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INFORMAÇÃO SOBRE OS DIREITOS HUMANOS E O TRABALHO DO MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA 21 HISTÓRIA DA URBANIZAÇÃO EM ANGOLA Estórias da História Pág. 10 CARLOS MARIA DELLA PAOLERA Figura em Destaque Pág. 11 HERNANI LúCIO ANDRÉ CAMBINDA Entrevista Pág. 16 PROCESSO DE LEGALIZAçãO DE TERRENOS URBANOS

Mosaiko inform 021

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Processo de legalização de terrenos urbanos em Angola

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INFORMAÇÃO SOBRE OS DIREITOS HUMANOS E O TRABALHO DO moSaIKo | INSTITUTO PARA A CIDADANIA

21

HISTÓRIA DA URBANIZAÇÃO EM ANgOLAEstórias da História Pág. 10

CARLOS MARIA DELLA PAOLERAFigura em Destaque Pág. 11

HERNANI LúCIO ANDRÉ CAMBINDAEntrevista Pág. 16

Processo de legalização de terrenos Urbanos

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índice

A QuAliDADE DE viDA no EsPAço urbAno é um Dos mAiorEs DEsAFios DA sociEDADE conTEmPorânEA. um PlAnEAmEnTo urbAno QuE lEvE Em consiDErAção o mEio AmbiEnTE E PromovA um DEsEnvolvimEnTo susTEnTávEl é Tão imPorTAnTE QuAnTo A consciEnciAlizAção DAs PEssoAs sobrE os PADrõEs DE consumo E o rEsPEiTo PElo EsPAço Em QuE sE vivE.

Ficha técnica

ProPriedadeMOSAIKO | Instituto para a Cidadania

niF: 7405000860nº de registo: MCS – 492/B/2008

direcçãoJúlio Candeeiro, opLuís de França, op

Mário Rui Marçal, op

redacçãoFlorência Chimuando

Maria de Jesus Tavares

colaboradoresÂngela Mingas

Moses Caiaia Naleth Sandrine Miguel Francisco

Oswaldo Santos

MontageM gráFicagabriel Kahenjengo

contactosBairro da Estalagem - Km 12 | Viana

Fax: (00244) 222 371 598TM: (00244) 912 508 604TM: (00244) 923 543 546

Caixa Postal 2304 - Luanda | AngolaE-mail: [email protected]

www.mosaiko.op.org

iMPressãoDamer gráficas SA – Luanda

tirageM: 2500 exemplares

distribUição gratUita

Os artigos publicados expressam as opiniões dos seus autores, que não

são necessariamente as opiniões do Mosaiko | Instituto para a Cidadania.

coM o aPoio

editorialJúlio Candeeiro, op

informandoo processo de legalização de terrenos para construção Naleth Sandrine Miguel Francisco

Passos para a concessão e reconhecimento a particulares de terrenos concedíveis em angola | Moses Caiaia

Como legalizar casas já existentes?Oswaldo Santos

estórias da históriaHistória da urbanização em angolaÂngela Mingas

figura de destaqueCarlos Maria Della PaoleraMaria de Jesus Tavares

construindoexperiências de legalização de terrenos urbanosMaria de Jesus Tavares

entrevista Hernani lúcio andré CambindaMaria de Jesus Tavares

breves

Mosaiko inForM nº 21 - DezeMbRo 2013 teMa: PRoCesso De legalização De teRReNos URbaNos

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editorial

estimado leitor/a

Falar de terrenos urbanos é falar da migração urbana. Este fenómeno é um dos que mais marcam as sociedades dos nossos dias. Segundo a Organização das Nações Unidas, anualmente milhões de pessoas migram dos campos para as cidades e este fenómeno tende a aumentar. Ao longo da história dos povos, são vários os factores na base deste fenómeno, mas o grande ponto de viragem para humanidade é, sem dúvida, a revolução industrial no século XIX, que levou milhões de camponeses a ir para as cidades tornando-se operários. Actualmente, este feno-meno é motivado principalmente pela busca de melhores condições de vida e também por um crescente número de deslocados internos.Em Angola, a migração para as cidades conheceu um acréscimo muito significativo nos anos 80 e 90 com o aumento de intensidade do conflito armado. Infelizmente, mesmo após o conflito armado, Angola continua a adoptar um modelo de crescimento bastante centralizado, privile-giando o investimento nos grandes centros urbanos. Por outro lado, uma forma de governar em que tudo parte de cima - “top-down approach” - está a aumentar as assi-metrias entre as grandes cidades e o resto do país. Assim, nas zonas rurais difunde-se a ideia de que a vida só vai melhorar se se for para a cidade. Esta população, maioritariamente jovem, exerce uma pressão crescente sobre as grandes cidades que é particu-

PRoceSSo de leGalIZaçÃo de teRReNoS URBaNoS

Júlio Gonçalves Candeeiro, op

larmente evidente na aquisição de terrenos para habitação. Muitos processos de obtenção de terrenos - compra/venda legal e/ou ilegal - desemboca em graves problemas. Entre outras razões, estes problemas verificam-se porque a gran-de maioria da população desconhece as fases do processo de legalização e de aquisição de terrenos urbanos.A presente edição do Mosaiko Inform aborda a problemá-tica da legalização de terrenos urbanos. Ao centrar-se na ideia do processo, o Mosaiko quer contribuir para que os passos do processo de legalização sejam conhecidos e, deste modo, ajudar as pessoas para que possam efectuar a legalização dos seus terrenos. Para abordar o tema, conta-mos com a competência de Naleth Francisco - que apresen-ta o processo de legalização de terrenos para construção - e de Moses Caiaia que indica os passos que os cidadãos devem seguir para legalizar os seus terrenos. Oswaldo Santos aponta o caminho a seguir para legalizar casas já existentes. Esta edição, que tem por figura de destaque o argentino Carlos Maria Della Paolera, é completada por uma entrevista com Hernani Cambinda, docente da Universidade Católica de Angola.Aprenda a cuidar do seu terreno. Saiba o que fazer e a quem recorrer. Não compre o que é ilegal e saiba que seu terreno não está seguro se não estiver legalizado.A todos os leitores e colaboradores do Mosaiko Inform, aos funcionários e amigos do Mosaiko desejo festas felizes.Boa leitura!

iv semana social nacional

democracia e Participação

O que diz respeito a todos, deve ser tratado por todos!

CEASTConferência Episcopalde Angola e S. Tomé

NoVa PUBlIcaçÃo adquira já!

Por uma Angola melhorwww.mosaiko.op.org

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o Processo de legalização dos terrenos Para constrUçãoNaleth Sandrine Miguel Francisco

O tema que nos propomos abordar versa sobre os li-mites da lei no processo de legalização dos terrenos para construção. Devemos considerar que o assunto em análise é em si pertinente e, procuraremos fazer uma análise genérica sobre o tema.

Os direitos que recaem sobre os terrenos integrados no domínio privado do Estado e de que sejam titula-res pessoas, singulares ou colectivas de direito pú-blico ou privado, são considerados, no âmbito da Lei de Terras (Lei 9/04, de 9 de Novembro), como sendo direitos fundiários.

Ao falarmos do processo de legalização dos terrenos, para a construção, não nos devemos esquecer de que não obstante a terra ser propriedade originária do Es-tado, ela pode ser transmitida para pessoas singulares e colectivas, nos termos do artigo 15º da Constituição. A terra integra o domínio privado do Estado com vis-ta à concessão e protecção de direitos fundiários das pessoas singulares ou colectivas e das comunidades rurais, conforme o disposto 98º da Constituição (CRa).

A CRa, sendo a lei suprema de uma nação e aquela sobre a qual se desdobra todo o ordenamento jurídico

de um país, não se afigura como o único instrumento legal que se debruça sobre direitos fundiários. Nesta senda encontramos outras leis que vão dar corpo e forma às disposições constitucionais. Assim, neces-sário se torna para nos debruçarmos sobre o nosso tema fazermos recurso à Lei de Terras e ao Decreto nº 58/07, de 13 de Julho, que aprova o Regulamento geral de Concessão de Terrenos, como os instrumen-tos jurídico-legais que nos vão possibilitar entender o processo de legalização de terrenos para construção.

Devemos ter em linha de conta que a Lei de Terra faz uma classificação dos terrenos de acordo com os fins a que estes se destinam e com o regime jurídico a que estão sujeitos, pelo que devemos entender que nem todos terrenos podem ser ocupados e ser objecto de construção. Cabe ao Estado definir, de acordo com as suas políticas urbanísticas, quais terrenos estão des-tinados a construção devendo sempre ter em atenção um plano urbanístico.

Assim, nos termos do artigo 19º da Lei de Terras, os terrenos são classificados em concedíveis e não con-cedíveis. Como se deve concluir as pessoas singulares

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e colectivas poderão apenas constituir direitos fun-diários sobre os terrenos concedíveis. Por sua vez, os terrenos concedíveis classificam-se em terrenos urbanos e em terrenos rurais.

Os terrenos urbanos são classificados em função do fim urbanístico. Que se classificam em terrenos urbanizados, terrenos urbanizáveis e terrenos de construção. É sobre este último que incide a nossa análise. Os terrenos de construção nos termos da Lei de Terras no seu artigo 21º “são havidos como terrenos de construção os terrenos urbanizados que estando abrangidos por uma operação de lo-teamento devidamente aprovada, se destinem a construção de edifício, contanto que esta haja sido licenciada pela autoridade local competente”. Des-ta forma nos deparamos com a primeira limitação imposta pela lei – é o Estado quem determina quais os terrenos destinados à construção, pelo que não cabe ao cidadão definir, por vontade própria, onde e quando fazer construções.

A lei determina que não podem ser concedidas a pessoas singulares e colectivas áreas extensas de terrenos, pelo que se determinou no Regulamento geral de Concessão de terrenos que para os terre-nos urbanos não podem ser concedidas áreas supe-riores a 2 hectares.

Todo aquele que pretender adquirir um terreno para construção deverá solicitar a Administração local a constituição do direito. Este processo inicia-se com o requerimento inicial que é feito pelo interessa-do dirigido a autoridade local, sendo que o mesmo pode ser deferido ou indeferido, mediante a análi-se do processo pela Administração. Devemos aqui ressaltar que o único órgão com competência para atribuir terrenos para a construção é a Administra-ção local, pelo que todos órgãos estranhos ao apa-relho do Estado não podem intervir no processo. E, até mesmo para as situações de transmissão entre os particulares de direitos fundiários deve existir a autorização prévia da autoridade concedente para a celebração do negócio.

Após o requerimento inicial e, se estiverem reuni-dos todos os documentos necessários ao processo, não existindo nenhum motivo para indeferimento do processo, o mesmo é submetido a despacho limi-nar da autoridade concedente, passando-se para as fases de demarcação provisória, e posteriormente à apreciação, aprovação e a demarcação definitiva.

O Regulamento geral de Concessão de terrenos estabelece prazos para ser feito o aproveitamen-to de terrenos urbanos de construção. Assim, após ser outorgado o título de concessão, o titular terá 3 meses para apresentação do projecto de arquitec-tura, que após a aprovação do projecto terá 6 meses para a apresentação do projecto de estruturas, sen-do aprovado o projecto tem o requerente 30 dias, a contar da data da notificação, para dar início às obras, e para finalizar as obras deve atender ao pra-zo estabelecido na licença de construção.

A lei de terras determina que os terrenos são con-cedidos com objectivo de garantir o aproveitamen-to útil e efectivo dos mesmos. Assim, todo aquele que lhe for concedido um terreno para a construção deve, obrigatoriamente, nos termos da lei atingir os índices de aproveitamento útil e efectivo dos terre-nos, sob pena de ver o seu direito extinguir-se pela inobservância dos índices. Os prazos para aferir o referido aproveitamento são de 3 anos consecuti-vos, ou de 6 anos interpolados.

Deste modo, devemos nos consciencializar de que os direitos fundiários não são imprescritíveis, pelo que só a sua utilização, dentro dos prazos legais, nos servirá de garantia do seu exercício.

Por fim, a lei estabelece que os terrenos concedi-dos para a construção de edifícios destinados a fins habitacionais, comerciais e industriais só se consi-deram aproveitados com o completo acabamento exterior e interior das construções constantes do projecto aprovado.

o Processo de legalização dos terrenos Para a constrUção

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Em Angola, a terra constitui propriedade originária do Estado como estabelece o artigo 15º e 98º da Constituição da República de Angola mas, pode ser transmitida a pessoas particulares, ou colectivas. Os passos para a concessão e reconhecimento de terre-nos estão previstos na lei n.º9/04, de 9 de Novembro Lei de Terras, a forma como se cumpre a lei de terras está prescrita no Regulamento geral de Concessão de terrenos – Decreto-lei n.º 58/07. Neste diploma legal são os procedimentos para a concessão de ter-renos, a forma de reconhecimento de terrenos, a transmissão de terrenos, o exercício e extinção dos direitos fundiários que originariamente sejam pro-priedades do Estado.

Os terrenos do Estado classificam-se em concedíveis e não concedíveis; são concedíveis os terrenos que o Estado pode distribuir às pessoas, quer de forma gratuita (concessão gratuita), quer vendendo (con-cessão onerosa). A ocupação de terrenos urbanos deve ser feita de acordo com as condições previstas nos planos urbanísticos ou, na falta deles, em instru-mentos de ordenamento do território a estabelecer pelos serviços competentes.

De acordo com o art.º 42 do Regulamento geral de Concessão de terrenos a qualquer pessoa singular ou colectiva podem ser concedidos, pelos governos provinciais, até dois hectares nas áreas urbanas e cinco hectares nas áreas suburbanas, sendo que a concessão acima do que referimos deve ser requeri-da ao Ministério do Urbanismo.

Se o terreno que se pretende ocupar for rural deverá ser destinado a utilização adequada às suas capaci-dades de uso e aptidão.O processo de concessão inicia-se com a apresenta-ção do requerimento pelo interessado aos Serviços competentes do IgCA - Instituto geográfico e Cadas-tral de Angola e compreende as fases de demarca-ção provisória, apreciação, aprovação e demarcação definitiva.

A demarcação só pode ser executada pelo Instituto geográfico e Cadastral de Angola de acordo com o art.º 102, n.º 2 do Regulamento geral de Concessão de Ter-renos. Para o efeito deverá ser constituída por aque-le instituto uma brigada de demarcação e vistoria.

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Passos Para a concessão e reconheciMento a ParticUlares de terrenos concedíveis eM angolaMoses Caiaia

Os terrenos do Estado classificam-se em concedíveis e não concedíveis; são concedíveis os terrenos que o Estado pode distribuir às pessoas, quer de forma gratuita (concessão gratuita), quer vendendo (concessão onerosa). A ocupação de terrenos urbanos deve ser feita de acordo com as condições previstas nos planos urbanísticos ou, na falta deles, em instrumentos de ordenamento do território a estabelecer pelos serviços competentes.

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A demarcação provisória consiste em pôr limites no terreno com base na planta cadastral que se pre-tende adquirir e, a definitiva visa completar a iden-tificação e localização do terreno concedido. Com o requerimento inicial deverão ser apresentados os seguintes documentos: fotocópia do bilhete de identidade e assento do nascimento do requerente, ou fotocópia autenticada do passaporte e do cartão de residente, Se o cidadão nacional não possuir ou não exibir bilhete de identidade ou assento de nas-cimento, a identificação faz-se por meio de qualquer outro documento com fotografia e impressão digi-tal ou assinatura e outros dados não menos impor-tantes, para além do testemunho de dois cidadãos nacionais de reconhecida idoneidade, que possuam bilhete de identidade e que atestem, sob compro-misso de honra, a identidade do cidadão em causa.

Apresentado o requerimento, são prestadas as in-formações e pareceres nos termos do art.º 140 do Regulamento geral de Concessão de terrenos

Recolhidos os pareceres, os serviços competentes, a administração, o governo da província, ou o executi-

vo comunica ao cidadão se o seu pedido de conces-são de terreno foi aceite ou não, explicando quais são os passos certos que o cidadão deve dar para a concessão de terreno. Se os passos para a concessão de terrenos não forem dados como manda a lei, o órgão competente deve mandar corrigir os erros que identificar. Poderão existir deficiências ou irregula-ridades no processo, porém, deverão ser supridas antes da prestação das informações e pareceres.

Os documentos são submetidos à apreciação do ad-ministrador, do governador, do Ministro para res-ponder o pedido e este pode negar a concessão sem mandar corrigir os erros verificados ordenando ape-nas a demarcação provisória do terreno.A lei ordena que a autoridade competente faça o re-gisto da autorização do pedido de concessão de ter-renos na Conservatória do Registo Predial da zona em que está localizado o terreno. O cidadão a quem lhe tenha sido concedido o terreno tem legitimidade para requerer o referido registo.

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Passos Para a concessão e reconheciMento a ParticUlares

de terrenos concedíveis eM angola

informando

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i. PriMeiro registo

1. aqUisição do direito de sUPerFície

Sendo o primeiro registo, deve inicialmente recor-rer à administração comunal ou municipal a fim de dar impulso ao processo de aquisição do Direito de Superfície. Para o efeito elabora-se um requerimen-to ao Administrador a solicitar a atribuição do Di-reito de Superfície. (neste processo pagam-se emo-lumentos à Administração e também o processo de aquisição do Direito de Superfície, que é fixado em função das dimensões do terreno). Com o requeri-mento, juntam-se documento de identificação do requerente e os documentos, ainda que precários, que tenham sobre o terreno em causa, por exemplo, declaração de cedência do terreno, título da comis-são de moradores atestando que o requerente ocupa um terreno naquela determinada zona, etc. (ou seja qualquer documento que ateste a posse do reque-rente sobre o terreno). Este processo é instruído pela Administração Municipal que posteriormente reme-te ao instituto de Planeamento e gestão Urbana da Província, para efeito de emissão do parecer técnico.

Seguidamente o processo é encaminhado ao gabi-nete Jurídico do governo Provincial. É este gabinete que prepara o processo para a celebração da escri-tura pública de concessão do Direito de Superfície. (durante este processo é recomendável que o cida-dão “pressione” a administração de modos a que o processo tramite de forma mais célere possível).

Terminado o processo, é então celebrado por escritu-ra pública o contrato de concessão do direito de su-perfície sobre o terreno. Importa frisar que sobre os terrenos o Estado concede simplesmente o Direito de Superfície, por um prazo que pode ir até aos 60 anos e é renovável, pois, a propriedade sobre as terras é reservada ao Estado.

2. registo jUnto da rePartição Fiscal

Em paralelo ao processo de aquisição do direito de superfície, deve iniciar-se também o processo de re-gisto do imóvel junto da repartição fiscal, da zona em que está localizado o terreno. Para tanto, faz-se um requerimento a repartição fiscal e junta-se o croquis de localização do imóvel e documento de identifica-ção do requerente.(mais uma vez, referir que o cida-

Oswaldo Santos

coMo legalizar casas já existentes?

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informandocoMo legalizar casas já existentes?

dão deve sempre acompanhar o processo junto da repartição como forma de pressionar a celeridade do processo). A repartição fiscal registará o terreno na matriz predial urbana da localidade em que se encontra o imóvel. E é então atribuído ao terreno um número de inscrição matricial. É também nes-ta altura fixado o valor o imposto de sisa (imposto sobre aquisição de imóveis fixado em 2% sobre o valor do imóvel).

3. registo jUnto da conservatÓria de registo Predial

Celebrada a escritura pública de concessão do Di-reito de superfície e efectuado competente registo junto da repartição fiscal, ao cidadão são entre-gues as respectivas certidões: as de escritura pú-blica e a de registro matricial.

Com estes documentos, o cidadão deve dirigir-se à Conservatória do Registo Predial a fim de registar o seu Direito sobre o imóvel. Esta conservatória, efectuará pesquisas nos seus livros de registo a fim de confirmar que se trata do primeiro registo sobre o imóvel. Feita a confirmação, esta registará o imóvel em nome do cidadão e emitirá uma certi-dão que confirma o registo feito.

a) Caso o processo de aquisição do direito de su-perfície e registo matricial termine antes da edi-ficação da moradia, tão logo esta seja constru-ída, deve o cidadão junto da Repartição Fiscal, actualizar o seu registo, para que faça constar do mesmo que existe uma habitação e se des-creva as suas dimensões e número de compar-timentos. Posteriormente, e com o novo registo matricial, deve-se fazer a actualização junto da Conservatória do Registo Predial. Nesta altura, esta conservatória deverá fazer constar dos seus registos que sobre o terreno foi constru-ído um imóvel, descrever as características do mesmo e ainda mencionar o proprietário do imóvel (sobre a moradia construída o cidadão adquire direito de propriedade, continuando o terreno a pertencer ao Estado)

b) Caso contrário, durante o processo de registo junto da Repartição Fiscal e da Conservatória

de Registo Predial, deve garantir que as edifica-ções são registadas.

ii. o iMÓvel já está registado eM noMe de oUtra Pessoa

Não se tratando do primeiro registo, deve-se em pri-meiro lugar verificar a titularidade, os direitos e obri-gações que sobre o imóvel impendam. Pois, só pode alienar um imóvel quem tenha legitimidade para o efeito. Assim, verificada a titularidade do imóvel, os passos a seguir serão os seguintes:

1. Celebra-se com o proprietário do mesmo, ou com alguém que tenha poderes para o efeito (por exem-plo alguém que tenha uma procuração com pode-res para alienar), um contrato promessa de com-pra e venda. Nesta altura o comprador deve exigir, a certidão de registo comercial e a de registo ma-tricial, documento de identificação do vendedor, e ainda procurações caso existam.

2. Com os documentos acima referidos, deve dirigir-se à Repartição Fiscal da zona em que está locali-zado o imóvel e requerer o cálculo e fixação do im-posto de sisa (imposto que se paga pela aquisição de imóveis e a sua taxa é de 2% sobre o valor de venda do imóvel). Fixado o valor da SISA, o compra-dor deve pagá-lo na repartição Fiscal;

3. A seguir, deve então dirigir-se a um Cartório Nota-rial, acompanhado das certidões de registo predial e matricial, documentos de identificação e com-provativo de pagamento do imposto de SISA e aí solicitar a marcação da escritura pública de com-pra e venda. Para a celebração da escritura pública são cobrados os respectivos emolumentos a fixar pelo Cartório. Celebrada a escritura pública, o Car-tório emitirá as respectivas certidões.

4. Com a certidão de escritura pública de compra e venda, o cidadão deve dirigir-se então à Conser-vatória do Registo Predial a fim de registar o imó-vel em seu nome. O registo predial também está sujeito ao pagamento de emolumentos a fixar pela Conservatória. Feito o Registo é extraída uma certidão. Este passa a ser o documento que atesta a propriedade do imóvel.

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Permitam-me começar com duas abordagens; a primeira etimológica para explicar que urbaniza-ção provém de “urbis”, palavra latina equivalente a “m’banza”, de origem kikongo; e a segunda crono-lógica, para definir quatro fases distintas da nossa história; a da antiguidade, escravatura, colonial e re-publicana.

Posso agora dizer que a história da nossa urbani-zação começa na antiguidade com M’banza Kongo, capital da nação homónima. Surge no século XIV e resiste como capital imperial até ao século XVII. Con-siderada uma das maiores cidades da costa ocidental africana, tinha uma população estimada até 50.000 habitantes. Com um regime organizacional estrati-ficado pela função socioeconómica, com os direitos de cidadania garantidos para cada classe dominante, existia para além disso a diferenciação entre o cida-dão e o estrangeiro, como eram designados os portu-gueses, nos relatos da época.

Outro exemplo interessante da antiguidade são as necrópoles. Embora não sejam cidades no sentido formal, estão sempre associadas a elas e em muitos casos, obedecem a lógicas de organização que res-peitam a estrutura social das cidades dos vivos. O exemplo mais extraordinário disso é a necrópole da Kibala, no Kwanza-Sul, território integrado na nação Ambundo.

Ao entrarmos no período da escravatura, começam a surgir as cidades litorâneas, de configuração tardo-medieval e fundadas pelos portugueses. Embora Lu-anda seja o melhor exemplo e preservando ainda as características originárias, outras fundadas na mes-ma época, obedecem ao mesmo princípio. São elas; Muxima e Massangano. Com características específi-cas que assentavam na dialética da Cidade-Alta com a Cidade-Baixa, este período era socialmente mar-cado pela exclusão, pois os musseques ficavam para além da fronteira da cidade. No período de transição

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estórias da história“a histÓria da Urbanização eM angola”

Ângela Mingas

acontece o primeiro processo de gentrificação Urba-na em Luanda quando a população negra em 1864 é retirada do bairro dos Coqueiros e remetida para o então chamado bairro da Ingombota.

Este processo de segregação social permitiu à gover-nação de então, requalificar a cidade à luz de prin-cípios de intervenção urbana que começava a surgir na Europa.

No período colonial (1885-1975), as cidades come-çaram a surgir no interior do país, quer em formato espontâneo, quer previamente projectadas. O facto é que as cidades eram projectadas com a clara inten-ção de segregar brancos e negros, como vem retra-tado nos projectos de arquitectura, urbanismo e que também se reflectem na literatura da época, princi-palmente com os nacionalistas.

Nos tempos republicanos, a herança portuguesa prevalece como espaço físico até ao final da guerra Civil, pois são ínfimas as intervenções urbanas que se conhecem. Mas, no decénio 2002-2012, as cida-des de Angola, sofreram alterações profundas na sua paisagem e tal facto com um impacto brutal sobre a sociedade. Algumas propostas políticas com fins de inclusão social acabaram por representar processos de exclusão contemporâneos como o tristemente famoso caso dos Projectos Zango. A ideia de “novas centralidades” serve o propósito de criação de novas cidades cuja ideia de segregação é também, lamen-tavelmente, a dominante no que diz respeito ao de-senho urbano.

A ideia de “novas centralidades” serve o propósito de criação de novas cidades cuja ideia de segregação é também, lamentavelmente, a dominante no que diz respeito ao desenho urbano.

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figura em destaquecarlos Maria della PaoleraMaria de Jesus Tavares

Urbanista argentino que propôs a edificação de conjuntos habitacionais e áreas verdes públicas para os habitantes de baixa renda

carlos maria della Paolera, nasceu a 07.09.1890 e morreu 15.09.1960, em Buenos Aires, na Argentina. Foi o primeiro urbanista sul-americano licenciado no Instituto de Urbanismo da Universidade de Paris.

Os seus primeiros trabalhos sobre urbanismo come-çaram a ser publicados em 1916. Em 1920, analisou o plano regulador de Paris e participou activamente no Congresso de Habitação em Buenos Aires, apresen-tando uma proposta de regulamentação profissio-nal. Em 1924, segue para França para fazer o curso superior de Urbanismo onde toma contacto com os textos de alguns urbanistas de renome como edmond Joyant, Marcel Poete e, em particular, Pierre lavedan, que lhe abre as portas da história do urbanismo. Ao mesmo tempo que fazia a sua tese de doutoramento sob orientação de Marcel Poete, Della Paolera escrevia artigos para o “Diário da Nação”, participando desse modo, e à distância na difusão das ideias locais so-bre urbanismo. A tese mostrava o interesse peculiar que tinha pela compreensão histórica dos fenómenos urbanos como fundamento para a formulação de um plano regulador para a cidade de Buenos Aires.

Apesar de se ter formado no Instituto de Urbanismo de Paris, Carlos Maria Della Paolera não se identificava com a escola “formalista” francesa, mas sim com as novas teorias do urbanismo científico sustentadas por Patrick geddes, mais relacionadas com as experiên-cias desenvolvidas na Inglaterra e nos Estados Unidos.

carlos maria della Paolera foi também o responsá-vel pela formação da cátedra de Urbanismo, na Uni-versidade de Buenos Aires assim como pela criação da secção técnica do plano de urbanização da cida-de, marcos chave que lhe permitiriam desenvolver um programa de acção para a urbanização regional. Aborda nos seus projectos aspectos vinculados à habitação, sistemas de circulação, zoneamentos de áreas industriais e de equipamento e a distribuição dos espaços públicos de parques e praças. Interessa-do pelo ponto de vista biologista, concebe a cidade como um organismo vivo a qual se deve tratar me-diante uma visão organicista. Como chefe de de-partamento de urbanismo da prefeitura de Buenos-Aires entre 1932-1939, teve o mérito de assumir os problemas reais da cidade, gerados pelo incremento da população sub-urbana fora dos limites da Capital Federal, bem como a clara percepção da necessária integração regional, que definiu como a nova catego-ria espacial da “Grande Buenos Aires”. Ele também propôs a edificação de conjuntos habitacionais e áre-as verdes públicas para os habitantes de baixa renda.

Della Paolera é o criador do dia do Urbanismo, cele-brado a 8 de Novembro e do emblema do urbanismo que simboliza uma trilogia de elementos naturais essenciais à vida humana, são eles: o sol (amarelo), a vegetação (verde) e o ar (azul). O símbolo foi aceite pelo Congresso de Urbanismo em 1935.

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Em Angola, ao longo dos anos, os assentamentos habitacionais informais cresceram rapidamente nas áreas periféricas das cidades e, principalmente, das grandes cidades. Mas, infelizmente, o planeamento urbano e os procedimentos legais e administrativos para gerir estas áreas não foram capazes de acompa-nhar a rapidez e a dimensão processo de crescimento contínuo das zonas urbanas.

Os mecanismos que devem garantir a aplicação da lei em vigor, continuam a apresentar muitas insufi-ciências e uma grande dose de arbitrariedade na sua aplicação.

Tudo isto se tem traduzido num conjunto de dificul-dades e de problemas para os cidadãos, que há déca-das vivem em determinadas zonas, mas não possuem os documentos legais que protegem os seus bens.

Por outro lado, há muitos casos em que, por falta de planeamento e de distribuição legal dos terrenos, as pessoas se apoderaram ilegalmente de terrenos e, acabaram por construir em zonas não apropriadas, sem a documentação requerida.

Há ainda um certo número de oportunistas que quan-do se apercebe que uma área vai ser demolida e rea-lojada, procura construir rapidamente, por vezes de noite, para beneficiar indevidamente das possibilida-des de realojamento.

A falta de legalização dos terrenos e das constru-ções, acaba por constituir um obstáculo ao direito à habitação, deixando as pessoas numa posição ex-tremamente vulnerável em relação a bens - terrenos e casas - em que investiram grande parte das suas poupanças.

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construindoexPeriências de legalização de terrenos Urbanos

Maria de Jesus Tavares

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Se muitas cidades vivem estes problemas, Luanda, dada a sua dimensão e o número crescente da popu-lação que continua a instalar-se em periferias cada vez mais amplas, é certamente onde estes problemas se fazem sentir com maior intensidade.

O Mosaiko Inform foi procurar conhecer experiências concretas, de pessoas que na periferia da cidade de Luanda, tentaram legalizar os seus terrenos e cons-truções de acordo com a Lei. As dificuldades que en-contraram são um motivo de reflexão em particular para as entidades públicas encarregues de assegurar este direito aos cidadãos.

distrito do kilaMba kiaxi

Wenji-Maka é um bairro antigo que se encontra situ-ado no Calemba 2, município de Kilamba Kiaxi. Ante-riormente era uma área de camponeses dividida em vários sectores num total de 277 hectares.

Segundo conta um dos seus moradores, “as mamãs começaram a lavrar aqui no tempo do Agostinho Neto”. Actualmente, o bairro conta com aproxima-damente 11.000 famílias. Tem uma escola primária pública (construída em 2009), um centro de saúde e maternidade, duas cabines de energia eléctrica (inau-guradas em 2008). Não dispõe de esquadra da Polícia Nacional nem de qualquer chafariz público.

Entre 2002-2003, a situação começou a mudar, ou seja, as lavras começaram a transformar-se em casas para habitação. Os camponeses começaram a ceder terrenos às pessoas que precisavam de espaço para construir as suas casas. Tiveram muitos conflitos, in-clusive com a Igreja Católica local, por causa dos ter-renos. Os camponeses não desistiram de defender as suas terras. Com o apoio de algumas organizações da sociedade civil conseguiram recuperar o que era seu. Segundo os moradores, nessa altura “a Polícia derru-bou muitas casas, bateu e prendeu muita gente, hou-ve inclusivamente pessoas que morreram na defesa dos seus interesses”.

Só em 2006, os moradores do Wenji Maka consegui-ram recuperar os seus terrenos e começaram a lega-lizá-los. Aliás, segundo este morador, durante os con-

flitos de terras, alguém conseguiu “abrir um canal” junto do governo Provincial de Luanda que lhes per-mitiu ir legalizando os seus terrenos, porque “nem to-dos os envolvidos são maus, e mesmo eles, de certeza que têm algum familiar a viver esta situação”. Toda-via, os moradores deste bairro ainda não têm título de propriedade das suas casas. Na altura, fizeram um requerimento dirigido à Repartição do Bairro Fiscal e, juntamente com a cópia do bilhete de identidade, re-meteram ao governo da Província de Luanda e lá, os serviços de cadastro passaram uma guia de receita, que é o comprovativo de pagamento dos emolumen-tos estabelecidos e, segundo afirmam, “lhes confere posse da casa ou terreno, embora não titulada”. Com este documento conseguiam construir.

Este processo foi individual, cada família juntou os seus documentos, deu entrada na Comissão de Mora-dores que, por sua vez, encaminhava para o governo da Província. Pagaram 1.000,00 kz por família e em 15 dias tinham o recibo do pagamento dos emolu-mentos na mão. Segundo os moradores, o facto de terem pago os emolumentos e de ter dirigido três re-querimentos, um dirigido ao 1º, 2º e 3º Bairros Fis-cais, outro à Administração Municipal e um terceiro ao governo Provincial é que assegura ao requerente o reconhecimento da posse da terra.

O governo Provincial recebe o processo de qualquer cidadão quando este dá entrada dos documentos, re-gista a entrada do processo e orienta como pagar os emolumentos na conta do tesouro, mas não responde à solicitação recebida.

O croquis de localização, documento fundamental para o processo de legalização deve ser feito por um topógrafo inscrito na Ordem dos Arquitectos e reco-nhecido pelo governo da Província ou pela Adminis-tração Municipal. Para os moradores do Wenji Maka, este passo foi fácil de concretizar porque havia no bairro um jovem topógrafo inscrito na Ordem dos Ar-quitectos que trabalhava no governo da Província e foi ele quem fez os croquis dos cidadãos interessados em legalizar a sua casa ou terreno.

Actualmente, todos aqueles moradores que não desistiram conseguiram dar esse

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passo no processo de legalização do seu terreno ou casa. Entretanto, os problemas com a Polícia obriga-ram muitas famílias a desistir e a abandonar o local.

Alguns moradores, com terrenos de aproximadamen-te 600 m2, conseguiram completar o processo de lega-lização, mas segundo eles, gastaram várias dezenas de milhares de dólares. Por esta razão, muitos outros moradores não conseguem dar continuidade ao pro-cesso de legalização das suas casas e terrenos.

distrito de viana

O Mosaiko Inform recolheu ainda a experiência de uma cidadã que possui um terreno com 375 m2 numa zona já urbanizada, localizado no distrito de Viana. Segundo a mesma, comprou o terreno, em 2009, por intermédio de uma amiga que, já tinha comprado um outro nessa área, e que, infelizmente, tinha sido víti-ma de burla, pois o vendedor não era dono legítimo do terreno, acabando a sua amiga por perder o terre-no e o valor adiantado ao suposto vendedor.

Actualmente, tem a declaração de compra e venda do terreno, um documento que foi muito difícil de con-seguir porque o terreno em causa tinha sido ofertado, ou seja, a antiga proprietária tinha oferecido o ter-reno a uma senhora como forma de agradecimento por ter cuidado muito bem das suas propriedades. O acordo foi verbal, não havendo documento escrito que comprove essa doação. Com a morte da senhora beneficiária do terreno, alguns populares começaram ilegitimamente a apoderar-se de algumas parcelas. Foi então que o filho da beneficiária decidiu vender algumas parcelas. Mas como não havia nenhum docu-mento comprovativo da posse de terreno, então para poder legitimar o processo de venda, foi necessário contactar a anterior proprietária do terreno que, fe-lizmente, ainda se encontra em vida, apesar dos seus mais de 90 anos de idade, pois uma vez que a doação não fora registada ela continuava a ser legalmente a titular do terreno.

Assim, o pagamento foi feito ao filho da falecida bene-ficiária, mas o contrato foi assinado pela antiga pro-prietária e testemunhado por dois dos seus netos.

Com o contrato de compra e venda em mão, a jovem foi à Comissão de Moradores de Viana que lhe passou uma declaração para efeitos de legalização do terre-no. Mas para poder avançar com a construição, preci-sa de obter a respectiva licença de construção. Segun-do informações obtidas na Administração Municipal, a licença de construção custa 20 000,00 kwanzas e a obra deve ser feita no prazo de um mês. Se não con-seguir terminar a obra num mês, deverá continuar a pagar mensalmente este valor - para actualizar a li-cença de contrução - até que conclua a obra. Estes procedimentos - cujo fundamento legal parece duvi-doso - constituiem um sério obstáculo para o proces-so de legalização.

Por outro lado, procurou saber quais os procedimen-tos necessários para obter a legalização definitiva do seu terreno. O funcionário da Administração Munici-pal que a atendeu disse que deve tratar primeiro do croquis de localização, que tem um custo equivalente a 10.000,00 USD e que o título de propriedade custa 2.000,00 USD. Estas informações deixaram a jovem desmoralizada, dizendo “quanto tempo tenho de tra-balhar para juntar o valor que me pedem?”

Entretanto, foi aconselhada a vedar o terreno, para evitar usurpação por parte de terceiros, porque não tendo qualquer empreendimento ou indícios de cons-trução, corre o risco de ver outra pessoa ilegalmente ocupar e construir no terreno que adquiriu.

Procurou confirmar a informação recebida, através de um amigo que, por sua vez, tem um parente que é funcionário do Tribunal Municipal. Segundo este, “os custos de legalização são mesmo muito eleva-dos”. Aconselhou-a a avançar com as obras e dispo-nibilizou-se a acompanhar e a fiscalizar a construção, tendo ido à Administração para dar a conhecer o seu envolvimento no processo, impedindo deste modo o aproveitamento por parte de terceiros.

Neste momento, as obras estão em curso e a jovem continua a juntar dinheiro para tentar dar continui-dade ao processo de legalização para, de acordo com a lei e como é seu direito, ter o tão desejado título de concessão.

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construindoexPeriências de legalização de terrenos Urbanos

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construindoexPeriências de legalização de terrenos

Urbanos

distrito do cazenga

Um moradora no Bairro Kalawenda – Bananeiras, Dis-trito do Cazenga, partilhou connosco a sua experiên-cia. Há 14 anos, conseguiu um terreno com ceca de 100 m2 de uma maneira muito fácil, numa zona que estava longe do crescimento actual. Procurou nas imediações do bairro aonde encontrou o que preten-dia, fez os contactos necessários para a aquisição do mesmo, pagou o terreno ao antigo proprietário e foi-lhe passada a declaração de compra e venda.

Logo a seguir, segundo ela, começou a construir a sua casa, aos poucos e sem problemas. Provavelmente, o facto de naquela altura a zona estar muito pouco habitada facilitou a obra de construção, uma vez que não teve constrangimentos durante o processo. De-pois de muito tempo, quando a zona começou a ficar mais povoada é que sentiu a necessidade de se dirigir à Comissão de Moradores para assim dar um passo mais no processo de legalização da sua casa. Aí, exi-giram que levasse a declaração de compra e venda do terreno, o nome do senhor que lhe tinha vendido o terreno e testemunhas das duas partes interessadas, juntamente com a cópia do bilhete de identidade e

duas fotografias. Cumpridos os requisitos, oito dias depois ela disse que tinha o documento da Comissão de Moradores que “indica e prova que ela é proprie-tária da casa e moradora do bairro”. Isto permite-lhe tratar outros documentos como, por exemplo, o agre-gado familiar ou o atestado de residência. Considera que o valor que pagou - 200,00 kwanzas - foi baixo.

Pressionada pelos filhos, foi à Comissão de Morado-res para saber dos documentos necessários para le-galizar a casa e assim ter o respectivo título. Na Co-missão mandaram-na ir à Administração Comunal e ela desistiu de avançar com o processo devido à mo-rosidade e dificuldade em dar os passos seguintes.

À luz destas experiências, somos convidados a refle-tir em algumas questões:

w Porque é que o entendimento dos documentos que fazem prova da titularidade do terreno é tão diversa?

w Qual tem sido o papel do Estado e da Comunicação Social no esclarecimento dos cidadãos?

w Porque é que os “esquemas” e os conhecimentos conseguem rapidamente o que quem procura seguir a lei não obtém?

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Hernani cambinda, Mestre em Ciências Juridico-Civilísticas. Docente da Faculdade de Direito da Universidade Católica de angola. advogado.Nesta entrevista, concedida em exclusivo ao Mosaiko inForm aborda questões relacionadas ao regime juridíco dos terrenos urbanos e rurais.

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entrevistahernani lúcio andré caMbinda

Maria de Jesus Tavares

aDvogaDo e DoCeNte UNiveRsitáRio

Fala-se em terrenos urbanos, mas qual é a grande diferença entre terrenos rurais e urbanos num con-texto como luanda e não só?

Do ponto de vista da Lei de Terras em vigor na Re-pública de Angola, de acordo com a sua localização geográfica e a sua finalidade os terrenos são classi-ficados em rurais e urbanos.

Os terrenos urbanos são aqueles que se situam em áreas territoriais que abrigam aglomerados popu-lacionais e dotadas de infraestruturas urbanísticas (rede de abastecimento de água e de electricidade, saneamento básico). Tais áreas territoriais que albergam os terrenos urbanos são estruturadas de acordo com planos urbanísticos aprovados ou ainda de acordo com instrumentos de gestão urbanística

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equiparados legalmente aos planos urbanísticos, por exemplo.

Para além da sua situação ou localização, os ter-renos urbanos caracterizam-se por terem como finalidade a sua ocupação e edificação urbana. Tal ocupação deverá ser feita de acordo com a tipolo-gia dos direitos fundiários existentes e a edificação urbana deverá obedecer aos planos urbanísticos existentes ou outros instrumentos legais equipa-rados. Temos ainda que ter com consideração que os terrenos urbanos , podem ser qualificados em terrenos urbanizados, terrenos de construção e terrenos urbanizáveis.

Os terrenos rurais aqueles que se situam fora dos centros urbanos e destinam-se a fins agrários, industriais, comerciais, exploração mineira, as-sim como de ocupação habitacional, uso e fruição agropecuária e florestal, pelas comunidades rurais. Os terrenos rurais, em razão da finalidade da sua ocupação, são assim classificados em agrários, de instalação, viários, florestais e comunitários, em razão da finalidade da sua ocupação.

De referir que a qualificação dos terrenos como ur-banos ou rurais não é arbitrária, pois tal deve resul-tar dos planos gerais de ordenamento do território ou de uma decisão das autoridades administrativas que intervêm na gestão na terra.

Certamente que em Luanda ainda existem, para além dos terrenos urbanos, os terrenos rurais e, com a última delimitação da divisão política e ad-ministrativa de Luanda e Bengo, certamente Luan-da viu alargado o âmbito onde se situam os terre-nos rurais. De resto, uma das razões que motivaram o legislador a proceder a referida delimitação entre as províncias de Luanda e Bengo foi justamente o desajustamento da divisão administrativa de Luan-da ao crescimento urbano verificado que a transfor-maram numa grande cidade (conforme se pode ler no preâmbulo da Lei n.º 29/11, de 1 de Setembro).

Por fim, devemos ainda referir que os terrenos urbanos e rurais integram-se na categoria dos ter-renos concedíveis, ou seja, aqueles relativamente

aos quais o Estado (proprietário originário da terra) pode ceder o seu uso e aproveitamento às pessoas singulares e colectivas.

encontramos ao longo das vias, muitas reservas fundiárias do estado. o que é que isto significa? serão só os terrenos assim designados ou, em prin-cípio, tudo que é baldio pressupõe reserva fundiária do estado? qual é o fim destes terrenos?

Na parte final da nossa resposta à primeira questão referimos que os terrenos urbanos e rurais enquan-dram-se na categoria dos terrenos concedíveis. No polo contrário dos terrenos concedíveis encontram-se os não concedíveis. Os terrenos não concedíveis, ou seja, aqueles que estão total ou parcialmen-te excluídos do regime de ocupação e uso pelas pessoas singulares e colectivas, em virtude da sua afectação à determinados fins especiais de interes-se público, são também designados por terrenos reservados.

Assim, os terrenos reservados não se confundem com os terrenos ditos baldios, porque aqueles estão vinculados a determinado fim de interesse público cuja realização não permite, total ou parcialmente, a sua ocupação e fruição pelos cidadãos e entes colectivos, já porque a qualificação como terreno reservado deve resultar de um acto administrativo emanado do Titular do poder executivo. Estes dois (afectação do terreno a um determinado fim de interesse público e a declaração qualificadora da natureza reservada do terreno) não existem nos chamados terrenos baldios.

Dentre os fins de interesse público relevante subja-centes à criação de reservas fundiárias, encontram-se, por exemplo, a protecção do meio ambiente, razões de defesa e segurança nacionais, a preser-vação de monumentos e locais históricos, da orla marítima e continental.

Da nossa explicação supra, resulta pois claro que nem todo terreno baldio é uma reserva fundiária e esta é sempre constituida em vista de um fim espe-cífico de natureza pública.

entrevistahernani lúcio andré caMbinda

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que implicação tem isso para a vida das pessoas que ocupam estes terrenos?

As reservas podem ser totais ou parcias. Nas pri-meiras não é permitido qualquer tipo de ocupação e uso, salvo da que resultar da própria conservação e gestão da reserva, e neste sentido os cidadãos não devem “ocupar” tais áreas, sob pena de preju-dicarem a prossecução do interesse público rele-vante afecto ao terreno reservado. Na demarcação do terreno totalmente reservado podem ser incluí-dos terrenos já ocupados por particulares ou sobre os quais o Estado já constituira, a favor destes, di-reitos fundiários, devendo neste caso haver expro-priação por utilidade pública ou a constituição de servidões administrativas. Quer a expropriação por utilidade pública, quer a constituição de servidões administrativas, neste caso, pressupõe a atribuição ao particular de uma justa indemnização, poden-do este optar pela atribuição de uma participação social, nunca inferior a 30% do valor da indemni-zação, no capital social da sociedade comercial de economia mista que, porventura, for constituída para a exploração da área reservada.

Nas reservas fundiárias parciais a prossecução do interesse público subjacente à sua constituição não é de todo incompatível com a sua ocupação e uso por parte de particulares, contanto que o interesse público subjacente à constituição da reserva não seja prejudicado pela referida ocupação e uso. A Lei de Terras enumera a título exemplificativo algumas áreas territoriais parcialmente reserva-das, como sendo a orla marítima, a plataforma continental, os terrenos ocupados por aeroportos e aeródromos com uma faixa confinante de 100 metros, a faixa de terreno de 2 Kilometros ao longo da fronteira terrestre, os terrenos ocupados por estradas provinciais e uma faixa confinante de 30 metros e por estradas secundárias e municipais com uma faixa confinante de 15 metros, os terre-nos ocupados por auto-estradas, por estradas de quatro faixas e por instalações e condutores de ele-tricidade, água, telecomunicações, petróleo e gás com uma faixa confinante de 30 metros cada lado, os terrenos ocupados por linhas férreas de interes-

se público e respectivas estações, observando-se uma faixa de proteção em cada eixo da via, etc.

que procedimentos devem ser observados para a concessão de direito de superfície sobre terrenos urbanos a particulares?

Para a concessão do direito de superfice sobre terrenos urbanos a particulares, é necessário que o particular observe o seguinte procedimento:

w Apresentação do requerimento do interessado; w Informações e pareceres dos serviços que

devam ser consultados sobre o pedido do interessado;

w Demarcação provisória do terreno; w Apreciação do requerimento e aprovação ou

indeferimento; w Demarcação definitiva;w Celebração do contrato de concessão;w Outorga do título de concessão; w Inscrição do direito fundiário adquirido a

favor do concessionário no registo predial

de que forma se pode constituir o direito de pro-priedade sobre terrenos urbanos?

Devemos esclarecer que existem cinco tipos de direitos fundiários, designadamente o direito de propriedade, o domínio útil consuetudinário, o do-mínio útil civil, o direito de superfíce e o direito de ocupação precária.

A transmissão e constituição do direito de proprie-dade privada é limitada aos terrenos urbanos não integrados no domínio público (terrenos urbanos concedíveis) e apenas pode ser feita a favor de pes-soas singulares de nacionalidade angolana.

a lei prevê alguma restrição para a concessão de terrenos a cidadãos estrangeiros?

A restricção existe apenas na transmisão do direito de propriedade e trata-se de uma proibição expressa da Lei. O mesmo se pode dizer do domínio útil con-suetudinário que, por razões de lógica subjacente à natureza de tal direito fundiário não pode ser reque-rido e reconhecido a favor de cidadãos estrangeiros.

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Quanto aos outros direitos fundiários, em princí-pio, não existem restrições à sua transmissão a favor de cidadãos estrangeiros.

segundo a constituição e a lei, os terrenos são propriedade originária do estado, mas temos visto particulares a venderem terrenos sem que tenham os respectivos títulos que lhes confiram algum direito sobre tais terrenos. como é que isto é pos-sível?

O princípio geral é o de que ninguém dá o que não tem... ou seja, ninguém pode transmitir a outrém direitos que não tem. Assim, os particulares que procedem à venda de terrenos sem título bastante praticam uma venda de coisa alheia, sendo por isso um negócio nulo. Nos casos em que essa venda é fraudulenta certamente que o particular não deixa de praticar um ilícito criminal.

Mesmo nas situações em que o particular vendedor seja portador de um título de concessão, sempre é

necessário o consentimento do titular do direito de propriedade (o Estado). Com efeito, regra geral o que se transmite é o direito de construir ou plantar (direito de superfícieI) e naturalmente interessa ao proprietário (Estado) quem irá construir ou plantar algo sobre o seu terreno, daí a exigência do prévio consentimento do Estado para que o título de con-cessão possa ser transmitido legal e validamente a terceiros.

o que dizer da ocupação ilegal e anárquica de terrenos urbanos? qual é, na sua opinião, as causas que levaram/levam a ocupação de terrenos urba-nos nas grandes cidades?

As causas da ocupação, sobretudo a desordena-da, são do conhecimento geral, nomeadamente o longo conflito armado de que resultou a procura de zonas mais seguras (as cidades) e a inexistência de uma política de ordenamento do território e de planos urbanísticos, na altura.

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Este aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos tem cor e ressonância invulgar. Com efeito, neste dia, milhões de seres humanos, nos quatro cantos do mundo, se reconhecem e festejam a vida exemplar de um cidadão que encarnou como ninguém no século XX a exigência primeira da Declaração - “Todos os ho-mens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”.

É inimaginável o caminho percorrido nestes 65 anos. Torturar, fazer crueldades aos outros, discriminar et-nias e povos inteiros tudo isso era considerado normal pela maior parte das pessoas. Assim ao terminar esta breve nota sobre os 65 anos da Declaração façamos só a seguinte reflexão: No dia em que nas Nações Unidas se assinou essa Declaração - 10 de Dezembro de 1948 - a maior parte dos jornais da época, ignoraram esse acontecimento. Hoje, milhões de pessoas em todo o mundo reconhecem-se e saúdam a figura exemplar de Nelson Mandela. Este homem que sofrendo uma das maiores discriminações legais sobre a igualdade - o Apartheid - soube, ao passar de oprimido à liber-dade, reconhecer esse principio para o povo de uma nação inteira. Ao aplaudirem Nelson Mandela esses milhões de pessoas estão todas a aplaudir e a apro-var aquele principio consignado no primeiro artigo da Declaração. “Todos nascemos livres e iguais” Quanto caminho já andado!

No dia 02 de Dezembro de 2013, o Núncio Apostólico em Angola e São Tomé, Sua Ex.ª D. Novatus Rugam-bwa, apresentou, em Luanda, o livro das Actas da IV Semana Social Nacional sobre “Democracia e Par-ticipação”. Na cerimónia de lançamento estiveram presentes os Bispos de Caxito e Saurimo, D. António Jaca e D. José Manuel Imbamba, os Bispos eméritos de Benguela e Lubango, D. Óscar Braga e D. Zacarias Kamwenho respectivamente, o Provedor de Justiça, Dr. Paulo Tchipilica, participantes da IV Semana So-cial, membros da sociedade civil, órgãos de comuni-cação social, entre outros.

O Núncio Apostólico começou o seu discurso situ-ando a Semana Social dentro da Doutrina Social da Igreja, dizendo que “muitos dos participantes, ao de-baterem o tema “Democracia e a Participação”, não se assumem apenas como cidadãos conscientes e activos, mas colocaram-se também como cristãos que querem aprofundar a sua fé nesta área tão di-fícil e delicada do compromisso cristão”. Recordou também a todos que as conclusões e recomendações da IV Semana Social Nacional permanecem actuais, continuando a suscitar o nosso estudo e o nosso com-promisso concreto.

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breveslaNçameNto daS actaS daIV SemaNa SocIal NacIoNalSoBRe democRacIa e PaRtIcIPaçÃo

65º aNIVeRSÁRIo da declaRaçÃo UNIVeRSal doS dIReItoS HUmaNoSEvocando o testemunho de Nelson Mandela

Tudo é considerado impossível até acontecer.NelsoN MaNDela ”“