é a diferença entre as teorias maior e

menor da desconsideração.

6 - Jurisprudências a favor da desconsideração da personalidade jurídica.

Na verdade no direito há duas correntes de entendimentos em nossos

tribunais no sentido de aplicar a Teoria da Desconsideração da personalidade jurídica,

vários são os argumentos e fundamentações nas várias leis. Vejamos:

STF – Nos termos do art. 135, III, do CNT, são substitutos na responsabilidade

tributaria os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito

privado. Se a firma encerrou suas atividades de forma irregular, pode qualquer

uma das pessoa referidas na lei, ser citada, com penhora de seus bens, para

garantia da execução fiscal” (Min. Célio Borja).

Nesse sentido, entende também a jurisprudência que os atos e obrigações

de uma pessoa jurídica podem considerar como ato de uma pessoa particular, vice-

versa, quando concorrem as seguintes circunstâncias:

a) É necessário que a sociedade esteja influenciada ou administrada por essa

pessoa, ou que ocorra entre elas identidades de interesse e, sobretudo ,

propriedade, de modo que a sociedade e a pessoa, estejam confundidas.

b) Os fatos e a pessoa sejam de tal natureza que admita a ficção de suas

personalidades distintas, nas circunstancias do caso, equivalha a sancionar uma

fraude, ou promover uma injustiça.

Execução - Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica – Aplicação –

Hipótese

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A inexistência de bens em nome da empresa devedora revela a intenção de

fraudar a execução. Em casos tais, não tendo a pessoa jurídica qualquer bem

penhorável em seu patrimônio, e de se aplicar a teoria da desconsideração da

personalidade jurídica para se alcançar os bens particulares do sócio fraudador.

(TJ-PR – Ac. Unânime da 6a. Câm. Publ. No DJ de 10.11.2000-Agr. 0156904-4-

Cascavel – Rel. Des. Jucimar Novochadlo, in ADCOAS 8197677)

“Desconsideração da Personalidade jurídica, pressuposto, embargos de devedor.

É possível desconsiderar a pessoa jurídica usada para fraudar credores.” (STJ –

Resp 86502/SP).

“Embargos de divergencia. Circunstancias diversas. Doutrina da “disregard of

legal entity” Divergência inexistente.

1. Estando os arrestos confrontados, sobretudo,nas circunstancias fáticas

próprias de cada caso, não há falar em dissídio jurisprudencial, sendo

incabíveis os embargos de divergência.

2. Hipótese em que o acordo embargado admitiu a aplicação da doutrina do

“disregard of leal entity”, para impedir a fraude contra credores, considerando

valida a penhora sobre os bens pertencentes ao embargante, nos autos da

execução proposta contra outra sociedade do mesmo grupo econômico. No

paradigma, entretanto afastou-se a doutrina referida para que o sócio avalista

não seja responsabilizado por litigância de má-fé, relacionado ao

comportamento processual da sociedade improvido” (STJ – AERESP

86502/SP)

“Processual” Falência . Força atrativa do Juízo Universal. Desconsideração da

personalidade jurídica da falida. Persecução sobre os bens dos sócios.

Competência. Ré, condenada em ação de rescisão de cessão de direitos à

linha telefônica, em cuja execução o Juiz desconsiderou sua personalidade

jurídica. Sua falência ulterior, havendo o magistrado determinado a remessa

dos autos ao juízo da quebra. Mesmo perseguindo-se, quando

desconsiderada, a personalidade jurídica , o débito sobre os bens dos sócios,

a falência da ré, nos autos em cuja execução foi a desconsideração

pronunciada, atrai demandas e execuções concernentes as obrigações em

que é devedora(art. 7o §2o e 23 do estatuto falitário) Agravo desprovido”.

(TJ/RJ – Agravo de Instrumento. Processo nº 2000.002.13392)

“ Ação Ordinária de rescisão e indenização.

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Edifício Palace I. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Danos

materiais e morais. Desconsideração da autonomia da personalidade jurídica.

Procedência. O incorporador/construtor é um fornecedor de serviços à luz dos

conceitos claros e objetivos constantes do art. 3o CDC. Salta aos olhos.

”máxima vênia”, a ocorrência de fato gerador da rescisão do contrato de

contrato de compra e venda , pois pública e notória a insegurança resultante do

evento para todos os proprietários dos apartamentos que ficaram interditados

por longos meses. O caos que se instalou na vida daqueles que acreditaram

nas promessas da incorporadora é indescritível e, além da rescisão, obvio que

ela indenizar os prejuízos efetivamente causados. A responsabilidade da

Construtora, segunda Ré, é objetiva como se vê no art. 12, do CDC e da

primeira Ré encontra amparo no art. 28 do mesmo Código, que acolheu a

teoria da desconsideração da personalidade jurídica quando se trata de

empresas coligadas, o que ocorreu na hipótese de julgamento. O dano moral

resulta da dor intensa, da frustração causada e da humilhação a que foi

submetida a vitima. É certo que sua fixação deve levar em consideração a

natureza de real reparação do abatimento psicológico causado , mas, por

outro lado,,não se pauta no enriquecimento indevido. O montante deve

proporcionar uma compensação pelo desgosto, dor e tristeza sofridos, ao

mesmo tempo em que representa uma sanção ao infrator, além do desestimulo

outras infrações. Para seu arbitramento devem ser observadas as condições

sociais e econômicas das partes envolvidas, sopesando o juiz, com bom

senso, as circunstancias da causa em exame. A fixação do ilustre magistrado

de primeiro grau não é razoável, merecendo, diante das circunstancias, ser

aumentada para 500(quinhentos) salários mínimos para cada um dos autores.

Provimento do primeiro recurso e improvimento do segundo” TJ/RJ – Apelação

Civil. Processo de n º 1999.001.18191)

7 - Jurisprudências contrárias à desconsideração da personalidade jurídica

Demonstra-se, abaixo alguma das decisões dos nossos tribunais no sentido

da não-aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica:

“Responsabilidade pelo imposto é daquele devedor vinculado pelo fato gerador

da respectiva obrigação. Na sociedade por cota de responsabilidade limitada, o

sócio responde até o limite do capital social. Não provando a Fazenda os

requisitos da responsabilidade dos sócios, não pode a execução recair sobre os

bens destes” (Min. Alfredo Buzaid)

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“Na sociedade por cotas de responsabilidade Ltda.,o sócio responde até o limite

do capital social. Não provando a Fazenda os requisitos da responsabilidade

dos sócios, não pode a execução recair sobres os bens destes” (RTJ 106/828-

9 – STF- RE 96.097-RJ)

“Execução fiscal. Responsabilidade de sócios. Art 135 do CTN. Inexistência, no

caso, segundo acórdão recorrido, de prova de atos praticados com excesso de

poderes ou infração praticados com excesso de poderes ou infração de lei,

contrato social ou estatuto. Recurso extraordinário não conhecido” ( RE-

96871/RJ – Recurso Extraordinário – Relator Ministro Moreira Alves)

“ A falta de pagamento de contribuições previdenciárias, quando decorrente de

álea normal dos negócios, não induz a responsabilidade solidária do diretor de

uma sociedade anônima pelos débitos desta, imputação que só se viabiliza nos

caso em que o inadimplemento decorre de infração no sentido estrito, v.g.,

aquela que resulta de apropriação indébita de valores descontados dos salários

dos empregados ou que tem por efeito a diminuição do patrimônio social em

função dos negócios estranhos à finalidade da empresa”. (AC 90.04.19977-

2/SC. TRF, 4a R, 1a T, Rel. Juiz Ari Pargendler. DU 18/03/1992).

“Sociedade comercial. Responsabilidade dos sócios. Inexistência dos

pressupostos. Admitida pela lei a desconsideração da sociedade para atingir os

bens dos sócios, a sua decretação somente pode ser deferida quando provados

os seus pressupostos, o que não aconteceu no caso dos autos. Art 10 do

Decreto n º 3708/19. Recurso não conhecido”. (STJ – Resp. 256292/MG)

“Execução contra empresa. Desconsideração da personalidade jurídica.

Hipóteses. O princípio reinante no direito brasileiro é o da absoluta separação

entre a sociedade e o sócio, consagrado no art. 20, do C.C. Portanto, a

desconsideração da personalidade jurídica da sociedade é exceção e somente

deve ser deferida em casos excepcionais, que não ocorrem na hipótese

presente, Com efeito, tem-se admitido a desconsideração no caso de abuso

dos sócios, prática de atos ilícitos pela sociedade, violação dos estatutos ou do

contrato social e de dolo na administração. O simples fato de a sociedade não

ter bens que garantam a execução não induz, necessariamente, a

desconsideração para que os bens particulares dos sócios respondam pelas

dívidas sociais. Agravo desprovido".

( TJ – Agravo de Instrumento – Proc. nº 2000.002.05625)

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“Apelação Civil. Teoria da despersonalização de pessoa jurídica. Inexistindo

prova de fraude ou abuso, não há como se admitir a desconsideração da

personalidade de empresa simplesmente porque não há bens que garantam o

pagamento. Recurso desprovido".

(TJ – Agravo de Instrumento – Processo nº 2000.002.07396)

8 - Aplicação da teoria da desconsideração na jurisprudência trabalhista

O Direito do Trabalho, que não dispõe em legislação, com exceção do

artigo 2º, §2º, da CTL, a desconsideração da personalidade jurídica, tem através de

sua jurisprudência, abusado do instituto:

– ART. 2º, § 2º, da CLT – A forma de constituição das cooperativas reclamadas

e o convênio firmado entre ambas indicam que, na espécie, deve ser

considerada a relativização do princípio de separação entre as

SOLIDARIEDADE sociedades ( disregard doctrine) para efeitos trabalhistas.

FÉRIAS – ART. 135, CLT – PROVA – legislador exigiu emissão de documentos

pelo que estes são essenciais à prova da concessão (excepcionalmente,

mediante confissão judicial). Arts. 82, 129 e 130, do Código Civil".

(TRT/SP – Recurso Ordinário – Proc. nº 02950244160)

"Penhora dos Bens dos Sócios. Legitimidade. É legítima a penhora de bens de

sócios a reclamada nos autos principais, pois os mesmos respondem pelas

dívidas da empresa, quando esta não possuir outros bens que possam levar a

bom termo a execução; em sendo assim, irrelevante é o fato de terem

participado ou não da relação processual na fase de conhecimento. Tal

fenômeno é denominado pela doutrina como "disregard of the legal entity": nos

casos em que a empresa não oferecer condições de solvabilidade de seus

compromissos, sua personalidade jurídica é desconstituída a fim de que os

sócios sejam responsabilizados pela satisfação dos débitos".

(TRT/SP – Mandado de Segurança – Proc. nº 02938/2000-6)

"Penhora dos bens dos sócios. Legitimidade. É legítima a penhora dos bens de

sócios da reclamada nos autos principais, pois os mesmos respondem pelas

dívidas da empresa quando esta não possuir outros bens que possam levar a

bom termo a execução; Tal fenômeno é denominado pela doutrina como

"disregard of the legal entity": nos casos em que a empresa não oferecer

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condições de solvabilidade de seus compromissos, sua personalidade jurídica é

desconstituída a fim de que os sócios sejam responsabilizados pela satisfação

dos débitos".

(TRT/SP – Mandado de Segurança – Proc. nº 01307/1998-6)

"Penhora dos bens dos sócios. Legitimidade. É legítima a penhora dos bens de

sócios da reclamada nos autos principais, pois os mesmos respondem pelas

dívidas da empresa quando esta não possuir outros bens que possam levar a

bom termo a execução; Tal fenômeno é denominado pela doutrina como

"disregard of the legal entity": nos casos em que a empresa não oferecer

condições de solvabilidade de seus compromissos, sua personalidade jurídica é

desconstituída a fim de que os sócios sejam responsabilizados pela satisfação

dos débitos".

(TRT/SP – Mandado de Segurança – Proc. nº 01073/1998-5).

Capitulo III - Responsabilidade Patrimonial dos sócios

1 - Patrimônios alcançados na execução

Patrimônios alcançados na execução no entendimento doutrinário quanto a

responsabilidade patrimonial e sua divisão: em primária e secundária, sendo que a

responsabilidade patrimonial primária corresponde ao patrimônio do devedor principal,

primeiramente responde pelo débito, a responsabilidade patrimonial secundária

corresponde aos outros patrimônios que não o do devedor, porém, também suscetíveis

de serem alcançados na execução. Araken de Assis , faz a distinção das duas

espécies de responsabilização:

”Curialmente, o primeiro patrimônio exposto aos meios executórios é o do

devedor, a um só tempo obrigado e responsável. Esta situação se designa de

responsabilidade primária. Mas, além do devedor, outros sujeitos e outros

patrimônios eventualmente se sujeitam à demanda executória. Isto se aplica

pelo corte entre responsabilidade e obrigação. Embora sob o ângulo subjetivo

em geral coincidam, não se afigura rara a hipótese distribuição a pessoas

diversas.” Araken de Assis (2000, p. 349).

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A diferenciação entre responsabilidade primária e secundária, também se

constitui em importante distinção para o estudo da doutrina da desconsideração da

personalidade jurídica, objeto do presente estudo, pois a responsabilidade primária

refere-se ao patrimônio da pessoa jurídica, mas a responsabilidade secundária refere-

se ao patrimônio dos sócios, aos quais a atenção da referida doutrina está direcionada.

Nessa esteira, vale ressaltar o artigo 591 do Código de Processo Civil

estabelece que:

“o devedor responde pelo cumprimento de suas obrigações, com todos os seus

bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei”.

Assim, tem-se que, o primeiro patrimônio exposto aos meios executórios é o

do próprio devedor, no caso, da pessoa jurídica, devedora principal e, portanto,

primeiramente responsável. Entretanto, críticas existem quanto à formulação do

dispositivo mencionado, por prever que o devedor responde com seus bens “presentes

e futuros”, referindo-se a primeira hipótese aos bens existentes no momento da

constituição da obrigação e a segunda ao momento da execução. Os que criticam o

dispositivo alegam que ele induz à falsa idéia de que os bens adquiridos pelo devedor

depois da fase de execução se submetem a exeqüibilidade, pois se refere aos bens

futuros. Ainda, ao prever sobre o alcance dos bens presentes, a norma sugere um

congelamento patrimonial do devedor a partir do momento da constituição da obrigação

e, enquanto esta pender de solução, o que não seria exato. Ao tratar do tema,

Dinamarco descreve a respeito do disposto no artigo 591 da seguinte forma:

“Falar de bens posteriores à execução (futuros) e de sua inclusão na

responsabilidade seria um ilogismo, porque responsabilidade é sujeitabilidade

à execução e esta não pode, por isso, ser um dado passado com referência à

responsabilidade; por isso, ficam excluídos da sujeitabilidade aos atos de

execução forçada também alguns entre os bens posteriores (futuros) ao

momento da constituição da obrigação – precisamente aqueles que forem

posteriores também à execução. Por outro lado, sujeitar à execução todos os

bens que tinha o devedor ao momento da constituição da obrigação (bens

presentes) conduziria ao total congelamento de seu patrimônio, o que não

seria tolerável, nem mesmo materialmente possível em todos os casos. Os

institutos da fraude contra credores e da fraude de execução, que aqui talvez

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pudessem ser invocados, não operam esse congelamento, mas somente em

alguns casos excepcionais alteram a regra geral da responsabilidade,

excluindo a eficácia de atos de disposição”. Dinamarco (2000, p. 245).

O artigo 592 do Código de Processo Civil determina os bens que ficam

sujeitos à execução, dispondo conforme adiante:

Art. 592. Ficam sujeitos à execução os bens:

I – do sucessor a título singular, tratando-se de execução de sentença

proferida em ação fundada em direito real;

II – do sócio, nos termos da lei;

III – do devedor, quando em poder de terceiros;

IV – do cônjuge, nos casos em que os seus bens próprios, reservados ou de

sua meação respondem pela dívida;

V – alienados ou gravados com ônus real em fraude de execução.

Das hipóteses de responsabilização previstas neste dispositivo, tem

relevância ao estudo da doutrina da desconsideração a análise da afetação dos bens

do sócio e do cônjuge, passíveis de serem alcançados quando efetivada a

desconsideração da personalidade da sociedade. Conforme acima verificado, a

responsabilidade patrimonial se divide em primária e secundária, sendo certo que, em

se tratando da responsabilização da pessoa jurídica, se esta possui responsabilidade

primária para com seus débitos, os sócios respondem secundariamente.

1 .2 - Patrimônios dos sócios administradores

Prevê o Código Civil de 2002 a distinção entre sociedade não personificada

e personificada, tendo-se que a primeira é aquela onde seus atos constitutivos não se

encontram inscritos, conforme conceituação do próprio diploma legal, é a chamada

“sociedade irregular” ou “sociedade de fato”, já a segunda, é a sociedade que se

encontra devidamente regularizada perante os órgãos públicos. Em se tratando de

sociedades personificadas, o sócio administrador responde subsidiariamente pelas

dívidas da mesma, pois o artigo 1.024 do Código Civil determina que:

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Artigo 1.024 - Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por

dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais.

Desta forma, verifica-se que a responsabilidade do sócio de sociedade

personificada é subsidiária e não solidária, porquanto sua responsabilidade é limitada

ao valor da integralização do capital da sociedade, ou seja, ao valor do investimento

que realizou somente podendo o seu patrimônio pessoal ser alcançado se, depois de

executados os bens da sociedade, se estes não forem suficientes para o adimplemento

da dívida.

Nesta possibilidade, de serem executados primeiramente os bens da

sociedade, constitui-se no chamado “benefício de ordem”, onde o sócio, se demandado

pela dívida da pessoa jurídica, tem o direito de exigir que, primeiro, sejam executados

os bens da sociedade empresária, conforme a regra prevista no artigo 596 do Código

de Processo Civil. Somente sendo insuficientes os bens da sociedade para a satisfação

do débito, é que os bens particulares dos sócios poderão ser alcançados. Ao sócio,

incumbe a obrigação de alegando o benefício de ordem, “nomear bens da sociedade,

localizados na mesma comarca, livres e desembargados, quantos bastem para pagar o

débito”, segundo o disposto no § 1°, do artigo 596.

Situação diversa ocorre com o sócio administrador de sociedade

despersonificada, pois, conforme preceitua o artigo 990 do Código Civil, a todos os

sócios desta sociedade, dispõe que:

Artigo 990 - respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais,

excluído do benefício de ordem, previsto no artigo 1.024, aquele que contratou pela sociedade.

Assim sendo, tem-se que o representante da sociedade, ou seja, aquele

que contratou por ela, e, portanto, pode ser considerado administrador da mesma, não

pode ser alcançado pelo benefício de ordem do artigo 1.024, não tendo, então, o direito

de ver primeiro serem executados os bens da pessoa jurídica e, somente depois, os

seus, situação que ocorre, como visto, com o administrador de sociedade personificada.

Nas sociedades despersonificadas, o sócio que atua como representante

(administrador), responde diretamente e não subsidiariamente pelas dívidas da

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sociedade. É o que salienta Assis ao comentar sobre a aplicação do artigo 592, II, do

Código de Processo Civil:

“Inicialmente, o dispositivo estende a eficácia do título executivo, judicial ou

extrajudicial ao sócio solidário ou subsidiariamente responsável pela dívida,

consoante a disciplina legal porventura aplicável à sociedade e o disposto no

contrato. Nenhuma aplicação tem a regra, todavia, quanto à sociedades de fato

ou irregulares, apesar de dotadas de personalidade processual, pois, em tal

hipóteses, a `transparência´ da sociedade gera responsabilidade primária dos

sócios”. Assis (2000, p. 351).

Em suma, a diferença existente entre o administrador da sociedade

personificada e da sociedade despersonificada, consiste no fato de que, enquanto o

primeiro, de regra, responde somente quando os bens da sociedade forem insuficientes

para o adimplemento da dívida, podendo, ainda neste caso, ser alcançado pelo

benefício de ordem, o segundo responde direta e solidariamente à sociedade, não

podendo alegar o benefício de ordem.

1.3 - Patrimônios dos sócios não-administradores

O Código Civil, ao estabelecer regra sobre a responsabilização dos sócios,

diferenciando-os de sociedade personificada daqueles integrantes de sociedades

personificada, não fez diferenciação entre os sócios administradores e os não-

administradores. Entretanto, pela análise do artigo 990, extrai-se que os sócios não-

administradores das sociedades despersonificadas têm direito a invocar o benefício de

ordem, pois, referido dispositivo somente exclui do benefício, conforme expressamente

lá previsto, o sócio que contrata pela sociedade. Desta forma, em se tratando de

sociedades sem personalidade jurídica, isto é, aquelas irregularmente constituídas, os

sócios não-administradores poderão alegar o benefício de ordem, tendo o direito,

quando demandados por dívidas da sociedade, de exigir que, primeiro, os bens da

pessoa jurídica e do sócio que contratou pela sociedade sejam afetados, consoante

disposto no artigo 596, § 1º do Código de Processo Civil, anteriormente comentado. É o

que ressalta Hermelino de Oliveira Santos:

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O novo Código Civil, ao disciplinar a sociedade limitada (arts. 1.052 a 1.087) da

mesma forma que a norma anterior (Decreto n. 3.708/19), não diferencia a

condição do sócio, se partícipe ou não da administração da sociedade, sendo

que a única menção feita pelo código foi quanto à hipótese de, na sociedade não

personificada, os sócios que não a administram poderem invocar benefício de

ordem em face do sócio administrador, entendido este como o que contrata pela

sociedade (art.990 do CC/2002), Santos (2003, p. 62).

Concernente aos sócios não-administradores das sociedades

personificadas, estes respondem da mesma forma que os administradores, ou seja,

respondem de forma subsidiária e não solidária, somente podendo ser alcançados se

insuficiente o capital da sociedade e, ainda, demandados por dívidas da mesma, têm

direito ao benefício de ordem do artigo 596 do Código de Processo Civil. A esse

respeito, também, pode ser invocada a disposição genérica do artigo 50 do Código

Civil, que não diferencia o sócio administrador do não-administrador.

1.4 - Patrimônios dos ex-sócios

Questão interessante que se propõe é a da possibilidade ou não de serem

alcançados na execução o patrimônio dos ex-sócios da pessoa jurídica. Para a solução

desta questão, é preciso associar os dispositivos legais com a doutrina e a

jurisprudência, visto que a legislação não dispõe especificamente sobre a

responsabilização desses sócios.

Todavia, o artigo 9º da CLT determina que “serão nulos de pleno direito os

atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos

preceitos contidos na presente Consolidação”, disposição que alcança, por admitir

interpretação ampla, inúmeras situações fáticas. Ainda, os artigos 166 e seguintes do

Código Civil, dispõem sobre a anulação dos negócios jurídicos quando praticados, entre

outras situações, com vício resultante de erro, dolo, coação ou fraude contra credores.

Desta forma, cuidam-se que, embora a legislação não preveja de forma

direta sobre a responsabilização dos ex-sócios, estes poderão ser responsabilizados

pelas dívidas da sociedade da qual fizeram parte quando a venda da empresa teve

como propósito livrá-los da responsabilização patrimonial, pois, neste caso, contra o

negócio jurídico realizado poderá ser alegada a nulidade em decorrência de vício

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resultante de fraude contra credores, sejam estes credores trabalhistas ou não. Yussef

Said Cahali, bem disserta à respeito da fraude contra credores, o fazendo da seguinte

forma:

“Na fraude contra credores, o ato é verdadeiro, real, embora praticado para

prejudicar terceiros; não há engano, nem o ato se mascara com outro; há tão-

só um ato ostensivamente realizado, visando prejudicar a outrem; portanto, o

que está presente na fraude é o propósito de levar aos credores um dano, em

benefício próprio ou alheio, frustrando-lhes a garantia geral que deveriam

encontrar no patrimônio do devedor alienante”. Cahali (1999, p. 57),

Deste modo, entende-se que, tendo sido a venda da sociedade praticada

com fraude contra credores, também os ex-sócios poderão ser atingidos pela execução,

pois a conseqüência do negócio jurídico eivado de vício resultante de fraude contra

credores é a anulação do mesmo, conforme preceitua o artigo 171, II do Código Civil.

Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico:

I – (...);

II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra

credores.

1.5 - Patrimônios do cônjuge

Entre os bens passíveis de serem alcançados pela execução, estão os bens

do cônjuge do devedor, que pela previsão legal do artigo 592, IV, do Código de

Processo Civil, estabelece que: os bens deste ficam sujeitos à execução quando

respondem pela dívida. Em se tratando de desconsideração da personalidade jurídica,

onde os bens dos sócios serão atingidos, ressaltar no presente estudo, a possibilidade

de alcance do patrimônio do cônjuge do sócio, quando este (o sócio) é demandado.

Neste caso, a natureza do cônjuge dos devedores em geral, é de terceiro,

frente às dívidas destes. Conforme preceitua o artigo 1.046, § 3º do CPC, “considera-se

também terceiro o cônjuge quando defende a posse de bens dotais, próprios,

reservados ou de sua meação”. Desta forma, os bens do cônjuge somente poderão ser

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alcançados quando estes, legalmente, respondem pela dívida de seu consorte, pois o

próprio artigo 592, IV, assim determina.

Entretanto, sendo os bens do cônjuge legalmente responsáveis pela dívida

do companheiro, ele não terá natureza de terceiro frente às dívidas contraídas, mas sim

de devedor em igualdade ao seu consorte. Diante disto, é possível afirmar que a defesa

do cônjuge possui dupla face, pois pode sua defesa consistir em Embargos do Devedor

ou em Embargos de Terceiro, tudo dependendo de sua responsabilização, pois, se os

seus bens, legalmente, respondem pela dívida, em sua defesa estarão os Embargos

do Devedor, já que como devedor ele será considerado, todavia, se o cônjuge não for

responsável pela dívida, poderá opor Embargos de Terceiro para a defesa da posse de

seus bens. É o que leciona Antônio José de Souza Levenhagen:

“Caso os bens do outro cônjuge respondam legalmente pela dívida, a sua

defesa só poderá ser feita por via de embargos do devedor, pois, nessa

circunstância, o cônjuge que teve os bens apreendidos não só será um terceiro,

mas também devedor” Levenhagen (1996, p. 41).

No que tange ao cônjuge do sócio demandado, não há distinção, a

natureza deste continua sendo de terceiro frente à sociedade, e, desta forma,

ocorrendo a penhora de bens do sócio-cônjuge, o outro consorte poderá invocar a

meação patrimonial, isto é, através dos Embargos de Terceiro.

Todavia, em se tratando da desconsideração da personalidade jurídica

para fins de saldar débitos trabalhistas, o que é o objeto do presente estudo, existem

autores que entendem que a Justiça do Trabalho deve procurar conciliar a natureza

alimentar do crédito trabalhista com o direito de meação do patrimônio do casal. Assim,

entendem referidos autores que se o patrimônio do casal for constituído com os lucros

auferidos com o trabalho do empregado, até a meação do cônjuge do sócio poderá ser

alcançada pela execução. Quanto ao patrimônio do casal adquirido com lesões a

direitos trabalhistas, Santos, preleciona que:

“Entendemos que, se este foi adquirido na constância da sociedade conjugal e

mediante os lucros auferidos pelo sócio-cônjuge, deve responder pela

satisfação do crédito trabalhista. Justifica-se tal entendimento à premissa de

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que o patrimônio do casal seria menor se não tivesse havido lesões a direitos

trabalhistas dos empregados, ou seja, se esse exeqüente tivesse sido

corretamente pago em todos os seus direitos ao longo do contrato de trabalho,

o `lucro´ destinado ao sócio teria sido menor” Santos (2003, p. 67).

Diante das assertivas acima, pode-se concluir que, o cônjuge do sócio

demandado por dívidas da sociedade quando da aplicação da doutrina da

desconsideração da personalidade jurídica, possui, via de regra, natureza de terceiro

em relação a essas dívidas, podendo defender o seu direito à meação do patrimônio do

casal mediante os Embargos de Terceiro, todavia, em se tratando de execução do

sócio-cônjuge para o adimplemento de créditos de natureza trabalhista, crédito este

considerado de natureza alimentar, até mesmo a meação do cônjuge do sócio poderá

ser alcançada pela execução se o patrimônio do casal foi constituído com lesão a

direitos dos empregados, porque o credor trabalhista poderá buscar o patrimônio que

ajudou a edificar, mesmo que este esteja em poder de terceiros, no caso, do cônjuge do

sócio.

Capitulo IV – Efetividade da Teoria no Direito Processual do Trabalho

1 - Efetividade do crédito trabalhista

Os defensores da primeira corrente entendem que a teoria da

desconsideração é sempre aplicável ao direito do trabalho, diante da proteção ao

trabalhador hipossuficiente, da natureza alimentar da verba e do fato segundo o qual o

risco da atividade econômica é exclusivo do empregador.

Portanto, buscam obter o recebimento rápido e eficaz da verba trabalhista

objeto da sentença ou acordo, ou seja, a prestação jurisdicional somente será efetiva e

concreta com o recebimento, pelo empregado, do que lhe é devido (crédito trabalhista).

Aplica-se o princípio básico da proteção tutelar, que ampara o trabalhador

(hipossuficiente), diferentemente do direito civil, que pressupõe igualdade das partes.

Assim: “in dúbio pro operário”.

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P releciona Nelson Mannrich “A intenção dos juízes é das melhores” e que a

decisão que permite o uso de patrimônio de sócio para pagar dívida de empresa

encontra “suporte jurídico para este comportamento na Justiça do Trabalho e é o

pressuposto de que o empregado contribuiu com o seu esforço para construir

patrimônio da empresa e automaticamente dos sócios”.

Aplica-se, portanto, a responsabilidade objetiva para determinar a

desconsideração da personalidade jurídica, independentemente de haver fraude ou uso

indevido da pessoa jurídica. Basta, portando, a inexistência de bens em nome da

empregadora (pessoa jurídica), diante da proteção superprivilegiada do crédito

alimentar.

2 - A penhora dos bens dos sócios como exceção

A segunda corrente defende que a desconsideração da personalidade

jurídica deve ser sempre a exceção, não a regra. Nas sociedades anônimas e nas de

responsabilidade limitada os bens dos sócios somente podem ser objeto de execução

nos casos de retiradas abusivas, ou em prejuízo do capital social, ou pela parte do

capital não integralizado, nos termos do artigo 2º do Decreto n º 3.708/19. A

jurisprudência, nesse sentido, acrescentou as hipóteses de abuso de direito, excesso

de poder, fraude à execução, violação legal e insuficiência de capital social para o

desenvolvimento da atividade empresarial.

Para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica é

necessária a comprovação do mau uso da pessoa jurídica, ausência de dissolução

legal ou fraude no gerenciamento da empresa; não basta a insolvência da sociedade.

Não restando demonstrada a má-fé, prevalece à limitação da responsabilidade dos

sócios.

O doutrinador Amador Paes de Almeida (1996 ), esclarece que a Justiça

admite a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade “quando os

administradores utilizam a pessoa jurídica, aparentemente na forma da lei, com desvio

de sua exata função: 1) uso abusivo da sociedade; 2) fraude, como artifício para

prejudicar terceiros, levados a efeito `dentro de presumida legalidade’; 3) confusão

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patrimonial; 4) insuficiência do capital social `para o exercício de sua atividade

empresarial’.

Ainda, no caso de sociedade anônima, somente é admitida a

desconsideração da personalidade jurídica estando presente prova de atuação dolosa

ou culposa por parte dos acionistas administradores, não servindo para caracterizar

violação à lei, capaz de autorizar a responsabilidade em questão, o descumprimento da

legislação trabalhista ou encerramento das atividades.

A caracterização do dolo ou culpa deverá ser feita pela demonstração de

existência do abuso ou da fraude. Aplica-se, portanto, a teoria da responsabilidade

subjetiva, assevera a jurisprudência:

“O pressuposto fundamental da desconsideração da personalidade, é o desvio

da função da pessoa jurídica que se constata na fraude e no abuso de direito

relativo à autonomia patrimonial”. Apelação cível nº 34710/05, Rel. Des. Jorge

Luiz Habib, Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.”

Alguns operadores do direito entendem que o encerramento da atividade, a

ausência de bem e a falta de comunicação aos credores e à Junta Comercial

configuram atos fraudulentos contra credores, em que os fins sociais da lei são

desrespeitados e, não sendo admitida a desconsideração da personalidade jurídica,

neste sentido prevê a jurisprudência:

“premia-se a impunidade daqueles que escamoteiam o controle e direção de

sociedades empresariais para auferir vantagem ilícita em detrimento da

coletividade”. Juan Daniel Pereira Sobreiro, Juiz de Direito, processo nº 319/04,

Comarca de Ibaiti, Estado do Paraná”.

Complementa remansosa jurisprudência:

“Em casos de abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato

ilícito e violação dos estatutos sociais ou contrato social, o art. 28 da Lei nº

8.078/90 faculta ao Juiz responsabilizar ilimitadamente qualquer dos sócios pelo

cumprimento da dívida, ante a insuficiência do patrimônio societário”. Mandado

de segurança nº 478099/98, TST, relator Ministro João Oreste Dalazen.

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Entende o Min. Ives Granda, que ocorrerá a aplicação da teoria nos casos

de simulação de transferência e encerramento de atividade sem quitação do passivo

laboral, quando já havia inúmeras reclamações trabalhistas (fraude contra credores)

Ação rescisória nº 531319/99, TST, relator Ministro Ives Gandra Martins Filho.

O encerramento da atividade empresarial na tentativa de não efetuar o

pagamento da obrigação trabalhista ou, então, transferir os bens necessários da

jurídica, sempre buscando o inadimplemento contratual, são, para tal corrente,

exemplos típicos da possibilidade de desconsideração.

Sobre o assunto o Tribunal de Alçada de São Paulo, em acórdão do Juiz

Relator Maurício Ferreira Leite, esclarece que o expediente só se admite como medida

excepcional:

“Necessidade de prova cabal e completa de que a sociedade tenha sido constituída com

finalidade manifestamente ilícita” 1º TACIVIL – .8ª Câm.- AI nº 869.588-4, v.u).

Segundo o Espaço Jurídico Bovespa. “o dano econômico pode ser

desastroso”, motivo pelo qual “é preciso analisar o que afeta a aplicação da

desconsideração da personalidade jurídica de maneira ampla”.Entrevistando Fábio

Ulhoa Coelho, a reportagem esclarece que “o Juiz pode tomar a decisão que parece ser

mais justa naquela situação, mas pode ser extremamente injusta e ineficiente no

contexto da economia de toda a sociedade”. www.bovespa.com.br, reportagem “Justiça

amplia uso de patrimônio de sócio para pagar dívidas de empresa”.

A jurisprudência complementa:

Em sede de Direto do trabalho, em que os créditos trabalhistas não podem ficar

a descoberto, também vem-se abrindo uma exceção ao se aplicar a teoria da

desconsideração da personalidade jurídica (disregard of legal entity) para que o

empregado possa, verificando a insuficiência do patrimônio societário

integralizado, sujeitar-se à execução os bens dos sócios individualmente

considerados, porém solidária e ilimitadamente, até o pagamento integral do

créditos dos empregados, evitando-se , dessa forma, que os sócios e a pessoa

jurídica se locupletem às custas do empregado, pois foram os sócios os

beneficiários diretos do resultado do trabalho do obreiro em sociedade”. Ação

rescisória n º 545348/99, TST, rel. Ministro Ronaldo Leal.

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Portanto, excepcionalmente, o Juiz poderá aplicar a teoria da

desconsideração da personalidade jurídica. Deverá fazê-lo, todavia, de maneira

prudente, criteriosa e analítica, sempre com base nos princípios da legalidade,

proporcionalidade e razoabilidade. Comprovado o dolo ou a má fé, através do desvio,

fraude ou abuso, nada mais justo que ocorra tal desconsideração, beneficiando-se

assim o empregado lesado.

Corrobora ainda, entendimento do presidente do Tribunal Superior do

Trabalho, Vantuil Abdala, afirmou recentemente que: “a orientação hoje é para um uso

cauteloso do instituto. O juiz não deve se deixar levar pelo pedido do empregado que

não encontrou bens da empresa. É preciso que exista fundamento para responsabilizar

os sócios”.

3 - A natureza alimentar do crédito trabalhista

Um dos requisitos do contrato individual de emprego é a chamada “causa

de contratar”, consistente no motivo determinante que move a vontade de cada um dos

sujeitos envolvidos na relação obrigacional. Neste sentido, a causa que move a vontade

do empregador consubstancia-se na efetiva prestação do trabalho, sendo este o motivo

que o leva a celebrar o contrato de trabalho.

Entretanto, para o empregado, a causa determinante para a realização do

pacto laboral é o recebimento do salário, como forma de fonte única ou, ao menos

principal, de extração da subsistência própria e de sua família. Este é entendimento

esposado por José Augusto Rodrigues Pinto que, ao descrever salário, o faz da

seguinte forma:

“O salário é, sem dúvida, o centro de interesse do contrato individual de emprego,

em vista da função social que exerce e de sua indispensabilidade para a sobrevivência do empregado,

que faz dele a própria causa de contratar”. Pinto (1997, p. 310).

Não há divergências no sentido de que o crédito trabalhista possui caráter

privilegiado em relação a outros créditos, já que decorre do trabalho humano, meio de

que dispõe o trabalhador para ver satisfeitas suas necessidades básicas, bem como as

de toda a sua família. Dizer que o crédito do obreiro possui natureza alimentar é afirmar

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que este crédito é sobremodo indispensável para seu credor, pois é através de seu

adimplemento que o trabalhador adquire as condições necessárias para prover a sí e à

sua família dos suprimentos elementares à sobrevivência.

É em razão da indispensabilidade do salário e de sua natureza - como já

mencionada, alimentar -, que a legislação tem conferido proteção ampla ao

recebimento deste crédito. Reafirmando esta intenção, em Genebra, no ano de 1949, a

Organização Internacional do Trabalho (OIT), aprovou a Convenção n º 95, denominada

“Convenção para a proteção do Salário”, que foi ratificada pelo Brasil e promulgada no

âmbito interno pelo Decreto nº 41.721, de 25.06.1957, entrando em vigência nacional

em 1958. O artigo 11 desta Convenção, assim estipula:

Art. 11 – 1. Em caso de falência ou de liquidação judiciária de uma empresa, os

trabalhadores seus empregados serão tratados como credores privilegiados,

seja pelos salários, que lhes são devidos a título de serviços prestados no

decorrer de período anterior à falência ou à liquidação e que será prescrito pela

legislação nacional, seja pelos salários que não ultrapassem limite prescrito

pela legislação nacional.

2. O salário que constitua crédito privilegiado será pago integralmente antes

que os credores comuns possam reivindicar sua parte.

3. A ordem de prioridade do crédito privilegiado constituído pelo salário, em

relação aos outros créditos privilegiados, deve ser determinada pela legislação

nacional.

A partir da ratificação e promulgação no âmbito nacional do disposto nesta

Convenção, as legislações brasileiras tiveram seus textos adaptados, consoante o

estabelecido na referida Convenção. É o reflexo que se denota mais claramente no

artigo 102 e seu § 1º, do Decreto-Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945 (Lei de

Falências), que dispõe:

Art. 102. Ressalvada, a partir de 2 de janeiro de 1958, a preferência dos

créditos dos empregados, por salários e indenizações trabalhistas, sobre cuja

legitimidade não haja dúvida, ou quando houver, em conformidade com a

decisão que for proferida na Justiça do Trabalho, e, depois deles, a preferência

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dos credores por encargos ou dívidas da massa (art. 124), a classificação dos

créditos, na falência, obedece à seguinte ordem:

I – créditos com direitos reais de garantias;

II – créditos com privilégio especial sobre determinados bens;

III – créditos com privilégio geral;

IV – créditos quirografários.

§1º Preferem a todos os créditos admitidos à falência a indenização por

acidente do trabalho e os outros créditos que, por lei especial, gozarem essa

prioridade.

Oportuno ressaltar a preservação na legislação e sua condição

privilegiada, em que o legislador em observância aos ditames erigidos, conservou os

privilégios quando da criação da lei n. 11.101/2005 que Regula a recuperação

judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade

empresária, assim prevê o art.83.

Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:

I – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e

cinqüenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de

trabalho;

II – (...);

III –(...);

IV –(....):

Com relação disposto do art. artigo 102 e seu § 1º, do Decreto-Lei nº

7.661, de 21 de junho de 1945 (Lei de Falências), constata-se na própria redação do

caput deste dispositivo, sua adequação ao preceito contido na Convenção nº 95 da OIT,

inclusive com menção ao ano em que a mesma entrou em vigência nacional. Desta

forma, a Lei de Falências, ao estabelecer a ordem hierárquica dos créditos na falência,

destacou ao crédito trabalhista a posição mais elevada no direito ao recebimento,

ressalvando uma vez mais a sua importância e situação privilegiada com relação aos

demais créditos. Mauricio Godinho Delgado, ao comentar sobre o dispositivo acima

referido, assim descreve:

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“A pirâmide hierárquica demonstra, de modo inequívoco, que os créditos

obreiros oriundos da situação propiciada pelo contrato de emprego situam-se

no vértice da escala de prevalência. A própria precedência assegurada aos

créditos relativos a acidente de trabalho não minora a garantia dos créditos

estritamente empregatícios, já que todos eles são créditos devidos ao

empregado em derivação de fatos ocorridos na relação de emprego”. Delgado

(2003, p. 814)

Verifica-se, também, o reflexo da proteção aos créditos trabalhistas na

legislação processual civil, que determina o salário como impenhorável, conforme

dispõe o artigo 649, IV, do Código de Processo Civil, que prevê:

Art. 649. São absolutamente impenhoráveis:

(...)

IV – os vencimentos dos magistrados, dos professores e dos funcionários

públicos, o soldo e os salários, salvo para pagamento de prestação alimentícia;

Outro diploma legal que confere preferência ao crédito do obreiro,

realçando sua natureza alimentar, é o Código Tributário Nacional, pois determina que o

crédito trabalhista deve ser recebido preferencialmente em relação a qualquer outro,

inclusive créditos tributários, consoante disposto no artigo 186 do referido texto legal,

que estabelece que “o crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for a

natureza ou o tempo da constituição deste, ressalvados os créditos decorrentes da

legislação do trabalho”. Assim, a própria legislação tributária, ao prever a preferência de

seus créditos, salientou a importância do crédito trabalhista, pois ressalta como única

exceção à predileção no recebimento dos créditos tributários, o recebimento dos

créditos decorrentes da legislação do trabalho.

Já no âmbito da própria legislação trabalhista, a proteção e garantia ao

recebimento do crédito do obreiro ganha espaço no disposto no artigo 449 e seu §1º, da

Consolidação das Leis do Trabalho, que estabelece:

Art. 449. Os direitos oriundos da existência do contrato de trabalho subsistirão

em caso de falência, concordata ou dissolução da empresa.

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§1º Na falência, constituirão créditos privilegiados a totalidade dos salários

devidos ao empregado e a totalidade das indenizações a que tiver direito.

Como visto, o crédito trabalhista possui característica privilegiada em

relação aos demais créditos, ganhando destaque não só na legislação do trabalho, mas

em todas as outras que tratam da ordem do recebimento de créditos, seja na esfera

tributária, empresarial ou civil, o que realça sua condição peculiar de crédito de

natureza estritamente alimentar.

Por este aspecto que se torna de grande valia o estudo da doutrina da

desconsideração da personalidade jurídica no âmbito do processo do trabalho,

constitui-se instituto auxiliar do recebimento dos créditos dos trabalhadores, sendo que,

ao permitir o alcance do patrimônio dos sócios da pessoa jurídica, concede ampla

aplicação aos dispositivos legais acima referidos, já que aqueles, se não contassem

com mecanismos de efetivação de suas determinações, ficariam sem aplicação,

tomando status de meros pareceres jurídicos. É o que salienta Nelson Nazar ao

comentar sobre a proteção do crédito alimentar em notável artigo a respeito da

desconsideração da personalidade jurídica no âmbito do direito do trabalho:

“No direito do trabalho, da mesma forma que na legislação fiscal, a teoria da

despersonalização vem sendo aplicada como forma de assegurar a satisfação

de direitos reconhecidos aos trabalhadores em decisões proferidas por esta

Justiça Especializada, em face do caráter alimentar do débito. E nem poderia

ser diferente. Com efeito, não teria sentido a lei estabelecer normas de ordem

pública de proteção ao crédito alimentar, se não houvesse mecanismos

eficazes para cumprimento da vontade do legislador”. Nazar (2003, p. 1.049)

Assim sendo, diante das assertivas acerca do caráter alimentar do crédito

trabalhista, constituído pelos salários e demais verbas definidas na legislação nacional,

torna-se imprescindível o estudo da aplicação da doutrina da desconsideração da

personalidade jurídica como mais uma forma de garantia do recebimento dos créditos

trabalhistas.

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4 - Princípios do direito do trabalho

A remansosa doutrina elenca uma série de princípios que informam o

Direito do Trabalho, destacamos entre eles os princípios da proteção, da

irrenunciabilidade, da continuidade da relação de emprego e da primazia da realidade,

entretanto abordaremos somente o da proteção e seus sub-principios. Estes princípios,

juntamente com os dispositivos legais referentes à matéria trabalhista, formam uma

linha de proteção dos direitos assegurados aos obreiros. Paralelamente a esta proteção

conferida aos direitos dos trabalhadores, existe uma tendência muito grande em se

assegurar o desenvolvimento da atividade econômica, o que, inegavelmente, para o

atual sistema financeiro, também se faz necessário. Todavia, o favorecimento do

crescimento econômico está indissociavelmente ligado à utilização da ficção da

personalidade jurídica, tendo em vista que esta se constitui em instituto de apoio ao

estabelecimento de grupos econômicos, o que facilita o pretendido fortalecimento da

economia.

É neste sentido que o incentivo ao desenvolvimento da atividade econômica

pode se tornar incompatível com os preceitos estampados nos princípios informadores

do Direito do Trabalho, posto que a utilização da personalidade jurídica, não raras

vezes, tende a se tornar empecilho ao adimplemento dos créditos dos obreiros, na

medida em que oculta atrás de seu véu os sócios que compõem a sociedade

empresarial, impedindo o alcance dos mesmos. Neste diapasão, é relevante o breve

estudo destes princípios informadores do Direito do Trabalho, para que se possa, ao

final, afirmar, ou não, o confronto dos mesmos com o incentivo ao desenvolvimento

econômico, quando este for preconizado pela utilização da ficção da personalidade

jurídica.

4.1 - Princípio da proteção

No Direito do Trabalho a proteção direciona especialmente para o

empregado, considerado hipossuficiente em relação ao empregador, diferentemente do

que ocorre no direito comum, onde há grande preocupação em assegurar a igualdade

jurídica entre as partes contratantes.

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Diante disso, a orientação deste princípio é a de que se deve aplicar uma

desigualdade jurídica nos contratos de trabalho para que se possa alcançar a igualdade

substancial entre as partes, sendo esta a conceituação elaborada pelo grande jurista

uruguaio Américo Plá Rodrigues (1978, p. 28):

“Enquanto no direito comum uma constante preocupação parece assegurar a

igualdade jurídica entre os contratantes, no Direito do Trabalho a preocupação

central parece ser a de proteger uma das partes com o objetivo de, mediante

essa proteção, alcançar-se uma igualdade substancial e verdadeira entre as

partes”.

Em relação ao princípio da proteção, vale ressaltar o ensino de Delgado

(2003, p. 196), diz que:

“Informa este princípio que o Direito do Trabalho estrutura em seu interior, com

as suas regras, institutos, princípios e presunções próprias, uma teia de proteção

à parte hipossuficiente na relação empregatícia – o obreiro -,visando retificar (ou

atenuar), no plano jurídico, o desequilíbrio inerente ao plano fático do contrato de

trabalho”.

Neste entendimento, para compensar a desigualdade econômica acentuada

entre as partes contratantes, no caso, empregado e empregador, cria-se em proveito

dos trabalhadores uma série de vantagens unilaterais, isto é, somente inerentes a eles.

Tem-se o princípio da proteção como o grande princípio, aquele cardeal, que informa

toda a estrutura e características próprias do Direito do Trabalho. Neste sentido que,

aplicando-se referido princípio, as normas trabalhistas são estabelecidas no interesse

do trabalhador, visando lhe conferir maiores vantagens para que, estabelecendo-se

uma desigualdade jurídica entre as partes, se possa chegar à igualdade fática na

relação de emprego.

4.2 - Sub-princípios

O princípio da proteção se subdivide em outras três categorias de princípios,

denominados por Américo Plá Rodrigues de “regras inerentes ao princípio da proteção”:

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a) - In dúbio, pro operário.

Este princípio ocorre, quando uma norma for passível de entendimentos

diversos, prefere-se a interpretação mais favorável ao trabalhador. Podendo o juiz, ou

qualquer intérprete, escolher entre vários sentidos possíveis de uma mesma norma,

deverá optar por aquela que seja mais benéfico ao obreiro, o que, entretanto, não se

aplica na apreciação das provas, pois esta se resolve pela obrigação individual de

provar, isto é, pelo ônus “probandi”.

b) - Norma mais favorável

Diante do preceito esposado por este princípio, existindo conflito entre duas

normas, deverá prevalecer o que dispõe aquela mais favorável ao trabalhador.

Diferentemente do que prevê o princípio anterior, neste não existe diversidade de

interpretações sobre uma mesma norma, duas ou mais normas em conflito.

Nesta esteira, Rodrigues, define o seu entendimento:

“ Não se aplicará a norma correspondente dentro de uma ordem hierárquica predeterminada,

mas se aplicará, em cada caso, a norma mais favorável ao trabalhador”. Rodrigues (1978, p. 54).

A Consolidação das Leis do Trabalho, no artigo 620, estabelece a aplicação

da norma mais favorável quando houver conflito entre Convenção Coletiva de Trabalho

e Acordo Coletivo de Trabalho, ao estipular que “as condições estabelecidas em

Convenção, quando mais favoráveis, prevalecerão sobre as estipuladas em Acordo”.

Assim, toda vez que, existindo duas ou mais normas reguladoras do mesmo assunto,

estas estiverem em conflito, deverá, pela orientação deste princípio, prevalecer aquela

mais favorável ao trabalhador.

c) - Condição mais benéfica

A regra estabelecida neste princípio tem semelhança com o direito adquirido,

eis que, preexistindo, ao advento de nova norma, situação concreta mais favorável ao

trabalhador, esta situação deverá persistir mesmo com a entrada em vigor de novo

dispositivo legal disciplinando o assunto.

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Assim sendo, se o obreiro usufruía situação mais benéfica do que aquela

trazida pela nova legislação, esta condição deverá ser respeitada, o que, como já

mencionado, muito se aproxima da figura do direito adquirido.

Em síntese, os sub-principios abordado consistem em desdobramentos do

princípio da proteção, pois corroboram com a tendência, vigente no Direito do Trabalho,

de conceder amplo amparo ao trabalhador, considerado a parte mais fraca da relação

contratual.

5 - Aplicação da desconsideração no processo de conhecimento

Visando garantir a satisfação do crédito trabalhista procede-se aplicação da

desconsideração da personalidade jurídica no processo de execução trabalhista.

Entretanto, essa também aplicada em sede do processo de conhecimento, posto que

existem situações em que, à época do ajuizamento da ação trabalhista, os elementos

para a invocação da doutrina já se fazem presentes, devendo, então, de plano ser

invocada a aplicação da disregard doctrine, sob pena de preclusão do direito ou mesmo

de violação da garantia constitucional do devido processo legal.

Vieira da Silva segue a mesma orientação acima, ao descrever que:

“Se o autor teme eventual frustração ao direito que pleiteia contra uma

sociedade empresária, em razão de manipulação fraudulenta da autonomia

patrimonial no transcorrer do processo, ele não pode deixar de incluir, desde

início, no pólo passivo da relação processual, a pessoa ou as pessoas sobre

cuja conduta incide o seu fundado temor. (Vieira da Silva 2002, p. 170)”

Neste sentido, se o reclamante pretende responsabilizar o sócio de uma

sociedade empresarial pelos créditos que possui junto à pessoa jurídica, tendo esta

intenção antes mesmo da propositura da ação, por estarem presentes os requisitos

para a invocação da doutrina da desconsideração, deverá incluir estas pessoas no pólo

passivo da demanda desde início, ou seja, desde o ajuizamento da ação, para que elas

participem do processo de conhecimento.

Santos, cita como exemplo de invocação da doutrina no processo de

conhecimento trabalhista a hipótese de “gradativa desativação operacional” Santos

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(2003, p. 171), que ocorre quando o autor da ação trabalhista, no momento do

ajuizamento da reclamatória, tem conhecimento de que a empresa pertencente à

reclamada, não obstante se ache em efetiva operação, encontra-se em processo de

gradativa e crescente desativação operacional. Neste caso, a invocação da doutrina da

desconsideração justifica-se desde a propositura da ação, trazendo ao pólo passivo da

demanda não só a pessoa jurídica, devedora principal, mas também os sócios da

mesma, para que estes possam ser responsabilizados na hipótese de futura

condenação.

A aplicação da mencionada doutrina na fase de conhecimento não

comporta grandes problemas, visto que, como nesta fase a cognição é exauriente,

sendo ela aqui invocada, não haverá possibilidade de alegação de infração ao devido

processo legal, eis que os princípios do contraditório e da ampla defesa estarão

resguardados.

6 - Na fase de execução do crédito trabalhista: infringência ao devido processo

legal.

No direito do trabalho, na fase de execução é comum a aplicação da doutrina

da desconsideração da personalidade jurídica, a doutrina tem sido invocada com

freqüência nesta fase processual, diferentemente do que ocorre na fase de

conhecimento. Em face disso, tem sido objeto de discussões acerca de sua

aplicabilidade, vez que o processo de execução não comporta cognição exauriente dos

fatos, cabendo ao devedor, como único meio de defesa, os Embargos à Execução,

entretanto, nem todas as matérias podem ser veiculadas pela defesa.

Diante deste quadro, alguns doutrinadores têm entendido haver violação à

garantia constitucional relativo ao devido processo legal, em razão de não serem

devidamente resguardados os princípios da ampla defesa e do contraditório, já que os

sócios não participaram da fase de conhecimento, sendo somente acionados quando o

título executivo judicial já está formado.

Como vê, está doutrina é freqüentemente utilizada no processo de execução,

porque, geralmente, a necessidade de inclusão dos sócios ocorre somente nesta fase,

quando o credor, ao buscar o adimplemento do título executivo judicial, depara-se e

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constata uma série de obstáculos à efetivação de seu direito através da execução,

como é o caso da inexistência de bens do devedor principal, qual seja da pessoa

jurídica, a garantir o pagamento de seus créditos.

A garantia constitucional prevê o devido processo legal vem disciplinada no

artigo 5º, LIV, da Constituição Federal, determina que “ninguém será privado da

liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;”. Referido dispositivo recebe

complementação do inciso LV, do mesmo artigo, disciplina o seguinte :

Art. 5º (...)

(...)

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são

assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

Assim, havendo previsão constitucional expressa a necessidade do devido

processo legal. Tarefa árdua para os doutrinadores tem sido a de conceituar referida

garantia.

Para Osmar Vieira da Silva, satisfaz ao devido processo legal quando em

todas as relações que envolvam o poder jurisdicional sejam respeitados os princípios e

regras do direito objetivo. (VIEIRA DA SILVA, 2002, p. 200).

Deste modo, é possível afirmar que o devido processo legal consiste na

aplicação efetiva de todas as normas de segurança processual existentes na legislação

vigente, ou seja, o processo judicial possui um curso especificado pela legislação e este

curso deve ser obedecido à risca para que não haja violação à garantia constitucional

prevista no artigo 5º, LIV, da Constituição Federal.

Assim, deriva-se da garantia constitucional do devido processo legal, quais

sejam: os princípios do contraditório e da ampla defesa, previstos no artigo 5º, LV, da

Constituição Federal, acima transcrito.

Pelo princípio do contraditório os litigantes têm o direito de contradizer, na

busca da verdade, todas as alegações e provas produzidas pela outra parte. Nesta

disposição a possibilidade garantida pela legislação de a parte contestar tudo o que lhe

é imputado, permitindo, assim, o exercício regular de sua defesa, sendo que, para que

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assim ocorra, às partes deve ser concedido o direito de manifestação sobre todos os

atos praticados pela parte contrária.

Vieira da Silva, sucintamente, traz um conceito de contraditório, afirmando

que:

“Em apertada síntese, o direito ao contraditório significa que as partes sempre poderão

ser ouvidas sobre as provas e alegações trazidas aos autos pela parte contrária, ou seja, não pode existir

um julgamento sem que as partes tenham sido ouvidas”.( Vieira da Silva 2002, p.201).

Certifica-se que, pelo princípio da ampla defesa, aos litigantes é concedido

o direito de alegar fatos e prová-los em sua defesa, ou seja, a parte, via de regra o réu,

tem como segurança a possibilidade de trazer aos autos todos os elementos possíveis

visando esclarecer a verdade, na busca de sua defesa.

Mesquita manifesta-se a respeito deste princípio, leciona que:

“O cidadão tem plena liberdade de, em defesa de seus interesses, alegar fatos e propor

provas. Em outras palavras, o direito de defesa não é uma generosidade, mas um interesse público, já

que essencial a qualquer estrutura estatal que se pretenda democrática”. (Mesquita, 2003, p. 141).

O princípio da ampla defesa revela-se, então, como uma espécie de

derivação do princípio do contraditório, pois, de nada adiantaria dar vistas à parte

contrária dos atos praticados pela parte autora se não fosse assegurado o direito de

apresentar sua manifestação, isto é, sua contrariedade ao que lhe foi imputado, na

perseguição de sua defesa.

Desta forma, ante as noções acima estudadas, pode-se afirmar que,

presentes os princípios do contraditório e da ampla defesa, forma-se a garantia

constitucional do devido processo legal, que, segundo o entendimento de muitos

doutrinadores, é afetada quando se aplica a doutrina da desconsideração somente no

processo de execução.

Para a corrente doutrinária que assim se posiciona, o alcance dos sócios

somente na fase de execução feriria a coisa julgada, pois estes não participaram da

relação processual na fase de cognição, onde a coisa julgada foi formada e,

conseqüentemente, também o título executivo foi formado. Assim, a possibilidade de

afetação do patrimônio pessoal dos sócios nesta fase, contrariaria o devido processo

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legal e os princípios a ele inerentes, ferindo, inclusive, o disposto no artigo 472, do

Código de Processo Civil, que determina:

Art. 472. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não

beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de

pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário,

todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros.

Flávia Lefévre Guimarães ao manifestar acerca do tema em questão ensina

que:

“A desconsideração da personalidade jurídica pode levar a que o patrimônio de

outras pessoas que não constem do título executivo venha a ser atingido na

fase de execução; ou seja, implica em alto grau de excepcionalidade, pois, de

certa forma, contraria o princípio de due process of law, bem como outros

princípios constitucionais, entre os quais o da ampla defesa, previsto no art. 5º,

LV, da Constituição Federal, e, ainda, o art. 472, do Código de Processo Civil,

que estabelece o limite subjetivo da coisa julgada”. Guimarães (1998, p. 138).

No caso, quando os sócios não participam da fase de conhecimento, onde o

título executivo judicial é formado, entende-se que, sendo eles alcançados na fase de

execução, ocorre infração ao devido processo legal, pois somente passarão a integrar a

relação processual quando a coisa julgada referente à matéria já está formada,

havendo violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa, aplicados em maior

escala na fase cognitiva.

Assemelhando ao assunto em tela, vale ressaltar a importante abordagem

sobre o que ensina Coelho. Para o autor existem duas formulações para a teoria da

desconsideração, sendo uma maior e outra menor, diz que:

“Há duas formulações para a teoria da desconsideração: a maior, pela qual o

juiz é autorizado a ignorar a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas,

como forma de coibir fraudes e abusos praticados através dela, e a menor, em

que o simples prejuízo do credor já possibilita afastar a autonomia patrimonial”.

(Coelho, 2002, p. 35).

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A teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica criada pelo

autor em questão, já abordada, se assemelha àquela utilizada no processo do trabalho,

onde não se verifica a necessidade de comprovação da existência de fraude ou abuso

praticado através da pessoa jurídica, ignorando literalmente a previsão do art. 50 do

Código Civil Brasileiro, bastando existir um crédito do trabalhador e a ineficiência da

execução contra a pessoa jurídica, devedora principal. Entretanto, continua o

consagrado autor:

No contexto da teoria menor, o pressuposto da desconsideração não é a

fraude, mas a insatisfação de credor social. Ora, qualquer que seja o

pressuposto adotado para a desconsideração, isso não altera em nada a

discussão dos aspectos processuais da aplicação da teoria. Quer dizer, será

sempre inafastável a exigência de processo de conhecimento de que participe,

no pólo passivo, aquele cuja responsabilização se pretende, seja para

demonstrar sua conduta fraudulenta, seja para condená-lo, tendo em vista a

insolvabilidade da pessoa jurídica. (Coelho, 2002, p. 36).

Desse modo, mesmo fazendo distinção entre as duas possibilidades de

aplicação da doutrina da desconsideração, e reconhecendo que esta aplicação pode

ser feita mesmo nos casos onde não há comprovação de fraude ou abuso na utilização

da pessoa jurídica, o referido doutrinador entende que, seja qualquer uma das duas

formulações para a teoria da desconsideração, há a necessidade dos sócios

participarem do processo de conhecimento, sob pena de violação ao devido processo

legal.

Ocorre que, mesmo diante da posição doutrinária no sentido de que a

participação dos sócios no processo de conhecimento é inafastável como requisito para

que eles possam figurar no pólo passivo da execução, na execução trabalhista tem-se

admitido, até mesmo em decorrência dos princípios fundamentais informadores do

Direito do Trabalho, a inclusão dos sócios somente nesta fase processual, já que,

conforme anteriormente estudado, o crédito do trabalhador possui natureza privilegiada

com relação aos demais, não podendo ser prejudicado.

O artigo 889 da CLT dispõe acerca da aplicação à execução trabalhista, de

forma subsidiária, da Lei nº 6.830/80, que em seu artigo 4º, § 3º revela que “os

responsáveis, inclusive as pessoas indicadas no § 1º deste artigo, poderão nomear

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bens livres e desembaraçados do devedor, tantos quantos bastem para pagar a dívida.

“Os bens dos responsáveis ficarão, porém, sujeitos à execução, se os do devedor forem

insuficientes à satisfação da dívida”.

A constante aplicação da doutrina da desconsideração na execução

trabalhista pode ser conferida nas ementas abaixo transcritas, oriundas de julgamentos

proferidos pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região:

AGRAVO DE PETIÇÃO. EXECUÇÃO CONTRA SÓCIO DA RECLAMADA

RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL. APLICAÇÃO DA TEORIA DA

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. POSSIBILIDADE.

IMPROVIMENTO.

Nega-se provimento a agravo de petição interposto por sócio da reclamada

que pretende ver declarada sua ilegitimidade para a execução, alegando não

ter participado do processo na fase de conhecimento. Em se considerando que

esteve presente nos quadros societários durante toda a vigência do contrato de

emprego e por todo o curso da reclamatória, inafastável o reconhecimento de

sua legitimidade e de sua responsabilidade pelo crédito obreiro, inclusive em

virtude da aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.

(TRT 15ª Reg., n. 26.731/2002-AP-0, Rel. Juiz Luis Carlos Cândido Martins

Sotero da Silva, j. 04.11.2002).

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA EMPRESA -

POSSIBILIDADE - INSUFICIÊNCIA DE BENS – NATUREZA ALIMENTAR DO

CRÉDITO - LEI Nº 6830/80. Perfeitamente aplicável no Direito do Trabalho a

Teoria da Desconsideração da Pessoa Jurídica na

fase de execução, quando amplamente provado nos autos a inexistência de

bens da executada suficientes para saldar o crédito do exeqüente, de natureza

eminentemente alimentar, e a qual encontra seu embasamento legal na Lei nº

6830/80. (TRT 15ª REg., n. 20212/2003-AP-9, Rel. Juíza Elency Pereira

Neves, j. 21.10.2003).

A aplicação da doutrina da desconsideração da personalidade jurídica na

esfera do processo de execução trabalhista, tem sido admitida no Colendo Tribunal

Superior Trabalho, conforme se denota pelas ementas abaixo transcritas:

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AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE DO SÓCIO.

TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. Teoria

da desconsideração da personalidade jurídica tem aplicação no Direito do

Trabalho sempre que não houver patrimônio da sociedade, quando ocorrer

dissolução ou extinção irregular ou quando os bens não forem localizados,

respondendo os sócios de forma pessoal e ilimitada, afim de que não se frustre

a aplicação da lei e os efeitos do comando judicial executório. Por outro lado,

para que o reclamado se beneficiasse do disposto no art. 10 do Decreto

3.708/19, era necessário que comprovasse que o outro sócio excedeu do

mandato ou que praticou atos com violação de contrato ou da lei, o que não é

o caso. Agravo de Instrumento a que se nega provimento. (TST, n. AIRR

22289-2002-900-09-00, Rel. Ministro João Batista Brito Pereira, j.

1114.11.2003)

RECURSO DE REVISTA. PROCESSO DE EXECUÇÃO DE SENTENÇA.

PENHORA SOBRE BEM DE SÓCIO. TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA

PERSONALIDADE JURÍDICA. Partindo da premissa de que os créditos

trabalhistas, ante a natureza alimentar de que são revestidos, são privilegiados

e devem ser assegurados, a moderna doutrina e a jurisprudência estão

excepcionando o princípio da responsabilidade limitada do sócio, com fulcro na

teoria da desconsideração da personalidade jurídica de forma que o

empregado possa, verificada a insuficiência do patrimônio societário, sujeitar à

execução os bens dos sócios individualmente considerados. Inocorrida afronta

a norma constitucional. (TST, n. RR – 2549-2000-01200-05-00, Rel. Juíza

convocada Helena Sobral Albuquerque e Mello, j. 07.03.2003).

Em suma, diante da análise da aplicação da doutrina da desconsideração

no processo de execução trabalhista, mostra-se que: se à época do ajuizamento da

ação já existem elementos satisfatórios evidenciando a necessidade de alcance de

terceiros na futura execução, estes devem ser inseridos desde logo no processo de

conhecimento, formador do crédito, para que lhes seja assegurado o efetivo exercício

do contraditório e da ampla defesa, com vistas a coibir a alegação de infração a

referidos dispositivos constitucionais na futura execução.

Entretanto, como demonstrado, inclusive pela remansosa jurisprudência, o

entendimento acima esposado não se constitui em regra absoluta, por tratar-se o

crédito trabalhista de crédito privilegiado.

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Deste modo, a aplicação da teoria da desconsideração na fase de

execução, como instrumento para alcance do patrimônio pessoal dos sócios,

geralmente independe da comprovação da possibilidade de inserção dos mesmos já no

processo de conhecimento, existindo a personalidade jurídica, e esta seja considerada

um empecilho ao adimplemento dos créditos dos obreiros, aplica-se a teoria da menor

desconsideração.

V - Considerações finais Ao final deste estudo, conclui-se que a doutrina da desconsideração da

personalidade jurídica está se constituindo num importante instrumento para satisfação

dos créditos trabalhistas perante a sociedade empresarial.

Certifica-se que a finalidade da doutrina é, sobretudo, coibir a fraude e o

abuso de poder praticado pela gestão irregular da pessoa jurídica, possibilitando, via de

regra, a afetação do patrimônio de terceiros responsáveis pela satisfação dos débitos.

Ressaltar que, com o advento do novo Código Civil, a teoria da

desconsideração foi, definitivamente, introduzida no ordenamento jurídico brasileiro,

expressa no disposto do artigo 50 deste diploma legal, cujo requisito para sua aplicação

é a existência de abuso de poder por parte da pessoa jurídica, caracterizado pelo

desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, que, sendo constatada a fraude ou

desvio, permite ao juiz aplicar a teoria e estender aos bens particulares dos sócios os

efeitos de certas e determinadas relações de obrigações que, em primeiro plano, seriam

de responsabilidade exclusiva da sociedade empresarial.

Verifica-se, ainda que a desconsideração ocorre somente para o efetivo

caso concreto, isto é, apenas para a satisfação dos créditos, pois, para as demais

relações jurídicas, a personalidade da empresa permanece intocável, diferentemente do

que ocorre na despersonificação societária, onde retira-se a qualidade de pessoa

jurídica da sociedade, que passa a não ser mais considerada como sujeito de direito

autônomo em relação a seus sócios.

Inerente ao processo do trabalho, constata-se a habitual aplicação da

chamada teoria menor da desconsideração, em face que, nesta ceara do direito, para a

aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, basta a existência de prejuízo

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para o credor hipossuficiente, o que já possibilita o afastamento da autonomia

patrimonial da sociedade empresária e o alcance dos bens de terceiros responsáveis,

para afetação, como é o caso do sócio. Esta possibilidade no âmbito do Direito do

Trabalho decorre da preferência concedida aos créditos trabalhistas, que possuem

caráter privilegiado, em razão de sua natureza alimentar.

Entretanto, como já abordado nesta pesquisa, o problema que se identifica,

diz respeito à aplicação da doutrina na fase de execução trabalhista, vez que os sócios,

quando atingidos nesta fase, geralmente alegam infração à garantia constitucional do

devido processo legal, em razão de não terem participado da relação processual na

fase de cognição, que é exauriente, onde o título executivo judicial foi formado, o que,

em tese, feriria a coisa julgada, infringindo, inclusive, o disposto no artigo 472 do

Código de Processo Civil, que determina que a sentença faz coisa julgada às partes

entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros.

Diante do impasse em questão, entendemos que algumas considerações

devem ser feitas.

Em primeiro lugar, destarte o caráter privilegiado do crédito trabalhista, ser

de natureza estritamente alimentar, consiste em fonte, muitas vezes única, de extração

da própria subsistência do obreiro e de sua família, constata-se um choque entre dois

direitos protegidos: o direito aos alimentos do trabalhador e o direito à defesa dos

sócios, onde, inevitavelmente, um desses direitos terá que se subjugar ao outro, sendo,

a nosso ver, o direito aos alimentos do obreiro preferível ao direito dos sócios à defesa

processual.

Em segundo lugar, o artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho

assevera que o empregado não assume os riscos da atividade econômica, devendo

este risco ser assumido pelo empregador, assim considerado a empresa, individual ou

coletiva. De ressaltar que o dispositivo não estabelecer o limite do risco econômico,

tampouco prevê em que circunstancias o empregador deve assumir.

Deste modo, se a empresa, pessoa jurídica, não possui mais ativo suficiente

para saldar os débitos com relação aos credores, entre eles o trabalhador, considera-se

uma realidade gerada pelos riscos da atividade econômica, os quais, como já

demonstrado, não podem ser assumidos pelo obreiro, por expressa disposição legal.

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Em terceiro lugar, a pessoa jurídica é uma ficção, criada para o

favorecimento do crescimento econômico, pois através dela proporcionou-se, e até hoje

proporciona-se, a instalação de grandes grupos econômicos, geradores de emprego e

estimuladores do desenvolvimento da economia, tendo em vista que, isolando-se a

pessoa da sociedade da pessoa de seus sócios, abre-se uma maior liberdade para as

sociedades empresariais operarem investimentos, já que o receio do alcance do

patrimônio pessoal dos sócios é reduzido quase à zero.

Assim, como a personalidade jurídica é uma ficção, ela não existe na

realidade, ou seja, a pessoa jurídica não toma decisões sozinha. São seus

representantes, os sócios, que agem em seu nome, ou seja, em seu nome negociam e

em seu nome contratam. Na verdade, todas as obras da pessoa jurídica não são por

ela praticadas, mas sim por seus representantes legais.

Em quarto lugar, oportuno salientar que, agindo em nome da pessoa

jurídica, os sócios tiveram a oportunidade de, ainda que de forma indireta, se utilizar

das garantias do contraditório e da ampla defesa durante o processo de conhecimento,

tendo em vista que, representando a sociedade, eles puderam acompanhar todo o

desenrolar do processo, dele não ficando alheios.

Assim sendo, diante dos pontos acima levantados, entendemos que há de se

admitir, na esfera do Direito do Trabalho, a aplicação da doutrina da desconsideração

da personalidade jurídica, ainda que esta aplicação ocorra em fase de execução de

sentença, tendo em vista a necessidade de se buscar um meio eficaz para a satisfação

dos créditos trabalhistas, que, como repetidas vezes mencionado, possuem natureza

alimentar.

Considera-se, ainda, a previsão no disposto do artigo 889 da CLT que prevê

acerca da aplicação à execução trabalhista, de forma subsidiária, da Lei nº. 6.830/80,

que no seu artigo 4º, § 3º determina que os bens dos responsáveis ficarão sujeitos à

execução, se os do devedor forem insuficientes à satisfação da dívida.

Aspecto interessante pode quando da época do ajuizamento da ação já

existem elementos satisfatórios, evidenciando a necessidade de alcance de terceiros na

futura execução, sugere-se que estes sejam inseridos desde logo no processo de

conhecimento, formador do crédito, para que lhes seja assegurado o efetivo exercício

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do contraditório e da ampla defesa, com vistas a coibir a alegação de infração a

referidos dispositivos constitucionais na futura execução.

Por fim, espera-se que a doutrina da desconsideração da personalidade

jurídica seja amplamente difundida no ordenamento jurídico brasileiro, que seja

positivada por meio de normas legais específicas ao tema, principalmente no âmbito do

processo do trabalho, para que sejam dissipadas as distorções interpretativas que,

porventura, ainda existam.

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