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31/10/2015 Morte digna: visões da medicina e do direito sobre o fim da vida humana | Artigos JusBrasil http://najlamitre.jusbrasil.com.br/artigos/250362504/mortedignavisoesdamedicinaedodireitosobreofimdavidahumana?print=true 1/9 Morte digna: visões da medicina e do direito sobre o fim da vida humana Publicado por Najla Mitre 8 horas atrás Introdução A morte digna é sem dúvida um dos capítulos fundamentais do final da vida humana. O princípio do respeito desenvolvimento dos meios de comunicação à dignidade humana, fundamento da República, é basilar para toda e qualquer norma jurídica. Não só esse deve ser observado, já que outros se impõem concomitantemente. Bioética e Direito são temas desenvolvidos nas últimas décadas, na busca de normatizações para acompanhar os avanços científicos e tecnológicos conflitantes com questões éticas e religiosas Acrescentese a tudo isto a divulgação desses temas de modo amplo com o acelerado poder do homem interferir nos processos biológicos da morte. Esse aparente controle da vida tem despertado a humanidade para a necessidade de preservála e a necessidade de colocar limites na atuação do cientista. A Bioética é definida na Enciclopédia da Bioética de 1978 como: “estudo sistemático da conduta humana nas áreas da ciência da vida e do cuidado da saúde, quando essa conduta se examina à luz dos valores e dos princípios morais ”. Promove assim a reflexão filosófica sobre os problemas morais, sociais e jurídicos proposto pelo desenvolvimento da civilização tecnológica contemporânea. Na verdade, antigas e não resolvidas questões como a do abortamento e a da Eutanásia, foram realimentadas com o aparecimento das técnicas de reprodução assistida e dos transplantes de órgãos e tecidos. Com isto, antigos e novos problemas apresentaramse nos últimos setenta anos. Mais de meio século foi necessário para que se tentasse sistematizar a análise e a discussão de uma série de situações decorrentes dos avanços da tecnologia, da biotecnologia e da Biomedicina, que se imbricam e põem em cheque valores morais, por suas gravíssimas consequências para a continuidade da vida. JusBrasil Artigos 31 de outubro de 2015

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Morte digna: visões da medicina e do direito sobreo fim da vida humanaPublicado por Najla Mitre ­ 8 horas atrás

Introdução

A morte digna é sem dúvida um dos capítulos fundamentais do final da vida humana.

O princípio do respeito desenvolvimento dos meios de comunicação à dignidade humana, fundamento daRepública, é basilar para toda e qualquer norma jurídica. Não só esse deve ser observado, já que outrosse impõem concomitantemente.

Bioética e Direito são temas desenvolvidos nas últimas décadas, na busca de normatizações paraacompanhar os avanços científicos e tecnológicos conflitantes com questões éticas e religiosas

Acrescente­se a tudo isto a divulgação desses temas de modo amplo com o acelerado poder do homeminterferir nos processos biológicos da morte. Esse aparente controle da vida tem despertado ahumanidade para a necessidade de preservá­la e a necessidade de colocar limites na atuação docientista.

A Bioética é definida na Enciclopédia da Bioética de 1978 como: “estudo sistemático da conduta humananas áreas da ciência da vida e do cuidado da saúde, quando essa conduta se examina à luz dos valorese dos princípios morais”. Promove assim a reflexão filosófica sobre os problemas morais, sociais ejurídicos proposto pelo desenvolvimento da civilização tecnológica contemporânea.

Na verdade, antigas e não resolvidas questões como a do abortamento e a da Eutanásia, foramrealimentadas com o aparecimento das técnicas de reprodução assistida e dos transplantes de órgãos etecidos.

Com isto, antigos e novos problemas apresentaram­se nos últimos setenta anos. Mais de meio século foinecessário para que se tentasse sistematizar a análise e a discussão de uma série de situaçõesdecorrentes dos avanços da tecnologia, da biotecnologia e da Biomedicina, que se imbricam e põem emcheque valores morais, por suas gravíssimas consequências para a continuidade da vida.

JusBrasil ­ Artigos31 de outubro de 2015

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As ciências sociais e as do comportamento não progrediram no mesmo ritmo das ciências naturais ebiológicas.

O Biodireito é o ramo do direito que trata da teoria, da legislação e da jurisprudência relativas às normasreguladoras da conduta humana em face aos avanços da Biologia, da Biotecnologia e da Medicina.

O objeto do Biodireito é matéria complexa, heterogenia e que confronta normas existentes que na maioriadas vezes lhe são estranhas.

A constituição brasileira recepcionou uma série de valores fundamentais como a vida e a dignidadehumana, tornando­se pedras angulares da Bioética moderna, e esses direitos por tal razão, devemconstituir a rede estrutural do Biodireito.

Desde os seus primórdios a espécie humana busca uma resposta para o mistério da morte. Os grandesvalores da vida podem originar­se da reflexão sobre a morte. “A chave para o problema da morte abre aporta da vida” no dizer de Elizabeth Kubler­Ross. A morte sempre existiu e sempre existirá entre nós,porque morrer é parte integral da vida e da existência humana, tão natural e previsível.

Por que então é tão difícil morrer? Por que na sociedade moderna a morte transformou­se num tema aser evitado de todas as maneiras? Morrer significa renunciar a vida neste mundo. O medo de morrer setornou maior na sociedade moderna, adoradora da juventude, idolatrando a tecnologia, o progresso, opoder e os bens materiais, tornando assim, a morte estranha aos homens. Querem escondê­la por todosos modos. Pretende­se esquecer que há “um tempo de nascer e tempo de morrer”, como nos ensina olivro do Eclesiastes.

Hoje já não se morre mais como antigamente, a morte esperada no leito, os últimos desejos, a famíliareunida, as crianças presentes.

Na sociedade tecnológica morrer é algo que acontece no hospital, numa Unidade de Terapia Intensiva. Ohospital moderno passou por uma radical transformação. Nos seus primórdios era destinado aos pobres edesvalidos que estivessem para morrer. Eram instituições de caridade cristã. Com os avançostecnológicos transformou­se em instituição voltada para os processos de tratamento e cura.

Assim os pacientes à morte transformam numa ameaça às instituições e ao fracasso dos profissionais.

A verdade é que a Medicina nos dias atuais se tornou mais fria, distante, impessoal e menos humana. Omédico cada vez mais preparado tecnicamente, está cada vez mais despreparado para a relação médico­paciente, para o contato humano, para estar simplesmente com o paciente à morte, confortando­o nosseus momentos finais, amparando­o, ouvindo­o, aceitando­o como seu semelhante.

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Para Kubler­Ross a medicina moderna tem diante de si um dilema: o de continuar sendo uma profissãohumanística e humanitária, só assim respeitada, ou uma nova, mas despersonalizada ciência, cujafinalidade é prolongar a vida em vez de mitigar o sofrimento humano.

Desenvolvimento

A definição do conceito de morte como sendo a parada respiratória e a parada dos batimentos cardíacostornou­se obsoleta. Hoje ela é vista como um processo progressivo e não como um momento. Morremprimeiro os tecidos mais dependentes de oxigênio em falta, sendo o tecido nervoso o mais sensível detodos. Três minutos de ausência de oxigênio são suficientes para a falência encefálica, levando à morteencefálica. O conceito de morte encefálica tornou­se fundamental devido a vários fatores.

Pergunta­se: a vida humana deve ser sempre preservada, independentemente de sua qualidade? Recorrerao médico significa em primeiro lugar, pôr­se em suas mãos. Essa ação, que domina toda a éticamédica, proíbe ações contrárias a ela. Assim o médico não pode proceder à Eutanásia. Ele deve seesforçar para suavizar os sofrimentos do paciente, mas não tem o direito de provocar deliberadamentesua morte. Essa regra conhecida de todos e respeitada pelos médicos deve ser a razão e a justificaçãoda confiança neles posta. Nenhum doente, ao ver o médico chamado à sua cabeceira deve ter dúvida aesse respeito. É da competência do médico assistir a sua morte e não abandoná­lo nesse momento emque, segundo a ciência, não há mais nada a fazer.

A declaração sobre Eutanásia da igreja Católica é: “Entendemos por Eutanásia uma ação ou umaomissão que por sua natureza ou nas intenções provoca a morte a fim de eliminar a dor”. É precisohumanizar a vida no seu ocaso, devolvendo­lhe a dignidade perdida, evitando sofrimentos semperspectivas em hospitais, sobretudo nas terapias intensivas.

A definição de uma ação médica como fútil é necessária para uma adequada atenção a um pacientecriticamente enfermo. Ao definir um tratamento como útil ou fútil, sempre fica uma ponta de dúvida.

Contudo, a ação médica sempre produz um efeito no paciente. A questão é se benéfico ou maléfico.Essa ponderação deve preceder toda ação na área da saúde. Quem trabalha com pacientes criticamenteenfermos necessita ter um treinamento intensivo e extensivo de técnicas de preservação e ourestauração das funções vitais dos mesmos.

É preciso um diálogo com todos os envolvidos no processo: pacientes, familiares, colegas de trabalho ea sociedade, respeitando opiniões diversas, visando o interesse do paciente.

Após uma análise científica a decisão deve ser ética. Quando e quanto agir fazendo o melhor possívelpara atender os interesses do paciente criticamente enfermo, sem transpor a linha da futilidade.

O cerne da Eutanásia consiste no adiantamento voluntário da morte pessoal, por qualquer meiodisponível, na maioria das vezes para evitar sofrimentos julgados insustentáveis, encurtar uma vida

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julgada inútil, sem sentido ou penosa.

Em qualquer discussão em torno da Eutanásia, importa o que cada participante entende pelo termo.Existem argumentos a favor e argumentos contra. O principal freio à Eutanásia, senão o único é a féreligiosa que acredita que ela é pecado contra a divindade.

A esse respeito, segundo Hans Kung, as religiões são todas mensagens de salvação que procuramresponder às mesmas perguntas básicas das pessoas. As perguntas sobre os eternos problemas do amore sofrimento, culpa e reparação, vida e morte: donde vem o mundo e suas leis? Por que nascemos e porque devemos morrer? O que governa o destino do indivíduo e da humanidade? Como se fundamentam aconsciência moral e a existência de normas éticas? Todas oferecem caminhos semelhantes de salvação:caminhos nas situações de penúria, sofrimento e culpa da vida terrena; indicações para um procedimentocorreto e conscientemente responsável nesta vida, a fim de alcançar uma felicidade duradoura, constantee eterna, a libertação de todo sofrimento, culpa e morte. [1], [2]

Neste propósito vejamos a posição de algumas religiões:

[...] A posição islâmica em relação à Eutanásia é: a concepção da vida humana como sagrada, aliada àlimitação drástica da autonomia da ação humana, proíbem à eutanásia, bem como o suicídio. Osmédicos não devem tomar medidas positivas para abreviar a vida do paciente. Se a vida não pode serrestaurada é inútil manter uma pessoa em estado vegetativo utilizando­se de medidas heroicas.

[...] A posição judaica (judaísmo) em relação à Eutanásia: a tradição legal hebraica é contrária àEutanásia. O médico serve como um meio de Deus, para preservar a vida humana, sendo proibidoarrogar­se a prerrogativa divina de decisão entre a vida e a morte de seus pacientes. O conceito desantidade da vida humana significa que a vida não pode ser terminada ou abreviada, tendo comomotivações a conveniência do paciente, utilidade ou empatia com o sofrimento do mesmo. Distingueentre prolongamento da vida do paciente, que é obrigatório, e o prolongamento da agonia, que não o é.Se o médico está convencido de que seu paciente é terminal e poderá morrer em três dias, podesuspender as manobras de prolongamento de vida e também o tratamento não analgésico. Em síntese,a halakhah, proíbe a eutanásia ativa, mas admite deixar morrer um paciente em certas condições.

[...] Catolicismo romano [...] o que a Declaração (Sobre a Eutanásia) entende por eutanásia: “poreutanásia, entendemos uma ação ou omissão que, por sua natureza ou nas intenções, provoca a mortea fim de eliminar toda dor. A eutanásia situa­se, portanto, no nível das intenções e no nível dosmétodos empregados.” O documento condena duramente a eutanásia como sendo uma “violação da leidivina, de uma ofensa à dignidade humana, de um crime contra a vida e de um atentado contra ahumanidade.” No que toca ao valor da vida humana, esta é vista como sendo “o fundamento de todosos bens, a fonte e a condição necessária de toda atividade humana e de toda convivência social. (...)Os crentes vêem nela também, um dom do amor de Deus que eles têm a responsabilidade deconservar e fazer frutificar.” [3];[4]

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Fazendo uma análise dos avanços tecnológicos da medicina, escreve Genival Veloso França:

A medicina atual à medida que avança na possibilidade de salvar mais vidas, cria inevitavelmentecomplexos dilemas éticos que permitem maiores dificuldades para um conceito mais ajustado do fim daexistência humana. Além disso, o aumento da eficácia e a segurança das novas modalidadesterapêuticas motivam também questionamentos quanto aos aspectos econômicos, éticos e legaisresultantes do emprego exagerado de tais medidas e das possíveis indicações inadequadas de suaaplicação.[5]

Nas últimas décadas o progresso das técnicas de medicina tem influenciado condutas médicas muitasvezes de resultados duvidosos e protelatórios de um sofrimento injustificado, assim pondera GenivalVeloso França, vejamos:

O cenário da morte e a situação de paciente terminal são as condições que ensejam maiores conflitosneste contexto, levando em conta os princípios, algumas vezes antagônicos, da preservação da vida e doalívio do sofrimento.

Desse modo, disfarçada, enfraquecida e desumanizada pelos rigores da moderna tecnologia médica, amorte vai mudando sua face ao longo do tempo. A cada dia que passa, maior é a cobrança de que épossível uma morte digna; as famílias já admitem o direito de decidir sobre o destino de seus enfermosinsalváveis e torturados pelo sofrimento físico para os quais os meios terapêuticos disponíveis não maisfazem resultado. [...] É possível que a medicina venha rever seu ideário e suas possibilidades, tendo ahumildade de não tentar vencer o invencível..[6]

Ao longo da história da humanidade, desde as mais remotas épocas, o homem se preocupou com asdoenças, o final da vida e como se livrar de crianças nascidas com má formações congênitas,desenvolvimento retardado, doenças físicas incapacitantes para o trabalho e até mesmo para a guerra,criando normas próprias para sociedades de vida espalhadas por toda a Terra. Várias interpretaçõessurgiram entre os pensadores e lideranças de povos da antiguidade, e mesmo dos governos organizadosem tempos mais recentes sobre a forma de eliminação de vidas consideradas imprestáveis. Sobre estequestionamento contemporâneo, assim, diz Genival Veloso França:

“Temos o direito de antecipar ou permitir a antecipação da morte de um paciente, desde queautorizados, no sentido de proporcionar­lhes uma “boa morte”, quando o desenlace é fatal e inevitável?Quais as vantagens disso para sociedade, os familiares e o paciente?

Antes é necessário que se estabeleça a distinção que se vem fazendo ultimamente entre Eutanásia,Ortotanásia e Distanásia.

A primeira seria uma conduta para promover a morte mais cedo do que se espera, por motivo decompaixão, ante um paciente incurável e em sofrimento insuportável.

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A Ortotanásia é a suspensão de meios medicamentosos ou artificiais de vida de um paciente em comairreversível e considerado em “morte encefálica” quando há grave comprometimento da coordenação davida vegetativa e da vida de relação.

Finalmente a distanásia é entendida como um tratamento insistente, desnecessário e prolongado de umpaciente terminal, que não apenas é insalvável, mas também submetido a tratamento fútil.

Os que são contra a eutanásia não admitem que se transforme em pena de morte uma agonia, mesmodolorosa, e se outorgue o direito de antecipar uma morte como forma generosa de suprimir a dor e osofrimento. Essas pessoas não admitem que se ofereça à profissão médica tão triste sina, a depraticar ou facilitar a morte, em face de uma série de situações que venham ser consideradasconstrangedoras ou nocivas aos interesses da própria sociedade”. [7]

Recentemente, diversos penalistas têm apresentado teses sobre a eutanásia. Uns a favor outros contra alicitude da eutanásia. Posicionando­se contrário à licitude da eutanásia, três ordens de considerações sãodeclinadas por Mantovani:

1. Considerações de princípios, levando em conta a irrenunciabilidade da intangibilidade da vidahumana;

2. Considerações de ordem prática, representadas pela incontenibilidade da eutanásia piedosa, capazde transformar casos isolados em fenômenos coletivos; pela relatividade dos diagnósticos deincurabilidade e dos prognósticos de morte iminente; pela possível superveniência dos novostratamentos médico­cirúrgicos; pelo extremo subjetivismo do limite da insuportabilidade da dor; pelaextrema dificuldade de acertar com a definitividade ou temporaneidade da vontade de morrer dopaciente; ante a dúvida sobre a validade da liberdade e do consentimento prestado; pela dificuldadede distinguir entre o autentico motivo altruístico da paciente e um suposto motivo egoístico­oportunista.

3. Considerações de oportunidade, quanto à idoneidade moral e profissional do médico, à desconfiançado aparelho médico­hospitalar, à fuga dos internamentos hospitalares e às alterações deconsequências complexas m torno de relações e situações jurídicas e não jurídicas que supõem aeutanásia como uma espécie de antecipação da morte natural.” [8]

O padecimento e a dor de um indivíduo nem sempre é possível como um critério para aferir a gravidadede uma doença e nem é critério para sentenciar sobre o prognóstico de vida ou morte desse indivíduo.Paira sempre a dúvida e a incerteza do médico com relação à melhor conduta a ser tomada. Ivan Illichobserva que “esse indivíduo não vê mais na dor uma necessidade natural, mas que ela se apresenta,desde logo, como resultado de uma tecnologia faltosa, de uma legislação injusta ou de uma carência deordem social econômica” [9]

Eutanásia ­ Aspectos Jurídicos

O respeito à vida humana observa dois princípios fundamentais: o da indisponibilidade e o da limitação do

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consentimento. A indisponibilidade da vida humana decorre de ser este o bem jurídico de mais alto valor,inalienável e intransferível, que exige dever geral de abstenção, de não lesar e não perturbar, oponível atodos. O consentimento da pessoa tem validade limitada em sua expressão, contudo e extensão. Mesmoque o expresse sem vícios na manifestação da vontade, não poderá dispor validamente da vida, pelo queo consentimento em que o matem não retira a ilicitude do ato, nem a responsabilidade do sujeito que lharetira ou contra ela atenta.

No Direito brasileiro a eutanásia caracteriza homicídio, pois é conduta típica, ilícita e culpável. Éindiferente para a qualificação jurídica desta conduta e para a correspondente responsabilidade civil epenal que o paciente tenha dado seu consentimento, ou mesmo implorado pela medida.

Vida e morte são acontecimentos naturais que passam a ser Fatos jurídicos quando, pela incidência danorma, deles exsurgem direitos, faculdades, deveres, obrigações e responsabilidades para as pessoas. Alei não estabelece o conceito de vida e de morte. Cabe à pessoa interessada provar a existência ou nãodo fato – vida ou morte – em toda a sua extensão. É que não se desconhece que a morte é um processolento e gradual, distingue­se a morte clínica (paralização da função cardíaca e da respiração), da mortebiológica (destruição celular) e da morte encefálica a qual resulta na paralização das funções cerebrais edo tronco cerebral.

O consentimento na eutanásia não retira a ilicitude da conduta do médico e por isso não a desqualificacomo homicídio.

Na ortotanásia (normal, correta) é a omissão voluntária de meios extraordinários para fins transitórios, aconduta médica será lícita se não significar encurtamento do período natural de vida do paciente, portadorde doença incurável e já em terrível sofrimento, em atenção ao princípio da não maleficência. Casocontrário, caracteriza homicídio, pois significará auxílio médico à morte.

Quanto à distanásia a conduta médica não será ilícita nem culpável do ponto de vista jurídico, exceto seos meios extraordinários forem empregados com o propósito de encurtar a vida, caso em que tambémcaracterizará homicídio.

Contudo diz a doutrina da igreja ­ Declaração sobre a Eutanásia que: “na iminência de uma morteinevitável, apesar dos meios usados, é lícito em consciência tomar a decisão de renunciar a tratamentosque dariam somente um prolongamento precário e penoso da vida, sem, contudo, interromper os cuidadosnormais devidos ao doente em casos semelhantes.” Por isso o médico não tem motivos para seangustiar, como se não tivesse prestado assistência a uma pessoa em perigo ou o abandono de umincapaz aos seus cuidados.

“Homoreshominisacra” (O homem deve ser coisa sagrada para o homem). Sêneca.

Referência Bibliográfica

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1. Pereira CMS. Instituições de direito civil. 3 ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1975, v.1;

2. Piva JP, Carvalho PRA. Considerações éticas nos cuidados médicos do paciente terminal, Bioética1993; 1:129­38;

3. Martin L. Eutanásia e Distanásia. In: Costa SIF, Volnei G. Oselka G, editors. Iniciação à Bioética.Brasilia: Conselho Federal Medicina, 1998: 171­92

4. França GV, Souto Maior HJ. Direito de viver e direito de morrer: um enfoque pluridisciplinar sobre aeutanásia. Fasc. Ciênc. Penais: eutanásia 1991;4 (4):54­66.

5. Mantovani F. Aspectos jurídicos da eutanásia. Fasc. Ciênc. Penais: eutanásia 1991; 4 (4):32­53;

6. Bioética, Conselho Federal de Medicina, vol. 7, nº 1.

[1] KUNG, H. Paz mundial, religião mundial, ethos mundial. In: Concilium n. 253 – 1994/3:ecumenismo, p.159­73.

[2] KUNG, H., Schmidt H, editors. A global ethic and global responsibilities, Londres: SCM Press LTD,1998.

[3] FRANÇA, Genival Veloso de, Eutanasia: Um enfoque ético­político. Bioética. Vol.7. Nº 1. 1999,Brasília, Conselho Federal de Medicina, 1999. 71­82, 1999.

[4] PESSINI, Leo, a Eutanasia na visão das grandes religiões mundiais. Bioética. Vol.7. Nº 1. 1999,Brasília, Conselho Federal de Medicina, 1999. P.83­99, 1999.

[5] Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé. Declaração sobre a eutanásia, 5­5­1980, SEDOC XIII,col. 171.

[6] FRANÇA, Genival Veloso de, Eutanasia: Um enfoque ético­político. Bioética. Vol.7. Nº 1. 1999,Brasília, Conselho Federal de Medicina, 1999. 71­82, 1999.

[7] FRANÇA, Genival Veloso de, Eutanasia: Um enfoque ético­político. Bioética. Vol.7. Nº 1. 1999,Brasília, Conselho Federal de Medicina, 1999. 71­82, 1999.

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[8] MANTOVANI, F. Aspectos jurídicos da eutanásia. Fasc. Ciênc. Penais: Eutanasia. 1991, 4, p. 32­53.

[9] ILLICH, Ivan. A expropriação da saúde: nêmesis da medicina. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1975.

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