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Moreira Alves - 04 Direito_Romano_pgs.700 a 853 DIREITO DAS SUCESSOES IV.pdf

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  • IVDIREITO DAS SUCESSES

    LI

    INTRODUO AO DIREITO DAS SUCESSES

    Sumrio: 304. Conceito e espcies de sucesso. 305. A sucesso universal interuiuos. 306. A sucesso mortis causa e o direito das sucesses. 307. A evoluo dasuccessiono direito romano, segundo Carlo Longo e Bonfante. 308. Caractersticas da successio mor-tis causa no ius ciuile. 309. A origem da sucesso mortis causa no direito romano. 310. He-reditas e bonorum possessio. 311. Plano de exposio.

    304. Conceito e espcies de sucesso - Entre as modificaes sofridas pelos direi-tos subjetivos destaca-se a sucesso, que consiste na substituio de uma pessoa por ou-tra em determinada relao jurdica. Essa substituio pode decorrer:

    a) de ato jurdico inter uiuos - e, nessa hiptese, diz-se que se trata de sucesso intervivos; ou

    b) da morte - e, nesse caso, ocorre a sucesso mortis causa.Por outro lado, a sucesso pode ser universal (quando se d com relao a uma uni-

    uersitas iuris - assim, o patrimnio de pessoa falecida -, ou a uma quota dessa universa-lidade), ou singular (quando ocorre com referncia a uma determinada relao jurdica,ou a um conjunto de relaes jurdicas que a lei no considera como unidade).

    Tanto a sucesso mortis causa quanto a inter uiuos podem ser universal ou singular.A sucesso singular inter uiuos j foi estudada no direito das coisas e DO das obriga-

    es; agora, ocupar-nos-emos, primeiramente, da sucesso universal inter uiuos, e, depois,da sucesso mortis causa universal e singular.

    305. A sucesso universal inter uiuos - Como salienta Biondi, 1no direito romano,enquanto as hipteses de sucesso singular inter uiuos so inmeras, as de sucesso uni-versal inter uiuos so raras, e taxativamente expressas em lei.

    DirittoErediJarioRo11UlllO,partegenerale(Corso diLezion), p. 21, Milano, 1954.

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    No direito romano clssico, eram reconhecidas pelo ius ciuile - e todas ligadas singular estrutura que a famlia romana apresenta (vide n 274) - trs hipteses em queocorria a sucesso universal inter uiuos:

    a) a adrogatio, emque, ao ser um pater familias adotado por outro, este se torna seusucessor universal, recebendo, com as limitaes que analisaremos em seguida, o patri-mnio do adotado;"

    b) a conuentio Jl manum, na qual o mesmo sucede quando uma mulher sui iuris,pela conuentio in manum, se submete manus do marido (ou, se for o caso, de seu paterfamilias );3

    c) a reduo escravido, pela qual, se uma pessoa sui iuris se toma, em Roma, es-crava (assim, por exemplo, o maior de 21 anos que, sabendo-se livre, se deixa vendercomo escravo, para locupletar-se com o preo obtido), seu proprietrio recebe, com asrestries que veremos. seu patrimnio, a ttulo de sucessor universal inter uiuos.

    Nessas trs hipteses,d-se fenmeno semelhante ao da sucesso universal mortis cau-sa, embora no ocorra equiparao perfeita entre esta e a sucesso universal inter uiuos.

    Com efeito, se emambas o ativo se transmite ao sucessor, na sucesso universal in-ter uiuos, ao contrrio do que se verifica na sucesso universal, mortis causa, o passivo(isto , os dbitos) no se transfere ao sucessor; em outras palavras: as dvidas se extin-guem - e se discute o motivo disso" - quando ocorre a sucesso univetsal inter uiuos?

    certo que, graasao pretor, os credores do ad-rogado, da mulher ou do escravo fo-ram protegidos contra a extino, reconhecida pelo ius ciuile, dos seus crditos; contra apessoa que sofrera a capitis deminutio, o pretor concedeu aos credores uma ao rescissacapitis deminutione, pela qual aquela respondia pelos dbitos anteriores ad-rogao ou conuentio in manum, nos limites do patrimnio por ela trazido; e contra o senhor do es-cravo deu o pretor aos credores uma actio utilis para a obteno do pagamento dos crdi-tos at o valor do patrimnio que pertencera ao escravo.

    Por outro lado, opretor criou alguns casos de sucesso universal vinculados com aexecuo dos bens dodevedor insolvente. So eles:

    a) a venda dos bens que o devedor ocultou com inteno fraudulenta;b) a venda de todo o patrimnio que o devedor, em virtude da Lei Iulia, cedeu; ec) a venda dos bens do devedor que, condenado, no cumprir a sentena iiudica-

    tus).6

    234

    Gaio, Institutas, m.m.Gaio, idem, ibidem:Anlise das difuredl::5;teses a respeito se encontra em Bonfante, Corso di Diritto Romano, VI (Le sue-cessioni.parte genen:;le), p. 22 e segs., Citt di Castello, 1930.Note-se, porm, que_obrigaes ex delicto (decorrentes de delito) no se extinguem: o credor podemover contra opater.foanilias sucessor a ao noxal, e este ou se exime da responsabilidade entregan-do ao credor, conIDp:!!&la in mancipio, aquele que sofreu a capitis deminutio (o ad-rogado, ou a mu-lher in manu; OlloamwO), Ou responde pelo dano causado pelo ato ilcito.Sobre essas hipteses, vide Gaio, Institutas, li,p. 78 e segs.

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    6

    DIREITO ROMANO 703

    Nesses casos de bonorum uenditiones, o pretor, de incio, imite os credores na pos-se dos bens do devedor; em seguida, so eles levados a leilo e vendidos a quem se ofere-cer a pagar aos credores maior percentual com relao ao valor das dvidas. A este vendido, em conjunto, todo o patrimnio do devedor, e o comprador (o bonorum emptor)se toma seu sucessor a ttulo universal. Como essas hipteses no eram reconhecidaspelo ius ciuile, mas apenas admitidas pelo ius honorarium, no h propriamente suces-

    j que o bonorum emptor no ocupa amesma situao que o devedor insolvente, masadquire nova posio jurdica. embora anloga quela - tanto assim que ele no se tomaproprietrio quiritrio das coisas que integravam o patrimnio do devedor, mas somente- e at que ocorra o usucapio 7 - proprietrio pretoriano; bem como para exigir dos deve-dores do devedor insolvente o pagamento dos crditos no dispe o bonorum emptor dasaes civis de que aquele gozava, mas de aes teis, com transposio de sujeito (viden 131, A).8

    No direito clssico - pelo menos em face dos textos que chegaram at ns _.no ha-via outras hipteses de sucesso universal inter vivos.

    No direito justinianeu, com exceo das hipteses de reduo escravido e deadrogatio, os demais casos de sucesso universal inter uiuos existentes no perodo cls-sico desaparecem.

    De fato, Justiniano9 aboliu expressamente as hipteses de bonorum uenditio; e a co-nuentio in manum j havia desaparecido anteriormente.

    Alis, mesmo com relao adrogatio, o panorama do direito justinianeu bem di-verso do do direito clssico, pois, no tempo de Justiniano, o pater familias no mais ti-tular dos bens adquiridos pelo filius familias, mas tem sobre eles apenas usufruto, o quequer dizer que, nessa poca, o ad-rogante no se toma, por sucesso universal, propriet-rio dos bens do ad-rogado, mas somente usufruturio deles: em verdade, em vez de su-cesso universal, h aquisio de direito de usufruto.

    306. A sucesso mortis causa e o direito das sucesses - A sucesso mortis causa,singular ou universal, objeto do direito das sucesses, isto , uma das partes em que,modemamente, se divide o direito civil, e na qual se disciplinam as relaes jurdicas deuma pessoa depois de sua morte.i"

    A sucesso mortis causa universal tem por objeto a herana; a singular, o legado. 1.1

    7 Gaio; Institutas, rn, 80.8 Gaio, Institutas, rn, 81.9 Inst.,III, 12, pr.lONas Institutas de Gaio e de Justiniano, a sucesso mortis causa, universal ou singular, includa entre

    os modos de aquisio, no final do livro IIe incio do livro m.11 O fideicomisso, que tambm ser estudado no direito das.sucesses (nOS355 e segs.), quando parti-

    cular corresponde ao legado (sucesso mortis causa singular), quando universal corresponde he-rana (sucesso mortis causa universal),

  • DIREITO ROMANO 705704 JOs CARLOS MOREIRA AL VES

    Quanto palavra herana (hereditas), alm de designar o fato simplesmente da su-cesso universal monis causa, pode ser empregada em dois sentidos:

    a) no objetivo, designando o patrimnio de uma pessoa que faleceu - hereditas, aomenos nos direitos ps-clssico e justinianeu, se usa, nessa acepo, como universitas iu-ris (universalidade de direito); ou .

    b) no subjetivo, significando o direito subjetivo de que algum (heres - o herdeiro) titular com relao a esse patrimnio; hereditas. nesse sentido. se utiliza como ius su-cessionis (direito de sucesso ).12

    No nmero seguinte, exporemos as teses de CarIo Longo e Bonfante, e verificare-mos que, segundo esses autores (e a maioria dos romanistas os acompanha), hereditas,no direito clssico, no era empregada, em sentido objetivo como universitas iuris, o ques foi ocorrer no direito ps-clssico, quando teria surgido a distino entre sucesso sin-gular e sucesso universal.

    Por outro lado, em sntese, so objeto da hereditas em sentido objetivo 13 todas as re-laes jurdicas (inclusive algumas de carter extrapatrimonial) (vide n 308) de que eratitular o falecido, exceto as que so intransmissveis por fora de lei expressa, ou de suaextino pela morte de seu titular. Assim, quanto s relaes jurdicas patrimoniais, soelas, em regra, transmissveis ao herdeiro; excetuam-se, porm, pelo seu carter persona-lssimo, o usufruto, o uso, a habitao, as obrigaes do sponsor e do jideipromissor, e asobrigaes decorrentes do delito (so estas sempre intransmissveis do lado passivo - odbito -, mas nem sempre do lado ativo - o crdito ); demais, com a morte de um dos con-tratantes, extingue-se, por via de regra, o contrato de sociedade e o de mandato. Intrans-missveis, tambm. so as relaes jurdicas familiares, como, por exemplo, a tutela; e asde direito pblico, como a magistratura desempenhada pelo falecido.

    ***Para que se verifique a sucesso universal mortis causa (denominada tambm su-

    cesso hereditria), necessrio que se preencham requisitos de duas espcies:a) requisitos subjetivos; eb) requisitos ~etivos.Os requisitos subjetivos - isto , circunstncias que se referem pessoa do falecido

    e do herdeiro - so:a) capacidade paro ter herdeiros;b) capacidade par.1 ser herdeiro; ec) capacidade para aceitar a herana.Das duas primciAs, tendo em vista que diferem conforme se trate de hereditas de-

    ferida por testamento (sucesso testamentria) ou em virtude da lei (sucesso ab intesta-to), ocupar-nos-emos nos dois prximos captulos; da terceira, no Captulo LV, n 335.

    12 A ambos os sedilbalude um texto atribudo a Africano (D. L. 16, 208). A propsito, vide Fadda,Concetti Fond...",v; dei DirittoEreditario Romano, parte prima, 7, p. 11112,Napoli, 1900. '

    13 A hereduas em objetivo era tambm denominadafamilia pecuniaque, bona, quando se queriaaludir apenas a lI:IIr;iies jurldicas patrimoniais.

    J os requisitos objetivos - circunstncias, independentes das pessoas do falecidoou do herdeiro, que possibilitam a ocorrncia da sucesso - so estes:

    a) a morte de algum;b) a delao da herana (isto , chamamento, para aceitar a herana, feito a uma ou

    mais pessoas capazes de suceder); ec) a aceitao da herana pela pessoa a quem foi ela deferida.Quando se trata de sucesso universal mortis causa, h que se levar em conta a exis-

    tncia de duas figuras:a) o falecido (geralmente denominado de cuius, o que nada mais do que a abrevia-

    tura da frase is de cuius hereditate agitur - aquele de cuja sucesso se trata); eb) o herdeiro (heres).Com referncia sucesso singular mortis causa (legado), trs so as pessoas a

    considerar:a) o disponente (que o de cuius);b) o onerado (em geral, o herdeiro, embora, no direito romano, como se ver no Ca-

    ptulo LVI, nem sempre o seja); ec) o beneficirio (que o legatrio).

    307. A evoluo da successio no direito romano, segundo Carlo Longo e Bon-fante - At os fins do sculo passado, os romanistas eram acordes em que, durante toda aevoluo do direito romano - semelhana do que ocorre no direito moderno -, succes-sio (sucesso) designava a transferncia de direitos de uma pessoa para outra, dividin-do-se em sucesso mortis causa e sucesso inter uiuos; sucesso universal e sucessosingular.

    Com relao hereditas (uma das espcies de sucesso: a sucesso universal mortis_causa), duas eram as pnncipais teorias que procuravam conceitu-Ia:( -a}segundo alguns autores, 14na heredltas haVIa a continuao da personalidade (ju-I ridica ou patrimonial- os adeptos dessa corrente se dividiam a esse respeito) do de cuisi na pessoa do herdeiro que representava o falecido; e1 b) consoante outros romanistas," a hereditas consistia na aquisio, pelo herdeiro,

    de, ~a universitas iuris (i~to ,. ~o patrimni~ do ~e. cuius considerado como unidadestinta dos elementos patnmonias e extrapatrimoniais que a compem).

    No incio deste sculo, porm, iniciou-se movimento contrrio a essas concepes.Em artigos publicados em 1902 e em 1903,16 Carlo Longo procurou demonstrar

    que, no direito clssico, os juristas romanos no conheciam a successio in singulas res

    14 Assim, entre outros, Sintenis, Das practische gemeine Civilrecht, dritter Band, 158, p. 312, Leipzig,1851;Dernburg,Pandekten, dritter Band, 6" ed., 55,p. 96, Berlin, 1901; e De Crescenzio, Sistemadei Diritto Civile Romano, lI, 2" ed., 214, p. 5, Napoli, 1869.

    15 Por exemplo, Schirmer, Handubeh des Rmischen Erbrechts, erster Theil, 1,p. 7 e 2,p. 10, Leip-zig, 1863. .

    16 L 'origine de/Ia successione particolare nellefonti di diritto romano, in Bulletin dell 'Istituto di Dirit-to R01llQ1lQ, XV (1902), p, 127 e segs., e 224 e segs.; XVI (1903), p, 283 e segs,

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    (sucesso singular), uma vez que essa expresso foi introduzida nos textos clssicos porvia de interpolao realizada pelos compiladores do Corpus Iuris Ciuilis. No direito cls-sico, successio designava, apenas, a sucesso universal; e tanto successio quanto as ex-presses equivalentes successio in locum ou successio in ius, ou ainda successio in locumet ius, no significavam, no perodo clssico, sucesso em direitos, mas, sim, na posiojurdica anteriormente ocupada ~or outrem.

    Posteriormente, Bonfantel. - no que foi apoiado por Carlo Longo - foi alm, aochegar concluso de que tambm a concepo de sucesso universal era estranha aosjurisconsultos clssicos, que, conseqentemente, desconheciam a noo de hereditascomo universitas iuris; apenas no direito ps-clssico - nos comentrios s Institutasde Gaio que se encontram nos fragmentos de Autun, do sculo V d.C., que isso ocorrepela primeira vez, nas fontes de que dispomos -, quando se fez a distino entre sucessouniversal e sucesso singular, surge a figura da hereditas como universitas iuris.

    Em sntese, as teses de Carlo Longo e de Bonfante conduzem ao resultado que se segue.No direito clssico, o vocbulo successio designava apenas o que os bizantinos de-

    nominaram successio in uniuersum ius ou successio in uniuersitatem, e hoje ns chama-mos de sucesso universal. Assim, para os juristas clssicos, no havia sucesso singularou sucesso universal, pois successio, para eles, significava somente o fato de uma pes-soa substituir outra na posio jurdica por esta ocupada at ento; e, em virtude dessasubstituio, por via simplesmente de conseqncia, a pessoa que passava a ocupar a po-sio jurdica da outra se tornava titular, tambm, de seu patrimnio." Isso, obviamente,no se verificava com a aquisio a ttulo singular. Por outro lado, successio, nessa acep-o, podia ocorrer tanto mortis causa quanto inter uiuos (vide n 306).

    Somente nos direitos ps-clssico e justinianeu que - segundo esses mesmos au-tores - desaparece o conceito clssico de successio, surgindo a concepo, recolhida pelodireito moderno, de que a success"ioimplica a transferncia de direitos de uma pessoapara outra, donde distinguir-se a successio in jus (sucesso singular) da successio in uni-uersum ius (sucesso universal). Por isso mesmo, os compiladores do Digesto tiveram deinterpolar as duas seguintes passagens, em que se conceitua a hereditas:

    D.L. 16, 24 (texto atribudo a Gaio) - Nihil est aliud hereditas quam successio inuniuersum ius quod defunctus habuit; 19 e

    D.L. 17, 62 (texto atribudo a Juliano) - Hereditas nihil aliud est, quam successio inuniuersum ius quod defunctus habuerit.20

    17 Entre outros estudos de Bonfante, vide "La formazione scolastica del/a dotrina dell'uniuersitas", inScritti Giuridici Varii.,l.famiglia e sucessione, p. 307 e segs., Torino, 1926.

    18 Da, igualmente:a) o herdeiro tornar-se, por um ato nico, titular do complexo de direitos do de cuius;b) haver a passagem para o herdeiro de direitos que, de outra forma, so intransmissveis (assim, porexemplo, se transfere o imvel dotal que inalienvel); ec) transferirem-se parn o herdeiro os dbitos do de cuius (ainda que superiores ao ativo ~ a heranadiz-se, ento, hereditas damnosa), bem como os direitos deste exatamente como o eram sob sua titula-ridade (D. L, 17,59). '

    19 "A hereditas no outra coisa seno a sucesso no complexo de direitos que teve o falecido".

    DIREITO ROMANO 707

    Em seu teor original, ambos esses textos traziam a expresso successio in ius (su-cesso na situao jurdica), pois no havia, no direito clssico, distino entre sucessouniversal e sucesso singular; somente quando surgiu essa distino foi que se tornoune-cessria a incluso do adjetivo uniuersum (successio in uniuersum ius) para caracterizara espcie de sucesso que era a hereditas. Da encontrar-se, em textos que escaparam vigilncia dos compiladores, a expresso clssica succedit in ius, como, por exemplo, noD. XLI, 3, 4, 15 (texto atribudo a Paulo) - Heres, qui in ius defuncti succedit ... 21

    Assim sendo, surgiu, tambm, no direito ps-clssico a concepo de que a heredi-tas, em sentido objetivo, era uma universitas iuris (universalidade de direito).

    ***

    Essas teses, embora criticadas por alguns autores" que entendem que j no direitoclssico hereditas significava, em sentido objetivo, universitas iuris, ainda hoje so se-guidas pela maioria dos romanistas.

    308. Caractersticas da successio mortis causa no ius ciuile - Expostas as tesesde Carlo Longo e de Bonfante sobre a evoluo da successio, preciso, ainda, para que sepossa bem compreender o direito romano das sucesses, que se analisem, neste e nos pr-ximos nmeros, os seguintes aspectos da sucesso mortis causa em Roma:

    a) suas caractersticas no direito clssico;b) as tentativas de explicao delas por meio da origem da successio mortis causa

    no direito romano;c) a evoluo da sucesso mortis causa:- no direito clssico, onde se distingue a hereditas (sucesso mortis causa reconhe-

    cida pelo ius ciuile) da bonorum possessio (sucesso mortis causa no mbito do ius hono-rarium);

    - no direito ps-clssico, em que, com a fuso do ius ciuile com o ius honorarium,h a aproximao cada vez mais acentuada entre a hereditas e a bonorum possessio; e

    ~ no direito justinianeu, no qual, embora formalmente ainda se distinga a bonorumpossessio da hereditas, na realidade ambas se regem pelos mesmos princpios.

    Passemos, pois, ao exame desses aspectos da sucesso mortis causa no direito ro-mano.

    ***

    20 A mesma traduo constante na nota antecedente.21 "O herdeiro que sucedeu na situao jurdica do falecido ... "Vide, tambm, D. XXXVII, 1,3 (extc

    atribudo a Ulpiano).22 Entre outros, Voei, Diritto Ereditario Romano, I (lntroduzione, parte generale), p. 168 e segs., Mila-

    no, 1960.

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    No direito clssico, a sucesso mortis causa, no mbito do ius ciuile, apresenta asseguintes caractersticas que no mais se verificam no direito moderno:

    a) entre as duas espcies de delao da herana - a testamentria e a ab intestato(vide os Captulos LII e LIII) - observa-se acentuada prevalncia da primeira, havendo,entre os autores, controvrsia sobre se esse fenmeno existe, ou no, desde as origens deRoma;

    b) em face dessa prevalncia, os sui heredes (vide n" 323) so tratados, com relaoaos outros herdeiros, de modo especial, pois, desde pocas remotas, se houver testamen-to, os sui heredes tm de constar dele ou na posio de herdeiros institudos ou como de-serdados; e, mais tarde, passam a ter direito a uma quota (aportio debita ou legitima) daherana (vide n" 330);

    c) as duas espcies de delao da herana - a testamentria e a ab intestato - so in-conciliveis, o que se traduz no brocardo nemo pro parte testatus pro parte intestatus de-cedere potest (ningum pode falecer em parte testatus, e, em parte, intestatus); da asseguintes conseqncias:

    - se o testador instituir Tcio herdeiro, por exemplo, de dois teros da herana, enada dispuser sobre a tera parte restante, esta no ser recolhida pelos herdeiros legti-mos do testador, mas, sim, por Tcio (o herdeiro institudo no testamento);

    - quando o testador institui herdeiro apenas para;,l,lIllacoisa determinada (ex re cer-ta), este receber todo o restante da herana;

    - havendo co-herdeiros, se um (ou alguns) deles renuncia sua quota hereditria, aela no so chamados os herdeiros legtimos do testador, mas ela acresce s quotas dosdemais co-herdeiros, ainda que estes no o queiram, ou o testador tenha declarado o con-trrio;

    - o herdeiro no pode aceitar uma parte da herana e renunciar outra; h, pois, im-possibilidade de aceitao parcial (pro parte); e

    - se algum institudo herdeiro sob condio resolutiva ou a termo resolutivo,pelo rigor da lgica deveria perder a qualidade de herdeiro quando ocorresse a condioou o termo, abrindo-se, ento, a sucesso ab intestato; isso, no entanto, no admitido nodireito romano, em virtude da regra semel heres semper heres;23por essa razo, e paraque o testamento no fique ineficaz, considera-se a disposio que contm a condio re-solutiva ou o termo resolutivo como non scripta (no escrita); portanto, as conseqnciasdo princpio nemo pro parte testatus pro parte intestatus decedere potest so, por vezes,frontalmente colidentes com a vontade do testador;

    ti) a herana, que no direito moderno constituda somente de elementos patrimo-niais (direitos reais, crditos, dbitos), integrada, no direito romano, tambm de ele-mentos extrapatrimoniais; dessa forma, constituem-na:

    23 "Uma vez herdeiro, sempre herdeiro."

    ,'~(

    DIREITO ROMANO 709

    - como elementos patrimoniais, a maior parte das relaes jurdicas patrimoniaisde que participava o de cuius, excludas apenas algumas - por se extinguirem com a mor-te do titular -, como o usufruto, o uso, a habitao, as obrigaes do sponsor e do fidei-promissor, as obrigaes ex delicto (do lado passivo, sempre; do ativo, algumas vezes), ocontrato de sociedade, o contrato de mandato; e

    - como elementos extrapatrimoniais, o ius sepulchri, os direitos e deveres decor-rentes do patronato, o encargo do culto familiar (sacra);

    e) o herdeiro, com relao aos dbitos do de cuius, responde, ao contrrio do que su-cede no direito moderno, ultra uires hereditatis (alm das foras da herana), sendo, por-tanto, prejudicado sempre que o passivo da herana for superior ao ativo, caso em quepagar o excedente dos dbitos com seus prprios bens; demais, como acentua Bonfante/"a princpio, o testador, por meio de legados, podia esgotar totalmente o ativo da herana,deixando ao herdeiro apenas o ttulo de heres (herdeiro), com o que constitui seu "apan-gio incindvel": os dbitos e as responsabilidades de ordem no-patrimonial (assim, porexemplo, os encargos do culto familiarj."

    Como veremos nos captulos que se seguem, essas caractersticas - que esto, ob-viamente, sincronizadas com todas as normas que disciplinam o direito romano das su-cesses - foram atenuadas em suas conseqncias mais inquas, graas, de incio, atua-o do pretor, e, posteriormente, s constituies imperiais, que se sucederam do perodoclssico at o tempo de Justiniano.

    309. A origem da sucesso mortis causa no direito romano - Foi Bonfante quem,com o mtodo naturalistico (vide n 59), procurou explicar essas caractersticas - cujasconseqncias inquas no estavam mais de acordo com as tendncias do direito clssico- como sobrevivncias, por fora da inrcia da tradio, das origens da sucesso mortiscausa no direito romano.

    At o aparecimento da tese de Bonfante, dominava amplamente, entre os autores, ateoria de que, desde os primrdios, a sucesso hereditria romana era um sistema detransmisso mortis causa, a ttulo universal, do patrimnio no seio da famlia; a sucessonormal era a ab intestato, e o verdadeiro heres era o suus heres, que no precisava de serdesignado em testamento, e que adquiria a herana independentemente de aceitao; so-mente na falta de suus heres que se lanava mo do testamento, pelo qual o testadoradotava um estranho que o sucederia na qualidade de filho; posteriormente, a adoo seseparou da instituio de herdeiro.

    Para Bonfante," porm, essa teoria no explica muitos dos princpios (vide n 309)que, no direito clssico, eram mera sobrevivncia de uma poca anterior em que o carter

    24 Le critiche 01conceito dell'originaria eredit sovrana, in Scritti Giuridici Varii, 1 ifamiglia e succes-sione), p. 211, Torino, 1926.

    25 ct: Gaio, brstitutas, TI,224.26 A propsfo, vide Corso di Diritto Romano, VI (Le successioni.parte genero1e), p. 71 e segs., Citt di

    Castello, 1930.

  • 710 JOS CARLOS MOREIRA ALVES

    da sucesso hereditria era bem diverso do da existente no periodo clssico. Em seu en-tender - e essa tese j tinha sido vagamente aventada por Scialoja -, a sucesso heredit-ria decorreu da primitiva sucesso na soberania sobre o grupo familiar; a princpio, aocontrrio do que ocorria no direito clssico, com a morte do pater famlias no havia ci-so da famlia em outras tantas quantos fossem seus filhos homens, mas ela continuavauna sob o poder daquele dos filhos a quem o pater familias, no testamento. dera o ttulode heres; ora, o heres, ao falecer o pater famlias, assumia sua posio jurdica, e, assim.apenas por via de conseqncia, tambm a titularidade do seu patrimnio. Mais tarde.quando declina a funo poltica do organismo familiar; a transmisso patrimonial, queera secundria na sucesso primitiva, passa para o primeiro plano. Com isso - salientaBonfante - explicam-se:

    a) a prevalncia - que, para ele, originria - da sucesso testamentria sobre a su-cesso ab intestato;

    b) a necessidade da instituio solene de herdeiro para a validade do testamento; ec) os princpios, que ainda sobrevivem no direito clssico, mas que so incompat-

    veis com a sucesso de carter patrimonial:- ineficcia da institutio heredis e.x re certa;- a impossibilidade de o herdeiro aceitar apenas parte da herana;- a circunstncia de o ttulo de herdeiro ser inalienvel e intransmissvel para os

    prprios herdeiros do heres;- a regra nemo pro parte testatus pro parte insestatus decedere potest; e- a incapacidade dojilius familias para fazer testamento.A teoria de Bonfante - que teve grande acolhida entre os romanistas italianos, o

    mesmo no sucedendo, porm, entre os alemes e os franceses -, embora brilhante, sus-cetvel de objees que ainda no foram convenientemente afastadas. Ei-las:

    a) a mulher sui iuris, desde tempos remotos, tem capacidade para testar, apesar deno poder serpater famlias, e, conseqentemente, transmitir a soberania sobre o grupofamiliar;

    b) a posio proeminente, entre os herdeiros, dos sui heredes, desde a mais extremaantigidade; e

    c) a inexistncia, no direito romano, de qualquer vestgio de primogenitura, o que -se exata a teoria de Bonfante - seria indispensvel, pois, na falta de testamento, a lei teriade indicar qual o membro da famlia que assumiria a posio de pater familias.

    Mais recentemente, Solazzi,27fundando-se em disposies da Lei das XlI Tbuas,28pretende que, originariamente, havia diferena entre heredem esse (ser herdeiro) efami-liam habere (ter ahernna); somente os sui (vide n? 323) seriam herdeiros (heredes), emvirtude da lei ou de testamento; j o adgnatus e os gentiles, que sucediam ab intestato,

    27 Sobre essa tese, vilkBiondi, Diritto Erediario Romano, parte generale (Corso di Lezioniv; 22, p. 50,Milano,.1954.

    28 Tab. V, 4 e 5 (ed.Riccobono).

    ,\

    DIREITO ROMANO 711

    no seriam heredes, mas apenas receberiam a herana tfamiliam habere). Assim, a here-ditas teria carter extrapatrimonial (por ela se transmitiria a soberania sobre o grupo fa-miliar), ao passo que o familiam habere teria carter patrimonial.

    Mais prxima, ainda, de nossos dias a tese de Lvy-Bruhl," segundo o qual o he-res (herdeiro) era apenas o chefe espiritual dos sui, indicado pelo pater famlias em seutestamento: j a diviso dos bens era feita, de incio, em partes rigorosamente iguais entreos sui, no podendo interferir nisso o paterfamilias por disposio testamentria. Poste-riormente, quando surge a mancipatiofamiliae (vide n 313), pde opater [amilias distri-buir, como queria, seus bens, para depois de sua morte.

    Todas essas teorias - como alis ocorre, em geral, com os problemas referentes sorigens dos institutos jurdicos - so conjecturais.

    310.Hereditas e bonorum possessio - No direito romano clssico, hereditas (su-cesso universal mortis causa reconhecida pelo ius ciuile) se contrape a bonorum pos-sessio (sucesso universal mortis causa disciplinada pelo ius honorariumi."

    Assim como h, no tocante ao ius ciuile, a sucesso testamentria, a sucesso ab in-testato e a sucesso legtima contra o testamento vlido (tambm denominada sucessonecessria formal e material), existe, no concemente ao ius honorarium, a bonorum pos-sessio secundum tabulas (a bonorum possessio de acordo com o testamento), a bonorumpossessio ab intestato e a bonorum possessio contra tabulas (bonorum possessio contra otestamento).

    Portanto, no direito sucessrio clssico, ocorre o mesmo paralelismo que - comovimos anteriormente - se verifica no direito das coisas (propriedade quiritria e proprie-dade pretoriana) e no direito das obrigaes (obligatio e debitum).

    Note-se, no entanto, que, como o pretor no podia criar um verdadeiro direito su-cessrio (praetor heredes facere nonpotest - o pretor no pode fazer herdeiros), 31 h nti-da diferena entre o bonorum possessor - a respeito de quem os juristas clssicos diziamque estava loco heredis (em lugar de herdeiro) ou que era uelut heres (como se fosse her-deiro )32 - e o heres (herdeiro civil). Assim, por exemplo:

    a) o bonorum possessor dispe, contra os devedores do de cuius, apenas das aesdo herdeiro concedidas por via til (eram, em geral, actiones ficticiae), e isso porque nabonorum possessio no h, em rigor, successio (o bonorum possessor, diferena do he-res, no substitui o de cuius na posio jurdica por este ento ocupada);

    b) o bonorum possessor - ao contrrio do que ocorre com o herdeiro - no adquire apropriedade quiritria sobre os bens hereditrios, mas apenas a propriedade pretoriana(posteriormente, por usucapio, pde ele transformar-se em proprietrio quiritrio des-ses bens);

    29 Heres, in Revue lnternationale des Droits de l'Amiquit, lU (1949), p. 137 e segs,30 Sobre a bonorum possessio, vide Pastori, La definizione della "bonorum possessio", in Studi in onore

    di Pietro de Francisci, vol. Ill, p. 597 e segs., Milano, 1956.31 Gaio, Institutas, Ill, 32.32 Assim, Gaio,lnstitutas, Ill, 32.

  • 712 JOS CARLOS MOREIRA AL VES

    c) O heres adquire a herana ipso iure, ou mediante simples declarao de vontadeindependente de prazo: o bonorum possessor somente obtm a bano rum possessio se arequerer ao magistrado dentro de certo prazo, que, em geral, de cem dias; e

    d) a bonorum possessio pode ser obtida por meio de representante; o heres no podeser r(:J2resellt--dona aquisio da herana.

    Muito sediscute sobre lirigemas b;;'um possessiones" Tendo em vista que,no direito clssico, se encontram bonorum possessiones que:

    a) confirmam o ius ciuile (bonorum possessio iuris ciuilis confirmandi gratia) - nes-se caso, o pretor concede a bonorum possessio a quemj chamado herana pelo ius ciui-le (assim, por exemplo, quando outorgada a bonorum possessio unde liberi - vide n 324- aos sui heredes, que tambm so chamados hereditas ab intestato pelos ius ciuile);

    b) suprem lacunas do ius ciuile (bonorum possessio iuris ciui/is suplendi gratia) -nesta hiptese, o pretor procura impedir que algum falea sem sucesso (por exemplo, nafalta de herdeiros civis, o pretor concede a bonorum possessio aos cognados do de cuius, ou- se estes inexistirem, ouno a requererem no prazo devido - ao cnjuge sobrevivente); e

    c) vo contra os preceitos do ius ciuile (bonorum possessio iuris ciuilis emendandiuel corrigendi ueI impugnandi gratia) - a, o pretor concede a bonorum possessio a pes-soas que, por iniqidade do ius ciuile, no so chamadas hereditas (como, por exemplo,quando, havendo filhos emancipados do de cuius - os quais pelo ius ciuile no so cha-mados hereditas -, o pretor concede a eles, conjuntamente com os sui, a bonorum pos-sessio unde liberi - vide n 324); alguns romanistas'" - cuja tese, alis, encontra apoio emassertiva de Justiniano, nas Institutas'? - pretendem que as bonorum possessiones (que jexistem nos fins da repblica) surgiram para corrigir as iniqidades do ius ciuile, no ter-reno sucessrio. A opinio dominante," porm, se manifesta no sentido de que as maisantigas bonorum possessiones que se conhecem so as que se destinavam a confirmar oius ciuile. Mas os autores que seguem a corrente dominante divergem, por sua vez, quan-to ao motivo que levou o pretor a criar a bonorum possessio iuris ciuilis confirmandi gra-tia; a esse respeito, duas so as teses principais;

    a) segundo alguns," o pretor criou a bonorum possessio iuris ciuilis confirmandigratia para forar o herdeiro, chamado em primeiro lugar, a aceitar a herana sem maio-res delongas, com receio de que o pretor concedesse a herdeiros mais afastados a bono-rum possessio; assim, evitava-se que a herana permanecesse longo tempo vacante; e

    33 A propsito, vide Danz, Lehrbuch der Geschichte des rmischen Rechts, zweiter Theil, 150, p. 43 esegs., Leipzig, 1846-

    34 Como, por exemplo, Savigny, Ueber das Interdict Quorum bonorum, in Vermischte Schriften, lI,p. 230 e segs.

    35 III,9,pr., BerliD, 1850.36 Ct: Amo, Diriuo Breditario (anno accademico 1937-1938 - XVI), p. 203, Torino, s/data.37 Assim, Lhr, segundo Amo, ob. cit., p. 205.

    DIREITO ROMANO 713

    b) para outros (e esses so em maior nmero), 38 essa bonorum possessio surgiu paraque se determinasse, nos litgios sobre a herana, quem a possuiria durante oprocesso, fi-cando na posio mais favorvel de ru (e, portanto, dispensado do nus da prova).

    Surgida a bonorum possessio iuri ciuilis confirmandi gratia, seguiu-se o apareci-mento da bonorum possessio iuris ciuilis supplendi gratia, e, finalmente, o da bonorumpossessio iuris ciuilis emendandi vel impugnandi vel corrigendi gratia.

    Por outro lado, a princpio, as bonorum possessiones, nas hipteses em que no ha-via coincidncia do bonorum possesso r com o heres (herdeiro civil), so sine re (ou sineeffectu), ou seja, o bonorum possessor defendido contra qualquer pessoa, exceto contrao heres, que pode haver a herana do bonorum possessor movendo-lhe uma ao: a here-ditatis petitio (petio de herana); assim, somente se no houver heres, ou se este per-manecer inativo, que. o bonorum possessor, pela usucapio pro herede, adquiredefinitivamente os bens hereditrios.( Mais tarde - e isso principalmente por atuao, no do pretor, mas dos imperadores-i,)- bonorum possessio, nesses casos, passa a ser cum re (ou cum effectu), ou seja, aquela(em que o bonorum possessor protegido tambm contra o heres.V Demais, as bonorum possessiones se distinguiam, ainda, em bonorum possessionesedictales e bonorum possessiones decretales: aquelas eram as previstas no Edito, e, por-tanto, concedidas de plano pelo magistrado quando legitimamente requeridas; estas, asque no constavam do Edito, mas que o magistrado, diante do caso concreto, devidamen-te examinado (causae cognitio), concedia, mediante decretum, s pessoas que as haviamsolicitado.

    Em certas hipteses, a bonorum possessio era conhecida provisoriamente, extin-guindo-se com a ocorrncia de uma condio ou de um termo. Por exemplo:

    a) a bonorum possessio furiosi nomine concedida ao curador de urnfuriosus, e quese extinguia se este morresse sem recuperar a razo; se, ao contrrio, ofuriosus se curas-se, podia aceit-Ia ou recus-Ia;

    b) a bonorum possessio ventris nomine, que o pretor concedia, em favor do nascitu-ro, mulher grvida; nascida a criana, ou verificado que no haveria nascimento, essabonorum possessio se extinguia; e

    c) a bonorum possessio concedida ao herdeiro que fora institudo sob condio sus-pensiva, e que se extinguia quando ocorria a condio.

    ***

    No direito ps-clssico - e isso em virtude do desaparecimento da distino entre oius ciuile e o ius honorarirum; entre, conseqentemente, a propriedade quiritria e a pro-priedade pretoriana; e entre as actiones ficticiae e as aes diretas -, a diferena entre a

    38 Entre outros, Girard, Manuel lmentaire de Droit Romain, 8' ed., p. 844.

  • 714 JOS CARLOS MORElRA AL VES

    bonorum possessio e a hereditas, que at ento era de natureza substancial, passa a ser decarter formal: ao passo que o heres adquire a herana mediante simples ato de aceitao,o bonorum possessorobtm a bonorum possessio por meio de concesso do magistrado.Essa diferena se atenua mais quando, a partir de Constncio, se passa a realizar a aditio(aceitao da herana) diante de autoridade judiciria (apud aeta); por fIm, confunde-se aobteno da bonorum possessio com a aditio hereditatis (aceitao da herana).

    No direito justinianeu, embora os textos que se encontram no COIpllS Iuris Ciuilisainda se refiram ora bonorum possessio ora hereditas (o qUI':,como demonstrou Bion-di, apenas reminiscncia histrica, e no direito vigente no tempo de Justiniano ),39 eno haja uma constituio imperial que, taxativamente, equipare a bonorum possessio hereditas, a equiparao, na realidade, est realizada, continuando-se somente a dar de-nominao exclusiva de bonorum possessio s hipteses de concesso provisria e su-cesso legtima dos cnjuges."

    311. Plano de exposio - Estudadas as noes ftmdamentais sobre a sueeessio, ahereditas e a bonorum possessio, examinaremos, nos prximos captulos, os demais as-pectos do direito sucessrio romano, observando a seguinte sistemtica:

    1- a delao da herana, que pode ser feita por testamento ou por lei (da, no Cap-tulo LII, tratar-se da sucesso testamentria; e, no LIII, da sucesso ab intestato);

    2 - as restries liberdade de testar - o que ser objeto do Captulo LIV: sucessonecessria formal e material;

    3 - a aceitao e a renncia da herana (quer quanto hereditas, quer quanto bo-norum possessio), matria do Captulo LV; e

    4 - no Captulo LVI, o legado (em que h a aquisio, a ttulo singular, de bens he-reditrios) e o fideicomisso, em suas duas modalidades:

    a) fideicomisso particular; eb) fideicomisso universal.

    LU

    SUCESSO TESTAMENTRIA

    Sumrio: 312. O testamento e a sucesso testamentria. 313. Formas de testamento.314. Capacidade para testar (testamentifactio actiua). 315. Capacidade para ser institudoherdeiro (testamenti factio passiua). 316. Contedo do testamento - a instituio de herdei-ro. 317. Pluralidade de herdeiros. 318. Substituies. 319. Ineficcia do testamento. 320.Revogao do testamento. 321. Abertura do testamento.

    312. O testamento e a sucesso testamentria - A sucesso testamentria 1ocorrequando a hereditas (herana civil) deferida por meio de testamento.

    Os textos apresentam duas definies de testamento (testamentum). Uma, atribudaa Ulpiano:2

    Testamentum est uoluntatis nostrae iusta sententia de eo, sollemniter factum, utpostmortem nostram ualeat (O testamento a declarao, conforme o direito, da nossa vonta-de, feito de forma solene para que valha depois de nossa morte).

    Outra, atribuda a Modestino:"Testamentum est uoluntatis nostrae iusta sententia de eo quod quispost mortem suam

    jieri uelit (O testamento a declarao de nossa vontade, conforme o direito, a respeitodaquilo que cada qual quer que se faa depois de sua morte).

    Alm disso, h, nas lnstitutas de Justiniano," a definio de testamento pela etirno-logia fantasiosa' da palavra testamentum:

    2345

    Sobre a sucesso testamentria, vide, entre outros, Biondo Biondi, Successione Testamentaria - Do-nazioni (Trattato di Diritto Romano diretto da Emilio Albertario, X), Milano, 1943, com ampla infor-mao bibliogrfica sobre diferentes questes relativas a essa matria; e Voei, Diritto EreditarioRomano, II (parte speciale :- successione ab intestato; successione testamentaria), Milano, 1963.Vide, tambm, Danz, Lehrbuch der Geschichte des rmischen Rechts, lI, 138 e segs., p. 1e segs., Le-ipzig, 1846, com relao bibliografia alem anterior a 1846.Liber Singularis regularum, XX, 1.D.:xxvm, 1, 1.n, 10, pr.Salienta Biondi (Obbietto e metodi della scienza giuridica romana, in Scritti di Diritto Romano inonore di Contardo Ferrini pubblicati dalla R. Universit di Pavia, p. 326, Milano, 1946) que os juris-tas romanos, com etimologias, que por vezes fazem sorrir, procuravam to-somente dar elementosteis a uma noo jurdica precisa.

    39 Ob. cit., 55, pp. 148 e segs.40 Cf. Volterra, Istituzioni di Diritto Privato Romano, p. 737.

  • 716 JOS CARLOS MOREIRA AL VES

    Testamentum ex eo appellatur, quod testatio mentis est (testamentum vem de testa-tio mentis, testemunho da vontade).

    Esses conceitos, no entanto, no caracterizam o que essencial ao testamento ro-mano: a instituio de herdeiro. Por isso, so falhos.

    No direito romano, testamento o ato solene de ltima vontade que contm a insti-tuio de herdeiro.

    Para que do testamento decorra a sucesso testamentria, so necessrios os se-guintes requisitos:

    a) que o testamento seja feito de acordo com as formas exigidas;b) que o testador tenha capacidade para faz-lo (o que os autores modernos denomi-

    nam testamentifactio actiua);c) que a pessoa a ser instituda herdeira tenha capacidade para s-lo (o que, moder-

    namente, se designa com a expresso testamenti factio passiua);d) que haja a instituio de herdeiro; ee) que o testamento seja eficaz, e no tenha sido revogado pelo testador.Estudemo-los, a seguir.

    3i3. Formas de testamento - Com relao ao testamento romano, distinguimosduas espcies de formas:

    a) as normais; eb) as anormais (que, determinadas por situaes fora do comum, so mais ou so

    menos rigorosas do que as normais).

    A) Formas normais de testamento

    Essas formas variaram nos trs perodos em que se divide a evoluo do direito ro-mano: o pr-clssico, o clssico e o ps-clssico.

    No direito pr-clssico, havia trs formas normais de testamento, das quais as duasprimeiras eram mais antigas e a ltima, mais recente: o testamento cala tis comitiis, o tes-tamento inprocinctu e o testamento per aes et libram.

    O testamento calatis comitiis, que era utilizado em tempo de paz, se fazia diante doscomcios por crias, sob a presidncia do Sumo Pontfice (ou, s vezes, segundo parece,do Rex Sacrorum), os quais se reuniam duas vezes por ano: provavelmente, em 24 demaro e em 24 de maio. Como os textos so parcos de informes sobre essa forma primiti-va de testamento,' h controvrsia entre. os romanistas acerca do contedo desses testa-mentos e do papel desempenhado, para sua feitura, pelo povo reunido nos comcios.Quanto ao contedo, pretendem alguns autores - como Schulin? - que no se tratava,propriamente, de testamento, mas, sim. de adrogatio (vide n" 227, B, infine), em que uma

    6 Lehrbuch der Geschichte des Rmischen Rechtes, 95, p. 458, Sttutgart, 1889 .Essa tese Schulin a de-.senvolveu em obra anterior citada: D~ griechische Testament verglichen dem rmischen,publicadaem 1882.

    DIREITO ROMANO 717

    pessoa era ad-rogada, para herdar como filho do ad-rogante; outros - assim, Lenee - en-tendem que era um testamento que se referia no totalidade dos bens do testador, masapenas a alguns de seus bens." e, finalmente, a maioria defende a tese de que se tratava.verdadeiramente de testamento, em que se designava herdeiro para assumir a posio ju-rdica do testador, depois de sua morte. Quanto ao papel desempenhado pelo povo, al-guns - como Girard" - entendem que, a princpio, o povo votava o testamento como sefosse lei, e, mais tarde, essa votao passou a ser mera formalidade; outros autores, 10 po-rm, julgam que o povo servia apenas como testemunha. O testamento calatis comitiiscaiu em desuso no sculo II a.c.

    O testamento inprocinctu, que era utilizado na guerra, se fazia diante do povo - queatuava como testemunha - reunido em ordem de batalha. Essa forma de testamento en-trou em desuso no sculo I a.c.

    O testamento per aes et.libram,como j salientamos, mais recente do que os ou-tros dois. Surgiu ele, segundo Gaio} 1 da necessidade em que se encontrava algum, sportas da morte, de, em tempo de paz, testar fora dos dois dias por ano em que se reuniamos comcios por crias. O testamento per aes et libram - em que h, no campo dos direi-tos sucessrios, a aplicao da mancipatio (vide n 154, Il, a) - passou por duas fases: aprimeira consubstanciada na mancipatiofamiliae (de origem primitiva); 12 a segunda, notestamento per aes et libram propriamente dito (que, conforme texto de Ccero - De ora-tore, I, 53 -, parece j existir em 149 a.C.). A mancipatio familiae no era, a bem dizer,uma forma de testamento, mas, sim, um expediente de que se valia a pessoa prxima demorrer e que queria testar, no podendo utilizar-se do testamento calatis comitiis nem doinprocinctu. Esse expediente era o seguinte: a pessoa, que quer testar, aliena, pela manci-patio {modo solene de aquisio do direito de propriedade sobre as res mancipi, de queparticipam um libripens, com a balana, e cinco testemunhas), seu patrimnio por preofictcio (uno nummo - por um dinheiro) a um terceiro (o familiae emptor - comprador daherana), que, tomando-se proprietrio desses bens, se compromete (e o testador tem de

    7 Zur Geschichte der Heredis Instituto, in Essays in Legal History (edited by Vinogradff, London,1913), p. 120 e segs. Sobre a 'tese de Lenel, vide a crtica de Bonfante, Teorie vecchie ti nuovesul/'origine dell'eredit, in Scritti Giuridici Varii, I, p. 487 e segs.,Torino, 1926.Portanto, para Lenel, o testamento calatis comitiis somente continha legados, e no instituio de 'her-deiro.Manuel lmentaire de Droit Romain, 8" ed., p. 852. No mesmo sentido, vide Ihering. Geist des r-mischen Rechts auf 'den verschiedenen Stufen seiner EntwickJung, I, 5' ed., 11, b, p. 145 e segs., Ba-sei, s/data (na trad. francesa, vol. I, 3" ed., 13, p. 147 e segs., Paris, 1886).Entre outros, Rubino, Ueberden Entwickelungsgang der rmischen Verfassung, I, p_ 244, nota 2, Cas-sei, 1839. Vide sobre essa controvrsia, Kniep, Gai Institutionum Commeniarius Secundus; 97-298(Testamentarisches Erbrecht), p. 92, Jena, 1912.Institutas, 11, 102 .Segundo Uvy-Bruhl (JVabuede Ia mancipatio familiae, in Festschrift Fritz.Scbu1z, I, p. 260, Weimar,1951), a mancipatio familiae foi criada antes da Lei das XII Tbuas.

    8

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    1112

  • confiar em sua palavra) a transferi-los, depois da morte do testador, para a pessoa (oupessoas) por este designada. Ofamiliae emptor, portanto, embora Gaiol3 saliente que he-redis locum obtinebat (ocupava o lugar de herdeiro), era antes um executor do testamen-to do que um herdeiro. Mais tarde, na segunda etapa da evoluo dessa forma de tes-tamento, surge, propriamente, o testamento per aes et libram, em que h a instituio deherdeiro. Conserva-se s mancipatio apenas por amor tradio, 14 mas ela uma simplesformalidade, passando a ser o ato mais importante a nuncupatio, pela qual o testador d aconhecer as disposies testamentrias, inclusive a instituio de herdeiro. Gaio1) assimdescreve a solenidade em que se faz o testamento per aes et libram:

    Eaque res ira agitur:quifacit testamentum, adhibitis, sicut in ceteris mancipationi-bus, V testibus ciuibus Romanis puberibus et libripende, postquam tabulas testamentiscripserit, mancipat alicui dicis gratia familiam suam; in qua re his uerbis familiae emp-tor utitur: familiam pecuniamque tuam endo mandatela tua custodelaque mea esse aio,et ea quo tu iure testamentum facere possis secundum legem publicam, hoc aere, et utquidam adiiciunt aeneaque libra, esto mihi empta, deinde aere percutit libram, idque aesdat testatori uelut pretii loco; deinde testador tabulas testamenti tenens ita dicit: Haecita ut in his tabulis cerisque scripta sunt, ita do ira lego ita testar itaque vos quirites testi-monium mihi perhibetote; et hoc dicitur nuncupatio: nuncupare est enim palam nomina-re, et sane quae testator specialiter in tabulis testamenti scripserit, ea uidetur generalisermone nominare atqueconfirmare (E isso se faz assim: o testador, presentes, como nasoutras mancipaes, cinco testemunhas, cidados romanos pberes, e o libripens, depoisde escrever nas tbuas do testamento, mancipa ficticiamente sua herana a algum; nesseato o familiae emptor usa destas palavras: Eu declaro ser o teu patrimnio hereditrio.l"sujeito s tuas determinaes e em minha custdia, e assim o compro com este bronze - E(como alguns acrescentam) com esta balana de bronze - para que possas fazer testamen-to vlido segundo a lei pblica; toca em seguida a balana com o bronze, e o entrega aotestador a ttulo de preo; depois, o testador, tendo nas mos as tbuas do testamento, diz:Eu assim dou, assim lego e assim testo os meus bens como escrevi nestas tbuas e sobreesta cera, e assim vs, Quirites, sois testemunhas; chama-se a isso nuncupatio: nuncupa-re significa nomear em pblico, pois, sem dvida, o testador declara e confirma com pa-lavras geraiso que escreveu pormenorizadamente nas tbuas do testamento).

    Embora Gaio, nessa descrio, no se refira ao que modemamente se denomina tes-tamento nuncupativo (aquele em que o testador, com a nuncupatio, declara oralmente oteor das disposies testamentrias), a quase totalidade dos autores admite a existnciado testamento per aes et libram oral, que teria precedido o testamento per aes et libram

    13 Institutas, lI, 103.14 Cf Gaio, Institutos; li, 105.15 Institutas, lI, 104.16 Traduo que, seguado Biondi (Istituzioni di Diritto Romano, 3" ed., p. 655), deve ser dada expres-

    so familiam pecuniomque.

    DIREITO ROMANO 719

    escrito, 17 sendo certo que este tem sobre o primeiro duas vantagens: a de ser mais fcil deprovar, e a de, nele, poder o testador deixar em segredo as disposies testamentrias.

    O testamento per aes et libram j era utilizado nos fins da repblica, e persistiu nosprimeiros sculos do principado.l''

    No direito clssico, surge o que se denomina, modemamente, testamento pretoria-no. Ele nasce da atuao do pretor com referncia ao testamento per aes et libram. Verifi-cando que, nessa espcie de testamento, a mancipatio era mera formalidade mantida pelorespeito tradio. e que dos atos que integravam a nuncupatio o verdadeiramente essen-cial era a apresentao, pelo testador, das tbuas escritas s cinco testemunhas, ao libri-pens e ao familiae emptor, o pretor passou a considerar, como testamento vlido iurehonorario, o escrito apresentado a sete testemunhas, e ao qual estivessem apostos os se-los delas." Mas o pretor, como j salientamos, heredes facere non potest (no pode criarherdeiros), porquanto heres (herdeiro) somente era a pessoa a quem o ius ciuile atribuatal ttulo com os direitos dele decorrentes. O que o pretor podia fazer era conceder a bo-norum possessio secundum tabulas (posse dos bens segundo as tbuas do testamento) pessoa designada como sendo o herdeiro, nas tabulae (tbuas). A princpio, a bonorumpossessio secundum tabulas era sine re (portanto, se o herdeiro legtimo - por exemplo:um filho do testador - reclamasse a herana por meio da petitio hereditatis ab intestato,alegando que aquele testamento no era reconhecido como vlido pelo ius ciuile, o pretorno protegia o bonorum possessor, que perdia a herana para o herdeiro legtimo), mas,posteriormente, o imperador Antonino Pi020 admitiu que o bonorum possessor se defen-desse dapetitio hereditatis ab intestato do herdeiro legtimo com a exceptio doli mali; as-sim, mantendo-se bonorum possessor na posse dos bens contra a pretenso do herdeirolegtimo, a bonorum possessio secundum tabulas passou a ser cum re.

    No direito ps-clssico, essas formas de testamento caem em desuso e so substitu-das por outras:

    a) de testamento privado (que derivam do testamento per aes et libram e do testa-mento pretoriano, e em que no h a interferncia de autoridade pblica); e

    b) de testamento pblico (que surgem nesse perodo, e em que h a participao deautoridade pblica).

    17 Vide, a propsito, Volterra, Istituzioni di Diritto Privato Romano, p. 742.18 Exemplos concretos de testamentos per aes et libram encontram-se em Girard, Te:xtes de Droit Ro-

    main, 6" 00., p. 805 e segs.19 Ainda no direito clssico, segundo a opinio dominante, Juliano ou Giordiano (a matria controver-

    tida) reconhece validade iure praetorio s disposies orais de ltima vontade proferidas diante desete testemunhas.Guarino (Forma orale e scritta nel testamento romano, in Studi in onore di Pietro de Francisci, vol,Il, p. 55 e segs., Milano, 1956), porm, defende a tese de que; durante todo o perodo clssico, o testa-mento pretoriano foi exclusivamente testamento escrito. A propsito, vide, ainda, em posies contra-postas, Archi ("Testamentum Civile", "Testamentum Praetorium", in Studi in Onore 4i Ugo EnricoPaoli, pp. 11a 37,Firenze, 1956) e Voei (Testamento Pretorio, in Studi di Diritto Romano, I, pp. 409a453, Padova, 1985).

    20 Gaio, Institutas, lI, 120; e Mosaicarum et romanarum legum collatio, XVI, 3, 1.

  • 720 JOSE CARLOS MOREIRA ALVES

    So testamentos privados: o testamento nuncupativo, o testamento olgrafo e o tes-tamento tripertitum. So testamentos pblicos: o testamentum apud acta conditum e otestamentum oblatum principio

    O testamento nuncupativo tambm ( semelhana do testamento pretoriano) umasimplificao do testamento per aes et libram;mas, diferena do testamento pretoriano, uma forma de testamento reconhecida pelo ius ciuile, e portanto, a pessoa nele designa-da para receber heres (herdeiro), e no, simplesmente, bonorum possessor. O testamen-to nuncupativo se faz por declarao oral do testador, na presena de, a princpio, cincotestemunhas (e isso porque, das sete exigidas no testamento pretoriano, duas eram ofa-miliae emptor e o libripens, as quais, com a desnecessidade da mancipatio para a celebra-o do testamento nuncupativo, deixam de ser exigidas), e, posteriormente, de sete."

    O testamento olgrafo (olgrafo palavra que vem do grego, e que significa escritointeiramente pela mo do autor) o totalmente redigido, de prprio punho, pelo testador,e que vlido mesmo sem ser feito na presena de testemunhas. Essa forma de testamen-to foi admitida, no direito romano, por uma constituio de Valentiniano I1I,22 mas nofoi acolhida por Justiniano no Corpus Iuris Ciuilis.

    O testamento tripertitum - que foi criado, em 439 d.C., pelos imperadores TeodsioIIe Valentiniano fi - assim denominado porque, como salienta Justiniano," tem suasformalidades provenientes de trs fontes: do ius ciuile antiquum, do ius honorarium e deconstituies imperiais. Com efeito, do ius ciui/e antiquum decorre a necessidade de queesse testamento seja feito de uma s vez, sem interrupo (uno contextu); do ius honora-rium, a presena de sete testemunhas e a aposio de seus selos; e de constituies impe-riais, a subscriptio do testador e das testemunhas." Em face disso, pode-se conceituar otestamento tripertitum como o testamento escrito e apresentado a sete testemunhas, que aele apem, juntamente com a do testador, suas subscriptiones, e, em seguida, apenas astestemunhas colocam nele seus selos.

    Dos testamentos pblicos, o apud acta condituml? segundo parece, consiste numadeclarao verbal que o testador faz ao juiz ou autoridade municipal, que a reduz a ter-mo (isto , a escrito oficial); e o principi oblatum'" aquele em que o testador apresentaao prncipe testamento por escrito, que confiado ao magister libellorum, para conser-v-lo no seu arquivo.

    21 Inst.,n, 10, 14.22 Nov. Valent, XXI (XX); 2, 1.23 Inst.,n, 10, 3.24 No sendo mais, nessa poca, os testamentos redigidos em tbuas com cera, que se fechavam, e em

    que, portanto, havia uma parte exterior e outra interior, mas sendo escritos em folhas de pergaminhoou de papiro, as testemunhas e o testador- ou uma oitava testemunha, n caso de o testador no podereserever-, antes de aporem seus selos no documento, redigiam frases mais ou menos longas, em que osujeito o nome da testemunha ou do testador, e o predcado o verbo subscribere. Assim sendo, asubscriptio bem diferente da simples assinatura que se encontra nos documentos modernos.

    25 Vide,a propsito, C. VI, 23, 19.26 C. VI, 23,19.

    DIREITO ROMANO 721

    B) Formas anormais de testamentoAo lado das formas normais de testamento, temos, no direito romano, formas anor-

    mais, empregadas excepcionalmente, e, por isso mesmo, com a observncia - conformeo caso - de formalidades ou mais ou menos rigorosas do que as das formas normais,

    Requerem formalidades mais simples do que as normais - e isso por motivos de or-dem prtica ou a ttulo de favor - os seguintes testamentos:

    a) o testamentum niri conditum (testamento feito no meio rural): para sua feitura,Justiniano," em vez de sete testemunhas, exige apenas cinco;

    b) o testamentum pestis tempore (testamento em tempo de peste): Diocleciano"admite que, quando o testador est atacado de doena contagiosa, as testemunhas no secoloquem na sua presena imediata;

    c) o testamentumparentum inter liberas (testamento de pais para filhos): suaregu-lamentao, iniciada pelo imperador Constantino, somente foi concluda por Justinianoj"que estabeleceu que, quando os pais, em documento escrito por eles mesmos, estabele-cessem a sucesso de seus bens em favor de seus filhos, no havia necessidade de teste-munhas; e

    d) o testamentum militum (testamento dos soldados): o mais importante dessa ca-tegoria de testamento, pois, com relao a ele, no h apenas dispensa de formalidadesmas, sim, de importantes regras de fundo que disciplinavam a sucesso hereditria emRoma; dessa forma, o soldado de terra ou de mar - a princpio, durante o servio ativo,sendo o testamento feito nessa ocasio vlido at um ano aps a baixa' depois com Justi-. 30 ' ,

    ma~o, apenas quando em campanha - pode testar sem a observncia de quaisquer for-malidades; quanto a regras de fundo, h que notar:

    1 - no se aplica ao testamentum militum o princpio nemo partim testatus partimintestatus decedere potest (ningum pode falecer em parte testatus, e, em parte, intesta-tus); e

    2 - o soldado pode revog-lo por simples manifestao de vontade, instituir herdei-ro para coisa determinada (instituio ex certa re), e fazer vrios testamentos, que coexis-tiro.

    J por motivo de maior segurana, os seguintes testamentos exigem mais formali-dades do que as dos testamentos normais:. _ a) o testamento do cego, que - disciplinado primeiramente por Justino (cujas dispo-

    sioes foram confirmadas por Justiniano)," pois no perodo clssico no apresentavaqualquer peculiari~e - exige a presena de sete testemunhas e de um tabularius (ou, nasua falta, de uma OItavatestemunha), perante o qual o testador faz suas declaraes de l-

    27 C. VI, 23, 31.28 C.VI, 23, 8.29 Nov.CVlL30 Inst.,11, 11, pr.31 C. VI, 22, 8.

  • 722 JOS CARLOS MOREIRA ALVES

    tima vontade, que, redigidas pelo tabularius, devem ser lidas por ele e confirmadas pelotestador, diante das testemunhas; .

    b) o testamento do analfabeto: no direito clssico, o analfabeto somen,te pO~lafazertestamento oral; no perodo ps-clssico, admite-se que seu testamento seJ~/edlgldo napresena de uma oitava testemunha, que o subscreve em lyjSardo testado:; e "

    c) o testamento do surdo-mudo: segundo Justiniano, deve ser escnto, de propnopunho, pelo surdo-mudo.

    314. Capacidade para testar (testam enti factio actiua) - Para que algum possafazer testamento, preciso que tenha:

    a) aptido para testar (isto , que, em sua capacidade jurdica, se inclua a faculdadede fazer testamento); e

    b) capacidade de fato para testar. _O primeiro desses dois requisitos exige que o testador o possua desde a confeca?

    do testamento at a ocasio de sua morte, ininterruptamente;34 o segundo, apenas na fel-tura do testamento.

    Passemos anlise desses requisitos.A)Aptido para testarEm princpio, tm essa aptido todos os cidados sui iuris.Da resulta que, por via de regra, no podem testar os estrangeiros," os filii fam-

    lias, as pessoas in manu, as pessoas in mancipio, os e~cravos. Mas, n?decurso da evol~-o do direito romano, houve atenuaes a esse respeito. Os estrangeiros a qu~m er~ ~tn-budo o ius comerei! (vide n 84, A) podiam testar. Augusto concedeu ~o~filllfam!ll~~ afaculdade de fazer testamento com relao ao peclio castrense; Justiniano o admitiu,tambm com referncia ao peclio quase-castrense.i" J os escravos - que no eram pes-soas fsicas, mas aos quais (vide n 83, B), a pouco e pouco, se foi atribuindo a aptido deter alguns direitos, embora, teoricamente, haja persistido, durante todo o direit.o romano,sua condio de res coisa) -, se eram serui public~ (escravos do Estado!, podiam t~s~r,no direito clssico, 7 a metade dos bens que integravam seu pecuho; no direito

    323334

    C. VI, 23, 21, 1.C. VI, 22, lo.Se depois de mito o testamento, o testador sofrer uma capitis deminutio, o testamento se toma irritum,salvo se se tratar de aprisionamento em guerra e se aplicar a fico da Lei Cornlia ou o postiminium

    ~~~~~ .-Por outro lado, se o testador tivesse a testamenti factio actiua no momento da confecao do testamentoe no instante damorte, ainda que no a possusse no intervalo, o pretor concedia a bonorum posse~siosecundum tabulas- que, nessa hiptese, era cum re- ao herdeiro institudo, se no houvesse h~deuoslegtimos (Gaio,Institutas, lI, 147 e segs.). No tempo de Justiniano, o testador, nesse caso, devia con-firmar o testamento (D. XXXVII, 11, 11,2 - interpolado, segundo Perozzi, Instituzioni di Diritto Ro-mano, Il, 2aed.-reintegrazione, 1949, p. 505, nota 3 da p. 504).Note-se, porem, que o estrangeiro, se no podia testar segundo o direito romano, podia faz-lo valida-mente em conformidade com sua lei nacional.Inst., lI, 12, pr, Mas os flli familias nunca puderam testar os bona aduenticia.Vlpiani liber singularis regularum, XX, 16.

    35

    3637

    DIREITO ROMANO 723

    ps-clssico," os serui cubicularii (escravos cujo servio se restringia s peas da casa)do imperador tinham a faculdade de testar.

    Entre os cidados romanos sui iuris, havia alguns que no possuam aptido paratestar, por no poderem realizar as formalidades indispensveis feitura do testamentoou por proibio legal, a ttulo de pena.

    No primeiro caso, encontra-se, com relao aos testamentos calatis comitiis e inprocinctu, a mulher," que no podia faz-Ias por no participar dos comcios por crias,nem ir guerra40 Quando surgiu a mancipatio familiae (e, posteriormente, o testamentoper aes et libram propriamente dito), essa incapacidade deveria ter deixado de existir,mas - e possivelmente para que os bens que elas herdassem de seu pater familias no fos-sem testados a estranhos famlia - as ingnuas, que podiam normalmente celebrar, coma auctoritas do tutor, a maneipatio (e que, portanto, deveriam poder fazer a maneipatiofamiliae, e, mais tarde, o testamento per aes et libram propriamente dito), continuaramincapazes de testar; o mesmo, no entanto, no ocorria com as libertas, porquanto seusbens no tinham pertencido a uma famlia. Em virtude disso, os jursconsultos romanoscriaram um expediente para permitir s ingnuas que testassem seus bens. Foi ele a co-emptio testamenti faeiendi causa (coemptio para fazer testamento), que assim se proces-sava: a ingnua, com a auctoritas de seu tutor, se vendia por meio da mancipatio a umterceiro que, por umpactum fiduciae, se obrigara previamente a manurniti-la, j que a re-cebia como pessoa in mancipio; ocorrida a manumisso, o terceiro se tomava tutor fidu-cirio da mulher, que, por sua vez (por se ter desvinculado da famlia de origem, e,portanto, seus bens, com a morte dela, no mais se destinarem aos que tinham sido seusagnados), com a auctoritas desse tutor, podia fazer testamento. Note-se, porm, que amulher, para se valer desse expediente, precisava, antes, da auctoritas de seu tutor paravender-se por meio da mancipatio ao terceiro; ora, se se tratasse de tutor legtimo (porconseguinte, um dos herdeiros presumidos da mulher), dificilmente daria a auctoritas;por isso, o pretor, muitas vezes, em caso de recusa da auctoritas pelo tutor legtimo, ocompelia a d-Ia. Somente com urnsenatusconsulto do tempo de Adriano" que cessa aincapacidade da ingnua para fazer testamento: a partir de ento, ela pode testar, sem pre-cisar da coemptio testamenti faciendi causa, mas, apenas, da auctoritas de seu tutor. E opretor, quando a ingnua fazia testamento sem a auctoritas do tutor, concedia- se no setratasse de tutor legtimo - pessoa designada no testamento a bonorum possessio secun-dum tabulas.42 Com a extino da tutela das mulheres pberes, verificada no sculo IVd.C., a mulher - ingnua ou liberta - passa a ter plena capacidade para testar.

    38 C. XII, 5, 4, 2.39 As vestais, porm, desde os mais remotos tempos tinham plena capacidade testamentria.40 Contra a assertiva do texto - que a da doutrina dominante- vide Volterra, Sulla capacit delle donne

    a far testamento in Bullettino dell'Istituto di Diritto Romano, vol. vn, N. S. (1941), p. 74 e segs,41 Gaio,Institutas, I, 115, a, e Il, 112-113.42 Gaio, Institutas, Il, 118-122.

  • 724 JOS CARLOS MOREIRA ALVES

    Alm da mulher, tambm o surdo e o mudo eram, a princpio, incapazes de testar,uma vez que omudo no podia pronunciar as palavras da nuncupatio, e o surdo, ouvi-Ias.Quando surgem as formas escritas de testamento, o surdo e o mudo, desde que obtenham

    43 d J .. 44autorizao do imperador, podem testar. No tempo e ustmiano, apenas os sur-dos-mudos de nascena so incapazes de fazer testamento.

    Por outro lado, por proibio legal, a ttulo de pena, no tinham aptido para testar:a) desde o direito pr-clssico, os intestables, porque o testamento exigia a presen-

    a de testemunhas e eles (vide n 86, C) no podiam realizar ato que necessitasse de teste-munhas;

    b) no direito clssico, os latinos junianos (vide n" 84, B);45 ec) no direito ps-clssico, os apstatas, os maniqueus e algumas categorias de her-

    ticos (vide n" 86, F).

    B) Capacidade defato para testar

    Como ocorre com relao ao exerccio, pela prpria pessoa, de um direito subjeti-vo, alm da capacidade jurdica de testar (aptido para testar), preciso, para fazer testa-mento, capacidade de fato para testar.

    de observar-se; porm, que, quanto incapacidade de fato para elaborar testa-mento, no se pode lanar mo, para supri-Ia, de tutor ou curador, pois o ato de testar,sendo personalssimo, somente pode ser realizado pelo prprio testador, e, se este notem capacidade de fato para testar, no poder fazer testamento. Essa regra, entretanto,no se aplicava mulher (que podia em certos casos testar com a auctoritas do tutor),dada a natureza especial de sua incapacidade de fato (vide, a propsito, n 301).

    No tinham capacidade de fato para testar (ainda que possussem capacidade juridi-ca para faz-Ia), as seguintes pessoas:

    a) os impberes;"b) os Ioucos," com exceo dos furiosi, quando em intervalos de lucidez, momen-

    tos em que, como j salientamos (vide n 302), eles recuperavam a capacidade de fato;c) os prdigos; 48ed) aqueles que tinham dvida quanto ao seu prprio status (assim, por exemplo, o

    escravo manumitido no testamento de seu proprietrio, se no sabe, com certeza, que estefaleceu, e, em conseqncia, ele ficou livre, enquanto perdura a dvida quanto ao seu sta-00,no pode testar).49

    43 D. XXVIII, 1,7.44 VI, 22,10.45 Gaio,Instituitls, I,23.46 Ulpianiliber singularis regularum, xx, 22.47 Ulpiani liber singularis regularum, xx, 13.48 Ulpianiliber singularis regularum, xx, 13; eD,L, 17,40.49 D. XXVIII, 1, 14 e 15.

    DlREIToRoMANO 725

    315. Capacidade para ser institudo herdeiro itestamentifactio passiua) - Emprincpio, podem ser institudos herdeiros no testamentor'"

    a) a pessoa fisica;b) o nascituro;c) a pessoa jurdica; ed) a divindade.Quanto pessoa fisica, pode, em geral, ser institudo herdeiro, em testamento, o ci-

    dado romano - ou o estrangeiro" que tenha o ius commercii -, ainda que no seja sui iu-ris, porquanto se trata de aquisio.

    Mesmo o escravo que tivesse proprietrio,com capacidade para ser institudo herdei-ro, poderia s-lo num testamento depessoa outra que no seu dono; nessa hiptese, os bensintegrantes da herana passariam pata o patrimnio do proprietrio do escravo. Demais, se odono do escravo o manumitisse em seu testamento, podia, ali, instini-lo herdeiro.

    H, no entanto, cidados romanos (ou estrangeiros com o ius commercii) que nopodem ser institudos herdeiros (no possuem, portanto, a testamentifactio passiua). Soeles:

    a) as mulheres (que, primitivamente, tinham plena capacidade para suceder por tes-tamento), na hiptese prevista na Lei Vocnia, de 969 a.c.: elas no podiam ser institu-das herdeiras em testamento de cidado que estivesse inscrito na primeira classe do censo(na qual estavam enquadrados os possuidores de patrimnio no inferior a 100.000 as-ses); essa lei, porm, caiu em desuso na poca imperial;

    b) as pessoas incertas (aquelas que o testador, ao fazer o testamento, no pode de-terminar precisamente, como, por exemplo, instituir herdeiro primeiro indivduo quevier ao funeral do testador);52

    c) os intestabiles (vide n" 86, C);d) a partir dos imperadores cristos, os herti cos, os apstatas e os maniqueus (vide

    n 86, F); ee) no direito ps-clssico, perdia a capacidade de suceder por testamento a viva

    que, dentro de um ano da morte do marido, tomasse a casar;53Justiniano imps a mesmapena quela que, nesse ano, desse luz filho ilegtimo."

    Com relao ao nascimento, ajurisprudncia romana, no direito clssico, foi admi-tindo gradativamente que pudessem ser institudos herdeiros ospostumi (os nascidos de-

    50 Pormenores em Bonfante, Corso di Diritto Romano, VI (Le successioni, parte generale), p. 305 esegs., Citt di Castello, 1930; e Biondi, Successione Testamentaria - Donazioni (Trattato di DirittoRomano diretto da EmilioAlbertario,X), 42 e segs., p. 103 e segs., Milano, 1943.

    51 Os estrangeiros sem ius commercii podiam, no entanto, suceder, validamente, por testamento, a outroestrangeiro, segundo sua lei uacionaI. J os aptridas, por no pertencerem a nenhuma comunidadepoltica juridicamente organizada, no podiam ser herdeiros.

    52 Sobre o fundamento da incapacidade elapessoa incerta, vide Bonfante, Corso di DirittoRomano, VI(Le successioni -parte generale],p. 309 e segs., Citt di CastelIo, 1930.

    53 C.V, 9,1.54 Nov. XXXIX, 2.

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    pois da confeco do testamento) sui, os postumi aquiliani, os postumi Vellaeiani primi,os postumi Vellaeiani secundi e os postumi Iuliani (vide, a propsito de cada uma dessasclasses, o n 329). Quanto aos postumi alieni (os que nasciam fora da famlia do testador),no tinham eles, segundo o ius ciuile." testameniifactio passiua, mas o pretor lhes con-cedia a bonorum possessio secundum tabuIas;56 Justiniano " estabeleceu que qualquerpostumus (inclusive o alienus) tinha testamenti factio passiu~.

    Com referncia pessoa jurdica, a maioria dos autores " entende que, desde tem-pos remotos, o populus Romanus (Estado Romano) podia ser institudo herdeiro. O mes-mo, porm, no ocorria com os municpios, as ciuitates e as colnias, que eram consi-derados, a princpio, como personae incertae (pessoas incertas) e, portanto, incapazes deser institudos herdeiros.59 certo, todavia, que, quanto aos municpios, um senatuscon-sulto, ainda no direito clssico, admitiu que eles pudessem ser institudos herdeiros porseus libertos.t" De Constantino a Justiniano, reconheceu-se a testamenti factio passiua sciuitates, s Igrejas, s operae piae. Justiniano'" estendeu-a a todas as corporaes lcitas.

    Finalmente, quanto s divindades, l-se no Liber singularis regularum (XXII, 6),atribudo a Ulpiano, que no podem instituir-se os deuses herdeiros, exceto aqueles aquem senatusconsulto ou constituio imperial o permita.62 Por outro lado, no tempo deJustiniano'r' era possvel instituir-se herdeiro a Cristo (caso em que se entendia que a ins-tituio era feita em favor da Igreja do local onde morava o testador), a um arcanjo, ou aum mrtir (nessas duas hipteses, se a instituio fosse feita sem a especificao de umaIgreja, considerava-se a instituio feita em favor da Igreja do local onde morava o testa-dor, dedicada ao arcanjo ou ao mrtir mencionado no testamento; no havendo nenhumanessas condies, favoreciam-se outras Igrejas, designadas na legislao justiniania).

    A testamenti jactio passiua tem de existir em trs momentos diversos:a) no da confeco do testamento;b) no da abertura dele; ec) no da adio (isto , aceitao) da herana.A perda temporria da testamenti factio passiua em algum dos intervalos desses

    trs momentos no prejudicava o herdeiro."

    55 Gaio, Institutos, I,.147; e lI, 241-242.56 D. xxxvn, 11,3; e Inst., m, 9, pr.57 C. VI,48, 1;elnst, m, 9, pr,58 Contra, Bonfame, Corso di Diritto Romano, VI (Le successioni -parte generale), p. 317 e segs., Citt

    di Castello, 193()'59 Vlpiani liber sillgularis regularum, XXII, 5.60 Vlpiani liber singularis regularum, XXII, 5.61 C. VI, 48,1,10.62 Vide lista exem,plilicativa em Vlpiani liber singularis regularum, XXII, 6.63 C. I, 2, 25 (26)..64 Cf. Voei, Doiuo Ereditario Romano,I (introduzione, parte generale), p. 391 e segs., Milano, 1960.

    727DIREITO ROMANO

    316. Contedo do testamento - a instituio de herdeiro - O testamento podeconter diferentes disposies, como:

    a) a instituio de herdeiro;b) manumisses;c) designao de tutor;d) legados (vide n" 345 a 354);e) fideicomissos (vide n'" 355 a 358);ji adsignatio libertorum (isto , a diviso do patronato, morto opater jmilias, entre

    seus filhos).Dessas disposies, a que imprescindvel= que nele se encontre a instituio de

    herdeiro (heredis institutio):66no existe testamento sem a heredis institutio, nem estasem aquele; demais, nula a heredis institutio, nulo ser todo o testamento (princpio esse,porm, que sofreu atenuaes no curso do tempo). 67

    O testador pode instituir herdeiro nico ou vrios herdeiros. Neste nmero, estuda-remos, apenas, a instituio de herdeiro nico (hiptese mais simples, e na qual podere-mos analisar os princpios que regem, em geral, a heredis institutio); no seguinte, trata-remos da instituio de vrios herdeiros.

    Para instituir herdeiro no testamento, o testador tem de observar duas espcies deregras:

    a) as de forma; eb) as de fundo.As regras de forma 68 dizem respeito ao lugar, no testamento, onde deve ser inserida

    a heredis institutio, bem como aos termos com que o testador institui o herdeiro. Quantoao lugar, a instituio de herdeiro, no direito clssico, devia ser feita testa do testamen-to, sendo que as disposies inseridas antes dela eram nulas, salvo se se tratasse de deser-dao,69 de fideicomiss07o ou - segundo os proculeianos" - de designao de tutor; nodireito justinianeu, porm, admitiu-se que se colocasse a instituio de herdeiro em qual-quer parte do tesramento.f Com referncia aos termos empregados na heredis institutio,

    65 Gaio, Institutas, lI, 229; Vlpiani liber singularis regularum, XXIV, 15;D. XXVIII, 4, 3; e D. XXIX,7,10.

    66 A propsito, vide, entre outros, Vismara, Appunti intomo alia "heredis institutio ", tn Studi di Storia eDiritto in onore di Enrico Besta, IlI, p. 303 e segs., Milano, 1939; e Vogel, Ueber die bedingte Erbein-setzung von sui heredes nach ius ciuile, in Zeitschrift der Savigny-Suftung fiir Rechtsgeschichte, Ro-manistiche Abteilung, LXVIII (1951),p. 490 e segs.

    67 Pormenores em Vismara, ob. cit., p. 303 e segs.68 J no direito clssico essas regras no se aplicavam ao testamentum militum (testamento dos solda-

    dos).69 D. XXVIII, 5, 1, pr.70 Vlpiani liber singularis regularum, XXV, 8.71 Gaio, Institutas, lI, 231.72 Inst., n, 20, 34; e Inst., I, 14,3.

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    primitivamente eram - em latim - sacramentais e imperativos; admitia-se apenas umafrmula: Tltius (ou outro nome qualquer, conforme o herdeiro se chamasse Tcio, ou no)heres esta (que Tcio seja herdeiro); no direito clssico, os jurisconsultos permitem, tam-bm, o uso das frmulas Titium heredem esse iubeo (ordeno que Tcio seja herdeiro )73 eTitius hereditatis meae dominus esta (que Tcio seja dono da minha herana);" no po-dendo, no entanto, sob pena de nulidade do testamento, serem empregadas outras, como,por exemplo, Ticium heredem esse uolo (quero que Tcio seja o herdeiro);" no direitops-clssico, o imperador Constncio 76 estabeleceu, em 339 d.C; que a heredis institutiopoderia ser feita com quaisquer termos, desde que exprimissem, claramente, a vontadedo testador. Por outro lado, uma constituio de Teodsio li, de 439 d.C., demonstra que,antes dessa data, j se admitia a utilizao do grego para a instituio de herdeiro. 77

    As regras de fundo so duas:a) a instituio de herdeiro deve ser feita inperpetuum (da o brocardo semel heres,

    semper heres - uma vez herdeiro, sempre herdeiro); eb) o herdeiro deve ser institudo para receber toda a herana, e no apenas uma parte

    dela, em virtude do princpio nemo partim testatus partim intestatus decedere potes!(ningum pode falecer em parte testatus e, em parte, intestatus).

    Dessas duas regras decorrem importantes conseqncias.Da primeira, resulta que a instituio de herdeiro no admite todas as modalidades

    do negcio jurdico, pois algumas delas ferem o princpio semel heres, semper heres,como ocorre com a condio resolutiva (vide n" 112,A) e o termo final ivideo? 112, B).78As nicas modalidades admitidas, com relao heredis institutio, so a condio sus-pensiva (vide n 112,A) e o termo com prazo incerto. 79 Note-se, no entanto, que, para fa-vorecer o testamento (e isso porque o testador, estando morto, no poder, obviamente,fazer outro), se entendia que, quando a instituio de herdeiro era subordinada a modali-dade no permitida (por exemplo, a uma condio resolutiva), o testamento no deixava,por isso, de ser vlido, mas se tinha, como non scripta (no escrita), a clusula proibida. 80Por outro lado, eram importantes as conseqncias decorrentes de uma heredis institutio

    73 Gaio, Institutos,n, ll7.74 D. xxvm, 5, 49 (48),pr.75 Gaio,lnstitutos,n, 117.76 C. VI, 23, 15.Essa constituio atribuda erroneamente, no Cdigo, a Constantino.77 Nov. Theod., XVI, 8 (com algumas alteraes foi inserida no C. VI, 23, 21, 6).78 Tambm no era admitido o termo inicial. mas as razes dessa proibio (que no se prendem regra

    semel heres, semper heres) nos so desconhecidas.79 Assim, se o testador declarasse: Que Caio o seja meu iz;rdeiro. quando Tcionwrrer. Trata-se de ter-

    mo, porque a morte de Tcio acontecimento futuro e objetivamente certo, mas de termo com prazoincerto, pois no se sabe, de antemo, quando que Tcio ir morrer. E se admitia a heredis institutio atermo com prazo incerto, porque vigorava no direito romano (D.:XXXV, 1,75), a regra dies incertuscondicionem in testamento facit (o prazo incerto, no testamento, se reputa condio).

    80 Exceo feita, no entanto, a algumas modalidades, como, por exemplo, a condio puramente potesta-tiva (Tcio seja herdeiro, se Mvio quiser); nesse caso, o testamento era nulo.

    DIREITO ROMANO 729

    subordinada condio suspensiva (modalidade permitida). Assim, por exemplo, a se-guinte instituio de herdeiro - Caius heres esto, si nauis ex A/rica uenerit (que Caio sejaherdeiro, se o navio chegar da frica); nessa hiptese, Caio somente se tomar herdeirose chegar da frica o navio, resultando, da, que a abertura da sucesso testamentria retardada (e, conseqentemente, a da sucesso ab intestato que se verificar no caso de oherdeiro institudo sob condio falecer antes que ela se realize, ou, ento, de a condiose frustrar) at que ocorra ou se fruste a condio. Enquanto a condio est pendente, aherana considerada vacante, pois no se abrem nem a sucesso testamentria nem a su-cesso ab intestato, certo, porm, que o pretor, no direito clssico, concedia, nessa hip-tese, ao herdeiro institudo, uma bonorum possessio secundum tabulas provisria, desdeque ele desse cauo s pessoas que, se ele morresse antes de verificar-se a condio, ou seesta se frustrasse, seriam herdeiras em seu lugar (eram os herdeiros legitimosj."

    Da segunda das regras de fundoanterionnente referidas, decorria a conseqnciade que no era admissvel a instituio de herdeiro para coisa determinada (ex re certa)-assim por exemplo, esta heredis institutio: Titius heres esto exfundo Manliano (que T-cio seja herdeiro do imvel Manliano). Mas, apesar disso, se se fizesse instituio de her-deiro para coisa certa, nem por essa circunstncia o testamento era considerado nulo,pois, a ttulo de favorecer o testamento, se reputava simplesmente no escrita a institui-o para coisa certa, e o herdeiro era considerado como institudo para receber toda a he-rana (se fosse um s) ou parte proporcional dela (se fossem vrios os herdeiros).82 Nodireito ps-clssico.f quando eram diversos os herdeiros institudos, e um deles (ou, en-to, todos) o era para coisa certa, procurou-se respeitar, em parte, a vontade do testador:embora toda a herana fosse dividida entre eles, deveria caber quele (ou queles, se fos-se ocaso), que fora institudo ex re certa, essa coisa, em sua quota hereditria. No direitojustinianeu, vai-se mais longe: Justiniano'" determina que o herdeiro ex re certa seja con-siderado como legatrio (isto , aquele que no institudo herdeiro, mas a quem o testa-dor deixa certos bens - vide na 345), embora com situao excepcional, pois, se osdemais herdeiros testamentrios no quiserem, ou no puderem, aceitar a herana, esta,em vez de ir para os herdeiros legtimos (excluda a coisa a ser entregue ao herdeiro ex recerta), ir toda para o herdeiro ex re certa, o qse significa que no houve equiparaocompleta entre esse herdeiro e o legatrio propriamente dito.

    317. Pluralidade de herdeiros - O testador pode instituir um ou - e isto para dimi-nuir a possibilidade de morrer intestatus - vrios herdeiros.

    A pluralidade de herdeiros pode ocorrer nas duas seguintes hipteses:a) quando os herdeiros so institudos simultaneamente: Caius et Titius heredes

    sunto (Caio e Tcio sejam herdeiros); ou

    81 Sobre as condies impossveis ilcitas e torpes apostas aos negcios jurdicos de ltima vontade, viden" 112,A.

    82 Cf. D. XXVIII, 5, 1,4; xxvm, 5, 9, 13.83 EpitomecodicisGregoriani, Ill, 8, 1, 1.84 C. VI, 24, 13.

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    b) quando os herdeiros so institudos sucessivamente, um em substituio ao ou-tro, se o anterior no quiser, ou no puder, aceitar a herana: Titius heres esta. Si Titiusheres non erit, Caius heres esta (Tcio seja o herdeiro. Se Tcio no o for, que o herdeiroseja Caio).

    Estudaremos, neste nmero, apenas a primeira hiptese. A segunda ser analisadano seguinte, sob a epgrafe Substituies.

    O testador, como vimos, pode instituir vrios herdeiros simultaneamente.Quando isso ocorre, dois so os problemas que podem apresentar-se:a) como dividir a herana entre os herdeiros? eb) qual o destino a ser dado parte (ou s partes) da herana que um (ou alguns) dos

    herdeiros no quis, ou no pde, aceitar?Ambas as questes, porque dizem respeito aquisio da herana, sero estudadas

    mais adiante, no captulo prprio: o LV.Por ora, examinaremos, apenas, dois aspectos, cujo conhecimento indispensvel

    para a soluo dos problemas supramencionados, e que se referem delao da heranapor testamento, objeto deste captulo. So eles:

    a) a maneira pela qual os romanos consideravam a herana para efeito.de diviso; eb) a circunstncia de que os vrios herdeiros podiam ser institudos disiunctim (se-

    paradamente) ou coniunctim (conjuntamente).Os romanos consideravam a herana como uma unidade, que denominavam as, e

    que se dividia em doze partes iguais (unciae-onas). Cada uma dessas fraes tinha de-nominao especfica, a saber:85

    1/2 do as uncia (uma ona);2/12 do as (ou 1/6) sextans (duas onas);3/12 do as (ou 1/4) .. quadrans (trs onas);4/12 do as (ou 1/3) .. triens (quatro onas);5/12 do as quincunx (cinco onas);6/12 do as (ou 1/2) semis (seis onas);7/12 do as . . . . . . septunx (sete onas);8/12 do as (ou 2/3). . bes (oito onas);9/12 do as (ou 3/4). . dodrans (nove onas);10/12 do as (ou 5/6) . . dextans (dez onas); e11/12 do as deunx (onze onas).

    Note-se, porm, que o testador (vide nota 81 do Captulo LV) podia dividir a heran-a, no testamento, em maior ou menor nmero de fraes do que as doze onas de que seconstitua o as.

    85 Inst.,1I, l4, 5.

    DIREITO ROMANO 731

    Por outro lado, quando vrios eram os herdeiros institudos, eles poderiam s-lo di-siunctim ou coniunctim (e, at, alguns disiunctim e outros coniunctim).

    Os herdeiros eram institudos disiunctim quando cada um o era por quota diferente,e em frase diversa. Assim, por exemplo, na seguinte instituio de vrios herdeiros - Caiuspro triente heres esto, Titius pro quadrante heres esto, Maeuius pro reliqua parte heresest (Que Caio seja herdeiro de quatro onas; que Tcio seja herdeiro de trs onas; e queMvio seja herdeiro do restante) -, cada um dever receber uma parte da herana, dife-rente da do outro, bem como institudo herdeiro em frase distinta.

    Mas os herdeiros tambm podiam ser institudos coniunctim, o que se fazia por umadestas trs modalidades:

    a) coniunctim re et uerbis (conjuntamente pela coisa e pelas palavras): quando osherdeiros eram institudos para a mesma parte da herana (coniunctim re), e na mesmafrase (coniunctim uerbis); exemplo: Caius et Titius ex semine heredes sunto, Maeuius exaltero semine heres esta (Que Caio e Tcio sejam herdeiros da metade do as; que Mvioseja herdeiro da outra metade), onde Caio e Tcio eram herdeiros coniunctim re et uerbis;

    b) coniunctim re tantum (conjuntamente, apenas pela coisa): quando os herdeiroseram institudos para a mesma parte da herana (caniunctim re), mas em frases distintastdisiunctim uerbis); exemplo: Caius ex semisse heres esto, Titius ex parte qua Caius ins-tituitur, heres esto, Maeuius ex altero semisse heres esto (Que Caio seja herdeiro da me-tade da herana; que Tcio seja herdeiro da metade da parte que couber a Caio; e queMvio seja herdeiro da outra metade da herana); onde Caio e Tcio eram herdeiros coni-unctim re tantum; e

    c) coniunctim uerbis tantum (conjuntamente, apenas pelas palavras): quando osherdeiros eram institudos na mesma frase (coniunctim uerbis), mas para partes diferen-tes da herana (disiunctim re); exemplo: Caius pro triente heres esto et Titius pro qua-drante heres esto, Maeuius pro reliqua parte heres esto (Que Caio seja herdeiro dequatro onas do as e que Tcio seja herdeiro de trs onas do as; que Mvio seja herdeiroda parte restante); onde Caio e Tcio eram herdeiros coniunctim uerbis tantum.

    318. Substituies - A substituio (substitutio) ocorre quando dois ou mais indi-vduos so institudos herdeiros sucessivamente, de onde resulta que o seguinte (heressubstitutus) substitui o anterior se este no quiser ou no puder aceitar a herana.

    Trs so as espcies de substituio, no direito romano:a) substituio vulgar (uulgaris substitutio);b) substituio pupilar (pupillaris substitutio); ec) substituio quase-pupilar (tambm denominada substituio exemplar - ad

    exemplum pupillaris substitutionis).As duas primeiras j exstiamno direito clssico; a ltima surgiu no direitojustinianeu.Estudemo-Ias separadamente.

    A) Substituio vulgar

    A substituio vulgar - que tinha essa denominao por ser amais comumente utili-zada - a instituio condicional de um herdeiro (heres substitutus) para substituir outro

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    institudo em primeiro lugar, se este no quiser (casus uoluntatisy ou no puder (casusimpotentiae) aceitar a herana. Assim, por exemplo: Caius heres esta; si Caius heres nonerit, Stichus heres esta (Qua Caio seja o herdeiro; se Caio no for o herdeiro, que o sejaTcio).86

    Por esse conceito, verifica-se que a substituio vulgar apresenta as seguintes ca-ractersticas:

    a) uma instituio de herdeiros (logo, aplicam-se a ela as regras de forma e de fun-do da heredis institutio); e

    b) uma instituio de herdeiro sob condio suspensiva, decorrendo disso estasconseqncias:

    1- em geral, para que a situao do substitudo seja definida dentro de espao ra-zovel de tempo (seno, o substitutus tem de esperar at que o institudo renuncie a he-rana, ou se torne incapaz de aceit-Ia, ou morra), o testador estabelece uma cretio (isto ,fixa, no testamento, prazo - em geral, de cem dias, e a partir da data em que o institudosouber da instituio e em que puder deliberar- para que o herdeiro institudo aceite a he-rana, sob pena de, no o fazendo, ela passar para o substituto); e

    2 - s haver a delao da herana ao substituto se ocorrer a condio (ou seja, se oinstitudo no quiser ou no puder aceitar a herana );87 essa regra, porm, comporta duasexcees:

    a) existe um caso88 em que o substituto substitui o institudo Sem a ocorrncia dacondio: a hiptese de um