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ReVEL, v. 13, n. 24, 2015 ISSN 1678-8931 258 BASSANI, I. S.; CARVALHO, J. M. R.; BARBOSA, J. W. C.; MINUSSI, R. D.; ARMELIN, P. R. G.; LAZZARINI-CYRINO, J. P.; RODERO-TAKAHIRA, A. G. Morfologia sem teleologia: uma resenha de Localism versus Globalism in Morphology and Phonology, de David Embick. ReVEL, vol. 13, n. 24, 2015. [www.revel.inf.br] MORFOLOGIA SEM TELEOLOGIA: UMA RESENHA DE LOCALISM VERSUS GLOBALISM IN MORPHOLOGY AND PHONOLOGY, DE DAVID EMBICK Indaiá De Santana Bassani 1,2 Janayna Maria Rocha Carvalho 2,3 Julio William Curvelo Barbosa 2,3 Rafael Dias Minussi 1,2 Paula Roberta Gabbai Armelin 2,3 João Paulo Lazzarini-Cyrino 2,3 Aline Garcia Rodero-Takahira 2,3,4 [email protected] 1. VISÃO GERAL DO LIVRO O livro Localism versus Globalism in Morphology and Phonology (2010), de David Embick, é um detalhado estudo de um fenômeno linguístico específico e de suas implicações para teorias de gramática. Mais especificamente, o livro se debruça sobre casos de alomorfia tanto gramatical quanto fonologicamente condicionadas a fim de investigar se são modelos derivacionais ou não-derivacionais que podem melhor explicar e predizer os casos de alomorfia nas línguas do mundo. Na introdução do livro, uma visão geral da discussão que será desenvolvida, bem como os pressupostos de análise dos modelos localistas e globalistas são apresentados. Para a 1 Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). 2 Grupo de Estudos em Morfologia Distribuída (USP). 3 Universidade de São Paulo (USP). 4 Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

MORFOLOGIA SEM TELEOLOGIA UMA RESENHA DE … · A teoria apresentada explora a ideia de que um tipo estrito de adjacência linear é requerido para alomorfia contextual, de um modo

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ReVEL, v. 13, n. 24, 2015 ISSN 1678-8931 258

BASSANI, I. S.; CARVALHO, J. M. R.; BARBOSA, J. W. C.; MINUSSI, R. D.; ARMELIN, P. R. G.;

LAZZARINI-CYRINO, J. P.; RODERO-TAKAHIRA, A. G. Morfologia sem teleologia: uma resenha de

Localism versus Globalism in Morphology and Phonology, de David Embick. ReVEL, vol. 13, n. 24, 2015.

[www.revel.inf.br]

MORFOLOGIA SEM TELEOLOGIA: UMA RESENHA DE LOCALISM

VERSUS GLOBALISM IN MORPHOLOGY AND PHONOLOGY, DE DAVID

EMBICK

Indaiá De Santana Bassani1,2

Janayna Maria Rocha Carvalho2,3

Julio William Curvelo Barbosa2,3

Rafael Dias Minussi1,2

Paula Roberta Gabbai Armelin2,3

João Paulo Lazzarini-Cyrino2,3

Aline Garcia Rodero-Takahira2,3,4

[email protected]

1. VISÃO GERAL DO LIVRO

O livro Localism versus Globalism in Morphology and Phonology (2010), de David

Embick, é um detalhado estudo de um fenômeno linguístico específico e de suas implicações

para teorias de gramática. Mais especificamente, o livro se debruça sobre casos de alomorfia –

tanto gramatical quanto fonologicamente condicionadas – a fim de investigar se são modelos

derivacionais ou não-derivacionais que podem melhor explicar e predizer os casos de

alomorfia nas línguas do mundo.

Na introdução do livro, uma visão geral da discussão que será desenvolvida, bem

como os pressupostos de análise dos modelos localistas e globalistas são apresentados. Para a

1 Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). 2 Grupo de Estudos em Morfologia Distribuída (USP). 3 Universidade de São Paulo (USP). 4 Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

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compreensão da discussão empreendida, devemos primeiramente esclarecer o que são

modelos localistas e globalistas. Como o autor salienta, na página 2 de seu texto, a discussão

teórica, no âmbito da alomorfia, coteja visões presentes em trabalhos de linhas derivacionais

e não-derivacionais de gramática. Todavia, essa terminologia é muito genérica e, tendo em

vista o fenômeno analisado, o autor opta por nomes mais específicos que vão sinalizar o

aspecto crucial em que essas duas amplas vertentes de estudo gramatical divergem. Assim, a

terminologia [teorias] localistas e [teorias] globalistas5,6

é adotada.

Nas teorias derivacionais em questão, a alomorfia é decidida localmente, ou seja, deve

haver algum elemento gramatical ou fonológico, em um determinado contexto, para que a

alomorfia seja uma possibilidade. Em teorias globalistas, pelo contrário, o elemento ou os

fatores que “forçam uma mudança no output” não precisam estar estruturalmente perto do

lócus de alomorfia. Outras terminologias, adotadas para deixar ainda mais transparente a

diferença entre essas duas grandes vertentes de gramática, são [derivação] em série e

[derivação] em paralelo.7 Novamente, essas terminologias refletem propriedades específicas

das vertentes de modelos de gramática estudadas. Em modelos localistas e com derivação em

série, a geração de expressões linguísticas ocorre por meio de uma série de pequenas

mudanças locais. Em modelos globalistas e com derivação em paralelo, a geração de

expressões linguísticas é representacional. Uma forma de input é pareada a um conjunto de

potenciais produtos e o melhor candidato para essa forma de input será determinado a partir

de um sistema de ranqueamentos. O vencedor, isto é, a melhor forma para o input em questão,

é o candidato óptimo com relação ao sistema de ranqueamentos.

Esse afunilamento de modelos derivacionais e não-derivacionais de gramática

corresponde a dois modelos de gramática, cujos pressupostos são radicalmente diferentes,

respectivamente Morfologia Distribuída (MD) e Teoria da Otimidade (TO). Essas serão as

duas teorias que embasarão a discussão empírica do livro e a discussão teórica.

Ainda na introdução, Embick apresenta brevemente conceitos que serão essenciais

para que se entenda a parte 1 do livro, em que é desenvolvida uma teoria localista para a

alomorfia. Mais detalhadamente, na parte 1, defende-se que a alomorfia contextual é restrita

por ciclos de fase e por noções lineares de localidade – daí o nome C-LIN, dado à teoria, em

que C se relaciona à condição de ciclicidade e LIN à de linearidade. Em última análise, então,

a alomorfia é fruto da inserção de vocabulário, operação pela qual morfemas recebem um

5 No original: localism e globalism.

6 Todas as traduções e adaptações foram feitas por nós. 7 No original: serialist models e parallelist models.

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expoente fonológico. Em outras palavras, como os morfemas são desprovidos de material

fonológico quando são manipulados na sintaxe na MD, a alomorfia só fica visível após essa

operação. O processo de inserção fonológica da morfologia de passado, no inglês, é um bom

exemplo de alomorfia contextual condicionada gramaticalmente.

(1) Itens de vocabulário para T

- T[passado] ↔ -t /___ {√LEAVE, √BEND, ....}

- T[passado] ↔ -Ø /___ {√HIT, √SING....}

- T[passado] ↔ -d

(EMBICK, 2010, p. 12)

O esquema (1) ilustra que determinados tipos de raízes são desencadeadores de

expoentes alomórficos para o morfema gramatical de passado no inglês. Do ponto de vista

teórico, o caso exemplificado demonstra que elementos não-cíclicos da derivação, como é o

caso de T (cf. CHOMSKY, 2008), podem ser o lócus de alomorfia contextual, determinada

pela raiz, contanto que um elemento não-cíclico, entre a raiz e T, não seja fonologicamente

realizado. Ou seja, no caso em tela, o v categorizador do verbo não deve ser pronunciado para

que a alomorfia seja manifestada na inserção vocabular nos contextos relevantes.

Dessa exposição do caminho analítico do livro e das ferramentas necessárias para que

a perspectiva localista seja desenvolvida, percebemos que a relevância do livro é maior do que

descrever e explicar os casos de alomorfia. Localism versus Globalism in Morphology and

Phonology é uma ferramenta para que se detalhem os mecanismos gerativos presentes na

fonologia e para que a adequação da aplicação do modelo gerativo de sintaxe, tal como o

concebemos hoje, a outros módulos da gramática seja amplamente debatida, exemplificada e

detalhada.

2. LOCALIDADE E ALOMORFIA

No capítulo 2, Embick desenvolve detalhadamente uma teoria de localidade

alomórfica que está centrada na interação de domínios cíclicos e lineares. A questão básica,

colocada em pauta, diz respeito às condições sobre as quais um nó terminal pode ter sua

fonologia determinada por itens em seu contexto. Isto é:

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(2) Questão da localidade da alomorfia

Para a alomorfia contextual de um dado nó, quais fatores no ambiente desse nó são

visíveis?

(EMBICK, 2010, p. 30)

O autor assume que a chave das questões teóricas sobre os efeitos morfológicos são

determinadas em um sistema que tem: (i) derivação cíclica; (ii) relações estruturais

hierárquicas, portanto determinadas pela sintaxe; e (iii) relações lineares derivadas, a partir da

estrutura hierárquica (no componente PF da gramática, por hipótese).

A teoria apresentada explora a ideia de que um tipo estrito de adjacência linear é

requerido para alomorfia contextual, de um modo que interage com uma teoria cíclica que é

“ativa” em um estágio particular de uma derivação. A ideia central é que um nó pode ser

sensível a outro nó, para fins de alomorfia, apenas quando os dois nós são linearmente

adjacentes. Contudo, para os casos em que a adjacência linear na superfície não é suficiente, a

estrutura cíclica tem o seu papel: é apenas quando dois nós estão presentes no mesmo ciclo de

PF que eles podem interagir potencialmente.

Os itens vocabulares não têm fonologia como parte de sua representação básica e

devem ser estocados na memória. Em (1), acima, mostramos os IVs para o nó de tempo

(passado) do inglês, que será realizado por um desses IVs, cuja representação está em (3):

(3) Estrutura

T 3

v T 3

√RAIZ v

(EMBICK, 2010, p. 31)

Há duas propriedades importantes sobre como esse processo se dá: a. Ordenação - IVs

são ordenados (de acordo com especificidade, no caso normal); e b. Exclusividade - Apenas

um IV pode aplicar-se a um nó terminal. Em princípio, mais de um IV poderia se aplicar ao

nó T [passado]. No entanto, pela propriedade em a., uma vez que um IV vence, outros IVs

potenciais são excluídos, em um tipo de bloqueio (blocking) 8

.

8 Para um detalhamento dessa noção de bloqueio, ver Embick e Marantz (2008). Em linhas gerais, os autores

argumentam que não há competição no nível de palavras e que somente morfemas competem por uma dada

posição. Essa ideia é também mencionada na seção 2 deste trabalho.

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No que diz respeito à Linearização, as estruturas sintáticas contêm apenas informação

hierárquica. Uma estrutura hipotética, como [X YP], tem uma linearização que produz uma

estrutura na qual X precede YP. Na estrutura abaixo, temos [V DP] sendo ordenado, de modo

que o verbo precede o DP.

(4) Estrutura

VP 3

V DP g 3

eat D NP g g the N g apple

(EMBICK, 2010, p. 33)

O primeiro estágio da linearização faz uso da informação de que o verbo precede seu

complemento, no inglês. É atribuída uma declaração à representação, em PF desse VP, que

codifica essa informação em termos de um operador binário *, que pode ser lido como “está

adjacente à esquerda”.

(5) (V * DP)

(EMBICK, 2010, p. 33)

Além da informação de que os núcleos e as frases estão próximos uns dos outros, um

tipo mais específico de informação deve estar presente na derivação de PF: os nós devem ser

concatenados uns aos outros. Desse modo, concatenação se refere a uma representação que é

exclusivamente linear. O autor representa a concatenação dos nós terminais com o símbolo ͡ ,

um operador binário que codifica uma precedência imediata.

Finalmente, os elementos concatenados devem ser encadeados dentro de uma

representação linear que pode ser empregada pelo sistema de input/output.

O autor assumirá, sem argumentos, que a representação encadeada é algo como se

encontra em c, em que o hífen é usado como símbolo de ligação.

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(6) Tipos de relações

a. Relações lineares por *: (V * DP), (D * NP)

b. Relações lineares por ͡ : V ͡ D, D ͡ N

c. Encadeados: V-D-N

(EMBICK, 2010, p. 34)

Ao tratar de forma fonológica, Embick retoma Embick e Marantz (2008), que

desenvolvem uma teoria mais avançada de MD, dentro da qual dois pontos são cruciais para

que a discussão comparativa seja feita: competição e visibilidade. Para o autor, competição é

restrita ao processo de Inserção Vocabular, no qual a forma fonológica de um morfema

simples é determinado. Não há, portanto, competição entre objetos complexos nessa teoria.

Quando a sintaxe gera a estrutura, por exemplo, “tempo passado do verbo leave”, tal

estrutura envolve um núcleo complexo, como em (7) a., no componente PF. Quando a lista de

IV é consultada, o expoente -t dever ser aplicado para o nó T[passado], como em (7) b.:

(7) a. Estrutura b. Após Inserção Vocabular

T T 3 3

v T[passado] v T[passado, -t] 3 3

√LEAVE v √LEAVE [v, Ø]

(EMBICK, 2010, p. 39)

Se a raiz √LEAVE não está na lista de IV para o expoente -t, o IV com -ed seria

inserido. Neste ponto, encontramos uma crítica formal às teorias globalistas baseadas na

existência de formas hipotéticas; porém, nunca realizadas. Para Embick, a forma hipotética

*leav-ed não tem nenhum estatuto na teoria. Ela não faz parte da gramática de nenhum modo,

porque as regras da gramática não a derivam. Desse modo, left não bloqueia *leaved, pois

essa não é gerada. Em uma teoria localista, a seleção alomórfica não pode fazer referência ao

output fonológico, ou a quaisquer fatores que requeiram competição entre formas complexas.

Uma consequência dessa visão é a de não ser possível analisar alomorfia como a

gramática, gerando todas as combinações de alomorfes possíveis e, então, bloqueando todos

alomorfes, com um vencedor ótimo no grupo.

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A noção de visibilidade, por sua vez, está ligada ao fato de que os elementos devem

ser visíveis uns aos outros na derivação. Assim, a teoria do que é visível, na representação em

PF, começa com a noção de ciclicidade.

Há duas noções de ciclicidade em jogo, e ambas se aplicam aos casos de alomorfia

contextual. A primeira é do tipo “de dentro para fora” (inside-out), na qual a Inserção

Vocabular se aplica primeiro ao nó mais encaixado na estrutura e, então, ela afeta outros nós

sucessivamente. O segundo tipo de ciclicidade é baseado na noção de fase no sentido de

Chomsky (2000, 2001) e Marantz (2001, 2007). Nesse último tipo, objetos podem interagir

apenas se eles estiverem ativos no mesmo ciclo de computação.

A partir deste ponto, o autor delineia a teoria de alomorfia contextual na MD, que,

para ele, é uma teoria de supleção, assumindo que o componente sintático da gramática é

derivacional e que as derivações operam em termos de domínios cíclicos. Assim sendo,

núcleos definidores de categoria, tais como n e v, são núcleos cíclicos.

Como n e v são elementos funcionais, há algo a se dizer sobre o vocabulário funcional

da língua e a noção de ciclicidade. O vocabulário funcional da língua, ou seja, tudo o que não

é raiz, consiste de dois tipos de núcleos: núcleos cíclicos, como definido acima, e núcleos

funcionais não-cíclicos, aqueles que não definem categorias.

Inicia-se a discussão de um tipo de teoria para alomorfia chamada, inicialmente, de

Teoria C0. Tal teoria diz que: apenas no domínio mais interno (inner), a alomorfia específica à

raiz pode ser encontrada, o que torna essa teoria bastante restritiva.

As seguintes generalizações (G), baseadas na literatura sobre alomorfia, devem ser

levadas em conta para tal:

(G1) Um núcleo x cíclico anexado à Raiz pode ver a Raiz, ou seja, é sensível a propriedades

desse elemento;

(G2) Um núcleo X não cíclico pode ver a Raiz mesmo que haja um núcleo x cíclico

interveniente, contanto que x não seja fonologicamente realizado, ou seja, nulo.

(G3) Quando há dois núcleos cíclicos x e y em uma estrutura como [[√RAIZ x] y], parece

que y não pode ver a Raiz, mesmo que x seja nulo. Isto é, elementos no domínio

externo ou núcleos que “mudam a categoria” não parecem ser sensíveis à Raiz.

(adaptado de EMBICK, 2010, p. 48)

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Após demonstrar que a teoria C0 é empiricamente restrita, Embick sugere a

reformulação da mesma. Ao aspecto de ciclicidade da teoria, é adicionado o de linearidade,

resultando na versão denominada C1-LIN. Um aspecto a destacar, durante a proposta de

reformulação, é o modo organizado e lógico com o qual o autor apresenta suas hipóteses e

assunções, testando-as empiricamente, propondo corolários e chegando a generalizações.

Além de facilitar a compreensão, o texto se torna um exemplar do tipo de raciocínio

linguístico que deve sustentar uma análise formal. As hipóteses (H) seguintes guiam a

reformulação da teoria, de C0 a C1-LIN, em que H2 reforça o aspecto cíclico e H1 introduz o

aspecto linear:

(H1) Alomorfia contextual só é possível com elementos que estão concatenados por ͡ .

(H2) Domínios cíclicos de spell-out definem quais núcleos estão presente em um determinado

ciclo da computação de PF e, logo, estão potencialmente ‘ativos’ (visíveis) para os

propósitos de alomorfia contextual. Em alguns casos, nós superficialmente adjacentes

não podem influenciar um ao outro alomorficamente porque, em termos de spell-out

cíclico, não estão ativos no mesmo ciclo de PF.

(adaptado de EMBICK, 2010, p. 48)

A reformulação de fato se dá com base em uma série de assunções sobre derivações

sintáticas, como, por exemplo, a assunção de que núcleos categorizadores definem fases que

desencadeiam spell-out (Marantz, 2001) e, ainda, o estatuto de elemento de borda (edge) para

núcleos da fase (Chomsky, 2001). Propõe, ainda, que núcleos não cíclicos, localizados entre o

primeiro e o segundo categorizador, têm estatuto interfásico (edge+). A partir dessas

assunções sobre a derivação sintática, o autor chega às seguintes assunções para o spell-out

(SO) na formação de palavras derivadas, devidamente demonstrada por estruturas hipotéticas

que não poderemos reproduzir aqui (Cf. Embick, 2010, p. 52). SO1 dá os princípios gerais de

spell-out, SO2 detalha qual tipo de complemento pode sofrer esse processo e SO3 se refere a

qual material se torna inativo para a continuidade da derivação após a aplicação de SO1 e

SO2:

(SO1) Quando o núcleo cíclico x é concatenado, domínios cíclicos no complemento de x

sofrem spell-out;

(SO2) A concatenação do núcleo cíclico y gatilha o spell-out de domínios cíclicos no

complemento de y (SO1). Para um domínio cíclico nucleado por x no complemento de

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y, o complemento de x, o núcleo de x, que é x, e qualquer elemento edge+ concatenado

ao domínio de x sofre Inserção de vocabulário;

(SO3) O material no complemento de um núcleo cíclico que sofreu spell-out não está ativo

nos ciclos subsequentes de PF. Ou seja, o complemento de um núcleo cíclico x não

está presente no ciclo de PF em que o próximo núcleo cíclico y sofrerá spell-out.

(EMBICK, 2010, pp. 51-54)

Partindo da hipótese de que essas afirmações são verdadeiras, dois corolários são

propostos:

(8) Corolário de Domínio: o núcleo cíclico x não está presente no ciclo de computação

em PF, que é desencadeado pela concatenação de x. Então, x não está sujeito a

Inserção Vocabular (e então não pode sofrer nenhum processamento fonológico) até o

próximo ciclo de spell-out, quando está no domínio de outro núcleo cíclico.

(EMBICK, 2010, p. 56)

(9) Corolário de Atividade: Em [[…x]y], x, y ambos cíclicos, o material no complemento

de x não está ativo no ciclo de PF em que y sofre spell-out.

(idem)

A teoria C1-LIN é, então, testada frente aos exemplos de nominalizações derivadas

com estrutura …RAIZ] n] (ex. marriage) vs. nominalizações gerundivas, com estruturas

…RAIZ] v]n] (ex. marrying). Nesse momento, um dos pontos menos claros da teoria é

apresentado. Para destacar o aspecto de linearidade em estruturas do tipo … RAIZ]x]Z], em

que um núcleo não-cíclico Z pode mostrar alomorfia contextual determinada pela raiz se o

expoente do núcleo cíclico interveniente for nulo, Embick assume uma operação de prunning

(poda) em núcleos cíclicos com expoente nulo em alguns contextos. Essa operação visa

reforçar H1, fazendo com que os núcleos fonte e alvo da alomorfia estejam concatenados no

momento da Inserção Vocabular. A implementação dessa operação não é explicitada, já que

ela não é categórica, mesmo quando há expoentes nulos, e não se consegue explicar

exatamente quais casos a desencadeiam. O autor deixa a questão em aberto para investigação

futura.

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3. COBERTURA EMPÍRICA

Apresentadas a teoria e as duas hipóteses para restringir padrões de alomorfia nas

línguas naturais, no capítulo 3, o autor passa a discutir estudos que são motivações ou

consequências de C1-LIN. A discussão inicial se concentra na parte linear da teoria. Se

alomorfia contextual é restrita à concatenação, então, é possível prever efeitos de intervenção

linear. Embick ressalta que intervenções de qualquer tipo revelam muito sobre localidade,

tanto na sintaxe quanto na fonologia. Para exemplificação, o indicativo perfeito do latim é

apresentado.

(10) Formas do perfeito de amō

Perfeito do Mais-que-perfeito Perfeito do Mais-que-perfeito Futuro

P/N indicativo do indicativo subjuntivo do subjuntivo do pretérito

1sg amā-v- ī amā-ve-ra-m amā-ve-ri-m amā-vi-s-se-m amā-ve-r-ō

2sg amā-v- istī amā-ve-rā-s amā-ve-rī˘-s amā-vi-s-sē-s amā-ve- rī˘-s

3sg amā-vi-t amā-ve-ra-t amā-ve-ri-t amā-vi-s-se-t amā-ve-ri-t

1pl amā-vi-mus amā-ve-rā-mus amā-ve-rī-mus amā-vi-s-sē-mus amā-ve-rī˘-mus

2pl amā-v- istis amā-ve-rā-tis amā-ve- rī˘-tis amā-vi-s-sē-tis amā-ve- rī˘-tis

3pl amā-v- ērunt amā-ve-ra-nt amā-ve-ri-nt amā-vi-s-se-nt amā-ve-ri-nt

(EMBICK, 2010, p.70.)

Assume-se que o morfema nó terminal Asp[perf] tem o expoente fonológico –vi, que é

o default para esse núcleo, e outros alomorfes (ve- e v-) seriam determinados pela raiz.

Linearmente após o expoente, estão morfemas associados ao tempo, ou tempo e modo, no

caso do subjuntivo. Esses morfemas intervêm linearmente entre a peça inserida no nó

Asp[perf] e o morfema final da palavra, Agr, o que ocorre em quase todos os tempos

mostrados em (10), mas não no presente do indicativo. Quanto à morfologia de concordância,

(10) apresenta mais de um alomorfe especial no perfeito do indicativo. Esses alomorfes

aparecem quando o nó Agr está linearmente adjacente ao morfema perfeito. O nó de Tempo é

sempre nulo no perfeito do indicativo. Quando um morfema aberto de Tempo intervém entre

Agr e Asp[perf], os expoentes “normais” de Agr ocorrem.

Embick discute que teorias exclusivamente cíclicas de localidade alomórfica não

conseguem explicar tais comportamentos, pois não há razão para pensar que o perfeito do

indicativo difere dos outros perfeitos quanto à sua estrutura cíclica. Agr está no mesmo ciclo

que Asp[perf] tanto no perfeito do indicativo quanto no mais-que-perfeito. Se a realização dos

nós de Agr para o perfeito obedecessem condicionamento cíclico, deveríamos encontrar

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terminações de concordância idênticas – -ī, -istī, e assim por diante. Também é difícil ver

como Agr estaria em um ambiente local com o núcleo Asp[perf], somente no perfeito do

indicativo, sob uma noção hierárquica de “comando”. Para explicar a distribuição dos

alomorfes especiais de Agr, Embick propõe que, no perfeito do indicativo, o núcleo T[pres]

tenha um expoente zero que é podado. Assim, os IVs apresentam formas de concordância

especiais devem ser especificados para uma condição contextual onde Asp[perf] é

concatenado com Agr.

A discussão segue abordando alguns tipos de efeitos de domínio que derivam da parte

cíclica da teoria. Uma consequência dessa teoria é o Corolário do Domínio, visto acima.

Assim, a teoria C1-LIN assume que não há afixos portmanteau ou fundidos na morfologia

derivacional (ANDERSON, 1992), pois a ausência de fusão é uma consequência de como

Spell-Out trabalha. Em estruturas com mais de um núcleo cíclico, como [[√ROOT x] y], x

sofre Inserção Vocabular em um ciclo no qual y não está presente e, logo, a fusão dos núcleos

cíclicos é impossível. Núcleos cíclicos internos não podem ver núcleos cíclicos externos

quando ocorre a Inserção Vocabular. Embick exemplifica esse ponto, apresentando interações

com núcleos cíclicos múltiplos. Na estrutura citada, x (ou o material no complemento de x)

pode mostrar alomorfia condicionada pela raiz, mas y não pode. Há sensibilidade em uma

direção para dentro (inward). Ou, então, y pode mostrar alomorfia determinada por x, mas um

núcleo cíclico interno, como x, não pode ter sua alomorfia condicionada por um núcleo

cíclico externo, y. Há sensibilidade em uma direção para fora (outward). Esse ponto deriva da

ideia de que são os domínios cíclicos nos complementos de núcleos cíclicos que sofrem spell

out.

Nesse contexto, espera-se que supleção como o resultado de alomorfia contextual deva

estar sujeita a condições de localidade, expressas na teoria C1-LIN. Um exemplo que implica

o Corolário de Domínio é visto com a supleção do verbo leve go, que é a realização de um

núcleo funcional representado como vgo. Os IV são: vgo ↔ went / ____T[passado]; e, vgo ↔

go. O ponto principal é que vgo, um núcleo cíclico, não pode sofrer spell out no ciclo que ele

induz. Se a Inserção Vocabular se aplicasse com vgo no ciclo determinado pelo núcleo, então

vgo sofreria spell out antes de concatenar com T, e a supleção de v condicionada por T seria

impossível.

Na segunda metade do capítulo, Embick retoma a discussão sobre alomorfia, iniciada

no capítulo 2, em especial as nominalizações, cujas realizações de um mesmo núcleo

funcional (cíclico), em posições diferentes, foram explicadas pela interação entre domínios

internos (raiz) e externos (fora de outros núcleos cíclicos). Essas interações são decorrentes da

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teoria de C1-LIN e do Corolário de Atividade, e mostram a diversidade de posições e de

níveis da estrutura em que um afixo pode ser inserido. Enquanto o capítulo 2 se debruça nos

exemplos de núcleos cíclicos que podem se prender tanto a raízes quanto a núcleos de

domínio externo, a seção 3.3 busca discutir os contextos de distribuição de alguns núcleos,

que podem aparecer tanto mais próximos à raiz quanto em posições externas, tais como o –ing

do inglês – externo nos gerúndios, interno nas nominalizações.

Na seção 3.3.1, Embick ilustra a discussão mencionando a possibilidade da forma –

sase ser um default, já que ocorre tanto como um afixo causativo da raiz – gerando um

causativo “lexical” – quanto como um causativo sintético (externo) no japonês

(MIYAGAWA, 1994). Na seção 3.3.2, Embick mostra que –ing não é uma realização default

de n e que efeitos de potencialização (i.e., tornar um elemento completamente produtivo)

garantem sua presença nas estruturas com v, a partir de uma especificação dos itens de

vocabulário (IVs) como (11):

(11) Nominalizações

n ↔ -al /LIST 1 ͡ __

n ↔ -age / LIST 2 ͡ __

n ↔ -tion / LIST 3 ͡ __

n ↔ -ing / LIST 4 ͡ __

n ↔ ⁞ ⁞

n ↔ -Ø /√Root ͡ __

LIST4 = {√LINE, √FILL, ..., vg, ...}

(EMBICK, 2010, p. 96)

A seção 3.4, por sua vez, discute as questões apresentadas no capítulo 1, sobre qual

teoria fonológica seria mais adequada/compatível quando se trata de um modelo que adota a

teoria C1-LIN, especialmente se as questões de comparação de objetos complexos forem

desconsideradas como contribuindo para a realização do output fonológico. Com isso,

Embick analisa três pontos da interface entre a morfologia e a fonologia. O primeiro deles, na

seção 3.4.1, diz respeito às regras de reajuste, que seriam desencadeadas por traços

específicos. Um exemplo é o contexto T[passado] desencadeando a alternância break →

broke. Essas regras seriam reflexo de efeitos de localidade compatíveis com a proposta C1-

LIN. Contudo, Embick sugere que competição na inserção vocabular seria diferente de tais

restrições lineares de alomorfia, pelo fato que IVs dependem de contextos restritos de

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ocorrência (i.e., traços compatíveis). Além disso, alomorfia contextual depende de condições

de localidade, como no caso do zulu (EMBICK, 2010, p. 99), em que o morfema de passiva

w- desencadeia palatalização de labiais da base do verbo, mesmo que haja um morfema

interventor entre esse morfema e a raiz; ainda assim, tal regra não é específica a um

morfema/raiz. Com essa questão (e outras) em mente, Embick propõe que as regras de

reajuste sejam condicionadas à localidade de C1 e às propriedades de ciclicidade de cada

morfema em questão.

Na seção 3.4.2, o foco recai sobre a alomorfia fonologicamente condicionada, que será

retomada na parte II do livro. Embick discute a sobreposição latente entre morfologia e

fonologia, mas defende que fonologia e morfologia devem ser tomados como componentes

separados.

A violação da condição de alomorfia fonologicamente condicionada é o tema da seção

3.4.3. Nela, Embick mostra que os casos do palauan, em que há alomorfia determinada pela

raiz, mesmo em casos em que outro morfema intervenha entre o morfema alterado e a raiz,

são processos fonológicos que marcam uma relação local na morfologia, isto é, quando a

inserção vocabular ocorre.

(12) Verbo Flexionado no Passado

3 T 3 VM Raiz

(EMBICK, 2010, p. 106)

Nos casos do palauan, a distribuição das formas perfectivas e estativas garantem que

existe adjacência entre a raiz e marcador verbal (VM), e que a infixação de –in- é regra

meramente fonológica, já que se adjunge indiscriminadamente ao elemento da direita. Logo,

uma proposta de alomorfia baseada em adjacência parece mais adequada e a teoria de C1-LIN

ganha argumentos mais fortes em sua defesa.

A seção 3.5. encerra o capítulo e, na parte I, em que se desenvolve uma teoria localista

de sintaxe e morfologia, são implementadas as operações fundamentais da derivação cíclica e

uma proposta de alomorfia que é produto da linearidade e ciclicidade. A partir dos próximos

capítulos, o objetivo é apresentar argumentos em favor de uma teoria localista e suas

interações com a fonologia (apesar de não trazer uma teoria fonológica extensa), bem como

defender que, mesmo que a teoria proposta não seja adequada para lidar com o fenômeno

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empírico apresentado, a interação entre morfologia e fonologia não interagem de forma a

exigir uma arquitetura globalista da Gramática.

4. TEORIAS GLOBALISTAS E LOCALISTAS EM COMPARAÇÃO

O capítulo 4 inicia a segunda parte do livro, que tem como objetivo comparar as

diferentes previsões empíricas, feitas por teorias localistas e globalistas, no domínio da

alomorfia fonologicamente condicionada. Antes, porém, o autor salienta as diferenças de

interação morfologia-fonologia, licenciadas em abordagens globalistas e localistas. Em uma

teoria localista, a interação entre morfologia e fonologia é possível, mas limitada. Assim, as

possíveis sensibilidades fonológicas, codificadas nas especificações contextuais no processo

de Inserção Vocabular, são localmente encapsuladas e operam sem qualquer referência a

ações posteriores no componente fonológico. O modelo localista não permite, portanto, que a

seleção de um alomorfe seja justificada com base na fonologia da palavra completa. Essa

sensibilidade fonológica restrita contrasta fortemente com o tipo de interação permitida por

teorias globais, em que morfologia e fonologia são, na verdade, um único sistema, e qualquer

aspecto fonológico da palavra completa pode, em princípio, afetar a forma de um morfema

em qualquer lugar da palavra. A intuição que subjaz uma teoria desse tipo é a de que o output

da derivação obedece a padrões fonológicos globais das línguas e são esses padrões

fonológicos que determinam a escolha dos alomorfes.

O autor se refere ao processo de seleção de alomorfes guiado pelas propriedades

globais da fonologia como Seleção Fonológica, que é dividida em dois tipos: (i) Seleção

Fonológica propriamente dita, em que restrições impostas pela fonologia da língua

desempenham, pelo menos, algum papel na seleção de alomorfes, de modo que referências a

propriedades globais sejam necessária e (ii) Seleção Fonológica Forte, segundo a qual todos

os casos de alomorfia fonologicamente condicionada deveriam ser determinados

exclusivamente pelos padrões fonológicos da língua.

No debate teórico, o autor aponta que a crítica, apresentada por teorias que assumem

qualquer tipo de Seleção Fonológica, é a de que teorias localistas perdem generalizações a

respeito dos padrões de distribuição de alomorfes e são, portanto, inadequadas do ponto de

vista explicativo. O autor rebate essa crítica, afirmando que generalizações a respeito da

relação entre a forma de superfície global e a escolha dos alomorfes devem caber a outros

domínios, tais como a diacronia, a aquisição, o processamento, entre outros, e não à gramatica

propriamente dita. Ao responder à crítica teórica de teorias globalistas contra a abordagem

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localista, o que sobra é a comparação do alcance empírico de uma e outra teoria. A questão

central do livro, a partir daí, é investigar se há algum caso em que a distribuição dos

alomorfes requeira uma interação global entre morfologia e fonologia, de modo que uma

abordagem localista não seja capaz de derivar os fatos.

Na sequência, o autor mostra que a Seleção Fonológica Forte não funciona, o que fica

evidente em, pelo menos, dois casos: (i) a alomorfia é determinada fonologicamente, mas os

outputs resultantes são inesperados do ponto de vista da fonologia normal da língua e (ii) a

fonologia normal da língua é incapaz de escolher entre os alomorfes disponíveis, uma vez que

nenhum dos candidatos viola qualquer restrição fonológica. O caso em (i) é ilustrado através

da alomorfia no determinante, definido do crioulo haitiano, cujos alomorfes são –a, depois de

bases que terminam em vogal, e -la, depois de bases terminadas em consoante.

(13) Nome Nome definido Glosa

tu tu-a ‘buraco’

papje papje-a ‘papel’

liv liv-la ‘livro’

pitit pitit-la ‘criança’

(adaptado de EMBICK, 2010, p. 125-126)

O problema para a Seleção Fonológica Forte é que a escolha dos alomorfes acima tem

como consequência a formação de hiatos e de codas, exatamente o contrário do que se deveria

esperar levando em consideração a fonologia normal da língua.

O caso em (ii) é ilustrado através da alomorfia de genitivo em Djabugay, cujos

alomorfes são –n, depois de radicais que terminam em vogal, e –ŋun, depois de radicais

terminados em consoante.

(14) Absolutivo Genitivo Glosa

guludu guludu-:n ‘pomba’

gurra: gurra:-n ‘cachorro’

gaɲal gaɲal-ŋun ‘lagarto’

girrgirr girrgirr-ŋun ‘canário’

(EMBICK, 2010, p. 129)

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Embick retoma a análise de Kager (1996), em que a restrição que evita codas

complexas é assumida como o fator fonológico que determina (em parte) a distribuição dos

alomorfes. De fato, tal restrição evita a anexação de -n a radicais que terminam em consoante.

O problema é que a restrição em questão não exclui a possibilidade de que –ŋun se anexe a

radicais terminados em vogal, uma vez que nem guludu-:n, nem guludu-:-ŋun, por exemplo,

violam a restrição contra codas complexas.

A solução encontrada, para os dois casos acima, é assumir que as restrições

fonológicas globais são atuantes, mas junto a elas restrições morfológicas também são

responsáveis por determinar a seleção de alomorfes. O ponto central, evidenciado pelo autor,

é que, mesmo em casos simples e isolados de alomorfia fonologicamente condicionada,

somente as restrições fonológicas não conseguem determinar a distribuição completa dos

alomorfes.

5. REAVALIANDO CASOS DE COMPUTAÇÃO GLOBAL

Poderia haver algum tipo de fenômeno, em alguma língua, que somente pudesse ser

explicado se assumíssemos uma computação global de morfologia e fonologia? No sexto

capítulo do livro, Embick busca por esse tipo de fenômeno e encontra uma série de casos que,

aparentemente, poderiam ser resolvidos globalmente, mas que – se observados com detalhe –

acabam também sendo facilmente explicados por computação local e cíclica.

De forma abstrata, casos que requereriam uma computação global ao invés da local

seriam aqueles em que a fonologia local favorece a ocorrência de um alomorfe, mas a

fonologia de um morfema fora do domínio local desse alomorfe, ou mesmo a totalidade da

fonologia da palavra, favoreceriam a ocorrência de outro alomorfe. A busca por esses casos se

relaciona diretamente ao fenômeno da opacidade, que consiste na remoção, na forma

superficial, do fator fonológico que desencadeia a ocorrência de determinado

alomorfe/alofone. Esse tipo de fenômeno é importante no debate globalismo vs. localismo na

medida em que permite a discussão sobre aplicação paralela vs. serial de restrições/regras.

Nesse sentido, para o autor, há uma série de casos de opacidade que, na verdade,

evidenciam a computação local em detrimento da global. Alguns casos podem ser vistos em

turco. Há uma regra fonológica na língua que apaga consoantes velares em contextos

intervocálicos, quando em fronteira de morfemas. Essa regra interage de forma bastante

interessante com as epênteses da língua. Por exemplo, no caso das marcas possessivas de

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primeira pessoa, -m, há inserção de uma vogal epentética após uma base terminada em

consoante e de acordo com a harmonia vocálica da língua: ver exemplo b. em (15):

(15) a. ölçü (medida) ölçü -m (minha medida)

b. el (mão) el-im (minha mão)

(EMBICK, 2010, p. 159)

No entanto, quando a base é terminada em consoante velar, como no caso de ajak

(‘pé’), abaixo, a consoante é apagada, mas a epêntese continua se aplicando. Vejamos os

passos que derivam a forma final aja-ɪm (‘meu pé’) e não *ajak-ɪm, como se esperaria pela

fonologia global da língua.

(16) a. ajak-m input

b. ajak-ɪm epêntese

c. aja-ɪm apagamento da consoante velar

(EMBICK, 2010, p. 159)

O autor mostra que esse tipo de caso só pode ser derivado propriamente considerando-

se serialização de regras. A computação das restrições do turco, em TO, por exemplo, levaria

à derivação justamente das formas agramaticais.

Nenhuma teoria localista conseguiria explicar, no entanto, o seguinte caso: se, em uma

ordem de morfemas A-B-C, o morfema A fosse inserido em função da métrica total da

palavra. Isso levaria à dependência dos morfemas B e C para a inserção de A, acarretando em

um look-ahead para uma proposta localista. Para uma teoria globalista, no entanto, esse tipo

de caso é facilmente explicado via hierarquia de restrições. O autor diz, no entanto, que não se

encontra esse tipo de caso entre as línguas. Encontram-se, sim, casos que sugerem

computação global, mas que, sob um olhar mais detalhista, a computação local apresenta um

papel crucial. Esse é o caso da língua sami (Lapônia), que apresenta marcas de conjugação

passiva de acordo com o número de sílabas da base. Bases com sílabas pares recebem uma

marca dissilábica e bases com sílabas ímpares uma marca monossilábica. Uma teoria

globalista resolveria o caso assumindo uma restrição de que as sílabas das palavras devem

sempre manter um número par (esse o resultado final da aplicação desses morfemas). A

questão é que a computação não parece global, mas sim, local. O autor apresenta mais uma

série de casos semelhantes a esse, incluindo um estudo de caso dos paradigmas flexionais do

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tempo perfeito (perfectum) em latim e sempre chega à conclusão de que a alomorfia – levando

em conta um grande número de interações na língua – é um fenômeno melhor abordado em

termos de computação local.

É interessante a forma com que se aborda o fato da previsão da computação global ser

bastante simples: se elas estão corretas, deve haver línguas em que fatores globais

predominam sobre fatores locais na escolha de um alomorfe. Isso não parece ocorrer em

nenhum dos casos encontrado pelo autor. Mesmo nos casos que mais poderiam favorecer a

computação globalista, como do sami, visto acima, uma série de computações possíveis são

descartadas porque a derivação sempre parece levar em conta um domínio hierárquico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao formalizar como as relações de linearidade fonológica podem interagir com as

relações de ciclicidade sintática para restringir os padrões de alomorfia nas línguas do mundo,

a teoria C1-LIN apresenta uma importante contribuição e um avanço em relação a outros

trabalhos que haviam apontado brevemente tais fatos sem uma exposição sistemática dos

fenômenos.

Além disso, a proposta do livro, em si, já é uma importante contribuição aos estudos

linguísticos, visto que um exercício de análise de um fenômeno largamente encontrado nas

línguas do mundo, com vistas a examinar teorias linguísticas dissonantes, é algo quase

inexistente nas publicações de nossa área.

Por tais motivos, consideramos que a obra resenhada é leitura fundamental tanto para

linguistas que trabalham nos níveis de análise da morfologia e da fonologia, bem como em

suas interfaces, quanto para os que se utilizam de teorias localistas e globalistas como

background de pesquisa.

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