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Universidade Católica de Brasília PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO Relações Internacionais ESTADO, CAPITALISMO E COOPERAÇÃO INTERNACIONAL NO PROCESSO DE REVERSÃO DO AQUECIMENTO GLOBAL Autora: Priscilla Luz Otoni Orientador: M.Sc. José Romero Pereira Júnior BRASÍLIA 2008

Monografia - REL - UCB

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Estado, Capitalismo e Cooperação Internacional no processo de reversão do aquecimento global.

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Universidade Católica de

Brasília

PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

Relações

Internacionais

ESTADO, CAPITALISMO E COOPERAÇÃO INTERNACIONAL NO PROCESSO DE REVERSÃO DO

AQUECIMENTO GLOBAL

Autora: Priscilla Luz Otoni Orientador: M.Sc. José Romero Pereira Júnior

BRASÍLIA 2008

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PRISCILLA LUZ OTONI

ESTADO, CAPITALISMO E COOPERAÇÃO INTERNACIONAL NO PROCESSO DE REVERSÃO DO AQUECIMENTO GLOBAL

Monografia apresentada ao curso de graduação em Relações Internacionais da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Relações Internacionais. Orientador: M.Sc. José Romero Pereira Júnior

Brasília 2008

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Monografia de autoria de Priscilla Luz Otoni, intitulada “ESTADO,

CAPITALISMO E COOPERAÇÃO INTERNACIONAL NO PROCESSO DE

REVERSÃO DO AQUECIMENTO GLOBAL”, apresentada como requisito parcial

para obtenção do grau de bacharel em Relações Internacionais da Universidade

Católica de Brasília, em 12 de novembro de 2008, pela banca examinadora

constituída por:

Prof. M.Sc. José Romero Pereira Júnior Orientador

Relações Internacionais - UCB

Brasília 2008

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Dedico esta monografia ao meu pai, Otoniel Otoni, orientador integral da minha vida e do meu curso superior, sempre presente ao meu lado em todos os momentos dessa longa trajetória, crescendo junto comigo como internacionalista, mas, acima de tudo, como ser humano.

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AGRADECIMENTO

Agradeço aos meus pais, pelo apoio e paciência, ao Professor Mestre José Romero Pereira Junior, pela presença assídua, indispensável e enriquecedora no meu último ano acadêmico, ao Professor Doutor Rodrigo Pires de Campos, por sua estimulante contribuição à minha formação acadêmica, e a Deus, que me guiou e me deu forças para continuar, mesmo nos momentos mais difíceis.

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“Eu tenho um sonho [...]” (Martin Luter King)

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RESUMO

Referência: OTONI, Priscilla Luz. Estado, Capitalismo e Cooperação Internacional no Processo de Reversão do Aquecimento Global. 2008. 80. Relações Internacionais-UCB. Brasília. 2008.

O presente estudo analisa o diagnóstico do Painel Intergovernamental de Mudança do

Clima (IPCC) sobre a atual situação climática do planeta e explora a relação causal entre a dinâmica de funcionamento do Capitalismo e o aquecimento global, bem como seus efeitos adversos para a civilização, para o equilíbrio do sistema climático e para a manutenção da biodiversidade. Dentro desse contexto, analisa o papel do Estado no mundo capitalista globalizado e constata a necessidade do seu fortalecimento, para fazer face aos novos desafios da sociedade, associados à gravidade da crise climática. Além disso, identifica a ameaça representada pela elevação da temperatura do planeta como motivadora da busca por soluções conjuntas para os problemas ambientais. Nesse sentido, considera fundamental a influência da consciência coletiva na reversão da escala de poder entre Estado e Capitalismo e a cooperação internacional no processo de mitigação do aquecimento global.

Palavras-chave: Aquecimento Global. Estado. Capitalismo. Cooperação Internacional. Consciência Coletiva.

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Abstract

This study presents a diagnosis of the present climate of the planet and explores the causal

relationship between the dynamics of the functioning of capitalism and global warming

and its adverse effects on civilization, for the balance of the climate system and to maintain

biodiversity. Within this context, examines the role of the state in the globalized capitalist

world and notes the need for state strengthening, to meet the new challenges of society,

associated with the severity of the climate crisis. Furthermore, it identifies the threat posed

by the rise of temperature of the planet as motivating the search for joint solutions to

environmental problems. In this sense, considers it essential to influence the collective

consciousness in the reversal of the scale of power between the State and Capitalism and

international cooperation in the miigation of global warming.

Key-words: Global Warming. State. Capitalism. International Cooperation. Collective

Consciousness.

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LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Mudança nos Gases de Efeito Estufa a partir de Dados de Testemunho de

Gelo e Dados Modernos................................................................................ 33

Figura 2 - Variação de Temperatura de 1850 a 2000..................................................... 34

Figura 3 - Mudanças na Temperatura, no Nível do Mar e na Cobertura de Neve do Hemisfério Norte........................................................................................... 41

Figura 4 - Tempestades no Atlântico Norte................................................................... 42

Figura 5 - Principais Impactos como Função do Aumento da Temperatura Global Média............................................................................................................. 42

Figura 6 - Origem da Energia Elétrica Consumida pela Economia Mundial em 2005.. 50

Figura 7 - Responsabilidade Ambiental Corporativa e Aquecimento Global................ 52

Figura 8 - Mapa Representativo da Projeção de Crescimento Econômico Mundial para 2015....................................................................................................... 62

Figura 9 - Mapa Representativo da Emissão Mundial de Gases de Efeito Estufa......... 63

Figura 10 - Aquecimento Global – Relação de Causa e Efeito........................................ 69

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LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Algumas Extinções em Massa..................................................................... 31

Tabela 2 - Evolução da Concentração de Gases de Efeito Estufa no Planeta.............. 32

Tabela 3 - Principais Países Emissores de CO2......................................................................................... 61

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

AIDS – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida

CMDMA – Comissão Mundial sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente

CNRS – Centro Nacional de Pesquisa Científica da França

EUA – Estados Unidos da América

IPCC – Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima

NOAA – National Oceanic Atmospheric Administration

ODMs – Objetivos de Desenvolvimento do Milênio

ONG – Organização não Governamental

ONU – Organização das Nações Unidas

PIB – Produto Interno Bruto

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

ppb – Partes por bilhão

ppm – Partes por milhão

Unep – Organização das Nações Unidas para o Meio Ambiente

UNFCCC – Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima

WMO – Organização Meteorológica Mundial

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................12

1.1 O PROBLEMA E SUA IMPORTÂNCIA .....................................................................12 1.2 HIPÓTESE .....................................................................................................................17 1.3 OBJETIVOS...................................................................................................................17

1.3.1 Objetivo Geral .........................................................................................................17 1.3.2 Objetivos Específicos ..............................................................................................17

1.4 METODOLOGIA...........................................................................................................18

2 REFERENCIAL TEÓRICO .................................................................................................20

2.1 Marco Teórico ................................................................................................................20 2.1.1 Pluralismo................................................................................................................21 2.1.4 Globalismo ..............................................................................................................25 2.1.5 Desenvolvimento Sustentável..................................................................................26

3 DIAGNÓSTICO DO AQUECIMENTO GLOBAL............................................................28

3.1 O MUNDO SOB UMA NOVA REALIDADE GLOBAL – A DISSEMINAÇÃO DO PROBLEMA ..................................................................................................................28

3.2 CÉTICOS X APOCALÍPTICOS - ANÁLISE DAS CORRENTES CIENTÍFICAS E AS EVIDÊNCIAS DO AQUECIMENTO GLOBAL ...................................................31

3.3 A ORIGEM – REVOLUÇÃO INDUSTRIAL, CAPITALISMO E MEIO AMBIENTE ...................................................................................................................37

3.4 INTENSIFICAÇÃO DA CRISE AMBIENTAL E PROJEÇÕES CLIMÁTICAS PARA O SÉCULO XXI ............................................................................................................40

4 O PAPEL DO ESTADO NO MUNDO CAPITALISTA GLOBALIZADO – NECESSIDADE DE AJUSTES ...........................................................................................45

4.1 A REDUÇÃO DO ESTADO E A EXPANSÃO DO CAPITALISMO .........................45 4.2 PRÁTICAS ANTROPOGÊNICAS INDUTORAS DO AQUECIMENTO GLOBAL .48

5 A MITIGAÇÃO DO AQUECIMENTO GLOBAL VIA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL..............................................................................................................57

5.1 O CAMINHO PARA A SOLUÇÃO – INICIATIVAS DE REVERSÃO .....................57 5.1.1 A Fundamental Consciência Coletiva .....................................................................65

6 CONCLUSÃO ......................................................................................................................70

7 RECOMENDAÇÕES...........................................................................................................76

REFERÊNCIAS.......................................................................................................................77

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1 INTRODUÇÃO

1.1 O PROBLEMA E SUA IMPORTÂNCIA

As mudanças climáticas no planeta e seus efeitos adversos atingem toda a

humanidade, em maior ou menor grau, de acordo com o nível de desenvolvimento

econômico e a localização geográfica. O agravamento do processo de degradação

ambiental tem provocado o aquecimento global e acarretado cenário de incertezas.

As distintas interpretações em torno da origem desencadeadora do problema têm

dificultado o necessário consenso para a efetivação de acordos sobre o tema, na

busca da conciliação entre crescimento econômico e sustentabilidade.

Estudos e pesquisas científicas indicam ser o desequilíbrio no meio ambiente

impulsionado por atividades humanas inadequadas à preservação ambiental,

fundamentadas em um Capitalismo desregulamentado, cuja consolidação, segundo

Luttwak (2001), teve início no final da década de 1970.

A problemática em torno do aquecimento global e seus riscos sistêmicos

assume, hoje, papel de destaque na Agenda Internacional. O tema, complexo e

polêmico, tem sido alimentado por diagnósticos científicos, indicativos da

intempestividade de qualquer ação de reversão do quadro que não seja imediata.

As iniciativas destinadas a despertar a comunidade internacional para a

relevância e urgência da busca de soluções tiveram início em 1972 na Conferência

das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, com o objetivo de mostrar a

importância de se estabelecer critérios e princípios comuns para proporcionar aos

povos do mundo inspiração e guia para preservar e melhorar o ambiente humano

(DECLARAÇÃO DE ESTOCOLMO SOBRE O AMBIENTE HUMANO, 1972).

Em 1987, na Comissão Mundial sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente

(CMDMA), surgiu o conceito de desenvolvimento sustentável – atender as

necessidades do presente sem comprometer as necessidades de gerações futuras –

cujo objetivo era definir rumos para integrar o desenvolvimento econômico às

questões sócio-ambientais. Nesse mesmo ano, já surgiam discussões quanto à

relevância de se promover uma convenção mundial sobre o clima.

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Criou-se, então, em 1988, o Painel Intergovernamental sobre Mudança do

Clima (IPCC), marco inicial da definição de mecanismos para a formação de uma

consciência ecológica mundial de combate efetivo ao aquecimento global,

considerado, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento –

PNUD (2008), a maior ameaça já vivenciada pela humanidade.

Do IPCC, emergiu o principal regime internacional sobre as alterações

climáticas, assinado em junho de 1992, no Rio de Janeiro, durante a Conferência

das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento. Esse regime está

assentado na Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima

(UNFCCC) e no Protocolo de Quioto1. A cada cinco anos, o IPCC lança relatório

baseado na revisão de pesquisadores e cientistas dos países membros da ONU.

Os cientistas do Painel atribuem à humanidade 90% da responsabilidade

pelas alterações do clima no planeta e estimam aumento da temperatura entre 1,8°C

e 4°C, ainda neste século, e apresentam evidências sobre alterações do clima,

indicadoras da existência de grandes riscos, respaldados em fatos concretos como o

derretimento das calotas de gelo na Groelândia e no Oeste da Antártida, a enorme

perda de biodiversidade e as mudanças no curso da corrente do Golfo,

transformações determinantes de sérias alterações nos padrões climáticos.

Todavia, o documento afirma ser possível deter o aquecimento global se o processo

de redução das emissões de gases estufa for iniciado antes de 2015 (IPCC, 2007).

Após décadas de alertas sobre os efeitos das ações humanas na elevação da

temperatura do planeta, as iniciativas de contenção do problema surtiram poucos

efeitos positivos na busca por mitigações. O Regime Internacional de Mudança

Climática foi criado ao ser reconhecida a importância do estabelecimento de ações

de cooperação, nas quais os países envolvidos busquem, por meio de negociações

e concessões, ajustes políticos para produzir avanços no combate ao problema da

degradação ambiental.

1 A Convenção Quadro das Nações Unidas para Mudança do Clima e o Protocolo de Quioto são os

principais instrumentos do Regime Internacional de Mudanças Climáticas, cujo objetivo principal se sustenta na estabilização das concentrações de gases estufa na atmosfera e na necessidade de transformar os modelos de desenvolvimento vigentes, em consonância com a conservação e proteção dos ecossistemas do planeta. O Protocolo é um desdobramento da Convenção, aprovado em 1997 na cidade de Quioto, no Japão. O acordo estabelece metas de redução na emissão de gases causadores do efeito estufa em pelo menos 5,2% em relação aos níveis apresentados em 1990 (REGIME INTERNACIONAL DE MUDANÇA DO CLIMA, 1992; PROTOCOLO DE QUIOTO, 1997).

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Na prática, o êxito da cooperação esbarra na conveniência política dos

Estados em prover interesses economicamente vantajosos, em consonância com o

princípio capitalista de maximização de lucros.

Para Viola (2002, p. 19),

diminuir as emissões de carbono teria custos significativos no curto prazo. Entre o medo de uma mudança climática incerta e num futuro distante e a perspectiva imediata de queda no padrão de vida material, a maioria dos países inclinou-se, então, em favor da manutenção de seu padrão.

Por isso, a resistência em adotar as medidas necessárias para reverter o

aquecimento da Terra tem gerado lentidão estrutural nos processos de negociação

de acordos, a exemplo do Protocolo de Quioto.

Um dos problemas fundamentais da viabilidade desse Protocolo deriva do fato de ele ter sido aprovado no interior de uma negociação extremamente difícil e emergencial. Além disso, vários artigos-chaves ficaram em suspenso, devendo ser discutidos em uma conferência posterior. (VIOLA, 2002, p. 26).

Diante do preocupante cenário exposto, se torna fundamental reduzir a

concentração de gases estufa na atmosfera para reverter o aquecimento e tornar o

modelo de desenvolvimento aderente a práticas adequadas de conservação e

proteção dos ecossistemas do planeta. Conciliar os ajustes nesse modelo com a

preservação ambiental é um grande desafio, potencializado pela dinâmica de

funcionamento do Capitalismo, indutora de ações humanas, livres, mas por vezes

comprometedoras da estabilidade climática.

As preocupações quanto a esse padrão desenvolvimentista, considerado por

Santos (2006) perverso e totalitário, surgiram ainda na década de 1930, em obras

literárias, a exemplo de “Admirável Mundo Novo” de Aldous Huxley, na qual o autor

apresenta reflexão sobre os caminhos da civilização sob o modelo fordista de

produção, ainda incipiente em seu tempo, em que os indivíduos são meros produtos

do sistema. Essa reflexão de Huxley (1932) relaciona-se à teoria de Marx em que o

homem é produzido e reproduzido pelo sistema no qual está inserido. Assim, a

referida obra, relata todo o processo de castração e domesticação de uma

sociedade totalitária, desumanizada e de excessiva ordem, na qual todos os

homens, em busca da eficiência gerada pela coletividade da produção em massa,

perdem totalmente a individualidade e o livre arbítrio.

Dessa forma, as massas têm seus gostos e costumes modificados por

mecanismos e estratégias que visam despertar o desejo ao consumo intransitivo e

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criam necessidades, muitas vezes supérfluas, nos indivíduos dominados pelo

sistema, em prol de uma aparente harmonia na sociedade.

Os resultados disso criam, para Lïdi (1994 apud HAESBAERT, 2001, p. 23),

um

[...] mundo “sem sentido” onde os valores da modernidade racionalista e tecnicista são cada vez mais questionados, sem que um novo conjunto de valores esteja sendo formulado e/ou aprofundado e difundido. O mundo estaria vivenciando um gap brutal entre uma débil produção de sentido (para a vida humana) e uma potência tecnológica e de destruição nunca tão fortalecida. Mesmo com toda a sua eficácia econômica, o capitalismo não é capaz de dar um sentido à vida coletiva, propor um projeto social efetivo, a não ser o “evangelho da competitividade” e a lógica da mercadoria e do consumismo.

Esse novo mundo emerge da globalização, ou globaritarismo, como prefere

Santos (2006), com a flexibilização dos circuitos produtivos, no molde pós-fordista

de produção, cuja difusão de subcontratações, de terceirizações e de empregos

temporários é característica principal.

Paralelamente a esse processo de flexibilização e inovação dos modos de

produção, a intensa competitividade gerada pelo livre mercado acarreta diminuição

dos preços e aumento na demanda por bens e serviços. Inovadores produtos

surgem no mercado com velocidade surpreendente, despertando novos desejos nos

indivíduos, cujas propensões a consumir crescem consideravelmente.

Para Haesbaert (2001, p. 13),

A globalização contemporânea é vista antes de tudo como um produto da expansão cada vez mais ampliada do capitalismo e da sociedade de consumo, acarretando uma crescente mercantilização da vida humana, que teria atingido níveis inéditos na história. Numa sociedade moldada pelo fetichismo da mercadoria, dominada pela lógica contábil, em que tudo é transformado em grandezas abstratas, passível de ser comprado e vendido, fica difícil imaginar a manifestação de outras culturas ou “civilizações” com distintos padrões de organização e sociabilidade.

A definição desse autor para globalização evidencia um período de grandes

contradições, complexidade e fluidez. O binômio Capitalismo-Globalização modificou

profundamente a composição do sistema internacional e os valores da sociedade.

A estruturação dessa nova lógica, global e transformadora, delineada pela

desregulamentação do Capitalismo e pela defesa do livre mercado, proporcionou, de

acordo com Matias (2005), o surgimento do ciberespaço e a crescente influência do

mercado e das empresas transnacionais nas ações dos Estados, a reduzirem,

significativamente, sua autonomia e poder. Assim, eles estão cada vez mais

expostos às pressões dos mercados mundiais e são forçados a se adaptarem e

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agirem de acordo com políticas liberalizantes (maior mobilidade de capital financeiro,

produção, investimentos globais, expansão do comércio) (SCHIRM, 1999).

Como resultado desse processo, as grandes corporações apátridas e o fluxo

de capitais circulam livremente pelo espaço mundial, intensificam a concorrência e

reduzem a margem de ação do Estado, percebido, segundo Pio (2002), como

instrumento de poder de grupos particulares, em prol de interesses específicos.

Dessa forma, se encontra, a cada dia, mais ausente da sua função de assegurar o

bem-estar dos seus cidadãos.

Portanto, tendo presente a realidade do desequilíbrio climático e do

conseqüente e preocupante aquecimento global, bem como o contexto complexo em

que se dão as tentativas de entendimentos para a busca da mitigação do problema,

a ausência de iniciativas concretas para a sua reversão ainda não permite

vislumbrar perspectiva de solução.

A negligência em relação ao tema por parte de países com potencial para

liderar o processo deveria, em princípio, produzir expectativa inversa quanto à

solução necessária. Entretanto, a Academia e seus instrumentos, como armas na

guerra da informação e do conhecimento, protagonista em outras crises, poderá,

agora, fazer a diferença na formação da consciência coletiva como fator básico para

a mudança necessária.

Este estudo pretende, então, oferecer uma parcela de contribuição para o que

pode vir e se tornar uma grande cruzada acadêmica contra as causas

antropogênicas do aquecimento global, cuja adequação é imprescindível para a

solução do problema climático. O internacionalista, cujo caráter universal permite

atuação em um vasto campo de conhecimento e o credencia à vanguarda desse

processo, deverá exercer considerável influência tanto na formação da opinião

pública quanto nos processos decisórios de formulação de políticas de Estado e nas

negociações internacionais.

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17

1.2 HIPÓTESE

A dinâmica de funcionamento do Capitalismo é fator causal importante do

aquecimento global e requer ajustes para os quais é necessário o fortalecimento do

Estado, mediante o estabelecimento de novo arcabouço regulamentar, propício à

transformação da atual insuficiência das iniciativas de mitigação em caminho viável

e imprescindível para a solução do problema, dentro de um contexto de cooperação

internacional.

1.3 OBJETIVOS

1.3.1 Objetivo Geral

Analisar a relação causal entre a dinâmica de funcionamento do Capitalismo

e o Aquecimento Global, bem como verificar a forma e a importância da atuação do

Estado e da cooperação internacional para induzir e viabilizar iniciativas de reversão

do desequilíbrio climático do planeta.

1.3.2 Objetivos Específicos

• Analisar o diagnóstico do IPCC sobre o aquecimento global, identificar sua

origem e causas e analisar cenários prováveis de conseqüências e riscos.

• Aprofundar o entendimento do papel do Estado no mundo capitalista

globalizado, com vista a identificar melhores formas para sua atuação diante

do problema.

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18

• Avaliar o grau de importância da cooperação internacional e da participação

da consciência coletiva, na busca de caminhos para a reversão do

aquecimento global.

1.4 METODOLOGIA

O presente estudo partirá do diagnóstico do IPCC sobre a atual condição

climática do planeta, por meio de análise minuciosa do sistema climático e do

processo de aquecimento global e suas causas físicas (fenômenos climáticos) e

estruturais (dinâmica de funcionamento do Capitalismo), bem como das projeções

de riscos e conseqüências (intensificação de secas e tempestades, ondas de calor,

perda de biodiversidade, etc.), para verificar a necessidade e a urgência de se

empreender ações para mitigação do problema e avaliar a suficiência das iniciativas

existentes. Para isso, serão abordados os conceitos de desenvolvimento

sustentável, de interdependência complexa, de cooperação internacional e de

comunidades epistêmicas e, também, serão analisados documentos e relatórios

sobre o tema, com destaque para relatórios do Painel Intergovernamental de

Mudança do Clima (IPCC) e do Regime Internacional de Mudança Climática e o

Protocolo de Quioto. Como fontes secundárias, serão analisadas, revistas, artigos

científicos, livros e publicações em sítios da Internet.

Será apresenta análise das transformações acarretadas pelo sistema

internacional vigente, moldado pelo binômio Capitalismo-Globalização, e seu

impacto sobre a atuação do Estado, frente ao surgimento de novos atores na arena

internacional e ao avanço das empresas transnacionais pelo mundo. Procurar-se-á

demonstrar a inadequação desse modelo para a preservação do meio ambiente

natural e humano, bem como identificar a influência das práticas antropogênicas,

responsáveis pelo agravamento do desequilíbrio climático. Para tanto, as obras de

Santos (2006), Haesbaert (2001), Souza (2008), Luttwak (2001), Matias (2005), Pio

(2002) e Schirm (1999) servirão de base.

Será exposta a controvérsia entre as duas correntes existentes em torno do

assunto e fundamentada a adoção da interpretação da corrente antropogênica no

presente trabalho.

Page 20: Monografia - REL - UCB

19

As informações serão organizadas de forma a demonstrar a relação causal

entre Capitalismo e aquecimento global, assim como a importância de ações bem

orientadas do Estado, dentro de um cenário de cooperação internacional, para o

combate ao problema das mudanças climáticas e seus riscos sistêmicos para o

futuro da humanidade.

Page 21: Monografia - REL - UCB

20

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 MARCO TEÓRICO

Compreender a realidade e a complexidade das relações internacionais é um

grande desafio em um mundo heterogêneo e em contínuas transformações. Os

choques de posicionamentos, percepções e interesses entre Estados e outros

atores, bem como as distintas visões de mundo das grandes civilizações, são fatores

indicativos de uma realidade em permanente mutação.

Por isso, originaram-se, no decorrer do tempo, grandes debates teóricos,

mediante os quais estudiosos e pesquisadores da disciplina buscaram explicar o

contexto internacional da maneira mais adequada possível. Na medida em que

ocorriam mudanças na estrutura e no funcionamento do sistema, outras

circunstâncias e realidades globais surgiam, abrindo caminhos para desenvolver

novos conhecimentos e consolidá-los em teorias mais precisas sobre a realidade

das relações internacionais.

O presente estudo pretende compreender a realidade e as causas físicas e

estruturais do aquecimento global, bem como identificar, objetivamente, os reflexos

e o grau de influência do processo de expansão do Capitalismo sobre esse

fenômeno climático e sobre o poder e a participação do Estado no sistema

internacional. Para tanto, será fundamental a utilização de determinadas abordagens

teóricas do campo das relações internacionais, como, Pluralismo e Globalismo

(VIOTTI; KAUPPI, 1998), além de fundamentos de Desenvolvimento Sustentável

(NOSSO FUTURO COMUM, 1987).

A visão pluralista das relações internacionais será útil para aprofundar a

compreensão das modificações acarretadas pelo Capitalismo e perceber como

atores transnacionais, a exemplo das Organizações Internacionais e não

governamentais, das corporações multinacionais e dos grupos ambientalistas,

exercem pressão sobre os governos e influenciam a política estatal. Tal abordagem

fornecerá os elementos necessários para entender qual o papel exercido pelo

Estado no atual sistema internacional.

Page 22: Monografia - REL - UCB

21

Ainda dentro dessa perspectiva, serão utilizados fundamentos de

interdependência complexa, cooperação internacional, comunidades epistêmicas e

do conceito de Regime Internacional (KEOHANE,1984; VIOTTI; KAUPPI, 1998).

A ótica globalista das relações internacionais, por seu turno, será a base para

compreender o funcionamento e o processo de expansão do Capitalismo, bem como

contribuir para perceber como a globalização modificou os modos de produção, os

valores da sociedade, o papel do Estado e as relações homem-natureza, com vistas

a associar o grau de participação do Capitalismo nas causas do aquecimento global.

Nessa abordagem teórica, a disposição para cooperar é quase inexistente. O

presente estudo pretende verificar o grau de capacidade e interesse dos atores

envolvidos nas questões ambientais, para converterem iniciativas de cooperação em

ações viáveis para a solução do problema. Para tanto, será fundamental analisar

alguns aspectos da realidade sob a perspectiva globalista das relações

internacionais. Nessa visão, são destacadas as relações de exploração impostas

pelo sistema, fazendo da desigualdade parte intrínseca da realidade internacional,

de tal modo que as relações de interdependência assumem um sentido de controle

das economias desenvolvidas sobre as emergentes e periféricas e acentuam a

discrepância entre ricos e pobres.

Por fim, os fundamentos do desenvolvimento sustentável servirão de alicerce

para justificar e advertir sobre a necessidade de adaptação do sistema capitalista e

do modelo de desenvolvimento vigente a novas realidades e circunstâncias globais,

agravadas pelo desequilíbrio climático.

Portanto, as vertentes pluralista e globalista, bem como as noções de

desenvolvimento sustentável, se complementarão na análise deste trabalho, com

vistas a construir uma visão macro da realidade para compreender, com mais

precisão, as complexas relações internacionais.

2.1.1 Pluralismo

O Pluralismo se contrapõe a teoria realista das relações internacionais e,

segundo Viotti e Kauppi (1998, p. 199-200), é fundamentado em quatro premissas:

Page 23: Monografia - REL - UCB

22

1. Os atores não estatais têm grande importância na política mundial, equiparando-se ao Estado em determinadas situações.

2. O Estado não pode ser considerado um ator unitário, por ser composto por diversos segmentos da sociedade e da política, como burocracias e grupos de interesse.

3. O Estado não é um ator racional. 4. A interdependência crescente entre Estados e sociedades criou uma

agenda internacional a transcender temas de segurança nacional, pois, inclui também, questões econômicas, ecológicas, sociais e culturais.

A partir desses pressupostos, percebe-se como o surgimento e a ascensão

de atores transnacionais a uma posição de destaque na arena internacional

modificaram profundamente o papel do Estado na arena internacional.

Por isso, os pluralistas reiteram a crescente importância das relações de

cooperação, com vistas a captar as relações de interdependência e interações

estabelecidas entre todos os atores envolvidos na política mundial. Além disso,

negam a tese realista da hierarquia do sistema internacional, embasada nas

questões de segurança nacional. Insistem, então, na importância relativa das

questões internacionais, cuja proeminência varia segundo a conjuntura e os

diferentes foros de atuação dos atores.

Assim, a imagem pluralista das relações internacionais é predominantemente

a de uma teia de aranha, na qual todos os elementos estão interligados e um ponto

afetará os demais ao seu redor.

Em resumo, os teóricos dessa abordagem destacam mudanças na realidade

do sistema internacional, como resultado da transferência de parte da soberania

estatal aos atores transnacionais, os quais passam a adquirir características

supranacionais.

2.1.1.1 Cooperação Internacional, Regimes Internacionais e Interdependência

Complexa

Nesse contexto, é relevante olhar a realidade sob o ponto de vista da teoria

da cooperação internacional, para entender a importância dos regimes

internacionais e a atuação das comunidades espistêmicas, como manifestações

inequívocas do fenômeno da interdependência acunhado por Keohane (1984).

Page 24: Monografia - REL - UCB

23

Essa teoria parte do pressuposto da existência de interesses comuns e

examina as condições sob as quais esses interesses conduzem os Estados a

situações de cooperação. A crescente interdependência econômica torna essencial

a cooperação, haja vista interesses comuns criarem demanda significativa por

instituições internacionais e regras. Cooperação internacional pode ser definida,

então, como “ajustes mútuos nas políticas de governo por meio de um processo de

coordenação política” (MARTIN, 1993, p. 435).

Krasner (1983 apud KEOHANE, 1984, p. 57) conceitua regime internacional

como “um conjunto de princípios, normas, regras e procedimentos decisórios,

explícitos e implícitos, em torno dos quais as expectativas dos atores convergem em

uma dada área das relações internacionais”. Nesse conceito, os princípios são

crenças de fato, as normas são padrões de comportamento definidos como certos e

errados, as regras são prescrições específicas ou prognósticos para ações, e, por

fim, os procedimentos decisórios são práticas prevalecentes para fazer e

implementar escolhas coletivas. Assim, para o autor, os interesses comuns dos

Estados capitalistas, fortalecidos pelos efeitos de regimes internacionais existentes,

implicam maior possibilidade de ocorrer cooperação internacional.

As transformações acarretadas pelo binômio Globalização-Capitalismo

delinearam novas realidades no mundo contemporâneo e o fenômeno da

transnacionalização, abordado pelo pluralismo, serviu para abandonar a falsa

imagem de um mundo imerso em comportamentos beligerantes por parte dos países

e para abordar essa dimensão mais cooperativa das relações internacionais.

Com os avanços científicos e tecnológicos e a revolução das comunicações,

bem como com a intensificação das transações econômicas e o esgotamento dos

recursos naturais surge, cada vez mais, a necessidade de cooperar e coordenar

políticas entre as distintas unidades do sistema, a fim de fornecer uma resposta mais

eficaz às novas realidades globais. Nesse sentido, os regimes internacionais indicam

as situações existentes em campos concretos da atividade internacional.

É importante ressaltar que cooperação não implica ausência de conflitos.

Para Keohane (1984), a discórdia é parte intrínseca da possibilidade de ações

cooperativas. Sem discórdia se estabelece uma situação de harmonia, na qual as

políticas dos atores automaticamente facilitam a consecução dos objetivos dos

outros. Harmonia difere de cooperação, pois esta, necessariamente, envolve

discórdia para estimular ajustes mútuos.

Page 25: Monografia - REL - UCB

24

Dessa forma, a cooperação existe quando as políticas seguidas por um

governo são percebidas por seus parceiros como facilitadoras da realização de seus

próprios interesses, como resultado de um processo de coordenação política. Os

regimes internacionais, nesse processo, são mecanismos formalizadores de uma

situação de cooperação, na qual os Estados pautam suas discussões e negociações

na busca de entendimento e convergência sobre questões determinadas.

2.1.1.2 Comunidades Epistêmicas

É interessante perceber, nesse contexto, como atuam as comunidades

epistêmicas e qual o grau de importância desses grupos na formulação de políticas

estatais e na formação de regimes internacionais.

Comunidades epistêmicas são redes de cientistas, especialistas e

profissionais com reconhecido prestígio em uma determinada área de conhecimento

(HAAS, 1992). Segundo Haas (1992), esses grupos são agentes cruciais na

coordenação política internacional, na medida em que detêm grande poder de

influência e pressão, por difundirem novas idéias e informações, as quais podem

interferir diretamente nas decisões estatais em um processo de negociação.

Desse modo, essas comunidades são atores transnacionais com papel

preponderante não só para elaborar e administrar informações, mas, também, para

aconselhar Estados sobre as relações de causa e efeito de determinadas políticas.

Nesse sentindo, esses grupos de conhecimento podem exercer significativa

influência no processo de configuração das agendas dos governos. Portanto,

contribuem de forma concreta para o desenvolvimento da política internacional e

para a criação de instituições condutoras do comportamento do Estado, para reduzir

os problemas de ação coletiva.

Page 26: Monografia - REL - UCB

25

2.1.4 Globalismo

Na abordagem de Viotti e Kauppi (1998, p. 341-343), a teoria globalista das

relações internacionais está fundamentada em quatro pressupostos:

1. É necessário compreender o contexto global dentro do qual cada Estado ou outras entidades interagem. Para isso, todos os níveis de análise são considerados (individual, burocrático, social, entre Estados ou entre sociedades.). O comportamento de atores é explicado por um sistema que lhes constrange ou dá oportunidades.

2. A análise histórica é relevante para compreender a estrutura do sistema internacional, seus mecanismos de dominação e as causas da desigualdade, etc.

3. Há determinados mecanismos de dominação para impedir o desenvolvimento homogêneo do mundo.

4. Fatores econômicos são absolutamente determinantes. Os demais fatores (políticos, sociais) são totalmente dependentes da economia, e não um domínio autônomo como acreditam os realistas e pluralistas.

Essa abordagem teórica enfatiza a divisão Norte-Sul do mundo, mesmo para

explicar períodos como a Guerra Fria, quando o globo dividiu-se em Leste-Oeste,

pois, para os globalistas, os países socialistas também estavam inseridos em uma

lógica econômica global capitalista impositiva.

Evita-se utilizar o termo marxismo para o paradigma globalista, uma vez que,

tanto marxistas quanto não-marxistas, desenvolvem suas análises sob o ponto de

vista do globalismo. Partem do pressuposto de que a análise das relações

internacionais está intrinsecamente arraigada ao sistema capitalista mundial ou às

relações de dependência da economia política global.

Os teóricos dessa corrente são pessimistas quanto ao caráter pacífico das

relações internacionais baseado na cooperação como forma de reverter o quadro

dos países menos desenvolvidos. Para eles, a natureza hierarquizada do sistema

internacional capitalista dificulta concessões de nações desenvolvidas às nações

subdesenvolvidas. Por isso, propõem uma passagem revolucionária da ordem

mundial atual (de divisão internacional do trabalho e imperialismo reciclado) para

uma nova ordem mundial.

Os globalistas reconhecem a anarquia do sistema internacional, assim como

os realistas. Contudo, se para os realistas é necessário estabelecer a ordem no

sistema internacional através do equilíbrio de poder ou do exercício de poder

hegemônico (estabilidade ou guerra), para os globalistas é a própria economia

Page 27: Monografia - REL - UCB

26

capitalista de mercado que ordena o relacionamento dos atores do sistema

internacional.

Então, de acordo com essa vertente teórica das relações internacionais, a

cooperação é mais um mecanismo para legitimação e manutenção do sistema

capitalista.

2.1.5 Desenvolvimento Sustentável

Desenvolvimento Sustentável é aquele capaz de suprir as necessidades da

geração atual sem comprometer a capacidade de atender as necessidades de

futuras gerações (NOSSO FUTURO COMUM, 1987). Esse conceito foi apresentado

em 1987 pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, ou

Comissão Brundtland, criada pelas Nações Unidas (ONU) para discutir e propor

novos rumos para o desenvolvimento da humanidade e do planeta Terra, pautados

no equilíbrio entre desenvolvimento econômico e conservação ambiental.

Os ideais do desenvolvimento sustentável transcendem preocupações

específicas como: a racionalização do uso da energia, o desenvolvimento de

técnicas substitutivas do uso de bens não-renováveis, o adequado manejo de

resíduos, dentre outros. Na verdade, os fundamentos da sustentabilidade

consideram, principalmente, o reconhecimento de que a pobreza, a desigualdade, a

deterioração do meio ambiente e o crescimento populacional estão indiscutivelmente

interligados e não podem ser analisados de forma isolada.

O grande desafio é tornar o modelo de desenvolvimento econômico pós-

fordista vigente favorável a práticas adequadas de conservação e proteção do meio

ambiente. A dificuldade em conciliar os ajustes necessários é potencializada pela

dinâmica de funcionamento do Capitalismo, indutora de ações humanas livres, mas,

por vezes, comprometedoras da estabilidade climática.

Para ser sustentável, qualquer empreendimento humano deve ser

ecologicamente correto, economicamente viável, socialmente justo e culturalmente

aceito. A conciliação entre esses fatores e o engajamento de todos os atores

(empresas transnacionais, ONGs, governos, sociedade civil, etc.) envolvidos para

Page 28: Monografia - REL - UCB

27

formular um novo modelo para o desenvolvimento, são necessários para garantir a

eficácia das práticas sustentáveis.

Entretanto, após duas décadas da sua criação, o processo de aplicação do

conceito ainda avança lenta e inconstantemente. Esse fato é potencializado pelo

caráter multidisciplinar do processo, devido à necessidade de envolver uma

diversidade de atores e promover mudanças políticas, econômicas e sociais, a

afetarem opiniões e decisões em diferentes setores de diversas partes do mundo.

Tudo isso dificulta o comprometimento necessário para fomentar o alcance das

adaptações para o novo modelo de desenvolvimento.

A falta de clareza do conceito também reflete negativamente na sua dinâmica

de aplicação, devido à exigência de grande esforço para a construção de

ferramentas, modelos e um arcabouço institucional capaz de apoiar e estimular

todos os atores do processo a aderirem aos novos princípios, fundamentados na

utilização racional dos recursos naturais do planeta, na governança responsável e

na ética empresarial.

Portanto, para equilibrar eficiência econômica e conservação ambiental é

necessário adotar técnicas para garantir mudanças no padrão de consumo da

sociedade capitalista e reduzir a produção não sustentável, na tentativa de

estabelecer um sistema econômico consciente da questão ambiental. Sendo assim,

para alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção ambiental deve constituir-

se parte integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada

isoladamente deste.

O agravamento dos problemas climáticos contribuiu para a constatação de

que os recursos naturais são finitos e elevou as questões ambientais à posição de

destaque tanto na agenda internacional quanto nas mais diversas esferas das

políticas de governo.

Assim, o presente estudo utilizará os fundamentos de desenvolvimento

sustentável com vistas a identificar os instrumentos que possibilitem a transformação

do modelo de desenvolvimento vigente e do padrão civilizatório, moldando valores e

costumes para proporcionar o surgimento de uma nova fase do Capitalismo, na qual

seja resgatado o poder do Estado e sejam estabelecidas as bases para as iniciativas

e os comportamentos necessários à reversão do aquecimento global.

Page 29: Monografia - REL - UCB

28

3 DIAGNÓSTICO DO AQUECIMENTO GLOBAL

3.1 O MUNDO SOB UMA NOVA REALIDADE GLOBAL – A DISSEMINAÇÃO DO PROBLEMA

As catástrofes ambientais, de ocorrência freqüente nas últimas décadas, vêm

sendo potencializadas pelo agravamento da crise ambiental global no século XXI,

cuja causa decorre de variações no equilíbrio do sistema climático, determinantes

para a elevação da temperatura média na superfície da Terra (IPCC, 2007).

O fenômeno do aquecimento global tem sido continuamente explorado e

debatido pelos cientistas. Seus efeitos adversos, tais como a elevação do nível do

mar, secas prolongadas e a intensificação de tempestades geram preocupações e

sinalizam a necessidade de adaptações gradativas a uma nova realidade. Com a

constatação da gravidade e dos riscos inerentes ao problema, a partir de

observações e diagnósticos técnicos2, as questões ambientais, antes limitadas a

nichos acadêmicos, atravessaram as fronteiras da ciência e se disseminaram por

todas as esferas das sociedades e dos governos, bem como por todas as áreas de

conhecimento.

Esse contexto, aliado à expansão do Capitalismo e ao surgimento do império

da informação, motivou importantes transformações nas relações internacionais e

proporcionou, a partir da década de 1970, a inserção do tema ambiental na agenda

internacional com maior importância (VIOLA, 2005).

A crescente preocupação com as conseqüências do aquecimento do planeta

e a inquietação sobre suas causas (naturais ou antropogênicas3), ensejaram

iniciativas globais como o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas

(IPCC), fundado em 1988 pela Organização Meteorológica Mundial (WMO) e pela

Organização das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Unep) (OLIVEIRA, 2008). O

Órgão, ao reunir renomados estudiosos e cientistas engajados no monitoramento e

análise das variações do clima, contribuiu significativamente para a disseminação do

2 Diagnósticos técnicos fundamentados em relatório do IPCC. 3 O termo antropogênico está associado essencialmente a atividades humanas.

Page 30: Monografia - REL - UCB

29

assunto e para o abrangente reconhecimento, por parte da comunidade

internacional, da gravidade e urgência do problema.

Desde a década de 1990, o IPCC produziu quatro relatórios4 com informações

e diagnósticos sobre as mudanças no clima. Suas previsões científicas projetam

cenários devastadores e indicam elevado grau de incerteza para o futuro da

civilização. A crescente degradação ambiental associada à elevação da temperatura

do planeta potencializou o fenômeno e resultou no conceito de que as mudanças

climáticas são o maior desafio já enfrentado pela humanidade (PNUD, 2008).

O tema tornou-se pauta freqüente nos meios de comunicação e nos discursos

governamentais. O agravamento da crise ambiental fez o assunto transcender o

ativismo de grupos ambientalistas para abranger questões de segurança nacional,

de direitos humanos, bem como de desenvolvimento e de crescimento econômico,

indicativos do caráter de urgência na criação de mecanismos para reversão do

problema.

Nesse sentido, o PNUD (2008) chama a atenção para a ameaça dos efeitos

do aquecimento global para o desenvolvimento humano, com impacto negativo

direto nos esforços internacionais de combate à pobreza, na concretização dos

Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs)5, bem como na liberdade humana

e no poder de escolha, principalmente nos países mais pobres, devido à maior

vulnerabilidade aos choques climáticos.

Fatores como a produção agrícola, a segurança alimentar, a disponibilidade

dos recursos hídricos, o nível dos oceanos, os fenômenos naturais e o equilíbrio dos

ecossistemas e da biodiversidade, serão diretamente afetados pela elevação da

temperatura global (IPCC, 2007). Como resultado, de acordo com o PNUD (2008), 4 O primeiro relatório do IPCC foi finalizado em 1990 e motivou o estabelecimento da Convenção

Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCCC), em 1992. O segundo relatório, publicado em 1995, foi fundamental para as negociações que culminaram na criação do Protocolo de Quioto, em 1997. Em 2001 foi divulgado o terceiro relatório, consagrado como referência no fornecimento de informações relevantes para o entendimento das variações ocorridas no sistema climático. O quarto e último relatório foi publicado em 2007. Esse documento fortaleceu o embasamento científico, bem como aprofundou o conhecimento das influências antropogênicas sobre o problema. Portanto, para realizar o diagnóstico do Aquecimento Global, o presente estudo tem como base o relatório de 2007, haja vista a grande quantidade de dados novos, o aprimoramento das técnicas utilizadas e o aprofundamento no conhecimento e na simulação dos processos físicos envolvidos nas mudanças climáticas (OLIVEIRA, 2008).

5 Os oito objetivos do milênio foram estabelecidos pela Organização das Nações Unidas em 2000, após identificação e análise dos principais problemas mundiais. São eles: 1. Erradicação da fome e da miséria; 2. Educação de qualidade para todos; 3. Equidade de sexos e valorização da mulher; 4. Redução da mortalidade infantil; 5. Melhoria da saúde das gestantes; 6. Combate à AIDS, à malária e a outras doenças; 7. Qualidade de vida e respeito ao meio ambiente; 8. Estabelecimento de uma parceria mundial para o Desenvolvimento.

Page 31: Monografia - REL - UCB

30

surgirá um novo contingente de pessoas, os refugiados ambientais, a compor novos

aglomerados de exclusão e a exacerbar as disparidades e a injustiça social. O

desemprego estrutural e a escassez de alimentos e de água implicarão inevitável

aumento da fome, da pobreza e da miséria. Assim, a falta de iniciativas oficiais

imediatas para o desenvolvimento de ações coordenadas, propícias ao controle do

clima, poderá levar as sociedades à busca instintiva de soluções improvisadas, com

risco de desordem e instabilidade social.

Diante disso, as conseqüências esperadas irão da estagnação ao retrocesso

no desenvolvimento humano, com comprometimento das capacidades técnicas, a

evidenciar a necessidade de adaptação da civilização a novos limites impostos pela

natureza.

Para evitar o agravamento do problema e tentar neutralizar as indesejáveis

conseqüências previstas, o IPCC tem buscado o aprofundamento de seus estudos e

a formulação de diagnóstico com o máximo possível de objetividade. Nesse sentido,

divulgou, no relatório de 2007, evidências científicas do aquecimento global

motivado por ações humanas, indicativo da necessidade de transformações

estruturais nos modelos de desenvolvimento dos países e no modelo atual de

civilização, a afetar diretamente o palco das relações internacionais em um mundo

globalizado capitalista. Conforme indicado no PNUD (2008. p. 2), como respaldo a

essa necessidade,

O modo como o mundo lida hoje com as alterações climáticas envolve conseqüências diretas nas perspectivas de desenvolvimento humano para uma grande parte da humanidade. O insucesso irá consignar os 40% mais pobres da população mundial - cerca de 2,6 bilhões de pessoas - a um futuro de possibilidades diminutas. Irá exacerbar desigualdades profundas no seio dos países e minar os esforços para construir um padrão de globalização mais inclusivo, reforçando as enormes disparidades entre os que “têm” e os que não “têm”.

Em contraponto às iniciativas de ajustes vislumbradas, o caráter

expansionista e impositivo do sistema capitalista subordina a natureza ao homem.

Porém, a insuficiência dos recursos naturais para fazer face ao consumo intransitivo

já começa a ser percebida. As mudanças compreendidas como necessárias

requerem a quebra do atual paradigma capitalista, do ganho máximo com o custo

mínimo, com meios nem sempre adequados social e ambientalmente. E o

internacionalista deverá buscar papel importante nesse processo.

Page 32: Monografia - REL - UCB

31

3.2 CÉTICOS X APOCALÍPTICOS - ANÁLISE DAS CORRENTES CIENTÍFICAS E AS EVIDÊNCIAS DO AQUECIMENTO GLOBAL

A crise ambiental, impulsionada pela elevação da temperatura do planeta, é

um fato. Contudo, há divergências quanto à origem desencadeadora do processo de

aquecimento. Identificam-se duas correntes distintas: os cientistas e estudiosos do

IPCC, adeptos da visão antropogênica do problema, representam o grupo conhecido

como apocalíptico, e os chamados céticos, contestadores da ação humana como

causa significativa, com visão acomodada em causas naturais e cíclicas.

A corrente cética não nega a existência de um aquecimento em curso no

planeta. Embora admitam a influencia das atividades humanas sobre o meio natural

e dos gases de efeito estufa sobre a temperatura, negam a relação causal direta

entre esses fatores e relacionam o aquecimento global a um ciclo natural de

aquecimento e resfriamento do globo, determinado por fatores como a radiação

solar, o magnetismo do núcleo da Terra e a órbita do planeta (THE GREAT..., 2007).

A se considerar causas naturais e cíclicas para o fenômeno, bem como sua

reversão sem maiores conseqüências, não se pode esquecer as inúmeras vezes em

que esse ciclo pode ter sido quebrado, com conseqüências catastróficas,

determinantes de profundas transformações na condição de vida do planeta e da

extinção de muitas espécies, conforme Tabela 1, a seguir.

Extinção Tempo Espécies Extintas Causas

Cambriana

488 ma Conodontes e Equinodermos Glaciação

Ordovícico 444 ma Braquiópodes, Crinóides e Equinóides

Glaciação

Devônico Superior

360 ma Placodermos Meteoros

Permo-Triássica 251 ma Trilobites e 96% dos

gêneros marinhos

Formação da Pangéia e dos Oceanos

K-T 65,5 ma Dinossauros Asteróide

ma = milhões de anos

Tabela 1 – Algumas Extinções em Massa Fonte: Discovery Channel, 2007

Page 33: Monografia - REL - UCB

32

Em contrapartida, os cientistas do IPCC, em seu último relatório publicado,

atribuem à humanidade 90% da responsabilidade pelas alterações do clima no

planeta e estimam aumento da temperatura entre 1,8°C e 4°C, ainda nesse século.

Na visão desses estudiosos, o aumento da temperatura decorre, principalmente, da

crescente concentração de gases de efeito estufa na atmosfera. Como mostra a

Tabela 2, há registros de aumento acentuado na concentração desses gases,

observados desde a década de 1750 até 2005:

Gases Faixa natural

últimos 650 mil anos

Concentração pré Revolução Industrial

Concentração 2005

Dióxido de carbono (CO2)

180 a 300 ppm 280 ppm 379 ppm

Metano (CH4) 320 a 790 ppb 715 ppb 1.774 ppb

Óxido nitroso (N2O) 270 ppb 319 ppb

ppm- partes por milhão ppb6- partes por bilhão

Tabela 2- Evolução da Concentração de Gases de Efeito Estufa no Planeta Fonte: IPCC (2007).

Estudos recentes afirmam ser a concentração do CO2 a mais elevada dos

últimos 800 mil anos e, atualmente, já supera a marca de 380 ppm, quando, há 667

mil anos registrava o mínimo de 172 ppm. Esses dados são o resultado de testes

realizados com amostras de gelo retiradas de uma profundidade de até 3,27 km

(testemunho de gelo) por cientistas franceses. A análise das gotas de gases

atmosféricos de tempos remotos contidas nas amostras de gelo confirmou a

correlação entre a evolução da temperatura do planeta e o ciclo do carbono (CNRS,

2008).

A Figura 1 apresenta gráficos que mostram a evolução da concentração dos

três principais gases estufa ao longo dos últimos 10 mil anos (painéis grandes) e

desde 1750 (painéis inseridos). Ao analisar uma amplitude temporal de 10 mil anos

percebe-se com clareza a variação desproporcional da concentração de gases

estufa a partir do ano de 1750, a evidenciar a contribuição da revolução industrial

6 ppm (partes por milhão) ou ppb (partes por bilhão, 1 bilhão = 1.000 milhões) é a razão do número de

moléculas de gases de efeito estufa em relação ao número total de moléculas de ar seco. Por exemplo, 300 ppm significam 300 moléculas de um gás de efeito estufa por milhão de moléculas de ar seco (IPCC, 2007).

Page 34: Monografia - REL - UCB

33

nesse processo, principalmente, pela intensificação da queima de combustíveis

fósseis.

Figura 1 – Mudança nos Gases de Efeito Estufa a partir de Dados de Testemunho de Gelo e Dados Modernos

Fonte: IPCC (2007)

O aumento global da concentração de dióxido de carbono, gás de efeito

estufa mais influente na variação da temperatura, decorre principalmente da

utilização de combustíveis fósseis e da mudança no uso da terra. A elevação da

concentração do metano e do óxido nitroso ocorreu devido a atividades antrópicas,

predominantemente a agricultura.

A comunidade científica tem se dedicado a explorar e estudar as variações

climáticas no planeta, ocorridas e registradas nos últimos 157 anos e tem também

buscado identificar variações de temperatura em períodos mais remotos, por meio

de novos métodos de pesquisa e análise, a exemplo do testemunho do gelo7, cuja

7 Um testemunho do gelo é uma amostra da acumulação de neve e gelo durante diversos anos que recristalizou e

aprisionou bolhas de ar de vários períodos diferentes. A composição destes testemunhos, especialmente a presença de isótopos de hidrogênio e oxigênio, e também dos gases dióxido de carbono e metano, permite investigar as variações climáticas com o tempo (OLIVEIRA, 2008).

Page 35: Monografia - REL - UCB

34

técnica permitiu retroceder o conhecimento da concentração de gases estufa e da

temperatura do planeta em 800 mil anos (CRSN, 2008).

A Figura 2 mostra a variação da temperatura do planeta a partir de 1850,

condizente com o aumento da atividade industrial e da queima de combustíveis

fósseis.

Figura 2 – Variação de Temperatura de 1850 a 2000

Fonte: IPCC (2007)

Além disso, os anos mais quentes da série considerada foram os de 1998 e

2005 e onze dos doze anos mais quentes ocorreram entre 1995 e 2006, a indicar

avanço do aquecimento nesse período. A ocorrência de mais dias excepcionalmente

quentes e menos dias excepcionalmente frios se tornou comum e as ondas de calor

aumentaram em duração e freqüência na segunda metade do século XX (IPCC,

2007).

Em que pesem os pontos de divergência entre céticos e apocalípticos, as

evidências do aquecimento global são visíveis. Observa-se a já mencionada

concentração de gases de efeito estufa, a elevação da temperatura e do nível dos

oceanos, o derretimento de gelo e neve em larga escala, as alterações nos padrões

dos ventos e das chuvas e o comprometimento de parte das espécies vegetais e

animais do planeta (IPCC, 2007).

Assim, as controvérsias entre as duas correntes se restringem, basicamente,

à amplitude das causas do aquecimento, cujas inferências céticas não devem

prevalecer sobre o trabalho do IPCC, seus modelos e projeções de risco e propostas

para solução. A questão é crucial e duas alternativas se apresentam para escolha. A

primeira, exortada pelo IPCC, recomenda mudança comportamental positiva com

Page 36: Monografia - REL - UCB

35

adoção de melhores práticas humanas e melhores processos produtivos, em

benefício do planeta e dos ecossistemas que nos mantém a vida. A segunda,

embandeirada pelos céticos e embasada em foco contestador subjetivo das

posições antropogênicas, reduz a escala de importância da contribuição humana

para o problema e, em favorecimento indireto à estrutura econômica e de poder

predominante no mundo, negligencia riscos prováveis e apregoa uma improvável

ausência de riscos, no intuito da manutenção do status quo e da continuidade dos

atuais comportamentos humanos e dos processos produtivos, ainda que nocivos ao

planeta.

Apesar dessa dualidade interpretativa, entre a calmaria e a catástrofe, a visão

antropogênica encontra-se melhor estruturada, pois advém de uma forte

comunidade epistêmica, o IPCC, respaldada na ONU, com seus relatórios,

consolidados sob o crivo de todos os países membros, tornando-se peças científicas

com arestas diplomáticas minimizadas, prestando-se, assim, a embasar propostas

de ações emanadas de conferências, fóruns e documentos sobre o tema.

Ao elaborarem e administrarem informações, os estudiosos do IPCC

aconselham os Estados sobre a relação causal entre a concentração de gases

estufa na atmosfera e a elevação da temperatura. Dessa forma, exercem

significativa influência no processo de configuração das agendas dos governos,

contribuem para a criação de instituições condutoras do comportamento do Estado,

bem como para a formação de regimes internacionais sobre o tema, com vistas a

reduzir os problemas da ação coletiva no contexto do aquecimento global.

Portanto, a aparente tranqüilidade dos céticos não deve embasar suposições

de que o problema seja menor, pois é preferível a adoção responsável do pior

cenário, conforme preconizado pelos apocalípticos, na busca da reversão do

aquecimento global, do que dar tratamento ao problema com base em um cenário

ameno, conforme posição cética, cuja não confirmação poderá resultar nas

catástrofes prováveis.

A adoção das ações propostas pelo IPCC implicaria melhora na qualidade de

vida no planeta e preservação do remanescente do meio ambiente natural e humano

ainda não afetado pelo aquecimento global. As medidas viabilizadoras da contenção

do problema proporcionariam as condições necessárias para a continuidade do

desenvolvimento da civilização humana e acarretariam aspectos positivos inegáveis

tanto para apocalípticos quanto para céticos.

Page 37: Monografia - REL - UCB

36

O resultado da ausência de iniciativas pode ser apresentado em dois

caminhos possíveis. O primeiro, na visão cética, com o retorno natural dos

fenômenos à esfera da normalidade, sem necessidade de eliminar as prováveis

causas antropogênicas. O segundo, na visão apocalíptica, apresentaria como

conseqüência, profundas transformações climáticas em níveis comprometedores às

condições de manutenção da vida na Terra, com imprevisibilidade quanto à reversão

do desequilíbrio climático.

A alternativa apocalíptica acarretaria elevados custos financeiros, de difícil

assimilação por parte das corporações e da estrutura capitalista. Em que pesem

esses custos, todos os seus aspectos conseqüentes seriam positivos e livrariam o

planeta dos prováveis riscos catastróficos de um engano cético. Por isso e pelo

respaldo oficial da ONU, a visão do IPCC conta com maior aceitação internacional e

apresenta-se mais confiável e mais responsável para com o planeta e as gerações

futuras.

Ao considerar toda a amplitude do problema do aquecimento global, verifica-

se ser imperioso que as autoridades políticas e os detentores do conhecimento

técnico-científico, apoiados e induzidos por um elevado grau de consciência coletiva,

tenham o necessário discernimento e tomem as decisões acertadas na escolha

entre o elevado custo das ações corretivas ou o risco de confirmação da visão do

IPCC e suas graves conseqüências para a civilização.

Foram necessários milhões de anos para o planeta atingir o equilíbrio

climático adequado ao surgimento e manutenção da vida na sua superfície.

Entretanto, em apenas algumas décadas, o comportamento humano transformou o

meio ambiente natural e interferiu nesse equilíbrio em prol do progresso e do

crescimento econômico. Resta saber quanto tempo a Terra levará para se recuperar

dos danos provocados pelas ações humanas e retomar a força e a biodiversidade

em todas as suas formas, cores e sons.

Page 38: Monografia - REL - UCB

37

3.3 A ORIGEM – REVOLUÇÃO INDUSTRIAL, CAPITALISMO E MEIO AMBIENTE

O advento da era industrial contribuiu significativamente para as alterações na

composição da atmosfera, intensificadas a partir do fim do século XVIII com o

aumento da concentração de gases de efeito estufa, produzidos pelas atividades

humanas, dentre elas os processos industriais. Houve registros científicos de

variações mais acentuadas e de tendência crescente da temperatura média do

planeta nos últimos 157 anos. O início dessa tendência de aquecimento coincidiu

com a difusão da Revolução Industrial pelo mundo (IPCC, 2007).

A proliferação das indústrias transformou a realidade global e representou o

embrião da consolidação e mundialização do Capitalismo como sistema sócio-

econômico predominante. A partir do início do século XX, alterações importantes

foram introduzidas nos processos produtivos, nas relações homem-natureza e nas

relações homem-trabalho. Essas transformações, intimamente relacionadas ao

modelo fordista8 de produção, criaram valores embasados na modernidade

racionalista e tecnicista, a contribuir para o surgimento de uma sociedade de

excessiva ordem, controlada e condicionada pelo sistema, na busca da eficiência

gerada pela coletividade da produção em massa Souza (2008, p. 16) assinala que

A Revolução Industrial, apesar da denominação que carrega, foi muito mais um fenômeno de natureza social do que técnico. O ritmo do desenvolvimento tecnológico provocou profundas mudanças nos costumes e hábitos de vida da população, fazendo crescer as cidades e os investimentos públicos em infra-estrutura básica de transportes, saúde, saneamento, esgotamento sanitário e energia. Como pontos centrais, registremos que a Revolução Industrial rompeu com o ritmo lento das mudanças e com as relações de proximidade e de vida coletiva da população.

Descobrir, criar, inovar e produzir com eficiência, bem como acumular

riquezas, são importantes elementos da prática capitalista, cujo projeto de

modernidade e progresso é moldado a partir do crescimento econômico ilimitado e

de um modelo desenvolvimentista ecologicamente depredador e socialmente

8 O fordismo, idealizado pelo empresário Henry Ford, é um modelo rígido de produção em massa e

teve seu ápice no período posterior à Segunda Guerra Mundial. Teve como objetivo produzir com maior eficiência e menor custo (MAIA, 2002). Esse modelo entrou em declínio em 1970, com a desregulamentação do capitalismo, e cedeu lugar ao pós-fordismo (HAESBAERT, 2001).

Page 39: Monografia - REL - UCB

38

perverso (SANTOS, 2006). O fordismo e o pós-fordismo9 nasceram desse modelo e

impuseram às sociedades industriais ritmos alucinantes em prol da lógica da

produção em massa, do crescimento e da maximização do lucro. Nessa nova lógica

de produção e industrialização, o homem é visto como um ser racional e, por isso, a

natureza deve ser ordenada (civilizada) pela razão humana. De acordo com Boff

(2000, p. 3), a natureza era percebida como

objeto e lugar da ação livre do ser humano. Em face dela não há que se alimentar respeito e veneração. Antes, pelo contrário, como dizia Francis Bacon, um dos pais fundadores do paradigma moderno, ela deve ser submetida à cama de Procusto. Deve ser torturada, à moda do inquisidor, até que entregue todos os seus segredos.

Assim, há uma relação de causa e efeito entre a Revolução Industrial e o

surgimento da crise ambiental e seu agravamento no século XXI. Com o avanço dos

processos industriais o meio natural foi gradativamente substituído pelo meio

urbano, quando não abandonado após depredação por iniciativas extrativistas

desregradas. Rios foram canalizados, solos foram cobertos por asfalto, vegetações

nativas foram devastadas.

A crescente intervenção humana no meio natural acarretou crescimento

desordenado dos aglomerados urbanos, com conseqüentes e graves problemas ao

meio ambiente. O nível de poluição ascendeu com o acúmulo crescente do lixo, com

o aumento do volume de esgotos e com a expressiva queima de combustíveis

fósseis pelos meios de transporte.

Em que pese o boom Industrial ter contribuído para o desencadeamento de

uma série de problemas, principalmente sociais e ambientais, são inegáveis os

benefícios proporcionados pelas criações tecnológicas. A partir da mudança

estrutural acelerada e da sensível melhora na eficiência acarretada pelo

aperfeiçoamento dos processos produtivos, surgiram marcantes paradoxos,

produzidos pela Revolução Industrial e, conseqüentemente, incorporados pelo

Capitalismo, tais como mais criação e mais destruição, integração e fragmentação,

inclusão e exclusão, eficiência e desigualdade (LUTWAK, 2001).

Avanços nos processos industriais conduziram a civilização a um progresso

técnico e científico nunca imaginado, bem como consolidou o Capitalismo como o

9 No pós fordismo são criadas estratégias de flexibilização do circuito produtivo, por meio da difusão

de subcontratações, de empregos temporários e de terceirização. Essa prática enfraquece o movimento trabalhista e incorpora inovações tecnológicas transformadoras dos processos produtivos (HAESBAERT, 2001).

Page 40: Monografia - REL - UCB

39

sistema mais adequado à continuidade das criações inovadoras de uma

humanidade em busca constante de evolução. Nesse contexto, o modelo capitalista

torna-se uma necessidade fundamental da civilização, principalmente pelos

progressos científicos e tecnológicos proporcionados.

Como exemplos de avanços tecnológicos incorporados de forma definitiva ao

dia-a-dia das pessoas e associados a setores essenciais, têm-se: a) Transportes:

automóvel, navio, trem, metrô, etc, essenciais para proporcionar o dinamismo e a

mobilidade de pessoas, bens e serviços. É fator fundamental para as relações

internacionais de comércio e para o processo de globalização; b) Saúde: os

progressos nessa área proporcionaram aumento na expectativa de vida do homem.

Equipamentos de alta tecnologia favorecem a realização de exames mais precisos e

a descoberta das causas de inúmeras doenças. c) Segurança: Equipamentos de

comunicação, câmeras de monitoramento, armamento moderno e processos

informatizados são algumas das inovações utilizadas na segurança pública. d)

Educação: o surgimento do ciberespaço possibilitou a criação de novos métodos de

ensino, como a educação à distância, de crescente utilização em cursos de

graduação. O aperfeiçoamento dos equipamentos audiovisuais e a utilização de

critérios técnicos na adequação da infra-estrutura aprimoraram o ensino e a internet

inovou as formas de realização de pesquisas.

Em que pesem os inúmeros benefícios proporcionados pela Revolução

Industrial, os impactos dessa nova era sobre o meio natural são graves. Ações

humanas comprometedoras da estabilidade climática e inadequadas à preservação

do meio ambiente são impulsionadas pelo modelo produtivista induzido pelo

Capitalismo. Assim, há a necessidade de importantes mudanças para conciliar as

práticas perversas do sistema capitalista ao meio natural10.

10 Conciliar as práticas perversas do capitalismo à preservação ambiental é o grande desafio ao qual

a humanidade está exposta. A proposta do presente estudo é que essa conciliação aconteça por meio de ações estatais acertadas, de forma a induzir o capitalismo a uma nova fase, mediante regulamentações e regras específicas. Esse assunto será abordado detalhadamente na próxima seção desse trabalho.

Page 41: Monografia - REL - UCB

40

3.4 INTENSIFICAÇÃO DA CRISE AMBIENTAL E PROJEÇÕES CLIMÁTICAS PARA O SÉCULO XXI

Desde a realização da Conferência das Nações Unidas para o Meio

Ambiente e o Desenvolvimento – Rio 92, da qual se originou o principal Regime

Internacional de Mudança do Clima, observa-se significativas evidências de

acentuado agravamento da crise ambiental e não as mitigações propostas

naquela conferência.

Segundo relatório produzido pela fundação OXFAM (2007), os desastres

ambientais praticamente quadruplicaram nas duas últimas décadas. Essa

elevação em quase 400% é atribuída ao aumento da imprevisibilidade das

condições meteorológicas devido ao aquecimento global. A análise do período

compreendido entre a década de 1980 e os dias atuais indica aumento médio

nas catástrofes naturais, em quantidade, de 120 para mais de 500 por ano,

com o conseqüente aumento em cerca de 68% no número de pessoas

afetadas, cuja quantidade de 174 milhões entre 1985 e 1994, passou para 254

milhões entre 1995 e 2004.

Segundo o IPCC (2007), como resultado dos desequilíbrios no meio

ambiente natural e humano, por causas antropogênicas, observou-se,

freqüentemente, nos últimos anos, secas mais prolongadas e intensas, ondas

de calor e tempestades mais freqüentes, derretimento das geleiras em larga

escala, elevação do nível do mar, extinção e migração de espécies, escassez

de água, dentre outras conseqüências adversas. Ainda, a temperatura dos

oceanos tem aumentado como resultado tanto da absorção de parte do calor

acrescido ao sistema climático, quanto do derretimento das geleiras e da neve

das montanhas. Tal aquecimento resultou na elevação do nível dos mares e

oceanos, cuja taxa média foi de 1,8 mm por ano no período entre 1961 e 2003.

No período mais recente, de 1993 a 2003 essa taxa foi de 3.1 mm por ano. A

Figura 3 demonstra a evolução da elevação do nível do mar e a intensificação

do derretimento das geleiras, condizentes com o processo de aquecimento

global.

Page 42: Monografia - REL - UCB

41

Figura 3 - Mudanças na Temperatura, no Nível do Mar e na Cobertura de Neve do Hemisfério Norte Fonte: IPCC(2007)

O primeiro furacão brasileiro, no litoral de Santa Catarina, em 2004, e o

conjunto de desastres ambientais ocorridos em 2005, tais como a intensa seca

na Amazônia, o poder destrutivo do furacão Katrina que arrasou Nova Orleans,

nos Estados Unidos, e a intensa onda de calor na Europa, são fatos concretos

a fortalecer as projeções de conseqüências do IPCC, decorrentes do

aquecimento global.

O IPCC (2007) destacou evidências de aumento na intensidade da

atividade dos ciclones tropicais no Atlântico norte, desde 1970. A intensificação

desse fenômeno está relacionada com o aumento da temperatura da superfície

do mar tropical. A Figura 4 mostra um cenário de seis grandes tempestades

simultâneas, dentre elas os furacões Hanna, Ike e Josephine, fotografado por

satélite geoestacionário11 no dia 5 de setembro de 2008 no Atlântico Norte.

11 Os satélites geoestacionários são satélites que se encontram parados relativamente a um ponto fixo sobre a Terra, geralmente sobre a linha do equador (OLIVEIRA, 2008).

Page 43: Monografia - REL - UCB

42

Figura 4 – Tempestades no Atlântico Norte Fonte: NOAA (2008)

A elevação da temperatura média da superfície da Terra em 0,7°C no

século XX já provocou acontecimentos preocupantes e de significativos

impactos para os ecossistemas e todos os seres vivos do planeta, inclusive o

homem. Nos últimos 50 anos, inúmeras mudanças têm sido observadas em

continentes, regiões e oceanos. Alterações na temperatura do gelo do Ártico,

na quantidade de precipitação em todo o globo, na salinidade e acidez dos

oceanos e nos padrões dos ventos. Observam-se, também, inúmeras espécies,

animais e vegetais, em risco de extinção, além de outras já extintas. Outro fator

preocupante é a acentuada degradação da principal cadeia de corais do bioma

marinho, na Austrália, evidenciada pelo seu branqueamento. Importa observar

a fragilidade dos corais, sujeitos à completa extinção caso a elevação da

temperatura ultrapasse 3°C. A Figura 5 indica os principais impactos prováveis

nos ecossistemas, como resultado do aquecimento global.

Figura 5 – Principais Impactos com o Função do Aumento da Temperatura Global Média Fonte: IPCC (2007)

Page 44: Monografia - REL - UCB

43

Além disso, observou-se elevação da temperatura do Ártico em quase o

dobro da taxa média global nos últimos 100 anos. As temperaturas nas

camadas permanentemente congeladas dessa região polar têm sofrido

consideráveis elevações desde a década de 1980 (em até 3°C) e a área total

coberta pelo congelamento sazonal do solo diminuiu em cerca de 7% no

hemisfério norte desde 1900.

Informações paleoclimáticas12 sustentam a interpretação de que o

aquecimento da última metade do século passado foi atípico e fugiu ao padrão

de variação de temperatura dos últimos 1300 anos. Além disso, o último

registro de temperatura superior à atual, na região polar, foi em um período

extenso, cerca de 125.000 anos atrás, com aumento conseqüente de 4 a 6

metros no nível do mar (IPCC, 2007).

Os cientistas do IPCC ressaltam a grande probabilidade da

concentração de gases estufa antropogênicos na atmosfera estarem

diretamente relacionados aos aumentos das temperaturas médias globais

observadas desde a metade do século 20.

As alterações repentinas e cada vez mais freqüentes no sistema

climático do mundo podem determinar o advento ponto crítico do problema,

haja vista mudanças mínimas de temperaturas poderem alavancar colapsos

em inúmeros ecossistemas. As projeções indicam um cenário devastador para

os principais impactos do aquecimento global no meio ambiente e na

economia, caso não surjam iniciativas concretas e imediatas para reverter o

aumento da temperatura do planeta.

Estudos científicos apontam a probabilidade de os eventos climáticos

extremos já citados se tornarem cada vez mais freqüentes. Prevêem, ainda, o

derretimento do Pólo Norte até 2100, com projeção de aumento de 59

centímetros no nível dos oceanos. Também, como conseqüência do

aquecimento global, as populações da Índia e da China poderão estar

submetidas a situações críticas, provocadas pelo declínio na produção de

alimentos e pela fome. Migração e extinção de espécies serão comuns e os

mananciais de água doce, fonte de abastecimento de água potável, já em risco,

12 A Paleoclimatologia realiza reconstrução do clima do passado, utilizando dados instrumentais e de indicadores indiretos (OLIVEIRA, 2008).

Page 45: Monografia - REL - UCB

44

poderão ficar cada vez mais comprometidos e insuficientes para o suprimento

às populações (IPCC, 2007).

No Brasil, há previsão de impactos significativos na Amazônia, no semi-

árido nordestino e nas regiões litorâneas. Na região Amazônica, as pessoas

podem ser afetadas por temperaturas mais altas e por secas intensas, a

exemplo da ocorrida em 2005. Também há grande risco de transformação da

floresta em uma vegetação muito mais aberta, semelhante ao cerrado. No

nordeste do país, as temperaturas deverão subir ainda mais e transformarão o

clima semi-árido em árido, com comprometimento da recarga dos lençóis

freáticos. No sudeste haverá, muito provavelmente, aumento da precipitação

com impacto direto na agricultura, além da intensificação de inundações e

deslizamentos de terras.

Todos esses prováveis eventos poderão prejudicar o desenvolvimento

econômico e social das nações, especialmente as em desenvolvimento, cuja

infra-estrutura precária não proporciona as condições de adaptação requeridas

pelo problema. Por isso, as projeções científicas prevêem maiores impactos

negativos nesses países, cuja contribuição nas emissões de gases de efeito

estufa, em muitos casos, é ínfima. Para evitar alterações climáticas perigosas o

PNUD (2008) projeta a necessidade de redução na emissão de gases estufa,

até o ano 2050, em pelo menos 80% para os países ricos, com meta parcial de

30% em 2020, e em 20% para os países em vias de desenvolvimento.

Certamente, alguns impactos das mudanças climáticas são inevitáveis,

mas a civilização não deve medir esforços na busca pelos melhores meios para

minimizar a crise ambiental, potencializada pelo aquecimento global, e

viabilizar as adaptações necessárias para transformar a relação homem-

natureza e conciliar a preservação ambiental com o modelo de

desenvolvimento requerido pelo Capitalismo moderno.

Page 46: Monografia - REL - UCB

45

4 O PAPEL DO ESTADO NO MUNDO CAPITALISTA GLOBALIZADO – NECESSIDADE DE AJUSTES

4.1 A REDUÇÃO DO ESTADO E A EXPANSÃO DO CAPITALISMO

Analisar a evolução e a dinâmica de funcionamento do Capitalismo no

mundo globalizado, contraposta ao papel do Estado, é fundamental para

compreender sua relação causal com a concentração de gases de efeito estufa

na atmosfera e o aquecimento global. Nesse sentido, o presente estudo aborda

nesta seção a importante mudança ocorrida na relação entre Estado e

Capitalismo ao longo das últimas décadas.

Do período pós Segunda Guerra Mundial até o final da década de 1970

o Estado atuava como mediador entre as necessidades das populações e o

Capitalismo, por meio de mecanismos viabilizadores de ajustes às distorções

causadas pelo funcionamento do mercado (MATIAS, 2005). O Estado detinha

escala de poder suficiente para promover intervenções conciliatórias entre

interesses econômicos e sociais.

Para o entendimento da perda do poder do Estado é importante

observar o paralelismo entre a sua evolução e a do Capitalismo, com elevado

grau de interdependência, inclusive quanto ao compartilhamento do exercício

do poder, por terem espaços de atuação coincidentes, com a abrangência

global do mercado em superposição a atuação local do Estado. Nesse rastro

evolutivo, a força do liberalismo econômico com a onda de privatizações e a

desregulamentação dos mercados criaram um “antiestatismo” (MATIAS, 2005).

O caráter expansionista do Capitalismo produziu uma ideologia na qual o

Estado passou a representar um “empecilho ao desenvolvimento econômico,

com a alocação de recursos sendo mais eficaz quando deixada por conta dos

mecanismos de mercado” (MATIAS, 2005, p. 147). Assim, a propagação do

comércio internacional, resultado da expansão das empresas transnacionais,

da liberalização das economias e da formação de blocos regionais de comércio

impulsionou o fluxo de capitais pelo espaço mundial e estimulou a competição.

Essa nova configuração do mercado, associada ao “antiestatismo” liberal,

Page 47: Monografia - REL - UCB

46

reduziu as margens de atuação do Estado, por meio da sua retração em

diversos setores, inclusive estratégicos, a exemplo do setor energético e o de

telecomunicações. O Estado deixou de ser o único ator relevante do sistema

internacional (MATIAS, 2005; SCHIRM, 1999).

Quanto aos efeitos dos mercados globais e sua influência sobre o poder

do Estado, afirma Schirm (1999, p. 6):

Em primeiro lugar, é provável uma crise da política econômica intervencionista orientada internamente, pois esta não está voltada para as expectativas e mecanismos da atividade econômica global que se tornaram mais relevantes. Além disso, o intervencionismo baseia-se na capacidade do Estado de controlar a economia nacional – uma capacidade que pode diminuir com a desnacionalização da economia. Em segundo lugar, é provável uma mudança dos interesses de grupos relevantes na política interna, pois a crescente inserção de setores da economia nos mercados globais enfraquece sua orientação pelo espaço interno nacional e fortalece um direcionamento em função das exigências competitivas da economia transnacional.

Nessa perspectiva, o Estado passa a ser percebido, conforme destacam

Matias (2005) e Pio (2002), como um mero instrumento de poder, influenciado

e pressionado por indivíduos e grupos sociais, políticos e econômicos, na

busca pela satisfação de interesses particulares. Com essa visão, Matias

(2005, p. 154-155) afirma que

Tais fenômenos têm conseqüências sobre o poder estatal. Os acordos de livre comércio podem limitar a autonomia dos Estados. As transnacionais surgem como um novo poder, minando a efetividade do poder estatal. E a globalização financeira tem por contrapartida o aumento na volatilidade do capital, que causa crescente instabilidade. O medo de afastar o capital obriga os governos a satisfazer as demandas daqueles que o detêm, em detrimento de outras considerações. Essa constatação leva parte da doutrina a crer que os Estados se teriam tornado reféns das grandes empresas e a defender que a globalização em curso é comandada por e realiza-se no interesse das corporações e conglomerados transnacionais.

Dessa forma, o Estado teve seu papel de promotor das garantias sociais

comprometido e suas ações foram limitadas, devido à incapacidade de resistir

às pressões dos grupos detentores de poder, os quais forçam os decisores

públicos a promover maior abertura em seus mercados.

Assim, o processo de globalização e a expansão do Capitalismo,

reestruturado sob um arcabouço de desregulamentação, acarretaram

alterações importantes no mundo contemporâneo. Essa nova dinâmica global

transformou a geografia do espaço mundial, sob o predomínio da lógica do livre

mercado e conseqüências globais indesejáveis, sociais e ambientais, passaram

Page 48: Monografia - REL - UCB

47

a exigir, cada vez mais, aprofundamento na compreensão do papel do Estado

nacional e suas fronteiras, nos moldes do Capitalismo e do modelo pós-fordista

de produção, que, para Haesbaert (2001, p. 18),

debilitaram a organização dos trabalhadores via incremento dos empregos temporários e da terceirização (com a difusão dos sistemas de subcontratação, por exemplo). Dentro dessa mesma lógica de maior fluidez do capital e do incremento do lucro e da especulação aumenta brutalmente a destruição do meio ambiente e surgem problemáticas também efetivamente, como o efeito estufa, a destruição da camada de ozônio e o fenômeno das chuvas ácidas, além da rápida difusão de velhas e novas epidemias como o cólera e a AIDS.

Além disso, dentro da lógica capitalista, os avanços tecnológicos

proporcionaram o surgimento de grandes redes e a interconexão dos mercados

mundiais para além das fronteiras políticas, intensificaram relações bilaterais

entre as diversas nações do globo, bem como viabilizaram a consolidação de

blocos econômicos para blindar e desenvolver os interesses comuns de seus

grupos de países (HAESBAERT, 2001). Assim, observou-se crescimento da

interdependência entre os Estados e a disseminação dos processos de

cooperação internacional, cuja associação com fatores como a pobreza e as

diferenças culturais evidenciam a complexidade dessa nova modelagem

sistêmica.

A essência desse sistema está na busca por acumulação de riquezas,

com sua conseqüente concentração, e seu objetivo principal é criar

mecanismos para viabilizar a obtenção de maiores lucros com o menor custo.

Para Santos (2006), a forma como o Capitalismo vem se estruturando

transforma a globalização em perversidade, proveniente da concentração da

riqueza e do aumento da pobreza, da segmentação dos mercados e da

degradação ambiental.

O paradigma da modernidade surge juntamente com a separação do

homem da natureza, na medida em que a busca pelo progresso ascendeu a

interferência humana no meio natural (BOFF, 2000). Daí provém a vinculação

entre a estrutura econômica do Capitalismo e a destruição do meio ambiente,

associada ao novo estilo de vida e comportamento de consumo da sociedade

moderna, impulsionado pelos avanços tecnológicos e pela formação de centros

urbanos.

Page 49: Monografia - REL - UCB

48

A proliferação das atividades fabris e a rápida urbanização, por exemplo,

levaram ao aumento da concentração do lixo como decorrência do descarte de

resíduos sólidos por parte de pessoas e organizações, bem como evidenciaram

o desperdício, visto por Giacomini Filho (2008) como sinal do consumo

intransitivo, arraigado a novos valores sociais, moldados, segundo Haesbaert

(2001), pelo fetichismo da mercadoria e pela mercantilização da vida humana.

Em suma, a dinâmica atual do Capitalismo globalizado, motivadora de

comportamentos e práticas inadequadas à manutenção do equilíbrio climático,

bem como de padrões insustentáveis de vida das populações capitalistas,

associada à redução do poder público, conforme já abordado neste capítulo,

tornou o Estado extremamente permeável frente ao controle e dominação do

mundo pelo fundamentalismo de mercado e pelas empresas transnacionais

(MATIAS, 2005). Esse cenário constitui a base da complexidade do contexto no

qual o problema do aquecimento global e a busca por mitigações estão

inseridos.

4.2 PRÁTICAS ANTROPOGÊNICAS INDUTORAS DO AQUECIMENTO GLOBAL

O modelo de crescimento e desenvolvimento atual, baseado na

exploração e extração de recursos naturais para expandir a lógica industrial

capitalista impulsionou práticas comprometedoras do equilíbrio climático do

planeta.

A elevação acentuada da concentração de gases de efeito estufa, como

resultado das atividades humanas, principal causa do aumento da temperatura

global, teve início na Revolução Industrial (IPCC, 2007). O progresso técnico e

científico produziu um novo modelo civilizatório e introduziu novos valores e

princípios na sociedade.

As pessoas, em busca de oportunidades, migraram do campo para as

cidades e intensificaram a formação de grandes aglomerados urbanos. A

euforia produzida pelas criações e inovações fez surgir novas necessidades e

Page 50: Monografia - REL - UCB

49

impulsionou as atividades fabris sob um modelo de produção baseado na

eficiência e na maximização do lucro.

Assim, os aglomerados urbanos foram palcos fundamentais para efetivar

a consolidação do Capitalismo, bem como para promover a absorção de novos

valores sociais embasados no consumo exacerbado. A Revolução Industrial,

com seu legado representado pela evolução tecnológica, pelo aperfeiçoamento

dos processos e o conseqüente crescimento escalar da produção, foi o

embrião da atual sociedade de consumo, intimamente associada à crescente

interferência inadequada do homem no meio natural, em prol do paradigma da

modernidade fundamentado na busca constante por progresso.

Na fase inicial da industrialização, a ausência de limites na utilização de

recursos naturais para sustentar as práticas industriais pode ser explicada pelo

desconhecimento da gravidade dos impactos negativos da interferência

humana no meio ambiente. A intervenção não era percebida na sua dimensão

de risco sistêmico. Assim, o Capitalismo se estruturou em bases predatórias e

criou um modelo de desenvolvimento insustentável à manutenção do equilíbrio

dos ecossistemas e do meio natural.

A devastação das florestas para proporcionar a expansão das atividades

pecuárias e agrícolas e, ao mesmo tempo, oferecer suporte ao

desenvolvimento agro-industrial, acarretou mudanças estruturais na

estabilidade do meio ambiente. A biodiversidade foi comprometida levando

quantidade significativa de espécies vegetais e animais a risco iminente de

extinção e os padrões dos ventos e das chuvas foram diretamente afetados por

desequilíbrios nos principais biomas13 do planeta (IPCC, 2007). O setor agro-

industrial detém, portanto, importante parcela de responsabilidade pelo

aquecimento global, decorrente principalmente da emissão de CO2 pela prática

das queimadas e pela destruição das florestas.

Outro setor importante é o energético, cuja matriz mundial tem como

fonte principal a queima de combustíveis fósseis. Alguns países, a exemplo do

Brasil, são favorecidos em suas condições de relevo e hidrografia, propícias à

instalação de usinas hidrelétricas, cujos impactos ambientais decorrentes de

13 Bioma: conjunto de vida, vegetal e animal, especificado pelo agrupamento de tipos de

vegetação e identificável em escala regional, com condições geográficas e de clima similares e uma história compartilhada de mudanças cujo resultado é uma diversidade biológica própria (EMBRAPA).

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50

inundações para formação de represas contam com o fator compensatório

representado pela produção de energia limpa. Entretanto, com as recentes

descobertas das mega reservas de petróleo na camada pré sal, a participação

dos combustíveis fósseis na matriz energética brasileira tende a se elevar

significativamente e aumentar a já expressiva parcela de responsabilidade pelo

aquecimento global.

Figura 6 - Origem da energia elétrica consumida pela economia mundial

em 2005

Fonte: Agência Internacional de Energia, 2007

Embora exista em abundância, o petróleo tem suas reservas

concentradas em poucos países e o seu potencial para gerar valores

significativos por meio de subprodutos como plásticos, tecidos sintéticos,

acrílico, naftalina, além dos combustíveis utilizados em larga escala no mundo

todo, transformou esse recurso em um verdadeiro ouro negro, a ponto de ser

utilizado como objeto de barganha na busca de poder político pelos países

detentores dessa riqueza.

O surgimento de novos atores globais e a intensificação da produção de

bens de capital e de consumo, além de avanços nas relações de comércio e no

setor de serviços, proporcionados pela evolução nas telecomunicações e nos

processos de logística, transformou o sistema internacional e contribuiu para

modificar comportamentos sociais, a partir de então pautados em um

consumismo agravado pelo desperdício e pela inconseqüência.

Para compreender melhor essas mudanças, importa analisar a função

das corporações no mundo moderno, bem como sua relação e influência sobre

o poder estatal e os reflexos de sua atuação sobre o meio ambiente natural e

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51

humano, na medida em que representam o motor dinâmico do Capitalismo,

principal fator indutor das práticas inadequadas à preservação ambiental.

Originárias da Revolução Industrial, as corporações eram, inicialmente,

licenciadas pelo Estado para o exercício de tarefas específicas, com o objetivo

de servir ao bem público (THE CORPORATION, 2004). Sua evolução marcou a

transição de um modo de vida centrado em atividades estáveis, na agricultura e

no comércio, para outro centrado na velocidade das descobertas mecânicas e

no emprego de máquinas complexas em amplas instalações fabris,

submetendo o campo à cidade (SOUZA, 2008).

O avanço das atividades corporativas levou ao estabelecimento de

limites de atuação, por meio da definição de regras estatais, para conciliar os

interesses corporativos com os das populações. Contudo, a regulamentação

emanada pelo Estado não era bem aceita pelos grupos empresariais, cuja

atuação, a transcender as fronteiras de seus países, passava a requerer mais

poder e liberdade de ação para garantir a satisfação de seus interesses,

centrados na maximização do lucro, e, também, dos interesses dos detentores

do seu capital (THE CORPORATION, 2004). Observou-se, então, a exclusão

gradativa da promoção do bem estar social dos seus objetivos primordiais, com

reflexos diretos na sustentabilidade sócio-ambiental.

Como resultado dos esforços para aumentar poder, as corporações

foram reconhecidas como pessoas jurídicas14, fato que contribuiu para minar a

tutela estatal sobre suas ações e promover a transição do rígido controle legal

para a ausência de controle público (desregulamentação). Assim, os Estados

cederam espaços às corporações, as quais, por sua vez, se disseminaram e

estabeleceram presença em todo o mundo (THE CORPORATION, 2004).

Essa abrangência internacional potencializa sua capacidade produtiva,

cujos benefícios para a sociedade, representados pela promoção do bem estar

associado ao atendimento às necessidades de consumo, contrastam com sua

capacidade destrutiva, representada por práticas produtivas nocivas ao

14 Em 1886, o condado de Santa Clara, nos EUA, enfrentou nos tribunais a Southern Pacific Railroad,

poderosa companhia de estradas de ferro. No veredicto, o juiz responsável pelo caso declarou, em sua argumentação, que a corporação ré é um indivíduo que goza das premissas da 14ª Emenda da Constituição dos Estados Unidos, que proíbe ao Estado que este negue, a qualquer pessoa sob sua jurisdição, igual proteção perante a lei. Isso significa que, a partir daquele momento, era estabelecida uma jurisprudência através da qual, perante as leis norte-americanas, corporações poderiam considerar-se indivíduos (SOARES, 2004).

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52

planeta. Esse paradoxo se relaciona à adoção de comportamento pautado na

maximização dos lucros e qualifica as corporações como verdadeiras máquinas

externalizadoras15, resistentes a assumirem responsabilidades por danos

políticos, sociais, ambientais ou culturais (THE CORPORATION, 2004).

Para minimizar a imagem negativa associada às práticas

ecologicamente insustentáveis, potencializada pelo crescente espaço dedicado

pela mídia às questões ambientais e pelo recrudescimento das manifestações

sociais coletivas motivadas pelo tema, as corporações têm adotado discurso e

estratégia de marketing ecologicamente corretos. Porém, essa imagem de

responsabilidade ambiental pode não refletir a realidade e ser conseqüência de

imposição mercadológica, por exigência de diversos atores, dentre eles o

consumidor consciente. Assim, com a possibilidade dessa visível consciência

ambiental destinar-se a distorcer o absolutismo de verdades inconvenientes, é

oportuno se testar a aparente realidade com o raciocínio simples e lógico

demonstrado na Figura 8, a seguir:

Figura 7 – Responsabilidade Ambiental Corporativa e Aquecimento Global Fonte: elaborado pela autora

A figura apresenta uma situação de causa e efeito, na qual o aumento

da responsabilidade ambiental (o que se vê) traria melhoras para a crise

climática do planeta (o que se espera). Entretanto, a nítida piora dos aspectos

ambientais (o que se vê), cujas perspectivas de reversão ainda não são

visíveis, coloca em cheque a imagem positiva externada pelas corporações,

pois a equação, para tornar-se verdadeira, expõe uma realidade provável de

ausência de comprometimento corporativo em relação ao tema.

15 Uma externalidade surge quando uma pessoa se dedica a uma ação que provoca impacto no bem- estar

de um terceiro que não participa dessa ação, sem pagar nem receber nenhuma compensação por esse impacto (MANKIW, 2001).

Page 54: Monografia - REL - UCB

53

Segundo Sam Gibara, presidente da Goodyear, “o dano ao ambiente é

uma função do próprio processo industrial”, por isso, não há como eliminar a

emissão de gases de efeito estufa, por exemplo. A alternativa para reduzir o

impacto dessa prática seria estabelecer limites para a emissão de gases estufa

e criar permissões para que seja negociada (THE CORPORATION, 2004).

Se, por um lado, as corporações, com sua capacidade extraordinária de

descobrir, criar e inovar, estabeleceram, para si e perante a sociedade, um

conceito de indispensável eficiência associada ao progresso e à qualidade de

vida, por outro, promoveram a flexibilização dos processos produtivos, com

impacto negativo direto no nível de emprego a oportunizar subcontratações e

empregos temporários, sempre com vistas a viabilizar o aumento de seus

lucros (HAESBAERT, 2001; MATIAS, 2005).

Além disso, as atividades das corporações passaram a exercer impacto

direto na saúde das populações, como resultado da degradação do meio

ambiente, por meio da produção acentuada de lixo tóxico e detritos industriais,

do aumento da poluição em suas várias formas, bem como da emissão de

gases de efeito estufa, do extrativismo insustentável, do desperdício, da

devastação das florestas e da criação, em larga escala, de novos produtos

químicos, dentre outras práticas nocivas sob o ponto de vista ambiental. Tudo

isso contribuiu para acarretar o declínio de todo o sistema de suporte à vida e,

conseqüentemente, para desencadear a crise ambiental global e o

conseqüente aquecimento.

Nesse contexto, a própria fragilidade do poder estatal frente à

significativa influência das corporações sobre a política e os políticos, dificulta o

resgate do poder do Estado, considerado, neste estudo, fundamental para a

reversão da crise climática e da elevação da temperatura do planeta.

O inconformismo com a supremacia dos aspectos capitais sobre os

sociais e ambientais já se fazia presente no século XVIII, em meio à Revolução

Industrial, nas teorias e iniciativas dos chamados Socialistas Utópicos, dentre

os quais se destacou Robert Owen (SOUZA, 2008).

Empresário bem sucedido, Owen recriminou as condições gerais de

trabalho na época e desenvolveu, em suas empresas, ações de proteção

sócio-ambientais abrangendo, conforme Souza (2008), as seguintes iniciativas:

• Cooperação da classe privilegiada ao bem-estar da população;

Page 55: Monografia - REL - UCB

54

• filantropia e caridade;

• controle do trabalho infantil (idade mínima);

• urbanização;

• atenção à saúde coletiva;

• sistemas nacionais de emprego e de educação;

• lazer e descanso semanal;

• educação de jovens e adultos;

• trabalho voluntário;

• saúde preventiva;

• fundo previdenciário;

• fundo moradia;

• desenvolvimento comunitário; e

• política pública de combate à miséria e de proteção do trabalhador.

Também, apresentou diagnóstico sobre as condições de vida e de

trabalho da classe operária como subsídio à regulamentação e postulou sobre

a importância da intervenção do Estado na economia.

Posteriormente, no início do século XX, o modelo fordista de produção,

embasado na produção em massa e na especialização operária, passou a ser

alvo de preocupações pelas possíveis conseqüências para o futuro da

civilização. Na década de 1930, em sua obra literária “Admirável Mundo Novo”,

Aldous Huxley descreve, em alusão ao modelo fordista, uma sociedade cega,

domesticada e condicionada pelo sistema estabelecido. Essa reflexão de

Huxley (1932) mostra o homem como um mero produto, controlado rigidamente

pelos donos do poder. Se na década de 1930 “Admirável Mundo Novo” era

uma obra de ficção, para muitos sem fundamento, hoje se percebe interessante

similaridade entre a ficção futurista do passado e a realidade da sociedade

atual, com o Capitalismo globalizado e desregulamentado a impor processos

produtivos, regras de comércio e a criar e fomentar a sociedade consumista.

Na lógica contemporânea da desregulamentação do Capitalismo, a

intensa competitividade gerada pelo livre mercado acarreta diminuição dos

preços e aumento na demanda por bens e serviços. Assim, as corporações

precisam se diferenciar no mercado e, para isso, buscam conquistar a

confiança dos clientes, de forma a tornar mais fácil conduzir a sociedade no

Page 56: Monografia - REL - UCB

55

rumo do consumismo, da filosofia da futilidade e transformar seus cidadãos em

consumidores inconscientes, desarticulados, cuja concepção de si mesmos e o

senso de valor estão diretamente relacionados à quantidade de desejos que

conseguem satisfazer. A esse respeito e como exemplo cultural popular dessas

preocupações, em paráfrase à obra de Huxley (1932), Zé Ramalho (1990), na

letra de sua música Admirável Gado Novo, reforça o conceito de domínio do

sistema sobre o indivíduo ao referir-se à “vida de gado, povo marcado, povo

feliz”.

Nesse admirável mundo artificializado os novos e inovadores produtos

surgem no mercado com velocidade surpreendente e contribuem para

despertar desejos nos indivíduos, cujas propensões a consumir crescem

significativamente. Isso decorre da atuação das corporações em induzirem

novas necessidades de consumo, por meio de marketings disfarçados,

espécies de merchandising na vida real, impregnados de armadilhas moldadas

por mensagens subliminares, as quais condicionam, manipulam e seduzem o

consumidor constantemente (THE CORPORATION, 2004). Assim, as

corporações criam uma sociedade de consumo, moldada pelo fetichismo da

mercadoria e pela crescente mercantilização da vida humana, para a qual tudo

é passível de ser comprado e vendido (HAESBAERT, 2001).

Toda essa estratégia corporativa torna-se instrumento de dominação e

impede a percepção coletiva da gravidade de uma série de problemas, dentre

eles a degradação ambiental e sua conseqüência direta representada pelo

aquecimento global. Manifestações populares com motivações ambientais têm

contribuído para a necessária manutenção da publicidade sobre o assunto.

Entretanto, longe de prenunciarem o surgimento de uma consciência coletiva

sobre o tema, indicam, principalmente, comportamentos reativos a situações

pontuais, insuficientes para influenciar e induzir as mudanças necessárias na

relação de poder entre o Estado e a estrutura capitalista, imprescindíveis ao

realinhamento das práticas corporativas e dos processos produtivos, tudo isso

sob a perspectiva de uma nova regulamentação para o Capitalismo.

Esses são exemplos de comportamentos e práticas indutoras da

exploração insustentável dos recursos naturais, na perspectiva capitalista de

maior produção e acumulação de riqueza, caracterizada pela ausência de

critérios para um manejo ecológico, cujos desdobramentos contribuem para o

Page 57: Monografia - REL - UCB

56

desequilíbrio climático, com reflexos diretos no aumento da concentração de

CO2 na atmosfera e, conseqüentemente, na elevação da temperatura do

planeta.

Page 58: Monografia - REL - UCB

57

5 A MITIGAÇÃO DO AQUECIMENTO GLOBAL VIA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL

5.1 O CAMINHO PARA A SOLUÇÃO – INICIATIVAS DE REVERSÃO

No capítulo anterior constatou-se que a interferência humana no meio

ambiente contribui de forma significativa para o aquecimento global e para a

intensificação das catástrofes naturais. A gravidade da crise gerou

preocupações, predominantes no meio científico, e motivou a busca de

soluções para os problemas ambientais globais, comuns a toda a humanidade.

Entretanto, a situação prevalecente impõe desequilíbrio de força entre os

principais atores, refletido pela influência internacional do mercado global frente

à abrangência local da atuação do Estado, situação inviabilizadora de

iniciativas estatais isoladas e responsável por sérias dificuldades para o

estabelecimento de entendimentos acerca de assuntos de interesse global, a

exemplo do Protocolo de Quioto, com origem em 1997 e cujo ciclo, a se

encerrar em 2012, já não permite mais a realização de seus propósitos, tendo

em vista a negligência de alguns signatários de peso, dentre eles os Estados

Unidos, com relação aos seus objetivos e metas.

Esforços direcionados à reversão da crise ambiental, mediante

regulamentações determinantes de uma nova relação de poder entre

Capitalismo e Estado, por meio da qual um maior poder público permita o

sucesso de ações estatais melhor direcionadas, esbarram no fato de o

Capitalismo e os centros de acumulação de capital, muitas vezes, oferecerem

resistência deliberada à ampliação do poder do Estado (ARRIGHI, 1996 apud

MATIAS, 2005), cuja situação de fragilidade atual torna ainda mais complicado

realizar a transferência de poder necessária do Capitalismo para os Estados,

como propõe este estudo.

Assim, na atual conjuntura de crise ambiental, a cooperação deverá

conduzir a comunidade internacional no caminho de grandes mudanças para a

mitigação do aquecimento global, as quais deverão redefinir como os Estados

e os demais atores devem compartilhar poder. Nesse contexto, vale recordar o

Page 59: Monografia - REL - UCB

58

caráter anárquico do sistema internacional, em que Estados e outros atores,

mesmo dentro da anarquia, buscam a cooperação como forma de ajustar

interesses e viabilizar resolução de conflitos nas mais diversas áreas das

relações internacionais.

Diante da gravidade do problema e da falta de entendimento para a

busca de solução, emerge a necessidade urgente de se estabelecer ações

conjuntas entre os diversos atores do globo, facilitadoras da realização deste

interesse comum: a manutenção do equilíbrio climático do planeta Terra para o

não comprometimento da vida, em todas as suas formas. Para tanto, a

comunidade internacional deve direcionar esforços rumo a um processo de

coordenação política para evitar as ameaças sem precedentes, originadas nas

alterações climáticas, mediante exercício coletivo, via cooperação internacional

(PNUD, 2008).

O reconhecimento da necessidade da coordenação política no processo

é resultado da constatação da existência de comunidades humanas

ecologicamente interdependentes, cuja convergência para a solução do

problema requer, necessariamente, o caminho da cooperação. Se a crescente

interdependência econômica torna essenciais ajustes mútuos de políticas de

governos (cooperação internacional), tendo em vista interesses compartilhados

criarem demanda significativa por instituições internacionais e regras, a

interdependência ecológica não deve ser diferente, pois “as alterações

climáticas, recordam-nos vivamente aquilo que todos nós temos em comum:

chama-se planeta Terra. Todas as nações e todos os povos partilham a mesma

atmosfera” (PNUD, 2008, p. 2). Importa, portanto, agora, examinar as

condições sob as quais esse interesse conduzirá os Estados a situações de

cooperação.

A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano,

realizada em Estocolmo no ano de 1972, deflagrou um conjunto de iniciativas

destinadas a despertar a comunidade internacional e a humanidade para a

ameaça representada pela crise ambiental identificada, cuja ausência de

medidas ousadas para reverter o problema poderia acarretar sérios problemas

sócio-ambientais, muitos deles potencialmente irreversíveis. O objetivo inicial

da Conferência foi estabelecer critérios e princípios de preservação do meio

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59

humano. (DECLARAÇÃO DE ESTOCOLMO SOBRE O AMBIENTE HUMANO,

1972).

Em 1985, após a descoberta do buraco na camada de ozônio sobre a

Antártida, realizou-se a Convenção de Viena sobre a Proteção da Camada de

Ozônio. Em 1987, foi estabelecido o Protocolo de Montreal sobre substâncias

que destroem a camada de ozônio. Nesse mesmo ano, criou-se a Comissão

Mundial sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente (CMDMA) para discutir a

necessidade de conciliar preservação ambiental e desenvolvimento econômico.

Essa comissão produziu o Relatório “Nosso Futuro Comum”, conhecido,

também, como Relatório Brundtland, do qual surgiu o conceito de

desenvolvimento sustentável16.

Na medida em que as discussões sobre a crise ambiental global se

elevavam a patamares de relevância nos foros internacionais, tornava-se mais

objetiva a constatação da gravidade dos riscos aos quais a humanidade estava

exposta. Nesse contexto, a criação do Painel Intergovernamental sobre

Mudança do Clima (IPCC), em 1988, marcou o início do processo de análise e

avaliação, com base científica, dos efeitos da mudança climática. Assim,

Durante toda a década de 1990, o IPCC forneceu subsídios fundamentais para a condução das negociações internacionais e tem assumido papel de referência na formação da opinião pública sobre a questão da mudança do clima. (VIOLA, 2005, p. 189).

Do IPCC nasceu o primeiro Regime Internacional de Mudança Climática,

assentado na Convenção “Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do

Clima”, assinado em 1992 na Conferência das Nações Unidas para o Meio

Ambiente e o Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro. Os Estados ali

representados pautaram suas discussões e negociações na busca de

entendimento e convergência sobre as questões ambientais. Para tanto, se

propuseram a trilhar de forma conjunta os melhores caminhos, com vistas a

criar mecanismos viabilizadores da reversão do processo de aquecimento

global.

Em 1997, criou-se o Protocolo de Quioto, documento vinculado ao

Regime e cujo objetivo foi estabelecer medidas de redução da emissão de

16 Desenvolvimento sustentável: atender as necessidades do presente sem comprometer as necessidades

de gerações futuras. (NOSSO FUTURO COMUM, 1987).

Page 61: Monografia - REL - UCB

60

gases de efeito estufa nos países desenvolvidos, em pelo menos 5,2% até

2012, em relação aos níveis de 1990 (PROTOCOLO DE QUIOTO, 1997).

As metas tímidas do Regime e seu Protocolo não foram suficientes para

agilizar os processos de negociação, haja vista a falta de iniciativa dos países

quanto aos ajustes em suas políticas, na busca de um novo modelo de

desenvolvimento e de novos padrões de conduta, adequados à preservação

ambiental. O temor de um impacto negativo no modelo hegemônico capitalista

e no padrão de vida material fez os países inclinarem-se em favor da

manutenção do status quo.

A não ratificação do acordo, por parte dos Estados Unidos, responsáveis

por um quarto das emissões globais de gases estufa, contribuiu para gerar

grandes incertezas quanto ao futuro do Protocolo de Quioto, haja vista sua

eficácia para a mitigação do problema depender de consenso global e da

mobilização de todos os atores que sustentam o modelo capitalista (Estados,

grupos empresariais, organismos internacionais e não governamentais,

mercado global e sociedade civil), em prol do comprometimento com metas

rígidas de redução das emissões, do investimento em novas tecnologias e da

busca por fontes de energia limpas e renováveis (VIOLA, 2002).

Os processos de negociação sobre acordos e regimes internacionais

continuam mergulhados em uma lentidão estrutural (RICUPERO, 2007). Por

esse motivo Viola (2002, p. 28) assinala que

O regime internacional de mudança climática não se restringe aos acordos estabelecidos na Convenção do Rio de Janeiro e no Protocolo de Kyoto, mas prevê também a necessidade de uma consciência pública favorável a estabilizar o clima e de um vetor tecnológico que favoreça o investimento em tecnologias não intensivas de carbono.

Ainda, o PNUD (2008,p. 13) afirma que

Em muitas áreas das relações internacionais, a inatividade ou os atrasos nos acordos têm custos limitados. O comércio internacional é um exemplo. Esta é uma área em que as negociações podem ser interrompidas e reiniciadas de novo, sem prejudicar o sistema subjacente a longo prazo como testemunhado pela infeliz história da Agenda de Desenvolvimento de Doha. No que se refere às alterações climáticas, por cada ano que demoramos a chegar a um consenso para reduzir as emissões estamos a aumentar os stocks de gases com efeito estufa, determinando uma mais elevada temperatura para o futuro.

Por isso, diante das incertezas e dos riscos existentes, a sociedade não

pode continuar a aceitar a complacência e a prevaricação, características das

Page 62: Monografia - REL - UCB

61

negociações internacionais relativas ao clima (PNUD, 2008). “Ao mundo não

faltam recursos financeiros nem capacidade tecnológica para agir. Se o mundo

falhar na resolução do problema será devido à incapacidade de fomentar a

vontade política de cooperar” (PNUD, 2008, p. 18). E essa vontade política

começa com a opinião pública.

Nesse ponto, interessa ressaltar que

O regime de mudança climática exige sempre a presença de pelo menos um ator que impulsione o processo e que seja capaz de liderar e sustentar o regime. Pela sua importância na economia e no ambiente global e pela eficiência de sua governabilidade, apenas três países apresentam este potencial em primeira instância (Estados Unidos, União Européia e Japão). Países como a China, Índia, Rússia, Canadá, Indonésia e Brasil têm se relevado muito importantes em todo o processo de decisão, apesar de não constituírem um potencial de liderança (VIOLA, 2002, p. 30).

Para compreender, então, o cenário internacional da mitigação do

aquecimento global, interessa observar a Tabela 3, com informações

comparativas dos principais países emissores de CO2, sobre população,

produto interno bruto (PIB), PIB per capita, participação nas emissões globais e

nas áreas florestais mundiais e desmatamento médio anual.

País População Mundial (1999)

PIB Mundial (por poder de compra em 1999)

PIB per Capta (por poder de compra em 1999)

Emissões Mundiais de Carbono (1999)

Área Florestal Mundial (1995)

Desmatamento Médio Anual (1990-1998)

Estados Unidos 4,6% 21,3% US$ 29.200 24,5% 6% 0%

União Européia 6,3% 20,5% US$ 24.000 14,5% 2% 0%

China 21% 10,2% US$ 3.100 13,5% 4% 0,1%

Japão 2,1% 8% US$ 23.600 6% 0,7% 0%

Índia 16,5% 5,4% US$ 2.100 4,5% 2% 0,05%

Brasil 2,8% 2,9% US$ 6.500 2,5% 16% 0,5%

Rússia 2,4% 2,4% US$ 6.200 5% 22% 0,1%

Canadá 0,5% 2,3% US$ 31.000 2,5% 5% 0%

Indonésia 3,5% 1,3% US$ 2.400 1,5% 3% 1,1%

Tabela 3 – Principais Países Emissores de CO2 Fonte: Viola (2005)

Page 63: Monografia - REL - UCB

62

É interessante observar, a relação de proporcionalidade entre o

crescimento econômico dos países considerados e suas respectivas emissões

de CO2. A combinação dessas dimensões é fundamental para avaliar o peso

da responsabilidade de cada um para a gravidade do aquecimento global, bem

como para analisar os requisitos que garantem êxito nas iniciativas de

reversão, com destaque para a formação de um regime internacional de

mitigação, que supere a baixa eficácia e as significativas distorções do

Protocolo de Quioto, previsto para entrar em vigor no ano de 2012 (VIOLA,

2008). As Figuras 9 e 10 mostram, a partir da distorção dos mapas, efeito

visual interessante, representativo da relação direta entre o crescimento do PIB

mundial (com projeção para 2015) e a elevação das emissões de CO2.

Figura 8 – Mapa Representativo da Projeção de Crescimento Econômico Mundial para 2015 Fonte – ICONE (2007)

Page 64: Monografia - REL - UCB

63

Figura 9 – Mapa Representativo da Emissão Mundial de Gases de Efeito Estufa Fonte – ICONE (2007)

Os avanços e os entendimentos necessários requerem seriedade e

clareza de objetivos de todos os envolvidos. Para tanto, a condução do assunto

nos foros internacionais deverá produzir o comprometimento dos países em:

• criar um modelo de desenvolvimento sustentável, em que todos os

projetos de investimentos e os processos produtivos sejam

condicionados a analise de impactos ambientais, por meio de

critérios internacionalmente aceitos;

• implementar medidas para minimizar as causas do problema e

mitigar seus efeitos prejudiciais, tais como investimentos em uma

matriz energética mais limpa e renovável;

• desenvolver políticas públicas para evitar o desflorestamento e as

queimadas; e

Page 65: Monografia - REL - UCB

64

• desenvolver políticas sociais de conscientização ambiental para

encorajar participação mais ampla e ativa da sociedade e do terceiro

setor no enfrentamento do aquecimento global.

Os princípios norteadores das ações dos países devem destinar-se a

alcançar os objetivos do regime, pautados na estabilização da concentração de

gases de efeito estufa na atmosfera a um nível que impeça uma interferência

antrópica perigosa no sistema climático, de forma a permitir aos ecossistemas

adaptarem-se naturalmente à mudança do clima, a assegurar a suficiência da

produção de alimentos e a viabilizar o desenvolvimento econômico sustentável.

Nesse sentido, as partes contratantes devem, conforme estabelecido no

Regime Internacional de Mudança do Clima (1992):

• proteger o sistema climático para benefício das gerações presentes e

futuras, sob a liderança das nações desenvolvidas;

• considerar e reconhecer as necessidades específicas e as

circunstâncias especiais das partes constituídas por países em

desenvolvimento, cujas dificuldades intrínsecas os tornam mais

vulneráveis e, por isso, mais expostos aos riscos inerentes ao

problema;

• antecipar, evitar ou minimizar as causas das alterações climáticas; e

• promover o crescimento e desenvolvimento sustentável por meio da

cooperação internacional.

Em que pesem os esforços científicos para oferecer diagnóstico mais

objetivo, bem como a definição de princípios de conduta a serem assimilados

pelos países e as sucessivas rodadas de negociação em torno do Protocolo de

Quioto, observa-se, dezesseis anos depois da criação do Regime,

agravamento acentuado das causas do problema, e não mitigações, a

evidenciar ineficácia no cumprimento das ações propostas para sua reversão,

situação representativa não mais de tendências ou cenários possíveis, mas de

fatos em um palco de incertezas sobre o futuro da humanidade, no que se

refere à sua condição de sobrevivência no planeta.

O Regime Internacional de Mudança do Clima constitui, em tese, um

sistema de normas, regras e procedimentos decisórios capaz de impor

restrições à soberania estatal e deveria regular as relações entre os países

Page 66: Monografia - REL - UCB

65

signatários, bem como viabilizar ajustes políticos mútuos em prol do interesse

comum (VIOLA, 2002; VIOLA, 2005). Entretanto, fragilizado pela indiferença e

inércia dos principais atores do processo, cujas conveniências em favor do

Capitalismo de mercado superaram as preocupações com a saúde do planeta,

funcionou de forma precária.

Portanto, a reversão da crise ambiental só será possível com a

participação de todos os setores da sociedade e com o comprometimento de

todos os países em torno do cumprimento dos princípios, das normas e das

ações estabelecidas nos acordos e regimes internacionais. Porém, a fragilidade

do Estado frente ao poder do capital dificulta uma eficaz atuação do poder

público para fazer face aos desafios que as mudanças climáticas impõem. A

eficácia das iniciativas depende e necessita, então, de ações estatais

acertadas, convergentes mundialmente e aderentes às melhores práticas de

preservação ambiental.

Para evitar mais um insucesso e a possibilidade de exaustão das

alternativas de solução, tendo em vista o fator tempo, a eficácia das iniciativas

passa, necessariamente, por um processo de inversão na relação de poder

entre Estado e Capital, pois somente um Estado forte poderá produzir uma

adequada regulamentação, determinante para uma nova fase do Capitalismo,

na qual as práticas produtivas se mantenham em bases sustentáveis e

favoreçam o restabelecimento do equilíbrio climático do planeta.

5.1.1 A Fundamental Consciência Coletiva

A orientação capitalista produz comportamentos e processos produtivos

incompatíveis com a preservação da natureza. A auto-regulação do mercado,

associada à perda da autonomia do Estado, bem como ao surgimento de uma

sociedade de consumo controlada e condicionada pelos donos do poder (meios

de comunicação em massa, corporações) moldou um mundo puramente

mercadológico e desprovido de sensibilidade, respeito e sintonia para com a

natureza, determinante de práticas responsáveis pelo desequilíbrio climático do

planeta. Isso gera situação de risco iminente de fenômenos climáticos

Page 67: Monografia - REL - UCB

66

catastróficos, resultado do processo de aquecimento global e seus efeitos

adversos, a evidenciar a imperatividade da realização de grandes mudanças

para reverter o problema.

As transformações e adaptações necessárias recomendam a formação

de um novo modelo civilizatório, com o resgate do poder do Estado, juntamente

com a quebra do paradigma capitalista, por meio de um arcabouço

regulamentar calibrado para esse fim, pois, se sob um arcabouço de

desregulamentação o Capitalismo não conseguiu conciliar a sua ânsia por

expansão à utilização sustentável dos recursos naturais do planeta, torna-se

necessária a retomada do caminho inverso, como alternativa básica de

solução.

O exercício da autoridade do Estado nessa nova proporcionalidade de

compartilhamento do poder requererá o desenvolvimento de uma estrutura

multilateral forte para abrigar o futuro regime internacional de mudança do

clima e para proporcionar o estabelecimento de políticas públicas eficazes,

comuns a todos os seus signatários, para fazer face aos desafios climáticos.

Certamente essa regulamentação não se dará espontaneamente. O foco

do Capitalismo no ganho e acumulação de riqueza gera uma insensibilidade às

questões climáticas. Assim, vislumbra-se um processo de mudança induzido

por riscos representados pelo agravamento de eventos catastróficos.

Corrigir as imperfeições do Capitalismo e buscar alternativas

conciliatórias entre desenvolvimento e sustentabilidade é vital para tentar

reverter o processo de aquecimento global, assim como para lidar com as

conseqüentes ameaças para o planeta. Nesse sentido, o Estado, única

entidade capaz de alterar a lógica de auto-regulação do mercado e de

estabelecer regras restritivas às práticas humanas perversas em favor do

Capitalismo de mercado, surge como ator fundamental, tornando-se

imprescindível o resgate do seu poder.

Esse resgate de poder representa a reversão de um processo em que o

próprio Estado foi o promotor da expansão do capital, na medida em que optou

por transferir seu poder para o mercado e para os atores transnacionais. Nesse

sentido, Strange (1996 apud MATIAS, 2005, p. 148) afirma que

A mudança da autoridade do Estado para a autoridade do mercado resultou em grande parte de políticas estatais. Não é que as transnacionais tenham roubado ou furtado dos governos estatais o

Page 68: Monografia - REL - UCB

67

poder. Este lhes foi dado de bandeja e, além do mais, por razões de Estado.

Por isso, ações estatais objetivas e bem orientadas também não serão

espontâneas. A intervenção dos Estados no mercado geralmente vem

acompanhada de uma situação de crise, a exemplo da atual crise financeira

mundial, cuja solução depende de medidas e ações estatais para evitar

maiores impactos nos países e seus mercados.

A busca de solução para a crise financeira tem sinalizado algumas

mudanças rumo a uma carga regulamentar para o mercado, mediante

restrições de atuação e a instituição de melhores mecanismos de fiscalização,

cujas perspectivas já fazem parte dos discursos das principais lideranças

mundiais e representam a quebra do paradigma capitalista da

desregulamentação e do livre mercado. Assim, essa quebra de paradigma,

possível apenas em situação de crise indutora de graves impactos diretos ao

Capitalismo, pode favorecer o avanço da nova regulamentação para os

aspectos ambientais, não menos importantes, porém, menos sensíveis ao

senso capitalista da acumulação de riquezas.

Nesse contexto, em entrevista concedida a Globo News, a economista

Clarisse Messer chama a atenção para a necessidade de um esforço conjunto

da comunidade internacional na busca de mecanismos acertivos para

solucionar o problema. Para ela a civilização precisa ser conduzida sob novos

caminhos e os Estados, ao limitarem a expansão, até então ilimitada do

Capitalismo, devem buscar uma taxa de crescimento que não interfira na saúde

do planeta, considerando a questão ambiental, nem na saúde e no equilíbrio

financeiro do mundo.

Há uma diferença importante entre a recessão econômica mundial e a

crise ambiental. A primeira reflete diretamente no coração do Capitalismo: o

mercado financeiro. Por esse motivo, os Estados se mobilizam e interferem,

objetivamente, para reverter a crise, garantir a estabilidade do capital e, assim,

evitar conseqüências maiores nos países e seus mercados. A segunda,

embora comprometa o equilíbrio do sistema climático do planeta, a princípio,

favorece as pretensões capitalistas de geração de riqueza e maximização do

lucro, enquanto a adoção das medidas necessárias para equacionar a crise

impacta inversamente a dinâmica de funcionamento desse sistema.

Page 69: Monografia - REL - UCB

68

Por isso, a atuação fortalecida dos Estados para reverter a crise

ambiental não virá da vontade política, mas dependerá de um clamor popular

para que o tema entre na pauta das discussões das agendas públicas e dos

foros internacionais com mais seriedade e objetividade.

A constatação da gravidade dos efeitos do aquecimento global, bem

como a ausência de resultados positivos suficientes para frear sua evolução,

acarretou a popularização dos assuntos ambientais, disseminados em todos os

campos de conhecimento e em todas as esferas da sociedade.

A intensificação de fenômenos naturais atípicos, a exemplo da seca na

Amazônia, maior floresta tropical do mundo, do gradativo branqueamento dos

bancos de corais da Austrália, e dos alertas de documentos oficiais quanto aos

riscos das mudanças climáticas para o desenvolvimento humano e, até, para a

manutenção da vida no planeta, gera inquietações nas populações, temerosas

em relação aos impactos dessa grande tragédia humana em curso (IPCC,

2007; PNUD, 2008).

O risco de intensificação de catástrofes naturais causa ansiedade na

população e propicia o surgimento de movimentos ideológicos, motivadores de

apelos emocionais populares, resultado do incômodo das populações com

fatores como a poluição, os efeitos maléficos da industrialização, o

desemprego e a própria exploração do trabalhador (MAGALHÃES, 2007 apud

MOULATLET, 2007).

Essas manifestações, embora não representem necessariamente uma

consciência ambiental das populações, indicam uma perspectiva de evolução

da consciência coletiva, cujo resultado pode culminar em mudança de

comportamento de consumo que, por sua vez, pode produzir um movimento de

pressão a favor do posicionamento forte dos governos e induzir as corporações

a melhores práticas, compatíveis com a sustentabilidade requerida pelo

planeta.

Portanto, a opinião pública desempenha papel crucial para desencadear

as mudanças necessárias à solução da crise ambiental, pois, apesar de os

governos reconhecerem a realidade do aquecimento global, a ação política

rumo à cooperação internacional continua aquém do mínimo necessário para

resolver o problema (PNUD, 2008).

Page 70: Monografia - REL - UCB

69

A análise da relação causal entre os fatores indutores do aquecimento

global e os fatores vislumbrados para a sua mitigação, dentre eles a

fundamental consciência coletiva, demonstra a natureza sistêmica do problema

e evidencia o grau de dificuldade para a solução necessária e desejada.

Assim, o encadeamento seqüencial desses fatores, conforme observado

no lado esquerdo da Figura 11, permite perceber o conformismo popular

(Inércia social) com a redução do poder público (Estado fraco) sobreposto à

dinâmica de funcionamento do sistema (Capitalismo forte), indutora de práticas

antropogênicas (Comportamento), as quais resultam na emissão e na elevação

da concentração de CO2 (Gases estufa) na atmosfera e provocam o

desequilíbrio climático do planeta e o aquecimento global (Ameaça).

Figura 10 – Aquecimento Global – Relação de Causa e Efeito Fonte: elaborado pela autora.

Para a seqüência de fatores causadores do problema, fazem-se

necessárias fortes articulações no palco da Cooperação Internacional, para a

contraposição de um caminho para o resgate das condições favoráveis à sua

mitigação. Assim, conforme o lado direito da mesma figura, o equacionamento

vislumbrado, a partir de induções catastróficas (Fatores supervenientes),

deverá contemplar a reversão da atual inércia social (Consciência coletiva)

Page 71: Monografia - REL - UCB

70

para proporcionar uma nova escala de poder entre a fraqueza do Estado

(Estado forte) e a força do Capitalismo (Regulamentação), de forma a

possibilitar a adequação das práticas antropogênicas (Mudança

comportamento) e a conseqüente redução na emissão de CO2 (Redução gases

estufa) em níveis suficientes à mitigação do problema (Solução).

6 CONCLUSÃO

O desequilíbrio climático e o aquecimento global indicam preocupante

cenário para o meio ambiente e para o futuro da civilização, cujos efeitos

colocam em risco os biomas existentes no planeta e evidenciam a inadequação

do atual modelo de desenvolvimento, fundamentado na desregulamentação do

Capitalismo, à preservação ambiental. O problema requer solução urgente com

a participação ativa de todos os atores relevantes do sistema internacional

(Estado, mercado, empresas transnacionais, terceiro setor, sociedade civil).

Entretanto, as distintas interpretações em torno do assunto dificultam o

necessário consenso e, conseqüentemente, comprometem a eficácia das

iniciativas de solução e das rodadas de negociação já empreendidas.

Com a identificação da relação causal entre o sistema capitalista e o

aquecimento global, vislumbrou-se o fortalecimento do Estado, mediante nova

regulamentação para o Capitalismo, para atuar na reversão da crise climática,

via cooperação internacional.

Para testar a hipótese, foi identificada a origem do problema, associada

aos avanços tecnológicos e aos processos produtivos introduzidos pela

Revolução Industrial. Além disso, foi verificada a relevância e a forma de

atuação do Estado, nacional (regras do jogo) e internacionalmente (cooperação

internacional), na definição de caminhos viáveis a mitigação das mudanças

climáticas.

A análise foi desenvolvida a partir das abordagens teóricas do campo

das relações internacionais, Pluralismo e Globalismo, além de fundamentos de

Desenvolvimento Sustentável.

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71

A visão pluralista foi útil para aprofundar a compreensão das

modificações acarretadas pelo Capitalismo e perceber como atores

transnacionais exercem pressão sobre os governos e influenciam a política

estatal. Tal abordagem forneceu os elementos necessários para entender o

papel exercido pelo Estado no atual sistema internacional. Dentro dessa

perspectiva, foram utilizados elementos de interdependência complexa, de

cooperação internacional, de comunidades epistêmicas e do conceito de

regime internacional.

A ótica globalista das relações internacionais, por sua vez, foi base para

compreender o funcionamento e o processo de expansão do Capitalismo e sua

influência sobre as causas do aquecimento global, bem como contribuiu para a

percepção das modificações acarretadas pela Globalização nos modos de

produção, nos valores da sociedade, no papel do Estado e nas relações

homem-natureza.

Por fim, os fundamentos do desenvolvimento sustentável serviram de

alicerce para justificar e advertir sobre a necessidade de adaptação do sistema

capitalista e do modelo de desenvolvimento vigente, a novas realidades e

circunstâncias globais, agravadas pelo desequilíbrio climático.

A partir desse embasamento teórico a análise permitiu constatar:

• o mundo está submerso em uma nova realidade global;

• as controvérsias existentes na comunidade científica (Céticos x

Apocalípticos) não invalidam a realidade;

• as controvérsias entre as duas correntes se restringem,

basicamente, à amplitude das causas do aquecimento;

• a aparente tranqüilidade dos céticos não deve embasar

suposições de que o problema seja menor;

• é preferível a adoção responsável do pior cenário, conforme

preconizado pelos apocalípticos;

• a adoção das ações propostas pelo IPCC implicaria melhora na

qualidade de vida no planeta e preservação do remanescente do

meio ambiente natural e humano ainda não afetado pelo

aquecimento global;

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72

• as medidas viabilizadoras da contenção do problema

proporcionariam as condições necessárias para a continuidade do

desenvolvimento da civilização humana e acarretariam aspectos

positivos inegáveis tanto para apocalípticos quanto para céticos;

• é imperioso que as autoridades políticas e os detentores do

conhecimento técnico-científico, apoiados e induzidos por um

elevado grau de consciência coletiva, tenham o necessário

discernimento e tomem as decisões acertadas na escolha entre o

elevado custo das ações corretivas e o risco de confirmação da

visão do IPCC, com suas graves conseqüências para a

civilização;

• os cenários científicos já começaram a se confirmar;

• o processo de aquecimento global é um fato e seu agravamento é

determinado, principalmente, por fatores antropogênicos;

• a necessidade de ajustes no Capitalismo, em prol do

desenvolvimento sustentável;

• a importância da cooperação internacional no processo de

reversão do problema;

• o difícil resgate de poder do Estado, diante da forte presença das

corporações no mundo;

• a insuficiência da consciência coletiva, cuja participação é

fundamental para pressionar e induzir o Estado a desempenhar

papel de regulador do Capitalismo;

• a incapacidade do Estado de responder, sozinho, aos desafios do

aquecimento global;

• a solução depende de uma conjunção de fatores associados

(consciência coletiva, Estado forte, regulamentação do

Capitalismo, mudança de comportamento, redução de gases

estufa);

• a responsabilidade das empresas transnacionais no processo de

agravamento do aquecimento global, associado ao fato de o setor

privado ainda não ter incorporado a idéia de sustentabilidade e

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73

manterem suas iniciativas restritas a uma perspectiva

mercadológica;

• um processo de desregulamentação cujo avanço se deu de forma

paulatina, Estado a Estado, impulsionado por aderência aos

interesses corporativos, apresenta perspectivas débeis de

reversão, pois, para uma nova regulamentação, o caminho deverá

ser inverso ao poder econômico, potencializado pela

desregulamentação;

• a necessidade de mudanças paradigmáticas na atual conjuntura

do mundo globalizado capitalista tornou-se urgente e imperativa;

e

• a adequação das concentrações de gases estufa na atmosfera

para a necessária reversão do aquecimento e a transformação

dos modelos de desenvolvimento em consonância com a

conservação e proteção dos ecossistemas do globo são grandes

desafios a se vencer.

Pela análise realizada, considera-se que a hipótese foi comprovada, a

partir da constatação da relação causal entre o sistema capitalista e

aquecimento global e da fragilidade do poder do Estado frente ao Capitalismo

desregulamentado, fato que requer uma nova regulamentação para inverter

essa relação de poder e permitir que a atuação estatal fortalecida e integrada

internacionalmente proporcione um ambiente de cooperação e viabilize os

caminhos necessários para a solução do problema.

As pesquisas levadas a termo para a realização deste estudo, desde o

início, indicavam sérias dificuldades para a proposta de solução embasada na

atuação de um Estado forte, chegando a ser percebida como utópica diante do

poder e da inflexibilidade do paradigma capitalista, incompatível com a

necessária reversão na escala de poder entre Capital e Estado, como

diagnosticado no presente trabalho.

Entretanto, novidades planetárias surgidas no bojo da atual crise

financeira mundial, ainda que indesejáveis, induziram transformações nos

pensamentos dos principais líderes mundiais, na busca de alternativas para

amenizar os impactos sobre suas economias nacionais. Assim, passou a fazer

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74

parte do discurso cotidiano de todos eles a intervenção estatal como via de

solução, cuja viabilidade passa, necessariamente, pelo fortalecimento do

Estado frente ao poder capitalista.

A primeira ação dentro desse contexto foi o direcionamento de esforços

e recursos rumo a uma maior participação do Estado no setor financeiro, por

meio da estatização de bancos. O despertar dos governos para a necessidade

de fortalecimento do Estado não se desassocia da quebra do paradigma

capitalista e está plenamente refletido em declaração do Presidente em

exercício da União Européia, Nicolas Sarkozy, publicada no sítio Euronews

(2008):

A Europa deve ser portadora de uma idéia de refundação do capitalismo mundial porque o que se passou foi uma traição aos valores do capitalismo e isso não serve à economia de mercado. Não há regras, é a recompensa dos especuladores, em detrimento das empresas. Devemos ser portadores da idéia de uma nova regulação.

Dessa forma, o presente estudo, na busca da identificação de caminho

para a solução da crise climática, iniciado sob perspectivas utópicas quanto à

fundamental necessidade de fortalecimento do Estado por meio de nova

regulamentação para o Capitalismo, se conclui em meio a uma mudança

sensível no cenário mundial, provocada pela forte crise financeira, cujos

movimentos para solução intensificaram iniciativas de cooperação

internacional, na busca de uma nova escala de poder entre Capitalismo e

Estado, movimento que pode oferecer a perspectiva real do processo de

mudança requerido para a reversão do aquecimento global.

Em síntese, de todas as análises realizadas, conclui-se ser o

aquecimento global um fato. Quanto a isso não há controvérsias. As

divergências entre céticos e apocalípticos se restringem às causas do

problema. Então, por uma questão de responsabilidade para com o planeta e a

para com a humanidade e, até mesmo, dentro de uma coletividade, perceber-

se o exercício do instinto da precaução, a busca da reversão do fenômeno

deve ser priorizada.

Entretanto, a busca de solução envolve questões de elevada

complexidade. Complexidade essa, bem caracterizada quando se necessita de

cooperação internacional para produzir avanços sobre o tema, porque nenhum

Estado tem o poder de prover a solução individualmente. E essa cooperação

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75

está, hoje, comprometida pela fragilidade do Estado diante do Capitalismo

globalizado e desregulamentado.

Assim, como já abordado, o caminho para a solução passa,

necessariamente, por uma inversão na escala de poder entre o Capitalismo e o

Estado, que permita maior êxito na cooperação internacional para se atingir os

objetivos de mitigação do aquecimento global.

E para induzir todo o processo é fundamental a participação da

sociedade. E a sociedade só consegue ter peso nas soluções por meio de uma

consciência coletiva, determinante do tratamento do problema nas agendas

oficiais com mais seriedade e objetividade. Para a formação dessa consciência

coletiva, uma força estimulante torna-se necessária.

Nesse sentido, a Academia pode e deve assumir o papel dessa força

estimulante e, assim, exercer a responsabilidade de formar e informar a

sociedade sobre a realidade do aquecimento global e seus efeitos adversos,

com vistas a produzir essa consciência e proporcionar o início do processo de

mudança viabilizador da reversão da crise climática planetária. E na atuação da

Academia, a participação do internacionalista é necessária e fundamental

devido ao fato de adquirir, na sua vivência acadêmica, amplo arcabouço de

conhecimento e, por isso, deter considerável responsabilidade para com o

problema.

As dificuldades para solução são grandes, as perspectivas são

imprevisíveis, o processo de reversão ainda não se iniciou e, embora existam

importantes iniciativas de reversão das mudanças climáticas, como o Regime

Internacional de Mudança do Clima e o Protocolo de Quioto, essas se mostram

insuficientes para fazer face aos desafios do aquecimento global. É necessário,

então, que o meio acadêmico seja o motor da formação de uma sociedade

consciente, ator chave para desencadear as mudanças necessárias, rumo a

um futuro de menos riscos e melhor para toda a vida existente no planeta.

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7 RECOMENDAÇÕES

A necessidade imperativa de coesão e consenso, frente à falta de

engajamento dos principais atores às propostas para reverter a crise climática

e o aquecimento global indica, dentre outros fatores, a inviabilidade de solução

por meio de iniciativas isoladas.

Portanto, fica evidenciada a incapacidade de qualquer Estado responder

sozinho aos desafios do aquecimento global.

Assim, apresenta-se como fator fundamental e como única alternativa

capaz de iniciar o processo de mudança, a consciência coletiva em torno do

assunto. Entretanto, atingir um nível de consciência suficiente requer um

grande trabalho de formação e informação junto à sociedade. Nesse contexto,

a Academia é detentora dos melhores instrumentos para disseminar

conhecimento e consciência.

Recomenda-se, então, conforme já abordado neste trabalho, o

empreendimento de uma grande cruzada acadêmica contra as causas

antropogênicas do aquecimento global, por meio da disseminação do

adequado conhecimento do problema, a contribuir para a formação da

consciência coletiva desejada e necessária.

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