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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA – UFSC CENTRO SÓCIOECONÔMICO DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS CURSO DE GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS ECONÔMICAS RENATA PAES DE OLIVEIRA DO APARTHEID AO SÉCULO XXI: Histórico da Democratização Sul-africana Florianópolis, 2010

Monografia Renata - versão capa dura

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA – UFSC CENTRO SÓCIOECONÔMICO

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS CURSO DE GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS ECONÔMICAS

RENATA PAES DE OLIVEIRA

DO APARTHEID AO SÉCULO XXI:

Histórico da Democratização Sul-africana

Florianópolis, 2010

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RENATA PAES DE OLIVEIRA

DO APARTHEID AO SÉCULO XXI: Histórico da Democratização Sul-africana

Monografia submetida ao curso de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito obrigatório para a obtenção do grau de Bacharelado.

Orientador: Prof. Dr. Helton Ricardo Ouriques

Florianópolis, 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CURSO DE GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS ECONÔMICAS

A Banca Examinadora resolveu atribuir a nota ____ à aluna Renata Paes de

Oliveira na disciplina CNM 5420 – Monografia, pela apresentação deste trabalho.

Banca Examinadora:

-------------------------------------------------

Prof. Dr. Helton Ricardo Ouriques

--------------------------------------------------

Prof. Dra. Marialice de Moraes

--------------------------------------------------

Prof. Dra. Patricia Ferreira Fonseca Arienti

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço à minha mãe, que em todos os anos de minha vida acumulou

as funções de mãe, pai, amiga, irmã e conselheira. Obrigada por ser meu norte, meu porto

seguro e por me dar sempre a certeza de que eu te tenho ao meu lado.

Ao Professor Helton Ouriques que, já desde a Economia Marxista da terceira fase,

tornou-se minha referência dentro da Universidade, e se manteve assim nas outras duas

matérias cursadas com ele, além da orientação desta monografia, durante a qual soube

contornar minhas ansiedades e ser de grande apoio na concretização.

À família Beck Schröer, que representa uma segunda família para mim. À Ana, pela

amizade e autenticidade de sempre. E à Michele, que não seria tão minha irmã se

compartilhássemos os genes, além de ter uma das almas mais iluminadas que já desceu à

Terra. Obrigada pelo convívio, pelo apoio, pelos colos e pseudo-broncas, e também pela

normalização dessa monografia!

Aos amigos queridos que tiveram paciência com minhas ausências em função de

provas e monografia e que, mesmo sabendo que muitas vezes eu não poderia estar presente,

não deixaram de lembrar: Débora e Sandra Ramos, Fabiana Costa e, por último, mas não

menos importante, Fabrício Garrido, que sempre esteve perto, nos momentos bons e naqueles

não tão bons assim.

Às amizades construídas no CSE, que foram de grande apoio e alegria durante todo o

curso: Giseli Areas, Juliana Bortoluzzi, Karine Becker, Leticia Paola Badano Pivetta Camisão

(sorry Gringa, o teu nome eu tive que colocar inteiro!), Sabrina Martins e Valquíria Suttil.

A todos aqueles que não foram mencionados, não por falta de lembrança, mas de

espaço, e que de alguma forma fizeram parte dessa trajetória.

Por fim, agradeço à Doll, que tem sido minha companheirinha desde aquele dia

chuvoso do inverno, há seis anos atrás, quando apareceu na varanda de casa e nunca mais foi

embora.

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Os que lutam

Há aqueles que lutam um dia; e por isso são bons; Há aqueles que lutam muitos dias; e por isso são muito bons;

Há aqueles que lutam anos; e são melhores ainda; Porém há aqueles que lutam toda a vida; esses são os imprescindíveis.

Bertold Brecht

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RESUMO

OLIVEIRA, Renata Paes de. Do Apartheid ao Século XXI: Histórico da democratização sul-africana. 2010. 81f. Monografia em Ciências Econômicas, UFSC, Florianópolis. A presente monografia apresenta uma breve perspectiva acerca da história social, econômica e política da República da África do Sul, especialmente no período compreendido entre o ano de 1948 e a primeira década do século XXI. Partindo de uma análise dos fatos históricos, o objetivo deste trabalho é o de evidenciar os fatores que levaram o país à sua situação atual, passando pela herança cultural de sua colonização, pelo estabelecimento do regime de segregação racial conhecido como apartheid e pela queda do mesmo regime, que resultou finalmente na democratização do país. Dessa forma, considerando os problemas internos e sanções internacionais impostas ao país devido ao regime que perdurou por mais de quatro décadas, este hoje vive uma situação de grandes carências estruturais, com graves problemas de desigualdades sociais, desemprego e crise na saúde pública, sendo o país com maior incidência de infecção com o vírus HIV/AIDS de todo o mundo. Desde 1994, quando da realização das primeiras eleições multirraciais no país, que aclamaram o líder anti-apartheid Nelson Mandela como presidente e marcaram o início da democracia no país, diversas ações foram tomadas no sentido de superar o passado e inserir a RAS no mapa do desenvolvimento. Atualmente liderando o bloco formado pelos países da África Subsaariana, desponta como potência regional, ainda que periférica. Com vistas ao desenvolvimento e avanço econômico, o país lançou em 2004 um ambicioso plano de metas de aceleração do crescimento, que busca erradicar seus problemas de pobreza até o ano 2014. Palavras-chave: África do Sul. Nelson Mandela. Apartheid. Democratização.

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ABSTRACT

OLIVEIRA, Renata Paes de. Do Apartheid ao Século XXI: Histórico da democratização sul-africana. 2010. 81f. Monografia em Ciências Econômicas, UFSC, Florianópolis. This monograph presents a brief overview concerning social history, economics and politics of the Republic of South Africa, especially in the period between year 1948 and the first decade of the twenty-first century. Based on an analysis of historical facts, the aim of this paper is to evidence the factors that led the country into its current situation, showing the cultural heritage of its colonization, the establishment of the system of racial segregation known as “apartheid” and its fall, which finally resulted in the democratization of the country. So, considering the internal problems and international sanctions imposed on the country due to the regime that lasted for over four decades, it currently faces a situation of major structural weaknesses, with serious problems of social inequality, unemployment and public health crisis, as the country with the highest incidence of infection with HIV / AIDS worldwide. Since 1994, when the first multiracial elections in the country took place, and hailed the anti-apartheid leader Nelson Mandela as president and marked the beginning of democracy in the country, various actions were taken to overcome the past and enter the RAS on the map development. Currently leading the bloc formed by the countries of Sub-Saharan Africa is emerging as a regional power, although peripheral. With a view to development and economic progress, the country in 2004 launched an ambitious plan targets accelerated growth, which seeks to eradicate their problems of poverty by the year 2014. Keywords: South Africa. Nelson Mandela. Apartheid. Democratization.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Mapa de localização da África do Sul......................................................................21

Figura 2 - Placa utilizada na era do apartheid..........................................................................26

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LISTA DE TABELAS Tabela 1: Principais indicadores da África do Sul, anos 2000 a 2008......................................33

Tabela 2: Comparativo entre países membros da SADC e RAS em 1992...............................40

Tabela 3: Comparativo Produto Nacional Bruto em 1992........................................................41

Tabela 4: PNB da África Austral comparado com outros países e mundo em 1992................41

Tabela 5: Comparativo entre indicadores da África do Sul e outros países em 2008..............42

Tabela 6: Indicativos dos países membros da SADC em 1999................................................45

Tabela 7: Indicativos dos países membros da ECOWAS em 1999..........................................46

Tabela 8: Indicativos dos países membros da SADC em 2008................................................46

Tabela 9: Indicativos dos países membros da ECOWAS em 2008..........................................47

Tabela 10: Comparativo dos indicadores da RAS e do Brasil nos anos 2000 e 2008..............52

Tabela 11: Importância das exportações para a África do Sul nas exportações brasileiras e

nas importações da África do Sul, em 2003 (em U$D)...........................................................54

Tabela 12: Importância das Importações da África do Sul nas importações brasileiras e

nas exportações da África do Sul, em 2003 (em US$)............................................................55

Tabela 13: Investimento econômico para realização da Copa do Mundo 2010.......................70

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACP: African Christian Democratic Party

ANC: African National Congress

AsgiSA: Accelerated and Shared Growth Initiative for South Africa

CVR: Comissão de Verdade e Reconciliação

ECOWAS: Economic Community of West African States

EEN: Empoderamento Econômico Negro

ELF: Estados da Linha de Frente

EUA: Estados Unidos da América

FIFA: Fédération Internationale de Football Association

HCDS: Harmonized Commodity Description System

HIV / AIDS: Vírus da Imunodeficiência Humana

IDH: Índice de Desenvolvimento Humano

IPEA: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

MERCOSUL - Mercado Comum do Sul

MK: Umkhonto we Sizwe

NAFTA: North American Free Trade Agreement

NCM: Nomenclatura Comum do MERCOSUL

NP: National Party

NSP: Plano Estratégico Nacional

OIAC: Organização Internacional de Aviação Civil

OMS: Organização Mundial de Saúde

ONU: Organização das Nações Unidas

PAC (1): Pan African Congress

PAC (2): Programa de Aceleração do Crescimento

PIB: Produto Interno Bruto

PNB: Produto Nacional Bruto

RAS: República da África do Sul

RDP: Reconstruction and Development Programme

SADC: Southern African Development Community

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SADCC: Southern African Development Coordination Conference

SIDA: Síndrome da Imunodeficiência Adquirida

UA: União Africana

UIT: União Internacional de Telecomunicações

UNAIDS: Joint United Nations Programme on HIV/AIDS

UNESCO: United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization

URSS: União Soviética

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................14

1.1 Tema e problema.............................................................................................................15

1. 2 Objetivos.........................................................................................................................16

1.2.1 Objetivo Geral................................................................................................................16

1.2.2 Objetivos Específicos.....................................................................................................17

1.3 Justificativa......................................................................................................................17

1.4 Metodologia......................................................................................................................18

1.5 Estrutura do trabalho......................................................................................................19

2 HISTÓRIA DA ÁFRICA DO SUL: A CONSTRUÇÃO DE UMA

SOCIEDADE DIVIDIDA PELA COR ...............................................................................20

2.1 A colonização e os atos que antecederam o apartheid....................................................22

2.2 A oficialização do regime..................................................................................................23

2.3 Nelson Rolihlahla Mandela .............................................................................................27

2.4 A imagem da RAS no cenário internacional..................................................................29

2.5 A libertação de Mandela e a queda do regime...............................................................30

2.6 Novas eleições e herança do apartheid.............................................................................32

2.7 Situação na última década................................................................................................33

3 O PAPEL DA AFRICA DO SUL NA SADC....................................................................35

3.1 O surgimento do SADCC e a transformação em SADC...............................................35

3.2 Características da SADC..................................................................................................38

3.3 A entrada da África do Sul na SADC.............................................................................39

3.4 Comparativo entre Bloco Sul (SADC) e Norte (ECOWAS).........................................44

3.5 Pacto da SADC pela erradicação da pobreza................................................................48

4 A RELAÇÃO ENTRE ÁFRICA DO SUL E BRASIL........... ..........................................50

4.1 As particularidades da relação entre Brasil e África do Sul.........................................52

4.2 O comércio já existente entre os dois países...................................................................53

4.3 MERCOSUL e SADC: ajuda mútua no eixo Sul-Sul?..................................................56

5 O CAMINHO SUL-AFRICANO RUMO AO SÉCULO XXI........ .................................59

5.1 Fazendo as pazes com o passado: as Comissões de Verdade e Reconciliação.............61

5.2 As ações afirmativas..........................................................................................................63

5.3 AsgiSA, o “PAC” sul-africano.........................................................................................65

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5.4 O desafio da saúde pública...............................................................................................66

5.5 Objetivos do Milênio.........................................................................................................68

5.6 Copa do Mundo 2010........................................................................................................69

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................71

REFERÊNCIAS......................................................................................................................74

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1 INTRODUÇÃO

O continente africano, dominado pela Europa no final do século XIX, passou pelos

processos de libertação colonial no pós-guerra, e sofreu efeitos devastadores a partir da crise

dos anos 1980, ficando a mercê dos fluxos produtivos mundiais. No entanto, a partir do

começo do século XXI, este tem se mostrado bastante interessante aos olhos das mesmas

potências mundiais, especialmente no que diz respeito à sua disponibilidade de recursos

naturais, dentre eles o petróleo. A própria China, que desponta como provável substituta dos

EUA enquanto potência hegemônica mundial perdoou dívidas legítimas do continente

africano no ano 2000, estreitando seus laços comerciais com este e, de certa forma, garantindo

seu abastecimento energético no futuro. (ARRIGHI, 2008).

A União da África do Sul foi proclamada em 31 de maio de 1910 e hoje se destaca

como sendo a maior e mais sofisticada economia do continente africano. No entanto, ainda

amarga graves problemas, resultantes de sua própria colonização e especialmente agravada

pelos anos do regime de segregação racial do apartheid, vigente a partir de 1948. A queda do

regime ocorreu em 1994, quando finalmente foram realizadas suas primeiras eleições

multipartidárias e multirraciais, que resultaram na vitória de Nelson Mandela, que

anteriormente havia sido sentenciado à prisão perpétua pela prática de ações armadas em

oposição ao apartheid, agora se tornava o primeiro presidente negro do país.

Desde a eleição de Mandela, em 1994, a África do Sul passou a fazer parte da

Southern African Development Community (SADC), juntamente com outros treze países do

continente. Entretanto, as próprias relações desta com os demais países membros ainda

conflitam, visto que sua adesão a transportou do “papel de adversário ao de liderança quase

natural, causando diversos constrangimentos e criando novos gargalos ao andamento da

SADC”. (SANTOS, 1999, p.128).

Porém, apesar do grande passo rumo à redemocratização sul-africana que representou

a queda do regime de segregação entre brancos e negros, o país, juntamente com o restante de

seus vizinhos da chamada África Subsaariana (ou África negra, representada pelos países

localizados abaixo do Deserto do Saara de acordo com a convenção geográfica eurocentrista,

segundo a qual o Norte encontra-se acima e o Sul abaixo), tiveram o próprio acesso ao

desenvolvimento negado por um capitalismo cada vez mais competitivo, cujas consequências

tem sido o agravamento da polarização, desigualdade e exclusão social, aumentando assim o

sofrimento da população. (CASTELLS, 1999).

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Na tentativa de superar o passado de discriminação dentro de sua própria população, a

África do Sul tem realizado, desde a queda do regime segregacionista em 1994, diversas

ações no sentido de melhorar as condições de vida de sua população, além de buscar parcerias

com os demais países do continente e tomar a frente na promoção de ações no sentido de

restabelecimento da paz entre os povos do continente.

Sendo assim, ainda há um longo caminho pela frente, com muitas contas ainda a

acertar junto à sua própria população, que possui carências de todas as naturezas possíveis.

Não há argumentação contra a existência de problemas relativos à saúde, miséria e educação

não somente no país, mas no continente africano como um todo. Entretanto, há de se

reconhecer que desde a queda do regime já foram registrados progressos no sentido de

diminuir o sofrimento da população, seja no sentido econômico, social ou mesmo moral.

O presente trabalho buscou, portanto, entender a atual situação da República da África

do Sul, não apenas caracterizando-a como um país com sérios problemas estruturais, mas

como uma nação que tenta emergir, de forma pacífica, de uma longa história de desigualdades

e repressões para um futuro que pode ser ainda promissor.

1.1 Tema e problema

Igualdade e a ideia de oportunidades iguais são conceitos razoavelmente novos para a maioria dos sul-africanos. Até 1994, quando houve as primeiras eleições democráticas e a confecção de uma nova Constituição, o apartheid ainda não havia sido abolido. Enquanto os EUA tiveram trinta anos de experiência em práticas de igualdade de oportunidades, a situação na África do Sul é diferente. Apesar das conversações sobre ação afirmativa no início dos anos noventa, foi – e ainda está sendo – a década de noventa que se dirige a problemas do apartheid e políticas igualitárias através do processo de ação afirmativa. A história laboral da África do Sul é recheada de legislações, decisões e práticas de Apartheid. (JAARSVELD, 2000, p.17).

Em 20 de abril de 2008 a África do Sul assinou, juntamente com os demais países

membros da SADC, a Declaração da SADC sobre a erradicação da pobreza e o

desenvolvimento sustentável, na qual declaram urgentes as ações focadas em onze áreas de

prioridade, sendo: a) Assegurar a Paz, a Segurança e Democracia; b) Acelerar a liberalização

do comércio e o desenvolvimento; c) Acelerar o Desenvolvimento de Infraestruturas para a

Integração Regional, a Erradicação da Pobreza e o Desenvolvimento; d) Garantir a Segurança

Alimentar, a Gestão dos Recursos Naturais e o Ambiente Sustentável; e) Melhorar o

Desenvolvimento Humano e Social; f) Assegurar a Igualdade do Gênero e Desenvolvimento;

g) Intensificar o Combate contra o HIV e SIDA; h) Dominar a Ciência, Inovação e

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Tecnologia; i) Promover e Reforçar a Parceria com o Setor Privado; j) Reforçar os

Mecanismos Institucionais e a Monitorização e Avaliação; k) Intensificar a Mobilização de

Recursos (SADC, 2008).

Os objetivos almejados pela SADC mostram-se deveras otimistas em relação ao futuro

de seus países membros, principalmente considerando que até mesmo a África do Sul,

considerada o país mais desenvolvido deles vive hoje uma realidade preocupante no que diz

respeito à situação de extrema pobreza da população, que sofre com altos índices de

desemprego (22% no quarto trimestre de 2008), corrupção e criminalidade, além do recuo do

Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) recorrente desde a queda do regime do apartheid

em 1994, o que hoje situa o país na 125ª posição em um grupo de 177 países. De qualquer

forma, as principais metas fixadas pelo SADC no sentido de promover a integração

econômica da região são bastante específicas, possuindo inclusive data para serem

alcançadas: a) criação de uma união aduaneira em 2010; b) criação de um mercado único em

2015; c) implementação de uma união monetária em 2016; d) criação de uma moeda única em

2018. (CARVALHO; PINHEIRO; SOUSA, 2007).

É plausível afirmar que as metas e prazos definidos pela SADC são de fato ambiciosos

demais, considerando-se a atual conjuntura da região e o fato de que busca alcançar em uma

década aquilo que a União Europeia, em condições incomparavelmente mais favoráveis,

levou mais de quatro décadas. Eis que surgem as questões problema: ainda que num futuro

não exatamente próximo, mas possível, a África do Sul está de fato caminhando no sentido de

atender às necessidades e expectativas projetadas? E, em caso de sucesso, este será

compartilhado com seus vizinhos menos favorecidos? Seria este o caminho para finalmente

colocar o continente africano em condições de adentrar o século XXI?

1. 2 Objetivos

1.2.1 Objetivo Geral

Este trabalho buscou realizar um resgate histórico do processo de democratização da

República da África do Sul, desde a instauração do regime de segregação racial conhecido

como apartheid até a queda do mesmo, para análise da atual situação, barreiras e perspectivas

para o desenvolvimento futuro do país.

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1.2.2 Objetivos Específicos

De modo a alcançar o objetivo geral, procurou-se:

• Realizar uma revisão histórica da trajetória da África do Sul, desde a época da

instauração do regime do apartheid até às mudanças decorrentes de sua queda em

1994;

• Avaliar o papel da África do Sul dentro da SADC e os desafios desta para implantação

da área de livre comércio entre os países membros em busca do desenvolvimento da

região;

• Mostrar a evolução histórica das relações da África do Sul com o Brasil.

1.3 Justificativa Desse exercício de poder predatório que caracteriza a maioria dos Estados africanos, resultam três grandes conseqüências: primeiramente, os recursos são apropriados por particulares ou pelo próprio governo, mas sempre desvinculados da economia do país; em segundo lugar, o acesso ao poder de Estado equivale ao acesso à riqueza, e também às fontes de futuras riquezas; por fim, o povo deve submeter-se sempre à rede de patronagem para ter acesso à distribuição de empregos, serviços e pequenos favores em todos os níveis do Estado. (CASTELLS, 1999, p.123).

Em pleno século XXI verificamos o surgimento de um Quarto Mundo, caracterizado

pelo capitalismo informacional, pela pobreza e exclusão social de países inteiros a quem foi

negado o próprio desenvolvimento. A realidade da imensa maioria dos países do continente

africano é a individualização do trabalho, tolerância e até mesmo regulamentação da

superexploração do trabalho feminino e infantil, além da exclusão social de grupos e países

inteiros que, se não mais segregados pela cor, ainda pela miséria constante na vida de seus

cidadãos. (CASTELLS, 1999).

A África do Sul, apesar de ainda ter graves problemas herdados desde sua

colonização, e potencializados por conflitos internos, desponta como a principal economia do

continente, mantendo relações comerciais com os mais diversos países e blocos econômicos.

Ainda que registre cerca de 50% de sua população vivendo abaixo da linha de pobreza e uma

taxa de desemprego aproximada de 37% da população economicamente ativa (ZOCKUN,

2005), o país é aquele com melhores perspectivas de futuro quando comparado a seus

vizinhos.

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Entretanto, apesar de possuir perspectivas de desenvolvimento muito vantajosas em

relação a seus vizinhos, o país passa por um grave problema de saúde pública, visto que, de

acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano da África do Sul apresentado pela

Organização das Nações Unidas (ONU) em 2004, 12,6% de seus habitantes estavam

infectados com o vírus HIV já em 2003, o que corresponde a 5,58 milhões de pessoas. Tal

estatística torna a África do Sul o país com maior e mais preocupante incidência de casos de

HIV não só do continente, mas de todo o mundo. (CARVALHO; PINHEIRO; SOUSA,

2007).

Assim, esta pesquisa buscou contribuir no entendimento do caminho seguido pela

África do Sul no sentido de conter o avanço global da pobreza e, desta maneira, atenuar seus

problemas mais urgentes como o da saúde pública e desemprego, bem como suas

possibilidades de cooperação junto aos demais países membros da SADC, para que estes

saiam da contramão do desenvolvimento e possam prover a seus cidadãos condições ao

menos minimamente dignas de sobrevivência.

Por outro lado, fez parte também dos objetivos deste trabalho verificar a evolução das

relações econômico-comerciais mantidas entre África do Sul e Brasil, desde o

estabelecimento político destas até os dias atuais.

1.4 Metodologia

“Na investigação econômica, os métodos mais utilizados são o observacional, o

comparativo, o estatístico e o monográfico” (GIL, 2002, p.40). A efetivação deste trabalho

necessitou da realização de revisão de literatura associada à pesquisa em órgãos oficiais para

coleta de dados sobre a história social, política e econômica da África do Sul, especialmente

no período a partir de 1994, quando da queda do regime de segregação racial vigente no país

desde 1948. Desta forma, a partir de sua definição como uma investigação história, a

metodologia de trabalho utilizada foi essencialmente de pesquisa bibliográfica e documental.

Fez-se necessária também a contextualização política e histórica global, quando da

ascensão do regime, bem como quanto da sua queda, para que possa ser entendida a

importância dos atores sociais que se sobressaem, como é o caso de Nelson Mandela,

primeiro presidente negro eleito no país, nas primeiras eleições gerais realizadas após a queda

do regime.

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Sendo assim, ainda que a ênfase maior seja no período posterior à queda do regime de

segregação racial, não há como entender a situação do país sem buscar nas raízes do regime a

motivação para sua implementação, que são parte integrante da herança que ainda hoje se

busca combater.

Desta maneira, a presente monografia buscou fazer um resgate através da compilação

de fatos pesquisados, com o objetivo não de quantificar dados, mas de qualificar o

entendimento do processo histórico como um todo.

Importante ressaltar que não foi considerado objetivo desta pesquisa a realização de

minúcias sobre: legislação, sanções impostas pela ONU ou conflitos políticos ocorridos entre

a RAS e outros países do continente africano. Para que fosse facilitada a leitura, fatos cujo

detalhamento não foi considerado essencial foram mencionados no decorrer do texto, mas não

tiveram prolongada explicação.

1.5 Estrutura do trabalho

O presente trabalho buscou apresentar a história sul-africana através de uma

perspectiva sócioeconômica e, para tanto, foi dividido em cinco partes, além da parte

introdutória que é o primeiro capítulo. Na segunda delas foi apresentado um histórico da

situação sócioeconômica da África do Sul, especialmente no período compreendido entre

1948 a 2009, passando pela ruptura do regime do apartheid, mas também fazendo um resgate

do que motivou sua instalação. Ainda, foi feito um estudo no que diz respeito à evolução dos

indicadores sócioeconômicos do país. No terceiro capítulo foi realizada uma investigação

acerca do papel da África do Sul dentro da SADC, bem como sua relação com os demais

países membros. O quarto capítulo pretendeu mostrar a evolução histórica das relações da

África do Sul com o Brasil. Já o quinto capítulo ofereceu um panorama contendo a situação

atual e as perspectivas para o futuro do país, a evolução das relações e interesses

internacionais, bem como os possíveis benefícios e malefícios ocasionados pelos

investimentos em infraestrutura realizados para sediar a copa de 2010. Por fim, o sexto

capítulo trouxe as considerações finais acerca do trabalho realizado.

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2 HISTÓRIA DA ÁFRICA DO SUL: A CONSTRUÇÃO DE UMA SOCIEDADE DIVIDIDA PELA COR

O continente africano foi assim confrontado, no processo de sua incorporação à economia-mundo capitalista, por uma ideologia intrusiva que não só rejeitou o valor dos deuses que tinham sido os da África, mas que também foi penetrante no sentido de assumir múltiplas faces: cristianismo, ciência, democracia, marxismo. [...] no curso dos últimos 100 anos, surgiu o conceito de África. Trata-se de uma palavra europeia que foi definida pela primeira vez por europeus. [...] enquanto vivermos num sistema-mundo hierárquico, singular, a economia-mundo capitalista, evocar a questão de determinar se um conjunto de ideias ou maneira de pensar é universal (europeu) ou africano simplesmente nos devolve ao dilema insolúvel que o próprio sistema criou. Para sairmos desse dilema, temos de nos aproveitar das contradições do próprio sistema a fim de ir além dele. (WALLERSTEIN, 2006, p. 150).

O continente africano é provavelmente o mais diversificado do globo: múltiplos

povos, idiomas, credos e culturas formam seu território. Entretanto, sua história foi marcada

por uma série de conflitos. Antes mesmo de seu descobrimento por parte de expedições

vindas da Europa, seu próprio povo dividido em tribos rivais guerreava entre si. Com a

chegada dos europeus a situação foi agravada pelo comércio negreiro, que transformou o

continente em fonte inesgotável de mão de obra escrava. Do ponto de vista econômico, o

tráfico tinha ainda dupla função: os escravos tinham tanto valor de troca, ao serem tratados

como dinheiro, como valor de uso, pois representavam também força de trabalho.

A África do Sul é localizada no extremo sul do continente africano, fazendo parte da

chamada África Subsaariana, ao sul do Deserto do Saara, tendo sido formada pela união de

quatro províncias: Cabo da Boa Esperança, Trasnval, Estado Livre de Orange e Natal. Assim

como o restante do continente, o país sofreu com invasões, ocupações e pilhagens durante

toda sua história: holandeses e ingleses praticamente se revezavam em constantes ocupações

da região da Cidade do Cabo, ouro e diamantes foram extraídos de seu território a custo da

exploração do trabalho de seu povo, sem qualquer retorno para este.

Com um território de 1.220.088 km2, que a coloca na posição de 25º maior país do

mundo em área, a África do Sul atualmente é dividida em nove províncias, cada uma possui

legislação e conselho executivo próprios. Entretanto, a administração oficial do país é

dividida entre as cidades de Pretória (capital executiva), Cidade do Cabo (capital legislativa) e

Bloemfontein (capital judiciária) e, tem sua cidade mais populosa Johanesburgo considerada

como capital econômica (SOUTH AFRICA GOVERNMENT ONLINE, 2010). A moeda

oficial do país é o Rand, sendo a conversão de R1 para U$0,13, ou seja, 7,69 Randes sul-

africanos equivalem a 1 dólar estadunidense, de acordo com a cotação de 11 de junho de

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2010, no Banco Central do Brasil. A Figura 1 ilustra a localização da República da África do

Sul, bem como suas fronteiras.

Figura 1: Mapa de localização da África do Sul Fonte: Voyage Fotos da África do Sul.

Por muitas décadas a África do Sul enfrentou um sério problema de discriminação

dentro de sua população para com sua própria população, o que acabou gerando um dos

regimes mais crueis de que se tem notícia, o apartheid, que estabelecia uma diferenciação

entre negros e brancos. Assim, ainda que o foco deste trabalho seja econômico, é de suma

importância que seja realizado um resgate histórico da formação da República da África do

Sul (RAS), ainda que breve, mas passando pela instauração do regime segregacionista, seu

desenvolvimento, consequências e, finalmente, sua queda. E é a esta tarefa que se propõe este

capítulo.

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22

2.1 A colonização e os atos que antecederam o apartheid

No decorrer de sua história, de colonização europeia e, consequentemente,

subordinação aos interesses dos colonizadores, a herança cultural deixada foi de superioridade

dos brancos em relação aos negros, visto que os primeiros eram letrados e considerados

intelectualmente superiores e os outros eram vistos como mera força de trabalho,

consequentemente inferiores. Entretanto, essa cultura de superioridade branca enraizada na

população alcançou níveis que superavam a mera preferência dos brancos sobre os negros,

sendo oficializada mediante a criação de atos legislativos que legalizavam regras e direitos

diferenciados para os indivíduos dependendo da cor de sua pele.

Dentre os Atos Regulamentadores aprovados no país, merecem destaque três destes

que talvez provavelmente tenham sido os mais importantes no sentido de fornecer subsídio

formal para a instauração dos demais e, consequentemente, para a futura legislação que tornou

o regime separatista algo natural para a população branca do país, que apoiou sua aprovação.

São eles: a) Native Labour Regulation Act de 1911 que considerava ofensa criminal o fato de

um negro quebrar um contrato de trabalho; b) Dutch Reformed Church Act de 1911 que bania

os negros de se tornarem membros de pleno direito da Igreja Reformadora Holandesa; c)

Natives Land Act de 1914 que delimitou as áreas onde brancos e negros poderiam possuir

terras. (BRANCO, 2003).

Obviamente que a maioria negra da população se revoltou contra tais regras, mas esta

não tinha qualquer tipo de organização política no sentido de reverter às decisões aprovadas

pelos brancos. Assim, no decorrer do tempo foram criados diversos partidos e associações

com o objetivo de unir os negros e pleitear a igualdade de direitos entre as raças. Entretanto,

restaram frustrados os intentos, pois não passaram de diferentes nomes para o mesmo

movimento que, sem organização política interna ou apoio externo, não obtiveram qualquer

resultado prático.

No período de 1920-23 a África do Sul amargava, junto com o restante do mundo, o

resultado da crise mundial deixada pela I Guerra: sua agricultura estava praticamente

destruída, muitas minas estavam sendo encerradas e o desemprego urbano crescia

especialmente com o êxodo rural dos negros para as cidades. Com a finalidade de reduzir seus

custos de produção, a Chamber of Mines1 havia decidido reduzir o número de trabalhadores

brancos, substituindo-os pelos negros, que receberiam menores salários pelo mesmo serviço.

1 Chamber of Mines era uma espécie de sindicato dos proprietários de minas.

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Assim, vendo ameaçados seus empregos, os brancos uniram-se em torno do slogan Workers

of the World Unite and Fight for a White South África2 (BUNTING, 1969).

Com a revolta da classe operária branca contra os negros que ameaçavam sua

estabilidade profissional, o governo aproveitou o momento e passou a implementar diversos

outros Atos Legislativos de caráter segregacionista, a começar pelo setor de minas,

ampliando-se para os outros setores em seguida. Os atos que se seguiram ampliaram as

medidas segregacionistas, não mais limitando-se à separação entre negros e brancos, mas

também alimentando um sentimento antissemita, desta vez contra os donos das minas que

eram, em sua maioria, judeus.

O período da II Guerra Mundial impactou na economia sul-africana que, apesar de

ainda depender das minas de ouro, registrou crescimento na atividade industrial, urbanização

da população e, consequentemente, aumento da população de trabalhadores negros dentro das

cidades (KOCK, 1972). Aos empresários era importante o uso da mão de obra negra, visto

que esta era de menor custo que a branca. Todavia, o interesse econômico de baratear os

custos de produção iria de encontro ao princípio segregacionista de manter os negros fora do

perímetro urbano ocupado pelos brancos. Politicamente isso gerou um problema ao tornar a

população negra maioritária nas zonas urbanas.

2.2 A oficialização do regime

Os atos do governo sul-africano estavam sempre voltados à separação entre a minoria

branca e a maioria negra, estabelecendo sempre vantagens para a primeira em relação à

segunda. Assim, em 1948 foram realizadas eleições gerais, o que culminou na vitória do

National Party3 (NP), caracterizado por radicalismos no sentido de proibir qualquer forma de

integração política à população negra, negando inclusive que esta tivesse direito à

representação parlamentar, formação de sindicatos ou sequer casamentos mistos. Ainda que

tenha havido concessões nas esferas econômica e social para manter empresários satisfeitos e

trabalhadores negros motivados, não foram conferidos de fato direitos aos negros.

2 Trabalhadores do mundo unam-se e lutem por uma África do Sul branca. 3 Partido Nacional.

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Entretanto, ainda que a liberalização concedida aos negros fosse mínima, os

separatistas mais conservadores consideraram-na uma afronta, o que fez com que o NP a

encerrasse, abrindo caminho à implementação oficial da Doutrina do Apartheid, com a

regulamentação de uma série de novos atos que cada vez mais tolhiam os direitos dos negros

e reforçavam a ideia da supremacia da raça branca. Tal fato acabou por moldar a vida

econômica, social e política, contando sempre com o apoio religioso da Igreja Reformadora

Holandesa.

Se antes de o Partido Nacionalista subir ao poder tínhamos alguma esperança ou ilusão com relação a ele, nós a perdemos sem demora. Quando o partido ameaçou pôr os cafres no seu lugar, não estava brincando. Além da Lei da Eliminação do Comunismo, em 1950 foram aprovadas duas novas leis que foram as pedras fundamentais do apartheid: a Lei do Registro da População e a Lei das Zonas de Grupo [...] Os testes arbitrários e sem sentido que serviam para distinguir um preto de um mestiço e um mestiço de um branco com frequência resultavam em casos trágicos em que membros da mesma família recebiam diferentes classificações, tudo dependendo de um filho ter pele mais clara ou mais escura. (MANDELA, 1995, p. 106).

Cabe aqui uma diferenciação conceitual no sentido de esclarecer a diferença entre a

idéia de supremacia racial do branco sobre o negro e a segregação racial do regime do

apartheid. Segundo Branco (2003), enquanto que o conceito de supremacia branca defende

mera subordinação do negro perante o branco, a segregação visa a separação entre brancos e

não-brancos nas esferas do trabalho, governo, habitação e lazer. Ainda que o conceito (e a

própria prática) da supremacia seja exercida em praticamente todo o mundo, onde se verifica

diferenciação de salários e melhores empregos para a população branca, inclusive no Brasil, a

prática da segregação da forma como realizada na África do Sul não encontra semelhança em

qualquer lugar do mundo.

Como já mencionado, os primeiros sinais da discriminação remontam da colonização,

quando os brancos assumiram a condição de donos e os negros de trabalhadores. A própria

legislação de 1927, ao aprovar o Native Administration Act4, abriu caminho para a criação do

modelo ao deixar clara a intenção de separação étnica e geográfica da população. Não

obstante, a implementação do regime contou com importantes aliados, como o argumento

religioso e ideológico de que os brancos tinham uma superioridade divina sobre os negros,

além do fato econômico de que a subordinação da população negra era importante para

manutenção da mão-de-obra barata e abundante.

4 Lei de Administração dos Nativos.

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Desta forma, o NP tomou como missão a proteção da raça branca de qualquer política,

doutrina ou ataque que pudesse ameaçar sua existência. Por outro lado, rejeitou qualquer

política de opressão dos não europeus pelos europeus, pois isso contrariaria os princípios

cristãos que o norteavam. Assim, a política do apartheid separaria totalmente os brancos dos

negros, assim como os negros dos brancos, protegendo ao mesmo tempo as duas raças e

possibilitando o desenvolvimento por igual de cada uma delas, separadamente. (KOCK,

1972). Essa era a teoria, pois na prática sua finalidade nada mais era que a simples separação

das pessoas através do critério de cor, ou seja a segregação racial.

O apartheid criou um monstro – um Estado branco enquistado numa região multiétnica. Este Estado, enquanto responsável pela representação exterior, reproduziu nesse âmbito sua concepção interna que evoluiu, entre 1948 e 1990, de considerar-se um país europeu estabelecido na África a um país africano europeu [...] o apartheid isolou a África do Sul da comunidade internacional e sua política externa incorporou esse isolamento ao constituir seu núcleo de formulação e ação em torno da defesa do regime e sua sobrevivência. Ela não se caracterizou, nem nos momentos de extroversão, como um movimento em direção ao mundo exterior, uma projeção que ampliasse o horizonte nacional. (MENDONÇA, 2000, p.13).

Para legitimar seus objetivos, o National Party buscou elaborar o máximo possível de

leis que legitimassem o apartheid mesmo nos governos que o sucedessem. Foram aprovadas

diversas leis, tanto no âmbito social, quanto no âmbito de reforçamento policial, que cada vez

mais oprimiam a maioria negra. Por outro lado, a população negra se revoltava contra a

discriminação sofrida. Diversos partidos, slogans e tentativas pacíficas de inserir os negros

nos direitos dos sul-africanos foram frustradas, pois as ações não conseguiam sequer

mobilizar a própria população negra.

Somente em 1952, quando foi realizada a Defiance Campaign Against Unjust Laws5,

levando à prisão mais de 2500 pessoas por desobediência ao governo, os ativistas anti-

apartheid conseguiram chamar a atenção da comunidade internacional para a situação vivida

no país. Para Mandela (1995, p.114): “Nesse primeiro dia da Campanha de Oposição mais de

250 voluntários do país inteiro violaram diversas leis injustas e foram presos. Foi um começo

auspicioso. Nossos soldados eram ordeiros e estavam disciplinados e confiantes”. Após o

episódio, os ativistas anti-apartheid viram-se obrigados a rever suas estratégias e acabaram

por lançar um documento intitulado Freedom Charter6, que enunciava uma série de

reivindicações e metas nos mais diversos campos para um governo democrático e justo tanto

para negros quanto para qualquer outra raça. A resposta do governo foi a prisão dos líderes do

5 Campanha do desafio contra leis injustas. 6 Carta Régia da Liberdade.

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movimento, sob a acusação de traição, bem como a ilegalização e perseguição aos

movimentos anti-apartheid. A Figura 2 ilustra uma placa comum na época de vigência do

apartheid, estabelecendo locais que eram de uso exclusivo da população branca.

Figura 2: Placa utilizada na era do apartheid7 Fonte: Voyage Fotos da África do Sul.

O clima de instabilidade política gerou graves consequências econômicas, com

a fuga de capitais abalados pela falta confiança dos investidores. Ainda assim, não foi freado

o movimento de instalação do apartheid, que apresentava a África do Sul não como uma

sociedade multirracial, mas como uma sociedade na qual existiam diversas nações que se

desenvolviam separadamente, com território e população próprios. As duas maiores

prioridades do regime eram a separação física das raças tanto na zona urbana como na rural e

7 PARA USO DE PESSOAS BRANCAS: estes locais públicos e todas suas comodidades foram reservadas para uso exclusivo de pessoas brancas. Por ordem do Secretário da Província.

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a transformação da África do Sul numa República, independente da Grã-Bretanha (BRANCO,

1993).

O ano de 1961 foi marcante para o país. Por um lado houve a proclamação da

República da África do Sul (RAS) em 31 de maio, nomeando C.R. Swart como o primeiro

Presidente. Por outro lado, no mesmo ano, os principais movimentos de oposição ao regime, o

African National Congress8 (ANC) e o Pan African Congress9 (PAC) foram proibidos de

atuar, marginalizados pelo governo. Apesar dos dois movimentos terem sido pacíficos desde

sua formação, existia dentro de cada um deles alguns membros mais radicais. Assim, a

decisão de enveredar pela luta armada não tardou a chegar, sob o argumento de que fora

esgotado o potencial dos protestos e ações não violentas.

Desta forma, surge também em 1961, o grupo intitulado Umkhonto we Sizwe10 (MK),

liderado pelo alto escalão do ANC, no qual se destacava Nelson Mandela. O MK começou

seus ataques no mesmo ano, no dia 16 de dezembro, data simbólica e feriado no país.

Nós escolhemos o dia 16 de dezembro, Dia de Dingane, por um motivo. Nesse dia os sul-africanos brancos costumam comemorar a derrota do grande líder Zuli Dingane na Batalha do Rio do Sangue, em 1938. Dingane era meio-irmão de Shaka e naquela época governava o Estado africano mais poderoso que já existiu ao sul do rio Limpopo. Naquele tempo as balas dos bôeres eram demais para as azagaias dos impis zulus, de modo que as águas do rio que passava por ali ficaram tintas do sangue deles. No dia 16 de dezembro os africânderes comemoram a derrota dos africanos, como uma demonstração de que tinham Deus a seu lado, enquanto os africanos lamentavam o massacre de seu povo. Escolhemos o dia 16 de dezembro para mostrar que nós, os africanos, estávamos começando a lutar e tínhamos a justiça (e muita dinamite) do nosso lado. (MANDELA, 1995, p. 235).

Assim, a partir de 1961, foi rompida a barreira das manifestações pacíficas que

defendiam o uso do diálogo para conscientização da população acerca dos malefícios

causados pela segregação racial imposta.

2.3 Nelson Rolihlahla Mandela

Falar sobre a história da África do Sul sem destacar a atuação de Nelson Mandela seria

torná-la incompleta. Assim, neste momento cabe aqui descrever, ainda que de forma sucinta,

8 Congresso Nacional Africano. 9 Congresso Pan-africano. 10 Grupo composto por membros mais radicais, considerado o braço armado do alto escalão do ANC.

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os fatos que o levaram à prisão e acabaram por transformá-lo em símbolo de resistência não

só para o povo sul-africano, como para o restante do mundo.

Mandela destacou-se como protagonista do MK e aproveitou seu prestígio para

angariar apoio para a luta armada junto a outros povos africanos, conseguindo inclusive o

apoio externo da então URSS, devido à sua política a favor de revoltas contra o domínio

ocidental, representado pelos Estados Unidos, apoiadores do apartheid. O território africano

passou a ser disputado pelas duas potências mundiais durante a Guerra Fria. Todavia, a

estratégia defendida pela MK não era o genocídio, mas causar danos financeiros à economia

do apartheid e assim, prejudicar o governo através do afastamento de investidores

estrangeiros.

Na Umkhonto, sempre procuramos chegar à liberdade sem derramamento de sangue e sem guerra civil. Mesmo nesta hora tardia esperamos que nossos atos iniciais acordem todos para que percebam a situação desastrosa para a qual o Partido Nacionalista está nos levando. Nossa esperança é levar o governo e todos que o apóiam a cair em si antes que seja tarde demais, de modo que o governo e as táticas governamentais mudem antes de sermos levados ao estágio desesperado de uma guerra civil. (MANDELA, 1995, p. 235).

Entretanto, ao mesmo tempo em que os movimentos anti-apartheid adaptavam suas

técnicas para a nova abordagem, também o regime se preparava para lidar com as mudanças

da oposição, alocando inclusive agentes infiltrados para descobrir planos e prender os líderes

do movimento. Assim, o governo acabou por prender e condenar Mandela a cinco anos de

prisão por ter regressado clandestinamente à RAS em 1962, após ter passado tempo fora

angariando fundos e apoios para o MK. Apesar de sua prisão, outros líderes do movimento

continuaram o trabalho, mas acabaram também presos juntamente com documentação que fez

com que o governo acusasse a todos de atos de sabotagem e traição, passível de condenação à

morte. A principal acusação era de que o movimento estava aliado ao bloco comunista para

derrubar o governo, o que traria ao regime também a simpatia e apoio ocidental. Nas palavras

do Primeiro-Ministro Verwoerd: “We are dealing here with a communist attack which was

directed not only against South África but against the West”11. (MANDELA, 1995, p. 59).

Durante todo o julgamento a acusação tentou associar a imagem de Mandela e seu

grupo à ideologia comunista, o que reforçaria tanto internamente quanto internacionalmente a

tese de que o apartheid era vital no sentido de proteger a população sul-africana. Mandela

defendeu-se das acusações afirmando que o objetivo de sua luta não era contra os brancos,

11 Nós estamos lidando aqui com um ataque comunista dirigido não apenas contra a África do Sul, mas a todo o Oeste.

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mas a favor de uma sociedade multirracial, livre de discriminações. Embora as acusações de

traição não tenham sido comprovadas, todos os acusados no processo foram condenados, em

junho de 1964, à prisão perpétua, o que revelou a determinação do governo sul-africano de

esmagar qualquer contestação interna que surgisse.

2.4 A imagem da RAS no cenário internacional

O período compreendido entre 1962 e 1972 registrou certa calmaria social na RAS,

permitindo certo crescimento econômico e diminuindo a diferença nas condições de vida das

populações negra e branca. Entretanto, a imagem do regime perante o cenário internacional

apresentava-se cada vez mais desfavorável. Mantinha-se tensa a relação entre a Organização

das Nações Unidas (ONU) e a política segregacionista sul-africana. Por um lado o regime não

reconhecia qualquer direito que a ONU tivesse de intervir na política segregacionista e

passasse cada vez mais a abandonar sua participação nas agências especializadas da ONU,

como a UNESCO em 1955 e OIT em 1964, além de estar em discussão sua permanência ou

expulsão da OMS, UIT e OIAC. (BRANCO, 2003).

Assim, ainda que a situação interna do país estivesse relativamente controlada em

relação aos movimentos contrários ao regime, os países membros da ONU cada vez mais

aderiam à campanha inicialmente encabeçada pela Índia (em defesa dos sul-africanos de

origem indiana) contra as práticas do regime. A partir de 1962 uma série de medidas foram

tomadas no sentido de pressionar o governo sul-africano a mudar as práticas do regime até

então, como a criação do Comitê do Apartheid, que aprovou a aplicação de um pacote de

sanções para o país, inclusive o embargo no envio de armas. (REDDY, 1994).

O ano de 1973 marca o começo da falência do regime. A queda no preço do ouro e o

aumento do preço do petróleo devido à crise petrolífera evidenciaram a recessão e geraram

greves no país. Ainda, as sanções impostas pela ONU fizeram com que a maioria dos países

produtores de petróleo cessasse suas vendas à RAS, que tinha que comprar no mercado

secundário, a preços muito maiores. Também em 1973 é aprovada pela Assembleia Geral da

ONU a Resolução A/RES/3068, que classifica o apartheid como um crime contra a

humanidade. No mesmo ano o regime perde o direito de representar os interesses do povo sul-

africano perante as comunidades internacionais, enquanto que os líderes dos movimentos de

oposição são convidados a participar das reuniões da ONU. (REDDY, 1994).

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Os anos que se seguiram foram marcados por uma intensa campanha contrária às

práticas do apartheid, através das sanções internacionais, pressão dos vizinhos africanos que

haviam conquistado sua independência e crescente luta armada da oposição interna liderada

pelo ANC. Tais fatores tornaram enfraquecido o regime, que tentava se manter através da

radicalização de seus atos. Assim, dentre os conflitos ocorridos, destaca-se em 1976 a

manifestação de estudantes do ensino secundário contrários à utilização de livros em inglês. O

resultado foi a morte de crianças, o que evidenciou ainda mais a situação da África do Sul no

cenário internacional e deu novo fôlego aos movimentos de resistência.

Soweto explodia. Dez mil estudantes negros marcham pacificamente para a escola onde a greve começara, onde se defrontam com a polícia, que utilizou gás lacrimogêneo. As crianças atiram pedras, a polícia revidou abrindo fogo e matando uma criança. (SAMPSON, 1988, p. 124)

Diversas outras sanções foram impostas nos anos que se seguiram, mesmo por parte

daqueles países que anteriormente apoiavam o regime. Tais sanções isolavam a RAS tanto

econômica quanto socialmente. O ano de 1985 destaca-se por marcar a adoção da Resolução

569 do Conselho de Segurança, que determinava o fim dos investimentos no país e também

pela Resolução 40/64 da Assembleia Geral da ONU, que isolou o país do ponto de vista

desportivo, impedindo que seus atletas participassem de qualquer tipo de competição

internacional. (REDDY, 1994).

A partir desse aprofundamento das sanções impostas à RAS, aliado a crescentes

conflitos internos a crise econômica que já assolava a população negra foi finalmente

percebida pela população branca, que agora também vislumbrava a marginalização do país em

todas as esferas, pressionou o governo, a quem restou perceber que brancos e negros eram tão

economicamente interdependentes que não poderiam viver separados da forma como

propunha o regime.

2.5 A libertação de Mandela e a queda do regime

Fazia 20 anos que nos dedicávamos à luta armada. Muita gente já morrera nos 2 lados. O inimigo era forte e resoluto. Mesmo assim, com todos os seus bombardeiros e tanques, o inimigo deve ter percebido que estava na contramão da história. Nós estávamos do lado certo, só que ainda não tínhamos força. Para mim estava claro que uma vitória militar era um sonho distante, para não dizer impossível. Simplesmente não fazia nenhum sentido os dois lados perderem milhares e até milhões de vidas num conflito desnecessário. Eles também já deviam saber disso. Estava na hora de dialogar. (MANDELA, 1995, p.429)

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A partir de novembro de 1985, O Ministro da Justiça, Prisões e Polícia Hendricl

Jacobus Coetsee tentou se aproximar de Mandela no intuito de buscar um acordo que o

convencesse a desistir da luta armada, do apelo às sanções internacionais e ao

desinvestimento e das campanhas de protesto para que fosse negociada sua libertação.

Mandela não foi convencido a tais ações, tendo deixado a liderança do ANC a par da situação

e, de comum acordo, aberto um canal de comunicação com o governo, através do ministro.

Pode-se afirmar que os primeiros ventos de mudança surgiram com a vitória eleitoral

de Frederick Williem De Klerk em 1989. Apesar de membro tradicional do National Party e

apoiador do regime, decidiu que era hora de avançar nas negociações de paz dentro do país a

partir de gestos de boa vontade como a libertação de presos políticos e a legalização dos

movimentos anti-apartheid. Assim, ao realizar seu discurso de abertura do Parlamento12, em 2

de fevereiro de 1990 , o Presidente Sul-Africano surpreendeu a todos ao abolir oficialmente o

regime do apartheid e anunciar ao país as grandes transformações que iriam começar. Seu

discurso contemplou a negociação como área prioritária do governo e finalizou anunciando a

libertação incondicional de Nelson Mandela, o que foi cumprido exatamente nove dias após o

discurso, em 11 de fevereiro de 1990. Há controvérsias em relação à motivação de De Klerk

na queda do regime, visto que obviamente não estava disposto a ceder o poder à maioria

negra. No caso de Mandela, imediatamente após sua libertação realizou um discurso público

na Cidade do Cabo, no qual deixou claro seu apoio à continuação da luta armada e das

sanções, uma vez que as condições para o início das negociações ainda não estavam reunidas:

“Estimulei o povo a voltar para as trincheiras e intensificar a luta, dizendo que percorreríamos

juntos o quilômetro final”. (MANDELA, 1995, p.461).

Após um longo período de negociação entre as lideranças do governo e do ANC, em

22 de dezembro de 1993 o Parlamento sul-africano aprovou a Constituição interina que, na

prática, encerrou o apartheid. O processo das negociações foi considerado inovador, visto que

dispensou recurso a mediadores estrangeiros e, portanto, contribuiu para a atribuição do

Prêmio Nobel da Paz13 a Mandela e De Klerk, por seu trabalho no sentido de encerrar o

regime do apartheid de forma pacífica e dando início a uma nova democracia na África do

Sul.

12 Discurso completo disponível em: <http://archive.niza.nl/docs/200404201354203185.pdf?&[email protected]&password=9999&groups=NIZA&workgroup=>. 13 Informação disponível em: <http://nobelprize.org/nobel_prizes/peace/laureates/1993/>.

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2.6 Novas eleições e herança do apartheid

As primeiras eleições multirraciais do país ocorreram em 27 de abril de 1994 e, ainda

que 19 partidos tenham participado, a grande maioria era de pequena dimensão e não

representava um grande número de eleitores. O ANC venceu as eleições com maioria absoluta

de 62,65% dos votos, o que lhe permitiu eleger 252 deputados (BRANCO, 2003). Em 9 de

maio de 1994 o novo Parlamento realizou na Cidade do Cabo sua primeira reunião,

proclamando de forma unânime o nome de Nelson Mandela como Presidente do país, Thabo

Mbeki como primeiro Vice-Presidente e F.W. De Klerk como segundo Vice-Presidente.

Constituído o novo governo, a prioridade seria aplicar o Reconstruction and

Development Programme14 (RDP), que buscava reverter os inúmeros problemas sociais e

econômicos herdados da época de vigência do apartheid. A intenção era mobilizar o país e

todos os recursos possíveis para eliminar os traços do regime e construir uma nova sociedade,

democrática e livre de preconceitos. Ao constatar que a população branca gozava de boa

situação financeira e social enquanto que a negra amargava dificuldades e desemprego, o

RDP tinha como objetivos principais a diminuição da pobreza e a reconstrução da economia.

Em 1995 o governo cumpriu a promessa do ANC e adotou oficialmente a Política de

Ação Afirmativa com a finalidade de favorecer agora os grupos antes discriminados (no caso,

negros, indianos e mestiços) nas mais diversas esferas, com o objetivo de diminuir as

desigualdades e injustiças estabelecidas pelo antigo regime. Tal ação foi posta à

responsabilidade do Departamento de Serviço Público e Administração, mas embora tenha

encontrado grande apoio em meio à população negra, encontrou também grande resistência da

população branca.

O novo governo encontrou dificuldades também no que diz respeito ao funcionalismo

público que contava com cerca de 85% de homens brancos nos cargos de chefia, o que

representava um problema para o ANC e as reformas propostas. De outro lado, havia a

própria polícia, considerada pelo ANC em seu relatório Policing in the New South África15

um instrumento do apartheid, cuja imagem não possuía crédito perante a população. Ainda,

havia o problema da crescente corrupção que se instalava em todos os setores da

administração pública, com previsão orçamentária para despesas secretas cuja prestação de

contas seria dispensada, além de outras rubricas afins. (BRANCO, 2003).

14 Programa para Reconstrução e Desenvolvimento. Texto completo disponível em: <http://www.anc.org.za/ancdocs/policy/white.html>. 15 Policiamento na nova África do Sul.

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Apesar dos esforços do governo no sentido de recuperar a economia do país e atingir

as metas fixadas no RDP, restaram frustrados seus intentos: o baixo investimento interno e

externo, aliado à queda do preço do ouro nos mercados internacionais fez com que

aumentasse o desemprego e, consequentemente, a pobreza. Assim, ainda que os avanços no

campo da igualdade social entre negros e brancos tenham sido consideráveis, o apartheid

econômico entre estes permanecia. Ficam ainda os desafios a serem enfrentados: construção

de uma democracia; combate à exclusão social e racial; ampliação do acesso a políticas

sociais e direitos para a população negra; modernização e desenvolvimento econômico e

ruptura com o isolacionismo externo.

Em 1999 foram realizadas novas eleições, quando foi eleito Thabo Mbeki, vice-

presidente do governo Mandela e segunda vitória do partido ANC. A prioridade do sucessor

de Mandela seria continuar o caminho de tornar a África do Sul um país mais humano e com

melhores condições de vida para a população. O trabalho de reconstrução continuou no

segundo mandato de Mbeki (2004-2008), na presidência de Kgalema Motlanthe (set/2008-

mai/2009) e permanece no governo de Jacob Zuma (mai/2009-atualmente), todos membros do

ANC. Os desafios e avanços dos governos que sucederam Mandela serão pautados no

Capítulo 5, onde serão apontadas a situação atual e a perspectiva para o futuro do país.

2.7 Situação na última década

Após todo o período no qual a população da África do Sul foi submetida ao regime de

segregação racial, conflitos oposicionistas internos e também incontáveis sanções

internacionais, não é estranho que seus indicadores sociais e econômicos sejam bastante

preocupantes. A Tabela 1 ilustra alguns indicadores básicos relativos à RAS no decorrer da

última década:

Tabela 1: Principais indicadores da África do Sul, anos 2000 a 2008

Indicador 2000 2005 2007 2008 População total (milhões) 44.00 46.89 47.85 48.69 Crescimento populacional (% anual) 2,5 1,2 1,0 1,7 População vivendo abaixo da linha da pobreza nacional (% da pop) 38,0 .. .. 22,0 Expectativa de vida ao nascer (anos) 56 52 51 51 Taxa de mortalidade infantil - abaixo de 5 anos (por 1,000) 73 70 66 67 Contaminação com HIV, total (% da população idade 15-49) 15,9 18,2 18,1 .. PIB (ano corrente em bilhões de US$) 132.88 242.80 283.74 276.45 PIB (crescimento anual em %) 4,2 5,0 5,1 3,1 Inflação, PIB (deflator anual em %) 8,8 5,4 9,0 10,8

Fonte: elaboração da autora, a partir de dados do site do Banco Mundial.

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34

Pode ser verificado um aumento no PIB, que mais que dobrou no decorrer da década

e, tendo sido acompanhado por uma queda nos índices de população vivendo abaixo da linha

da pobreza. Entretanto, vale ressaltar o aumento no índice inflacionário no período. Por outro

lado, verifica-se uma situação bastante problemática no que diz respeito à contaminação da

população com o vírus HIV, que vem crescendo desenfreadamente a cada ano não somente na

África do Sul, mas no restante do continente. No capítulo concernente à relação com o Brasil,

será feito um comparativo destes indicadores entre os dois países.

Ainda, vale ressaltar que tal crescimento no PIB do país e, consequentemente, a

melhoria da situação da população deve-se, em grande parte, aos investimentos recebidos em

função da realização da Copa do Mundo 2010, que começaram a ter expressão especialmente

a partir do ano de 2004.

O que pode ser concluído a partir deste capítulo é que a África do Sul passou por um

período bastante conturbado, no qual se viu diante de uma legislação que separava seus

cidadãos através do critério de cor. A partir de 1927, quando foi aprovada a legislação que já

deixava clara essa separação e, especialmente a partir de 1948, quando assume o poder o

Partido Nacional e torna oficial a segregação, começa o regime denominado apartheid, cujo

pressuposto básico seria a superioridade branca sobre as demais raças. Por anos ocorreram

manifestações populares e sanções internacionais no intuito de que o regime fosse extinto,

fato esse que ocorreu apenas em 1990. Dentre os líderes da oposição ao regime destaca-se

Nelson Mandela, eleito presidente nas primeiras eleições multirraciais, realizadas em 1994.

Desde então o país tem buscado, agora em regime democrático, conter os problemas deixados

pelo regime anterior.

Page 35: Monografia Renata - versão capa dura

35

3 O PAPEL DA AFRICA DO SUL NA SADC

A integração regional refere-se ao movimento para estabelecer ligações entre e em meio a um grupo de países dentro de um determinado espaço geográfico, motivado pelos interesses comuns e compartilhados para cooperação nas áreas de comércio e outros setores econômicos, com vistas a alcançar uma zona de livre comércio e, subsequentemente, estabelecer uma união alfandegária. (THE SECRETARIAT OF THE ACP, 1997).

O mundo hoje experimenta uma fase de alianças entre os países, especialmente entre

aqueles próximos geograficamente. Ainda que com a globalização tenha havido grande queda

de barreiras, especialmente nas áreas de comunicação e informação, faz-se necessário que as

nações busquem aliados no sentido de minimizar suas carências em troca de suas forças. Por

um lado, a Europa se une em torno de um comércio comum dentro do continente, fazendo uso

inclusive de uma moeda unificada. Por outro lado os EUA formaram a North American Free

Trade Agreement (NAFTA) juntamente com Canadá, tendo incluído posteriormente o

México. E o Brasil desponta como potencial líder do MERCOSUL. Obviamente que o

continente africano não ficaria de fora e, desta forma, surge na África Subsaariana, a

Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC), que será o foco principal

deste capítulo.

3.1 O surgimento do SADCC e a transformação em SADC

Para compreender os objetivos e funcionamento do SADC, faz-se necessário remontar

a origem de seu antecessor, o Southern African Development Coordination Conference16

(SADCC) constituído em 1980 pela declaração intitulada África Austral Rumo à

Independência Econômica, que ficou posteriormente conhecida como Declaração de Lusaka.

O SADCC era composto originalmente por Angola, Botsuana, Lesotho, Malawi,

Moçambique, Swazilândia, Tanzânia, Zâmbia e Zimbábue.

Os objetivos explícitos do SADCC eram quatro: redução da dependência econômica,

especialmente em relação à África do Sul; possibilitar integração regional de forma

equitativa; mobilização de recursos para implementação de políticas nacionais, interestatais e

16 Conferência para a Coordenação do Desenvolvimento Sul-Africano.

Page 36: Monografia Renata - versão capa dura

36

regionais; atuação internacional para a garantia de cooperação dentro de uma estratégia de

liberalização econômica (SADC, 2010). Ou seja, surge como um movimento que tinha como

um dos objetivos centrais o combate ao regime sul-africano. Desta forma, assim como os

Estados da Linha de Frente (ELF) combatiam politicamente o apartheid, o SADCC tinha

como função combatê-lo de forma econômica o que, na prática, seria um meio mais eficaz de

obter sucesso no objetivo político, ou seja, a abolição do regime. Esse poderia ser entendido

como um objetivo implícito do SADCC: o apoio aos movimentos de libertação, este extra-

oficial para evitar retaliações por parte da RAS.

Com a crença de que a dependência dos países membros em relação à África do Sul, o

SADCC buscou então elaborar um programa multilateral e, para tanto, atribuiu a cada país

membro a responsabilidade sobre uma área específica, visando o desenvolvimento de diversos

setores, como comunicações, transportes, relações comerciais, investimentos e fluxos

migratórios. Destes, merecem destaque as áreas de comunicação e transporte, este último no

intuito de compensar a falta de acesso ao mar de seis dos nove signatários. Entretanto, seria

inviável a efetivação das ideias, em face da aberta oposição sul-africana à perda de seu

controle sobre seus vizinhos: a resposta foi dada através de ações de desestabilização tanto

econômica quanto militar.

Diversos problemas e conflitos ocorreram entre a RAS e os países do SADCC no

período compreendido entre a criação do SADCC em 1980 até a adesão da África do Sul em

agosto de 1994. Ainda que não sejam estes detalhados aqui, é ilustrativo descrever o cenário

mundial à época, para que possa ser entendido o contexto histórico no qual se deu a

transformação do SADCC na SADC, em 1992.

Wallerstein (2004) explica o período pós-guerra através dos ciclos de Kondratieff. A

fase A do ciclo seria o período de 1945 a 1973, marcada por uma curva ascendente de

expansão econômica; já a fase B, caracterizada pela curva descendente de contração

econômica compreenderia o período de 1973 até os dias de hoje e as próximas décadas. Tal

qual já observado em ciclos anteriores ao atual, a fase A coincidiu com o ápice da hegemonia

norte-americana ao assumir, em 1945, a situação de potência não devastada pela II Guerra

Mundial. Entretanto, a partir de 1968 a estagnação começa a sinalizar através do

deslocamento do capital da esfera produtiva para a financeira, o aumento do desemprego e a

fuga das fábricas para áreas com salários mais baixos.

A década de 1970 é marcada pelo aumento do preço do preço do petróleo pelos países

produtores que, juntamente com Estados Unidos e Alemanha, lucram com os juros abusivos

cobrados pela concessão de crédito aos países mais pobres. Já a década de 1980 foi marcada

Page 37: Monografia Renata - versão capa dura

37

pela crise da dívida, pelo crescimento econômico oriental e pelo keynesianismo militar17 que

deu origem à dívida nacional estadunidense. No caso da década de 1990, vale destacar a

invasão de tropas iraquianas ao Kwait, com a finalidade de controlar suas reservas de

petróleo, uma afronta direta ao poder de polícia da potência hegemônica.

Desta forma, Wallerstein (2004) analisa o período como característico de saída da fase

B de um ciclo para entrada na fase A do novo ciclo. No entanto, o equilíbrio nunca é

restaurado no mesmo ponto, pois é dinâmico e possui tendências seculares. Existem três

grandes pressões estruturais sobre a capacidade dos capitalistas acumular capital: a) aumento

do nível salarial como percentagem dos custos de produção; b) custo da aquisição de

materiais; c) tributação. Ou seja, ainda que o período entre os ciclos não possa ser indefinido,

é essa conjuntura de incertezas que ainda deve marcar as próximas décadas.

Com o fim da guerra fria entre as potências capitalista e comunista, a disputa pela

atenção, apoio e território no continente africano perdeu destaque frente a eventos como a

queda do Muro de Berlim e reunificação da Alemanha. Os investimentos dos EUA e também

dos países europeus passaram a ser voltados para a estabilização alemã, buscando sustentar

sua evolução para um regime democrático. Ao mesmo tempo, o interesse comunista em

competir com o capitalismo deixava de existir no que diz respeito ao financiamento de

regimes africanos, o que criou sérias dificuldades à manutenção econômica do SADCC.

Por outro lado, com o fim do patrocínio externo das forças militares envolvidas nos

diversos conflitos internos dos países africanos, foi viabilizada a negociação para o

estabelecimento de regimes democráticos, como no caso sul-africano, que viu o fim do

subsídio norte-americano ao regime segregacionista e abriu caminho para que lideranças

como Frederik De Klerk e Nelson Mandela preparassem a população para o fim do apartheid.

Desta forma, não tardaram os dirigentes do SADCC a vislumbrar a necessidade de adequar

aos novos tempos seus objetivos, dentre eles a inclusão da África do Sul, país com a

possibilidade de ajudar a todos os demais, visto suas características de potência econômica,

ainda que periférica:

A África do Sul é claramente distinta do restante da África subsaariana. Apresenta um nível bem mais alto de industrialização, uma economia mais diversificada e exerce papel mais significante na economia global do que os demais países do continente. Não se enquadra nem como economia dependente, de baixos salários, nem como emergente, altamente qualificada e competitiva. (CASTELLS, 1999, p.148).

17 Keynesianismo militar é como ficou conhecida a política do presidente norte-americano Ronald Reagan de aumentar o gasto militar com vistas ao aumento da demanda efetiva.

Page 38: Monografia Renata - versão capa dura

38

Assim, em agosto de 1992 na Namíbia, os agora dez países membros com a entrada

deste, assinam o Tratado que altera a denominação e, mais importante, a finalidade da antes

Conferência de Coordenação e agora Comunidade para o Desenvolvimento18. Ainda que

possa parecer apenas uma mudança de nomenclatura, a grande inovação que surge com o

nascimento da SADC é a ideia de formação de um mercado comum entre os países da África

Austral.

3.2 Características da SADC

Embora não seja foco deste trabalho uma descrição histórica detalhada, seria leviano

apenas explicar o papel da entrada da África do Sul na Comunidade sem antes ao menos

mencionar as características que o formam. Para tanto, não será feita uma comparação direta

entre os objetivos iniciais do SADCC de 1980 com aqueles firmados no Tratado de 1992, mas

sim dado merecido destaque ao Capítulo Três do Tratado da SADC, que trata dos “Princípios,

Objetivos e Compromissos Gerais” assumidos por seus países-membros.

O Artigo 4º da Declaration and Treaty of SADC19 Tratado do SADC estabelece os

princípios que devem regê-la, bem como a seus Estados-Membros, a saber: a) a igualdade

soberana de todos os Estados-membros; b) a solidariedade, paz e segurança; c) os direitos

humanos, democracia e Estado de Direito; d) equidade, equilíbrio e benefício mútuo; e)

solução pacífica de controvérsias. (SADC, 1992).

O Artigo 5º trata dos oito objetivos primordiais que a SADC busca atingir através da

união de seus membros:

Os Objetivos da SADC são: a) alcançar o desenvolvimento e o crescimento econômico, aliviar a pobreza, melhorar o padrão e a qualidade de vida dos povos da África Austral e apoiar os socialmente desfavorecidos através da integração regional; b) desenvolver políticas comuns a nível de valores, sistemas e instituições; c) promover e defender paz e segurança; d) promover o desenvolvimento auto-sustentável com base na autoconfiança coletiva e interdependência entre os Estados-Membros; e) alcançar a complementaridade entre programas e estratégias nacionais e regionais; f) promover e maximizar o emprego produtivo e a utilização dos recursos da região; g) atingir a utilização sustentável dos recursos naturais e a efetiva proteção ao meio-ambiente; h) reforçar e consolidar as afinidades e ligações históricas, sociais e culturais entre os povos da região. (SADC, 1992).

18 Informação disponível em: <http://www.sadc.int/>. 19 Declaração e Tratado da SADC, documento completo disponível em: <http://www.sadc.int/>.

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39

Ainda, o mesmo Artigo 5º descreve os dez passos assumidos pelos signatários no

sentido de atingir os objetivos elencados anteriormente:

Para atingir os objetivos mencionados, os países pertencentes à SADC deverão: a) harmonizar planos e programas a nível político e sócio-econômico dos Estados-Membros; b) incentivar uma maior participação popular e das instituições nas iniciativas de desenvolvimento econômico, cultural e social na região, bem como na implementação dos projetos e programas da SADC; c) criar instituições e mecanismos apropriados para a mobilização dos recursos necessários para a execução de programas e operações da SADC e suas instituições; d) desenvolver políticas que visem eliminação progressiva dos obstáculos à livre circulação de capitais, trabalho, bens, serviços e pessoas dentre os Estados-membros; e) promover o desenvolvimento dos recursos humanos; f) promover o desenvolvimento, transferência e domínio tecnológico; g) melhorar a gestão e performance econômica através da cooperação regional; h) promover a coordenação e harmonização das relações internacionais dos Estados-membros; i) garantir a compreensão, cooperação, apoio e mobilização internacional de maneira a atrair recursos tanto públicos quanto privados à região; j) desenvolver outras atividades que os Estados-membros possam decidir com a finalidade de atingir os objetivos do presente Tratado. (SADC, 1992).

O Artigo 6º traz os compromissos assumidos para possibilitar o cumprimento dos

objetivos a que se propõe o Tratado da SADC:

São Compromissos Gerais: 1) os Estados-membros comprometem-se a adotar as medidas adequadas para promover a realização dos objetivos da SADC, devendo abster-se de tomar qualquer medida passível de comprometimento da sustentabilidade de seus princípios, realização de seus objetivos e aplicação das disposições do presente Tratado; 2) SADC e seus Estados não devem discriminar qualquer pessoa em razão do sexo, religião, opinião política, raça etnia, cultura ou deficiência; 3) SADC não pode discriminar qualquer Estado-membro; 4) os Estados-membros tomarão as medidas necessárias para assegurar a aplicação uniforme do presente Tratado; 5) os Estados-membros tomarão todas as medidas necessárias para assegurar a este Tratado a força da lei nacional; 6) os Estados-membros devem cooperar e ajudar as instituições da SADC no desempenho de suas funções. (SADC, 1992).

Os demais artigos do Tratado da SADC versam sobre aspectos formais de sua

execução. Desta forma, resta observar que tanto os princípios, quanto os objetivos e

compromissos assumidos pelos países signatários do Tratado são bastante ambiciosos, tanto a

nível regional quanto internacional.

3.3 A entrada da África do Sul na SADC

Como já mencionado anteriormente, a África do Sul difere dos demais países da

África Subsaariana, podendo ser considerada como uma potência dentro da periferia,

Page 40: Monografia Renata - versão capa dura

40

considerando uma análise regional. A tabela 2 mostra um comparativo entre os países

membros da SADC e a África do Sul, quando da assinatura do Tratado, em 199220:

Tabela 2: Comparativo entre países membros da SADC e RAS em 1992

País Área (km2) População

(milhões)

Densidade Pop/área

PNB milhões

USD

PNB pc

USD

Taxa Cresc (%)

Taxa Alfab (%)

África do Sul 1.220.088 39.794 29 106.190 2.668 0,9 70

Angola 1.246.700 9.732 7 6.000 (1) 617 0,0 42

Botsuana 581.730 1.360 2 3.797 2.792 5,8 74

Lesotho 30.355 1.860 55 1.090 586 0,0 78

Malawi 118.484 9.085 65 1.896 209 0,1 47

Moçambique 801.590 16.565 19 1.034 62 (3,6) 33

Namíbia 824.268 1.529 2 2.502 1.636 (1,5) 40

Swazilandia 17.365 860 42 930 1.081 3,1 72

Tanzânia 945.087 25.965 26 2.561 99 (1,1) 65

Zâmbia 752.614 8.589 10 2.580 300 (2,9) 73

Zimbábue 390.579 10.352 25 5.896 570 0,2 67

Total/média 6.929.040 125.691 55 134.476 1.070

Fonte: Esterhuysen, 1994, p.14 apud Pereira, 1995, p.54.

Como se pode observar na tabela 2, a África do Sul, já na época da assinatura do

Tratado era um gigante dentre seus vizinhos e, ainda que seja considerado país de terceiro

mundo, com as carências existentes dentro dos países em situação de desenvolvimento,

comparativamente com os países membros da SADC em 1992, sua posição era bastante

favorável. Com exceção de Botsuana, que possuía à época um PNB per capita ligeiramente

superior à RAS (ainda que sua população fosse muito menor e, portanto, o PNB total não

tivesse grande expressão), todos os demais países membros da SADC tinham índices de renda

muito inferiores.

Dentre os países membros da SADC em 1992, os casos mais preocupantes podem ser

considerados os de Moçambique e Tanzânia, ambos com PNB per capita inferior a U$D 100 e

com taxa de crescimento negativa, além de uma grande população vivendo em situação de

pobreza extrema.

Ainda, mantendo o critério de comparação dos países membros da SADC em 1992 e a

República da África do Sul, podemos fazer uma análise do Produto Nacional Bruto (PNB)

através da tabela 3.

20 Para as Tabelas nº 2, 3 e 4, foi considerado o ano de 1992 para compor o panorama dos países exatamente no ano do Tratado da SADC.

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41

Tabela 3: Comparativo Produto Nacional Bruto em 1992

País, Bloco ou Região PNB (mil milhões USD) % do total do PNB

africano

% do total do PNB

africano sem RAS

SADC sem África do Sul 28.286 10% 16%

África do Sul 106.190 38% 61%

SADC com África do Sul 134.476 48% 72%

Restante do continente africano 144.524 52% 83%

Continente africano sem África do Sul 17.981 62% --

Total da África Subsaariana 279.000 --

Fonte: Esterhuysen, 1994, p.14. apud Pereira, 1995, p. 85.

A tabela 3 evidencia a importância da África do Sul para o continente como um todo,

não apenas para a SADC. Considerando que somente a RAS representava já naquele ano 38%

do total do PIB de todo o continente africano. Entretanto, ainda que a entrada da RAS na

SADC represente uma grande conquista para a inserção da Comunidade no cenário

internacional, é importante frisar que vista de fora do continente africano, a África do Sul é

apenas mais um país em desenvolvimento com riquezas naturais como tantos outros. A tabela

4 faz um comparativo entre o PNB da África do Sul, dos países membros da SADC e alguns

países europeus e ilustra o abismo já existente entre eles em 1992.

Tabela 4: PNB da África Austral comparado com outros países e mundo em 1992

País, bloco ou região PNB (MM USD) % do total mundial Países da SADC 28.286 0,14 África do Sul 106.190 0,53 SADC + África do Sul 134.476 0,67 Portugal 95.300 0,48 Espanha 578.000 2,89 Holanda 304.500 1,52 Bélgica 221.600 1,11 Inglaterra 1.047.500 5,24 Alemanha 1.975.500 9,89 Total Mundial 1.998.540 100

Fonte: Esterhuysen, 1994; Eurostar, 1993 (SEC – Contas Nacionais) apud Pereira, 1995.

Através da tabela 4 pode-se verificar que o PNB da África do Sul é expressivo sob a

ótica dos outros países do continente africano. Dentre os países comparados, apenas Portugal

possui PNB inferior ao da África do Sul, fato este que pode ser justificado a partir de sua

população, que é cerca de cinco vezes menor que a sul-africana, conforme demonstrado a

seguir na tabela 5.

Ainda que seja importante efetuar o comparativo entre os países em 1992, ano da

Assinatura do Tratado da SADC, é também ilustrativo trazer dados mais recentes em relação

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42

aos mesmos países e bloco, incluindo desta vez também o Brasil. A tabela 5 apresenta dados

relativos a 2008, de acordo com informações do Banco Mundial.

Tabela 5: Comparativo entre indicadores da África do Sul e outros países em 2008

País População

(milhões)

Crescimento populacional

(% anual)

Expectativa de vida ao

nascer (anos)

Taxa mortalidade infantil [- de 5 anos (por

1,000)]

PIB (ano corrente em bilhões de

US$)

PIB (crescimento

anual em %)

Inflação, PIB

(deflator anual em

%) Alemanha 82.110 (0,2) 80 4 3.649.490 1,3 1,5 Bélgica 10.710 0,8 80 5 504.210 1,1 1,7 Espanha 45.560 1,5 81 4 1.604.230 1,2 3,0 Holanda 16.450 0,4 80 5 871.000 2,1 2,7 Portugal 10.620 0,1 79 4 243.500 0,0 1,9 Reino Unido 61.410 0,7 80 6 2.674.060 0,7 2,3 Brasil 191.970 1,0 72 22 1.575.150 5,1 5,9 África do Sul 48.690 1,7 51 67 276.450 3,1 10,8 África Subsaariana 819.290 2,5 52 144 978.060 5,1 10,8 Total Mundial 6.697.250 1,2 69 67 60.557.010 1,7

8,4

Fonte: elaboração da autora, a partir de dados do site do Banco Mundial.

A partir da observação da tabela 5, pode-se constatar que ainda em 2008 o PNB da

África do Sul permanece inexpressivo perante outros países, com exceção de Portugal, o que

é plenamente justificável pela diferença populacional entre ambos. Cabe ressaltar também a

taxa de mortalidade infantil tanto da RAS quanto da África Subsaariana como um todo, que é

muito superior aos demais.

Obviamente que tais números não são ao acaso: a história do país, como já descrito no

capítulo anterior foi marcada pela pilhagem de suas riquezas naturais por parte dos ingleses e

holandeses desde sua colonização. Sua população foi castigada por uma legislação que

imposta pela minoria dominante que segregava negros de brancos. E, por fim, na tentativa de

desmantelar o regime existente, a comunidade internacional, por meio da ONU, impôs

diversas sanções em todas as áreas possíveis e, embora tenha tido sucesso na queda do

apartheid, gerou gravíssimas consequências econômicas.

Pode-se concluir, a partir do exposto anteriormente, que a situação da África do Sul

em 1992 seria no mínimo caótica, considerando a saída de investimento estrangeiro do país,

incontáveis sanções comerciais, econômicas e até mesmo culturais as quais o pais foi

submetido, bem como diversos conflitos internos dentre diferentes movimentos de oposição

ao regime. Entretanto, resta a dúvida em relação ao motivo da entrada deste país tão

deficitário econômica e socialmente ser ainda assim importante para a SADC. É este o

assunto que se pretende explorar a seguir.

Ainda que com incontáveis problemas de ordem financeira e social, a RAS possui uma

economia que a coloca como potência diante dos membros signatários da SADC, dados os

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43

problemas, carências e misérias destes. E, assim sendo, é do interesse de ambas as partes sua

adesão à SADC. Pereira (1995, p.94) elenca cinco fatores principais para o interesse por parte

da SADC: a) a RAS funcionaria como pólo de crescimento, estendendo aos demais países os

efeitos positivos na procura de produto por parte de outros países; b) a RAS poderia garantir

um clima de paz e estabilidade, firmando-se regionalmente como potência militar; c) a partir

da adesão sul-africana ao SADC, a dependência de alguns países perderia magnitude; d) a

presença da RAS traria maior segurança e confiança para possíveis investidores; e) a RAS,

enquanto economia com características de potência daria a toda a organização maior peso

econômico e político no cenário mundial.

Por outro lado, Pereira (1995, p 95) também verifica a contrapartida, ou seja, os

interesses sul-africanos em participar da SADC. Seriam os principais: a) aumento de mercado

para seus produtos, ainda que com baixo poder aquisitivo, tratava-se de 120 milhões de

pessoas; b) possibilidade de aumentar o investimento estrangeiro em seu território, com o

objetivo de servir o mercado da SADC; c) melhores condições de segurança e estabilidade,

que facilitariam seus planos de firmar-se enquanto potência regional.

Entretanto, ainda que a entrada da África do Sul pudesse trazer vantagens para a

SADC como um todo, as consequências para aqueles dez outros países podem ser nefastas. Se

inicialmente a ideia era que a RAS fizesse parte do bloco em igualdade de condições, direitos

e deveres dos demais, o resultado pode ser muito diferente. Ao invés de trazer o

desenvolvimento regional de forma igualitária, a entrada da África do Sul na SADC pode

trazer vantagens somente para ela, empobrecendo ainda mais os demais membros do bloco e

tornando-os ainda mais economicamente dependentes, o que vai de encontro aos objetivos

iniciais do próprio SADCC, ainda em 1980.

Os efeitos negativos para a região como um todo são descritos por Pereira (1995): a) a

RAS poderia se tornar o principal local de captação de Investimento Estrangeiro devido à sua

capacidade superior em relação aos demais no que diz respeito a: produtividade, poder

econômico de mercado, transporte, segurança, regime agora democrático, classe empresarial

dinâmica e economia capitalista; b) acentuação da dependência econômica dos demais países

em relação à RAS devido à diminuição de investimento naqueles países nos setores que já

seriam supridos pela própria RAS; c) fuga de capital financeiro e intelectual dos países

membros em busca de melhores condições na RAS; d) acentuação das disparidades

econômicas entre os países.

Por outro lado, os demais países não estariam tão inocentemente se candidatando a

vítimas da África do Sul ao insistir em sua inclusão na organização da qual fazem parte. Ou

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44

seja, ainda que possa haver desvantagens na entrada da RAS, as vantagens devem superá-las

sob a ótica da organização. Pereira (1995) elenca sete fatores considerados positivos e que,

portanto, justificariam a inserção da RAS: a) aproveitamento dos benefícios dos mercados sul-

africanos para os demais (efeito spill-over); b) possibilidade de capitalização dos mercados e

melhor uso das capacidades; c) retorno dos recursos humanos que estão em outros países para

relançar suas indústrias; d) aproveitamento dos recursos humanos emigrantes; e) efeitos

positivos da estabilidade e segurança a serem proporcionados pela RAS; f) apoio solidário da

RAS em relação às dificuldades econômicas por ela mesma geradas nos demais países da

região; g) absorção de boa parte do investimento externo atraído pela RAS.

Desta forma, se por um lado a inserção da África do Sul na SADC mantém a

dependência dos demais membros em relação a ela, por outro lado também causa um

estreitamento nas relações e que pode, por fim, aumentar a integração e trazer vantagens para

todos. Ainda que existam muitas arestas a serem aparadas, parece ser possível a integração

destes países. Para tanto, faz-se necessária a criação de políticas comuns a todos, com

aplicabilidade responsável visando o bem estar coletivo.

3.4 Comparativo entre Bloco Sul (SADC) e Norte (ECOWAS)

Ainda que o foco desse capítulo seja a África do Sul e sua relação com os demais

países membros da SADC, é ilustrativo fazer um comparativo entre este bloco e aquele

formado pelos países da África Ocidental. A Economic Community of West African States

(ECOWAS)21 tem sua formação datada de 28 de maio de 1975 e engloba atualmente

dezesseis países da África Ocidental, a saber: Benin, Burkina Faso, Cabo Verde, Costa do

Marfim, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné Bissau, Libéria, Mali, Mauritânia, Níger, Nigéria,

Senegal, Serra Leoa e Togo.

Da mesma maneira que a SADC busca a união entre seus países membros em prol do

desenvolvimento coletivo, a ECOWAS objetiva promover a integração econômica em

diversos campos, tais como: indústria, transporte, telecomunicações, energia, agricultura,

recursos naturais, comércio, assuntos financeiros e monetários e questões sociais e culturais

(PENNA FILHO, 2000).

21 Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental. Disponível em <http://www.ecowas.int/>.

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45

Entretanto, assim como a SADC, a ECOWAS enfrenta graves problemas para o seu

funcionamento. Não se pretende aqui contar a história dessa outra Comunidade, mas

considerando o que já foi apresentado sobre a situação econômica do SADC, um comparativo

entre as duas Comunidades deve ser eficaz para fornecer um breve panorama da situação do

continente africano como um todo.

A tabela 6 apresenta o panorama de índices econômicos básicos dos países membros

da SADC no ano de 1999:

Tabela 6: Indicativos dos países membros da SADC em 1999

País Integrante Área (km2) População

(milhões de hab)

PIB (bilhões de

US$)

Crescimento

anual do PIB

Angola 1.246.700 12.000 6.721 (0,9) África do Sul 1.220.088 44.300 126.301 1,2 Botsuana 581.730 1.600 4.936 4,1 Lesoto 30.355 2.200 889 6,7 Malawi 118.484 10.400 2.204 2,6 Maurício 2.045 1.200 4.292 5,0 Moçambique 801.590 18.700 1.714 7,1 Namíbia 824.268 1.700 3.230 4,1 Rep. Dem. Congo 2.344.885 49.200 6.904 (6,6) Seichelles 455 77 515 1,1 Suazilândia 17.365 931 1.042 2,9 Tanzânia 945.087 32.200 5.838 3,5 Zâmbia 752.614 8.700 3.388 (1,1) Zimbábue 390.579 11.900 7.550 1,3 Total 9.273.245 195.108 175.524

Fontes: Almanaque Abril, 1999, Relatório do Banco Mundial apud Penna Filho, 2000.

Observa-se na tabela 6 que, a não ser pelos casos de Mauricio e Seichelles

(considerados exceções dentro do continente, por terem IDH considerado alto que, embora o

PIB per capita seja superior da RAS, o PIB total é diminuto), a RAS mantém sua situação de

potência regional no continente, dado o valor de seu PIB, superior a todos os demais, ainda

que somados. Por outro lado, vale ressaltar que o índice de crescimento anual do PIB da

África do Sul caracterizava-se em 1999 por ser um dos menores dentre os países membros da

SADC, destacando-se como maior o crescimento do PIB do Moçambique, que no entanto

evidencia uma das situações de menor PIB per capita de todo o bloco.

Na tabela 7 é apresentado o panorama dos mesmos índices, desta vez relativos aos

dezesseis países membros do bloco do Norte, a ECOWAS.

Page 46: Monografia Renata - versão capa dura

46

Tabela 7: Indicativos dos países membros da ECOWAS em 1999

País Integrante Área (km2) População

(milhões de hab)

PIB (bilhões de

US$)

Crescimento

anual do PIB

Benin 112.622 5.900 2.210 4,4 Burkina Faso 274.200 11.400 2.538 2,8 Cabo Verde 4.033 417 425 4,7 Costa do Marfim 322.463 14.600 10.688 2,4 Gâmbia 11.295 1.200 363 2,6 Gana 238.538 18.900 6.344 4,4 Guiné 245.857 7.700 3.934 3,9 Guiné Bissau 36.125 1.100 271 3,5 Libéria 111.369 2.700 973 0,0 Mali 1.240.142 11.800 2.660 2,8 Mauritânia 1.030.700 2.500 1.094 4,1 Níger 1.186.408 10.100 1.987 1,0 Nigéria 923.768 121.800 31.995 2,6 Senegal 196.722 9.000 5.155 1,8 Serra Leoa 71.740 4.600 940 (3,3) Togo 56.785 4.400 1.420 (0,6) Total 6.062.767 228.117 72.997

Fontes: Almanaque Abril 1999, Relatório do Banco Mundial, apud Penna Filho, 2000.

A tabela 7 mostra que os países da ECOWAS encontravam-se em 1999 numa situação

ainda mais precária do que os países da SADC no mesmo ano. Ao comparar os blocos

percebe-se que, ainda que a população dos países membros da SADC fosse cerca de 17%

menor que a dos países membros da ECOWAS, o PIB total desta última representava pouco

mais de 40% do PIB da SADC.

Novamente aqui se faz interessante a atualização dos dados relativos às duas

Comunidades. Sendo assim, as tabelas 8 e 9 apresentam dados relativos à SADC e também

ECOWAS, desta vez tendo como base o ano de 2008, de acordo com dados do Banco

Mundial. Sendo assim, a Tabela 8 já traz o SADC com sua formação atual.

Tabela 8: Indicativos dos países membros da SADC em 2008

País População

(milhões)

Crescimento populacional (% anual)

Expectativa de vida ao nascer (anos)

Taxa mortalidade infantil [- de 5 anos (por 1,000)]

PIB (ano corrente em bilhões de US$)

PIB (crescimento anual em %)

Inflação, PIB (deflator anual em %)

África do Sul 48.690 1,7 51 67 276.450 3,1 10,8 Angola 18.020 2,6 47 220 8.940 13,2 23,9 Botswana 1.920 1,5 54 31 13.410 2,9 17,0 Congo 64.260 2,7 48 199 11.670 6,2 19,4 Lesotho 2.050 0,9 45 79 1.620 3,9 9,6 Madagascar 19.110 2,7 60 106 9.460 7,3 9,5 Malawi 14.850 2,8 53 100 4.270 9,7 8,9 Mauricio 1.270 0,6 73 17 9.320 4,5 7,6 Moçambique 22.380 2,3 48 130 9.850 6,8 7,7 Namíbia 2.130 2,0 61 42 8.840 2,9 13,7 Swazilândia 1.170 1,4 46 83 2.840 2,4 10,1 Tanzânia 42.480 2,9 56 104 20.490 7,5 8,9 Zâmbia 12.620 2,5 45 148 14.310 6,0 10,8 Zimbábue 12.460 0,1 44 96 .. .. .. Total/média 263.410 1,9 52 102

Fonte: Elaboração da autora, a partir de dados do site do Banco Mundial.

Page 47: Monografia Renata - versão capa dura

47

Muito embora grande parte do crescimento econômico da África do Sul seja devido

aos investimentos relativos à infraestrutura para realização da Copa 2010, o que mais que

dobrou seu PIB de 2008 em comparação a 1999, outros países também apresentaram mudança

significativa. É o caso de Botswana, Maurício, Namíbia e Zâmbia que, embora possuam PIB

relativamente pequeno, este apresentou melhoria percentual expressiva.

Por sua vez, a tabela 9 traz indicativos dos países membros da ECOWAS, a partir dos

dados do Banco Mundial, relativos ao ano de 2008.

Tabela 9: Indicativos dos países membros da ECOWAS em 2008

País População

(milhões)

Crescimento populacional (% anual)

Expectativa de vida ao nascer (anos)

Taxa mortalidade infantil [- de 5 anos (por 1,000)]

PIB (ano corrente em bilhões de US$)

PIB (crescimento anual em %)

Inflação, PIB (deflator anual em %)

Benin 8.660 3,2 61 121 6.680 5,1 7,1 Burkina Faso 15.230 3,4 53 169 7.950 4,5 5,1 Cabo Verde 500 1,4 71 29 1.590 2,8 6,5 Costa do Marfim 20.590 2,3 57 114 23.410 2,2 8,1 Gâmbia 1.660 2,7 56 106 810 5,9 5,0 Gana 23.350 2,1 57 76 16.650 7,3 16,9 Guiné 9.830 2,2 58 146 3.800 4,7 14,9 Guiné Bissau 1.580 2,2 48 195 430 3,3 8,9 Libéria 3.790 4,5 58 145 840 7,1 10,4 Mali 12.710 2,4 48 194 8.740 5,0 13,6 Mauritânia 3.220 2,4 57 118 2.860 .. .. Niger 14.700 3,9 51 167 5.350 9,5 7,6 Nigéria 151.210 2,3 48 186 207.120 6,0 11,0 Senegal 12.210 2,6 56 108 13.270 3,3 6,0 Serra Leoa 5.560 2,5 48 194 1.950 5,5 11,2 Togo 6.460 2,5 63 98 2.900 1,1 7,2 Total/média 291.260 2,7 56 135 304.350

Fonte: Elaboração da autora, a partir de dados do site do Banco Mundial.

A partir de uma análise da situação dos dois blocos, é possível afirmar que a

ECOWAS evoluiu proporcionalmente mais que a SADC entre os anos de 1999 e 2008.

Embora o PIB dos países membros da SADC tenha tido um grande aumento

(desconsiderando o Zimbábue, cujos dados não estavam disponíveis para consulta no site do

Banco Mundial), tal fato deve-se principalmente aos investimentos obtidos pela RAS dada a

realização da Copa 2010 em seu território. Entretanto, o crescimento do PIB dos países

membros da ECOWAS, que em 1999 era de U$D 72.997 bilhões, em 2008 registrou um total

de U$D 304.350 bilhões, o que representa 416% do PIB registrado em 1999.

Ou seja, considerando o ritmo de crescimento no período analisado, é bastante

possível que, mesmo sem a presença da potência regional integrando o bloco do Norte, a

ECOWAS supere proporcionalmente o crescimento da SADC já nos próximos anos.

Page 48: Monografia Renata - versão capa dura

48

3.5 Pacto da SADC pela erradicação da pobreza

Dado o fato de que a pobreza é regra, e não exceção no território africano,

representantes dos quatorze países membros do SADC reuniram-se na cidade de Pailles,

Maurício e, em 20 de abril de 2008, assinaram a “Declaração da SADC sobre a Erradicação

da Pobreza e o Desenvolvimento Sustentável”.

Neste documento, são reafirmados os principais objetivos da SADC, quais sejam: a)

promover um crescimento econômico e desenvolvimento socioeconômico sustentáveis que

garantam o alívio da pobreza com o objetivo último da sua erradicação; b) melhorar os

padrões e a qualidade de vida da população da SADC e apoiar os socialmente desfavorecidos

através da integração regional; c) incluir a perspectiva do gênero no processo de construção

nacional e comunitária (SADC, 2008).

Ainda, é reconhecido neste documento que cerca de 45% da população da SADC vive

em estado de pobreza extrema ocasionada especialmente por subdesenvolvimento, deficiência

nas estruturas econômicas, falta de capital e aptidões adequadas, bem como a marginalização

em relação à economia mundial. Tais fatores comprometem o sucesso de todo o continente no

sentido de atingir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio acordados entre os Estados-

Membros das Nações Unidas.

No mesmo documento, compromissos diversos para com o combate e erradicação da

pobreza são reafirmados e, por fim, são declaradas as onze áreas prioritárias, a saber: a)

Assegurar a Paz, a Segurança e Democracia; b) Acelerar a liberalização do comércio e o

desenvolvimento; c) Acelerar o Desenvolvimento de Infraestruturas para a Integração

Regional, a Erradicação da Pobreza e o Desenvolvimento; d) Garantir a Segurança Alimentar,

a Gestão dos Recursos Naturais e o Ambiente Sustentável; e) Melhorar o Desenvolvimento

Humano e Social; f) Assegurar a Igualdade do Gênero e Desenvolvimento; g) Intensificar o

Combate contra o HIV e SIDA; h) Dominar a Ciência, Inovação e Tecnologia; i) Promover e

Reforçar a Parceria com o Setor Privado; j) Reforçar os Mecanismos Institucionais e a

Monitorização e Avaliação; k) Intensificar a Mobilização de Recursos. (SADC, 2008).

Entretanto, por melhor que pareça a ideia e por mais que se esforcem os países

signatários, já será deveras difícil a tarefa de conseguir tal feito ainda que contando com o

apoio e suporte internacional, dado o abismo que se encontram. Para que haja sucesso é

necessário incluir o continente africano como um todo no mapa do século XXI, através de

ações internacionais que de forma construtiva forneçam suporte para que no futuro o

Page 49: Monografia Renata - versão capa dura

49

continente africano deixe para trás o rótulo de “caso perdido” e caminhe rumo à prosperidade.

Antes que sejam tomadas atitudes de fato, o estabelecimento de metas para um mercado ou

moeda único regional poderá não passar de mero folclore.

O objetivo deste capítulo foi mostrar a situação da RAS dentro da SADC, visto seu

destaque enquanto líder natural do bloco econômico. Para tanto, foi também realizado um

comparativo dos países membros da SADC com o outro bloco, este formado pelos países do

norte do continente, denominada ECOWAS. Através de uma breve análise dos dados

expostos nas tabelas foi possível afirmar que o continente africano como um todo passa por

graves problemas. Ainda que tenha havido avanço no sentido de quedas de regimes

autoritários, independência de países antes subjugados por outros e formação de blocos no

intuito de fortalecer economicamente o continente, este ainda amarga as consequências de ter

sido esquecido pelo resto do mundo por muitas décadas. Assim, ainda que tenha havido

melhoria, o continente como um todo ainda apenas engatinha rumo ao desenvolvimento

esperado para o século XXI.

Page 50: Monografia Renata - versão capa dura

50

4 A RELAÇÃO ENTRE ÁFRICA DO SUL E BRASIL

1. Globalização é um processo complexo, não um estágio final ou uma nova ordem; 2. Globalização é um processo contraditório, não uma força inflexível ou uma força unidirecional; 3. Globalização se desenvolverá de maneira desigual; 4. O processo da globalização, como outro qualquer, não flutua no ar, mas se realiza em institucionalizações específicas, histórica e geograficamente localizados; 5. Globalização implica mudanças tanto qualitativas como quantitativas, no sentido que há mudanças no relacionamento entre escalas, estruturas sociais e agentes; 6. Globalização envolve a complexa difusão, rearticulação e reconstituição das relações de poder, não apenas um jogo de soma zero entre as nações e as empresas transnacionais. (DICKEN; PECK e TICKELL,1997).

Ainda que possa parecer estranha a existência de relações comerciais entre países tão

geograficamente distantes como Brasil e África do Sul, esta remonta desde o início do século

XX, mais precisamente em 1918 com a criação de um Consulado de Carreira na Cidade do

Cabo. Entretanto, as relações políticas somente de fato foram estabelecidas a partir de 1947,

com a instalação praticamente simultânea de representação diplomática sul-africana no Rio de

Janeiro da Legação brasileira em Pretória. Muito embora houvesse interesse mútuo na relação

e as formalizações diplomáticas estivessem em andamento, a discordância brasileira em

relação às práticas do regime segregacionista sul-africano acabou por esfriar a aproximação

comercial entre os dois países. A partir de 1974 o Brasil, vislumbrando melhores relações

comerciais com outros países do continente africano, acabou por tomar uma atitude mais

enérgica no apoio àqueles países que buscavam sua independência junto à África do Sul,

acompanhando as sanções já impostas pela ONU. (PENNA FILHO, 2001).

Somente com a queda do apartheid, no início da década de 1990 as relações

diplomáticas entre os países foram retomadas, destacando-se como marco a visita do chefe de

Estado brasileiro em à RAS em 1996, retribuída pela visita de Nelson Mandela ao Brasil em

1998. Tal formalidade representou um grande passo no avanço das relações do comércio

internacional já existente entre os países. Ainda que em 1939 tenha sido assinado o primeiro

acordo de comércio entre as partes, no período compreendido entre 1918-1947 suas relações

foram limitadas a um comércio irregular e, embora tenham sido registradas algumas

iniciativas de aproximação governamental, essas não lograram grandes sucessos. Importante

ressaltar o incremento comercial entre os países no período da II Guerra Mundial, quando

estavam desestabilizados os canais tradicionais do comércio e diversificando rotas e parceiros

de negócios.

Page 51: Monografia Renata - versão capa dura

51

Em 1936, o enviado sul-africano à América do Sul, Alwyn Zoutendyk já vislumbrava

no Brasil um mercado promissor no que diz respeito ao comércio entre os países. Em seu

relatório para o Departamento de Negócios Estrangeiros da União Sul-Africana, fez constar

que poderia ser exportado facilmente para o Brasil: carvão, frutas frescas não-tropicais, frutas

secas, geleias, brandy, gim, vinhos, tabaco, lagostas e peixe seco. Por outro lado, poderia

importar: café, arroz, madeiras, vestuário, seda, papel, vidro e garrafas. Além do leque de

oportunidades de comércio, ainda destacou possibilidade de diminuir gastos de frete, dada a

distância inferior à de seus atuais parceiros. Ou seja, o relatório de Zoutendyk recomendava o

estabelecimento imediato de relações comerciais entre os dois países.

Entretanto, a iniciativa de aproximação política que coube ao Brasil não foi tão

simples. Quando inicialmente consultados pelo governo brasileiro em 1938 a resposta foi tão

rápida quanto negativa, tanto que somente em 1947 as autoridades sul-africanas passaram a

considerar de fato estabelecer relações diplomáticas com a América Latina, incluindo o

Brasil. Se por um lado o Brasil tinha grandes interesses comerciais, por outro a União Sul-

Africana enxergava na parceria um possível aliado frente às pressões contra sua política racial

e sanções impostas pela ONU. Todavia, embora o Brasil tentasse lidar com a União Sul-

Africana como mero parceiro comercial, buscando isentar-se de conflitos políticos, houve

pressão internacional no sentido de manter o discurso coerente com a prática. Ou seja, assim,

como os EUA e diversos países da Europa Ocidental, o Brasil que ao mesmo tempo em que

criticava o regime, mantinha vínculos comerciais com o país cuja imagem estava cada vez

mais deteriorada perante a comunidade internacional. (PENNA FILHO, 2001).

A cobrança de uma atitude mais enérgica do governo brasileiro vinha de países que

este vislumbrava também como futuros parceiros comerciais, especialmente aqueles de língua

portuguesa, como no caso de Angola, que foi duramente agredida pela União Sul-Africana.

Desta forma, viu-se o Brasil obrigado a restringir ao mínimo possível suas relações com o

país, reduzindo suas relações bilaterais e apoiando as sanções impostas pelos países membros

da ONU. Em contrapartida, a embaixada sul-africana em Brasília buscava intensificar tais

relações e, constatando que não teria sucesso junto ao Itamaraty, passou a negociar

diretamente com governos estaduais, empresas privadas e a própria imprensa, o que gerou

inúmeros atritos junto ao Ministério das Relações Exteriores. (PENNA FILHO, 2001).

A partir da década de 1990, com a queda do regime racial e o fim das sanções

internacionais em relação à África do Sul, poderiam voltar à pauta as negociações entre os

dois países. O cenário como um todo parecia bastante positivo para tal, com a independência

de diversos países vizinhos e o compromisso sul-africano em trabalhar na sua própria

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52

redemocratização. A visita de Nelson Mandela ao Brasil simbolizava isso. A África do Sul

finalmente se abria para o mundo e, dada sua situação em muitos aspectos caótica, é vital que

busque apoio e alternativas mundo afora. Na negociação com o Brasil, há grande

possibilidade de trocas e parcerias: se por um lado a RAS detém tecnologia de ponta no setor

de mineração, por outro o Brasil pode contribuir no campo da saúde pública, visto ser

referência mundial no combate à AIDS, doença que castiga a população de todo o continente

africano. Entretanto, as possibilidades não param por aí. Ainda que efetivamente recentes, as

práticas comerciais entre os dois países permanecem de modo geral bastante limitadas, mas

ambos os governos estão trabalhando no sentido de expandi-las. Os itens a seguir buscam

mostrar a situação efetiva e as perspectivas dessa relação.

4.1 As particularidades da relação entre Brasil e África do Sul

Ainda que haja uma distância continental entre os dois países, as semelhanças que os

unem também são grandes. Se por um lado ambos possuem problemas típicos dos países

periféricos quando avaliados no contexto mundial, ambos também detém características de

potência, quando avaliados regionalmente. Se por um lado o Brasil desponta como liderança

no MERCOSUL, por outro lado a África do Sul o faz junto ao SADC. Muitas são as

características positivas em comum entre os dois, como a existência de riquezas naturais em

seus territórios, além de razoável nível de industrialização e relativamente recente adoção de

regimes políticos democráticos. Porém, os fatores negativos como desigualdade na

distribuição de renda, sérios problemas de saneamento, educação e, especialmente no caso

sul-africano, saúde pública são problemas cuja resolução ainda está longe nos dois casos.

A tabela 10 traz novamente os dados daquela já apresentada no capítulo 2, mas desta

vez com um comparativo entre a República da África do Sul e o Brasil nos anos 2000 e 2008:

Tabela 10: Comparativo dos indicadores da RAS e do Brasil nos anos 2000 e 2008

Indicador Ano 2000

RAS

Ano 2000

Brasil

Ano 2008

RAS

Ano 2008

Brasil

População total (milhões) 44,00 174,17 48,69 191,97 Crescimento populacional (% anual) 2,5 1,4 1,7 1,0 Superfície (em milhares de km2) 1.219,1 8.514,9 1.219,1 8.514,9 População vivendo abaixo da linha da pobreza nacional (% da pop) 38,0 .. 22,0 .. Expectativa de vida ao nascer (anos) 56 70 51 72 Taxa de mortalidade infantil - abaixo de 5 anos (por 1,000) 73 34 67 22 Contaminação com HIV, total (% da população idade 15-49) 15,9 0,6 .. .. PIB (ano corrente em bilhões de US$) 132,88 644,70 276,45 1.575,15 PIB (crescimento anual em %) 4,2 4,3 3,1 5,1 Inflação, PIB (deflator anual em %) 8,8 6,2 10,8 5,9

Fonte: Elaboração da autora, a partir de dados do site do Banco Mundial.

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53

Ainda que ambos os países sejam considerados potências periféricas dentro de seus

continentes, nota-se algumas diferenças nos caminhos tomados por eles no período analisado.

No caso do PIB, ambos os países tiveram um crescimento de pouco mais de 100% e, ainda

que o Brasil tenha registrado crescimento um pouco maior, foi semelhante. Entretanto, a taxa

de crescimento anual brasileira melhorou, ao passo que a sul-africana registrou piora, da

mesma forma que o comparativo entre a taxa de inflação, que regrediu no Brasil e aumento na

África do Sul. Nota-se também uma diferença bastante grande na questão da saúde pública e

qualidade de vida, dados os números nos quesitos expectativa de vida ao nascer e taxa de

mortalidade infantil, ambos muito problemáticos na África do Sul.

Importante ressaltar que, embora o crescimento proporcional do PIB no período tenha

sido semelhante entre os dois países, este pode ser caracterizado por motivos distintos, dado

que no caso brasileiro este é resultado de políticas macroeconômicas enquanto que no caso

sul-africano pode ser considerado resultado, ao menos parcialmente, dos investimentos

recebidos para realização de evento esportivo em 2010.

A função principal da tabela 10 foi estabelecer um panorama comparativo entre os

países e verificar que, embora o Brasil saia com alguma vantagem e tenha alcançado

melhorias nos últimos anos, ainda está longe do ideal, como cada cidadão percebe diariamente

em diversas situações cotidianas. Dessa forma, cabe averiguar aqui a situação precária na qual

se encontra o país considerado a potência regional do continente africano e, por conseguinte,

ter uma pequena dimensão da realidade do restante do continente considerado ainda em piores

condições que este.

4.2 O comércio já existente entre os dois países

A amplitude do comércio entre Brasil e África do Sul ainda é modesta. Em estudo

realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a relação entre os dois

países mostra o Brasil como exportador mais do que importador da RAS. Entretanto, alguns

itens, como minerais não-metálicos, gorduras e material de transporte já se mostram

expressivos nesta relação. Para fins de ilustração, as duas tabelas a seguir mostram o volume

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de comércio entre os países no ano de 2003. A primeira delas mostra as exportações

brasileiras para a África do Sul e a segunda as importações sul-africanas para o Brasil. Os

itens comercializados estão separados de acordo com a Nomenclatura Comum do

MERCOSUL (NCM), que é equivalente ao Harmonized Commodity Description System, no

qual as mercadorias estão classificadas em 97 capítulos e 21 seções, em graus crescentes de

manufatura: matéria-prima básica, produtos não-manufaturados, produtos semiacabados e

produtos finais 22:

Tabela 11: Importância das exportações para a África do Sul nas exportações brasileiras e nas importações da África do Sul, em 2003 (em U$D)

Descrição das seções NCM Exportação brasileira total (a)

Exportação brasileira para RAS

(b)

Importação da RAS de todos os

países (c)

b/a (em %)

b/c (em %)

Seção I - Animais vivos 4.298.561.861 53.071.816 235.325.685 1,23 22,55 Seção II - Produtos do reino vegetal 6.782.923.660 4.655.348 603.516.532 0,07 0,77 Seção III - Gorduras e óleos 1.338.946.416 50.977.730 256.844.864 3,81 19,85 Seção IV - Produtos alimentares, bebidas e fumo 8.841.469.970 54.133.375 635.746.056 0,61 8,51 Seção V - Produtos minerais 7.848.829.803 27.526.685 4.266.220.448 0,35 0,65 Seção VI - Produtos das indústrias químicas 3.661.086.908 35.686.461 3.376.989.203 0,97 1,06 Seção VII - Plástico e borracha 2.126.945.459 27.877.985 1.308.621.632 1,31 2,13 Secão VIII - Peles, couros e obras desses materiais 1.181.331.566 19.935.930 158.001.159 1,69 12,62 Seção IX - Madeira e suas obras 2.083.046.732 6.651.007 210.762.023 0,32 3,16 Seção X - Papel, cartão, pasta de madeira e celulose 2.869.489.699 23.474.013 632.804.732 0,82 3,71 Seção XI - Matérias têxteis e suas obras 1.656.280.978 5.648.519 1.066.365.189 0,34 0,53 Seção XII - Calçados, guarda-chuva, flores artif e outros 1.625.708.812 5.911.905 289.731.260 0,36 2,04 Seção XIII - Produtos de minerais não-metálicos 1.067.404.792 42.100.184 427.530.240 3,94 9,85 Seção XIV - Pérolas, pedras e mat preciosos e suas obras 562.397.949 745.319 713.132.672 0,13 0,10 Seção XV - Metais comuns e suas obras 7.692.604.437 32.680.604 1.405.861.076 0,42 2,32 Seção XVI - Máquinas, aparelhos, material elétrico 8.784.668.458 115.991.072 9.220.507.136 1,32 1,26 Seção XVII - Material de transporte 8.149.692.384 221.657.353 3.951.823.962 2,72 5,61 Seção XVIII – Inst.óticos, precisão, musicais, médicos 357.347.636 2.149.826 1.196.717.954 0,60 0,18 Seção XIX - Armas e munições 94.611.860 341.238 0,36 X Seção XX - Móveis, brinquedos e produtos diversos 826.590.935 1.608.816 452.056.536 0,19 0,36 Seção XXI - Objetos de arte, de coleções e antiguidades 4.848.341 X X Transações especiais 1.229.350.862 352.898 28.186.464 0,03 0,01 Total

73.084.139.518 733.178.084 30.436.744.823 1,00 2,18

Fonte: Secex/MDIC no sistema Alice; United Nations Statistics Division, Comtrade apud Zockum, 2005. A tabela 11 mostra claramente que a África do Sul não foi o principal destino de

nenhum dos produtos brasileiros, visto que as importações sul-africanas corresponderam a

menos de 1% das exportações totais brasileiras no ano de 2003.

Já a tabela 12 busca ilustrar a representatividade para as importações brasileiras das

exportações oriundas da África do Sul.

22 United Nations Statistics Division, Glossary.

Page 55: Monografia Renata - versão capa dura

55

Tabela 12: Importância das Importações da África do Sul nas importações brasileiras e nas exportações da África do Sul, em 2003 (em US$)

Descrição das seções NCM Importação brasileira total (a)

Importação brasileira da

RAS (b)

Exportação da RAS para todos

os países (c)

b/a (em %)

b/c (em %)

Seção I - Animais vivos 434.385.519 1.075.888 493.177.586 0,25 0,22 Seção II - Produtos do reino vegetal 2.229.896.685 2.673.543 1.262.209.911 0,12 0,21 Seção III - Gorduras e óleos 154.681.048 31.631 38.759.192 0,02 0,08 Seção IV - Produtos alimentares, bebidas e fumo 683.462.408 1.811.607 1.422.445.660 0,27 0,13 Seção V - Produtos minerais 8.009.524.424 44.037.343 4.387.615.584 0,55 1,00 Seção VI - Produtos das indústrias químicas 9.175.554.520 46.517.430 2.042.118.285 0,51 2,28 Seção VII - Plástico e borracha 2.789.198.951 1.775.334 661.213.280 0,06 0,27 Secão VIII - Peles, couros e obras desses materiais 179.199.836 65.785 185.204.202 0,04 0,04 Seção IX - Madeira e suas obras 63.916.634 329.434 434.425.014 0,52 0,08 Seção X - Papel, cartão, pasta de madeira e celulose 649.535.193 5.114.462 876.327.860 0,79 0,58 Seção XI - Matérias têxteis e suas obras 1.061.712.000 8.523.848 792.971.831 0,80 1,07 Seção XII - Calçados, guarda-chuva, flores artif e outros 68.654.905 47.910 35.162.537 0,07 0,14 Seção XIII - Produtos de minerais não-metálicos 368.315.435 1.505.740 216.928.444 0,41 0,69 Seção XIV - Pérolas, pedras e mat preciosos e suas obras 140.677.826 19.078.293 5.171.252.736 13,56 0,37 Seção XV - Metais comuns e suas obras 2.307.870.825 48.505.047 5.633.013.365 2,10 0,86 Seção XVI - Máquinas, aparelhos, material elétrico 14.559.326.143 16.521.501 3.150.002.049 0,11 0,52 Seção XVII - Material de transporte 3.264.529.002 3.624.043 3.269.185.264 0,11 0,11 Seção XVIII – Inst.óticos, precisão, musicais, médicos 1.887.373.877 487.689 207.445.687 0,03 0,24 Seção XIX - Armas e munições 5.586.247 456.907 8,18 Seção XX - Móveis, brinquedos e produtos diversos 245.770.543 19.043 592.541.419 0,01 0,00 Seção XXI - Objetos de arte, de coleções e antiguidades 3.539.446 685 21.297.940 0,02 0,00 Transações especiais 3.917.642 Total 48.282.711.467 202.203.163 30.897.215.488 0,42 0,65

Fonte: Secex/MDIC no sistema Alice; United Nations Statistics Division, Comtrade apud Zockum, 2005.

Já no caso da exportação de produtos sul-africanos para o Brasil, a troca é ainda

menor. Os produtos comprados da África do Sul representam apenas cerca de 0,42% do total

importado pelo Brasil.

Para ZOCKUN (2005) acordo com estudo efetuado pelo IPEA (2005), o Brasil tem

potencial para aumentar suas exportações para a RAS no que diz respeito a: produtos

cerâmicos, gorduras e óleos, carnes, cacau, calçados e especiarias, dentre outros. Por outro

lado, também a África do Sul tem condições de aumentar suas exportações para o Brasil, nos

itens: metais comuns, veículos e materiais para via férrea, adubos e fertilizantes, produtos

químicos inorgânicos, laticínios, obras de fero fundido, animais vivos, cobre, produtos de

indústria da moagem e instrumentos musicais, dentre outros. Resta haver acordo entre os

países nos quesitos necessários para ampliar esse mercado, seja em melhores condições

tarifárias ou na abrangência dos itens envolvidos na negociação.

Page 56: Monografia Renata - versão capa dura

56

4.3 MERCOSUL e SADC: ajuda mútua no eixo Sul-Sul?

Seguindo a tendência contemporânea da formação de blocos econômicos, os países da

África Austral e América Latina liderados pela África do Sul e Brasil, respectivamente,

passam agora a tentar colher os frutos gerados pela sua organização em grupos como a SADC

e o MERCOSUL. Considerando a República da África do Sul como foco deste trabalho, sua

relação com a SADC já foi contemplada no capítulo anterior e, considerando a função deste

capítulo verificar a relação do país com o Brasil, cabe agora verificá-la no que diz respeito à

forma como os dois blocos se relacionam.

Considerando que o SADC já foi devidamente apresentado no capítulo anterior, faz-se

necessária aqui uma brevíssima introdução a respeito então do MERCOSUL. O Mercado

Comum do Sul surgiu oficialmente com a assinatura em 26 de março de 1991 do chamado

Tratado de Assunção, entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, além da entrada da

Venezuela em 2006. O mesmo tem como objetivo o estabelecimento de um mercado comum

entre os países signatários, a partir de 31 de dezembro de 199423. Ou seja, da mesma forma

que o SADC representa a união comercial e política dos países da África Austral em prol de

um bem comum, o MERCOSUL busca o mesmo objetivo para os signatários da América

Latina.

A aproximação inicial entre os dois blocos deu-se pelo interesse no Brasil, por parte de

empresas de mineração sul-africanas. A partir da inclusão da RAS, a SADC tornou-se ainda

mais atraente para o MERCOSUL, dada sua necessidade de infraestrutura e potencial para

negócios futuros. Entretanto, o Brasil pode contribuir muito na integração com outros países

africanos além da RAS, especialmente aqueles de língua portuguesa. Para Mourão (1994),

O ensino e o uso da linguagem constituem um dos temas centrais da Diplomacia Cultural, instrumento de política externa e tema que tem sido aproveitado por vários países como a França e a Turquia, ora como forma de resistência ora como meio de preservar ou até aumentar o prestígio internacional.

Buscando estreitar os laços já existentes, em 1998 as embaixadas dos países do

MERCOSUL reuniram-se na RAS, com vistas a maior integração comercial e de

investimentos entre os países membros dos dois blocos. Ainda que haja semelhança e mesmo

competição entre as estruturas produtivas das duas regiões, neste encontro foram defendidos

os benefícios que podem surgir de cooperação em pesquisas no sentido de diminuição de

custos de produção, melhora na qualidade, beneficiamento de minérios e metais, bem como

23 Informação disponível em <http://www.mercosul.gov.br>.

Page 57: Monografia Renata - versão capa dura

57

de técnicas de mercado. Para Tahane (apud SANTOS, 1999, p. 203), representante do Reserve

Bank da África do Sul,

[...] enquanto que o MERCOSUL enfatiza a integração comercial, a SADC privilegia o desenvolvimento econômico, a cooperação e a harmonização de políticas dos países membros, mas é o objetivo último de ambos um maior crescimento econômico e a melhora do nível de vida. Essa comunhão de objetivos, embora não suficiente, é condição necessária à estruturação das relações entre a SADC e o MERCOSUL. Por trás de temas econômicos encontra-se uma consciência de valores como a promoção da paz, ou a defesa do socialismo, ou a superação da pobreza, ou o aprofundamento da democracia.

Ainda que seja prematuro o estabelecimento de uma integração formal e prática entre

MERCOSUL e SADC, a pauta em comum entre os dois blocos, seja nos pontos fortes ou nos

problemas faz com que isso pareça viável no longo prazo. Embora o MERCOSUL esteja num

estágio mais avançado que o SADC em termos de integração e mesmo no que diz respeito à

situação dos países membros de cada um dos blocos, a experiência do primeiro pode ajudar o

segundo nas questões institucionais, no pragmatismo e na necessidade de medidas concretas,

seja nas tarifas ou na manutenção do balanço entre parceiros desiguais. (SANTOS, 1999).

Portanto, pode-se afirmar que o interesse é mútuo dentre os blocos. De um lado o

Brasil, como líder do MERCOSUL, desponta como um país de grande importância

diplomática, com reconhecimento em todos os continentes, participando ativamente nas

discussões dos temas que permeiam o interesse mundial contemporâneo: defesa da

democracia, promoção do desenvolvimento sustentável, proteção ambiental, proteção e

promoção dos direitos humanos, combate ao narcotráfico e ao crime organizado,

compromissos com a não-proliferação de armas de destruição em massa, integração

econômica e a universalização de regras não-discriminatórias em matéria de comércio

internacional e transferência de tecnologias. (LAMPREIA, 2004).

Por outro lado, a África do Sul, que desponta como líder do SADC, mostra-se

estratégica para todo o mundo ocidental: além de ter sua costa como rota para praticamente

todos os navios que transportam petróleo, seu território é rico em metais preciosos como ouro

e diamantes, além de minerais de suma importância para a indústria, inclusive militar. Ainda

que sua história seja permeada por conflitos internos e externos, com a queda do regime

segregacionista, suas possibilidades futuras são mais promissoras do que as de qualquer um

dos demais países africanos, dada sua capacidade industrial e economia já existente.

Sendo assim, a partir das informações contidas neste capítulo pode-se concluir que,

ainda que haja um grande caminho pela frente, e que a negociação entre os blocos ainda

estejam apenas no âmbito político e que sua concretização ainda esbarre na excessiva

burocracia, há vontade explícita de ambas as partes no sentido de viabilizar a construção e

Page 58: Monografia Renata - versão capa dura

58

efetivação de uma parceria, que com certeza deve começar na relação entre as lideranças dos

blocos, mas com grandes possibilidades de, tão logo amadurecidas as relações iniciais, serem

estendidas ao bloco como um todo, formando de fato uma parceria no eixo Sul-Sul.

Page 59: Monografia Renata - versão capa dura

59

5 O CAMINHO SUL-AFRICANO RUMO AO SÉCULO XXI

Cabe aqui fazer um brevíssimo resgate histórico a respeito da trajetória sul-africana:

da pilhagem realizada por ingleses e holandeses em busca de suas riquezas em ouro e

diamante caminhou para o estabelecimento de um regime que, com a desculpa de buscar

desenvolvimentos separados, segregou a própria população tendo como parâmetro a cor da

pele. Após sofrer inúmeras sanções internacionais e revoltas internas, caiu o regime que

deixou inúmeras sequelas, seja de ordem econômica ou social. Por outro lado, ainda que tenha

incontáveis problemas internos, como um caos generalizado na saúde pública, figurando na

triste liderança de casos de infecção com HIV, a África do Sul desponta como potência

regional junto aos países membros do SADC. Embora possa parecer assustador imaginar a

situação do continente africano como um todo, dado o fato que um país com o tipo de

problema que enfrenta hoje a RAS seja considerado potência regional, as perspectivas para o

futuro podem surpreender. Sendo assim, este capítulo pretende analisar o presente e esboçar o

que talvez possa vir a ser o futuro sul-africano.

Com a realização das primeiras eleições democráticas em 1994, ainda no âmbito de

uma Constituição Provisória, que deram ao ANC uma vitória com 62,5%, elegendo Nelson

Mandela como o primeiro presidente negro do país começa um novo tempo na África do Sul.

A principal tarefa do novo governo seria a reconstrução do país, acompanhado pelo

desenvolvimento necessário a este e também suas instituições, tarefa essa vital para caminhar

em busca de melhoria nas condições de vida de sua população há muito negligenciada,

especialmente os mais pobres. E, para tanto, seria necessário fazer com que a sociedade agora

encontrasse um meio de superar o legado de uma história de divisão, exclusão e abandono.

No intuito de atingir os objetivos propostos, o governo buscou reformas internas, na

administração pública, que democratizassem o acesso a todos os cidadãos, independente de

raça ou cor. Grandes conquistas foram obtidas desde então: o processo eleitoral de 1994 e os

posteriores foram admiravelmente pacíficos e, em 2000 as autoridades municipais tiveram seu

primeiro pleito não-racial e democrático. Ainda que houvesse oposição, em 1999 foi eleito

presidente o sucessor de Mandela, Thabo Mbeki, também pelo ANC. Em 1995 foi criada a

Comissão de Verdade e Reconciliação (CVR) no intuito de amenizar e talvez sanar as

desigualdades impostas à época do apartheid, assunto que será aprofundado em tópico

específico ainda neste capítulo.

Ainda que houvesse vontade política para melhoria na qualidade de vida sul-africana,

os desafios mostravam-se imensos e, assim, durante toda a primeira década democrática a

Page 60: Monografia Renata - versão capa dura

60

ênfase governamental manteve-se nas promoção de necessidades básicas: habitação,

saneamento, segurança, educação e saúde. Por outro lado também havia urgência na resolução

de problemas econômicos: criação de emprego, erradicação da pobreza, redução da

desigualdade, crescimento global e inserção da RAS no cenário internacional não mais como

um país isolado em si mesmo, mas como uma democracia em pleno processo de

desenvolvimento (GOVERNMENT OF S.A. YEARBOOK, 2009; 2010). A proposta do

governo sul-africano é bastante ambiciosa, baseia-se na consolidação da democracia e

desenvolvimento sócio-econômico em todo o continente. Desta forma, a RAS tomou a frente

da União Africana (UA) e, juntamente com a ONU, tem buscado resolver conflitos e

promover a paz e segurança também em outros países do continente, em prol de um

desenvolvimento coletivo.

Em 2004, a África do Sul comemorou sua primeira década de democracia, e o governo

fez um balanço positivo dos progressos alcançados, analisando também os desafios a serem

conquistados. Nas eleições de 2004 foi eleito novamente Thabo Mbeki, como a incumbência

de comandar o país rumo a melhorias que impliquem em redução significativa do desemprego

e da pobreza até 2014. Dada decisão do partido, Mbeki se afastou do cargo em 2008, sendo

substituído por Kgalema Motlanthe. Um dos planos utilizados nesta segunda década de

democracia da RAS para aumentar a trajetória do crescimento entre 2010 e 2014 é o chamado

Accelerated and Shared Growth Initiative for South Africa24 (AsgiSA), que merece também

um detalhamento ainda neste capítulo. (GOVERNMENT OF S.A YEARBOOK, 2009; 2010).

Da mesma forma como ocorreu no Brasil, a RAS conseguiu de certa forma driblar a

tempestade econômica mundial ocorrida em 2008, não amargando resultados negativos, tais

quais os de países do chamado primeiro mundo. Outro avanço foi a publicação, a partir de

2007, de dados oficiais relativos aos indicadores de desenvolvimento e desde então passou a

monitorá-los de forma a acompanhar e registrar os progressos especialmente nas áreas de

educação, saúde, habitação, crescimento econômico e expansão de benefícios sociais às

camadas mais pobres. Ainda no rol de avanços alcançados pelo país, no período chamado de

Segunda Década da Liberdade, está sua escolha como sede da Copa do Mundo de Futebol em

2010 que, além de necessitar de grandes investimentos em infraestrutura, representa também

uma conquista social para a nação. E o bom andamento desse processo é um dos desafios que

permeiam a administração do presidente eleito em 2009, Jacob Zuma. (GOVERNMENT OF

S.A YEARBOOK, 2009; 2010).

24 Iniciativa para o Crescimento Acelerado e Compartilhado da África do Sul.

Page 61: Monografia Renata - versão capa dura

61

5.1 Fazendo as pazes com o passado: as Comissões de Verdade e Reconciliação

Com o fim do regime do apartheid, a África do Sul entra finalmente em processo de

democratização. Entretanto, não é a simples declaração do fim de um regime culturalmente

enraizado por décadas que faz com que ele acabe na prática. Não há como voltar no tempo e

desfazer todas as dores e problemas causados, não há cura fácil ou imediata para as sequelas

deixadas pelos conflitos. Assim, há de se aprender com a própria história e, portanto, buscar

caminhos para minimizar suas consequências. Desta forma, ainda que o fim do apartheid

tenha marcado o fim do conflito, não significa, necessariamente, o começo do entrosamento

entre o povo há décadas polarizado.

Há um longo processo pela frente e, embora já tenha se passado mais de uma década, a

desigualdade ainda persiste. Face à necessidade de reconciliação de sua sociedade dividida

entre brancos e negros, a África do Sul optou pela criação de Comissões de Verdade e

Reconciliação (CVR). De acordo com Filipe (2010, p.1):

As Comissões de Verdade servem para o reconhecimento e compreensão dum passado conflituoso marcado por violações de direitos humanos. A verdade e o reconhecimento do passado ajudam a estabelecer uma ponte para o futuro, criando uma memória coletiva e uma cultura de debate e de direitos humanos, por oposição à anterior cultura de impunidade.

No caso específico da África do Sul, o processo de reconciliação se mostra ainda mais

fundamental, dado o fato que brancos e negros, opressores e oprimidos, partilham o mesmo

território geográfico. Trata-se de um trabalho em conjunto, de vontade política governamental

aliada ao empenho da sociedade como um todo. Quando da mudança do apartheid para a

democracia, havia duas possibilidades: o esquecimento ou o reconhecimento do passado.

Embora a primeira opção possa parecer mais simples, esta implica no perdão a todos os atos

opressores, sem qualquer punição aos seus agentes. Para as vítimas isso não é o suficiente e,

embora não seja objetivo realizar uma caça às bruxas, para que se possa conviver de forma

harmônica com seus antes agressores, há a necessidade de esclarecimentos. Para o arcebispo

anglicano Desmond Tutu, defensor das comissões de verdade e justiça restaurativa, que

chefiou a CVR:

Um ser humano só é um ser humano por meio de outros e, se um deles é humilhado ou diminuído, o outro o será igualmente. (TUTU, 2000, p.35). Enquanto os Aliados podiam fazer as malas e voltar para casa depois de Nuremberg, nós na África do Sul temos que conviver uns com os outros. (TUTU, 2000, p.21).

Page 62: Monografia Renata - versão capa dura

62

Ao optar pelo reconhecimento do passado, o governo sul-africano decidiu pela

investigação e exposição da verdade sobre o passado.

Na África do Sul o projeto de reconciliação centrou-se na premissa de que a revelação da verdade sobre o passado permite aos sobreviventes chegar ao fim da opressão e de que o perdão, tomando forma na anistia, e a vontade de enfrentar um futuro unido levaria à construção duma comunidade reconciliada, optando pelo modelo da Comissão de Verdade e Reconciliação. (WHITAKER, 1999, p.27).

Pode-se afirmar que a estratégia maior do governo quando da adoção da CVR tenha

sido a busca pela verdade, com foco na reparação das vítimas, promovendo a reconciliação e

evitando assim vinganças e recriminações contra aqueles que antes foram os agressores. Desta

forma, a função da CVR pode ser entendida como o estabelecimento de uma ponte entre o

passado e o futuro do país, investigando e esclarecendo o passado para prevenir problemas

futuros.

As Comissões de Verdade são, também, uma forma de mediar as memórias e de criar uma identidade nacional pós-traumática agindo como condutas de memória coletiva. A CVR representa uma ilustração desse “fazer a memória”, sendo que mais de 22 mil vítimas e 7 mil perpetradores do apartheid deram o seu testemunho perante a CVR, em audiências públicas com transmissão e ampla difusão nos meios de comunicação social. (FILIPE, 2010, p.8).

A base para criação da CVR data de negociação entre os partidos ANC e NP ainda na

Constituição Provisória de 1993, que deu origem à Lei nº 34, de Promoção da Unidade

Nacional e da Reconciliação, de 1995. Objetivamente, a CVR foi dividida em três comitês

multirraciais cujos membros foram escolhidos por Mandela, a saber: Comitê para as

Violações de Direitos Humanos (condutor das audiências públicas de vítimas e

sobreviventes), Comitê para Anistia (que ouvia e avaliava os pedidos de anistia) e Comitê

para Indenização e Reabilitação (que tratava da política de reparação e assistência). As

audiências da CVR foram realizadas entre os anos de 1996 e 1998, quando foi entregue

Relatório Final ao presidente. O Comitê para Anistia terminou suas audiências em maio de

2001, o que encerrou formalmente o trabalho da CVR. (FILIPE, 2010).

A prática da CVR sul-africana se destacou perante outras comissões, tendo em vista

algumas inovações alcançadas, como o espaço que tiveram vítimas, familiares e agressores

nas audiências públicas e transparentes, com cobertura pelos meios de comunicação. Tal

espaço é importante no sentido de resgatar a dignidade dos cidadãos através do

reconhecimento de suas histórias e, dessa forma, da história da nação como um todo. Por fim,

ainda que tenha sofrido críticas e, de fato, tenha encontrado problemas e limitações de tempo

Page 63: Monografia Renata - versão capa dura

63

e pessoal, dado ter apenas dois anos para analisar e entrevistar vítimas e agressores de um

conflito que perdurou por quatro décadas, o saldo final da CVR pode ser considerado

positivo.

5.2 As ações afirmativas

Com o objetivo de promover a unidade nacional pós-apartheid, o governo lançou mão

de ações compensatórias para as vítimas do regime. Ainda que as intenções, bem como a

legislação para implementação, sejam aprovadas pela grande maioria da população do país, há

uma linha muito tênue que separa as políticas de ação afirmativa da perpetuação de

identidades raciais. Ao fazer uso de atos legislativos como Public Services Act, Employment

Equity Act, Skills, Development Act e Skills Development Levy Act25, o governo buscava a

redistribuição do poder e dos recursos econômicos, sociais, culturais e políticos, estes

fundamentais na luta contra o apartheid. (ALEXANDER, 2006).

O estatuto principal referente a ação afirmativa é a Constituição da África do Sul de 1993. A Seção 8(3)(a) declara que a ‘sociedade considerará qualquer medida designada para alcançar a proteção adequada e o avanço das pessoas que foram prejudicadas por discriminação passada (histórica) como legítima’. É de se entender que empregadores que desejam utilizar ação afirmativa deverão mostrar que a pessoa (em questão) tem sido vítima de discriminação histórica e que a promoção da igualdade é a meta da utilização de ações afirmativas; que as medidas empregadas estão relacionadas à realização dessa meta, e que elas (as medidas) estão sendo aplicadas de modo consistente e não-discriminatório. A palavra ‘injusto’ deve assegurar que a ação afirmativa seja usada no contexto de políticas a empregar apenas vítimas de discriminação passada (histórica). Admite-se que um candidato branco possa experimentar discriminação, mas isso não pode ser julgado como injusto devido a história de apartheid sul-africana. Mureinik é da opinião que as palavras na seção 8(3)(a) ‘designadas para alcançar’ são ambíguas; poderiam significar com intencionadas a alcançar ou construídas de modo a alcançar. A vantagem de adotar um significado mais amplo seria que desafios à ação afirmativa podem ser combatidos ao se demonstrar que a política alcançaria a meta estabelecida na seção 8(3)(a). (...) Trabalhadores brancos têm permissão para desafiar políticas de ação afirmativa somente quando acesso a fontes às quais eles teriam direitos em uma sociedade ‘colour-blind’ lhes está sendo negado. (JAARSVELD, 2000, p.18).

25 Lei do Serviço Público, Lei do Emprego Igualitário, Lei do Desenvolvimento de Habilidades e Lei da Taxação de Desenvolvimento de Habilidades.

Page 64: Monografia Renata - versão capa dura

64

Para Alexander (2006, p. 117), ao aplicar tais medidas, estão sendo confundidas ações

afirmativas26 com o que seriam medidas de transformação, estas últimas necessárias para a

produção de mudança social e econômica estrutural. Somente a partir de mudanças profundas

é que a população negra como um todo poderá se encontrar na posição de beneficiária das

ações afirmativas, visto que da forma atual somente favorece a classe média negra em

ascensão. Afirma que o próprio termo ação afirmativa “só tem sentido no contexto de

indivíduos que possuem a mesma qualificação ou especialização, no qual aqueles que

pertencem a algum dos grupos específicos devem ter preferência sobre os demais”.

Assim, considerando-se as restrições impostas aos negros durante as décadas do

regime, não é de se estranhar que haja carência profunda na educação e profissionalização

destes. Não basta o governo designar trabalhadores para funções cuja preparação lhes falta

apenas pelo simples fato de serem negros. Conforme definem Adam, Slabbert e Moodley

(1997, p.212). “O esforço acelerado para enegrecer as instituições sul-africanas a todo custo

significa muitas vezes a preterição ou a redução do número de funcionários públicos da velha

ordem”. Ou seja, embora haja boa intenção, pode-se estar criando um problema ainda maior

ao alocar trabalhadores sem experiência ou capacitação para postos que demandam

qualificação específica.

Por outro lado há o chamado Empoderamento Econômico Negro (EEN), considerado

uma reparação às classes média e alta, o que nada mais é do que o enriquecimento de um

pequeno grupo de pessoas, em muitos casos antigos líderes da luta contra o apartheid. Ou

seja, ao invés de atingir os grupos de baixa renda, estas privilegiam a elite negra, tendo como

conseqüência o aprofundamento da desigualdade existente entre as classes, agora também

divididas entre negros ricos e pobres. Para Nyati (2004)27,

[...] [em dez] anos de democracia sul-africana, a transformação é conspícua por sua ausência no setor privado. Profissionais negros continuam a encontrar barreiras sistemáticas em sua mobilidade ascendente [...]. As companhias vêem a ação afirmativa como uma ameaça ao privilégio branco. Sabem que a ação afirmativa oferece aos negros o mesmo que o imerecido privilégio branco ofereceu aos brancos por décadas, uma vantagem competitiva.

Destarte, surge agora um movimento que questiona se não é o momento de encerrar as

políticas de ação afirmativa e empoderamento econômico dos negros, por serem consideradas

como meio, não um princípio. Para Brown (2004, p.21), “políticas baseadas na raça só são

26 O autor define medidas de ação afirmativa como sendo atos “especificados para assegurar que pessoas devidamente qualificadas dos grupos designados tenham iguais oportunidades de emprego e sejam equitativamente representadas em todas as categorias de ocupação e níveis da força de trabalho de um empregador específico”. 27 Publicado no Business Day, em 11 de outubro de 2004.

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aceitáveis como um mecanismo temporário para o renivelamento. Alcançados seus objetivos,

deveriam ser descartadas”. Mas tal pensamento encontra resistência não só na classe

empresária negra (favorecida pelas políticas) como no próprio governo o que, para Alexander

(2006), só faz aumentar a perpetuação das identidades raciais que está explícita em sua

própria conceitualização e que é evidente na expressão cotidiana dessa política em termos

práticos.

5.3 AsgiSA, o “PAC” sul-africano

A África do Sul comemorou sua primeira década como democracia em 2004, como a

promessa de fechar a segunda década, em 2014, comemorando uma redução sem precedentes

da pobreza e do desemprego, através da melhoria contínua do desempenho da economia e no

aumento da capacidade de criação de empregos. Entretanto, ainda que tenha havido

crescimento médio de 3% da economia durante a primeira década de liberdade, o desafio a

que se propõe é bastante ambicioso. E é com o objetivo de alcançar essa demanda que o

governo lançou o programa intitulado Accelerated and Shared Growth Iniciative for South

Africa (AsgiSA)28.

O programa visa o aproveitamento de fatores como as vantagens de suas políticas

econômicas, a credibilidade internacional que vem conquistando e o clima favorável junto à

própria população para consolidar seus objetivos. Dessa forma, foram feitos estudos para

diagnosticar as carências existentes e que demandam maior atenção, a saber: a) volatilidade e

nível da moeda; b) custo, eficiência e capacidade do sistema logístico nacional; b) falta de

mão de obra qualificada devidamente amplificada pelo impacto do apartheid espacial sobre os

padrões do custo do trabalho; c) barreiras à entrada, limites à competição e à oportunidades de

novos investimentos; d) ambiente de regulamentação e encargos para pequenas e médias

empresas; e) deficiência de capacidade de organização e liderança do próprio Estado

(AsgiSA, 2010).

Sendo assim, uma vez identificados os problemas, o governo trabalha em medidas que

visam, se não solucioná-los, minimizar ao máximo seus efeitos através de: a) programas de

infraestrutura; b) investimento em setores estratégicos, como o industrial; c) iniciativas no

28 O documento completo está disponível em: <http://www.info.gov.za/asgisa>.

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setor de educação e competências; d) eliminação da chamada “segunda economia”, com vistas

à redução das desigualdades; e) questões macroeconômicas; f) melhorias nas instituições de

administração pública. (AsgiSA, 2010).

Cabe aqui não uma análise detalhada de cada um dos itens e ações previstas para o

plano, mas sim registrar que o desafio de crescimento e melhoria na qualidade de vida da

população sul-africana foi lançado, e há de se reconhecer que diversas metas já foram traçadas

e até mesmo atitudes práticas foram tomadas neste sentido. O texto do programa prevê a

realização de avaliações periódicas, bem como alterações e complementos quando necessário.

Mas, de acordo com o governo, constrói as bases para uma união nacional em prol do

crescimento econômico e redução das desigualdades. Ou ainda, como conclui o documento:

“Our second decade of freedom will be the decade in which we radically reduce inequality

and virtually eliminate poverty. We know now that we can do it, working together around an

initiative which has the support of the nation”.29 (AsgiSA, 2010, p.19).

5.4 O desafio da saúde pública

A África do Sul é um dos países signatários da Declaration of Commitment on

HIV/AIDS30, comprometendo-se a estabelecer políticas e ações no sentido de conter o avanço

da doença no seio de sua população. Em março de 2010, o governo sul-africano publicou

documento intitulado 2010 Country Progress Report on the Declaration of Commitment on

HIV/AIDS31. Este documento foi construído a partir de um trabalho conjunto entre governo,

sociedade civil e iniciativa privada. Trata-se do relatório oficial do governo disponível na

página eletrônica da Joint United Nations Programme on HIV/AIDS (UNAIDS)32 e, portanto,

servirá como referência para todo este item.

Apesar de ser o país cuja economia é a mais desenvolvida de todo o continente, a RAS

amarga ainda a herança de desigualdade social e econômica dos anos do apartheid. Ainda que

29

Nossa segunda década de liberdade será a década na qual nós reduzimos radicalmente a desigualdade e eliminamos a pobreza. Sabemos que podemos fazer isso, trabalhando juntos por uma iniciativa que tem o apoio de toda a nação. 30 Declaração de Compromisso sobre HIV/AIDS, assinada em 2001 durante Sessão Especial da Assembléia sobre HIV/AIDS. 31 Relatório do Progresso Nacional sobre a Declaração de Compromisso sobre HIV/AIDS 2010. 32 Disponível no endereço: <http://www.unaids.org/en/default.asp>.

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tenha severos problemas com o desemprego, pobreza e criminalidade, o que tem aumentado

mais assustadoramente é o agravamento da epidemia de HIV/AIDS, que colocou o país no

primeiro lugar mundial do triste ranking de infecções pela doença. De acordo com o relatório,

a estimativa de sul-africanos vivendo com a doença no ano de 2009 é de 5,7 milhões de

pessoas. Pesquisas realizadas entre 2005 e 2008, com diferentes faixas etárias, constataram

que cerca de 11% da população acima de 2 anos de idade está infectada e, sendo assim, há

muito deixou de ser um problema sul-africano para tornar-se um problema mundial.

Curiosamente o relatório aponta um aumento na incidência de novas infecções no

período de 1991 a 199933, diminuindo gradativamente até chegar a 2009, podendo ser

interpretado como uma piora na saúde pública sul-africana exatamente no período inicial da

redemocratização.

Em resposta à necessidade urgente de medidas sérias para conter o avanço da

epidemia, o presidente Zuma lançou em 2009 a campanha “I am responsable, we are

responsable, South África is taking responsability”34 com a finalidade de acelerar o processo

de prevenção da doença, tratamento, cuidado e apoio à população já infectada. Desde o ano

2000 o governo tem trabalhado no desenvolvimento de políticas voltadas à prevenção da

doença, tendo estabelecido planos de cinco anos de estratégias nacionais como o atual, que

prevê diversas ações para o período 2007/2011. (S.A. PROGRESS REPORT ON THE

DECLARATION OF COMMITMENT ON HIV/AIDS, 2010)

Entretanto, há um longo caminho pela frente. A própria legislação do país acaba por

facilitar a disseminação da doença, como é o caso da tolerância à poligamia masculina que, ao

contaminar mulheres em idade reprodutiva, acaba por transmitir a doença também para seus

filhos. Além disso, o país ainda não conta com um sistema global que permita recolher e

centralizar as informações para estudo mais aprofundado de possíveis soluções. O National

Strategical Plan 35(NSP) prevê a promoção e proteção dos direitos humanos, com o objetivo

de formar referências para o cumprimento das normas e padrões de direitos humanos, mas

infelizmente o país tem caminhado lentamente na implementação de um sistema de

monitoramento e avaliação para HIV/AIDS, o que afeta sobremaneira a população mais

vulnerável, como é o caso dos mais pobres. (HEALTH DEPARTMENT OF S.A., 2006).

Sendo assim, o ambicioso objetivo do governo é o de reduzir a taxa de incidência

nacional em 50% até 2011 e, para tanto, tem atacado massivamente diferentes formas de

33 De acordo com o Relatório, a incidência anual estimada de novas infecções era de 100 mil em 1991, chegou a 600 mil em 1999, diminuindo gradativamente até chegar a cerca de 500 mil em 2009. 34 Eu sou responsável, nós somos responsáveis, a África do Sul está tomando a responsabilidade. 35 Plano Estratégico Nacional.

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proliferação, como transfusão sanguínea e contágio de mãe para filho. Ainda, tem dado

especial atenção ao tratamento contra a incidência de tuberculose, principal causa de morte da

população contaminada com HIV no país. O percentual de casos que recebeu tratamento

contra a tuberculose passou de 18% em 2008 para 42% em 2009. (NSP, 2010, p.37).

Para atingir seus objetivos de prevenir novas infecções, o governo sul-africano,

juntamente com a sociedade como um todo, tem trabalhado no sentido de divulgar a

prevenção através dos meios de comunicação, com a finalidade de conscientizar a população

de que este é um problema imediato e que atinge, direta ou indiretamente, a população como

um todo e cuja resolução (esta, de longo prazo) exige medidas enérgicas, urgentes e,

principalmente, coletivas.

5.5 Objetivos do Milênio

Com a finalidade de resolver o problema da miséria no mundo, a ONU estabeleceu no

ano 2000 a Campanha do Milênio das Nações Unidas. Através da proposição de oito metas,

que são conhecidas no Brasil como 8 jeitos de mudar o mundo, os 189 países signatários

devem trabalhar no sentido de construir uma nova realidade global até o ano de 2015. Os

objetivos são: a) Acabar com a fome e a miséria; b) Educação universal; c) Equidade de

gênero; d) Redução da mortalidade infantil; e) Melhoria na saúde das gestantes; f) Combate à

AIDS, malária e outras doenças; g) Qualidade de vida e respeito ao meio ambiente; h)

Parceria global pelo desenvolvimento. (ONU, 2010).

Não há necessidade de uma descrição detalhada de cada um dos objetivos do milênio,

ou de ressaltar que todos eles são necessários tanto na África do Sul como no continente como

um todo, mas é importante destacar que as ações prometidas representam um pacto inédito

dentre as nações. Partindo das mais pobres, que assumiram o compromisso de melhorar suas

políticas internas e conscientizar seus cidadãos aumentando suas próprias responsabilidades

até chegar às nações mais ricas, que se comprometeram a fornecer os recursos para tal.

Desta forma, trata-se não mais de uma simples declaração de intenções, mas de ações

efetivas no sentido de combater as condições de existência desumana que assolam diversas

nações, muitas delas localizadas no continente africano. Os mecanismos de acompanhamento

das ações já foram postos em prática e estão sendo acompanhados de perto, fato comprovado

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pela convocação das lideranças dos países signatários para uma nova assembleia, em

setembro de 2010. Sob o argumento de que os desenvolvimentos desiguais e as crises

financeiras ocorridas recentemente não podem ser usadas como desculpa para o não

cumprimento das metas, o Secretário Geral da ONU chamou novamente os países para

discutir as providências necessárias para acelerar o processo e assim cumprir a promessa

realizada em 2000. (ONU, 2010).

5.6 Copa do Mundo 2010

South Africa will deliver a world-class event that will forever change the perceptions of the international community, and also ensure a lasting legacy for the people of Africa36. (ZUMA, 2009; 2010).

O ano de 2010 representa um marco histórico: pela primeira vez aquele que é

considerado o maior evento esportivo do mundo será realizado solo africano. A escolha da

África do Sul, além de representar investimentos necessários em infraestrutura e geração de

empregos, tem elevado caráter moral para sua população. Entre os dias 11 de junho e 11 de

julho de 2010 os olhos do mundo inteiro voltam-se à África do Sul e, diferente dos olhares e

críticas em função do apartheid, agora são de alegria e torcida que permeiam a competição

desportiva.

Reunindo equipes de 32 países, sendo seis deles africanos, a competição ocorre em

oito das nove províncias sul-africanas e envolve uma série de ações governamentais no

sentido de investimento em diversas áreas como segurança, saúde, fiscal, aduaneira,

transporte, telecomunicações e energia. A própria FIFA37, organizadora da Copa do Mundo,

exige que o país que pretende sediar a competição atenda diversos requisitos, que são

devidamente fiscalizados para garantir o bom andamento do evento.

Assim, desde 2004, quando do anúncio da escolha da África do Sul como sede da

Copa do Mundo 2010, têm sido efetuados diversos investimentos econômicos no país, no

sentido de viabilizar a realização do evento. Ainda que tais investimentos sejam realizados em

36A África do Sul vai apresentar um evento de classe mundial que mudará para sempre a percepção da comunidade internacional, e também vai assegurar um legado duradouro para o povo africano. (declaração do Presidente Zuma dentro do S.A YEARBOOK 2009; 2010). 37 Fédération Internationale de Football Association.

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função da Copa, especialmente aqueles relativos à infraestrutura e geração de empregos

refletem em benefícios diretos para a população local.

Tabela 13: Investimento econômico para realização da Copa do Mundo 2010

Atividade Resultado

Investimento para a economia entre 2006/2010 R55,7 bilhões

Geração de empregos 415.400 de empregos

Geração de impostos R19,3 bilhões

Turistas esperados para o período dos jogos 483.250 de turistas

Gastos dos turistas durante a estada no país R8,5 milhões

Gastos do governo em infra-estrutura entre 2006/2010 R600 bilhões

Fonte: elaborado pela autora através de dados divulgados pelo governo no documento intitulado “Fact sheet: Government preparations for the 2010 FIFA World Cup38”.

Ainda que a África do Sul já tenha sediado diversos eventos internacionais desde

1994, uma das grandes preocupações é a questão da segurança pública durante o evento, que

deve gerar um investimento de R640 milhões para criação de 41 mil vagas de emprego nesta

para realização desta tarefa. Por outro lado, espera-se que a exposição do país durante a copa

traga novos turistas no futuro, melhorando também essa área que atualmente recebe menos de

10 milhões de visitantes por ano39.

A partir do exposto neste capítulo pode-se verificar que a África do Sul alcançou um rápido

crescimento nos últimos anos. Por um lado, cabe ressaltar a importância das ações realizadas

posteriormente à democratização do país, tais como as Comissões de Verdade e Reconciliação, que

foram fundamentais no sentido de melhoria nas condições morais de sua população para que esta

pudesse novamente se unir em prol do bem comum. Por outro lado, destaca-se o papel da AsgiSA na

retomada do crescimento econômico do país. Tal programa prevê metas ambiciosas para os próximos

anos, como a erradicação da miséria e a melhoria considerável na atual situação da saúde pública do

país. Ainda, cabe ressaltar que o crescimento econômico acelerado observado nos últimos anos,

especialmente desde 2004, tem sido impulsionado pelos investimentos em infraestrutura e geração de

postos de trabalho para as obras necessárias para viabilizar a realização da Copa do Mundo 2010 no

país.

38 Ficha: os preparativos do Governo para a Copa do Mundo FIFA 2010. Disponível em: <http://www.info.gov.za/issues/world_cup/2010_preparations.pdf&.>. 39 Informação disponível em: <http://www.info.gov.za/issues/world_cup/2010_preparations.pdf&.>.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ainda que seja considerado um país periférico, com todas as dificuldades comuns

àqueles que se encontram nesta mesma categoria, a República da África do Sul desponta

como uma potência regional no continente, especialmente na área conhecida como África

subsaariana. Além dos problemas típicos dos países cuja colonização teve caráter de

exploração e pilhagem ao invés de desenvolvimento, o país acabou por absorver uma cultura

de superioridade dos brancos sobre os não-brancos, o que veio a refletir dramaticamente mais

tarde. Sendo assim, o presente trabalho teve como objetivo geral a realização de um resgate

histórico do processo de democratização da República da África do Sul, desde a instauração

do regime de segregação racial conhecido como apartheid até a queda do mesmo, para análise

da atual situação, barreiras e perspectivas para o desenvolvimento futuro do país.

O estabelecimento oficial, em 1948, do regime que pregava um “desenvolvimento

separado”, porém na prática, apenas separava a população, tendo como critério a cor da pele,

deixou marcas profundas. A discriminação racial do seu povo para com seus próprios pares

durou mais de quatro décadas e ainda hoje, apesar dos mais de quinze anos passados da queda

do apartheid, reflete na vida das pessoas. Fez parte dos objetivos deste trabalho a realização

de uma revisão histórica da trajetória da África do Sul, desde a época da instauração do

regime do apartheid até às mudanças decorrentes de sua queda em 1994.

Apesar dos inúmeros problemas que perfazem a história da África do Sul, há de se

destacar o fato de que, apesar das décadas de conflito interno de grupos contrários ao regime,

de todas as sanções internacionais sofridas como forma de pressão para que este fosse

encerrado e do fato de que a parte oprimida consistia na maioria absoluta da população, a

transição do regime para a democracia deu-se de forma espantosamente pacífica. Tal fato não

surpreendeu somente os sul-africanos, mas a comunidade internacional como um todo, dados

os anos anteriores de dura repressão sofrida por aqueles contrários ao regime.

Com a abolição do regime pelo então presidente De Klerk em 1990, o caminho natural

tornou-se a realização de novas eleições, as primeiras multirraciais, em 1994, aclamando

recém libertado líder de oposição ao regime, Nelson Mandela, como presidente. Mandela

havia passado preso por quase trinta anos, condenado à prisão perpétua pelo crime de

sabotagem e traição, com o agravante de conspiração comunista para derrubar o governo.

Certamente o ator social de maior importância no país, Mandela liderou, juntamente com De

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Klerk, as negociações para a aprovação de uma Constituição interina que, na prática, encerrou

o apartheid. Tal feito, dado o caráter inovador de dispensar a participação de mediadores

estrangeiros e realização do processo de forma pacífica, fez como que ambos fossem inclusive

homenageados com o Prêmio Nobel da Paz em 1993.

A figura de Nelson Mandela é a de maior expressão na África do Sul, servindo de

modelo de inspiração e persistência também no resto do mundo. No período de sua

presidência, buscou ações no sentido de corrigir os erros do passado para que estes não

voltassem a ocorrer no futuro. Para tanto, fez uso da política de esclarecimento e perdão do

passado, através da instituição de Comissões de Verdade e Reconciliação. Estas buscaram não

fazer uma caça às bruxas em praça pública, mas realizar audiências nas quais foram ouvidos

tanto agressores quanto vítimas e, ainda que não haja como desfazer o passado, contemplou

os oprimidos no sentido do reconhecimento de sua história.

Por outro lado, o governo buscou a realização das chamadas “ações afirmativas” que

na prática tratam do estabelecimento de vantagens para compensar as perdas anteriores. Para

alguns autores estas não são medidas adequadas para a resolução do problema real, pois

somente favorecem a classe média negra em ascensão e aumentam ainda mais o abismo

existente entre esta e os mais pobres. Foco de críticas diversas, tais ações permanecem ainda

hoje e, tem como consequência o chamado Empoderamento Econômico Negro. Ou seja,

embora tais ações tivessem como foco a compensação das perdas anteriores de toda a

população prejudicada durante o regime, elas apenas conseguiram favorecer uma pequena

parcela da população, que agora é considerada a elite negra.

Outro objetivo do trabalho foi o de avaliar o papel da África do Sul dentro da SADC e os

desafios desta para implantação da área de livre comércio entre os países membros em busca

do desenvolvimento da região. Passadas quase duas décadas do estabelecimento da

democracia sul-africana, o país líder da SADC ainda amarga sérios problemas estruturais: são

grandes as carências de ordem econômica e social. Além da grande desigualdade na

distribuição de renda, educação e desemprego, o país tem que lidar com uma séria epidemia

nos casos de infecção com HIV/AIDS em sua população. O país assinou, juntamente com os

demais membros do SADC, o Pacto pela erradicação da pobreza, com vistas a resolver o

problema da miséria e outros tantos que assolam o continente africano como um todo. Embora

tenham sido estabelecidas metas deveras ambiciosas para os próximos anos, estas ao menos

devem nortear suas ações, ainda que não na efetiva resolução dos problemas, mas no sentido

de melhoria da situação atual.

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No que tange à relação com o Brasil, foi objetivo deste trabalho mostrar a evolução

histórica das suas relações com a África do Sul. Embora as formalidades diplomáticas entre os

dois países não sejam exatamente recentes, o estabelecimento de relações comerciais ainda é

praticamente inexpressivo. Entretanto, há muito ainda a ser explorado nessa relação, dado que

o Brasil pode contribuir muito na minimização de um dos maiores problemas sul-africanos, o

da prevenção e tratamento dos infectados com HIV. Por outro lato, a RAS pode contribuir na

área da mineração, bastante avançada em relação à brasileira.

Mo que diz respeito aos demais países do continente africano, a África do Sul, desde o

fim do apartheid, tem buscado tomar a frente na resolução de conflitos e estabelecimento da

paz. Desta forma, a RAS tem despontado não só como líder do SADC, mas também ocupado

papel de destaque na comunidade internacional que tem reconhecido seus esforços no sentido

de superar seu próprio passado, participando de ações coletivas que visam a construção de um

mundo mais justo.

Em comemoração à sua primeira década democrática, o governo sul-africano lançou

um ambicioso programa de metas para a década seguinte. Lançado em 2004, o AsgiSA

identifica carências e estabelece ações de investimento que visam o crescimento econômico

do país em tempo recorde. E, ainda que sejam objetivos ambiciosos, o governo sul-africano

afirma que a possibilidade de comemorar seu sucesso em 2014 é bastante grande, desde que

trabalhados pela nação como um todo. E assim caminha o plano do governo, com o

estabelecimento de metas para incluir oficialmente a República da África do Sul no mapa dos

países desenvolvidos ainda durante o século XXI.

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