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III SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2014 351 351 Morfoanatomia Foliar de Pouteria sp. nov. (Sapotaceae) em Ambiente de Sol e Sombra S. Leite 1* , A. Alves-Araújo 1 & E. M. Aoyama 1 1 UFES/CEUNES - Departamento de Ciências Agrárias e Biológicas, Universidade Federal do Espírito Santo, Centro Universitário Norte do Espírito Santo. *Email para correspondência: [email protected] Introdução A restinga é um ecossistema litorâneo, associado ao bioma Mata Atlântica, que ocorre sobre sedimentos arenosos do Quaternário, de origem marinha, em planícies costeiras (Suguio&Tessler, 1994 apud Silva & Azevedo, 2007). Sapotaceae Juss. Apresenta distribuição pantropical e possui cerca de 58 gêneros e 1.250 espécies, dos quais 12 gêneros e cerca de 250 espécies são registradas para o Brasil. (Carneiro et al., 2014). A família possui representantes predominantemente arbóreos, latescentes e frequentemente com tricomasmalpiguiáceos (Souza &Lorenzi, 2005). As folhas são alternas, simples, pecioladas com bases e ápices apresentando um amplo espectro de variação. Os caracteres foliares provêm uma rica fonte de informação para distinção taxonômica tanto em nível genérico quanto específico. A venação foliar é um dos mais bem empregados e de fácil reconhecimento dentre os caracteres com valor taxonômico utilizado em Sapotaceae (Alves-Araújo, 2012). Pouteria Aubl. é o gênero mais representativo com cerca de 200 espécies exclusivamente Neotropical, tendo o Brasil uma representatividade expressiva (ca. de 12 spp.) (Carneiro et al., 2014). As espécies do gênero podem ser encontradas em todos os biomas brasileiros, porém com dois principais centros de diversidade: as Florestas Amazônica e Atlântica. Dentre os táxons encontrados na Floresta Atlântica, Pouteria sp. nov. é registrada para as áreas de restinga da Bahia e do Espírito Santo e encontra-se em fase de descrição taxonômica. Com o objetivo de descrever e auxiliar o melhor entendimento acerca da biologia de Pouteria sp. nov., o presente estudo objetivou comparar a morfoanatomia foliar em espécimes ocorrentes em ambiente de sol e sombra.

Morfoanatomia Foliar de Pouteria sp. nov. (Sapotaceae) …III SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2014 351 351 Morfoanatomia Foliar de Pouteria sp. nov. (Sapotaceae)

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III SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2014 351

351

Morfoanatomia Foliar de Pouteria sp. nov. (Sapotaceae) em Ambiente de Sol e Sombra

S. Leite1*, A. Alves-Araújo1 & E. M. Aoyama1

1UFES/CEUNES - Departamento de Ciências Agrárias e Biológicas, Universidade Federal do Espírito Santo, Centro Universitário Norte do Espírito Santo. *Email para correspondência: [email protected]

Introdução

A restinga é um ecossistema litorâneo, associado ao bioma Mata Atlântica, que ocorre

sobre sedimentos arenosos do Quaternário, de origem marinha, em planícies costeiras

(Suguio&Tessler, 1994 apud Silva & Azevedo, 2007).

Sapotaceae Juss. Apresenta distribuição pantropical e possui cerca de 58 gêneros e 1.250

espécies, dos quais 12 gêneros e cerca de 250 espécies são registradas para o Brasil.

(Carneiro et al., 2014).

A família possui representantes predominantemente arbóreos, latescentes e frequentemente

com tricomasmalpiguiáceos (Souza &Lorenzi, 2005). As folhas são alternas, simples,

pecioladas com bases e ápices apresentando um amplo espectro de variação. Os caracteres

foliares provêm uma rica fonte de informação para distinção taxonômica tanto em nível

genérico quanto específico. A venação foliar é um dos mais bem empregados e de fácil

reconhecimento dentre os caracteres com valor taxonômico utilizado em Sapotaceae

(Alves-Araújo, 2012).

Pouteria Aubl. é o gênero mais representativo com cerca de 200 espécies exclusivamente

Neotropical, tendo o Brasil uma representatividade expressiva (ca. de 12 spp.) (Carneiro et

al., 2014). As espécies do gênero podem ser encontradas em todos os biomas brasileiros,

porém com dois principais centros de diversidade: as Florestas Amazônica e Atlântica.

Dentre os táxons encontrados na Floresta Atlântica, Pouteria sp. nov. é registrada para as

áreas de restinga da Bahia e do Espírito Santo e encontra-se em fase de descrição

taxonômica.

Com o objetivo de descrever e auxiliar o melhor entendimento acerca da biologia de

Pouteria sp. nov., o presente estudo objetivou comparar a morfoanatomia foliar em

espécimes ocorrentes em ambiente de sol e sombra.

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352 LEITE ET AL.:MORFOANATOMIA FOLIAR DE POUTERIA SP. NOV.

Material e Métodos

A área de estudo foi o Parque Estadual de Itaúnas, município de Conceição da Barra, ES,

que possui dentre as suas formações vegetacionais principais a restinga. A coleta ocorreu

em dezembro de 2013 e o material vegetal fértil ainda será coletado para ser depositado no

Herbário da Universidade Federal do Espírito Santo-VIES. Foram coletadas 15 folhas de

quatro plantas no ambiente de sol e 15 folhas de duas plantas no ambiente de sombra,

retiradas do 2° ao 8° nó. Para análises biométricas avaliou-se 15 folhas do ambiente de sol

e 15 do ambiente de sombra quanto aos parâmetros: comprimento e largura do limbo,

comprimento e diâmetro do pecíolo, sendo este último realizado com o auxílio de

paquímetro digital. Para descrição morfológica foram classificadas de acordo com Hickey

(1973), quanto aos seguintes parâmetros: forma, bordo foliar, ápice, base, consistência,

nervação e superfície do limbo.

Para o estudo anatômico as folhas foram fixadas em FAA (formaldeído:ácidoacético:álcool

etílico 50%, 2:1:18, v/v), de acordo com Johansen (1940), mantidas por 48 horas e

posteriormente transferidas e armazenadas em etanol 70%. Para análises anatômicas foram

realizados secções transversais de bordo foliar, nervura central e pecíolo, sendo submetidas

às técnicas usuais de anatomia vegetal, à mão livre, com auxílio de lâmina de barbear e

isopor.

Para os estudos das superfícies foliares, foram analisadas secções paradérmicas de ambas

as faces. Em seguida foram clarificadas com solução de hipoclorito de sódio 25%, coradas

com azul de astra 1% e safranina% (Bukatsch, 1972), montadas entre lâmina e lamínula

com gelatina glicerinada.

As lâminas foram analisadas em microscópio fotônico e as imagens obtidas através de

fotomicroscópio, com projeção de escalas micrométricas.

Resultados e Discussão

Os resultados morfológicos caracterizaram a folha com forma lanceolada, margem inteira,

ápice variando de agudo a acuminado, base acuneada, consistência coriácea, nervação

eucamptódromae superfície do limbo glabra e lisa. Conforme Monteiroet al. (2007),

Sapotaceae são frequentemente coletadas sem flores, mas alguns caracteres vegetativos

podem ser úteis, em especial, entre elas a nervação das folhas.

As folhas do ambiente de sol e sombra não apresentaram diferenças significativas em

relação aos dados biométricos (Tabela 1).

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III SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2014 353

353

Tabela 6. Dados biométricos das folhas de Pouteriasp.nov. em ambientes de sombra e solmédia seguidas de mesmas letras na coluna não diferem significantemente entre si, pelo teste de Tukey, no nível de 5% de probabilidade (± desvio padrão). Planta de ambiente de sombra Planta de ambiente de sol Comprimento total da folha (cm) 15,69 ± 2,71 a 14,46 ± 2,26 a

Largura (cm) 4,34 ± 0,47 a 4,47 ± 0,73 a

Comprimento do pecíolo (cm) 1,85 ± 0,38 a 1,70 ± 0,25 a

Diâmetro do pecíolo (cm) 2,14 ± 0,23 a 2,18 ± 0,20 a

Os resultados anatômicos apresentaram diferenças em relação às paredes celulares ao

serem comparadas em ambiente de sol e sombra. De acordo com a análise anatômica as

folhas de sol em vista adaxial, apresentaram as paredes celulares das células epidérmicas

lisas ou levemente curvadas, enquanto que as mesmas células na face abaxial apresentaram

paredes celulares sinuosas (figuras 1 e 2).

Nas folhas desombraobservaram-seem ambas as faces paredes celulares das células

epidérmicas sinuosas (figura 9 e 10).A folha é considerada como hipoestomática, pois há

estômatos apenas na face abaxial, observa-se também que tais estômatos são do tipo

diacítico (figuras 2 e 10).

Em secção transversal, a nervura central apresenta epiderme uniestratificada com a

presença de uma cutícula espessa na face adaxial (figuras 4 e 12), característica comum na

espécie Pouteriabullata(S.Moore) Baehni (Monteiroet al., 2007). O colênquima angular é

composto por quatro a seis camadas de células e o feixe vascular colateral é rodeado por

fibras.

A epiderme foliar das plantas de restinga pode apresentar uma série de características

interpretadas como adaptações a um ambiente com intensa radiação solar e restrições á

perda de água (Silva & Azevedo, 2007). Dentre essas características a planta em estudo

apresenta folhas hipoestomática, feixe vascular rodeado por fibras e cutícula espessa que

minimiza a perda de água e atua como barreira contra o excesso de radiação solar ou de

luminosidade.

O bordo foliar é levemente curvo, com células epidérmicas alongadas e uniestratificadas,

além disso, apresenta cutícula espessa (figuras 5 e 13).

O mesofilo é dorsiventral e apresenta cutícula espessa na face adaxial, sendo a face abaxial

menos espessa.

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354 LEITE ET AL.:MORFOANATOMIA FOLIAR DE POUTERIA SP. NOV.

Figuras 1 - 6- Secções foliares de Pouteria sp. nov.de plantas em ambiente de sol. 1- Secção paradérmica da face adaxial. 2- Secçãoparadérmica da face abaxial, evidenciando estômatos (seta). 3 a 6- Secções transversais.3- Vista geral da nervura central. 4- Detalhe da região da nervura central, evidenciando cutícula e parte dofeixe vascular rodeado por fibras (setas). 5- Bordo foliar curvo e cutícula espessa (seta). 6- Detalhe do pecíolo, evidenciando o feixe vascular rodeado por fibras (seta). 7- vista geral limbo. 8- Detalhe do parênquima paliçádico e lacunoso (seta).

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6 5

4 3

2

7 8

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III SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2014 355

355

Figuras 9 - 14- Secções foliares de Pouteriasp.nov.de planta em ambiente de sombra. 9- Secção paradérmica da face adaxial. 10- Secçãoparadérmica da face abaxial, evidenciando estômatos (seta). 11 a 12- Secções transversais. 11- Vista geral da nervura central. 12- Detalheda porço da nervura central, evidenciando feixe vascular rodeado por fibras (seta). 13- Bordo foliar curvo e cutícula espessa (seta). 14- Vista geral do limbo evidenciando parênquima paliçádico e lacunoso (seta). 15- Vista geral do pecíolo. 16- Detalhe do pecíolo evidenciando feixe vascular rodeado por fibras (seta).

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356 LEITE ET AL.:MORFOANATOMIA FOLIAR DE POUTERIA SP. NOV.

O parênquima paliçádico é constituído de duas a três camadas de células e de acordo com

Monteiroet al. (2007), a espécie Pouteria venosa (Mart.) Baehni também possui

parênquima paliçádico constituído por dois estratos celulares, ocasionalmente três. O

parênquima lacunoso é composto de seis a oito camadas.ConformePalazzo& Monteiro

(2010), essa característica é comum na espécie de Pouteriagrandiflora (A.DC) Baehni,

porém essa espécie apresenta parênquima paliçádico com até sete camadas de células,

indicando maior área celular.

O pecíolo possui cutícula espessa, epiderme uniestratificada, colênquima angular e o feixe

vascular rodeado por fibras (figuras 6 e 16). Entretanto o gênero Manilkara pertencente à

família Sapotaceae, apresenta características em comum com a espécie de estudo tais

como: cutícula espessa e epiderme uniestratificada (Almeida Jr., 2010), entretanto essas

características também podem está presentes em folhas de outras espécies de restinga

(Menezes et al., 2007).

Conclusão

A partir do estudo realizado pode-se concluir quenão houve diferenças biométricas, entre

as folhas de Pouteriasp. nov.no ambiente de sol e sombra, porém houve diferenças em

relação aos dados anatômicos, pois provavelmente a luminosidade foi suficiente para

ocasionar tais mudanças na anatomia da planta em estudo .

Literatura Citada

Almeida Jr., E. B. 2010. Diversidade de ManilkaraAdans. (sapotaceae) para o Nordeste do

brasil. Tese de Doutorado. Universidade Federal Rural de Pernambuco, UFRPE.

Alves-Araújo, A. 2012. Taxonomia e Filogenia de PouteriaAubl. (Sapotaceae) na Mata

Atlântica Setentorial. Tese de Doutorado. Universidade Federal de Pernambuco,

UFPE.

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v.61, 255p.

Carneiro, C. E.; Alves-Araujo, A.& Almeida Jr, E.B. 2014. Terra-Araujo,

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de Janeiro. Disponível em: <http://reflora.jbrj.gov.br/jabot/floradobrasil/FB217>.

Acessoem: 08 Abr. 2014

Hickey, L. J. 1973. Classification of the Architecture of Dicotyledonous Leaves. American

Journal of Botany 60( 1): 17-33

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III SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2014 357

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Johansen, D. A. 1940. Plant Microtechnique.McGraw- Hill, New York. Páginas?

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