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MOTIVAÇÃO MORFOSSEMÂNTICA DAS CONSTRUÇÕES COMPOSTAS N-N NO PORTUGUÊS BRASILEIRO
por André Luiz Faria
Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas (Área de Língua Portuguesa)
UFRJ/ Faculdade de Letras Agosto de 2011
MOTIVAÇÃO MORFOSSEMÂNTICA DAS CONSTRUÇÕES COMPOSTAS N-N NO PORTUGUÊS BRASILEIRO
por André Luiz Faria
Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas (Área de Língua Portuguesa)
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa) da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Língua Portuguesa. Orientadora: Professora Doutora Maria Lúcia Leitão de Almeida. Co-orientador: Professor Doutor Carlos Alexandre Victorio Gonçalves.
UFRJ/ Faculdade de Letras Agosto de 2011
DDEEFFEESSAA DDEE TTEESSEE
FFAARRIIAA, André Luiz. Motivação morfossemântica das construções compostas N-N no português brasileiro. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras, 2011, 189 fl. mimeo. Tese de Doutorado em Língua Portuguesa.
BBAANNCCAA EEXXAAMMIINNAADDOORRAA ___________________________________________________________________
Professora Doutora Maria Lúcia Leitão de Almeida – Orientadora Departamento de Letras Vernáculas / Universidade Federal do Rio de Janeiro
___________________________________________________________________
Professor Doutor Carlos Alexandre Victorio Gonçalves – Co-orientador Departamento de Letras Vernáculas / Universidade Federal do Rio de Janeiro
___________________________________________________________________
Professora Doutora Helena Franco Martins Departamento de Letras / Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
___________________________________________________________________
Professor Doutor Mauro José Rocha do Nascimento Departamento de Letras Vernáculas / Universidade Federal do Rio de Janeiro
___________________________________________________________________
Professor Doutor Janderson Lemos de Souza Departamento de Letras / Universidade Federal de São Paulo
___________________________________________________________________
Professora Doutora Sandra Pereira Bernardo Departamento de Letras / Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Departamento de Letras / Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
___________________________________________________________________ Professor Doutor João Antonio de Moraes
Departamento de Letras Vernáculas / Universidade Federal do Rio de Janeiro
___________________________________________________________________ Professora Doutora Mônica de Toledo Piza C. Machado
Departamento de Letras / Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Tese defendida em 26/08/2011.
Para Selma e Margarida, pelo amor edipiano
e sem fronteiras.
AGRADECIMENTOS
Desde o momento em que li uma dissertação (ou tese, não me lembro a
ordem dos fatos!), ainda no curso de graduação em Letras, me apaixonei pela parte
dos “agradecimentos”. Sempre acreditei que aquelas páginas eram, de todas as
outras, as mais sinceras. Isso porque o protocolo sisudo dos trabalhos acadêmicos é
quebrado sem maiores danos à pesquisa do porte, nesse caso, de uma tese.
Já que este espaço me foi facultado, não pouparei elogios a todos aqueles
que participaram direta ou indiretamente da consecução deste texto. Para isso, faço
uma retrospectiva em forma de agradecimento às histórias de vida e, sobretudo das
vozes que aqui ecoam, mas que dificilmente seriam ouvidas ou lembradas, sem
alguma coisa em troca; ou sem uma compensação. Muitos, mas nem todos, não
seriam ouvidos por serem, em sua maioria, analfabetos como se costumava dizer,
ou sendo mais atualizado e politicamente correto – por serem pouco letrados.
Para dar cabo a essa empreitada, começo com as cinco mulheres que
moldaram minha vida, cada uma a sua maneira. A primeira delas foi minha avó,
Margarida Natividade Faria (in memoriam), por ter cuidado de mim a maior parte de
minha infância, a fim de que minha mãe, Selma Maria Faria, com a dignidade que
lhe é peculiar, pudesse trabalhar como empregada doméstica, de segunda a
sábado. O auxílio que vovó Margarida nos deu foi essencial para eu me
transformasse no homem que sou hoje. Fui realmente criado pela avó, e se a marca
impingida por ela for aquela veiculada pelo senso comum, lhe serei grato pelo resto
da minha vida.
Lembro da minha mãe me retirando da cama da minha avó e me levando, à
contragosto, para a cama dela todas as noites. Lembro também de sentir muito calor
durante a noite, devido ao abraço forte que ela me dava, provavelmente por querer
aproveitar o único tempo de que dispunha junto a seu primogênito. Aqueles abraços
fortes e calorosos eram desconfortáveis às vezes, mas me sentia totalmente seguro
por estar nos braços de minha mãe. Lembro também da proteção que dispensava a
mim quando todos se voltavam contra mim. Mesmo quando eu estava errado, ela
me defendia, digamos, como uma leoa à sua cria. A esse amor de mãe, leoa-
protetora, agradeço edipianamente.
A terceira mulher que moldou minha trajetória foi Anariam Alves Silva.
Advogada de profissão, psicóloga por vocação, e pessoa dedicada às causas
sociais, tia Anariam me enxergou e me descobriu no meio de uma multidão, aos sete
anos de idade, pedindo alimentos numa rede de supermercados, vestindo apenas
short e camiseta. Quando nossos olhares se encontraram, nasceu um grande amor.
Desses 27 anos que nos conhecemos, seria difícil enumerar todos os benefícios
morais e intelectuais que ela me proporcionou. Lembro, com vívida lembrança, a
alegria do meu primeiro chinelo de dedo novo, do meu primeiro banho de piscina, do
achocolatado no café da tarde, dos jogos de queimado no play e, sobretudo, do
amor e do “mesmo” olhar carinhoso do nosso primeiro encontro, meio que dizendo
as palavras escritas em parceria, e cantadas por Barry White: “(I love you) just the
way you are”. Não só minha assinatura leva sua marca, mas também minha sede
por justiça, liberdade e aperfeiçoamento.
A quarta delas foi Ângela Maria de Serpa Pinto e Carvalho – a dona Ângela.
Professora apaixonada e apaixonante, que me protegeu da chuva, da fome, do frio;
subiu o Morro dos Macacos e derrubou nosso barraco “na chón”, como diria dona
Armênia, uma personagem de Aracy Balabanian, na novela Rainha da Sucata
(1990), de Sílvio de Abreu! A novela e algumas cenas dela ficaram gravadas em
minha memória, porque foi em 1990, que nos mudados para a casa nova, comprada
por um mutirão de amigos. Se essa atitude não tivesse sido no início dos anos de
1990, provavelmente, teria o nome de uma bolsa. Quem sabe bolsa-proteção? Mas,
mais do que tudo, ela me mostrou que eu poderia ir tão longe quanto eu quisesse,
ao me incentivar e ao acreditar em mim. Me deu apoio nos momentos em que
pensava em desistir; e sempre me dizia: “vale a pena estudar, ser honesto,
trabalhar!” Falando em vale, recebi vários vales dela (em forma de dinheiro, cheque,
ticket). Investiu amor, palavras duras e suaves, compaixão. A minha inspiração de
ser professor veio dela. Logo cedo, percebi que queria ser professor. E hoje,
olhando para trás, só ratifico a escolha que fiz. Ela foi quem realmente me inspirou,
mas a escolha foi minha. Dedico a ela, novamente, parte do soneto de Gregório de
Matos – “A D. Ângela”
Anjo no nome, Angélica na cara! Isso é ser flor e Anjo juntamente: Ser Angélica flor e Anjo florente, Em quem, senão em vós, se uniformara? Quem vira uma tal flor que a não cortara De verde pé, da rama florescente; E quem um Anjo vira tão luzente Que por seu Deus o não idolatrara?
A quinta, mas nem por isso menos importante, foi Maria Virtudes Arosa,
professora-diretora, quem primeiro escreveu minha história de forma mágica.
Conseguiu transformar em poesia a rotina de um menino magro e de olhos
expressivos, nascido na favela. Relendo o texto escrito por ela, “O menino mágico”,
me reconheço e, pela distância temporal que nos separa hoje (o menino e o
homem), consigo enxergar e entender o porquê da palavra “mágico”. Agradeço as
várias orações, os mantimentos, brinquedos, roupas; o carinho, a preocupação, e o
amor.
Estas foram as contribuições – creio eu – mais fortes do “feminino”, no molde
do produto que sou hoje. Vamos agora as outras contribuições igualmente
importantes, mas em outra angulação.
Este trabalho iniciou-se na UFRJ, nas discussões descontraídas e bastante
frutíferas na salinha do NEMP (Núcleo de Estudos Morfossemânticos do Português),
em 2007. Agradeço então à Maria Lúcia Leitão de Almeida (minha orientadora),
porque, ao ingressar no curso da pós, tive o privilégio de ser amparado por ela. Sua
paixão pelas questões linguísticas, inteligência, precisão, diplomacia e hospitalidade
foram muito importantes para minha formação intelectual.
Fui sortudo também por estar sob a co-orientação de Carlos Alexandre
Victorio Gonçalves, meu professor de Morfologia e de História da Língua
Portuguesa, no curso de graduação em Letras, na UFRJ. Sua seriedade e precisão
foram as molas-mestras para a elaboração desta tese. Nesse período, passei a
conhecer (e a aprender) um pouco mais da morfologia das línguas naturais, por
meio de sua orientação segura e amiga.
Agradeço aos professores da graduação em Letras na UFRJ: Carlos
Alexandre Gonçalves, Célia Lopes, Christina Mota Maia, Maria Eugênia Lamoglia
Duarte, Maria Emília Barcelos da Silva, Mônica Rio Nobre, Vera Lúcia Nunes de
Oliveira, Violeta Virgínia Rodrigues; e da pós-graduação em Letras Vernáculas e
Linguística da UFRJ, principalmente Ana Flávia Gerhardt, Carlos Alexandre
Gonçalves, Célia Lopes, Lilian Ferrari, Maria Lúcia Leitão Almeida, Uli Reich.
Sempre ao final de cada curso, ficava com a sensação de que poderia ter me
dedicado mais.
Agradeço ainda à minha banca examinadora, que aceitou participar deste
trabalho com tanta boa vontade e dedicação. À Hanna Jukubowicz Batoréo (da
Universidade de Aberta, em Lisboa) devo as criteriosas observações formais em
relação ao texto, e as válidas críticas, de modo geral, em relação à descrição dos
dados. À Lilian Ferrari devo as sugestões teóricas fantásticas, para lidar como o
objeto de minha pesquisa. Na verdade, me mostrou um caminho alternativo a seguir,
ainda bastante sinuoso na época da qualificação.
Agradeço ainda aos professores José de Sousa Teixeira (Universidade do
Minho), Mauro José Rocha do Nascimento (UFRJ) e Janderson Lemos de Souza
(UNIFESP), pelas indicações bibliográficas valiosas, pela leitura de algumas versões
do que se transformaria nesta tese.
Aos colegas do NEMP: Rafael Rodrigues da Silva Cardoso, Rosângela
Gomes Ferreira, Vitor de Moura Vivas, Daniele Moura Pizzorno, Caio César Castro
da Silva, pelos momentos de alegria e de cumplicidade.
Esses agradecimentos, finalmente, se enceram com os nomes daqueles que,
de uma forma ou de outra, me deram o suporte emocional adequado para a
realização dessa dissertação. Assim, agradeço também:
Ao amigo do coração Nilson Moreira pela descoberta tardia, mas sincera, da
nossa amizade fraternal. Aprendo a cada dia com ele os ensinamentos de vida, de
humanidade. Ao longo de seus “cinquenta” anos, encontra-se livre e jovem!
Aos amigos da Rua São Roberto, no Estácio: Ivan, Cardoso, João e Dantas.
Agradeço a hospitalidade, a amizade, e os “clientes”! Mas o mais importante de
tudo: agradeço por formarem a família que escolheram. E, de certa forma, me sinto
parte dela também. O irmão-amigo que escolhi.
Aos amigos dos vôleis da vida – do Rio de Janeiro e de Jequié.
Aos novos amigos (baianos ou não) que moram em Jequié. Primeiramente
“Chalie’s Angels”: Marcos Salviano Bispo de Queiroz, e Roberto Ives de Abreu
Schettini. Só nós três sabemos o verdadeiro significado disso. Agradeço muitíssimo
à amiga que me ajudou decidir morar na Bahia, Adriana Barbosa. Aos amigos de
conversas e risadas: Elenice, Sirlândia e Isabel.
Aos meus alunos do curso de Letras da UESB, fonte de inspiração, amizade,
carinho, respeito e renovação da prática docente, e como não poderia deixar de ser,
de vários exemplos de língua viva.
Aos professores da UESB-Jequié, sobretudo aos professores da AEL, e do
DCHL, que participaram, indiretamente, desta tese, ao aprovarem as minhas idas ao
Rio de Janeiro para ser orientado.
Aos amigos inesquecíveis: Alessandra, Ana Lourdes, Ana Paula, Babi,
Éderson, Esdras, Francisco, Jaqueline Peixoto, Kátia Mery, Manoel Melo, Miguel
Júnior, Pathrycia (Paty), Patrícia Terezinha (Teuza), Rogério, Sandro, Tatiana
Vivório (Tataia), Tatiana (Tati), Vânia.
À minha mãe, Selma Maria Faria, e aos meus irmãos Anderson, Wilson,
Willian (in memoriam), Ana Paula, Felix e Luiz Fernando pelo sangue que nos
mantêm unidos por onde andarmos, neutralizando, assim, a distância espacial que
nos separa uns dos outros.
Sei que é meio incomum, mas gostaria de agradecer aqueles que esqueci de
mencionar. Quero que se sintam homenageados também, e me perdoem pela gafe.
Mas quem me conhece irá entender perfeitamente o que digo...
Chega mais perto e contempla as palavras. Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta, sem interesse pela resposta, pobre ou terrível, que lhe deres: Trouxeste a chave?1
DRUMMOND
1 DRUMMOND, Carlos (1965). Antologia poética. São Paulo: Círculo do Livro. p. 127
xiii
FARIA, André Luiz (2011). Motivação morfossemântica das construções compostas N-N do português brasileiro. Rio de Janeiro, 2011. Tese (Doutorado em Letras Vernáculas) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 150 fl.mimeo.
RESUMO Este trabalho examina a motivação do mecanismo de formação de palavras conhecido como composição pós-lexical (LEE 1995), adotando-se a orientação cognitivista de estudo das línguas, sobretudo as orientações de cunho construcionista. Dentro do grupo dos compostos pós-lexicais, e entre as várias categorias que esse processo abarca, optamos pelo estudo das construções formadas por dois nomes (N-N), em que a cabeça lexical, sempre na margem esquerda do produto, é ‘auxílio’, ‘bolsa’, ‘seguro’ e ‘vale’, a exemplo de ‘auxílio desemprego’, ‘bolsa-escola’, ‘seguro-saúde’ e ‘vale-refeição’, nessa ordem. À luz dos pressupostos teórico-metodológicos da Linguística Cognitiva, defendemos a hipótese de que a criação dos compostos N-N do PB constitui um processo regular e previsível. Diferentemente do que se encontra na literatura de cunho estruturalista, o processo composicional não se dá de forma idiossincrática, tampouco constitui a soma concatenativa de bases que formam uma palavra por meio da aplicação de regras somente. Assumimos, então, que esse fenômeno é o resultado de operações morfossemânticas sobre construções gramaticais, em cuja base se encontram princípios cognitivos interligados, que ativam a construção de significados, categorizando e recategorizando o mundo, ao relacionar esquemas cognitivos abstratos com instancias desses esquemas (GOLDBERG 1995, JACKENDOFF 2002, LANGACKER 2009, BOOIJ 2010). Palavras chave: motivação; palavras compostas; Semântica; Morfologia; Linguística Cognitiva.
xiv
FARIA, André Luiz (2011). Motivação morfossemântica das construções compostas N-N do português brasileiro. Rio de Janeiro, 2011. Tese (Doutorado em Letras Vernáculas) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 150 fl.mimeo.
ABSTRACT This dissertation proposes to explain the motivation of the word formation mechanism known as post-lexical compounds (LEE 1995). To do so, we adopt the framework of Cognitive Linguistics, specially the constructionist approach. Take into account post-lexical compounds, between the various categories deals with this process, we study NN structure, in which the lexical head, placed on the left of the product is ‘auxílio’, ‘bolsa’, ‘seguro’ e ‘vale’, like ‘auxílio desemprego’, ‘bolsa-escola’, ‘seguro-saúde’ e ‘vale-refeição’,. In light of the theoretical and methodological assumptions of Cognitive Linguistics, we support the hypothesis that the rising of the Brazilian Portuguese NN compounds is guided by regular and predictable cognitive mechanisms. Unlike what had been found in formal literature, composition does not occur idiosyncratically concatenative nor is the sum of bases that make up a word by the application of rules only. We assume that this phenomenon is the result of operations on morphological semantic grammatical constructions, upon which are interconnected cognitive principles, which enable the construction of meaning, categorizing and re-categorizing the world, when the abstract cognitive schemata relate to instances of these schemes (GOLDBERG 1995, JACKENDOFF 2002, LANGACKER 2009, BOOIJ 2010). Keywords: motivation; compounding; Semantics; Morphology; Cognitive Linguistics.
SUMÁRIO RESUMO xiv ABSTRACT xv LISTA DE QUADROS E ESQUEMAS xvii CAPÍTULO 1: INTRODUÇÃO ................................................................................. 18 CAPÍTULO 2: PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS ......................... 28 2.1. Introdução ............................................................................................. 28 2.2. A Linguística Cognitiva ........................................................................ 29 2.3. Gramática das Construções ................................................................ 36 2.3.1. Breve histórico .......................................................................... 36 2.3.2. A proposta de Goldberg ............................................................ 38 2.3.3. Propostas complementares ...................................................... 49 2.3.3.1. Booij (2010) ................................................................. 49 2.3.3.2. Langacker (2009) ........................................................ 58 2.3.3.3. Jackendoff (2002) ........................................................ 60 2.4. Conclusão .............................................................................................. 61 CAPÍTULO 3: ENFOQUES SOBRE A COMPOSIÇÃO DE PALAVRAS ................ 63 3.1. Introdução .............................................................................................. 63 3.2. Perspectiva diacrônica ......................................................................... 65 3.3. Perspectiva tradicional ......................................................................... 69 3.4. Perspectiva descritiva .......................................................................... 75 3.5. Perspectiva linguística ......................................................................... 78 3.5.1. Abordagem estruturalista .......................................................... 78 3.5.2. Abordagem gerativista .............................................................. 86 3.6. Resultados de pesquisas ..................................................................... 98 3.7. Síntese ................................................................................................. 109
CAPÍTULO 4: AS CONSTRUÇÕES TRANSFERENCIAIS N-N ........................... 112 4.1. Introdução ........................................................................................... 112 4.2. As construções compostas transferenciais N-N ............................. 114 4.2.1. As construções bolsa-X .......................................................... 114 4.2.2. As construções auxílio-X ........................................................ 126 4.2.3. As construções seguro-X ....................................................... 129 4.2.4. As construções vale-X ............................................................ 134 4.3. Categorização dos compostos N-N .................................................. 140 4.4. Formação do padrão cognitivo ......................................................... 146 4.5. O frame compensatório ...................................................................... 151 4.6. Esquemas imagéticos ........................................................................ 154 CAPÍTULO 5: MOTIVAÇÃO DAS CONSTRUÇÕES COMPOSTAS .................... 157 5.1. Introdução ........................................................................................... 157 5.2. Metodologia ......................................................................................... 158 5.3. A proposta de Goldberg (1995) e os compostos transferenciais .. 161 5.4. Análises complementares à motivação dos compostos N-N ......... 172 5.4.1. Aplicação da análise de Booij (2010) ...................................... 172 5.4.2. Aplicação da análise de Langacker (2009) ............................. 174 5.4.3. Aplicação da análise de Jackendoff (2002) ............................ 177 5.5. Conclusão ............................................................................................ 178 CAPÍTULO 6: CONCLUSÃO ................................................................................. 180 REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 183 ANEXOS Anexo 1: Alvará de soltura (vale-night) Anexo 2: Definição dos compostos
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LISTA DE QUADROS E ESQUEMAS
Quadro 01: Goldberg (padrões sentenciais do inglês) ............................................. 38
Quadro 02: Goldberg (princípios cognitivos da organização linguística) ................. 46
Quadro 03: Regularidade e flexibilidade do sentido em bolsa-x ............................ 123
Quadro 04: Regularidade e flexibilidade do sentido em auxílio-x .......................... 126
Quadro 05: Regularidade e flexibilidade do sentido em seguro-x .......................... 130
Quadro 06: Regularidade e flexibilidade do sentido em vale-x .............................. 135
Quadro 07: Relações de causa e finalidade dos compostos N-N .......................... 137
Quadro 08: Ocorrência do número de “direitos essenciais” ................................... 140
Quadro 09: Ocorrência do número de “ações complementares” ........................... 140
Esquema 01: Booij (palavras compostas do holandês) ........................................... 54
Esquema 02: Langacker (formalização da estrutura abstrata e específica) ............ 58
CAPÍTULO 1: INTRODUÇÃO
No esforço para compreender a realidade, somos como um homem tentando entender o mecanismo de um relógio fechado. Ele vê o mostrador e os ponteiros, ouve o seu tique-taque, mas não tem meios para abrir a caixa. Se esse homem for habilidoso, pode imaginar um mecanismo responsável pelos fatos que observa, mas nunca poderá ficar completamente seguro de que sua hipótese seja a única possível2.
ALBERT EINSTEIN
É possível identificar palavras compostas em todas as línguas naturais,
sobretudo se levarmos em conta os diversos graus de combinação3 que esse
processo abarca. As descrições já realizadas sobre esse mecanismo de formação
de palavras apontam as dificuldades em definir precisamente o que vem a ser a
composição.
Mutatis mutandi, entende-se a composição como um processo que combina
palavras ou radicais para formar um item morfologicamente complexo. Bauer (2003:
40) a define como um processo de “formação de um novo lexema através da
adjunção de dois ou mais lexemas”. Booij (2007: 75), por outro lado, entende como
palavras compostas a “combinação de duas palavras, em que uma delas modifica o
significado da outra, ou seja, seu núcleo”, o que implica dizer que, em sua visão, a
composição apresenta uma estrutura subordinada.
Além dos vários ângulos que as definições sobre os compostos assumem,
outras questões mais abrangentes foram propostas, tomando-se como base,
sobretudo, a língua inglesa. Indagações como (a) o que de tão especial existe nas
2 EINSTEIN, Albert & INFELD, Leonard (1982). A evolução da física. Lisboa: Livros do Brasil. p. 78. 3 “(...) a composição abarca a construção de várias construções, tais como expressões idiomáticas, colocações, construções binominais ou construções pré-fabricadas” (GUEVARA & SCALISE, 2009: 4).
19
palavras compostas? e (b) o que as diferencia das construções sintáticas? ainda
causam inquietações, dependendo da posição teórica que se adote.
Ocorre que essas indagações em relação aos compostos não constituem
excepcionalidades da língua inglesa. Pesquisas realizadas sobre o fenômeno
mostram a complexidade do tema, quando ele é não só analisando sob diversos
enfoques teóricos, mas também descrito e ilustrado com exemplos de diferentes
línguas. Em Lieber & Štekauer (2009), por exemplo, algumas respostas são dadas,
levando-se em conta variadas posições teóricas – gerativas e não-gerativas – e
variadas perspectivas – sincrônica, diacrônica, psicolinguística.
Uma das respostas possíveis à questão de os compostos serem especiais é o
fato de normalmente envolverem dois constituintes, que contraem uma relação
semântica que não se encontra explícita na concatenação dos vocábulos. Esse é o
caso de ‘peixe-boi’ e ‘cantor-compositor’. No primeiro caso, tem-se uma relação
metafórica, em que o composto pode ser interpretado como ‘um peixe com
aspecto/aparência de um boi’; no segundo, tem-se uma relação de adjunção, em
que ‘a pessoa é um cantor e um compositor simultaneamente’.
Mas as relações sintático-semânticas acima não são exclusivas dos
compostos. Muito pelo contrário! Mora aí uma das diferenças (e semelhanças) entre
compostos e as “construções sintáticas stricto sensu”. Observem-se os exemplos
abaixo:
(01) a) Não fui à festa de seu aniversário: não me convidaram. b) Não fui à festa de seu aniversário: não posso saber quem estava lá. c) Não fui à festa de seu aniversário: passei-lhe um telegrama.
(02) a) Leite com manga morre!
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Em (01), se considerarmos a primeira parte da construção como a constante
e a segunda parte como a variável (numa relação XY à imagem e semelhança de
algumas construções morfológicas, a exemplo de ‘cyber café’, ‘cyberdúvidas’, ‘cyber
jogos’), percebem-se claramente os contornos semântico-pragmáticos de causa, de
conclusão e de oposição, os quais (a), (b) e (c) assumem (FAVERO, 1987) na
interdependência entre X e Y.
Em (02), ao contrário, em uma única ocorrência, há sobreposição dessas
relações, a depender do nexo semântico que se infira do todo. Dessa maneira,
emergem, mais claramente, as noções de tempo (‘Quando se toma manga com
leite, morre-se’) e de condição (‘Se tomamos manga com leite, morremos’). A
sobreposição de relações semânticas não constitui grande novidade, visto que a
própria natureza das relações de tempo e condição conduz a leituras desse tipo,
uma vez que a noção de tempo está subentendida na de condição (DECAT, 2010).
Mostraremos que os significados, que emergem a partir das construções
morfológicas XY (a exemplo de ‘auxílio aluguel’, ‘bolsa escola’, seguro desemprego’,
‘vale-refeição’), semelhantemente ao que acontece com as construções sintáticas,
só podem ser inferidos dentro da plenitude do contexto que lhes deu origem.
No português, as gramáticas tradicionais (GT) não divergem muito no
tratamento da composição (BECHARA, 2006; CUNHA & CINTRA, 1985; ROCHA
LIMA, 1972). Segundo as descrições lá encontradas, as construções compostas
podem formar-se mediante a combinação de dois substantivos (‘manga-rosa’), dois
adjetivos (‘azul-marinho’), dois verbos (‘corre-corre’), um advérbio e um adjetivo
(‘sempre-viva’), um numeral e um substantivo (‘mil-folhas’), um pronome e um
substantivo (‘Nosso Senhor’), só para citar algumas dessas associações que,
independentemente do arranjo que estabeleçam, criarão, como produto-final, uma
categoria de status nominal em língua portuguesa.
21
Ao definir compostos, os gramáticos destacam, de modo geral, três critérios:
(a) ser a combinação de dois vocábulos que tenham tido, anteriormente, existência
independente na língua; (b) ser formado por vocábulos que possuam, cada um
deles, seu significado específico; e (c) resultar em um vocábulo único, com um
significado novo – em relação ao dos elementos formadores – e constante (CUNHA
& CINTRA, 1985; BECHARA, 1970; ROCHA LIMA, 1972).
Fora do âmbito da GT, é bastante comum definir composição sempre em
oposição à derivação, como processos diametralmente opostos (BASÍLIO, 2004;
KEHDI, 1990). Segundo esses autores, na derivação por sufixação, por exemplo,
cada sufixo apresentaria noção semântica previamente definida e transferida, após a
adjunção a uma base, para a nova palavra. Tomemos como exemplo o sufixo –ite,
que, nessa visão, “portaria” o significado de “inflamação”. Desse modo, quando
afixado a uma base, o significado do produto será igual à inflamação da base, como
em ‘tendinite’ (inflamação nos tendões) ou ‘bronquite’ (inflamação nos brônquios).
Nessa angulação, o significado seria composicional e, por isso mesmo, previsível, já
que, sabendo o significado do sufixo, é possível determinar o significado da nova
palavra.
No caso da composição, ao contrário, o significado não seria previsível, dado
o fato de estarem envolvidas duas bases livres, cujo produto-final não apresenta
relação com o significado isolado de cada membro. Como prever o significado de
palavras como ‘louva-a-deus’, ‘mil-folhas’ e ‘copo-de-leite’, como um inseto, um
salgado e uma flor, apenas pela soma das palavras que as compõem?
Por conta dessa questão, é certo afirmar que, na composição, não importa o
significado de cada um dos membros, mas sim o do produto, cujo significado se
distingue da noção expressa por cada uma das bases. Em vista disso, fala-se das
dificuldades de padronização desse mecanismo de formação de palavras, uma vez
22
que, diferentemente da derivação sufixal, não é possível construir um paradigma em
que determinada base carregue um significado fixo para diversas formas finais,
conforme a perspectiva adotada por esses estudiosos. Sobre a flexibilidade e
continuidade entre composição e derivação, textos como os de Marchand (1969),
Naumann & Vogel (2000), Booij (2005), Cunha & Cintra (1985) e Gonçalves (2011)
são extremamente elucidativos, por considerarem que as fronteiras entre esses dois
processos são bastante maleáveis de ambos os lados. Nada, porém, é dito sobre a
motivação desses compostos.
Pesquisas em língua portuguesa sobre a composição de palavras
consideradas clássicas, como Bessa (1978, 1988), Villalva (1994), Martins (1995),
Lee (1995), Sandmann (1996), Moreno (1997), Almeida (1999), e outras mais
recentes, como Santos (2009), confirmam não só a complexidade do assunto, mas
também as diversas abordagens teóricas já testadas na explicação do tema. De
modo geral, tais pesquisas apontam alguns fatos como perturbadores a uma
descrição mais precisa dos compostos: (a) poderem ter dois acentos (tóca díscos),
(b) poderem flexionar-se entre os constituintes (garotas propaganda), (c) só
poderem ser vocábulos [+N], (d) poderem formar DIM (diminutivo) entre os
constituintes (guardinha noturno) e (e) poderem flexionar-se mais de uma vez
(homens rãs).
Lee (1995: 52), ao estudar a interface entre a fonologia e a morfologia do PB,
assumindo os pressupostos teóricos da Morfologia Lexical (KIPARSKY, 1982, 1985)
– que considera que “a formação dos compostos, como um processo de formação
de novas palavras, acontece no léxico” – bem como as considerações de Villalva
(1994), que atesta que “os compostos do português são palavras sintáticas
reanalisadas, de tal maneira que a formação de composto acontece na sintaxe”,
propõe dois tipos de compostos presentes na variante brasileira: os lexicais e os
23
pós-lexicais. Aqueles, por serem formados no léxico, são sintaticamente opacos e
estes, por se formarem no componente sintático, são sintaticamente transparentes.
Consoante as ideias do autor, os compostos lexicais seriam os únicos
verdadeiros, já que independeriam de operações morfológicas. O autor enumera
algumas características presentes nesses compostos, tais como: comportarem-se
como palavras únicas; não permitirem flexão interna; não permitirem derivação no
primeiro constituinte; não manterem concordância entre seus componentes; e
poderem, como palavras comuns, servir de base para derivações. Diferentemente,
os compostos pós-lexicais permitem flexão interna; admitem derivação no primeiro
constituinte e mantêm concordância entre seus constituintes. Assim, os vocábulos
‘rádio-taxi’, ‘espaçonave’ e ‘autopeça’4, segundo o autor, constituiriam casos de
compostos lexicais, por apresentarem a sequência determinante (DT) + determinado
(DM), ao passo que os itens ‘sofá-cama’, ‘trem-bala’, ‘mesa-redonda’ e ‘pé-de-
moleque’ seriam compostos pós-lexicais, por apresentar a sequência (DM)+(DT).
Tomemos como exemplo o composto lexical ‘rádio-taxi’ e o pós-lexical ‘sofá-
cama’, cada um representando, respectivamente, as duas categorias sugeridas por
Lee (op. cit.). No primeiro caso, seguindo as restrições listadas pelo autor para os
compostos lexicais, ‘rádio-taxi’ não permite flexão interna (*‘rádios-taxi’), mas
somente externa, como em ‘rádio-taxis’; não permite também derivação no primeiro
elemento (*‘radinho-taxi’), mas somente no segundo, como em ‘rádio-taxista’;
finalmente, não mantêm concordância entre seus componentes (*‘rádios-taxis’). No
segundo caso, ‘sofá-cama’ permite flexão interna (‘sofás-cama); admite derivação no
primeiro constituinte (‘sofazinho-cama’) e mantêm concordância entre seus
constituintes (‘sofás-camas’). 4 Embora o autor cite o vocábulo autopeça como um caso de composição, há autores que preferem agrupar tal fenômeno como um caso de recomposição (IORGU & MONOLIU, 1980; CUNHA & CINTRA, 1985). Como não é nosso objetivo, no momento, estabelecer a diferença entre composição e recomposição, deixamos apenas a indicação da diferença que se faz entre os dois termos.
24
Nesta tese de doutoramento, usando dados do PB, pretendemos explicar a
motivação5 do mecanismo de formação de palavras conhecido por composição pós-
lexical (LEE, 1995), baseado no modelo construcionista goldbergiano, denominado
Gramática das Construções (GOLDBERG, 1995, 2006), e em algumas postulações
cognitivistas vinculadas direta ou indiretamente a esse tipo de gramática (LAKOFF,
1987; LANGACKER 1987, 2008, 2009; BOOIJ, 2010; JACKENDOFF, 2002).
Dentro do grupo dos compostos pós-lexicais, e entre as várias categorias que
esse processo abarca, optamos pelo estudo das construções formadas por dois
nomes (N-N), em que a cabeça lexical, sempre na margem esquerda do produto, é
‘auxílio’, ‘bolsa’, ‘seguro’ e ‘vale’, a exemplo de ‘auxílio desemprego’, ‘bolsa-escola’,
‘seguro-saúde’ e ‘vale-refeição’, nessa ordem.
Tendo como alicerce o quadro teórico que escolhemos para esquadrinhar
esta pesquisa, minha tese é a de que a criação dos compostos N-N do PB constitui
um processo regular e previsível. Diferentemente do que se encontra na literatura de
cunho estruturalista, o processo composicional não se dá de forma idiossincrática
(CÂMARA JR., 1970). Assumimos que esse fenômeno é o resultado de operações
morfossemânticas sobre construções gramaticais, em cuja base se encontram
princípios cognitivos interligados (cortes, apagamentos, sombreamentos e
focalizações), que ativam a construção de significados, categorizando e
recategorizando o mundo, ao relacionar esquemas cognitivos abstratos com
instâncias desses esquemas (GOLDBERG, 1995; JACKENDOFF, 2002;
LANGACKER, 2009; BOOIJ, 2010).
Embora os trabalhos e pesquisas acerca da composição (BASILIO, 2004;
BESSA, 1978; KEHDI, 1990; VILLALVA, 1994; LEE, 1995; SANDMANN, 1996)
5 Entendemos motivação aqui no sentido goldbergiano, a saber: possibilidade de extração das regularidades e padrões existentes no pareamento forma-sentido.
25
apresentem seu valor na delimitação e compreensão do tema, tais estudos diferem
deste, sobretudo pela abordagem teórica adotada.
Na GC, não há modelos que trabalhem especificamente com fenômenos de
interface, como a composição, por exemplo6. A aplicação da máxima de “não
existirem fronteiras rígidas entre léxico e gramática” funciona até que medida? A
noção de construção que encontramos, na maioria das vezes, se refere a padrões
sintáticos em que propriedades formais específicas se correlacionam com
propriedades semânticas específicas que, apesar de não serem completamente
composicionais, são previsíveis. Por conta disso, também, mesclamos algumas
abordagens, com o intuito de tornar a análise mais condizente com as bases
epistemológicas da LC.
O interesse em encontrar justificativas empíricas para a motivação do
fenômeno em exame nos impulsionou para os domínios teóricos da Linguística
Cognitiva (LANGACKER, 1987 2008, 2009; LAKOFF, 1987; LAKOFF & JOHNSON,
1980) e, mais especificamente, para os domínios do modelo da Gramática das
Construções (GOLDBERG, 1995; BOOIJ, 2010), justamente por ser um modelo que
pode ser aplicado a fenômenos de fronteira, como é o caso das construções
compostas. A investigação do tema em língua portuguesa se justifica, devido à
inexistência de análises acerca da motivação das palavras compostas e, mais
especificamente, dos compostos nominais N-N do PB, sobretudo no paradigma da
GC. Nesse âmbito, uma questão a ser respondida e a seguinte: qual é a motivação
cognitiva dos compostos?
Diante das diretrizes epistemológicas adotadas, alguns problemas se colocam
na compreensão das construções compostas aqui estudadas: (a) se sentidos de
diferentes construções compostas são sistematicamente relacionados, a partir de 6 A exceção é o recente modelo teórico conhecido como Morfologia Construcional (Construction Morphology), de Geert Booij.
26
que esquema construcional abstrato essas construções são instanciadas? (b) se há
relação semântica entre as construções compostas, como elas podem ser
organizadas de modo a refletir regularidades? É possível pensar em instanciações
construcionais a partir de componentes distintos da gramática?
Em confronto com os objetivos traçados para a realização deste trabalho, as
hipóteses em que circunscrevemos esta pesquisa são as seguintes: (a) as palavras
compostas são construções gramaticais, projetadas de construções sintáticas,
depreendidas a partir de nossas experiências no mundo; (b) o significado do produto
do composto dependerá de conhecimentos sócio-histórico-culturais, inferidos a partir
de uma cena compensatória.
A tese se estrutura em cinco capítulos, além desta introdução. No capítulo
dois, apresentamos os pressupostos teóricos que embasaram esta pesquisa,
mostrando a trajetória que se empreendeu no estudo da linguagem, objetivando
focalizar a ruptura epistemológica que ocorreu com a inserção da LC no campo das
ciências cognitivas. Desembocamos nos modelos de Goldberg (1995), Booij (2010),
Langacker (2009) e Jackendoff (2002), que sustentarão as análises realizadas no
capítulo 5 desta tese.
No capítulo 3, descrevemos, sumariamente, algumas das principais questões
acerca dos compostos, em geral e, especificamente, do português, restringindo-nos
à descrição dos compostos subordinativos, por ser esse tipo de composto o objeto
de nossa análise.
No capítulo subsequente, discutimos as novas formações, que batizamos de
compostos transferenciais N-N, construções essas surgidas no PB a partir de
meados da década de 1980. Essas construções (com cabeça lexical ‘auxílio’, ‘bolsa’,
‘seguro’ e ‘vale’) vêm tomando espaço na fala e na escrita e se aclimatando em solo
27
brasileiro mediante o desenvolvimento socioeconômico do país. Como se verá, o
cenário socioeconômico parece motivar a ativação de um padrão na língua.
O capítulo 5 dedica-se à análise construcional dos compostos N-N
transferenciais a partir dos pressupostos teóricos da LC, principalmente aqueles
relacionados às construções gramaticais. Apresentamos a metodologia adotada na
pesquisa logo no início do capítulo. Partindo das postulações de Goldberg (1995)
sobre a construção bitransitiva, vamos refinando a análise com outras postulações
que, segundo nosso conhecimento, tornam a análise das construções compostas N-
N mais condizentes com as postulações da LC.
Finalmente, à luz dos dados analisados sob a perspectiva cognitivista, e por
meio das inserções feitas ao longo do trabalho, concluímos esta tese procurando
mostrar que ela é (i) mais uma interpretação aos dados do português (ii) e que suas
contribuições poderão trazer para a pesquisa linguística insights no que tange aos
compostos N-N do PB e de outras línguas.
Parafraseando a reflexão de Albert Einstein que abre esta introdução,
poderíamos dizer que, no esforço para compreender os compostos N-N do PB,
somos, também, como o homem citado por ele, que tenta entender o mecanismo de
um relógio fechado. Assim como a personagem do físico-filósofo, não temos como
abrir a caixa, porém nossos órgãos de sentido, nosso corpo e nossa sociedade
percebem a formação desses compostos. Para tentar desvendar os mistérios dessa
caixa-cérebro, usaremos uma arma poderosa para sustentar nossa hipótese: uma
teoria de viés inferencialista, assunto do próximo capítulo.
CAPÍTULO 2: PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS
Quando se olha uma coisa de um ponto de vista diferente, ela pode parecer mais simples que antes; essa simplificação permitirá mais clareza na compreensão que se tem do fenômeno, deixando-o, porém, tal como é e sempre foi. [...] Mesmo admitindo que a facilidade e clareza se recobrem até certo ponto, tornar claro não é necessariamente a mesma coisa que tornar fácil7.
LOUIS HJELMSLEV
2.1. Introdução
Qualquer investigação acerca da natureza das palavras compostas deve
responder a uma questão fundamental: qual a arquitetura da gramática e qual a
concepção de linguagem adotada na análise dos compostos? No que tange à
arquitetura da gramática, indagaríamos ainda se essa arquitetura dispõe de
componentes distintos especialmente projetados para a formação dos compostos ou
se, embora separados, esses componentes se intercomunicariam em toda sua
extensão.
Respondendo a essas questões, este capítulo apresentará a concepção de
linguagem adotada neste trabalho, assim como a arquitetura do modelo em que
estamos nos baseando. Inicialmente, damos uma visão geral da Linguística
Cognitiva e, mais especificamente, do modelo descritivo dela derivado, conhecido
como Gramática das Construções (GC). No modelo da GC, focalizaremos a
proposta goldbergiana para a análise dos compostos, não deixando de levar em
7 HJELMSLEV, Louis (1968). La structure fondamentale du langage. Paris, Munuit. p. 176-7.
29
conta aspectos que consideramos relevantes, encontrados em autores como Booij,
Langacker e Jackendoff.
2.2. A Linguística Cognitiva: concepção de linguagem e arquitetura da
gramática
A Linguística Cognitiva (LC) surge a partir da linguística praticada pelos
professores da Universidade da Califórnia, em Berkeley, e, mais tarde, também em
San Diego, no final da década de 1970. Daí se irradiou mundialmente e, entre 19898
e 19909, adquire oficialmente sua “certidão de nascimento”.
Esse novo paradigma teórico inicia-se a partir do desenvolvimento das
pesquisas empreendidas nesses centros acadêmicos norte-americanos, cujos
pesquisadores consideravam lacunares as posições teóricas utilizadas até então,
sobretudo no que tange à arquitetura da gramática em geral e, particularmente, à
arquitetura da gramática gerativa.
Diferentemente dos modelos teóricos anteriores, como o estruturalismo e o
gerativismo, a linguagem não é uma faculdade autônoma em relação às outras
faculdades humanas, como a visão, a audição, a memória, a capacidade de pensar
e de se emocionar. Nas palavras de Langacker (1987: 12), “a linguagem é parte da
cognição humana”. A linguagem, entendida como parte que interage com outros
sistemas cognitivos, é responsável por apenas uma parcela da cognição, ao
contrário do que advoga, por exemplo, o gerativismo, que a concebe como
capacidade inata, localizada em um módulo autônomo – único e específico – da
mente.
8 Primeira Conferência Internacional de Linguística Cognitiva. 9 Primeiro número do periódico Cognitive Linguistics. Para muitos estudiosos, a publicação do período é o que marca a institucionalização da LC.
30
Diametralmente contrária ao inatismo chomskyano, a LC entende as
construções linguísticas como manifestações de capacidades cognitivas gerais.
Essas capacidades referem-se à organização conceptual, aos princípios de
categorização, aos mecanismos de processamento, sempre se levando em conta as
experiências individuais, sociais e culturais às quais os indivíduos estão submetidos.
Além disso, a gramática constitui-se por uma rede de construções. Nessa
visão, postula-se que as unidades mínimas da gramática são construções –
“unidades linguísticas complexas que estabelecem relação forma/sentido
absolutamente impreditível a partir de simples cálculos combinatórios” (cf. MIRANDA
& SALOMÃO, 2009: 25) – que diferem apenas no caráter de sua constituição formal.
Segue-se a isso a máxima de que há continuidade entre léxico e gramática, numa
relação direta com o uso linguístico.
O que se rotula LC abarca um espectro de postulações teóricas bastante
heterogêneo. O movimento se interconecta tanto com os domínios das chamadas
“Ciências Cognitivas” (Psicologia Cognitiva, Neurociência, Inteligência Artificial)
quanto com os de outros campos do saber (Antropologia, Sociologia, Filosofia etc.),
na tentativa de “explicar tanto quanto possível a linguagem”10 (LAKOFF &
JOHNSON, 1980), já que a rede de informações perpassa diversos âmbitos. A
interseção entre esses domínios de conhecimento seria, segundo Almeida et alii
(2010: 16), a hipótese da motivação conceptual da gramática, segundo a qual
fenômenos léxico-gramaticais devem ser explicados a partir de mecanismos
cognitivos mais gerais.
Vale destacar que a significação, na visão da LC, apresenta um viés
inferencialista, o que a diferencia da posição referencialista advogada pelos 10 O texto original é o que se segue: “Cognitive linguistics is a linguistic theory that seeks to use the discoveries of second-generation cognitive science to explain as much of language as possible. As such, it accepts the results of second generation cognitive science and does not inherit the assumptions of any full-blown philosophical theory” (LAKOFF & JONHSON, 1980: 496)
31
estudos tradicionais. O significado das construções vai se calcar tanto em processos
mentais (metafóricos ou metonímicos) quanto em aspectos socioculturais. Esse
modo de entender o significado se relaciona com a visão filosófica empreendida pela
LC. O que está por trás dessa discussão epistemológica, portanto, é a divisão entre
‘mente e corpo’, tão comum à tradição cartesiana.
A posição filosófica e epistemológica da LC é o experiencialismo (realismo
corporificado ou realismo básico), perspectiva segundo a qual a cognição humana
(e, logo, a linguagem) é determinada pelas experiências individual (incluindo a
experiência corporal) e coletiva. O experiencialismo, segundo Lakoff (1987), se opõe
ao objetivismo. Nesse último, os símbolos que compõem o mundo físico são
etiquetados, numa relação direta entre linguagem e mundo material. Nas palavras
de Johnson (1990),
(01) O corpo foi ignorado pelo Objetivismo, porque se acreditava que ele introduziria elementos subjetivos considerados irrelevantes à natureza objetiva do significado. O corpo foi ignorado porque a razão era considerada abstrata e transcendente, ou seja, não vinculada a nenhum dos aspectos corpóreos da compreensão humana11.
Na angulação objetivista, o pensamento seria apenas uma manipulação de
símbolos abstratos, numa espécie de manipulação da natureza. É daí que vem a
ideia, ainda defendida por alguns autores, de que o pensamento é uma massa
amorfa que será moldada segundo a lógica das normas gramaticais. Ademais, essa
visão do pensamento o coloca em uma posição de “limbo”, ou seja, ele não teria
relação com o corpo e suas limitações, tampouco com os sistemas perceptual e
nervoso. 11 O texto original é o que se segue: “The body has been ignored by Objectivism because it has been thought to introduce subjective elements alleged to be irrelevant to the objective nature of meaning. The body has been ignored because reason has been thought to be abstract and transcendent, that is not tied to any of the bodily aspects of human understanding” (JONHSON, 1990: xiv).
32
Outra característica desse pensamento seria o que se convencionou chamar
atomicidade. O pensamento seria semelhante a um conjunto de “peças de montar”,
tipo o brinquedo lego, brinquedo cujo conceito se baseia em partes que se
encaixam, permitindo inúmeras combinações. Essas combinações, no caso do
pensamento, seriam manipuladas por regras.
Por último, o pensamento, no âmbito objetivista, é lógico. Sua modelação
segue sistemas precisos, de modo bastante semelhante aos conceitos de lógica
utilizados na (lógica) matemática.
Em contrapartida, o experiencialismo defende a ideia de que o pensamento
relaciona-se diretamente com o corpo humano. A maneira como nos movimentamos,
o jeito como nossos sentidos percebem a realidade à nossa volta, bem como a
forma segundo a qual interagimos com o mundo, seres e objetos ajudam a formar
sistemas conceptuais que, por meio dessas experiências, fazem emergir os
significados das construções.
Além disso, em vez de um pensamento lógico, como no objetivismo, o
pensamento, na perspectiva experiencialista, é imaginativo. Conceptualizamos
conceitos abstratos que vão além do que podemos perceber através de nossos
órgãos de sentido, utilizando-nos da metáfora e/ou da metonímia. Como esses dois
mecanismos são também baseados em nossa experiência, sobretudo corpórea,
nossa capacidade imaginativa é baseada indiretamente nessas experiências. A ideia
é a de que, se não estamos falando de coisas que refletem a natureza, ou seja,
categorizando as coisas da natureza, estamos usando necessariamente nossa
capacidade imaginativa.
A visão experiencialista se contrapõe ao atomismo do pensamento. O
pensamento, em vez de ser constituído por partes que se encaixam por meio da
manipulação de regras, apresentaria propriedades gestálticas. Os conceitos teriam
33
uma estrutura geral, que, de alguma forma, se articulariam a outros sistemas com a
finalidade de fazerem sentido, indo, portanto, além da manipulação mecânica de
símbolos abstratos.
A abordagem da linguagem que a LC adota é interessada não no
conhecimento da linguagem, mas no conhecimento através da linguagem e em
como ela contribui para o conhecimento do mundo (SILVA, 2006). Na verdade, a
interpretação do significado das construções pode ser pensada por meio de
conceitos e categorias pré-existentes, que funcionariam como protótipos. Tais
protótipos, aliados à experiência individual, não só determinariam o conhecimento,
mas também, nas palavras de Silva (op. cit.), transcenderiam à famosa dicotomia
pós-cartesiana empirismo/racionalismo.
Nesse processo de compreender como adquirimos conhecimento, as
primeiras investigações cognitivistas tentavam reconhecer as habilidades do ser
humano de encontrar as similaridades entre duas ou mais entidades e agrupá-las
(LAKOFF, 1987: 5). Essa aptidão ficou conhecida como categorização, uma forma
de organizar as informações a que somos expostos, orientando-nos sobre os
comportamentos dos animais, plantas, movimento dos corpos celestes etc., o que
maximizou a forma de viver e de pensar dos seres humanos (CUENCA &
HILFERTY, 1999: 32). A categorização é uma das capacidades cognitivas que nos
permitem formar conceitos e organizar a vasta rede de conhecimento por meio de
duas operações cognitivas: a generalização (as propriedades semelhantes) e a
especialização (as propriedades distintas).
A tradição filosófica, desde Aristóteles a Wittgenstein, entende a
categorização como caixas abstratas dentro das quais são depositados elementos
que compartilham o mesmo conjunto de propriedades. Lakoff (1987) afirma que as
categorias em ciências são vistas como formadas por condições necessárias e
34
suficientes (CNS). Na biologia, um caso problemático foi a descoberta do
ornitorrinco, em 1789, denominado primeiramente pela comunidade científica como
“fraude”. Como classificar um animal que é (a) ovíparo como os répteis e (b) tem
bico e nadadeiras como os patos? Com essas características, o ornitorrinco poderia
ser classificado como uma ave, mas teria o inconveniente de ser uma ave que
mama. Como sabemos, o ornitorrinco encontra-se na classe dos mamíferos, apesar
de não apresentar “todas” as características atribuídas aos mamíferos, o que mostra
que uma categorização compartimentada, formada por uma lista idealizada de
aspectos de todos os membros de uma classe, é insuficiente para organizar a
realidade. Esse fato não acontece apenas com os animais, mas com qualquer
categoria que pretendemos estabelecer.
Uma alternativa satisfatória para o modelo de compartimentos é o modelo de
classificação com base em protótipos. Psicólogos cognitivos como Rosch (1977),
antropólogos como Berlin & Kay (1969) e linguístas como Lakoff & Johnson (1980)
demonstraram que as pessoas, de modo geral, organizam as categorias em forma
de protótipos. Consideram que alguns membros de uma categoria compartilham
todas as propriedades dessa categoria, e seriam, portanto, seus protótipos. Outros
membros, diferentemente, compartilhariam apenas algumas propriedades,
afastando-se do modelo.
Para ilustrar o conceito de protótipo, consideremos duas categorias no âmbito
dos esportes. Suponhamos que A represente a categoria “jogador de futebol” e que
B represente a categoria “piloto de fórmula 1”. Nessas categorias, enquadremos (a)
o jogador do Santos Neymar Júnior (negro, oriundo da classe baixa, filho de
proletários, grau de escolaridade baixo) e o ex-jogador do Flamengo Leonardo
Araújo (branco, oriundo da classe média-alta, grau de escolaridade alto); e (b) o
35
piloto Rubens (Rubinho) Barrichello (branco, oriundo da classe alta, grau de
escolaridade alto).
Somente com essas características, podemos notar que Neymar poderia ser
o representante prototípico da categoria A, uma vez que a história brasileira mostra
que, frequentemente, os jogadores de futebol12 provêm das classes
economicamente mais baixas da sociedade brasileira, são negros ou mulatos e
frequentaram os bancos escolares por pouco tempo. O jogador Leonardo, ao
contrário, seria uma exceção nesse contexto, afastando-se do membro mais
representativo Neymar, ou seja, afastando-se do representante mais modelar.
De modo bastante semelhante, o piloto Rubinho Barrichello configura-se
como representante prototípico da categoria B. Na fórmula 1, justamente pelo alto
investimento no início da carreira, encontram-se, quase exclusivamente, esportistas
brancos, da classe alta e com grau de escolaridade alto.
Essas ideias foram transportadas para a descrição linguística e trouxeram
excelentes resultados. Em vez da categorização aristotélica, baseada em
oposições discretas (sincronia X diacronia, competência X desempenho,
composição X derivação), utiliza-se a categorização baseada em protótipos, que,
entre outras características, revela os casos intermediários, sem tratá-los como
exceção.
Outra característica ligada ao conhecimento dentro da LC são os frames.
Podemos defini-los como o conjunto das cenas que vêm a nossa mente quando
fazemos menção a uma construção qualquer. Esse domínio semântico vincula-se a
uma palavra, formado tanto por um conjunto de elementos prototípicos como
também por elementos vinculados à imaginação. Em Fillmore (1977), onde o autor
lança as bases da LC no que tange à compreensão da cognição relativizada a
12 Vejam-se, por exemplo, Pelé, Dener, Viola, Romário, Ronaldinho, Ronaldinho Gaúcho etc.
36
cenas, vemos os elementos da cena comercial. Nessa cena, apresentam-se, pelo
menos, uma pessoa que compra um “bem”; uma pessoa que vende esse “bem” sob
a condição de algum tipo de retorno financeiro; o “bem” em si (ou o objeto
transferido de uma pessoa para outra); e, finalmente, a moeda de troca.
Evidentemente, outros elementos adjacentes poderão ser incluídos na cena, como o
valor do bem, a forma de pagamento, uma terceira pessoa beneficiada etc.,
conforme a necessidade comunicativa.
A LC abarca, além da Teoria dos Protótipos e dos frames, outras maneiras de
capturar e organizar o conhecimento, como, por exemplo, o modelo de descrição
conhecido como Gramática das Construções. Este será o tópico da próxima seção.
2.3. Gramática das Construções
2.3.1. Breve histórico
Há aproximadamente quatro décadas, estudos que integram estruturas
linguísticas e processos cognitivos para entender a motivação e a competência
linguística do falante têm sido desenvolvidos em larga escala. A teoria linguística
denominada Gramática das Construções13 consubstancia esse esforço no final na
década de 1970, impulsionada pelo desenvolvimento da Semântica Cognitiva.
Dessa época, destacam-se dois trabalhos: (a) o texto de Lakoff (1977), onde se
sugere que não só as expressões idiomáticas seriam uma potencialização de
padrões linguísticos lexicalmente abertos, cuja configuração contribuiria
semanticamente para a interpretação da sentença, mas também se propõe uma
forma de conceber a indistinção entre léxico e sintaxe; e (b) o artigo de Fillmore
13 Foge ao escopo deste trabalho diferenciar as diversas abordagens que o rótulo “Gramática das Construções” abarca. Segundo Goldberg (2006: 205), existem diferentes abordagens construcionais e, por conta disso, remetemos o leitor ao texto da autora.
37
(1979), centrado nos idiomatismos e, como dissemos acima, questionando os
modelos que interpretavam o significado composionalmente e satirizando o artifício
do falante/ouvinte ideal proposto pelo gerativismo, criando o “falante/ouvinte
inocente”.
Na década de 1980, os resultados de mais duas pesquisas de peso foram
publicados, analisando construções típicas do inglês que não podiam ser explicadas
dentro das pressuposições da gramática gerativa: Lakoff (1987), sobre as
construções com there, e Fillmore, Kay & O’Connor (1988), sobre o operador escalar
let alone. Na década de 1990, Fillmore & Kay (1993) desenvolvem um trabalho
acerca das construções gramaticais, propondo um continuum de especificação dos
elementos que formam as construções. Os mesmos autores publicam, no final da
década de 1990 (cf. FILLMORE & KAY, 1997, 1999), artigos sobre a construção
“What’s X doing Y” (ou WXDY), instanciadas em sentenças do tipo “O que você está
fazendo fumando”, em que mostram que mesmo expressões altamente
idiomatizadas se formam a partir de construções de outros níveis sintagmáticos, que
expressam regularidades na língua. Desses estudos conclui-se, pois, que os
mesmos princípios que atuam nos fenômenos considerados canônicos também
atuam nos fenômenos ditos periféricos, já que tanto uns quanto outros são
construções gramaticais.
Ainda na década de 1990, Goldberg (1995) publica um dos trabalhos que
mais contribuiu para a análise da gramática das construções. O modelo das
construções gramaticais, conforme proposto formalmente pela autora, tem
enfatizado o papel das construções na estruturação da gramática. Especificamente
nesse trabalho, tomando por base a variação das valências abordadas a partir da
proposição de regras lexicais, a autora atesta que as construções abertas
apresentam significado próprio, que se complementa por elementos instanciados –
38
que, por seu turno, também completam o significado das construções. Na subseção
seguinte, subscrevemos o modelo de análise construcional de Goldberg (1995).
É evidente que a ideia de construção não é aquela velha afirmação de que há
construções, como as passivas, por exemplo, mas sim a visão de que a gramática é
essencialmente feita por um grande conjunto de construções que forma um sistema
interconectado, uma rede. Há algum tempo, tal visão de inventário era considerada
não-realística, sobretudo por causa do custo da aquisição (TOMASELLO, 2000).
Atualmente, entretanto, dado o conhecimento de quanta informação o cérebro
humano pode armazenar, associado ao conhecimento de processamento sintático
online, retorna-se à noção de construção como o princípio organizador da gramática.
Sendo mais específicos, a unidade básica da gramática é a construção
gramatical, definida como o pareamento de forma (informações lexicais, sintáticas e
morfofonológicas) e significado (informações semânticas e pragmáticas). Em que
pesem as complexidades internas entre morfemas, vocábulos, sintagmas etc., a GC
presume não haver diferença entre léxico e sintaxe, de um lado, e semântica e
pragmática, de outro.
2.3.2. A proposta de Goldberg
Goldberg (1995) descreve sentenças básicas do inglês, analisando, em
seguida, o que entende por construção. Para ela, construções correspondem a
pareamentos forma-significado, que existiriam independentemente dos verbos
instanciados, o que significa dizer, em outros termos, que (a) as construções
carregam um significado anterior às palavras que as integram e, (b) para cada
componente que participa da face formal da construção, há um correlato na face
conceptual. Nas palavras da autora:
39
(02) C é uma construção se C é um par de forma/sentido <Fi,Si>, de forma que algum aspecto de Fi ou algum aspecto de Si não seja estritamente preditível das partes componentes da construção ou de outras construções previamente estabelecidas. (GOLDBERG,1995, p. 04)
Se as construções forem entendidas dessa forma, evitam-se malabarismos
argumentativos no âmbito sintático e, em consequência disso, angariam-se
generalizações mais precisas (GOLDBERG, 1995: 40). O verbo ‘espirrar’,
classicamente descrito como intransitivo, pode ocorrer em construções como ‘Ele
espirrou o guardanapo para fora da mesa’, mesmo que seu sentido, visto
isoladamente, não apresente três argumentos. No entanto, a construção que o verbo
integra prevê como sentido central uma cena dinâmica, básica à experiência
humana. Essas cenas dizem respeito aos atos de (a) “alguém transferindo algo a
alguém”, (b) “alguém fazendo algo mover-se”, (c) “alguém modificando o estado de
algo”, (d) “algo movendo-se”, (e) “alguém experienciando algo” etc. A partir da
codificação dessas cenas, Goldberg distingue cinco padrões sentenciais do inglês,
resumidos no quadro a seguir:
Construções Significados
básicos Configurações
sintáticas Exemplos
1) Bitransitiva X CAUSA Y RECEBER Z
Sujeito+Verbo+ Objeto1+Objeto2
Pat faxed Bill the latter
2) Movimento causado
X CAUSA Y MOVER Z
Sujeito+Verbo+ Objeto+Oblíquo
Pat sneezed the napkin off the table
3) Resultativa X CAUSA Y TORNAR-SE Z
Sujeito+Verbo+ Objeto+XComp
She kissed him unconscious
4) Movimento intransitivo
X MOVE Y Sujeito+Verbo+ Oblíquo
The fly buzzed into the room
5) Conativa X DIRECIONA AÇÃO PARA Y
Sujeito+Verbo+ Oblíquoat
Sam kicked at Bill
Quadro 01: Padrões sentenciais do inglês
Para transpormos os exemplos para o português, teremos de fazer algumas
adaptações. Assim, teríamos em (a) ‘Patrícia enviou [a] Igor uma carta’, (b) ‘Ana
40
Carolina pôs o livro na estante’, (c) ‘O açougueiro cortou a carne em pedaços’, (d) ‘A
abelha voava no jardim’ e (e) ‘Miguel Júnior cantou para o público’, exemplos de
construções bitransitivas, movimento causado, resultativas, movimento intransitivo e
conativas, respectivamente.
O padrão bitransitivo, segundo Goldberg (2006), apresenta a peculiaridade de
o recipiente ocorrer imediatamente na posição pós-verbal e sem preposição, seguido
do argumento tema, indicando a ideia de transferência. A ideia de transferência, com
esse tipo de construção, não se encontra apenas no inglês, mas também em outras
línguas, como o suaíle, o mandarim e o vietnamita, por exemplo. Similarmente, nas
línguas românicas, indica-se a ideia de transferência por meio da construção dativa
preposicional (SILVA, 2001), cuja configuração prototípica é formada por sujeito
(SU), verbo (V), objeto direto (OD) e objeto indireto (OI), normalmente nessa ordem.
A configuração sintática da construção dativa preposicional é [X CAUSA Y
RECEBER Z]14, constituindo-se como uma construção aberta, que agrega, entre
outras, a noção de transferência de posse, como se observa em (03) e (04) abaixo:
(03) Nesta quarta-feira, durante chat do site oficial do BBB 10, Dourado voltou a dizer que dará o carro que ganhou no programa para Jose. “Falei que o carro era dela. Ela me deu um abraço e falou que foi campeã junto comigo, foi uma coisa muito linda. Ela falou que não queria nada, mas é uma questão de merecimento, que eu gostaria de fazer. E eu vou presentear, não me interessa o que ela vai fazer com o carro, ela só tem que vir buscar aqui no Rio”, garantiu ele. (O GLOBO, 14/09/10)
14 Essa também é a configuração da construção bitransitiva do inglês, descrita por Goldberg (1995).
41
(04) Mais uma confusão envolvendo os nomes dos estados de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso causam revolta na população do estado caçula. No capítulo da última sexta-feira (21) da novela Insensato Coração, um diálogo entre as personagens Luciana (Fernanda Machado) e Pedro (Eriberto Leão) deu a entender que a cidade sul-mato-grossense de Bonito, a mais importante riqueza turística da região, ficaria no Mato Grosso. A Fundação de Turismo do Estado enviou uma carta a Gilberto Braga, autor da novela da Rede Globo, pedindo “possíveis reparações, pois a cidade de Bonito está situada em Mato Grosso do Sul e não no Mato Grosso como deu a entender no diálogo”. (PORTAL BONITO, 25/01/11)
Na construção sintática de transferência, considera-se o verbo dar (03) como
prototípico desse tipo de relação (SALOMÃO, 1990; SILVA, 2006). No entanto,
podem ocorrer desdobramentos polissêmicos dessa relação, instanciando,
respectivamente, as configurações [X causa Y não receber Z], como em (05), [X
pretende causar Y receber Z], como em (06), e [X atua para causar Y receber Z em
algum momento futuro], como em (07):
(05) Pedro recusou o carro a Marcos (06) Pedro assou um bolo para Marcos (07) Pedro legou seus bens a Marcos
No evento instanciado pela construção dativa transferencial, encontram-se
três participantes (agente, paciente e recipiente), que correspondem aos argumentos
da construção. Desse modo, tanto a construção dativa quanto o verbo que a
instancia vão apresentar uma estrutura de argumentos que se combinarão, caso
sejam compatíveis.
42
Se quisermos falar de um sentido básico da construção dativa transferencial,
poderíamos dizer que se trata de um agente que realiza uma transferência bem-
sucedida de um objeto a um recipiente. Esse sentido central da construção se
compatibilizará com verbos como os de (05) a (07) acima.
A representação esquemática da estrutura argumental da construção é:
CAUSAR-RECEBER <agente receptor paciente>. O esquema da construção como
um todo é o seguinte:
Semântica CAUSAR-RECEBER <agente paciente recipiente> R: instância, PRED < > meio Sintaxe V SUJ OBJ 1 OBJ 2
Nesse tipo de esquematização, PRED (predicador) é a variável que será
preenchida quando a construção for instanciada; os símbolos <> representam os
papéis participantes nos verbos instanciados; a linha pontilhada refere-se a um
papel argumental que pode (ou não) ser designado.
Se tomarmos como exemplo o verbo dar, prototípico desse tipo de
construção, veremos que haverá necessariamente um “doador” (SU), um
destinatário (OI) e um objeto dado (OD). Esquematicamente, os elementos
envolvidos no ato de dar podem ser explicitados da seguinte forma: dar <“doador”
destinatário objeto dado>, cuja fusão com a construção dativa se dá da seguinte
forma:
43
Semântica CAUSAR-RECEBER <agente paciente recipiente> R: instância, DAR <“doador” objeto dado destinatário> meio Sintaxe V SUJ OBJ 1 OBJ 2
Vejamos isso mais de perto. Numa construção como Douglas deu um
presente à namorada, tem-se um agente-sujeito (Douglas), um paciente-objeto (um
presente) e um recipiente-dativo (à namorada).
Segundo a autora, o pareamento não se dá de forma desordenada, o que
implica a operação denominada FUSÃO (GOLDBERG, 1995: 50). Ou seja, para que
haja integração entre os papéis instanciados pela construção e os papéis
instanciados pelo verbo, dois princípios devem ser obedecidos:
(a) o Princípio da Coerência Semântica, princípio segundo o qual somente papéis
semanticamente compatíveis podem fundir-se, e
(b) o Princípio da Correspondência, princípio segundo o qual cada papel
participante lexicalmente perfilado e expresso deve ser fundido com um papel
argumental da construção. Em termos mais diretos, para que um elemento possa
aparecer concretamente em uma sequência sintática, deve corresponder a um papel
previsto na configuração da construção.
É possível, no entanto, que um argumento previsto na estrutura da construção
deixe de ser designado, em condições muito específicas. Segundo Goldberg (1995:
56), há quatro diferentes motivos para que isso aconteça.
O primeiro dos motivos é o que a autora chama de sombreamento (shading).
Esse procedimento está baseado na metáfora de que o perfilamento é análogo a
44
uma câmera cinematográfica, focando certos participantes em momentos distintos.
O participante existe e pode ser recuperado pragmaticamente, mas não é
evidenciado, já que é “posto nas sombras”. Um exemplo clássico de sombreamento
pode ser notado na construção passiva ‘João foi atacado’, em que o papel
participante é sombreado (aquele que se funde com o papel de agente). Entretanto,
a mesma construção pode ser dita com o agente da passiva expresso, como em
‘João foi atacado pelo bandido’. Outro exemplo do mesmo procedimento, mas agora
com verbo na voz ativa, é ‘O candidato do PT distribuía compras antes das eleições’.
Os participantes a quem o candidato distribuía as compras foram sombreados, mas
poderiam estar na sentença, o que não ocorreu.
O segundo é o que se denomina corte (cutting). Esse procedimento, segundo
a autora, evoca a cena de um diretor cortando um dos participantes do filme. A
construção que apresenta corte não admite argumento previsto no evento evocado
pelo verbo – nesse caso, o papel participante não pode ser expresso, ao contrário,
por exemplo, do sombreamento. No PB, os exemplos clássicos de corte são dados
com verbos cuja configuração sintática exige dois papéis participantes, como os
verbos amassar (‘alguém que amassa’ e ‘o objeto amassado’) e rasgar (‘alguém que
rasga’ e ‘o objeto rasgado’), como em ‘Selma amassou o papel e o jogou na lata de
lixo’ e ‘Anariam rasgou a cortina ao abrir a janela’. Porém, em construções como
‘Esse tecido amassa facilmente’ e ‘Minha calça rasgou’, o papel participante
referente ao agentivo não está previsto na construção e, em consequência disso,
não pode ser expresso. Esse é o caso do corte.
O terceiro motivo para um argumento não aparecer na construção é o que a
autora denominou de absorção de papel (role merging). Nesse fenômeno, nas
construções reflexivas, um papel participante é absorvido por outro, fundindo-se em
um só argumento, de modo que estes papéis serão instanciados na construção por
45
meio de um único termo sintático. Esse fenômeno ocorre em alguns dialetos do PB
contemporâneo e foi objeto de análise da dissertação de Pulhiese (1994), que
estuda essas construções no gênero discursivo “redação escolar”. Tomemos como
exemplo a construção potencialmente reflexiva ‘Eu me machuquei com a faca’, que
aparece destransitivizada, como ‘Eu machuquei com a faca’. Nesse caso, o SN “eu”
instancia simultaneamente os dois papéis temáticos requeridos no evento perfilado
pelo verbo machucar-se. Essas construções foram chamadas por Pulhiese (op. cit.)
de “construções desreflexivizadas”.
O quarto, e último, motivo para que um argumento não seja designado é
quando há complementos nulos (null complements). Segundo a autora, esses
complementos nulos podem ocorrer de duas maneiras: de forma indefinida ou
definida. No caso da forma indefinida, o papel não-expresso recebe uma
interpretação indefinida, uma vez que a identidade do referente é desconhecida ou
irrelevante, como se vê no exemplo ‘Felix comeu Ø tanto no rodízio de massas, que
chegou a passar mal’, em que o objeto do verbo comer não está expresso e a
identidade é irrelevante – ou não é lexicalmente designado. O segundo caso, o da
forma definida, diz respeito ao fato de a identidade do referente ser recuperável pelo
contexto, como na resposta “Ø vi Ø” para a pergunta “Você viu o programa da
Marília Gabriela ontem?” ou na sentença “O Flamengo perdeu Ø mais um
campeonato brasileiro contra o Botafogo”, em que os participantes dos verbos
recebem uma interpretação definida contextualmente.
Ademais, conforme Goldberg (op. cit.), as construções são tipicamente
associadas a uma família de sentidos estritamente relacionados em vez de um único
sentido abstrato e fixo. Para entender essa colocação, deve-se reforçar que a teoria
construcional não considera rígida a divisão entre léxico e sintaxe, já que padrões
46
construcionais, composição de palavras e morfemas são tratados como o mesmo
tipo básico de dados.
O padrão sentencial bitransitivo, como já dissemos acima, apresenta o
sentido básico de transferência de posse, o que implica dizer que “um agente realiza
uma transferência bem-sucedida15 de um objeto a um destinatário”. No âmbito
sintático, esse sentido básico da construção compatibiliza (a) verbos que
inerentemente significam atos de cessão (‘dar’, ‘passar’, ‘entregar’), (b) verbos que
significam causação instantânea de movimento (‘atirar’, ‘arremessar’, ‘chutar’) e (c)
verbos que significam causação contínua de movimento em uma direção
deiticamente especificada (‘trazer’, ‘levar’).
Embora a autora não mencione o âmbito morfossintático claramente,
argumentamos que essa construção básica é polissêmica no sentido de perpassar
os diversos níveis da arquitetura da gramática. Ao considerar esse fato, e sobretudo
que o inventário das construções constitui um conjunto altamente estruturado,
Goldberg salienta a capacidade reiterativa das construções. Essa possibilidade
ocorre mediante a existência de dois princípios:
MOTIVAÇÃO: possibilidade de extração das regularidades e padrões existentes
entre o par forma/sentido;
HERANÇA: capacidade que esse padrão possuiria de captar certos aspectos numa
relação de hierarquia.
15 Goldberg (1995) argumenta que algumas formas bitransitivas não implicam transferência bem-sucedida do argumento paciente a seu destinatário potencial. Nesse sentido, aponta alguns verbos de sentidos menos básicos da construção bitransitiva.
47
A efetivação dos princípios supracitados se dá por meio de links (elos)
estabelecidos entre as construções. O número de links identificados pela autora é,
no mínimo, quatro. Vejamos então as relações de herança entre as construções:
(a) Elos por polissemia: nesse tipo de construção, captura-se uma relação de
sentido particular de uma construção e qualquer extensão de sentido, que
serão herdadas das especificações sintáticas da construção central.
(b) Elos por subparte: ocorre quando uma construção é subparte de outra,
existindo independentemente dela, constituindo, assim, uma outra construção
à parte. Observa-se também a redução da valência verbal, conforme se
observa em Goldberg, no que se refere à relação existente entre a construção
de movimento causado e a construção de movimento intransitivo.
(c) Elos por instanciação: ocorre quando uma construção particular é um caso
especial de outra (motivada por outra), mas apresentando alguns elementos
especificados. Nesse tipo de link, pode haver ocorrência múltipla de herança
(sintática e semântica), associada a outras construções.
(d) Elos por extensão metafórica: duas construções serão relacionadas
metaforicamente se a semântica da construção central (dominante) for
mapeada na semântica da construção decorrente (dominada). Falando em
termos de espaços mentais, podemos dizer que é no sentido central da
construção que se encontra o domínio fonte da extensão metafórica.
Goldberg postula ainda, por conta do alto grau de abertura das construções
(fechadas, semi-abertas, abertas), quatro princípios psicológicos que governariam a
organização linguística. Vejamos esses princípios no quadro abaixo:
48
PRINCÍPIO POSTULAÇÃO DO PRINCÍPIO I) Princípio da Motivação Maximizada Se uma construção A está relacionada a
uma construção B sintaticamente, então o sistema da construção A é motivado em algum grau e está relacionado à construção B semanticamente.
II) Princípio da Não Sinonímia Se duas construções são sintaticamente distintas, então elas devem ser semântica ou pragmaticamente distintas. Corolário A: se duas construções são sintaticamente distintas e S(emanticamente) sinônimas, elas não devem ser P(ragmaticamente) sinônimas. Corolário B: se duas construções são sintaticamente distintas e P-sinônimas, elas não devem ser S-sinônimas.
III) Princípio do Poder Expressivo Maximizado
O inventário das construções é maximizado por propósitos comunicativos.
IV) Princípio da Economia Maximizado O número de construções distintas é minimizado tanto quanto o possível, respeitado o princípio 3.
Quadro 02: Princípios cognitivos de organização linguística
Consoante o Princípio I, se uma construção A baseia-se na construção B,
então A herda todas as propriedades de B que não conflitam com as suas próprias
especificações. Poderíamos dizer que, nessa abordagem, depreende-se a natureza
das relações semânticas entre o sentido central de uma construção e suas
extensões, de sorte que as construções estendidas a partir da construção
bitransitiva herdam suas especificações (léxico-morfossintáticas) e a ideia
transferencial. Desse modo, cada extensão constitui uma construção minimamente
diferente, motivada pelo sentido central.
Parafraseando o exemplo dado em Nascimento (2006: 39), o referente [casa]
não faz prever, de modo algum, a forma linguística mesa: esse signo não é
previsível, e sim arbitrário. Entretanto, o vocábulo derivado mesário tem alguma
previsibilidade se conhecermos previamente a base mesa. Nesse sentido, mesário é
49
uma construção motivada. Quanto mais motivada for a forma, mais fácil será
depreender e memorizar seu significado, e quanto mais formas motivadas tiver um
sistema, mais eficaz na comunicação ele será.
Pela depreensão do Princípio II, vemos que uma diferença na forma sintática
sempre indica uma diferença de significado (semântica ou pragmática). O corolário A
pode ser exemplificado com os pares das sentenças formadas pelo verbo
inacusativo ‘chegar’, consubstanciado distintamente em “Chegou a polícia” e em “A
polícia chegou”. Em termos de condição de verdade, não há diferença entre elas. No
entanto, há diferenças pragmáticas bastante interessantes. A primeira sentença
seria utilizada num contexto em que não houvesse expectativa a respeito da
chegada da polícia, ao passo que, na segunda, há pressuposição de que a polícia
era esperada. Em relação ao corolário B, Nascimento (op. cit.) analisa os exemplos
“Os cinzeiros estão cheios” e “Esvazie os cinzeiros”. Essas sentenças podem ser
interpretadas como variantes do mesmo ato ilocucionário caso sejam ditas por uma
pessoa com autoridade socialmente reconhecida; ambas são inequivocadamente
interpretadas como ordens. Semanticamente, são diferentes: apenas “Esvazie os
cinzeiros” é uma ordem, já que há uma construção de imperativo; em “Os cinzeiros
estão cheios”, tem-se, fora de contexto, nada mais que uma afirmativa.
Diferentemente, o Princípio III indica que uma diferença no significado leva a
uma diferença na forma. Já o Princípio IV restringe o número de construções,
atendendo à necessidade de simplificação linguística. Assim, tanto o princípio III
quanto o IV atendem aos propósitos comunicativos, já que haverá tantas
construções quantas forem necessárias para atender às necessidades da
comunicação (Princípio do Poder Expressivo Maximizado), mas não mais do que o
necessário (Princípio da Economia Maximizado).
50
2.3.3. Propostas complementares
2.3.3.1. Booij (2010)
Segundo Booij (2010: 201), padrões de formação de palavras podem ser
vistos como esquemas abstratos que se generalizam sobre um conjunto de
palavras complexas pré-existentes dentro de uma correlação sistemática entre forma
e significado. Esse esquema abstrato também especificaria como essas palavras
podem ser criadas. Basilio (2010) confronta as abordagens gerativistas lexicalistas e
propostas da LC na descrição dos processos de palavras em língua portuguesa.
Segundo a autora, na abordagem cognitivista, há vantagens nas generalizações das
formações de palavras, já que “as estruturas se depreendem das formações
existentes, e a frequência de uso determinará a força do processo de
esquematização”.
O processo de formação de palavras dos compostos endocêntricos do inglês
e do holandês, por exemplo, pode ser representado conforme o esquema (01) a
seguir:
(08) [[a]X [b]Yi]Y ‘Yi com relação R para X’
Na notação do esquema (01) acima, as variáveis ‘X’ e ‘Y’ representam as
principais categorias lexicais (N, V, A e P); as variáveis ‘a’ e ‘b’ representam
sequências de sons arbitrários; e, por fim, a variável ‘i’ representa o índice lexical
das propriedades das palavras no nível fonológico, sintático e semântico.
Esse esquema, de modo geral, pode ser interpretado como a representação
formal da construção, agregada a um significado específico. Tanto o fato de o núcleo
do composto posicionar-se à direita (como ocorre com os compostos endocêntricos),
como o fato de a estrutura como um todo ser dominada pela mesma categoria
51
sintática Y revela a expressão formal da generalização. Nesse caso, a generalização
é a seguinte: no inglês e no holandês, a categoria sintática dos compostos será
determinada por seu constituinte à direita.
Tomemos como exemplo o núcleo do composto ‘Yi’. Se essa variável de ‘Yi’
for um nome (N), o composto como um todo será um N, como se nota em ‘wolf
children’. Correlacionando o exemplo com o esquema, teríamos a seguinte
configuração: [[wolf]N [children]Ni]N ‘Ni com relação R para N’.
O significado acionado pelo constituinte à direita funciona como núcleo
semântico do composto, e evoca-se relação semântica entre os constituintes da
esquerda e da direita. Entretanto, a natureza específica dessa relação é deixada
indeterminada no esquema, pois, segundo o autor, não é previsível, por razões
estruturais.
Conforme Booij (op. cit.), a noção tradicional de construção, bem como sua
importância para as teorias estruturalistas, têm recebido atenção renovada dentro do
arcabouço teórico da Gramática das Construções (GOLDBERG 2006 e a literatura lá
listada). A ideia central da Gramática das Construções pode ser resumida da
seguinte forma:
(09) Na Gramática das Construções, a gramática representa um inventário de complexos forma-significado-função, em que as palavras se distinguem das construções gramaticais apenas em relação a sua complexidade interna. O inventário das construções não é desestruturado, sendo mais parecido com um mapa do que uma lista de compras. Elementos deste inventário são relacionados através de hierarquias de herança, contendo padrões mais ou menos gerais16.
(Michaelis and Lambrecht 1996: 216)
16 O texto original é o que se segue: “In Construction Grammar, the Grammar represents an inventory of form-meaning-function complexes, in which words are distinguished from grammatical construction only with regard to their internal complexity. The inventory of constructions is not unstructured; it is more like a map than a shopping list. Elements in this inventory are related through inheritance hierarchies, containing more or less general patterns”.
52
A citação sugere que tanto padrões sintáticos quanto padrões de formação de
palavras podem ser vistos como construções. Essa ideia de padrões morfológicos
como construções tem sido desenvolvida em um número expressivo de publicações
(JACKENDOFF, 2002; BOTELHO, 2004; BOOIJ, 2005; NASCIMENTO, 2006).
A ideia de modelos de formação de palavras e de léxico hierárquico pode ser
ilustrada por meio das palavras compostas. Em diversas línguas, os compostos são
processos produtivos de formação de palavras, e a noção de “regras” tem
desempenhado papel importante na explicação desse tipo de formação. Em
holandês, por exemplo, encontram-se compostos com núcleo à direita, cujas
categorias podem ser nominais, adjetivais e verbais. Em vista dessa constatação,
Booij (op. cit.) assume a seguinte regra morfológica dos compostos holandeses:
(10) X+Y→ [XY]Y
Nessa regra, X e Y representam as categorias sintáticas N, A e V, e o Y
subscrito constitui o resultado categorial do composto. Em línguas como o holandês,
o alemão e o inglês, a generalização é a de que os constituintes à direita funcionam
como seus núcleos. Essa generalização ficou conhecida na literatura, por conta do
artigo de Williams (1981), como Regra de Adjunção de Núcleo à Direita, conforme
amplamente discutido em Villalva (1992).
Regras de formação de palavras, como as em (10), apresentam duas
funções: (a) funcionam como regras de redundância em relação às palavras
complexas pré-existentes e (b) especificam como as palavras complexas podem ser
formadas (JACKENDOFF, 1975; ARONOFF, 1976; BASILIO, 1980). Observe,
contudo, que a regra (10), da maneira como está formulada, nada diz a respeito das
regularidades semânticas na interpretação dos compostos.
53
Por conta disso, em vez de falar sobre regras de formação de palavras, Booij
(op. cit.) prefere falar sobre modelos (ou esquemas) de formação de palavras.
Substitui-se, então, a regra (10) pelo modelo de formação de palavras do holandês.
Esse modelo, como se viu acima, é uma generalização acerca da estrutura de
compostos pré-existentes, que, adicionalmente, também pode ser usado para criar
novos compostos. Veja a repetição do esquema (10), agora numerado como (11),
por conveniência à leitura:
(11) [[a]X [b]Yi]Y ‘Yi com relação R para X’
O uso das variáveis fonológicas (‘a’ e ‘b’) indica que as informações
fonológicas não desempenham um papel restritivo nesse tipo de formação. Em (11),
o significado geral da contribuição do modelo do composto está especificado, uma
vez que a morfologia diz respeito ao pareamento entre forma e significado. A
natureza de R não está especificada, mas está determinada para cada composto
individualmente, na base do significado dos constituintes do composto e segundo o
conhecimento enciclopédico e cultural (DOWNING, 1977).
O modelo em (11) ainda não expressa que ele não é apenas uma categoria
sintática do núcleo, que é idêntica àquela do composto como um todo, mas aquelas
duas dos nós Y são também idênticas no que diz respeito às propriedades como
gênero e classe de declinação para os nomes e classe de conjugação para os
verbos. Desse modo, Booij elabora o modelo (11) como (11)’, a seguir, em que [αF]
explica o conjunto de traços de subclasses relevantes:
54
(11)’ [[a]X [b]Yi]Y ‘Yi com relação R para X’
│ │
[αF] [αF]
O modelo (11)’ especifica a categoria núcleo à direita dos compostos
endocêntricos da língua holandesa. Esse formato sugere que o composto é uma
construção do nível morfológico, com um pareamento sistemático entre forma e
significado. Isso especifica que o núcleo Y não é apenas o núcleo formal, mas
também o núcleo semântico: um composto holandês denota um certo Y, não um
certo X.
Além disso, o modelo (11)’ deve ser visto como o nódulo no léxico hierárquico
do holandês que domina todos os compostos existentes dessa língua. Assim, um
composto qualquer do holandês herda suas propriedades (formais e semânticas) do
seu nódulo dominante e de seus lexemas constituintes. Por exemplo, a seguinte
subestrutura do léxico do holandês pode ser levada em conta para os compostos
adjetivais (‘sneeuwwit’, cujo correspondente em inglês é ‘snow-white’):
(12) [XYi]Y ‘Yi com relação R para X’
│
[ [sneeuw]N [wit]A]A ‘branco como a neve’
/ \
[[sneeuw]N ‘neve’ [wit]A ‘branco’
A árvore acima se caracteriza como uma “árvore de herança múltipla”, já que
apresenta dois tipos de relações: (a) a relação de ‘instanciação’ e (b) a relação de
‘parte de’. A palavra ‘sneeuwwit’ é uma instanciação do modelo geral, formalizado no
55
topo da árvore, e os lexemas ‘sneeuw’ e ‘wit’ formam partes do composto adjetival.
Nesse exemplo, a relação R é interpretada como “como”, uma vez que a palavra
significa “branco como a neve”.
Uma representação como (12) torna claro que as palavras complexas
acionam diversos tipos de relações. Não é apenas uma instância do esquema
abstrato de formação de palavras, essas palavras estão ligadas a outras palavras do
léxico. O composto ‘sneeuwwit’, por exemplo, está ligado a ‘wit’ e a ‘sneeuw’,
simultaneamente. Da mesma forma, os lexemas ‘wit’ e a ‘sneeuw’ estarão ligados a
outras palavras complexas.
É nessas condições que se formam as famílias de palavras {‘wit’, ‘sneeuwwit’}
e {‘sneeuw’, ‘sneeuwwit’ etc.}. A existência dessas relações de família, mediada
pelas palavras, manifesta-se por intermédio do “efeito de tamanho de família”:
quanto maior o tamanho da família de uma palavra, mais rapidamente essa palavra
poderá ser recuperada numa tarefa de escolhas lexicais. A existência de esquemas
abstratos de formação de palavras, por outro lado, manifesta-se, também, por meio
da possibilidade que os usuários da língua têm de criar novas palavras compostas,
baseadas cognitivamente nessas relações familiares.
Obviamente, o esquema de formação de palavras em si baseia-se num
conjunto de compostos pré-existentes. A condição sine qua non para que os falantes
desenvolvam esse esquema abstrato é justamente o conhecimento dos compostos
já existentes, ou seja, tanto a relação de instanciação quanto a relação de “parte de”
estão embasadas em parentescos paradigmáticos (paradigmatic relationships) entre
palavras e léxico. No exemplo ‘sneeuwwit’ do holandês visto acima, a estrutura
morfológica atribuída a esse vocábulo é uma projeção de parentescos
paradigmáticos no eixo sintagmático da palavra.
56
Uma vantagem dessa abordagem de formação de palavras é que
generalizações sobre subpadrões podem ser expressas de maneira bastante
simples. As generalizações, a seguir, valem para o conjunto de compostos
endocêntricos do holandês: apenas o padrão de composto N-N17 é recursivo tanto
no que diz respeito à posição nuclear quanto em relação à posição não-nuclear –
seus constituintes podem ser compostos por si sós.
Generalizações sobre subconjuntos de palavras podem ser expressos através
da noção de léxico hierárquico, assumindo-se níveis intermediários de abstração
entre os modelos mais gerais e entre os compostos individuais pré-existentes. Veja-
se que a estrutura abaixo (13) espelha a forma de como as palavras compostas do
holandês podem ser assumidas no léxico:
(13)
[XY]Y
[XN]N [XA]A [XV]V
[AN]N [VN]N [NN]N [AA]A [VA]A [NA]A [NV]V [AV]V [VV]V
Esquema 01: palavras compostas do holandês
Tomemos [XN]N como exemplo. Cada um dos nós mais baixos desse nível vai
dominar um subconjunto de compostos do holandês. Apenas os compostos
formados a partir da estrutura [VN]N [NN]N não terão restrição na complexidade
interna de seus lexemas constituintes, ao passo que, em todos os outros nós, a
17 E sob certas condições que serão vistas a seguir, os composto VN.
57
condição ‘X e Y ≠ do composto’ terá de ser respeitada. Isso explica o que foi dito
sobre o grande número de compostos nominais no holandês, o que permite fazer
generalizações acerca de subconjuntos de compostos e, ao mesmo tempo,
expressar propriedades comuns de todo o conjunto de compostos dessa língua.
Essa possibilidade de generalização em diferentes níveis de abstração constitui uma
das claras vantagens desse padrão de representação de formação de palavras.
Na abordagem do léxico hierárquico, as exceções de generalização são
entendidas como padrão de herança (default inheritance), ou seja, as propriedades
dos nós mais altos irão sempre se infiltrar para os nós mais baixos a menos que
esses nós comportem especificações contraditórias para as propriedades
relevantes.
Um dos aspectos centrais dessa abordagem de formação de palavras é que
esquemas abstratos e instâncias individuais desses esquemas co-existem.
Assim que os esquemas abstratos são identificados, os itens lexicais, cujo espelho
são esses esquemas, não vão ficar, necessariamente, perdidos na memória lexical.
Evita-se a regra. Mas o fato de existir uma regra de produtividade de formação de
certas construções linguísticas não implica que o output daquela regra não deva ser
especificado no léxico. É óbvio que precisamos desse recurso para o estudo dos
compostos. O que se deve fazer é especificar tanto o conjunto existente (ou
estabelecido) de compostos de uma língua quanto assumir que a maioria deles é
formada conforme um esquema regular e produtivo, que dá origem a novos
compostos.
No que tange às descobertas realizadas no âmbito da aquisição da
linguagem, a ideia de léxico hierárquico está de acordo com o pressuposto de que
as pessoas, no processo de aquisição, adquirem um sistema morfológico abstrato.
Na verdade, hipotetiza-se que esse esquema se baseia no conhecimento prévio de
58
um conjunto de palavras, palavras essas que instanciam esse padrão. Uma vez que
as pessoas se deparam com um número de palavras de certo tipo, elas inferem
esse esquema abstrato e são capazes de criar novas palavras a partir dele. Desse
modo, o ponto final da aquisição pode ser definido “em termos de construções
linguísticas, comportando diferentes graus de complexidade, abstração e
sistematicidade” (TOMASELLO, 2000: 238) herdadas desse esquema.
A necessidade de generalizações para a subclasse dos compostos torna-se
mais clara no estudo de fenômenos de fronteira, como a composição e a derivação
(BOOIJ, 2005). Conclui-se, pois, que alguns insights básicos da Gramática das
Construções podem ser aplicados no domínio da composição e que a composição
fornece aporte empírico para esse modelo de gramática.
Em resumo, Booij (2010) mostra como generalizações (formais e semânticas)
sobre subconjuntos de palavras compostas podem ser feitas, enquanto propriedades
comuns ou padrões podem ser expressos. Além disso, observa que as
regularidades acerca da posição do núcleo dos compostos são mais complicadas do
que podem ser tratadas, levando-se em conta um simples parâmetro de posição de
núcleo. A noção de “idioma construcional” parece ser a chave para uma explicação
satisfatória das complicações, assim como lidar com as palavras compostas como
‘telespettatore’ (telespectador).
Em Booij (op. cit.), a possibilidade de fusão de esquemas de formação de
palavras é vista para fornecer uma explicação formal para a co-ocorrência de
padrões de formação de palavras, sobretudo no domínio da composição sintética.
Finalmente, a diferença entre os compostos que são, de um lado, palavras
morfológicas e, de outro, sintagmas lexicais recebe uma representação simples
nesse modelo de gramática.
59
2.3.3.2. Langacker (2009)
Segundo Langacker (2009), as unidades linguísticas têm a mesma natureza
básica que a existente nas ocorrências de que são abstraídas. Isso implica que as
unidades linguísticas possuem propriedades que lhes são próprias (imanentes) e
que se manifestam nas expressões que ajudam a caracterizar.
Há uma mudança bastante significativa na formalização utilizada para
representar a estrutura abstrata e a estrutura específica, caso comparemos a análise
realizada por Langacker (1987) com a proposta por Langacker (2009), tal qual
mostram Almeida et alii (2010):
LANGACKER 1987
LANGACKER 2009
Esquema 02: Formalização da estrutura abstrata e da estrutura específica
A alteração no modo de formalizar tais estruturas se dá justamente pela
constatação da imanência. Em Langacker (1987), a estrutura abstrata e a mais
60
específica estão separadas por boxes e a seta indica a elaboração do último
elemento; a formalização presente em Langacker (2009) indica mais claramente que
A está imanente em A’. A seta, nesse caso, pode ser entendida como uma atividade
de processamento adicional requerida para articular a concepção A em uma
concepção mais refinada. Uma vez que A’ envolve especificação mais detalhada,
precisa também de processamento mais elaborado.
A ideia que nos interessa mais especificamente nessa proposta é a de que,
para Langacker (2009), A é um esquema, e A’ uma instanciação desse esquema.
Como veremos no capítulo 5, A’ constitui-se como uma das facetas do evento e A, a
unidade linguística abstrata, que pode ser um som, um sufixo ou uma lexia, entre
outras possibilidades.
Segundo resumem Almeida et alii (2010: 99) acerca dessa esquematização, a
imanência das unidades nas expressões traz consequências para como nós
pensamos suas abstrações e usos. Uma delas é que a abstração de uma unidade
não requer nenhum mecanismo especial, aqui concebido como essencialmente
automático, dado o princípio comprovado neurobiologicamente de que padrões que
ocorrem na ativação neural deixam vestígios, o que, evidentemente, facilita sua
própria ocorrência.
2.3.3.3. Jackendoff (2002)
A hipótese central em Jackendooff (2002) é a de que todo conhecimento
linguístico armazenado na memória de longo-termo é parte do léxico; são itens
lexicais. Esse léxico, então, deixa de ser o lugar das idiossincrasias para ser o lugar
do conhecimento, da idiomaticidade, com regras e princípios que apresentariam
naturezas especificas, assim definidas:
61
(a) Princípios de combinação livre: agrupam princípios de combinação livre e
princípios que constroem output maiores, do mesmo tamanho ou menores
que uma palavra no léxico. Nesses termos, refere-se à noção gramatical de
palavra. Além disso, são marcadas pela regularidade e pela produtividade.
(b) Regras de redundância lexical: aplicadas ao léxico, essas regras são
caracterizadas por produtividade e regularidade parciais, expressando
generalizações nas relações entre pares de entradas lexicais, ou seja, nas
restrições de padrões admissíveis.
Os itens lexicais, tanto os mais simples quanto os mais complexos, respeitam
certas condições de licenciamento e armazenamento presentes no componente
lexical, podendo existir de várias formas: signos portadores de
significado/significante, signos sem realização fonológica, signos sem expressão
semântica e signos sem realização fonológica e semântica. É a partir dessas
constatações que a proposta de Jackendoff (op. cit.) abarca o conceito de
construção (Gramática das Construções), alargando-o e flexibilizando-o para
incorporar os padrões (ou construções) “defectivos”.
Ademais, o autor nega a ideia de hierarquia de heranças e mostrando que
entre os itens lexicais se estabelece correspondência entre certos constituintes
sintáticos com as estruturas fonológicas e conceptuais.
2.4. Conclusão
Podemos dizer que a teoria construcional, qualquer que seja sua vertente,
pretende caracterizar todas as construções que formam o repertório linguístico, tanto
as centrais quanto as periféricas. Parte-se do princípio de que é possível obter
62
informações fundamentais, quando consideramos os casos periféricos, por conta de
o modelo ser capaz de dar conta dos casos não centrais e, dando conta deles, poder
explicar os casos centrais.
CAPÍTULO 3: ENFOQUES SOBRE A COMPOSIÇÃO DE PALAVRAS
Compreender não consiste em elencar dados. Mas em ver o nexo entre eles e em detectar a estrutura invisível que os suporta. Esta não aparece. Recolhe-se num nível mais profundo. Revela-se através dos fatos. Descer até aí através dos dados e subir novamente para compreender os dados: eis o processo de todo verdadeiro conhecimento. Em ciência e também em teologia18.
LEONARDO BOFF
3.1. Introdução
Já apontamos, no capítulo introdutório desta tese, os problemas de
delimitação das palavras compostas de base livre do português, vistas como
estruturas idiossincráticas e arbitrárias. Isso acontece porque os autores consideram
as palavras compostas, em comparação com a derivação, um fenômeno de difícil
sistematização (KIPARSKY, 1982; CUNHA & CINTRA, 1985; KEHDI, 1990;
ANDERSON, 1992; BASILIO, 2004). Seguindo as recomendações da epígrafe que
inicia este capítulo, não só elencaremos as abordagens acerca da composição, mas
tentaremos detectar o nexo entre as perspectivas apresentadas.
Especificamente, mostramos que os limites entre a composição e outros
processos são bastante movediços. A indecisão que existe em relação à sua
delimitação, às suas flexões e à sua própria existência como fenômeno
morfossintático aparece nos discursos, codificados por gramáticos normativos,
filólogos e linguistas. Essa imprecisão ocorre justamente por conta do território
incerto em que os compostos são formados: no limite entre léxico, morfologia e
18 BOFF, Leonardo (1998). A águia e a galinha: uma metáfora da condição humana. Petrópolis: Editora Vozes, p. 78.
64
sintaxe. A única certeza é a de que os compostos fazem parte do léxico das línguas,
seja sua formação efetivada no componente lexical, seja no componente morfológico
ou sintático19.
Como se verá, apesar de os teóricos utilizarem-se de parâmetros (fonológico,
morfológico, sintático ou semântico) para tentar delimitar as palavras compostas, até
agora, tanto no português como em outras línguas, não há critérios utilizados
isoladamente que delimitem compostos. Seria necessária uma posição teórica que
perpassasse os componentes para que as análises ficassem mais claras, para
detectar a estrutura invisível de que fala Leonardo Boff. Conforme já apontado no
capítulo anterior, dedicado aos pressupostos teóricos, a inquietação que preocupa
alguns estudiosos – o lugar da formação dos vocábulos compostos – não se coloca
nesta tese, por conta da assunção de não haver separação rígida entre léxico e
gramática.
Reiterando o que dissemos nos capítulos anteriores, defendemos a hipótese
de que a criação dos compostos não se dá nem de forma idiossincrática, nem
constitui a soma concatenativa das bases – através de regras – que formam uma
palavra, mas é o resultado de operações sintático-semânticas sobre construções
gramaticais.
Neste capítulo, fazemos um relato panorâmico20 de como a composição vem
sendo tratada na literatura. Vale ressaltar que esse relato não constitui uma
comparação numa escala avaliativa, mas procura compreender o quadro em que
esses estudos foram produzidos. Primeiramente, partimos da definição de palavra
19 Há diversas formas de explicar como as palavras compostas (e já lexicalizadas) ingressam no léxico. Esse procedimento foge aos objetivos deste trabalho e, portanto, remeto o leitor a Lee (1995), Moreno (1997), por exemplo. 20 Como relato panorâmico e a fim de seguir os objetivos traçados, não tratamos aqui das regras de pluralização dos compostos, do gênero dos compostos, da questão do hífen, da controvérsia da prefixação (Para maiores detalhes sobre esses pontos, cf. Martins (1995)). Como se perceberá, utilizamos o vocabulário e o “sotaque” estruturalista na análise e descrição dos termos. Conscientemente, “viramos a casaca” vocabular a partir do capítulo seguinte, em que delineamos as diretrizes epistemológicas desta tese.
65
composta manifesta em algumas de nossas primeiras gramáticas (históricas ou
não); em seguida, relatamos o que prescreve a tradição gramatical normativa e, logo
depois, descrevemos o que alguns linguistas que se dedicaram ao assunto
entendem sobre o fenômeno. Na última seção, resenhamos os resultados de três
trabalhos acadêmicos realizados acerca do tema no final das décadas de 1970,
1980, 1990 e contrastamos os pontos principais de cada visão, ratificando a posição
assumida nesta tese.
3.2. A perspectiva diacrônica
Estamos chamando de perspectiva diacrônica as gramáticas do português do
período de 154021 a 1964 que, influenciadas pelas descrições do grego e do latim,
inauguraram uma tradição gramatical que se estende, no Brasil, até a publicação
conjunta da Gramática do Português Culto Falado no Brasil, projeto coordenado pelo
linguista Ataliba Teixeira de Castilho.
Visto que essas descrições, no âmbito da morfossintaxe, intentam ratificar a
hegemonia do português europeu frente às modalidades transplantadas para as
diversas colônias portuguesas espalhadas pelo mundo, observam-se, nos discursos
desses gramáticos, vocábulos como “composição perfeita”, “composição
verdadeira”, espelhando não só o amálgama de duas bases, mas também a
tentativa de uma pretensa unidade vocabular de prestígio, baseada, claro, na
modalidade europeia. Há, pois, de modo geral, uma espécie de tradução do padrão
de formação do grego e do latim para os dados do português.
21 Embora saibamos que a primeira gramática escrita em língua portuguesa foi a de Fernão de Oliveira em 1536, não a descrevemos aqui, por não se encontrar lá uma seção dedicada à formação de palavras e, mais especificamente, à composição. O autor refere-se, no capítulo XXXV, às “dições juntas ou compostas”, que define como “aquellas em que se ajuntam diversas dições ou suas partes, fazendo hũa só dição, como ‘contrafazer’, ‘refazer’, ‘desfazer’ (...). Em ‘contrafazer se ajuntam ‘contra’ e mais ‘fazer’; e em ‘refazer’ se ajuntam ‘re’ e mais ‘fazer’”. As formas apresentadas pelo autor correspondem hoje a formas entendidas pelos gramáticos tradicionais do português como prefixadas. Segundo Maria Carlota Paixão Rosa (em conversa pessoal), o autor estuda a noção de palavra ora no âmbito da etimologia ora no da analogia.
66
Na Gramática da língua portuguesa, de João de Barros (1540: 307), a
composição é descrita por meio do número de unidades envolvidas e da categoria
gramatical dessas unidades. Nas palavras do autor,
(01) “Nome composto tem o contrário deste (o autor está falando do nome simples) porque, partido em duas partes, sempre per úa delas entendemos cousa algúa, como guárda-pórta, que é composto deste verbo guárdar e deste nome pórta.” (02) “Nós fazemos a nossa composiçam de duas [partes], e, compondo um nome com outro, dizemos: rede-fole, de rede e fóle; arquibanco, de árca e banco. Compondo vérbo e nome: “torçicolo, de torçer e cólo”. Compondo ú verbo com outro: “morde-fuge, de morder e fugir”. Compondo vérbo com advérbio dizemos: “puxavante, de puxár e àvante”. Compondo nome com preposiçám dizemos: “tràspé, de trás e pé”. E per ésta maneira fazemos nóssas composições: Éstas bástam por exemplo.”
Na Grammatica Philosophica da língua portuguesa, de Jerônimo Soares
Barbosa (1871: 65), as palavras compostas estão inseridas na categoria de nomes
apelativos derivados (entenda-se substantivos comuns) e se caracterizam por serem
compostos de “duas ou três palavras portuguezas, ou inteiras ou alteradas com
alguma mudança”. Observa-se que os esquemas fornecidos por Barbosa (op. cit.)
apontam para uma classificação baseada em critérios fonológicos e morfológicos;
estes últimos, principalmente quando o autor enumera os seguintes tipos de
compostos: S+S (archibanco, varapau, norte-sul, pontapé); S+A (boquirroto,
cantochão, logartenente, malfeitor, manirroto); A+S (antibaixo, centopéia, meiodia,
salvoconduto); V+S (baixamar, beijamão, pintasilgo, sacabuxa, torcicollo); A+ADV
(passavante, puxavante); PREP +S (antemanhã, contramestre, sobressalto); V+V
(ganhaperde, mordefuge, vaivém). Barbosa (op. cit.) aponta, embora não mencione
67
a categoria morfológica do composto, a existência de compostos “de três palavras”,
tais como capaemcollo, fidalgo, malmequer, vent’apôpa. Nas palavras do autor,
(03) “Finalmente, os appelativos derivados compostos são os que se compõem de duas ou três palavras portuguezas, ou internas ou alteradas com alguma mudança.”
Por intermédio da Gramática do português antigo, de Joseph Hüber (1933),
temos notícia de que a composição no português antigo não é muito utilizada e,
quando aparece, é, na maioria das vezes, por justaposição (dona-virgo, ricomen,
boandança, malandante). Além desses exemplos, inclui filho d’algo e dona d’algo –
talvez pela presença da preposição de.
Em Pontos de gramática histórica, de Ismael de Lima Coutinho (1958), a
composição é definida como
(04) “o processo de formação de palavras pela união de dois ou mais elementos vocabulares de significação própria, que se combinam para representar uma idéia nova e única: sobrenadar, amor-perfeito, fidalgo”
Coutinho (op. cit.) chama a atenção para o que denomina “composição
perfeita”, quando há subordinação a um acento único (fidalgo, pudanor, morcego,
avestruz22), e “composição imperfeita”, quando os dois elementos mantêm a sua
integridade morfofonológica (carta-bilhete, saca-rolha, guarda-chuva).
Conforme sua análise, a composição seria subdividida em quatro modos: por
prefixação, por justaposição, por aglutinação e por locução. Parece que a distinção
22 É bastante questionável considerar tais exemplos como compostos, pelo menos sincronicamente.
68
entre justaposição e locução está no uso de um elemento preposicional relacionando
os elementos da locução.
Na Gramática histórica da língua portuguesa, de M. Said Ali (1964b), lê-se
que composição é um processo de formação de palavras e a palavra composta é o
resultado da
(05) “combinação de dous ou mais vocábulos”, passando a designar “algum conceito nôvo, diferenciado do sentido primitivo dos têrmos componentes”
Na Gramática histórica (1964a: 258), o autor acrescenta que a composição
é
(06) “o resultado da evolução e fusão semântica destes elementos, devendo-se notar que muitas das atuais palavras compostas, antes de se fundirem semanticamente para representar uma idéia simples, tiveram um período de existência bastante longo em que não se distinguiam de outros grupos sintáticos. Em outros casos o processo da composição efetua-se desde logo ou em tempo muito breve” [ênfase acrescida]
Percebe-se que, a partir da leitura do excerto acima, os compostos podem ser
vistos sob dois ângulos: o diacrônico e o sincrônico. Nesse sentido, o autor
menciona o processo gradual por que alguns compostos por justaposição passam, à
medida que vão se constituindo como “verdadeiros” compostos.
Em suma, algumas questões utilizadas pelos autores da perspectiva
diacrônica merecem destaque pelo fato de serem úteis na definição de palavra
composta adotada nesta tese. Retomamos, no fim de capítulo, essas questões:
• número de unidades e de categorias envolvidas na definição de composto;
69
• não reconhecimento das relações sintáticas que se estabelecem entre os
compostos;
• desconsideração da extensão polissêmica das palavras;
• graus distintos de composição de palavras: prefixação, justaposição,
aglutinação e locução; ou palavra simples, grupo sintático e composto;
• não se considera a continuidade entre palavras simples e compostas – as
palavras simples são o contrário das compostas.
3.3. A perspectiva tradicional
De acordo com a visão da gramática tradicional, num recorte meio que
aleatório dos representantes mais atuais dessa tradição, a composição é um dos
recursos mais produtivos de expansão lexical – juntamente com a derivação –, em
que “se juntam dois ou mais elementos vocabulares de significação própria, para
darem a idéia de um novo ser ou objeto” (ROCHA LIMA, 1972: 90). Observa-se que,
embora os gramáticos sigam a tradição das primeiras gramáticas, os exemplos são
retirados das modalidades escritas literárias brasileira e portuguesa, alicerçadas na
noção de certo versus errado23.
As gramáticas de Cunha & Cintra (1985), Gramática da língua portuguesa, de
Rocha Lima (1972), Gramática normativa da língua portuguesa, de Bechara (1970),
Moderna gramática portuguesa, de Kury (1976), Gramática objectiva da língua
portuguesa, e de Luft (2002), Gramática resumida, no que se refere à formação de
palavras por composição, não apresentam diferenças substanciais acerca dos
conceitos de que se valem. Nesse sentido, pode-se dizer que se mostram unânimes
23 Estamos nos referindo mais especificamente ao processo de pluralização do composto nominal. Para maiores detalhes, remetemos o leitor a Martins (1995).
70
quanto à conceituação do processo em apreço, de modo que se percebem, apenas,
a preferência de um termo por outro e a crença na unicidade semântica dos
vocábulos compostos, como se observa nos excertos a seguir:
(07) “A composição, como o sabemos, consiste em formar uma nova palavra pela união de dois ou mais radicais. A palavra composta representa sempre uma idéia única e autônoma, muitas vezes dissociada das noções expressas pelos componentes. Assim, criado-mudo é o nome de um móvel; mil-folhas, o nome de um doce; vitória-régia, o de uma planta; pé-de-galinha, o de uma ruga no canto externo do rosto”. (Cf. CUNHA & CINTRA, 1985: 121) [ênfase acrescida] (08) “Dá-se a composição, já o sabemos, quando se juntam dois ou mais elementos vocabulares de significação própria, para darem a idéia de um novo ser ou objeto. O que caracteriza, em última análise, a composição é, além da unidade de significação, a existência de mais de um radical”. (Cf. ROCHA LIMA, 1972: 198) [ênfase acrescida] (09) “A composição consiste na criação de uma palavra nova composta por meio de duas ou mais outras cuja significação depende das que encerram as suas componentes”. (Cf. BECHARA, 1970: 215) [ênfase acrescida] (10) “Nessa combinação, os elementos primitivos perdem a significação própria em beneficio de uma significação nova, global. A palavra composta exprime um conceito novo, mais ou menos distinto do sentido primitivo dos elementos componentes”. (Cf. LUFT, 2002: 131) [ênfase acrescida]
Numa leitura mais acurada, tem-se a impressão de que os autores utilizam as
categorias morfológicas aleatoriamente. Enquanto Cunha & Cintra (op. cit.) e Rocha
Lima (op. cit.) preferem o termo “radical”, Bechara (op. cit.) e Luft (op. cit.) optam,
respectivamente, pelos termos “palavra” e “elementos”.
Em relação à identificação da categoria morfológica (radical ou palavra),
Villalva (2000: 349) argumenta que
71
(11) “a distinção tradicional entre tipos de compostos nunca identificou, com rigor, a categoria morfológica dos seus constituintes. Note-se que enquanto VASCONCELOS (1911-1913: 41) e NUNES (1919-1975: 288) consideram que a composição consiste na “união de duas ou mais palavras”, CUNHA & CINTRA (1984, 1991: 106) afirmam que este processo consiste na concatenação “de dois ou mais radicais”. Os termos palavra e radical são indevidamente utilizados de modo aleatório”.
Percebe-se, também, no que diz respeito ao processamento semântico das
bases que figuram na composição, certa condescendência entre as definições
arroladas. Grosso modo, pode-se dizer que tanto Rocha Lima e Cunha & Cintra
quanto Luft acreditam que o sentido de uma “base composta” é dissociado do
sentido de seus constituintes imediatos. O primeiro mostra-se mais categórico, uma
vez que acredita que a dissociação semântica é absoluta; os outros dois, embora
concordem com o princípio da unicidade semântica, advogam que, no fenômeno da
composição, há sentidos parcialmente previsíveis (‘navio-escola’, ‘sofá-cama’) e
sentidos não previsíveis (‘guarda-vestido’, ‘olho de sogra’) a partir das bases que os
constituem.
Em contrapartida, Bechara (1970) é o único “que sustenta a idéia de que o
sentido de uma palavra composta é uma função semântica dos sentidos de seus
constituintes imediatos” (BESSA, 1978: 76).
Com relação à classificação da composição, encontramos outras diferenças
entre as gramáticas consultadas. De um modo ou de outro, os autores utilizam uma
tipologia que leva em conta a forma (classificação fonológica), o sentido
(classificação semântica) e a classe (classificação morfológica) em que podem ser
concatenadas as bases para formar o composto. Mas é somente em Cunha & Cintra
(1985) que essa subdivisão se encontra expressa nitidamente.
72
Desse modo, quanto à forma, a composição é classificada por (a)
justaposição (quando há conservação da integridade fônica, como em ‘beija-flor’) ou
por (b) aglutinação (quando há perda da ideia de composição [ou perda fonológica,
normalmente por meio de processos de sândi], como em ‘aguardente’)24.
Quanto à classe, verificamos dez possibilidades de classes gramaticais (e em
alguns casos algumas subclasses). Vejam-se, a seguir, algumas possibilidades,
retiradas de Cunha & Cintra (1985):
a) S+S (manga-rosa) b) S+P+S (pai de família) c) S+A/A+S ( amor-perfeito/belas-artes) d) A+A (azul-marinho) e) N+S (segunda-feira) f) Pro+S ( Nosso Senhor) g) V+S (guarda-roupa) h) V+V (corre-corre) i) ADV+ADJ (sempre-viva) j) ADV+V (bem-aventurar, maldizer)
Quanto às relações entre núcleo e adjunto, é somente em Cunha & Cintra
(1985) que encontramos essa possibilidade de classificação. Os autores levam em
conta a “relação de determinação” que se estabelece entre duas bases. Assim, em
(a) ‘navio-escola’, (b) ‘sofá-cama’, (c) ‘guarda-vestido’, (d) ‘olho de sogra’ e (e) ‘mãe-
pátria’, tal relação desempenha papel importante no reconhecimento do elemento
principal (determinado) e no reconhecimento do elemento secundário
(determinante). No composto ‘escola-modelo’, a interpretação se processa da
esquerda para a direita e, em ‘mãe-pátria’, da direita para a esquerda. Em outras
palavras, o significado dos exemplos (a) e (b) acima é transparente, em virtude de
estarmos diante de um navio que serve como escola e, por inferência, de um sofá
que funciona como cama. Mas o que dizer dos exemplos (c) e (d)? Parece não 24 Outros autores, como Macedo (1970), falam em compostos por locução, por considerarem que os elementos do composto são ligados, ou não, por preposição. Assim, para Macedo (op. cit.), ‘pé-de-moleque’ constitui composto por locução, ao contrário de ‘guarda-chuva’, que seria um composto por justaposição.
73
haver indícios claros de que os vocábulos se referem a uma peça de mobiliário ou,
em (d), a um doce feito de ameixa. Nas palavras do gramático
(12) “Nos compostos tipicamente portugueses, o determinado de regra precede o determinante, mas naqueles que entram por via erudita, ou se formaram pelo modelo da composição latina, observa-se exatamente o contrário – o primeiro elemento é o que exprime a noção específica, e o segundo a geral. Assim: ‘agricultura’ (=cultivo do campo), ‘suaviloqüência” (=linguagem suave), etc”. (Cf. CUNHA & CINTRA, 1985: 122) [ênfase acrescida]
Vê-se, na explicação do excerto acima, que deixar de levar em consideração
o aspecto semântico é altamente problemático para uma análise mais precisa do
fenômeno, visto que, com conhecimento do significado, é possível não só fazer
generalizações, mas também precisar, ainda mais, os mecanismos que subjazem à
formação dos compostos em nossa língua.
Mesmo que reconheçam a importância do aspecto semântico na
caracterização dos compostos, os autores só mencionam a posição ocupada pelos
formativos (determinados ou determinantes), o que, no nosso entendimento, parece
revelar uma mistura de critérios (sintático e semântico). Seria mais econômico dizer,
conforme se observa em Basilio (1987: 32), que há exemplos em que os
componentes determinam o sentido (‘navio-escola’) e outros em que o significado
nada tem a ver com os elementos da composição (‘olho de sogra’). Basilio (op. cit.)
pontua essas nuanças ao classificar ‘couve-flor’ e ‘louva-a-deus’ como compostos
descritivo e metafórico respectivamente, já que em ‘couve-flor’ se deduz tratar-se de
um tipo de couve por ter alguma coisa de flor, ao contrário de ‘louva-a-deus’, em que
não se pode inferir tratar-se de um inseto.
74
Os autores abordam também a questão de alguns radicais gregos e latinos25
que, sincronicamente, se comportam como prefixos, já que se prestam a formações
em série ao apresentarem comportamento “incomum” para uma base presa, como
se observa nos exemplos de (13) a (15) a seguir, em que as bases agro-, aero-, e
auto-, chamadas pelos autores de pseudoprefixos ou prefixóides, por apresentarem
não só um acentuado grau de independência, mas também uma “significação mais
ou menos delimitada e presente na consciência dos falantes, de tal modo que o
significado do todo a que pertencem se aproxima de um conceito complexo e,
portanto de sintagma”, além de terem, de um modo geral, menor rendimento do que
os prefixos propriamente ditos.
(13) Assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos últimos dias de 2009, o decreto é uma carta de intenções que prevê ações em diferentes áreas do governo. Ao tratar do agronegócio, aos olhos do ministro da Agricultura, o documento gera “insegurança jurídica” por flexibilizar as regras para reintegração de posse de propriedades invadidas e gera “preconceito” contra a agricultura comercial. (O Globo, 08/01/10) (14) Quanto você pagaria por uma lasanha? Na última semana, em voo que levou a delegação do Corinthians a Bogotá, onde a equipe enfrentou o Independiente Medellín (COL), pela Copa Libertadores, Ronaldo teria reclamado do sanduíche oferecido pela companhia aérea. De acordo com publicação da "Folha de S. Paulo", minutos após a crítica, uma aeromoça passou pelo atacante com uma lasanha para o piloto. - Te pago cem reais para você deixar essa lasanha aqui - disse o Fenômeno. Apesar da proposta tentadora, a funcionária recusou o "suborno". (O Globo, 17/03/10)
25 Sobre a análise dos compostos de base presa em português, ver Gonçalves (2011).
75
(15) Uma mulher que fazia aulas para exame da habilitação de motorista em Piracicaba, interior de São Paulo, perdeu o controle do veículo, atropelou a instrutora da auto-escola e caiu no Rio Piracicaba na tarde de segunda-feira (7). Ela não ficou ferida e foi retirada por outra mulher que estava no local e também fazia aulas. (O Globo, 08/06/10)
Mesmo que o foco desta pesquisa não esteja nos compostos V-N, vale
ressaltar a abordagem feita por Barros (1540). Esse gramático defende a fonte
sintática do composto, dando-nos a ideia de reconstituição da origem da
composição, ao mencionar que um composto como ‘guárda-pórta’ resulta de uma
oração que tem como predicado o verbo guardar e como complemento direto porta.
Aqui, reiteramos, por intermédio dos pressupostos da LC, que não só a
relação existente entre V-N, mas, sobretudo, as relações entre N-N são o resultado
de operações sintático-semânticas sobre construções gramaticais (cortes,
apagamentos, sombreamentos e focalizações) que ativam a construção de
significados. De modo geral, compostos surgem de uma unidade simbólica
complexa que, após uma série de links muito bem delimitados através de
operações cognitivas que se processam sobre ela, forma um padrão cognitivo de
formação de palavras na língua.
3.4. Perspectiva descritiva
Entre as gramáticas contemporâneas de cunho descritivo26, encontra-se, até
onde sabemos, um capítulo em Basílio et alii (1993), na Gramática do português
falado. A seção 4, dedicada à composição no português falado, fica a cargo de
Antonio José Sandmann. O objetivo da seção é delimitar, de um lado, grupo sintático
paralelo (permanente ou eventual) e, de outro, palavra composta. A diferença entre 26 A Gramática descritiva do português, de Perini (1996), não apresenta um capítulo dedicado à formação de palavras. Temos notícia de que o projeto Gramática do português culto falado no Brasil, já com três volumes publicados, num total de cinco, dedicará o próximo volume, organizado por Rodrigues & Alves, à “Construção morfológica da palavra”. Acreditamos que aí apareçam descrições relacionadas à composição de palavras.
76
esses três rótulos será possível, segundo o autor, mediante quatro critérios:
fonológico, morfológico, sintático e semântico.
Em termos ilustrativos, enumeram-se os exemplos citados pelo autor: (a)
grupo sintático eventual (“Recolhi a roupa do varal e esqueci um pé de meia” e “O
inimigo lança foguetes continuamente”), em que “pé de meia” e “lança foguetes” são
grupos sintáticos eventuais; (b) grupo sintático permanente – sequências linguísticas
de valor lexical, ou rótulos fixos para fatos do universo biofisicopsicosocial que nos
cerca, distinguindo-se do composto porque são transparentes (‘cheque de viagem’,
‘meio ambiente’); (c) composto (“Eu já fiz meu pé-de-meia” e “A Nasa está
desenvolvendo um novo lança-foguetes”), em que “pé-de-meia” significa “economia”
e “lança foguetes”, uma “máquina”.
Para demonstrar a diferença entre os critérios supracitados, Sandmann arrola
pares de exemplos como ‘copo-de-leite’ (flor) versus ‘copo de leite’, no caso do
critério semântico, argumentando que o formato e a cor da flor levaram à
comparação com ‘copo de leite’, constituindo, portanto, um processo metafórico.
Para o critério sintático, opõe o adjetivo do grupo sintático ‘casa grande’ (casa
grande e velha) com o composto ‘casa-grande’ (oposto de senzala). Segundo ele, o
composto A+S se distingue do grupo sintático eventual justamente pelo critério
sintático. O interessante para esta tese é a menção do autor, quando afirma que nos
compostos S+S (que aqui tratamos como N-N), do tipo DM-DT, é que o critério
sintático ainda continua válido, dado o fato de não termos um substantivo
especificando outro substantivo, como acontece em ‘trem-bala’. Em exemplos como
“Ele é um homem menino” ou “Ele é um menino homem”, há especificação, mas os
substantivos ‘homem’ e ‘menino’ são empregados como ‘maduro’ e ‘ingênuo’,
respectivamente. Fonologicamente, em compostos S+S do tipo DT-DM, há
tendência de o primeiro elemento perder sua tonicidade, o que assegura seu status
77
de vocábulo fonológico, sendo que a mudança da vogal final constitui um aspecto
morfofonológico, conforme se constata em ‘tomaticultura’ (cultura de/do tomate) e
‘pacotologia’ (ciência dos pacotes (econômicos)). Finalmente, o critério morfológico
tem a particularidade de, em compostos S+S do tipo DT-DM, somente o segundo
elemento receber flexão: ‘cinejornal’ – ‘cinejornais’; ‘motoserra’ – motoserras’;
planalto – planaltos.
No caso dos compostos DM-DT, a prática da flexão de plural é variada:
‘cartas-bomba’ e ‘cartas-bombas’ etc. A conclusão a que o autor chega é a de que,
excetuando os compostos de S+S do tipo DT-DM, o critério morfológico pouco
socorre na caracterização dos compostos.
Acerca das condições de produtividade e das condições de produção,
Sandmann diz que, no campo da criação lexical, há tipos estruturais muito diversos.
Os mais produtivos seriam os compostos copulativos (‘cantor-compositor’, ‘político-
partidário’), os determinativos (‘mulher-mãe’, ‘velha-guarda’), os reduplicativos
(‘corre-corre’, ‘oba-oba’), os onomatopaicos (‘bem-te-vi’, ‘quero-quero’) e os
“exóticos” (‘não-te-esqueças-de-mim’, Maria-vai-com-as-outras’, ‘ai-jesus’).
Revistando a visão da gramática descritiva acerca da formação de palavras
por composição, comentamos, na seção seguinte, a posição de linguistas e de
teóricos que se debruçaram sobre o tema. Na verdade, os comentários elencados a
seguir visam apenas a situar a discussão nos âmbitos estruturalista e gerativista,
abordagens que se utilizam de critérios formais.
78
3.5. Perspectiva linguística
3.5.1. Abordagem estruturalista
Bloomfield (1933) dedica dois capítulos de sua obra clássica Language ao
estudo da composição de palavras. Para tal, laça mão do “princípio dos constituintes
imediatos” (PCI) que, segundo ele, possibilita a distinção de certas classes de
palavras, classificadas em (a) primárias e (b) secundárias. Estas seriam as formas
independentes (o vocábulo composto constitui uma de suas subclassificações
(‘obra-prima’, ‘surdo-mudo’), assim como as palavras secundárias derivadas (‘surdo-
mudez’)). Aquelas, as primárias, se diferenciariam das secundárias por
apresentarem formas presas, sendo classificadas em primárias derivadas (‘de-ter’,
‘re-ceber’) e palavras-morfema (‘mar’, ‘paz’).
O que se nota na análise empreendida com o PCI é o fato de palavras
derivarem de formas livres (as primárias derivadas) e de palavras compostas
(secundárias derivadas). Nesse âmbito, fica clara a divisão que o autor faz ao utilizar
três tipos de construções morfológicas: (a) a composição, (b) a derivação secundária
e (c) a derivação primária.
Percebe-se, nas palavras do autor, um tipo de antecipação das ideias que só
viriam à tona no final da década de 1970 – e por certo inspiradas em Remarks on
nominalization de Chomsky (1970) – acerca da composição entendida como o
resultado de uma transformação: “[...] as construções das palavras compostas são
mais semelhantes às construções da sintaxe”27.
É digna de nota a intuição do autor ao perceber que a natureza e a
constituição das palavras compostas diferem de língua para língua, embora
mencione também as similaridades existentes em alguns casos. Mesmo
27 O texto original é o que se segue: “Of the three types of morphologic constructions which can be distinguished according to the nature of the constituents – namely, composition, secondary derivation, and primary derivation – the constructions of compound words are most similar to the constructions of syntax.” (BLOOMFIELD, 1933: 227)
79
considerando esse fato, propõe duas linhas de classificação: (a) relação das partes
que integram os compostos em si, e (b) relação entre os compostos.
Na relação das partes que integram os compostos, Bloomfield (op. cit.)
subdivide essas formações em sintáticas (seus membros estão numa mesma
relação gramatical conforme as palavras de um enunciado sintático homônimo,
como em ‘dedo-duro’/ ‘dedo duro’), semissintáticas (relação correlata, mas com um
traço que as diferencia, não permitindo a perfeita identidade entre o composto e o
grupo sintático, como em ‘puro-sangue’/ ‘sangue puro’); e assintáticas (alguns de
seus constituintes não se combinam em outras construções, como é o caso de
‘pintassilgo’, em que o membro ‘silgo’ é componente único desse composto, sendo
reconhecido apenas por razões históricas).
A segunda frente de classificação atestada no pensamento bloomfieldiano
refere-se às construções endocêntricas e às construções exocêntricas. Os
compostos endocêntricos apresentam a mesma classe morfológica que os seus
constituintes ou, pelo menos, que o constituinte nuclear. Em ‘salário-família’, os
constituintes individualmente, assim como o todo, pertencem à mesma classe
gramatical. Diferentemente, se a classe gramatical não for a mesma que a dos
componentes, como em ‘bem-fazer’, o composto será considerado exocêntrico.
Mudemos o rumo da prosa, focalizando agora o trabalho de Câmara Jr.
(1970) e Monteiro (2002). Pela análise que se fez da obra28 mattosiana, constata-se
que os verbetes sintagma, locução e vocábulos compostos por justaposição são
extremamente importantes para o entendimento global da visão do autor em face
das prescrições da GT. O autor assim se expressa sobre tais conceitos:
28 Refirimo-nos, especificamente, a quatro delas: (1) Dicionário de linguística e gramática (DLG), (2) Problemas de lingüística geral (PLG), (3) História e estrutura da língua portuguesa (HELP) e (4) Estrutura da língua portuguesa (ELP).
80
(15) LOCUÇÃO – Reunião de dois vocábulos que conservam individualidade fonética e mórfica, mas constituem uma unidade significativa para determinada função. Em português, temos locuções: 1) preposicionais, conjuncionais; 2) nominais, em que, além de haver justaposição, o primeiro vocábulo tem necessariamente flexão de plural; 3) verbais, nas conjugações perifrásticas. A locução é um tipo de sintagma, intermediário entre o sintagma lexical e o sintagma sintático. [ênfase acrescida] (16) SINTAGMA – Termo estabelecido por Saussure (1922, 170) para designar formas mínimas numa unidade lingüística superior (...). Tem-se assim: 1) sintagma lexical, que é uma palavra – primária ou simples ou secundária por derivação ou composição; 2) sintagma locucional, que é uma locução; 3) sintagma suboracional, correspondente a uma parte da oração, como sujeito, predicado, complemento (complexos); 4) sintagma oracional, que é uma oração e onde o determinado é o sujeito e o determinante é o predicado; 5) sintagma superoracional, constituído de uma oração subordinada a outra (...).[ênfase acrescida] (17) JUSTAPOSIÇÃO – Diz-se da reunião de duas formas lingüísticas num vocábulo mórfico, quando, ao contrário da aglutinação, cada forma se conserva como um vocábulo fonético distinto, em virtude da pauta acentual (pré-histórico, amavelmente, guarda-chuva) (...). Em português, a justaposição é escassa na derivação por sufixo, mas o prefixo, em virtude de sua natureza lexical, conserva não raro individualidade fonética e fica em justaposição. (18) VOCÁBULO – Como forma lingüística, seqüência de fonemas, resultante dessa divisão, que é a forma livre ou forma dependente, isto é, pode constituir por si só uma frase, ou pode desprender-se na frase de outra forma a que necessariamente se liga pela intercalação livre de outras formas ou pela mudança de posição.
Comecemos pelo conceito de locução. Além de reconhecer as locuções
preposicionais, conjuncionais e verbais, como o faz a tradição gramatical, Câmara
Jr. lista também as nominais, com a peculiaridade morfossintática de o primeiro
81
vocábulo apresentar necessariamente flexão de plural, como em ‘via férrea’ / ‘vias
férreas’; ‘estrada de ferro’ / ‘estradas de ferro’ (exemplos do autor).
Conforme a visão mattosiana, a locução seria um sintagma situado entre o
sintagma lexical – composto por nomes simples, nomes compostos e nomes
derivados – e o sintagma sintático – composto pelos sintagmas suboracional,
oracional e superoracional. Em outros termos, isso significa dizer que, no DLG, há
uma divisão entre nomes compostos, de um lado, e locuções nominais de outro.
Em contrapartida, em PLG, o autor diferencia (a) vocábulo composto por
justaposição e (b) locução. Define aquele como a união de dois vocábulos
fonológicos (justapostos) num só formal, como em ‘guarda-chuva’ e ‘grande chuva’,
exemplos que, para o autor, não se distinguiriam acentualmente, visto apresentarem
a mesma pauta acentual. Define esta como a união de dois vocábulos mórficos
numa unidade formal, havendo, ainda, duas alternativas básicas: a concatenação
entre uma forma autônoma e uma forma não autônoma – proclítica ou enclítica –,
como em ‘fala-se’; ou a concatenação entre duas formas autônomas, em que se
estabeleceria um vínculo de subordinação por meio de uma forma não autônoma,
como em ‘chapéu de sol’ ou ‘estrada de ferro’.
Segundo Bessa (1978: 160), o fato de Câmara Jr. considerar as formações do
tipo NprepN como locução – e não como nomes compostos, como faz a tradição
gramatical – “constitui uma das posições inusitadas” do autor frente ao que esposa
nossa tradição gramatical.
Ao longo das obras consultadas, Câmara Jr. re-elabora o conceito de locução
e justaposição, chegando a afirmar que
82
(19) “a justaposição é frequentemente também locução. Os dois conceitos coincidem, por exemplo, em substantivos compostos por justaposição, como guarda-chuva, rosa-chá etc.” (Cf. CÂMARA Jr., 1969: 38) [ênfase acrescida]
Bessa (1978: 161) observa que, “em História e estrutura da língua
portuguesa, ‘guarda-chuva’, ‘beija-flor’, ‘ganha-pão’, etc. são ‘locuções’”. Menciona
ainda que “não há como entender que uma unidade como ‘guarda-chuva’ possa a
um só tempo ser ‘vocábulo formal constituído de dois vocábulos fonológicos’ e ‘dois
vocábulos formais’”.
Outro argumento proposto por Câmara Jr. (1970), e que não se encontra nas
obras anteriores, é a supressão de um dos termos, ou, nas palavras do autor, “a
supressão do qualificador”. O autor assim se expressa:
(20) “Parece-me que a chave da solução está na possibilidade, para a locução, e na impossibilidade, para o composto por justaposição, de se suprimir um dos elementos (o qualificador) sem maior prejuízo ou verdadeira subversão do que se quer dizer. Não há esse prejuízo ao se dizer – ‘Apanhei uma chuva’, em vez de – ‘Apanhei uma grande chuva’, ou – “Tomei uma decisão’, em vez de – ‘Tomei uma livre decisão’. Mas já é outra coisa dizer – ‘Apanhei a chuva’ em vez de – ‘Apanhei o guarda-chuva’ (já sem falar na mudança do gênero expressa pelo artigo) (Cf. CÂMARA Jr., 1970: 61) [ênfase acrescida]
Em resumo, pode-se dizer que, do ponto de vista formal, o tipo mais comum
de composição é a junção de duas palavras independentes, em que cada uma
conserva a sua individualidade mórfica, como se observa (21) e (22):
83
(21) 1865 - Publicação de Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll, obra clássica da literatura inglesa, considerada uma das mais célebres do gênero literário nonsense. O livro conta a história da menina Alice, que vê um coelho branco correndo com um relógio na mão e, curiosa, decide segui-lo. Acaba caindo em um buraco, indo parar em um lugar fantástico, povoado por criaturas bizarras, no reino da tirânica rainha de Copas (semelhanças com a rainha Vitória, soberana inglesa do tempo de Carroll, não são mera coincidência). Em 1951 foi lançado o desenho Alice no país das maravilhas, de Walt Disney, considerada uma obra-prima da animação. (O Globo, 04/07/09) (22) O presidente eleito de Honduras, Porfírio Lobo, ofereceu nesta quarta-feira um salvo-conduto para que o presidente deposto, Manuel Zelaya, parta para a República Dominicana, disse um porta-voz da presidência dominicana. (O Globo, 20/01/10)
Pelos exemplos, vê-se que ocorre uma associação significativa e formal entre
as duas palavras, resultando em uma nova, em que se combinam as significações
que a constituem.
Do ponto de vista morfológico, o composto pode ser um sintagma em que há
subordinação de um determinante com um determinado (‘carro-pipa’) ou uma
sequência de elementos coordenados (‘anglo-americano’)29. Mas o que
caracterizaria a composição, segundo o autor, não seria a junção de duas formas
independentes ou a existência de uma pauta acentual, mas a distinção que reside,
sobretudo, no campo morfossemântico.
Portanto, pode-se dizer também que o limite entre locução e composição é
bastante movediço na visão mattosiana, talvez presumivelmente porque foi cunhada,
quase exclusivamente, por intermédio de critérios formais. Nesse sentido, a
característica que mais se destaca é a questão da pluralização, restrição segundo
29 Parece bastante estranha essa argumentação. Ora, se os elementos estão numa relação de coordenação (paratática), um não poderia ser determinante do outro.
84
a qual o vocábulo considerado composto admite pluralização apenas no último
componente, como ilustrado nos dados abaixo:
(23) a) vaivém vaivens b) beija-flor beija-flores c) malmequer malmequeres
Por outro lado, seriam consideradas locuções (ou grupos sintáticos), “as
combinações de palavras que recebem a marca de plural em todos os componentes
ou somente no primeiro” (CÂMARA JR., op. cit.):
(24) a) mula-sem-cabeça mulas-sem-cabeça b) salário-família salários-família c) pé-de-moleque pés-de-moleque
Uma segunda característica postulada na diferenciação entre locução e
composição é a ordem fixa dos elementos. Esse princípio não é categórico, mas
serve de parâmetro em algumas situações. Monteiro (2002: 183), analisando as
sentenças abaixo, e abstraindo a indicação gráfica do uso das maiúsculas,
(25) a) O Mato Grosso ainda crescerá muito b) O mato grosso ainda crescerá muito
constata que a alteração da ordem é impossível na primeira construção, podendo,
no entanto, ocorrer na segunda, sem grande variabilidade semântica, como ilustrado
a seguir:
85
(26) a) * O Grosso Mato ainda crescerá muito b) O grosso mato ainda crescerá muito
Os contra-argumentos, em relação à ordem dos elementos, elencados a fim
de definir uma locução ou um composto dizem respeito ao fato de, nas locuções, a
troca de posição mudar o significado e a função dos termos de uma expressão
(‘cachorro amigo’ X ‘amigo cachorro’) e, na composição, ocorrer a manutenção do
significado, mesmo com a inversão dos componentes (‘franco-italiano’ X ‘ítalo-
francês’).
Uma terceira característica diz respeito à impossibilidade de intercalação
de determinantes nos compostos e sua possibilidade nas locuções. Ainda tomando
como exemplos os dados de Monteiro (2002: 183), ilustrados em (26) acima, vemos
que, em (a), se torna impossível intercalar qualquer elemento entre as bases que
formam o composto; entretanto, em (b), tal interposição é possível:
(27) a) O Mato Grosso ainda crescerá muito b) O mato verde e grosso ainda crescerá muito
Um questionamento que pode ser aventado após o critério da intercalação de
determinantes é o de considerar os vocábulos ‘segunda-feira’, ‘amor-perfeito’, ‘obra-
prima’ como nomes compostos ou locuções. Se o critério da supressão de um dos
termos, sugerido por Câmara Jr. (1970) para definir a locução, for válido, exemplos
como ‘guarda-chuva’ vs. ‘grande chuva’ funcionam perfeitamente. Entretanto,
algumas locuções, ditas fechadas, adverbiais, prepositivas e conjuntivas, não se
prestam à argumentação encetada pelo autor. Monteiro (2002: 183) assim se
expressa sobre tal imprecisão:
86
(28) “Pelo visto, as fronteiras que distinguem o vocábulo composto da locução são bastante imprecisas. Nossas gramáticas alistam entre compostos muitos exemplos que, segundo o critério acima exposto, consistem em verdadeiras locuções. Estariam nesse rol segunda-feira (segunda), terça-feira (terça), hora-aula (aula) etc.?”
Conforme Monteiro (op. cit. 185), essa complexidade de distinguir composto
de locução estaria na ideia de se
(29) “interpretar a composição como um mecanismo morfológico. Na realidade, na maioria das situações tem-se um processo de natureza sintático-semântica”.
Parece que os critérios usados na definição dos compostos seriam os
sintáticos, na medida em que apresentam a estrutura dos sintagmas e das orações,
como se observa em ‘dedo-duro’, forma em que há combinação de um substantivo e
de um adjetivo, no plano morfossintático, a julgar pelo processo de concordância
nominal. Ao analisar ‘dedo-duro’, o autor enumera dois equívocos encontrados nas
gramáticas tradicionais. O primeiro deles seria enquadrar a composição na parte
referente à morfologia, apresentando exemplos que, devido às relações de
concordância ou regência, não constituiriam vocábulos morficamente compostos,
mas sim grupos sintáticos (‘bolsa-escola’, ‘couve-flor’) ou sintagmas locucionais
(‘abridor de garrafa’, ‘casa de detenção’, ‘fim de semana’). O segundo seria o que
apresenta a aglutinação e a justaposição como aspectos peculiares ou propriedades
da composição, uma vez que, por um lado, a aglutinação e a justaposição são
processos fonológicos e não morfológicos e, por outro, não apenas na composição
se verificam tais processos, mas também na derivação, como em ‘forma + oso’ =
‘formoso’; ‘cento + avo’ = ‘centavo’ (derivação por aglutinação); ‘alegre + mente’ =
87
‘alegremente’; ‘sabia + zinha’ = ‘sabiazinha’ (derivação por justaposição); ‘perna +
alta’ = ‘pernalta’; ‘água + ardente’ = ‘aguardente’ (composição por aglutinação); ‘beija
+ flor’ = ‘beija-flor’; ‘passa + tempo’ = ‘passatempo’ (composição por justaposição).
Monteiro (op. cit.) ainda ressalta o fato de nem sempre podermos determinar
o significado do composto a partir das palavras que os constituem, visto que o
significado de um composto não é a soma de suas partes. Ilustra sua afirmação com
os exemplos ‘pernalta’ e ‘boquiaberto’, afirmando que o significado de cada
composto inclui, pelo menos em certa medida, os significados das partes,
diferentemente de outros compostos como, por exemplo, ‘mal-me-quer’ e ‘bem-te-vi’,
que não parecem estar relacionados com o significado das partes.
3.5.2. Abordagem gerativista
É na perspectiva gerativista que fica mais clara a indecisão acerca do
componente em que os compostos são criados. Percebe-se claramente uma
polarização entre os defensores do componente morfológico e aqueles que
defendem a criação dos compostos no componente sintático. Conforme mostramos
na subseção acima, desde Bloomfield (1933), as construções compostas são
consideradas mais assemelhadas às construções sintáticas. O autor já afirmava que
“as gradações entre um vocábulo e uma frase podem ser muitas; muitas vezes não
se pode fazer uma distinção rígida. As formas que classificamos como compostos
exibem alguns traços que, em sua língua, caracterizam vocábulos unitários em
contraposição a frases” (p. 227).
O trabalho de Lees (1960)30 é considerado pioneiro na descrição dos
compostos como originários de sentenças. O autor descreve os compostos a partir
das relações sintáticas depreendidas pelas estruturas subjacentes que, segundo ele,
30 Outro trabalho de peso dessa mesma época é o de Marchand (1960, 1969), no que se refere ao estudo da composição.
88
são facilmente percebidas pelos analistas. Dessa percepção, chega a mencionar o
grande número de regularidades entre os compostos nominais e as nominalizações.
Em 1970, depois da publicação do clássico Case grammar (1968), de
Fillmore, Lees revisa as postulações do trabalho de 1960, não focalizando apenas
as relações sintáticas existentes, mas considerando também os papéis de agente,
paciente, instrumento, segundo a teoria fillmoreana. Nesse segundo momento, diz o
autor que a análise se torna mais apurada, apresentando conexão mais aproximada
entre o sentido do composto e suas estruturas sintáticas profundas.
Tomemos como exemplo ‘drawbridge’ (‘ponte levadiça’), utilizado pelo próprio
autor. Conforme Lees (op. cit.), o composto seria a transformação da construção
relativa “bridge which is for someone to draw”. Essa construção seria reduzida a
“bridge for someone to draw”, com o apagamento do verbo e do pronome relativo,
respectivamente. Segundo ele, a etapa “bridge for someone to draw” apresentaria a
frase encaixada “Someone draws the bridge” e, desse encaixamento, surgiria o
composto ‘drawbridge’, por conta de outros apagamentos, demonstrando a relação
sintática entre os componentes ‘draws’ e ‘bridge’, que, na estrutura subjacente, se
encontram na condição de verbo e objeto direto.
O autor organiza os compostos segundo a relação gramatical encontrada nas
sentenças, dividindo-os em grupos: (I) sujeito-predicado (suject-predicate), (II)
sujeito-verbo (subject-verb), (III) objeto de verbo transitivo indireto (verb-prepositional
object) etc. Apenas como ilustração da ideia do autor, listamos alguns exemplos de
compostos que sofreram transformações a partir de sentenças:
(30) The friend is a girl - girlfriend (namorada) The plane is a fighter - fighter plane (avião de combate)
89
(31) The Indian has red skin ---- … Indian with the red skin… Redskin (pele-vermelha)
A ideia é que todos os compostos são gerados a partir da sobreposição de
regras, aplicadas diversas vezes, até que o composto seja então formado. No
entanto, como se disse acima, o artigo de 1970 re-estuda alguns compostos, como
‘windmill’ (moinho de vento), por exemplo, afirmando que os compostos vão se
encaixar em conjuntos de verbos que, entre si, trazem traços semânticos mínimos –
os chamados verbos generalizados, ou seja, alguns compostos estariam ligados a
um subconjunto de verbos, facilmente reconhecíveis.
Grosso modo, na angulação gerativista desde então, a composição configura-
se como um processo autônomo de formação de palavras, que ocorre no léxico ou
na sintaxe. Se a formação ocorre em algum lugar antes da sintaxe, diz-se tratar de
um composto morfológico (ou lexical); se ocorre no componente sintático, esse
composto será chamado de pós-lexical.
Di Sciullo & Williams (1987) afirmam que os compostos do inglês podem ser
de dois tipos: objetos morfológicos (frase na morfologia) e palavras sintáticas
(palavra na sintaxe), formados pela regra Y → XP, em que Y representa a categoria
lexical e XP, as categorias lexicais máximas (VP, NP, AP e PP). Em português, o
output dessa regra resultará sempre em uma categoria de cunho nominal, podendo
ser reescrita, segundo Lee (1995), da seguinte forma: Y = [+N]. Nesse caso, essa
categoria nominal [+N] pode se consubstanciar em N ou A.
Em termos mais precisos, poderíamos dizer que a regra Y → XP prediz que
qualquer categoria sintática pode ser analisada como uma palavra. A fim de
distinguir os dois tipos de compostos, os autores usam o critério da posição do
núcleo, afirmando que, nos compostos que são objetos morfológicos, o núcleo se
90
posiciona à direita (‘wolf children’), como nas derivações; e, nos compostos que são
palavras sintáticas, o núcleo se posiciona à esquerda (‘break down’).
Os autores afirmam, ainda, que, nas línguas românicas, não existem os dois
tipos de compostos presentes no inglês. Nessas línguas, todos os compostos seriam
palavras sintáticas, ou seja, compostos com núcleo à direita. Essa posição contraria
a visão de Lee (1995), que defende a prerrogativa de que o português, por ser uma
língua que segue outros parâmetros, apresenta também compostos que são objetos
morfológicos. Ademais, a posição do núcleo nessa língua não é conditio sine quo
non à delimitação dos tipos de compostos que existem. Isso ocorre, segundo Lee
(op. cit.), devido ao fato de o português apresentar, diferentemente do inglês,
compostos com núcleo à direita (como se vê em (32)); com núcleo à esquerda
(como se vê em (33))31; e até mesmo sem núcleo (como se vê em (34))32:
(32) NN AN a) ponta pé (m.) (m.+m.) baixo relevo (m.) b) cafei cultura (f.) (m.+f.) alto relevo (m.) c) vaso constrição (f.) (m.+f.) primeiro ministro (m.) d) vara pau (m.) (f.+m.) segunda-feira (f.) e) água pé (m.) (f.+m.) vanglória (f.)
(33) GRUPO A GRUPO B AN NN a) amor perfeito homem rã b) senso comum navio escola c) sangue frio sofá cama d) estado maior beira mar
31 Segundo Lee (1995), essa categoria de compostos é a menos comum de todas as três. 32 Todos os exemplos foram retirados de Lee (1995).
91
(34) VN NA/AA a) ganha pão boca mole b) beija-flor surdo mudo c) salva vidas d) toca discos e) arranha céus f) porta aviões
Nos compostos NN de (32), vemos a aplicação da IV Convenção de Lieber,
idealizada para a descrição dos compostos do inglês, que determina que, se dois
radicais formam um composto, traços do radical à direita infiltram para o nó que
domina esses radicais. Analisando-se os exemplos, pode-se generalizar que a
categoria do todo é determinada pelo nome à direita – vejam-se as categorias de
gênero (masculino ou feminino) e classe gramatical (todos são nomes (N)). Moreno
(1997) alerta que parece bastante sedutor defender esta parametrização para o PB,
posto que esse tipo de categorização estaria mais de acordo com a estrutura das
palavras derivadas do PB, em que as categorias e os traços mais à direita rotulam o
nó mais alto, como em ‘insensatez’, cuja formalização é a que se segue
[[insensat]A ez]N +fem
Entretanto, esse tipo de composto não é frequente no PB, diferentemente de
línguas como o alemão, inglês e latim. Sem dúvida, no português, as estruturas mais
comuns são as N-N, com núcleo à esquerda. Segundo Lee (1995), porém, as
estruturas mais comuns dos compostos, respeitando-se a convenção do núcleo à
direita, são os AN.
Em (33), encontram-se os compostos com núcleo à esquerda, que, segundo
Lee (op. cit.), são os menos produtivos, caso os comparemos com os compostos
com núcleo à direita. Estabelece-se uma relação de modificação entre N+N ou N+A,
92
sendo o segundo elemento do composto (N ou A) com valor adjetivo. No grupo B, os
núcleos são bastante fáceis de serem identificados; os do grupo B são os
verdadeiros compostos endocêntricos. No grupo A, o composto ‘sangue frio’, por
exemplo, designa o subconjunto do significado contido (ou designado) pelo
substantivo ‘sangue’. Segundo Moreno (1997), é o determinado ‘sangue’ que
adquiriu a característica de ‘frieza’ e, por conta disso, deve ser considerado o núcleo
do composto.
Nos dados em (34), encontram-se os compostos “sem núcleo”, cujas
combinações geram compostos exocêntricos, como ‘boca mole’ ou ‘beija-flor’. O
composto ‘boca mole’ não é uma boca que é mole, mas uma pessoa que fala (e
age) sem firmeza. Numa sequência como “Marta é um boca mole”, o gênero do
artigo não concorda com o ‘boca’, mas com um nome ausente subentendido. Em
‘beija-flor’, o nome à direita é feminino, e este traço deveria se infiltrar até o deverbal
‘beija’; no entanto, o produto do composto é masculino (um beija-flor). Se
considerarmos como núcleo o elemento à esquerda, o composto deveria ter como
produto final um composto verbal.
Lee (1995: 52), ao estudar a interface entre a fonologia e a morfologia do PB,
assumindo os pressupostos teóricos da Morfologia Lexical (KIPARSKY 1982, 1985)
– que considera que “a formação dos compostos, como um processo de formação
de novas palavras, acontece no léxico” – bem como as considerações de Villalva
(1986), que atesta que “os compostos do português são palavras sintáticas
reanalisadas, de tal maneira que a formação de composto acontece na sintaxe”,
propõe dois tipos de compostos no PB: os lexicais e os pós-lexicais.
Consoante as ideias do autor, os compostos lexicais seriam os únicos
verdadeiros, já que independeriam de operações morfológicas, diferentemente dos
pós-lexicais que, em sua terminologia, são pseudo-compostos, justamente por
93
permitirem processos morfológicos entre seus constituintes. Assim, os vocábulos
‘rádio-taxi’, ‘espaçonave’ e ‘autopeça’33, segundo o autor, constituiriam casos de
compostos lexicais, por apresentarem a sequência determinante (DT) + determinado
(DM), ao passo que os itens ‘sofá-cama’, ‘trem-bala’, ‘mesa-redonda’ e ‘pé-de-
moleque’ seriam compostos pós-lexicais, por apresentarem a sequência (DM)+(DT)
e constituírem unidade semântica que funcionaria independentemente de operações
morfológicas.
Sandmann (1989, 1991, 1997) analisa os compostos levando em conta
aspectos morfossintáticos e semânticos. Em que pese o aspecto morfossintático, o
autor divide as palavras compostas em duas categorias: copulativos e
determinativos34. Os primeiros apresentariam entre si uma relação sintática de
coordenação (relação paratática), em que não há relação de dependência
(preponderância de) de um termo a outro, como em ‘bar-restaurante’, em que cada
um dos elementos envolvidos na formação pode responder pelo conjunto, não
estando numa relação determinado (DM) + determinante (DT), como se observa
também em ‘copa-cozinha’. Os segundos, por outro lado, pressuporiam uma relação
sintática de subordinação (relação hipotática) entre seus constituintes, de modo que
essa dependência, criada na formação da nova palavra, sobressaltaria um elemento
periférico (DT) e um elemento nuclear (DM), como se observa em ‘piano-bar’, que
nomeia um bar onde se toca piano.
O autor ressalta ainda três características que distinguem os compostos
copulativos dos compostos determinativos: (i) o fato de os copulativos pertencerem,
normalmente, à mesma classe referencial, como em ‘contribuinte-consumidor’, e
consequentemente, a não observância de tal princípio para os determinativos, como 33 Ver nota 2, capítulo 1. 34 Sandmann (1989) analisa diversas combinações entre categorias (A+S, A+S, S+de+S, S+S, V+S). Restringimos, porém, nossa análise à formação S+S, por motivos que ficarão mais claros na seção seguinte. Ressaltamos também que não será discutida, por ora, a distinção entre composição e grupo sintático (sintagmático).
94
em ‘meio-fundista’; (ii) a distinção da relação, se de hipotaxe ou de parataxe,
somente acontecer mediante contexto, como em ‘médico-professor’, na seguinte
situação: “No hospital Antônio Pedro espera-se para hoje o retorno dos médicos-
professores”, em que se tem, nesse caso, um composto copulativo. Caso se avente
a hipótese de que, no referido hospital, haja médicos que não são docentes, então é
certo pensar que ao lado dos médicos-professores haja também médicos-médicos
(SANDMANN, op. cit. p. 119); e, finalmente, (iii) o caso dos compostos copulativos
do tipo S+S, quando não abreviados ou unidos com “e”, receberem plural nos dois
itens, como em ‘copeiros-jardineiros’, ao passo que, nos determinativos do mesmo
tipo, numa sequência DM-DT, somente o DM ser flexionado, como em ‘navios-
oficina’.
Sandmann (1997: 43) empreende uma análise de cunho mais semântico dos
compostos, separando-os em duas outras categorias: (a) metáfora e metonímia, de
um lado, e (b) endocentrismo e exocentrismo35, de outro. O que pretende, com isso,
é estabelecer o grau de transparência semântica do composto.
Entende-se por composto metafórico a formação em que “o referente repousa
na semelhança”, como em (35), em que nos três primeiros exemplos se estabelece
uma relação metafórica em todo o composto, enquanto no quarto a relação
metafórica só se dá com o determinante ‘espada’ (SANDMANN, 1997: 42).
(35) copo-de-leite (flor) perna-de-moça (tipo de pescada) pente-fino (operação policial) peixe-espada (espécie de peixe)
35 Note-se que as designações endocêntrico e exocêntrico utilizadas por Sandmann não se referem à classe gramatical do composto como em Bloomfield (1933).
95
Os compostos metonímicos ocorrem quando o “referente do nosso universo”
se fundamenta na “contiguidade ou na coocorrência espaço-temporal dos referentes,
dito de outra maneira, quando a transferência se dá com base na contiguidade
física” (SANDMANN, op. cit. 42), como se ilustra em (36):
(36) beija-flor (pássaro de língua comprida que retira néctar das flores) dedo-duro (pessoa que delata algo ou alguém) boina-verde (categoria de militar das Forças Especiais do Exército dos EUA) cara-pálida (pessoa de pele branca)
No que concerne aos compostos endocêntricos, pode-se dizer que se referem
à presença, no próprio composto, da palavra que permite identificar o nome do
referente, como acontece em ‘peixe-agulha’ (um tipo de peixe), por exemplo, em que
o núcleo do composto (peixe) se refere diretamente ao objeto ao qual designa e seu
determinante (espada) é usado metaforicamente.
Os compostos exocêntricos são caracterizados pelo fato de não
apresentarem, explicitamente, o referente do mundo exterior ao qual se referem,
como em ‘perna-de-moça’ (também um tipo de peixe), em que toda a sequência é
usada – e entendida – metaforicamente.
Ao mencionar que “para entender um composto exocêntrico precisamos ser
literalmente iniciados”, o autor abre espaço para aspectos culturais na motivação
dos compostos e mescla a classificação que fizera anteriormente utilizando-se das
noções de metáfora e metonímia. Em (37), abaixo, encontramos compostos
metonímicos e exocêntricos:
96
(37) mão-fechada (aquele que é sovina; avarento) pé-de-meia (dinheiro economizado e reservado para uma eventualidade futura) mata-burro (fosso construído à entrada de uma propriedade para evitar a passagem de animais) chapa-branca (automóvel usado no serviço público e que se identifica por ter a placa de licenciamento com fundo branco) barriga-verde (catarinense) mão-aberta (indivíduo perdulário, esbanjador; generoso)
Sandmann (op. cit.) faz, por fim, uma distinção entre composição vernácula e
não-vernácula, em que a diferença se centra na relação determinante-determinado.
Ao passo que os compostos vernáculos (formados na própria língua), como ‘sapo-
boi’, apresentam estrutura DM+DT, os não-vernáculos, em especial os chamados
neoclássicos, como ‘eurocopa’, têm ordem DT+DM.
Vale ressaltar o que o autor diz em relação à produtividade de certas bases
presas, como as que se listam em (38). Segundo ele, essas bases se prestam a
formações em série e, por isso mesmo, fariam parte do processo de derivação, por
expressarem ideia geral, fato que negaria seu status de base presa. Por esse
motivo, não haveria razão de o Dicionário Aurélio incluir esses elementos no
processo de composição, segundo o autor.
(38) autocrítica pseudo-irmão multinacional macroeconômica auto-suficiente pseudo-emprego multiangulado macroestrutura auto-estima pseudopai multifacetado microcrédito autodestrutivo minissaia
Basílio (1987: 31) lança mão do papel que a composição desempenha, ou
seja, a função de denominação. Na realidade, reconhece que as duas bases que se
combinam para formar o composto desempenham papel definido pela estrutura.
97
Nesse sentido, a composição empregaria estruturas sintáticas para construir
palavras que, por sua vez, serviriam para nomear e/ou caracterizar seres, eventos.
Devido a tais características, diz que “a nomeação dos seres pode ser descritiva ou
metafórica – além dos casos de acidentalidade ou nomeação arbitrária”.
Segundo Basílio (op. cit.), ‘água-de-cheiro’ e ‘sofá-cama’ são exemplos de
nomeação descritiva, dado o fato de apontarem as características objetivas
(concretas, denotativas) mais salientes do objeto referido; ‘amor-perfeito’ e ‘louva-a-
deus’ ilustram nomeações metafóricas, devido às associações que são realizadas
para caracterizar o objeto nomeado, com base em uma relação de semelhança.
Para Alves (1994), uma das características mais importantes dos compostos
é a de que a palavra composta, que funciona morfológica e semanticamente como
um único elemento, não costuma apresentar formas recorrentes, o que a distingue
da derivação, em que se constata essa propriedade.
Villalva (2000), ao apresentar uma proposta de descrição e classificação,
também de cunho gerativista36, em relação aos compostos, distingue três tipos de
formações: compostos morfológicos (39a), compostos sintáticos (39b) e expressões
sintáticas lexicalizadas (39c):
(39) (a) antropófago (b) guarda-jóias c) pica-pau ortografia homem-rã vaivém sócio-cultural surdo-mudo corrimão
Em (39a), encontra-se o que a autora chama de composto morfológico. Esses
exemplos, segundo a autora, constituem o que a tradição gramatical classifica como
compostos eruditos (CUNHA & CINTRA, 1985: 109), ou seja, compostos formados a
36 A ideia é a de que “os compostos do português são as palavras sintáticas reanalisadas, de tal maneira que a formação de composto acontece na sintaxe” (VILLALVA, 2000).
98
partir da ordem DT+DM, ordem essa presente no modelo de composição greco-
latina.
Os compostos sintáticos, em (39b), são “estruturas formadas por um mínimo
de duas variáveis, mas, contrariamente aos primeiros, são palavras que integram
expressões sintáticas” (CUNHA & CINTRA, op. cit.).
As expressões sintáticas lexicalizadas, por sua vez, ocorrem quando a flexão
não se apresenta em conformidade com a construção sintática, nas estruturas
V+COMPL e V+V, como se constata em (39c) acima.
Passemos agora aos resultados de pesquisas sobre os compostos.
3.6. Resultados de pesquisas
Após apresentar as perspectivas que consideramos relevantes sobre a
composição, cabe comentar alguns resultados de pesquisas acerca do tema no
âmbito do português brasileiro. Focalizamos três momentos do estudo da
composição de palavras, empreendidos nos finais das décadas de 1970, de 1980 e
de 1990, sendo o primeiro de cunho estritamente descritivo, o segundo descritivo-
explicativo e o último de caráter explicativo. Vale ressaltar que as três pesquisas se
pautam nas formulações dadas pela gramática gerativa.
Um dos primeiros trabalhos acadêmicos de cunho gerativista que enfocam “os
nomes compostos do português, de maneira como, atualmente, são gerados pela
gramática de alguns de nossos escritores” foi o desenvolvido por Bessa (1978,
1988). No estudo de 1978, o autor concentra-se na descrição do que chama de
“problemas”, cujas soluções se baseariam nos pressupostos teóricos da gramática
gerativa da década de 1970.
99
Os problemas a que o autor se refere são os seguintes: (a) a questão do
hífen, (b) a controvérsia da prefixação e (c) o gênero dos nomes compostos. Como
consideramos a primeira questão de menor importância, uma vez que diz respeito a
convenções da escrita, focalizamos as questões (b) e (c).
Em relação à controvérsia em considerar a prefixação como um processo
derivacional ou como um caso de composição, de um lado, há os partidários que
acreditam que a prefixação é um caso de derivação, por alegarem que os prefixos
são meras partículas sem existência no idioma (BASÍLIO, 1987); de outro, há os
defensores da tese da prefixação como caso de composição, por se apoiarem no
fato de que as preposições e os advérbios funcionam não só como palavras
independentes, mas também como prefixos (CÂMARA JR., 1970). A respeito dessa
imprecisão, Bessa (1978: 101) assim se expressa:
(40) “Celso Cunha lembra a possibilidade de distinção entre prefixos ‘que são meras partículas, sem existência própria no idioma (como ‘dis-’, em ‘dispor’, ‘re-’, em ‘reler’)’ e prefixos ‘que costumam funcionar também como palavras independentes (assim: ‘contra-’ em ‘contrapor, ‘entre-’ em entreter’)’, concluindo que ‘no primeiro caso haveria ‘derivação’ e que, ‘no segundo, seria justo falar-se em ‘composição’”.
Em seguida, aplica a terminologia gerativa às palavras compostas, em
relação à categoria lexical dos outputs, ou seja, “com as palavras compostas, tanto é
possível um output pertencer à mesma categoria lexical a que pertencem as bases
(compostos endocêntricos, como se atesta em (a)) como é também possível um
output pertencer a categoria lexical distinta da categoria ou das categorias lexicais a
que pertençam as bases (compostos exocêntricos, como se atesta em (b))” (BESSA,
op. cit. p. 109):
100
a) [ [X]A – [X]A ...]A (franco-prussiano)
b) [ [X]Adv – [X]V ...]N (bem-estar)
A fim de corroborar suas colocações, Bessa lembra o estudo realizado por
Maurer Jr. acerca do sufixo –zinho, em que esta demonstrou que a dupla flexão de
gênero e número não constitui característica exclusiva dos compostos. Observem-se
os dados do estudo em referência:
(41) a) coração/coraçõezinhos carro-restaurante/carros-restaurantes b) animal/animaizinhos livre-docente/livres-docentes (42) a) professorzinho/professorazinha tio-avô/tia-avó b) patrãozinho/patroazinha médico-operador/médica-operadora
Isto posto, indaga se faria sentido distinguir “composição”, “prefixação” e
“sufixação” chegando à conclusão de que a melhor solução seria não discriminar as
diferenças entre esses processos e considerá-los modalidades de um único
processo: a derivação. Assim, “composição”, “prefixação” e “sufixação” não seriam
processos distintos de criação lexical, mas modalidades da derivação, já que,
segundo ele, “todos os casos podem ser explicados mediante um correlacionamento
com frases de base” (BESSA, op. cit.: 125) com exceção daqueles que já atingiram
o estágio da irregularidade semântica.
Em relação à questão do gênero dos nomes compostos, a primeira denúncia
que faz é a de que a gramática normativa do português, apesar de ser tão minuciosa
no que concerne ao gênero dos nomes simples, não confere igual tratamento aos
nomes compostos. Nesse sentido, menciona as duas questões-chave que se
colocam no tratamento do gênero dos compostos: (a) a determinação do gênero em
101
casos de compostos de constituintes pertencentes à mesma categoria lexical e (b) a
predominância do gênero masculino nos compostos de verbo e substantivo.
Segundo o autor, a segunda questão é a mais importante, não só por ter
despertado atenção de linguistas como Rosenblat, mas também pelo fato de a
omissão da gramática não se justificar, pois, segundo ele, é possível estudar os
nomes compostos do português com base no confronto direto com os nomes
simples.
Outro aspecto salientado pelo autor são as semelhanças entre nomes simples
e nomes compostos. O autor assim se expressa sobre o assunto (BESSA, op. cit.:
146)
(43) “Em primeiro lugar, ambos se identificam do ponto de vista acentual: nos nomes compostos como nos simples só existe um acento principal. Em segundo lugar, muitos compostos se comportam, morfologicamente, como nome simples, o que se verifica, por exemplo, na pluralização e na substituição da vogal temática por uma desinência de gênero (Ex.: ‘mestre(s)’ vs ‘mestra(s)’ VC ‘contramestre(s) vs ‘contramestra(s)’)”.
Outros dois argumentos utilizados pelo autor são os nomes simples
terminados em –ão (‘corrimão, corrimãos, corrimões’) e os nomes compostos
ambíguos (‘porta-voz’). No primeiro caso, há oscilações quando entram em
composição; no segundo, exemplos como ‘porta-voz’ possuem um sentido literal e
um sentido figurado, o que implica um não alinhamento, digamos, semântico com
nomes, também compostos, do tipo ‘porta-estandarte’ e ‘guarda-vida’ (substantivos
compostos comuns de dois gêneros).
Os dois últimos argumentos são os derivados sufixais em –zinho e os nomes
compostos caracterizados pela dupla flexão de número e gênero; e a predominância
do masculino sobre o feminino. O autor mostra, no primeiro caso, que os nomes
102
simples mantêm sua individualidade quando entram na composição. No segundo
caso, levando em conta o estudo feito para o espanhol por Rosenblat, Bessa afirma
que nomes simples e compostos se colocam em pé de igualdade ante a
predominância, em ambos os casos, do gênero masculino sobre o feminino.
A conclusão a que chega sobre a questão do gênero é a de que as
gramáticas tradicionais têm condições de empreender uma abordagem que confira
igual tratamento a nomes simples e compostos no que se refere ao número e,
particularmente, ao gênero. Além dessa conclusão, afirma que os resultados para o
português foram semelhantes ao que Rosenblat atestou no espanhol: a
predominância do gênero masculino sobre o feminino (e nesse sentido, o feminino
como um gênero derivado) e, no grupo dos compostos V+N, constatou também uma
preferência pelo masculino.
Após listar os “problemas” que envolvem o processo de composição, o autor
conclui seu texto denominando de judiciosa a atitude de nossas gramáticas
normativas ao perseguirem os aspectos semânticos. A solução, então, pelo que se
infere do texto, é que somente uma análise pautada nas hipóteses do modelo
gerativo poderiam explicar, de forma satisfatória, as nuanças problemáticas dos
nomes compostos do português. No entanto, como se disse anteriormente, o autor
não explica o processo se utilizando do modelo gerativo. Há apenas a indicação de
que os princípios da gramática gerativo-transformacional o explicariam
satisfatoriamente.
Na pesquisa empreendida em 1988, Bessa agrupa os problemas relacionados
à identificação de nomes e adjetivos compostos – numa perspectiva estritamente
sincrônica do português escrito literário37 –, objetivando, por conseguinte, resolver os
problemas levantados em sua dissertação de 1978. O autor justifica a escolha da
37 Textos publicados nos períodos compreendidos entre os anos 30 e 60 do século XX.
103
modalidade literária pelo fato de o ensino da língua portuguesa conduzir-se, em
geral, com base nessa modalidade. Assim, o objetivo maior da tese é oferecer uma
introdução que abarque problemas e métodos e culmine na análise gramatical do
corpus, análise essa que serviria a fins didáticos.
Diferentemente da dissertação de mestrado – de cunho explicitamente
gerativista –, na pesquisa de 1988, o autor afirma que a introdução que faz dos
compostos, apesar de conservar, sob certos aspectos, o espírito da teoria gerativa,
não está comprometida com qualquer tipo de abordagem particular, constituindo o
que denomina “análise eclética”, em que se reúnem diversos e distintos paradigmas
da Linguística, visto que a solução para tais problemas, segundo ele, não se
resolveria sob uma única ótica epistemológica.
Desse modo, antes de enumerar os 16 grupos de problemas na identificação
e análise dos compostos, lista as maiores dificuldades que encontrou em seu
empreendimento: (i) a ênfase dada ao aspecto semântico e (ii) a inconsistência do
plano de representação ortográfica dos compostos. Em seguida, hierarquiza os 16
grupos, a fim de oferecer uma visão de conjunto de tais dificuldades e demonstrar
que requerem soluções teóricas e metodológicas. Tais grupos de problemas são
reunidos em 3 grandes blocos (bloco 1: do grupo 1 ao 9; bloco 2: do 10 ao 13; bloco
3: do 14 ao 16)38.
Os dados do grupo 1 foram classificados de problemas intravocabulares; os
do bloco 2, de intervocabulares; e os do bloco 3, de unidades da língua e unidades
do discurso. Segundo o autor, os primeiros seriam problemáticos sob os seguintes
aspectos: (a) analisabilidade ou não em perspectiva estritamente sincrônica; (b)
controvérsia da prefixação; e (c) ambiguidade de formação de vocábulos (vernáculos
ou eruditos). Os segundos, por sua vez, seriam problemáticos pela(s) (a)
38 No anexo 1, encontram-se os 16 problemas dispostos em tabela adaptada de Bessa (1988: 37-60).
104
inconsistência do sistema ortográfico da língua portuguesa, (b) não-dicionarização e
(c) deficiências formais lexicográficas. Os terceiros, finalmente, seriam sequências
monemáticas graficamente unitárias, que, num primeiro momento, não ofereceriam
obstáculos à classificação como vocábulos compostos. Seriam problemáticos,
porém, no que concerne à distinção entre unidades da língua e unidades do
discurso. Para este grupo, Bessa não oferece solução, visto considerar não ser
relevante e vital para a compreensão exata do fenômeno da composição lexical.
Os resultados a que o autor chegou foram os seguintes:
1) muitos traços seriam indevidamente atribuídos aos vocábulos compostos da
língua portuguesa, não havendo, entre os critérios destinados à identificação de
vocábulos compostos, nenhum verdadeiramente operacional e dotado de suficiente
generalidade;
2) os critérios fonológico, morfológico e semântico são restritivos, porque, não
captando as reais características da composição românica e, em particular, da
portuguesa, excluem do estatuto da composição muitos tipos de formação, que são,
indubitavelmente, verdadeiros vocábulos compostos;
3) os critérios sintáticos são particularizantes, porque refletem características de
classes particulares de vocábulos compostos; e
4) ainda que particularizantes, os critérios sintáticos são ainda preferíveis aos
demais, dada a possibilidade de convergirem para um critério metodológico menos
particularizante.
105
O terceiro estudo aqui resenhado é a tese de Almeida (1999). Na verdade, o
caráter inovador do empreendimento deve-se ao fato de ser uma pesquisa
explicativa da composição – diferentemente dos trabalhos anteriores, de cunho
descritivo –, assumindo os pressupostos teóricos do Gerativismo – mais
especificamente o arcabouço teórico que ficou conhecido, depois da publicação de
Knowledge of Language, de Chomsky (1986), como teoria de Princípios e
Parâmetros (P&P). Trata-se, pois, de uma análise que focaliza o aspecto sintático
das novas formações.
Almeida (op. cit.) utiliza exemplos de três fontes: (a) da seção de política e de
esportes da revista Veja, (b) das obras de Sandmann (1989, 1990, 1991, 1992 e
1993) e (c) de pequena pesquisa histórica do português do século XVI. Dessa
maneira, ancorada nos dados dos três corpora acima e na teoria de P&P, considera
a composição como um fenômeno que apresenta as seguintes características:
(a) o output da formação dos compostos em português é sempre um substantivo ou
um adjetivo;
(b) compostos e sintagmas determinantes (DPs)39 sempre apresentam as mesmas
ordens sintáticas, ou seja, seus núcleos estão à esquerda;
(c) tanto os compostos como os DPs sempre terão um núcleo;
(d) a formação dos compostos é sensível a operações sintáticas; e
39 Sintagma determinante (do inglês Determiner Phrase), na Teoria X-barra, corresponde ao sintagma que engloba um nome (SN) e um determinante (D), como em ‘O menino ama a menina’, em que há dois DPs – ‘o menino’ e ‘a menina’. Aqui especificamente, DP seria o que Sandmann chama de grupo sintático.
106
(e) segundo o parâmetro do núcleo (“head parameter”)40 das línguas românicas, os
complementos se posicionam à direita do núcleo e este núcleo marca as categorias
morfossintáticas (pessoa, gênero e número) que são checadas no DP; além disso,
os compostos com núcleo semântico recebem a classificação de endocêntricos, ao
passo que os compostos com núcleo visível, exocêntricos.
Uma vez que compostos e DPs compartilham mesma ordem sintática, a
autora examina diferentes critérios semânticos para a delimitação daqueles,
apresentando um breve estudo semântico-cognitivo da metáfora e da metonímia
segundo as postulações de Lakoff (1990). As conclusões a que a autora chega são
as seguintes:
1) No que diz respeito ao critério que deve ser utilizado para distinguir compostos de
DPs, afirma que, apenas no nível sentencial, se distinguem os dois significados de
‘pé de pato’. O critério que distinguiria os dois sentidos seria o semântico, já que a
ordem léxico-sintática dos constituintes é a mesma.
A autora percebe que o número de compostos com a mesma estrutura de um
DP é bem menor do que aqueles cuja estrutura é diferente, o que contraria a ideia,
amplamente difundida, de que não há compostos nas línguas românicas, como
defendem Villalva (1992) e Di Sciullo & Williams (1987). Esses linguistas defendem
que não há, nas línguas românicas, qualquer composto diferente dos sintéticos.
Almeida (op. cit.) defende, ainda, que um número considerável de compostos
inicia sua trajetória como endocêntricos (com núcleo semântico) e, ao passar por
processos metafóricos ou metonímicos, “se transforma” em exocêntricos (com
40 Esse parâmetro diz respeito à variação possível na ordem dos elementos. Ao comparar o português e o japonês, por exemplo, vê-se que, no japonês, a ordem entre o verbo e o DP complemento é invertida [KatoDP doceDP comprarV], diferentemente do português, cuja configuração é [KatoDP comprarV doceDP].
107
núcleo visível). Nesse sentido, analisa o composto ‘meia sola’, uma metáfora sobre
algo que se faz pela metade, referindo-se, na década de 1990, às medidas
governamentais empreendidas para enfrentar a crise econômica no Brasil. Com
esse dado, mostra que, mais uma vez, um composto exocêntrico se inicia como
endocêntrico.
2) A segunda conclusão relaciona-se às operações sintáticas que envolvem os
compostos. Argumenta, primeiramente, que os compostos apresentam a mesma
estrutura que os DPs e, por conseguinte, são sensíveis ao que acontece no
sintagma funcional (FP), por meio de princípios que determinam as categorias
léxico-sintáticas dos compostos. Opera também sobre os compostos a incorporação,
tanto no processo de composição quanto no processo de derivação.
Na derivação, ao contrário, o núcleo encontra-se à direita. Por conta desse
fato, mostra que a mesma estratégia pode explicar o truncamento (clipping, em
inglês), como, por exemplo, hilário de hilariante.
3) A terceira questão destacada pela autora diz respeito à generalização do núcleo
dos compostos. Menciona que, embora argumente em favor da generalização do
parâmetro do núcleo para todos os compostos, existem certas restrições com as
categorias Adj+N e adposições. Segundo ela, em tais compostos, haveria
movimento dos adjetivos para a esquerda, com a finalidade de estabelecerem maior
coesão com os substantivos. Assumiriam assim um significado mais referencial (um
mau caráter, ao contrário de caráter mau, que não é um composto).
4) Outra questão que discute é o núcleo dos compostos exocêntricos41. Afirma que,
além de diferentes categorias de compostos poderem ser exocêntricas, o núcleo de
tais compostos é sensível a operações sintáticas e utiliza o gênero e o número do
FP, como, por exemplo, em [o/a/s sem terra]. 41 O conceito de exocêntrico, em Almeida (op. cit.), é diferente do de Sandmann, assemelhando-se, portanto, às descrições de caráter mais prescritivo.
108
5) Em quinto lugar, a autora menciona a relação da moldura sintática (syntactic
frame) face aos novos dados que recolheu. Diz que, em seus dados, se confirma a
ideia de que os compostos surgem como endocêntricos e passam a exocêntricos.
Para ilustrar tal afirmativa, cita os compostos ‘meia sola’, ‘troca-troca’ e ‘vira casaca’,
todos se referindo ao cenário político da época.
6) Os últimos dois aspectos tratados pela autora acerca dos compostos são o (i)
estudo metafórico dos compostos formados a partir de partes do corpo e (ii) a
demonstração de mudança das línguas.
No primeiro caso, chega à conclusão de que em dados como ‘cabeça-X’
estão envolvidos princípios da semântica cognitiva, tais como esquema imagético,
análise conceptual, já que, em cabeça quente, percebe-se não só um estado
causado por elemento externo, mas também que os sentimentos e as emoções
podem contribuir com o significado.
No segundo caso, afirma que os compostos analisados diacronicamente são
opacos para os usuários da língua, visto que não reconhecem os constituintes das
palavras e aprende-nas como um todo, como em ‘manipular’ e ‘fidalgo’.
3.7. Síntese
Expusemos, neste capítulo, o modo segundo o qual a GT e alguns estudiosos
e especialistas tratam a composição. As gramáticas do português, na visão
diacrônica, no modelo greco-latino de fazer gramática, definem composição como
dois ou três elementos de significação própria, que se unem para darem ideia de um
novo ser ou objeto e versa em torno de duas questões basicamente: (a) o número
de unidades e a categoria gramatical envolvidos na definição dos compostos e (b) a
109
continuidade da composição, partindo da prefixação, passando pela justaposição e
aglutinação e desembocando na locução – atualmente também chamada de lexia
complexa (POTTIER, 1973) ou grupo sintático (SANDMANN, 1993). Apesar de os
autores observarem essa continuidade, justaposição e aglutinação são os
mecanismos que ganham mais destaque nesse tipo de descrição, usando, para
tanto, a nomenclatura composição perfeita (aglutinação), como em ‘fidalgo’, e
composição imperfeita (justaposição), como em ‘carta-bilhete’. Finalmente, vale
ressaltar, para os propósitos desta tese, a posição de Barros (1540), ao defender a
fonte sintática das palavras compostas.
No âmbito da GT, a definição de composição não sofre alterações
significativas. Especifica-se, entretanto, que a classificação dos compostos pode se
dar pela forma quando se refere a uma classificação fonológica (justaposição e
aglutinação), pelo sentido quando se refere a uma classificação semântica
(transparentes e opacos) e pela classe gramatical quando se refere às variadas
combinações possíveis entre os compostos (SS, SA, VS etc.). Bechara (2006),
citando as postulações de Benveniste (1976), menciona o fato de os compostos do
português serem produtos da transformação sintática em expressão nominal.
Do único trabalho descritivo que resenhamos, ressalta-se a diferença que se
estabelece entre, de um lado, grupo sintático e, de outro, palavra composta.
Na perspectiva que denominamos linguística, autores representantes de
posições teóricas distintas (BLOOMFIELD, 1933; LEES, 1960) reconhecem que as
construções compostas são mais semelhantes às construções da sintaxe ou,
segundo as postulações gerativistas da época, essas construções são geradas a
partir da sobreposição de regras, aplicadas diversas vezes, até que o composto seja
formado. Pode-se dizer que, conforme essa perspectiva, a composição é um
processo autônomo de formação de palavras.
110
As duas teses e a dissertação resenhadas “aplicam” as postulações teóricas
gerativistas na análise dos compostos. Enquanto Bessa (1978, 1988) examina como
os compostos literários do português são gerados pela gramática de alguns
escritores, Almeida (1999) diferencia grupos sintáticos de palavras compostas,
aventando a hipótese de que, embora com a mesma estrutura, a diferença entre
esses dois mecanismos se efetiva por conta de relações extralinguísticas.
Como se viu, o processo não é trivial, sobretudo se atribuirmos um (ou
acreditarmos num) lugar fixo para esse mecanismo em um dos níveis de análise
linguística. Em vista de tudo que dissemos até aqui, não seria exagero afirmar que
os trabalhos resenhados alegam, de uma forma ou de outra, que a origem do
composto é sintático-semântica, sua análise é morfossintática e semântica, mas o
desaguadouro final é o léxico ou a morfologia lexical (MARTINS, 1995: 89). No caso
da composição, esse é o “nexo” de que fala Leonardo Boff na epígrafe que abre este
capítulo. Ainda nos referindo à epígrafe, “a estrutura invisível” que suporta a
formação dos compostos N-N é uma construção abstrata, consubstanciada
sintaticamente pela construção bitransitiva e morfologicamente pela construção
transferencial N-N.
Quando rejeitamos a ideia de que o composto é apenas a somatória de duas
bases lexicais ou mesmo o resultado de um processo metafórico somente, o ponto
de vista que pretendemos defender é o da hipótese da motivação conceptual da
gramática, segundo a qual fenômenos gramaticais devem ser explicados a partir de
mecanismos cognitivos mais gerais. Isso implica que, para o estudo dos compostos
de base livre do PB aqui realizado, não existe diferença entre léxico e gramática e os
compostos são motivados cultural e cognitivamente, existindo padrões específicos
que autorizam sua instanciação. Mais especificamente, defendemos que, de uma
unidade simbólica abstrata, consubstancia-se uma construção sintática
111
transferencial. É a partir dessa construção que os compostos de base livre N-N são
formados, por meio de processos cognitivos.
Para que a análise que se empreenderá no quinto capítulo fique mais clara,
apresentamos, a seguir, os compostos que denominamos de transferenciais N-N, a
exemplo de ‘bolsa-escola’ e ‘vale-refeição’. Batizamos esse tipo de construção de
compostos de transferenciais, visto que, em sua configuração cognitiva, emerge a
ideia de transferência de algum bem, consubstanciado, muitas vezes, por um frame
compensatório.
CAPÍTULO 4: OS COMPOSTOS TRANSFERENCIAIS N-N
Expressões linguísticas não significam: elas são propostas de significação para que nós construamos os significados trabalhando com processos que já conhecemos. De maneira alguma o significado de [uma]...enunciação está “diretamente nas palavras”. Quando nós entendemos uma enunciação, nós, de maneira alguma, estamos entendendo “exatamente o que as palavras dizem”; as palavras por si mesmas não dizem nada independentemente do conhecimento magnificamente detalhado e dos eficientes processos cognitivos que trazemos como suporte42.
MARK TURNER
4.1. Introdução
Diversos setores da sociedade, nas duas últimas décadas, a começar pelo
início do governo do Partido dos Trabalhadores (PT), em 2002, à presidência da
república, denunciam, na mídia e em outros espaços, o caráter assistencialista de
um dos principais carros-chefes da política social do partido: o programa bolsa-
família. Segundo alguns deputados, por meio de projetos de lei, outros benefícios
são criados com base na filosofia do ‘bolsa-família’, o que pode lhes garantir futuros
benefícios políticos frente aos colegas e, principalmente, ao povo através do voto.
Por outro lado, alguns articulistas denunciam a ineficácia do programa e sugerem a
criação de outros benefícios de cunho hipotético. Essa efervescência de criações
lexicais demonstra a regularidade e, ao mesmo tempo, a flexibilidade do significado
que essas construções podem assumir em contextos determinados.
42 TURNER, Mark (1996). The literary mind. New York: Oxford University Press.
113
As construções compostas formadas a partir de ‘auxílio’, ‘bolsa’, ‘seguro’ e
‘vale’ surgem em decorrência de questões sociais, sobretudo nas áreas do trabalho
e da educação. A ideia de ‘benefício social compensatório’ que perpassa as
construções compostas aqui estudadas encontra guarida na Constituição Brasileira
de 1946, onde o benefício ‘seguro-desemprego’ foi previsto pela primeira vez, mas
somente implementado em 1986 e instituído como lei em 1990. Em 1985, institui-se
também lei que valida a atribuição do ‘vale-transporte’ aos empregados.
Ao estudarmos essas construções, baseados em pressupostos cognitivistas,
percebemos que existe regularidade na formação dessas palavras compostas,
contrariando a visão estabelecida de que a composição é um fenômeno
idiossincrático e de difícil sistematização (CÂMARA JR., 1970; KEHDI, 1990;
BASILIO, 2004). Pode-se capturar tal regularidade por meio de estruturas e
processos cognitivos que subjazem ao nosso conhecimento de mundo. Acreditamos,
pois, que essa regularidade constitui um padrão que pode ser reconhecido e se
encontra disponível cognitivamente.
O padrão que temos em vista aqui é aquele que considera o significado como
central para a análise linguística. Como argumentamos no capítulo anterior, esse
significado é bastante flexível, volátil e mutável, e essas construções seguem esse
padrão devido, sobretudo, a fatores de ordem cognitiva, evidenciando a inerente
instabilidade do significado. Esse significado, dependendo do ponto de vista da cena
focalizada, sofrerá também alterações que podem ser explicadas cognitivamente. É
o que acontece, por exemplo, com o significado que cada texto instancia em cada
aparição de ‘auxílio-x’, ‘bolsa-x’, ‘seguro-x’, ‘vale-x’, como veremos mais adiante.
O objetivo deste capítulo é descrever tais construções e revelar os aspectos
mais relevantes em cada cena instanciada, em cada um dos padrões. No final do
capítulo, usamos a noção fillmoreana de frame para generalizar os aspectos
114
perfilados por esses compostos. Nos anexos, exibimos quatro quadros com as
definições das construções compostas utilizadas ao longo desta tese, bem como “as
datas” em que provavelmente foram criadas.
Como o padrão ‘bolsa-x’ parece ser o mais proeminente, comecemos nossa
descrição por ele.
4.2. As construções compostas N-N transferenciais
4.2.1. As construções bolsa-x
Conforme registrado no dicionário Houaiss (2009: 308), a palavra ‘bolsa’
originou-se do grego byrsa (pele curtida, couro, odre para vinho) e do latim bursa
(bolsa, receptáculo, mercado de bens e moedas). Pelas acepções dos verbetes, o
sentido tal qual conhecemos hoje e se fixou na língua é decorrente de uma extensão
metonímica, já que, a partir do material de que era feito – “couro”, primeira acepção
de bolsa –, formou-se a acepção “utensílio que carrega algo de valor”.
Em língua portuguesa, as lexias complexas mais antigas por nós encontradas
foram ‘bolsa de estudos’ e ‘bolsa de valores’43. No primeiro caso, o composto indica
“a quantia pecuniária concedida pelo Estado ou por outras entidades a estudantes
ou investigadores”; no segundo, refere-se a “um mercado público de transação de
bens mobiliários, tais como títulos, ações, obrigações”. Embora tanto na modalidade
brasileira quanto na europeia esses dois padrões estejam lexicalmente
43 Descartamos esses dados, por não atenderem ao recorte que fizemos – estudar apenas o padrão N-N –, embora saibamos que no caso de ‘bolsa de estudos’ existe ideia de benefício. Na qualificação desta tese, ficamos sabendo através da professora Hanna Batoréo que o padrão N-de-N no Português Europeu (PE) é bastante recorrente. No PE, entretanto, o padrão bolsa-X não funciona. Eles têm ‘bolsa de estudos’ como nós. O que se tem lá que, de certa forma, nos diferencia são as palavras ‘subsídio de desemprego’ (em oposição ao nosso ‘seguro-desemprego), ‘subsídio de pesquisa’ (bolsa-pesquisa/bolsa de pesquisa), ‘subsídio de deslocação’ (em oposição ao nosso ‘seguro-automóvel’), ‘subsídio de viagem’ (em oposição ao nosso ‘seguro-viagem), lexias formadas com o padrão N-de-N. Uma análise em termos de esquemas imagéticos pode considerar ‘bolsa’ ora como contentor ora como conteúdo. Nesse caso, ‘bolsa’ como o contentor – ou lugar – onde se guarda o dinheiro ou o conteúdo deste mesmo contentor. Pensando assim, ‘bolsa de estudos’ seria, metonimicamente, o conteúdo, e ‘bolsa de valores’ o contentor.
115
estabelecidos, as novas formações compostas N-N do português brasileiro vinculam-
se mais diretamente à ideia de benefícios concedidos pelo Estado ou instituições.
Não nos debruçamos no estudo dessas construções, porque fugiríamos dos
objetivos traçados. Mas aventamos duas hipóteses bastante razoáveis para explicar,
por exemplo, a decorrência de N-N de N-de-N. Antes, porém, vejamos o que dizem
as pesquisas diacrônicas.
Com base em dados do Português Arcaico (sécs. XIII-XVI), Santos (2009:
123) afirma ter encontrado em seus dados apenas as formações N-de-N, padrão
esse bastante produtivo e recorrente no PE contemporâneo. A partir desse fato, a
autora aventa a hipótese de que o padrão N-N é mais atual nas formações
compostas do português, tendo sido originado do padrão N-de-N. Santos (op. cit.),
no entanto, não explica o porquê dessa mudança. Para nós, como dissemos, há
duas formas de focalizar a questão.
A primeira suposição é a de que a perda da preposição esteja a serviço da
própria formação dos compostos N-N no PB. Após a perda, destitui-se a ideia de
lexia complexa, atribuindo à nova formação uma feição, verdadeiramente, de um
composto. Quanto mais integrada for a construção, mais característica de palavra
composta ela terá. Essa é uma das diferenças, dentro do estudo da composição de
palavras, entre, de um lado, lexias compostas e, de outro, lexias complexas
(POTTIER et alii, 1973).
A segunda saída para explicar a motivação do não-uso da preposição ‘de’ é
adotar o Princípio da Não Sinonímia nos termos de Goldberg (1995). Segundo esse
princípio, se duas construções são sintaticamente distintas – como é o caso de
‘bolsa de pesquisa’ e ‘bolsa pesquisa’ –, devem ser semântica ou pragmaticamente
distintas. A construção ‘bolsa pesquisa’ difere, semanticamente, de ‘bolsa de
116
pesquisa’, por apresentar ideia de compensação, ideia essa não recorrente em
‘bolsa de pesquisa’.
No momento histórico, social, cultural e, principalmente, econômico em que
vivemos, novas palavras foram criadas. Da extensão metonímica a partir do material
de que era feito, ‘bolsa’ passa a indicar a ajuda de custo para um determinado fim
social, de caráter periódico, e frequentemente mensal. Trata-se, portanto, de um tipo
de benefício social.
A maioria dessas formações é criada por instituições, seja em nível federal
(‘bolsa família’), seja em nível estadual (‘bolsa escola’), seja por críticas aos
benefícios já criados por essas instituições do governo (‘bolsa eleição’), por “Projeto
de Lei” (‘bolsa estupro’)44 ou mesmo por entidades particulares (‘bolsa transporte’).
Essas formações são, à primeira vista, opacas para aqueles que ou vivem em outro
enquadramento socioeconômico ou, mesmo vivendo no Brasil, desconhecem as
discussões travadas no campo sócio-político-econômico do país.
Vejamos como o site do Serviço de Assistência Social define ‘bolsa família’ e
‘bolsa escola’, uma das primeiras formações com ‘bolsa’ seguindo o padrão N-N, no
período em que estamos nos calcando:
44 As críticas a que nos referimos podem ser assim resumidas: (a) a ‘bolsa eleição’ constitui uma crítica ao governo do PT porque, às vésperas das eleições presidenciais, os candidatos aos cargos públicos usavam o ‘bolsa-família’ como ação bem-sucedida e que deveria continuar em seus governos, caso tais candidatos fossem eleitos; (b) a ‘bolsa estupro’ é a crítica feita pelos movimentos feministas favoráveis à legalização do aborto contra a bancada evangélica do governo.
117
(01) O bolsa família é um programa de bem-estar social e de transferência de renda com condicionalidades criado pelo Governo Lula em 2003, por sugestão de Marconi Perillo, então governador de Goiás pelo PSDB, para integrar e unificar ao Fome Zero, os antigos programas implantandos no Governo FHC: o "Bolsa Escola", o "Auxílio Gás" e o "Cartão Alimentação". O bolsa família é tecnicamente chamado de mecanismo condicional de transferência de recursos. Consiste-se na ajuda financeira às famílias pobres, definidas como aquelas que possuem renda per capita de R$ 70,01 até 140,00 e extremamente pobres com renda per capita até R$ 70,00. A contrapartida é que as famílias beneficiárias mantenham seus filhos e/ou dependentes com frequência na escola e vacinados. O programa visa a reduzir a pobreza a curto e a longo prazo através de transferências condicionadas de capital, o que, por sua vez, visa a quebrar o ciclo geracional da pobreza de geração a geração.”
Sobre ‘bolsa escola’, lemos no mesmo site o seguinte:
(02) Bolsa Escola ou ainda bolsa-escola é um programa de transferência de renda, idealizado pelo prefeito de Campinas (SP) José Roberto Magalhães Teixeira do PSDB e implantado no município durante sua gestão no ano de 1994, cujo objetivo é pagar uma bolsa às famílias de jovens e crianças de baixa renda como estímulo para que esses frequentem a escola regularmente. O programa Bolsa Escola federal foi implementado em 2001 pelo governo de Fernando Henrique Cardoso
Além da noção de ajuda de custo (benefício social) que as formações ‘bolsa-
família’ e ‘bolsa-escola’ acionam, percebemos também a noção compensatória,
advinda de uma política de compensação em que o governo oferece “benefícios”
aos cidadãos, de modo a suprir direitos básicos (saúde, educação, trabalho,
alimentação, lazer, moradia), na tentativa de mascarar os fracassos sucessivos da
administração pública ou, poderiam dizer alguns, de mascarar a corrupção tão
conhecida nossa no cenário político brasileiro.
118
Vejamos alguns dos perfilamentos desses novos compostos. Comecemos
nossa descrição com alguns dos compostos formados a partir das críticas realizadas
por “pessoas influentes” na mídia.
Bolsa bandido (2010)
O nome oficial da ‘bolsa bandido’’45 é auxílio-reclusão, benefício transferido à
família do “egresso do Sistema Prisional” enquanto estiver recluso sob regime
fechado ou semi-aberto.
A ‘bolsa bandido’ foi um dos benefícios concedidos pelo governo que causou
mais polêmicas. As questões mais comentadas diziam respeito à quantia de R$
798,30 (setecentos e noventa e oito reais e trinta centavos), valor maior que o
salário mínimo, que paga R$ 545,00 (quinhentos e quarenta e cinco reais). Veja a
indignação de um leitor:
(03) “De todas as besteiras que li hoje (e li muitas) nada como a proposta do governo do estado de conceder bolsas especiais às famílias dos menores infratores. A idéia é "reconstruir os laços familiares para reintegrar os menores à sociedade" -- como se isso fosse questão de dinheiro, e como se todos os menores infratores fossem filhos de chocadeira. Mas de que mente iluminada saiu essa idéia de jerico?! Quem foi o gênio que criou este incentivo explícito à bandidagem?! Pela primeira vez na história teremos menores infratores estimulados pelos pais graças a uma ação de governo: -- Cumequié?! Foi à escola, cachorro?! Não assaltou ninguém, não estuprou ninguém, não matou ninguém?! É assim que tu cuida da tua família?! Desculpem o lugar comum, mas não há outra coisa a dizer: seria cômico se não fosse trágico.”
45 Alguns preferem a denominação ‘auxílio-criminoso’, mas isso não vem ao caso (http://mercuriana-precisofalar.blogspot.com/2009/09/bolsa-bandidoengula-essa.html).
119
Novamente, o caráter periódico é mantido: a bolsa é dada pelo governo com
uma função social, destinada à população de baixa renda (ou a um grupo
marginalizado que de alguma forma encontra dificuldade de inserção social). No
entanto, a ‘bolsa’ não é atribuída diretamente para o “segurado recolhido à prisão”,
mas para sua família, numa relação metonímica. O curioso e, para alguns,
indecente, é o fato de as famílias das vítimas do “bandido” não gozarem do mesmo
direito nem sequer serem mencionadas nesse projeto.
Bolsa blindagem (2008)
O composto ‘bolsa blindagem’ é uma criação do escritor João Ubaldo Ribeiro.
No texto46, o autor destaca a necessidade de tornar popular e aumentar a “indústria
da blindagem, pelo menos no eixo Rio-São Paulo”, pois, segundo o escritor, “não há
como projetar a trajetória galopante dessa nova atividade econômica, que
certamente nos levará em breve à liderança mundial no setor, ainda mais se o
governo vier a intervir, com a sabedoria e a presciência que o caracteriza”. Pela
leitura do texto, percebe-se que João Ubaldo faz alusão ao que havia previsto em
outro texto (“O sonho do urutu próprio”) com a indústria da blindagem. Fingindo falsa
modéstia pela previsão acertada, aproveita para criticar o presidente, já que, nessa
época, Lula dava várias entrevistas e não perdia a chance de se elogiar.
Vê-se claramente que a indústria da “blindagem” é uma “atividade econômica”
que está crescendo tão rapidamente quanto os programas sociais do governo.
Como a indústria aumenta não só em relação aos carros, mas apartamentos
também, sugere ironicamente que o governo deveria criar uma bolsa para tal fim: “E
mais satisfeito ainda ficarei quando o governo, destinando para isso uns oito ou dez
46 Todas as citações referentes a esse item foram retiradas de RIBEIRO, João Ubaldo. O Bolsa Blindagem. Disponível em <http://www.almacarioca.net/obolsa-blindagem-joao-ubaldo-ribeiro/>
120
bilhões de euros tirados do caixa pequeno do Pré-Sal, cria o programa Bolsa
Blindagem”.
Com a angulação dada pelo escritor, o sentido de bolsa se flexibiliza. Na
verdade, esse conceito até então associado à contribuição obrigatória, regular,
fundamental, destinada a pessoas de baixa renda, ganha um contorno de caráter
supérfluo, embora ainda governamental, e sem a propriedade periódica que bolsa
costuma carregar. Esse benefício, agora, destina-se à classe alta, conforme lemos
no excerto abaixo, acerca das prováveis cenas propostas na crônica:
(04) “Cena 1: Casal no lindo esplendoroso living de um apartamento bem decoradíssimo, assistindo, na companhia de três ainda lindos petizes, a uma tevê de 240 polegadas, ou do tamanho mais próximo a isso que deverá ser obtido até lá, ou seja, toda parede. Cena 2: Estampido e leve barulho de choque, vindo da janela, para onde todos olham. Cena 3: Ninguém se abala e o pai comenta: “AR-15 de novo, parece até pipoca, nessa nossa janela. Será que eles não arranjaram nada de mais moderno? Bazuca só teve naquela vez, lembram? Naquela hora, eu pensei que tinha alguém batendo no vidro da janela.” Mais uma ou duas cenazinhas dessa invulnerabilidade tão relaxante e a voz do locutor em off: “Condomínio Fort Knox – mais um blindado da Construtora Bunker, a única com SAI – o Selo Aquiles de Invulnerabilidade. E com vista para o mar, é claro”
Apesar do caráter governamental se manter, alarga-se o conceito de bolsa,
porque ativamos mais uma faceta do significado, de modo a tornar evidente a
flexibilidade do significado (FAUCONNIER & TURNER, 2002: 25). Ao conhecermos
minimamente a história dos benefícios criados pelo governo brasileiro, a dificuldade
de compreensão do que vem a ser uma ‘bolsa blindagem’ torna-se quase nula.
Bolsa boiola (2008)
O composto ‘bolsa boiola’ foi cunhado pelo jornalista Hugo Studart. O também
professor e “pesquisador dos Direitos fundamentais do século XXI” mostra-se
121
indignado pelo ato do Ministro da Saúde, José Gomes Temporão, ao comprar “15
milhões de lubrificantes KY para distribuir aos gays.”47 Nesse mesmo ato, inclui-se a
“distribuição de camisinhas e de pênis de borracha e uma cartilha ensinando as
técnicas mais prazerosas do sexo anal”, ações destinadas à comunidade gay do
país.
Nesse contexto, ‘bolsa’ se refere ao quite composto por camisinhas,
lubrificantes (KY), pênis de borracha e uma cartilha, diferentemente do sentido de
‘bolsa’ como ajuda de custo. Ofensas à parte48, reconhecemos semelhanças
bastante claras com a ‘bolsa’ como benefício. A verba, por exemplo, usada para tais
aquisições é retirada dos cofres públicos, da mesma maneira como acontece com
‘bolsa família’, ‘bolsa escola’, ‘bolsa bandido’ e, hipoteticamente, com ‘bolsa
blindagem’.
Bolsa eleição (2009)
Às vésperas das eleições, os candidatos usaram o ‘bolsa família’ como carro-
chefe em seus discursos, a fim de vencerem a disputa aos cargos de senadores,
governadores, prefeitos e, sobretudo, no caso do PT, de presidente da república. Se
pudermos falar em motivação aqui, esta seria uma motivação político-partidária. A
crítica, a partir disso, começa a se referir ao ‘bolsa família’ como ‘bolsa eleição’.
Bolsa, nesse caso, funciona como passaporte aos cargos políticos. Calcados
num programa de “sucesso”, os candidatos, de modo geral, diziam que o benefício
iria continuar, que o valor iria aumentar. Como a ‘bolsa eleição’49 é, de certa forma, a
47 STUDART, Hugo. Abaixo a ditadura gay, o Bolsa-Boiola e o KY do Temporão. Disponível em <http://www.conteudo.com.br/studart/manifesto-contra-a-ditadura-gay-obolsa-boiola-e-o-k-y-do-temporao> 48 Estamos nos referindo mais especificamente às palavras de cunho pejorativo (“O ministro sucumbiu à Gaystapo”, “Gestão transviada”) usadas, no texto, pelo “jornalista e historiador, professor e pesquisador dos Direitos fundamentais do século XXI, militante ecológico e das causas sociais”, Hugo Studart. 49 Uma formação fresquinha, dentro desse mesmo campo de significação, é ‘bolsa palestra’. A crítica gira em torno do enriquecimento rápido de políticos que, ao serem questionados sobre o assunto, dizem que deram consultorias a empresas particulares após a saída do governo.
122
‘bolsa família’, seria paga pelo governo (representado agora pelos candidatos
eleitos). Diferentemente dos outros usos, os beneficiários precisam votar nesses
candidatos para que o benefício continue sendo pago, numa espécie de troca de
favores.
Bolsa estupro (2010)
A ‘bolsa estupro’ é o nome batizado pelos movimentos feministas favoráveis à
legalização do aborto ao projeto de lei aprovado pela Comissão de Seguridade
Social da Câmara. Segundo a jornalista Simone Iwasso, trata-se de um
(05) projeto de lei que pretende combater o aborto em gestantes resultantes de estupro – prática permitida no Brasil desde o Código Penal de 1940 – com base em um pagamento pelo Estado de um salário mínimo para a mulher durante 18 anos. A ideia que se propõe com a bolsa citada é de dar estímulo financeiro para a mulher ter o filho (...) a proposta inclui ainda outro item bastante polêmico, que prevê que psicólogos, pagos pelo Estado, devem atender essas mulheres para convencê-las da importância da vida, fazendo com que elas desistam do aborto.
Pela leitura do excerto acima, o caráter periódico de ‘bolsa’ paga pelo governo
com finalidade social retoma a noção de bolsa já institucionalizada no Brasil. O fato,
digamos, novo é a atmosfera de cunho religioso que envolve o composto ‘bolsa
estupro’. Vejamos as afirmações do deputado evangélico Henrique Afonso, um dos
co-autores do projeto:
(06) “O aborto, para os evangélicos, é um ato contra a vida em todos os casos, não importa se a mulher corre o risco ou se foi estuprada; e essa questão do Estado laico é muito debatida, tem gente que me diz que eu não devo legislar como cristão, mas é nisso que eu acredito e faço o que Deus manda, não consigo imaginar separar as duas coisas.”
123
Os fundos governamentais, e neles os sistemas de bolsas, não são
destinados a causas religiosas, o que contraria a estrutura legal do Brasil nesse
aspecto, mas, ao mesmo tempo, particulariza e perspectiviza mais uma acepção do
sentido de ‘bolsa’. O movimento de mulheres, de um lado, afirma que o ‘bolsa
estupro’ reforçará duplamente a punição sobre a própria mulher.
Complementarmente, advogados favoráveis ao direito de decidir chamam atenção
para a confusão que se faz entre direito e moral e entre religião e política pública.
Segundo a advogada Samantha Buglione, “propostas como essas corrompem toda
estrutura legal que nós temos, pois pretendem impor uma determinada crença, um
pensamento único, baseado numa moral”.
Bolsa gargalhada (2008)
A referência de ‘bolsa’ aqui está relacionada “aos artistas que fazem rir, que
se oferecem ao ridículo, ao constrangedor e ao grotesco, só para nos divertir, rindo
deles – e de nós mesmos.”50 O composto foi criado pelo programa “Toma lá, Dá cá”,
criado por Miguel Falabella e dirigido por Roberto Talma.
Assim como a relação hipotética do ‘bolsa blindagem’, em ‘bolsa gargalhada’
não há fundo governamental nem investimento financeiro, tampouco política social,
com a finalidade de mascarar alguma necessidade emergencial da população. A
periodicidade se mantém por conta do intervalo semanal do programa, que é
diferente do intervalo mensal das ajudas de custo institucionalizadas.
Há um deslocamento de quem transfere o benefício – metaforizado na alegria
momentânea ocasionada pelas gargalhadas dadas pela população. A transferência
50 MOTTA, Nelson. A bolsa-gargalhada. Disponível em <http://resende.blogspot.com/2008/12/bolsa-gargalhada.html>
124
desse benefício seria função dos artistas (e não mais do governo) que estariam
prestando serviços ao público.
Bolsa miséria (2009)
Embora não tenha sido criada pelo jornalista Reinaldo Azevedo, a ‘bolsa
miséria’ seria a ‘bolsa família’ disfarçada. Segundo ele, a ‘bolsa família’ teria mais
finalidade eleitoreira do que a de diminuir a miséria realmente e, por isso mesmo,
seria uma miséria.
Antes de 2009, os alunos da Faculdade de Letras da UFRJ criaram o
composto ‘bolsa miséria’ com sentido baseado em outro beneficio – a bolsa de
iniciação PIBIC concedida pelo CNPq. Como se sabe, as universidades, de modo
geral, têm programas de bolsas de iniciação científica e estas são normalmente mais
baixas que as dos órgãos de fomento, como CNPq, FAPERJ, só para citar alguns
desses órgãos.
É em vista desse cenário que os alunos que recebiam as bolsas dadas pela
UFRJ começaram a chamá-la de ‘bolsa miséria’. De um lado, temos o composto
‘bolsa miséria’ que se refere à crítica dos alunos universitários ao baixo investimento
destindo à pesquisa; de outro, temos o composto ‘bolsa miséria’ referindo-se à
crítica presente nos blogs consultados, fazendo alusão ao baixo custo da ‘bolsa
família’ em si.
Na acepção de ‘bolsa miséria’ dos blogs, a crítica gira em torno do valor e do
fim eleitoreiro basicamente. Na acepção dos alunos da UFRJ, porém, tem-se uma
comparação crítica entre o valor das bolsas oficiais e o valor da bolsa concedida
pela Universidade.
Além disso, outra regularidade que pudemos depreender nos dados com
‘bolsa’ foram as seguintes: de um lado, depreendem-se as construções em que o
125
segundo elemento do formativo é sempre um nome +humano, beneficiário da ação
evocada pela cena, em que se reconhece uma relação semântica de finalidade.
Esse é o caso, por exemplo, de ‘bolsa-família’, ‘bolsa atleta’, ‘bolsa adolescente’.
Ainda ligadas pela relação semântica de finalidade, encontram-se as construções
‘bolsa-pesquisa’, ‘bolsa escola’, ‘bolsa alimentação’.
Por outro lado, encontram-se as construções em que o segundo elemento do
formativo é um nome –humano51, em que se estabelece relação de causa entre eles.
Esse é o caso de ‘bolsa miséria’, ‘bolsa-estupro’. As relações de finalidade e de
causa não são tão estanques assim. Nos mesmos casos em que se podem inferir as
relações de finalidade e de causa, dependendo da perspectiva que se adote,
baseados em nosso conhecimento sociocultural, encontraremos tais relações
semânticas imbricadas nesses tipos de compostos.
O quadro a seguir mostra (a) as regularidades mantidas na formação dos
compostos a partir das propriedades de ‘bolsa’ como ajuda de custo paga pelo
governo com fim social e certa periodicidade e (b) e as propriedades que não se
adéquam ao conceito prototípico de ‘bolsa’:
51 Com a relação de causalidade mais nítida, só encontramos um dado: ‘bolsa-bandido’. Esse dado é bem interessante por que mostra a perspectiva que os falantes adotam em sua conceptualização para entender esse composto.
126
Quadro 03 – Regularidade e flexibilidade do sentido em bolsa-X
Formação lexical do padrão bolsa-X
Referência de ‘bolsa’ nos textos da mídia
Regularidades do padrão bolsa-X
Flexibilidade de sentido ativada pelo padrão bolsa-X
Bolsa-bandido Recurso transferido à família do egresso no sistema prisional.
- Paga pelo governo
- Medida emergencial
- Periodicidade
- Finalidade social
- Destina-se à família do recluso
- o valor da ‘bolsa’ é maior do que os outros valores das bolsas sociais
- A família da vítima não goza dos direitos do recluso
Bolsa-blindagem Sugestão de blindar carros, casas e o que mais for possível.
- Paga pelo governo
- Medida emergencial
- Destina-se à classe alta
- Caráter supérfluo
- Não é periódico
- Não tem fins sociais
Bolsa-boiola Nome dado ao kit composto por camisinhas, lubrificantes (KY), pênis de borracha e cartilha ensinando técnicas do sexo anal.
- Verba decorrente dos cofres públicos
- É destinado a um grupo marginalizado que, de certa forma, encontra dificuldade de inserção social no Brasil
- Trata-se de utensílios (acessórios) sexuais
- Não é periódico
- É destinado a todas as classes sociais dentro do grupo dos homossexuais
Bolsa-eleição - Nome dado ao ‘bolsa-família’ no período de eleição
- Paga pelo governo
- Periodicidade
- Destinada ao mesmo grupo que recebe a ‘bolsa-família’
- Passaporte para os cargos políticos
Bolsa-estupro Salário mínimo pago pelo governo por 18 anos a mulheres que foram estupradas e engravidaram. O tratamento com psicólogos, para influenciar o não-aborto, também está previsto no projeto de leis.
- Paga pelo governo
- Periodicidade
- Finalidade social
- É destinada a todas as classes sociais
- Tratamento médico
- Caráter religioso
Bolsa-gargalhada Sugestão dos artistas do programa da TV Globo “Toma lá dá cá”. A criação da ‘bolsa’ seria por conta desses artistas nos fazerem rir.
- Periodicidade (semanal)
- Não há fundo governamental
- Não há investimento financeiro
- Trata-se de pessoas e do que elas proporcionam
Bolsa-miséria Sugestão de uma ‘bolsa-família’ disfarçada, já que seu objetivo seria meramente eleitoreiro; valor inferior à ‘bolsa’ dada pelos órgãos de fomento à pesquisa.
- Paga pelo governo (ou pela universidade)
- Periodicidade
- Finalidade social
- Destinada aos estudantes do curso de graduação (licenciatura)
- Desenvolvimento de conhecimento artístico e/ou científico
127
Passemos agora à descrição das construções auxílio-X.
4.2.2. As construções auxílio-X
A palavra ‘auxílio’ origina-se do latim auxiliaris (útil, prestativo, cooperante),
que, por sua vez, dá origem ao vocábulo auxilium (auxílio, ajuda, assistência,
proteção, sustento, amparo, patrocínio). Além dessas acepções, Nascentes (1932)
registra auxiliaris como um substantivo do campo da área militar, que significa uma
“tropa de estrangeiros a serviço de uma nação na guerra”.
A ideia de ajuda de custo dada por entidades governamentais (cujo valor
monetário é normalmente mais baixo do que o dos outros aqui estudados), a
periodicidade, a finalidade social e a destinação a um público que, por razões,
sobretudo, econômicas, necessita de patrocínio, permanecem presentes nos
compostos formados a partir de ‘auxílio’, não exatamente pela semântica do
composto, mas pela semântica do vocábulo ‘auxílio’, que, juntamente com seus
determinantes, particulariza e perspectiviza a natureza do tipo de assistência.
Os dois aspectos que parecem destacar-se nas construções compostas com
‘auxílio’ são o caráter emergencial e a periodicidade do benefício. No que tange ao
caráter emergencial, catástrofes causadas por fenômenos naturais, como os que
dão origem a ‘auxílio-aluguel’, ‘auxílio-reação’, são bastante recorrentes. Os
excertos a seguir explicam e definem esses benefícios:
(07) “O valor máximo do auxílio-aluguel é de R$ 600 por mês, para proprietários e inquilinos que tiveram suas propriedades interditadas e não podem voltar para onde moravam. As famílias a serem beneficiadas terão de solicitar o auxílio na Secretaria da Assistência Social, comprovar que têm renda familiar de até quatro salários mínimos (R$ 2.180) e apresentar laudo da Defesa Civil de interdição da moradia. A família também deverá escolher o imóvel que deseja alugar e apresentar o contrato de locação na secretaria”.
128
(08) “O auxílio-reação é um benefício financeiro, instituído pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro, através da lei nº 14.606, de 31 de dezembro de 2008, que é destinado às vítimas das fortes chuvas ocorridas em novembro de 2008, que tiveram suas casas destruídas ou interditadas, que não estão em abrigos públicos e que possuem renda familiar de até cinco salários mínimos.”
Em relação à periodicidade, percebe-se um grupo de benefícios destinados
ao término (ou manutenção) de atividades de formação estudantil, em várias fases
da vida escolar. Esse é o caso de ‘auxílio-aluno’, ‘auxílio-creche’, ‘auxílio-
dissertação’, ‘auxílio-docente’, ‘auxílio-educação’, ‘auxílio-estudante’, ‘auxílio-recém-
doutor’, ‘auxílio-tese’.
É fácil notar também que o termo ‘auxílio’ é o mais geral entre as bases
estudadas, tanto que encontramos alguns nomes de benefícios que ora são
referidos como auxílios ora como ‘bolsa’, ‘seguro’ ou ‘vale’. Tomemos como exemplo
‘auxílio-desemprego’ e ‘auxílio-reclusão’:
(09) “O número de pedidos de auxílio-desemprego52, reportados nos EUA na última semana veio pior do que as expectativas do mercado, conforme dados divulgados pelo Departamento de Trabalho do país nesta quinta-feira (27)”.
(10) “Estão circulando e-mails falando de auxílio-reclusão53para presos no Brasil. É verdade. Como está no site do Ministério da Previdência Social o auxílio-reclusão é um benefício devido aos dependentes do segurado recolhido à prisão, durante o período em que estiver preso sob regime fechado ou semi-aberto. O texto explica que "não cabe concessão de auxílio-reclusão aos dependentes do segurado que estiver em livramento condicional ou cumprindo pena em regime aberto”. (O GLOBO, 22/02/2010)
52 Oficialmente, o nome do benefício é ‘seguro desemprego’. 53 Como já dissemos, a formação ‘auxílio-reclusão’ é bastante curiosa. Este benefício foi apelidado de ‘bolsa-bandido’ pela imprensa brasileira. A crítica em geral é a seguinte: por que apenas a família do recluso recebe o benefício e a família da vítima (caso haja uma) não o recebe?
129
Outros casos dessa flexibilidade, não só com auxílio, são os seguintes:
‘auxílio-transporte’, ‘bolsa-transporte’, ‘vale-transporte; ‘seguro-saúde’, ‘vale-saúde’;
‘bolsa-alimentação’, ‘vale-alimentação’; ‘bolsa-auxílio’, ‘bolsa-auxílio-educação’.
Assim como nos outros formativos, as ideias de finalidade e de causa
encontram-se nas construções deverbais auxílio-X. Similarmente às construções
bolsa-x, finalidade liga-se aos determinantes ±humanos, e causa, aos elementos –
humanos, numa espécie de relação metonímica do todo pela parte. No primeiro
caso, podemos citar ‘auxílio-estudante’ e ‘auxílio-funeral’ e no segundo, ‘auxílio-
creche’.
Quadro 04 – Regularidade e flexibilidade do sentido em auxílio-X
Formação lexical do padrão bolsa-X
Referência de ‘auxílio’ nos textos
da mídia
Regularidades do padrão auxílio-X
Flexibilidade de sentido ativada pelo
padrão auxílio-X
Auxílio-aluguel Recurso transferido pelo Estado às famílias que tiveram suas propriedades interditadas e não podem voltar para onde moravam.
- Pago pelo governo
- Medida emergencial
- Periodicidade
- Finalidade social
- Destina-se a proprietários e inquilinos
- O valor do ‘auxílio’ é de R$ 600
Auxílio-reação Benefício financeiro destinado às vítimas das fortes chuvas de novembro de 2008, no Rio de Janeiro.
- Pago pelo governo do Estado
- Medida emergencial
- Destina-se somente às vítimas das chuvas
Auxílio-desemprego Assistência financeira temporária
- Verba capitalizada com a participação de empregados, empregadores e governo
- Destinado a todos os trabalhadores do comércio, indústria, e do setor público, oficialmente registrados
- Pago em até 5 parcelas
Auxílio-reclusão - Nome oficial dado ao ‘bolsa-bandido’. Trata-se de benefício devido aos dependentes do recluso
- Pago pelo governo
- Periodicidade
- Finalidade social
- Destinado aos dependentes do preso
130
4.2.3. As construções seguro-X
A palavra ‘seguro’, do latim sēcūrus, apresenta relação primária de fato,
acontecimento esse que, por sua vez, apresenta as ideias de ‘certo e indubitável’ e
‘isento de risco e de perigo’. Nas enunciações em que a palavra aparece, percebe-
se ideia de ‘seguridade’ e de ‘certeza’.
Segundo o dicionário Houaiss (2009), as construções com ‘seguro’ estariam
mais ligadas ao campo jurídico. Nesse âmbito, ‘seguro’ estabelece relação de um
contrato em virtude do qual uma pessoa assume a obrigação de pagar uma quantia
em dinheiro a uma instituição, ou a quem esta designar, a fim de receber uma
indenização, em forma de capital ou renda, no caso em que advenha o risco
indicado e temido. No caso dos ‘seguros de vida’, a seguradora abona dos familiares
do morto a soma dos débitos devidos e, a depender do tipo de contrato feito entre as
partes, paga-lhes o prêmio estabelecido.
Identificam-se nas construções seguro-x, cunhadas a partir do padrão
‘seguro-desemprego’, noções culturalmente motivadas. Além das noções de (a)
periodicidade, (b) benefício pago pelo governo, (c) medida emergencial e com
finalidade social, agregam-se noções específicas da história brasileira, relacionadas
aos direitos sociais (trabalhistas), que começaram a entrar na agenda
governamental em 1930.
Diferentemente dos seguros vigentes, a criação dos compostos a partir de
‘seguro-desemprego’ envolve a participação monetária de três ramos: o governo, o
empregador e o empregado, cada um contribuindo com parcelas mensais, o que
ratifica o caráter periódico desse benefício, mas com uma angulação um pouco
diferente dos outros tipos de seguros.
131
(11) “(...) em 1990, foi criado o Programa Seguro-Desemprego, com seu desenho institucional bem delineado, buscando prover assistência financeira temporária ao trabalhador desempregado em virtude de dispensa sem justa causa, inclusive a indireta, além de auxiliá-lo na manutenção e busca de emprego por meio de ações integradas de orientação, recolocação e qualificação profissional. Para financiar o Programa, foi criado um fundo público, o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), e, para geri-lo, foi instituído o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (CODEFAT), constituído por representantes dos trabalhadores, empregadores e do governo, considerado um grande avanço nas relações do Estado com a sociedade civil em razão do seu caráter tripartite e paritário” (Blog “B&D – Brasil e Desenvolvimento”, consultado em 30/07/10)
De modo geral, quando se contrata um seguro, estabelece-se uma relação
lícita entre um valor e um bem. Esse bem pode ser material (como ‘seguro-
bagagem’, ‘seguro-animais’, ‘seguro-automóvel’) ou imaterial, no caso de um
prejuízo econômico ou de lucro cessante (como ‘seguro-incêndio’, ‘seguro-garantia’).
Vejamos a definição de ‘seguro-bagagem’, ‘seguro-incêndio’ e ‘seguro-garantia’:
(12) “O seguro-bagagem é uma indenização em caso de extravio, roubo, furto qualificado ou destruição da bagagem, desde que sob responsabilidade da companhia, comprovado mediante apresentação do relatório comprobatório de perda (13) O seguro-incêndio oferece cobertura básica para danos causados por incêndios, queda de raios e explosão causada por gás empregado no uso doméstico (quando não gerado nos locais segurados) e suas consequências tais como desmoronamento, impossibilidade de proteção ou remoção de salvados, despesas com combate ao fogo, salvamento e desentulho do local. (14) O seguro-garantia é um seguro utilizado por órgãos da administração direta e indireta (federais, estaduais e municipais), públicos e privados, que devem exigir garantias de manutenção de oferta (em caso de concorrência) e de fiel cumprimento dos contratos e também para as empresas privadas que, nas suas relações contratuais com terceiros, desejam garantir-se contra o risco de descumprimento dos contratos
132
Observa-se, nos casos do ‘seguro-bagagem’ e do ‘seguro-incêndio’, o seguro
de bens materiais. Essa relação é mais direta em ‘seguro-bagagem’, já que se faz o
seguro dos bens carregados. Em ‘seguro-incêndio’, percebemos essa relação, mas
de forma mais indireta, uma vez que o seguro não foi feito para o incêndio, mas para
seus efeitos, ocasionando, assim, um prejuízo econômico. Em ‘seguro-garantia’, o
contrato é estabelecido com a finalidade de permanência dos direitos e obrigações
jurídicas.
Vale destacar que nessas construções há uma espécie de garantia que, de
modo geral, poderíamos denominar de garantia contrafactual, tanto nos casos de
proteção de bens materiais quanto dos bens imateriais. Estamos entendendo como
contrafactual a situação (ou evento) do mundo possível que não aconteceu, mas que
poderia ter acontecido.
Ademais, em ‘seguro-bagagem’ e ‘seguro-incêndio’, observa-se que a
formação criada a partir de seguro exprime uma necessidade voltada para proteger
os bens materiais. Dentro do mesmo MCI, mas numa angulação diferente, ‘seguro-
garantia’ protege o contrato firmado entre partes caso uma deixe de honrar seu
compromisso. Não deixa de ser uma forma de proteger os bens do cidadão, porém
em outra esfera.
Outro composto bastante instigante é ‘seguro-silicone’. Como garantia de bom
rendimento e saúde, estipula-se um valor com a seguradora para proteger a parte do
corpo siliconado, em caso de acidente. Conforme uma seguradora, tal seguro é uma
(15) “apólice de seguro no caso de acidente em que o segurado estipula o valor com a seguradora em termos de valor e a parte do corpo em que utiliza prótese siliconada”
133
Assim, por conta dos variados acidentes, inclusive mortes, causados pelo uso
indiscriminado do silicone, criam-se expedientes para garantir a saúde das pessoas
por meio de técnicas estéticas, em muitos casos consideradas supérfluas.
Esse tipo de prevenção que as construções com seguro-x veiculam ora
focaliza o segurado (‘seguro-bagagem’) ora focaliza o segurador (‘seguro-garantia’).
Contrariamente às outras formações, os compostos com o padrão seguro-x são os
únicos que pressupõem relação de pagamento monetário de ambas as partes:
segurado e segurador(es).
Para finalizar, percebem-se, inferencialmente, as mesmas relações de
finalidade e de causa presentes nos outros formativos:
Quadro 05 – Regularidade e flexibilidade do sentido em seguro-X
Formação lexical do padrão seguro-X
Referência de ‘seguro’ nos
textos da mídia
Regularidades do padrão seguro-X
Flexibilidade de sentido ativada pelo
padrão seguro-X
Seguro-desemprego Benefício que permite assistência financeira temporária aos trabalhadores pago pelo governo, com a finalidade de minimizar as perdas desse trabalhador num curto espaço de tempo.
- Pago pelo governo
- Medida emergencial
- Periodicidade
- Finalidade social
- Indenização
- O desemprego como causa da concessão do benefício
Seguro-bagagem Indenização das companhias aéreas
- Quantia pecuniária recebida
- Indenização por extravio, roubo, furto qualificado ou destruição da bagagem
Seguro-incêndio Indenização causada por incêndios, queda de raios e explosão causada por gás doméstico.
- medida emergencial
- indenização
- Indenização por perda de bens de natureza variada
Seguro-garantia - Pago pelo governo
- Periodicidade
- Destinado ao mesmo grupo que recebe a
- Passaporte para os cargos políticos
134
‘bolsa-família’
Seguro-silicone Indenização estipulada pelo cliente em decorrência de erros médicos (cirurgião plástico)
- Indenização - Caráter estético
4.2.4. As construções vale-X
Consoante datação atribuída pelo dicionário Houaiss (2009), poder-se-ia dizer
que as construções vale-x são formadas a partir do verbo valer. Além do sentido
advindo do verbo valer, o caráter de concretude se dá talvez pelo caráter espacial
que a palavra vale agrega (HOUAISS, 2009: 1918)54. Essa concretude se dá, por
exemplo, por meio do composto ‘vale-refeição’.
(16) O comércio de vale-refeição no centro de São Paulo acompanhou as inovações tecnológicas. Estão desaparecendo as barracas de camelôs que compravam os tíquetes de papel, sempre com desconto, e estão começando a crescer as lojas especializadas em comprar o crédito eletrônico. Mas que ninguém se engane: também na era eletrônica, o cliente sai perdendo. (O GLOBO ONLINE, 07/10/2007).
Esse composto aparece em documentos em 1985, nas súmulas das leis
trabalhistas. A periodicidade do benefício durará enquanto o trabalhador estiver
empregado e, diferentemente dos outros benefícios compensatórios, o ‘vale-
transporte’ é pago anteriormente, ou seja, assim que o trabalhador entra no
emprego, recebe o benefício. Além disso, empregado e empregador participam do
pagamento dos vales. O empregado paga até 6% de seu salário, cabendo ao
empregador o restante caso necessário.
54 O dicionário registra três dadas para as possíveis entras da palavra vale na língua portuguesa. Para vale com acepção de terreno, cita o século XIII; vale, como declaração escrita, 1856; e como verbo valer, 1192. O sentido de ‘valor’ também se encontra presente, mas não como moeda de troca especificamente, mas como ‘mérito, excelência, dignidade’.
135
(17) SÃO PAULO - A empresa de benefícios Visa Vale resolveu expandir sua atuação. A partir desta semana começa a trabalhar também no segmento de vale-transporte, que movimenta R$ 8 bilhões por ano. Para entrar na área, a Visa Vale comprou a Smart Benefícios, quarta maior do segmento. O valor da aquisição não foi divulgado (O GLOBO ONLINE, 28/02/2008).
Compostos ‘vale-x’ nomeiam uma espécie de documento com valor monetário
determinado, consubstanciado em ticket, com propósito de (a) substituir o troco
(‘vale coxinha’) ou de (b) receber, a título de brinde, um produto (‘vale CD’), um valor
em dinheiro (‘vale livro’), uma viagem (‘vale lazer’), um desconto (‘vale desconto’).
Veja a definição de cada uma dessas formações a seguir:
(18) O vale-coxinha é o novo valor de referência para o “vale-refeição” em estabelecimentos comerciais não reconhecidos oficialmente, como barraquinhas, trailers etc.
(19) Vale CD é um presente de valor barato que geralmente é dado a alguém que não se gosta ou que não é tão intimo, geralmente não há opção de escolha do Cd. O vale CD recebeu esse nome porque só serve como “VALE” para ser trocado, mas não tem valor algum.
(20) O vale-livro é um benefício concedido a estudantes e professores na 9ª bienal do livro da Bahia no intuito de incentivar a visita às Stands do evento. Para isso devem trocar dez documentos fiscais pelo vale no valor de R$ 10,00 para compra de um livro. (21) O vale lazer tem o objetivo de incentivar a cultura no Rio Grande do Norte, estimulando o cidadão a exigir a nota ou cupom fiscal no ato da compra. É este o objetivo do viés cultural da Campanha Cidadão Nota 10, “Show de Nota”. Além de exercer sua cidadania e contribuir, assim, com o desenvolvimento do Estado, a sociedade poderá trocar seus documentos fiscais por vales-lazer e ter entrada franca nos principais eventos, como shows artístico-culturais, teatros, cinemas, jogos desportivos, entre outros.
136
(22) O vale-desconto é um benefício concedido por uma rede bancária na compra de ingressos, academias, cursos de inglês, restaurantes e lojas.
Percebe-se que, quando os “vales” são emitidos por instituições, normalmente
são emitidos em papel timbrado, contendo o nome da instituição, o valor do ticket e
a data de validade. Diferentemente, quando a emissão do vale não é
institucionalizada, recebe-se uma espécie de recibo, em que duas pessoas (física ou
jurídica) fazem um trato, algumas vezes sem as formalidades legais. Um aspecto
que aparece em boa parte desses “vales” não institucionalizados é a rubrica ou a
assinatura do responsável pela emissão do ticket. Esse é o caso de ‘vale coxinha’,
por exemplo.
Com a rapidez exigida na era eletrônica, e com ela a preocupação com o
meio ambiente, alguns tickets de papel estão sendo substituídos por cartões
magnéticos, em que constam o nome, a matrícula ou a inscrição dos verdadeiros
proprietários do benefício. Nesse sentido, acompanhamos o surgimento, no Rio de
Janeiro, do ‘vale-transporte riocard’, nome esse já substituído por ‘riocard’ ou vale-
transporte eletrônico.
(23) O vale-transporte riocard é um bilhete único carioca em que se pode fazer a integração entre ônibus, trem e metro, pagando apenas o preço de R$ 3,70. O serviço está disponível em todo o estado do Rio de Janeiro como se funcionasse como um porta-dinheiro que, a cada utilização, se desconta uma quantia do seu cartão. Quando acabarem-se os créditos do cartão, você precisa recarregá-lo, pois, dessa forma, se economizam muitos papéis, o que ainda auxilia o meio-ambiente, de maneira que os vales-transportes de papel são utilizados somente em casos excepcionais.
137
Ressaltemos, também, que as construções formadas com vale estão
adquirindo noção mais abstrata de permissão concedida por alguém. A música Vale
Night, cantada pela banda baiana Asa de Águia, revela esta afirmação:
(24) Vale Night, o passaporte da folia Encontrei a solução pra essa agonia, Peça o seu vale night e caia na folia.
Pelo contexto de uso do termo na capital baiana, a ideia é a de que, para que
os relacionamentos atuais durem mais, é necessário que os parceiros sejam
flexíveis e não demonstrem atitudes possessivas em relação a(o) namorado(a). O
‘vale night’ entra então nesse contexto como uma permissão concedida por um dos
membros do casal para que, numa noite, sobretudo a de carnaval, um deles saia
para as festas e baladas como se não tivesse compromisso algum:
(25) Vem de Salvador a promessa de conciliar o que parecia impossível: permitir aos foliões pularem o Carnaval e a cerca ao mesmo tempo. E sem prejuízos aos namoros, casórios, relacionamentos vai-e-vem ou coisa do tipo. Uia! Quem lançou o produto e garante que funciona é a banda Asa de Águia, na música Vale Night. Consiste em um "ok" do(a) parceiro(a) para o outro fazer... bem, fazer quem ele(a) quiser fazer, desde que volte no dia seguinte. Se funciona ou não, só o tempo e os advogados especializados em divórcios dirão. Pra quem quiser testar a eficácia do vale por conta e risco, segue a letra. (http://diversao.terra.com.br/carnaval/2010/noticias)
De forma jocosa, circula na internet um “documento” (em anexo) que exige a
assinatura do cônjuge para a concessão do ‘vale night’:
(26) Sim, trata-se de um Alvará de Soltura - ou para os mais foliões, um Vale Night - que pode ser concedido para ficantes, namorados, maridos e afins.
138
Além desses sentidos, pouco (ou nada) românticos, o ‘vale night’ tem o
sentido de permissão a apenas ir a várias festas, boates numa mesma noite,
estando ou não solteiro. Nesse sentido também, alguém (um amigo promoter) lhe
daria o vale ao escrever seu nome na lista de convidados das festas promovidas por
tais amigos:
(27) Os convidados VIP’s agora têm mais um atrativo nas festas de Aracajú. Recebem entradas grátis nas boates da cidade. O povo já apelidou tais concessões de ‘vale night’, fazendo alusão à música do grupo Asa de Águia, que ficou conhecida no último carnaval, em Salvador. (O GLOBO ONLINE, 23/04/2010)
As construções vale-x são deverbais, exprimem noção semântica de
finalidade e agregam aspecto semântico [+ concreto]. Fato instigante é o de não
termos encontrado, em nossos dados, exemplos que expressassem ideia de causa,
como nos outros formativos.
Quadro 06 – Regularidade e flexibilidade do sentido em vale-X
Formação lexical do padrão vale-X
Referência de ‘vale’ nos textos da mídia
Regularidades do padrão vale-X
Flexibilidade de sentido ativada
pelo padrão vale-X
vale Recurso transferido à família do egresso no sistema prisional.
- Pago pelo governo
- Medida emergencial
- Peridiocidade
- Finalidade social
- Destina-se à família do recluso
- o valor da ‘bolsa’ é maior do que os outros valores das bolsas sociais
- A família da vítima não goza dos direitos do recluso
Sugestão de blindar carros, casas e o que mais for possível.
- Pago pelo governo
- Medida emergencial
- Destina-se à classe alta
- Caráter supérfluo
- Não é periódico
- Não tem fins sociais
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Nome dado ao kit composto por camisinhas, lubrificantes (KY), pênis de borracha e cartilha ensinando técnicas do sexo anal.
- Verba decorrente dos cofres públicos
- É destinado a um grupo marginalizado que, de certa forma, encontra dificuldade de inserção social no Brasil
- Trata-se de utensílios (acessórios) sexuais
- Não é periódico
- É destinado a todas as classes sociais, dentro do grupo dos homossexuais
- Nome dado ao ‘bolsa-família’ no período de eleição
- Pago pelo governo
- Peridiocidade
- Destinado ao mesmo grupo que recebe a ‘bolsa-família’
- Passaporte para os cargos políticos
Salário mínimo pago pelo governo por 18 anos a mulheres que foram estupradas e engravidaram. O tratamento com psicólogos, para influenciar o não-aborto, também está previsto no projeto de leis.
- Pago pelo governo
- Peridiocidade
- Finalidade social
- É destinado a todas as classes sociais
- Tratamento médico
- Caráter religioso
Sugestão dos artistas do programa da TV Globo “Toma lá dá cá”. A criação da ‘bolsa’ seria por conta desses artistas nos fazerem rir.
- Peridiocidade (semanal)
- Não há fundo governamental
- Não há investimento financeiro
- Trata-se de pessoas e do que elas proporcionam
Sugestão de uma ‘bolsa-família’ disfarçada, já que seu objetivo seria meramente eleitoreiro; valor inferior à ‘bolsa’ dada pelos órgãos de fomento à pesquisa.
- Pago pelo governo (ou pela universidade)
- Peridiocidade
- Finalidade social
- Destinada aos estudantes do curso de graduação (licenciatura)
- Desenvolvimento de conhecimento artístico e/ou científico
Apenas para efeito de checagem, apresentamos um quadro, a seguir, que
reflete as relações semânticas de finalidade e de causa, bem como seus respectivos
exemplos.
140
Relações Semânticas
auxílio-X bolsa-X seguro-X vale-X
Finalidade
auxílio-docente
auxílio aluno
auxílio gás
auxílio transporte
bolsa-família
bolsa atleta
bolsa-pesquisa
bolsa escola
seguro bagagem
seguro silicone
vale-refeição
vale-transporte
Causa auxílio-reclusão
auxílio retorno
bolsa dedicação
bolsa miséria
seguro-fiança
seguro incêndio
Quadro 07: Relações semânticas de causa e finalidade dos compostos N-N
4.3. Categorização dos compostos nominais N-N
Para compreender as construções compostas que chamamos de
transferenciais, é preciso entender o contexto (cultural e social) em que elas foram
criadas, o que foi feito na seção anterior. Ao conceito de frame, podemos aliar o de
categorização, a fim de entender melhor essas construções.
Se consideramos que a categorização está diretamente relacionada a nossa
capacidade cognitiva, e por isso mesmo preenche nossas necessidades funcionais,
necessidades essas ditadas pelas demandas sociais de nossa cultura, podemos
concluir que esse princípio é bastante econômico, já que podemos capturar o
significado de um objeto e/ou expressão recém-criados sem muito esforço.
Mesmo acostumados com as várias formações de palavras a partir do
vocábulo bolsa (‘bolsa alimentação’, ‘bolsa escola’), formações com a mesma base
podem causar algumas dúvidas se estiverem fora de contexto. Vejam-se os
exemplos a seguir:
141
(28) João Batista Tezza, diretor técnico-científico da Fundação Amazonas Sustentável, acha que é preciso trabalhar duro na prevenção do desmatamento. Esse é o projeto da Fundação que foi criada pelo governo, mas não é governamental, e que tem a função de implementar o Bolsa-Floresta, uma transferência de renda para pessoas que vivem perto das áreas de preservação estadual. A idéia é que elas sejam envolvidas no projeto de preservação e que recebam R$ 50 por mês, por família, como uma forma de compensação pelos serviços que prestam. (O GLOBO, 19/07/08) (29) É, dá satisfação profissional haver previsto a blindagem. E mais satisfeito ainda ficarei quando o governo, destinando para isso uns oito ou dez bilhões de euros tirados do caixa pequeno do Pré-Sal, criar o programa Bolsa Blindagem. A zelite vai chiar, porque não gosta de ver pobre blindado, mas logo o trabalhador poderá circular no blindado para os de baixa renda, oficialmente chamado de Escudo 1.0, mas logo popularmente batizado de Casca de Coco, na intimidade Casquinha. Segura uma pedrada no pára-brisa numa boa. (O GLOBO, 14/09/08)
No entanto, como já conceptualizamos as formações que incluem o vocábulo
bolsa, a interpretação dos dados em (28) e (29) torna-se mais fácil, já que as novas
formações – ‘bolsa-floresta’ e ‘bolsa-blindagem’, por exemplo –, obedecem ao
mesmo padrão de formação que os exemplos anteriores: no primeiro caso, os
termos veiculam relação de causa e, no segundo, de finalidade.
Sendo mais específicos, ao pensarmos no conceito de benefício como uma
representação mental – uma unidade do conhecimento, portanto –, podemos supor
que a associação dos significados desse conceito de benefício remete aos
compostos nominais cujas bases são auxílio, bolsa, seguro e vale, baseada na
similaridade (ou não) existente entre eles.
A suposição é a de que esse conceito é adquirido por meio do EI de
transferência de posse – uma cena básica da experiência humana. Na verdade,
acreditamos existir uma inter-relação entre essa experiência básica e nossas
142
interações com o mundo, relação essa que se encontra gravada na estrutura do
pensamento.
Pensando a categorização dos compostos como elemento básico para a
compreensão do pensamento, percepção, ação e discurso, subdividimos a categoria
superordenada “benefício” em duas categorias básicas, que originam categorias
subordinadas, formadas pelos compostos que aqui estudamos. Vejamos agora a
descrição de cada uma das categorias.
As categorias básicas cujo resgate reivindicamos são as seguintes: (I) direitos
essenciais e (II) ações complementares. Em relação ao que denominamos direitos
essenciais, podemos dividir essa categoria em cinco subgrupos, ao especificarmos a
que MCI esses direitos essenciais pertencem. Observando as formações compostas
que encontramos, notamos que tais direitos estão inseridos nos seguintes campos:
saúde (‘seguro saúde’), educação (‘auxílio-aluno’), trabalho (‘vale transporte’),
alimentação (‘bolsa alimentação’), lazer (‘vale lazer’) e moradia (‘auxílio aluguel’). Em
relação às ações complementares, encontramos os seguintes subgrupos: sociais
(‘auxílio-reclusão’), meio ambiente (‘ bolsa floresta’), esporte (‘bolsa Olímpica’),
cultura (‘vale cultura’), material (‘seguro informática’), comercial (‘vale pizza’) e
amoroso (‘vale pecado’).
A distribuição dos compostos no campo dos direitos essenciais e dos
complementares pode ser vista no quadro a seguir.
143
Quadro 08: Ocorrência do número dos “direitos essenciais” AUXÍLIO BOLSA SEGURO VALE TOTAL
SAÚDE auxílio-doença seguro saúde vale saúde 03 EDUCAÇÃO auxílio-aluno
auxílio-dissertação auxílio-docente auxílio-educação auxílio-estudante auxílio-permanência auxílio-tese
bolsa auxílio bolsa dedicação bolsa escola bolsa estágio bolsa pesquisa bolsa mérito bolsa sanduíche bolsa universidade
15
TRABALHO auxílio acidente
auxílio creche auxílio desemprego auxílio-funeral auxílio maternidade auxílio natalidade auxílio paternidade auxílio pensão auxílio retorno auxílio transporte
bolsa blindagem bolsa desemprego bolsa formação bolsa prêmio bolsa transporte
seguro desemprego vale transporte 17
ALIMENTAÇÃO bolsa alimentação vale alimentação
vale refeição 03
LAZER vale lazer 01 MORADIA auxílio aluguel
auxílio-reclusão 02
20 14 02 05 41
Por coincidência ou não, o que salta aos olhos é o número de benefícios
destinado ao campo do trabalho55 (17 ocorrências), seguido dos dedicados ao ramo
da educação (15 ocorrências). Do lado diametralmente oposto, encontram-se os
destinados ao lazer (01 ocorrência). As criações no campo da moradia, alimentação
e saúde contam com frequência mais ou menos equilibrada – o primeiro com duas
ocorrências, e o segundo e o terceiro com três.
Vale destacar que a soma dos compostos que veiculam direitos essenciais
(41 ocorrências) corresponde a 59,7% do total das construções compostas nominais
N-N aqui estudadas, sendo dedicados 25,4% para o trabalho56 e 22,4% para a
55 Dos dados analisados, o campo do trabalho foi o único a apresentar compostos em todas as categorias, a saber: auxílio, bolsa, seguro e vale. 56 A maioria das criações no ramo do trabalho é, normalmente, destinada aos funcionários públicos.
144
educação, perfazendo 47,8% de um total de 68 dados. Saúde e moradia somam
5,9%; alimentação, 4,5%, e, por último, lazer, 1,5% das ocorrências.
Quadro 09: Ocorrência do número das “ações complementares” AUXÍLIO BOLSA SEGURO VALE TOTAL
SOCIAL auxílio gás auxílio-reclusão
bolsa adolescente bolsa cidadã bolsa-família
05
MEIO AMBIENTE bolsa Amazônia
bolsa floresta 02
ESPORTE bolsa atleta
bolsa Copa bolsa Olímpica bolsa esporte
04
CULTURA vale cultura
vale livro 02
MATERIAL seguro animais
seguro automóveis seguro bagagem seguro informática
04
COMERCIAL vale brinde
vale CD vale compras vale coxinha vale desconto vale pizza vale presente vale saúde
08
AMOROSO vale night
vale pecado 02
02 09 04 12 27
Nesse subgrupo, destaca-se a categoria comercial (08 ocorrências),
constituída pelas formações vale-x. Se somarmos todas as formações, as
construções com vale ainda continuarão em destaque (12 ocorrências), mas agora
seguidas do total das formações com bolsa-x (09 ocorrências).
Em um total de 27 compostos, essas ocorrências correspondem a 40,3% das
construções compostas nominais S-S em um montante de 67 dados. Nesse
145
montante, a categoria comercial corresponde a 11,8%; a social, 7,5%, a material e a
de esporte, 6% cada e, por último, a de meio ambiente, cultura e amoroso, 3% das
ocorrências cada.
Para finalizar esta seção, algumas questões, no âmbito da caracterização dos
compostos, devem ser focalizadas. A primeira dessas questões é o fato de
encontrarmos ‘auxílio desemprego’, ‘seguro desemprego’ e ‘bolsa desemprego’. A
pergunta que se faz é a seguinte: por que o uso de cabeças lexicais distintas? Há
importantes diferenças de significado entre as formas? Entre ‘auxílio desemprego’ e
‘seguro desemprego’, a diferença é tão tênue que os sites governamentais
consultados os consideram intercambiáveis. O nome oficial do benefício é ‘seguro
desemprego’, criado em 1986, mas já previsto na Constituição de 1946. Em
contrapartida, ‘bolsa desemprego’ é uma formação que apresenta a particularidade
de ser atribuída aos trabalhadores das áreas de vendas, administração, indústria,
construção civil, limpeza, para que se qualifiquem profissionalmente. O período da
bolsa – de três meses – é compatível à duração do curso. Esse benefício foi
apelidado pela crítica jornalística de ‘bolsa do Serra’, por conta da criação do
benefício no período eleitoral.
O composto ‘bolsa auxílio’ também causou inquietação inicial, por ser
constituído por duas bases que estamos estudando. A inquietação surgiu porque
esse benefício também é chamado de ‘bolsa-auxílio-educação’ ou até mesmo de
‘auxílio educação’. O que pensamos ser interessante são as combinações possíveis
para o “mesmo” benefício, ou seja: (a) ‘bolsa auxílio’, (b) ‘bolsa-auxílio-educação’ e
(c) ‘auxílio educação’. Além da acepção governamental, a Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia (UESB) concede uma ‘bolsa auxílio’ aos alunos de baixa renda
quando comprovam que realmente merecem o benefício. A instituição resume ‘bolsa
auxílio’ como a junção de subsídio para moradia, alimentação e transporte. Essas
146
inquietações não podem ser caracterizadas como totalmente problemáticas se
levarmos em conta o pressuposto de que as palavras são pistas que acionam
significados.
E, por último, uma nota sobre as formações de criação pela crítica –
jornalística ou popular. A partir da crítica ao Programa Bolsa Família ao longo dos
oito anos do governo do PT, novas palavras foram criadas. Estamos nos referindo a
‘bolsa blindagem’, ‘bolsa eleição’, ‘bolsa estupro’, ‘bolsa miséria’, ‘bolsa bandido’. O
interessante, no nosso entendimento, é que tais construções apresentam somente a
base bolsa em sua formação.
Dessa forma, consideramos que, ligada à ideia de apoio, há uma categoria
superordenada BENEFÍCIO, que engloba a categoria básica AUXÍLIO, que contém
as formações compostas nominais N-N.
4.4. Formação de padrão cognitivo
Por meio da análise de dados, pudemos perceber que existe regularidade na
formação de compostos N-N aqui estudados, regularidade essa que pode ser
capturada por meio das estruturas cognitivas que subjazem a nosso conhecimento
de mundo. Acreditamos, pois, que essa regularidade constitui um padrão que pode
ser reconhecido e se encontra disponível cognitivamente, podendo ser usado de
forma recursiva, como ilustrado a seguir, com pares de palavras que revelam criação
em espelho (por analogia):
(30) (a) Uma menina de 4 anos foi atacada por um pitbull nesta quinta-feira em Botucatu, a 224 km da capital paulista. Ela estava sentada no sofá da sala da casa da tia e o cachorro, que é da própria tia, estava na garagem. O cachorro conseguiu pular algo que estava na porta impedindo sua entrada e foi para cima da menina. (O GLOBO, 30/12/10)
147
(b) Tom Cavalcante e seu Pitbicha devem mudar da Globo para o SBT em 2002. Em reunião esta semana, o humorista rejeitou proposta da Globo para renovar contrato e já negocia com a TV de Silvio Santos (FOLHA ONLINE, 12/01/11) (31) (a) Seis pessoas morreram e outras 38 ficaram feridas em uma explosão em um cyber café no sudoeste da China, afirmou a agência estatal de notícias Xinhua. A explosão aconteceu no fim do sábado na cidade de Kaili, província de Guizou, de acordo com a Xinhua, citando a polícia local. A explosão ocorreu por conta de produtos químicos armazenados ilegalmente na sala adjacente (b) Agora os cyber dúvidas já podem ser encontrados em vários sites registrados no Brasil. Basta acessar as maiores empresas do ramo. (32) (a) Autoridades do Afeganistão informaram que um atentado com um carro-bomba matou três guardas de fronteira a bordo de um veículo policial nesta segunda-feira. O incidente aconteceu na área de Spin Boldak, cidade perto da fronteira com o Paquistão, na província de Kandahar. (O GLOBO, 10/01/11) (b) Uma bomba matou pelo menos 21 pessoas do lado de fora de uma igreja na cidade egípcia de Alexandria no início do sábado, e o Ministério do Interior disse que um homem-bomba ajudado por estrangeiros pode ter sido responsável. (O GLOBO, 01/01/11)
Nos dados de (30) a (32) acima, percebe-se um padrão na configuração dos
itens formados a partir de palavras já existentes no léxico. Basilio (2004: 10) usa a
metáfora do “léxico ecologicamente correto”, metáfora essa bastante pertinente em
período de grande preocupação com o meio ambiente. Nas palavras da autora,
(33) “Para garantir a máxima eficiência do sistema, portanto, a expansão lexical é efetuada sobretudo pelos processos de formação de palavras, que são fórmulas padronizadas de construção de novas palavras a partir de material já existente no léxico (...) o léxico é ecologicamente correto: temos um banco de dados em expansão, mas utilizando sobretudo material já disponível, o que reduz a dependência de memória e garante comunicação automática”. [ênfase acrescida]
148
Seria, então, esse conhecimento de padrões gerais de estruturação que permitiria a
criação e a interpretação dessas novas formas. Referindo-se ao léxico, em total
consonância com o que acabamos de dizer, Basilio (2004: 10) assevera que,
(34) “do ponto de vista interno, ou mental, o léxico correponde não apenas às palavras que um falante conhece mas também ao conhecimento de padrões gerais de estruturação, que permitem a interpretação e produção de novas formas (...) o léxico interno é constituído por uma lista de novas formas já feitas e por um conjunto de padrões, os processos de formação de palavras, que determinam estruturas e funcões tanto de formas já existentes quanto de formas ainda a serem construídas.”
Embora a concepção de linguagem adotada pela autora seja distinta da que
se adota neste trabalho57, queremos ressaltar sua percepção acerca desse padrão.
Para Basílio (op. cit.), esse padrão encontra-se no léxico. Diferentemente da autora,
defende-se aqui que esse padrão abrangeria todos os níveis da descrição linguística
– a gramática, portanto. Assim, tanto formações lexicalizadas (‘Maria-vai-com-as-
outras’) e semi-abertas (bolsa-X) quanto idiomas sintáticos (‘Como vai você?’)
seriam instanciações desse padrão.
A ideia básica é a seguinte: existe um continuum “dos fenômenos linguísticos,
desde aqueles absolutamente idiossincráticos até os que são absolutamente gerais”
(SALOMÃO, 2009: 39), haja vista não haver, até o momento, princípio que distinga
sistematicamente regras e léxico.
Nessa visão, mesmo que se admita a existência de diferentes níveis de
análise linguística, assim como no estruturalismo e no gerativismo, acredita-se que
os mesmos determinantes estruturadores que atuam no léxico atuam também nos
outros níveis: fonologia, morfologia e sintaxe. Admite-se ainda a possibilidade de um 57 Aqui não se consideram as diferenças entre morfologia, sintaxe, semântica e pragmática. Do mesmo modo, o termo “regra” também não apresenta respaldo na abordagem que defendemos neste trabalho.
149
nível estruturar o outro, numa espécie de interpenetração. Portanto, o padrão que
estamos sugerindo estaria atuando em diferentes momentos.
Um exemplo autoexplicativo dessa condição é a flexão verbal dos verbos
regulares da 1ª conjugação em PB e a formação de palavras por derivação. De um
lado, a 1ª conjugação verbal, por ser a mais produtiva em nossa língua, formaria o
que estamos caracterizando como padrão, servindo, inclusive, como molde de
formação para os novos verbos que surgirão. Verbos como deletar (do inglês to
delete), ‘escanear’ (do inglês to scan), ‘bichinhar’ (do baianês) ilustram esse fato. De
outro, sabe-se hoje, por meio das pesquisas em morfossemântica, que há uma rede
polissêmica envolvendo as formações com o sufixo derivacional –eiro(a)58.
Por acreditar na base conceptual das línguas e, consequentemente, no
conhecimento que emerge a partir da análise dos vocábulos derivados, cremos que
os compostos nominais de base livre podem ser formados a partir de padrões, de
modo semelhante a outros modos de criação de palavras. Na verdade, esses
padrões estariam presentes em todos os processos de formação de palavras. Bom
exemplo de descrição nessa linha é o de Gonçalves et alii (2003) e Rondinini (2004)
sobre a história dos formativos –logo e –grafo, que passaram da composição para a
derivação. Além de –logo e –grafo, outros “compostos” deram origem a derivados.
Por exemplos, ‘autódromo’ (composto, segundo a tradição) gerou ‘sambódromo’,
‘namoródromo’, ‘fumódromo’ (derivados).
Tendo como base esse princípio, entendemos que a formação dos compostos
aqui focalizados é motivada por fatores linguístico-cognitivos, dada a necessidade
58 Em Gonçalves & Almeida (2007), admite-se que X-eiro constitui construção gramatical em português. Com base no que os autores chamam de “cena agentiva”, as diversas acepções do sufixo são descritas a partir de uma rede radial, que tem, na posição central, o significado “agente”. Pizzorno (2010) revê essa rede e analisa o sufixo X–eiro com base na noção de prototipia.
150
comunicativa de explicitar um novo benefício59. Diante disso, entendemos também
que há regularidade na formação de compostos nominais de base livre encabeçados
pelos vocábulos (a) auxílio, (b) bolsa, (c) seguro e (d) vale.
Os dados em (35) refletem relação semântica de finalidade. Em (36), por
outro lado, infere-se relação semântica de causa. Podemos hipotetizar a inserção
das preposições “para” (finalidade) e “por” (causa), a fim de tornar mais explícitas as
relações semânticas presentes nos compostos aqui estudados, como se vê abaixo:
(35) (a) auxílio-maternidade (auxílio para maternidade) (b) auxílio-funeral (auxílio para funeral) (c) bolsa alimentação (bolsa para alimentação) (d) bolsa-atleta (bolsa para atletas) (e) seguro residencial (seguro para residências) (f) seguro condomínio (seguro para condomínios) (g) vale-refeição (vale para refeição) (h) vale-transporte (vale para transporte)
(36) (a) auxílio-desemprego (auxílio pelo desemprego)
(b) auxílio invalidez (auxílio por invalidez) (c) bolsa-dedicação (bolsa por dedicação) (d) bolsa miséria (bolsa por miséria) (e) seguro-desemprego (seguro por desemprego)
No entanto, esse procedimento não resolve o caso, ocasionando até a
ambiguidade de alguns compostos como, entre outros, ‘auxílio-maternidade’. Quem
não conhece o composto poderia pensar num “tipo de benefício que a maternidade
irá receber”. Quem conhece sabe que se trata do “salário que algumas mães
recebem por 120 dias”.
Na perspectiva teórica que adotamos, não precisaríamos desse recurso, já
que a noção semântica emergiria da relação existente entre as duas bases,
alimentada por outras formas de conhecimento, tais como os frames, por exemplo. 59 Segundo Almeida (2008), esse processo também acontece com a necessidade surgida, por exemplo, do progresso tecnológico (como em ‘deletar’ e ‘escanear’), de comportamentos sociais (‘impetrar recurso’ – ‘recursar’) ou pessoais (‘sentir a delícia’ – ‘deliciar-se’)
151
4.5. O frame compensatório
O conceito que emerge das construções compostas formadas a partir de
auxílio, bolsa, seguro e vale só pode ser amplamente apreendido caso se
compreendam os aspectos socioculturais em que essas construções se inserem.
Sabe-se que as fatalidades da vida cotidiana atingem o ser humano nos
momentos mais inesperados, o que faz com que os governos atuem nos âmbitos
social, político, cultural. Desastres aéreos, ambientais, naturais e nucleares são
apenas uma parcela das catástrofes com que a sociedade se depara e, por conta
disso, precisa agir rapidamente. Para alterar esse quadro, o homem desenvolveu
maneiras de reduzir os efeitos das adversidades ao criar formas de proteção social
para o coletivo.
Amparar quem necessita constitui uma das atitudes das chamadas
sociedades democráticas. Conforme nos lembra Ibrahim (2009), já no Império
Romano, encontram-se indícios de seguros coletivos, visando à garantia de seus
participantes, além da preocupação com os necessitados, como a licença estatal
para a mendicância, concedida apenas aos indivíduos impossibilitados de trabalhar.
Pode-se afirmar, então, que, à medida que o conceito de Estado se
transforma, a rede de benefícios sociais assegurada por ele se redefine, de modo a
preservar a existência digna da pessoa humana.
No Brasil, o bem-estar social tornou-se obrigação do Estado com a
constituição de 1988. Ao coletar impostos, argumenta-se que as arrecadações
seriam destinadas às necessidades básicas dos brasileiros mais pobres, no âmbito
da assistência social, da saúde, da educação, do trabalho, do lazer, da alimentação,
da moradia. Entre outros fatores, por conta da democratização não só da educação
e da saúde, mas dos diretos sociais, tais benefícios são criados para garantir os
direitos básicos dos cidadãos. Ademais, por conta da violência causada não só pela
152
falta desses direitos básicos, mas também pelo descaso governamental, criam-se
outros benefícios que não têm o cidadão como foco.
Nesse sentido, a língua, como espelho das transformações socioculturais e,
sobretudo, como reflexo de processos cognitivos – e aí estaria inserida a noção de
frame –, tem acompanhado essas mudanças na esfera lexical. As formações
recentes ora estudadas, encadeadas por padrões cognitivos de formação de
palavras, parecem refletir não só a estrutura do pensamento humano, mas as
mudanças socioculturais por que vem passando o Brasil. A partir de 2003, com a
ascensão do Partido dos Trabalhadores (PT) ao poder, o número de benefícios
destinados à assistencia social tem crescido consideravelmente, sobretudo aqueles
ligados ao trabalho e à educação, áreas bastante focalizadas nas campanhas desse
partido.
Levando em conta Fillmore (1990), para quem o significado é relativizado a
cenas, é possível constatar a ideia de transferência de benefícios. Para que essa
transferência seja efetivada, assim como na cena comercial de Fillmore (op. cit.),
encontram-se elementos básicos que integram uma estrutura de eventos
compensatórios: (a) o agente, (b) a ação, (c) o objeto e (d) o destinatário, que, por
sua vez, pode consubstanciar ideia de causa (bolsa-floresta) e/ou de finalidade
(bolsa-família).
No contexto sociocultural vivido no Brasil, os compostos encabeçados por
‘auxílio’, ‘bolsa’, seguro’ e ‘vale’ ativam uma cena de um evento compensatório em
que um ‘agente institucionalizado’ transfere/doa um ‘valor monetário’ a um
‘destinatário’, ora consubstanciado como alvo do benefício ora como causador da
concessão desse benefício. Mais especificamente, estamos afirmando que, da
relação semântica estabelecida entre o ‘valor’ e o ‘destinatário’, emergem a ideia de
causa e a ideia de finalidade, percebidas não somente pela estrutura do composto
153
em si, mas por fatores de ordem extralinguística. O destinatário receberá o benefício
por uma causa (bolsa-floresta) e/ou para uma finalidade (bolsa-família).
Conforme Fillmore (op. cit.), as cenas podem ser focalizadas sob diversos
ângulos. O autor nos sinaliza que, se levarmos em conta os verbos ‘comprar’ e
‘vender’, a transação pode ter foco no receptor ou no doador, respectivamente.
Nas cenas baseadas no frame de compensação, ocorre processo similar de
focalização, só que em construções compostas. Iluminam-se processos linguísticos
e cognitivos ao focalizarmos determinados elementos e subfocalizarmos outros de
forma altamente regular no que diz respeito ao comportamento sensório-motor
humano. Assim, quando falamos de ‘bolsa-família’, conceptualizamos, em nível
morfossintático, alguém (agente) que transfere algo (objeto) a alguém (beneficiário).
Esse beneficiário perfila o enquadramento de finalidade. No caso de ‘bolsa-floresta’,
o beneficiário perfila o enquadramento de causa. Nos grupos analisados, cada
instanciação perfila uma relação semântica, percebida, como dissemos, na relação
entre os dois elementos do composto.
Vemos então que os compostos não são acidentes da língua, mas
construções motivadas, já que o mesmo princípio que rege os compostos rege
também outros processos morfológicos. Nesse sentido, pode-se entender o léxico
como um padrão gestáltico motivado cognitivamente.
Formalizaremos como isso acontece analisando as formações sob a
perspectiva da gramática das construções, no capítulo 5, a seguir. Como o objeto de
estudo constitui um fenômeno de fronteira, o analisaremos (a) sob o modelo
goldbergiano, modelo mais centrado na variação semântico-pragmática dos
aspectos sintáticos das construções, e (b) segundo a visão construcional booijiana,
perspectiva mais centrada na variação semântico-pragmática dos aspectos
morfológicos das construções, sem esquecer as posições de Fillmore (2009),
154
Langacker (2010) e Jackendoff (2002). Antes, porém, discutimos os esquemas
imagéticos envolvidos nas formações em análise.
4.6. Esquemas imagéticos
Conforme descrevemos no capítulo 2, os esquemas imagéticos são “gestalts
experienciais (...) emergem a partir da atividade sensório-motora, conforme
manipulamos objetos, nos orientamos espacial e temporalmente e direcionamos
nosso foco perceptual com diferentes propósitos” (GIBBS & COLSTON, 1995: 102).
Os esquemas imagéticos codificam padrões de espaço e de força que podem ser
identificados consoante nossa interação com o ambiente, de formas bastante
distintas.
A partir da relação que temos com nosso corpo na criação de conceitos,
percebemos a alternância que se estabelece entre causa e finalidade nos dados
com as construções compostas cuja cabeça lexical é auxílio, bolsa, seguro ou vale.
Isso acontece por conta de uma alteração de perspectiva de um mesmo esquema
imagético. Na realidade, estamos nos referindo mais especificamente ao esquema
imagético PERCURSO60.
Se pensarmos no esquema imagético PERCURSO, veremos, de um lado,
que a relação de causa precede à de consequência caso nossa perspectiva seja da
esquerda para a direita (do agente para o objeto focalizado). Esse é o caso, por
exemplo, de ‘bolsa-palestra’. Como descrevemos no frame compensatório, há um
agente, um objeto e um destinatário. Aqui estamos entendendo como agente aquele
do qual parte a ação, sendo ele a primeira instância da perspectivação, que, no caso
dos compostos aqui investigados, pode ser estabelecida concreta ou
metaforicamente.
60 Encontram-se também na terminologia linguística os seguintes vocábulos para indicar percurso: trajeto, direção, caminho etc.
155
Assim, o que estabeleceria a relação de causa ou consequência seria a
perspectivização dessa cena. Na relação de finalidade, por outro lado, a focalização
partiria do objeto formado em direção ao agente, que agora se encontraria numa
posição prospectivante, ou seja, a partir do “futuro”, o que faz com que o valor da
relação agora seja de finalidade.
A partir também de nossas experiências como o corpo, pensamos que mais
dois EI estão dando suporte aos compostos nominais transferenciais: o EI de
EQUILÍBRIO e o EI de LIGAÇÃO. Pelo fato de sermos bípedes, precisamos nos
manter em equilíbrio constante. Dessa relação emerge também a noção de
sustentação do corpo por meio de auxílios, seguros, bolsas e vales. Nesse caso, o
apoio é dado através de quantias monetárias, com a finalidade de suprir as
necessidades básicas do ser humano: alimentação, lazer, educação etc. Como se
viu na parte dedicada à descrição dos dados (seção 4.2), todas essas necessidades
estão vinculadas à ideia de benefício.
Esse elo faz emergir o EI de LIGAÇÃO. A ligação entre bolsa, auxílio, seguro
e vale se processa de várias maneiras. Uma delas é através do frame
compensatório. Tentando dar assistência à população mais necessitada ou até
mesmo encobrir as falcatruas praticadas por alguns políticos, percebem-se as
ligações entre os aspectos semânticos desses compostos. Além do frame
compensatório, poderíamos pensar, também, na ligação institucional que as
formações compostas agregam.
Desse modo, por defender a tese de que há um padrão na formação de
compostos e por considerar que a gramática de uma língua revela o conhecimento
que o falante apresenta da convenção linguística, propomos que os “benefícios
sociais”, veiculados atualmente, se relacionam à necessidade comunicativa de
explicitar uma nova ação, no caso dos verbos, e um novo benefício, no caso dos
156
nomes formados a partir dos vocábulos auxílio, bolsa, seguro e vale. A formação
desses compostos estaria consubstanciada pelos EI de PERCURSO, EQUILÍBRIO e
LIGAÇÃO, que, por sua vez, estariam sendo atualizados (“encenados”) pelas
formações estudadas. Assim, haveria uma necessidade pragmática na formação
desses compostos, motivada cognitivamente.
CAPÍTULO 5: MOTIVAÇÃO DAS CONSTRUÇÕES COMPOSTAS
Encontrei hoje em ruas, separadamente, dois amigos meus que se haviam zangado um com o outro. Cada um me contou a narrativa de por que se haviam zangado. Cada um me disse a verdade. Cada um me contou as suas razões. Ambos tinham razão. Não era que um via uma coisa e outro outra, ou que um via um lado das coisas e outro um outro lado diferente. Não: cada um via as coisas exatamente como se haviam passado, cada um as via com um critério idêntico ao do outro, mas cada um via uma coisa diferente, e cada um, portanto, tinha razão. Fiquei confuso desta dupla existência da verdade61.
FERNANDO PESSOA
5.1. Introdução
Neste capítulo, procedemos à análise dos compostos transferenciais do PB,
levando em conta o modelo de descrição gramatical desenvolvido dentro da LC,
conhecido como Gramática das Construções (GC). Em primeiro lugar, aplicamos a
análise construcional goldbergiana (GOLDBERG 1995) ao estudo dos compostos N-
N, baseando-nos nas propostas já empreendidas para dados do PB, no âmbito
morfológico (MIRANDA & SALOMÃO, 2009; ALMEIDA et alii, 2011). Apoiados nessa
proposta, defendemos a hipótese de que a construção dativa preposicional (ou
transferencial)62 forma uma rede que motiva, por (a) instanciação de subparte e (b)
extensão metafórica, a criação dos compostos pós-lexicais, cuja cabeça lexical é
‘auxílio’, ‘bolsa’, ‘seguro’ e ‘vale’. Finalmente, utilizamos algumas postulações
61 PESSOA, Fernando (1960). Obra poética. Rio de Janeiro: Editora José Aguilar. p. 47 62 Como relatamos no capítulo dedicado à fundamentação teórica desta tese, Goldberg (1995) denomina esse tipo de construção de construção bitransitiva.
158
teóricas (BOOIJ 2010, FILLMORE 2009, JACKENDOFF 2002), que complementam
nossa tese.
Antes de apresentar a análise propriamente dita, descrevemos a metodologia
que utilizamos em nossa pesquisa.
5.2. Metodologia
Embora tenhamos restringido o campo de estudo desta pesquisa, deve-se
lembrar a dificuldade epistemológica que tivemos. Trata-se da inexistência de
critérios precisos para identificar os compostos63. Conforme se verá ao longo do
texto, autores como Sandmann (1991), por exemplo, mencionam a tarefa laboriosa
que é a de dividir compostos de grupos sintáticos. Em vista disso, tivemos de tomar
algumas decisões tanto em relação a esses critérios quanto aos textos utilizados.
Com relação aos critérios para identificar os compostos aqui analisados,
pode-se dizer que as formações com as matrizes ‘auxílio’, ‘bolsa’, ‘seguro’ e ‘vale’ (a)
não sofrem redução do determinado (ao contrário do grupo sintático ‘pedra mármore’
(‘mármore’) ou ‘igreja paróquia’ (‘paróquia’)), e (b) apresentam uma coesão tal que
existe uma relação ora de causa (‘seguro tumultos’), ora de finalidade (‘bolsa
família’). Diferentemente, o grupo sintático (condomínio fechado), por ter origem
distinta, não apresenta esse expediente, expressando normalmente a relação de
restrição ou atribuição. Entretanto, vale lembrar que, por conta dos alicerceres
teóricos que fundamentam esta pesquisa, seguimos a prerrogativa, tão cara à LC,
de não fazer distinção rígida entre léxico e gramática. Nesses termos, diferenciar
palavra composta, grupo sintático e expressão idiomática não constitui uma de
63 Um estudo que discute a delimitação das unidades lexicais em diferentes perspectivas, e a partir de diferentes pontos de conflito, é a revista Palavra (9), publicação do Departamento de Letras da PUC-Rio, organizada por BASÍLIO (1999). Mesmo com essa tentativa bastante pertinente aos estudos morfológicos, sabe-se que, até hoje, não há critérios utilizados isoladamente que dê conta da delimitação dos compostos.
159
nossas preocupações. Portanto, as construções aqui focalizadas não suscitam
questionamento sobre o estatuto de composto devido a (a) e (b) acima.
Em relação aos dados, selecionamos palavras compostas do português oral e
escrito contemporâneo, retiradas de textos formais e informais de variados gêneros.
Acerca dos textos formais escritos, visitamos os sites do governo federal brasileiro,
sobretudo os da Secretaria de Assistência Social (SAS), além de editoriais, e
crônicas que mencionam as ações sociais do governo brasileiro. Em relação aos
informais, selecionamos alguns sites de companhias de seguros, de lojas,
lanchonetes etc. Da modalidade oral, observamos o uso dessas construções nos
dados dos projetos de pesquisa, bem como na fala das pessoas em geral.
Fizemos também uma busca por meio da ferramenta eletrônica Google, a fim
de verificar a frequência de cada formação.
Iniciamos o estudo das construções compostas que nos interessam com
corpora coletados a partir das ferramentas de busca automática, por meio do uso do
software de processamento de dados UNITEX64, inserido no banco de dados do
projeto Norma Urbana Oral Culta do Rio de Janeiro (NURC/RJ) e do grupo de
pesquisa Discurso & Gramática (D&G), ambos desenvolvidos na Faculdade de
Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Os corpora NURC e D&G foram convertidos para a extensão *.txt, para que
pudessem ser rastreados pelo programa UNITEX. Esse programa permite a inserção
de qualquer base de dados para a localização de expressões linguísticas no nível
lexical, ou ainda, a análise de dados pode ser feita nos níveis morfológicos e
sintáticos, desde que se reconheçam as palavras pelas classes gramaticais
conforme as informações previamente descritas em seu dicionário, pois o programa
conta com um dicionário de formas flexionadas do PB. 64 Software de processamento de corpus, criado no Labolatoire Automatique Documentaire et Linguistique (LADL), sob a direção de Maurice Gross.
160
A instrução para que o programa manipule o corpus é feita por um grafo, em
que se organiza a sintaxe, em termos lexicais ou gramaticais, da expressão
linguística desejada. Além de localizar a informação, o programa apresenta dados
quantitativos, como número de ocorrência da palavra, frequência relativa, e número
total de palavras no texto.
De um lado, o NURC-RJ constitui referência nacional para estudos da
variante culta da língua portuguesa. Trata-se de entrevistas gravadas nas décadas
de 1970 e 1990 do século XX, num total de 350 horas, com informantes com nível
superior completo, nascidos no Rio de Janeiro e filhos de pais preferencialmente
cariocas. De outro, o grupo de pesquisa Discurso & Gramática, fundado na década
de 1980, congregou estudantes do doutorado em Linguística da UFRJ. Sua origem,
portanto, está no resultado de atividades do programa de Pós-Graduação em
Linguística desta Universidade. Com o objetivo de trabalhar com dados confiáveis, o
grupo organizou um corpus com informantes de 5 cidades brasileiras: o Corpus
Falado e Escrito do Rio de Janeiro, de Niterói, de Natal, de Juiz de fora e do Rio
Grande do Norte. O corpus apresenta 93 informantes, cobrindo 5 diferentes tipos de
texto: narrativa pessoal, narrativa recontada, descrição, relato de procedimento e
relato de opinião.
Nesta pesquisa, as variáveis sociolinguísticas dos extratos usados tanto no
projeto NURC-RJ quanto no grupo de pesquisa D&G não foram utilizadas, por
estarmos mais interessados na frequência com que os compostos apareciam em
momentos diferentes da história brasileira (décadas de 1970, 1980, 1990).
Além da busca aos dados do NURC/RJ e do D&G, decidimos aplicar o
software UNITEX às versões online de jornais e revistas e, principalmente, aos da
SAS.
161
5.3. A proposta de Goldberg (1995) e os compostos transferenciais
Como dito algumas vezes ao longo do texto, as construções são as unidades
básicas da língua e a única diferença de base entre a construção dativa
preposicional, constituída com um verbo de transferência, como dar ou enviar, por
exemplo, e as construções nominais compostas N-N, aqui analisadas, é “sua
especificação ou complexidade formal interna” (SALOMÃO 2003: 3). A linguagem é
concebida como uma rede construcional que, como se atesta no Princípio da
Motivação Maximizada, quanto mais motivada for a forma, mais fácil será
depreender e memorizar seu significado.
Quando a construção transferencial se projeta de uma configuração mais
sintática para uma configuração mais morfológica, formando, assim, os compostos
nominais, certos princípios cognitivos são aplicados na construção sintática, para o
nascimento da construção composta.
Verificamos que há, nas construções nominais N-N, relação semântica ora de
finalidade, ora de causa. Em um primeiro momento, não encontramos uma
generalização formal entre esses dois conceitos que pudesse explicar a relação
semântica de benefício existente entre essas construções.
No entanto, seguindo a sugestão de Goldberg (1995: 52) acerca do que
denomina “incompatibilidades/inadequações de papéis” (Mismatches of Roles) para
as construções de movimento causado, aventamos a hipótese de que o papel
recipiente da construção dativa se compatibiliza com a relação de finalidade, assim
como o papel alvo da construção de movimento causado se compatibiliza com o de
locação dessa mesma construção, já que o papel locação (put.place role) constitui
um tipo de alvo, como declara a autora.
Goldberg (1995: 50), na discussão que engendra acerca da fusão entre os
papéis temáticos da construção e os papéis envolvidos no evento do verbo, utiliza a
162
construção (01) a seguir, uma instancia da construção de movimento causado, para
defender, levando em conta o Princípio da Correspondência, que o papel “alvo” e o
papel “local” podem ser fundidos, por serem compatíveis, nessa construção. A
representação esquemática dessa construção é dada logo em seguida.
(01) Joe pressionou a bola de borracha (para) dentro do pote65.
Construção de movimento causado Semântica CAUSAR-MOVER <causa alvo tema> R: instância, PRED < > meio Sintaxe V SUJEITO OBLÍQUO OBJETO
Numa construção de movimento causado “clássica”, como (02) abaixo, os
papéis temáticos da construção (causa, alvo e tema), bem como os papéis
designados pelo verbo “jogar”, seriam perfeitamente compatíveis, pois temos uma
causa (Pedro), um tema (os pratos) e um alvo (pela janela).
(02) Pedro jogou os pratos pela janela.
No caso de (01), ao contrário, percebe-se que o papel “(para) dentro do pote”
não é um alvo, mas um local (pode-se pensar até em um destino). A construção (01)
então é uma instância da construção de movimento causado, em que o papel
argumental “alvo” se funde com o papel “local” designado pelo verbo “pressionar”.
65 A construção de movimento causado citada por Goldberg (1995: 52) é a seguinte: “Joe squeezed the rubber ball inside jar”.
163
No que chama de “estrutura de fusão compósita”, Goldberg (op. cit.) toma
como exemplo a construção de movimento causado com o verbo “to put”,
representada esquematicamente abaixo.
Composite Fused Structure: Caused-Motion + put Semântica CAUSAR-MOVER <causa alvo tema> R: instância, PUT <putter put.place puttee> meio Sintaxe V SUJEITO OBLÍQUO OBJETO
Para raciocinar com os dados da autora, traduzimos “to put” por “colocar”, no
sentido de “guardar”, somente para pensar numa sentença como “Joana colocou os
livros na estante”. Num evento com o verbo “colocar”, existem necessariamente um
“colocador” (putter), um alvo (put.place) e um tema ou “a coisa colocada” (puttee).
Na instanciação da construção de movimento causado, há fusão dos papéis
temáticos da construção com os papéis envolvidos no evento instanciado pelo verbo
“colocar”. Nesse caso, o argumento causa se funde com o papel “Joana”, desde que
esse papel seja um tipo de causa. O tema se funde com “os livros”, desde que os
papéis do tema sejam compatíveis. Por último, o alvo se funde com o papel “na
estante” (locação), já que este, segundo a autora, é um tipo de alvo.
O alvo, ainda segundo Goldberg (op. cit.), na construção de movimento
causado, não é um elemento perfilado, pois está ligado a uma função oblíqua,
embora o papel “colocar em” (put.to) seja perfilado, e, ao mesmo tempo, obrigatório.
Isso é possível devido ao Princípio da Correspondência, que permite um papel
participante ser ligado a um argumento não perfilado, em casos em que o verbo
perfila três papéis participantes. Esse fato é o que permite ao papel “colocar em” ser
fundido com o papel não perfilado “alvo”. Ou seja, alvos são lugares.
164
Pensando na fusão entre papéis argumentais e nos papéis envolvidos no
evento evocado pelo verbo, assim como na noção de “Mismatches of Roles”,
tomemos, como exemplo, uma construção dativa preposicional, instanciada com o
verbo “dar”.
(03) Marcos Salviano deu um presente a sua mãe.
Uma instância da construção dativa pode ser, por exemplo, a construção
(04) Governo dá bolsa para as famílias carentes (sobreviverem)
A representação de (03) é a que se segue:
Semântica CAUSAR-RECEBER <agente paciente recipiente> R: instância, DAR <governo bolsa família> meio Sintaxe V SUJ OBJETO 1 OBJETO 2
Os papéis argumentais da construção e os papéis designados pelo verbo são
fundidos sem maiores problemas, até porque o recipiente apresenta as
características de um verdadeiro dativo. Note-se, no entanto, que não existe uma
inferência de finalidade na construção (04). Pode-se dizer, assim, que recipientes
são finalidades.
Na realidade, ocorre ligação de herança por subparte entre a construção
dativa preposicional e a “construção dativa preposicional com finalidade”. A
construção “dativa preposicional com finalidade” herda o status das características
do dativo da construção que lhe dá origem. Conforme Goldberg (1995: 53), em
165
geral, se um papel participante do verbo se funde com um papel argumental
perfilado, o papel participante herda o status do perfilado66.
Ora, levando em conta a ideia básica de que o significado é o elemento
central da análise linguística, e de que existe, desde o léxico, uma construção
abstrata com a noção de transferência, que se concretiza sintática e
morfologicamente, surge a construção nominal N-N que estamos focalizando, em
que a posição de destinatário é vista como finalidade. Esse fato atesta que a
composição é, realmente, um fenômeno de fronteira entre o léxico e a sintaxe e
entre morfologia e sintaxe.
A motivação dos compostos, segundo a teoria morfológica, é justamente
essa: serem estruturas sintáticas congeladas. Mas vejamos efetivamente a possível
gênese desse mecanismo com base no modelo construcionista goldbergiano.
Numa construção sintática como (32), repetida como (34), a seguir, ocorrem
dois tipos de mecanismos cognitivos, até que se chegue à construção mais
morfológica.
(34) Governo dá bolsa para as famílias carentes (sobreviverem)
O primeiro deles é o sombreamento do agente-doador da ação evocada pelo
verbo “dar”, seguido do corte desse mesmo verbo, criando-se, desse modo, o
composto ‘bolsa-família’. Percebe-se, claramente, a inferência da relação de
finalidade entre o determinado (bolsa) e o determinante (família). Essa relação é
evocada não pela estrutura em si, mas pelo conhecimento enciclopédico que temos
do frame (ou da cena evocada pelo frame) compensatório presente nessas
formações.
66 O texto original é o que se segue: “In general, if a verb’s participant role is fused with a profiled argument role, the participant role inherits the profiled status”.
166
A configuração da contraparte morfológica, seguindo o esquema de Goldberg
para as construções sintáticas, é a seguinte:
Semântica CAUSAR-RECEBER <agente paciente recipiente> R: instância, FINALIDADE <Ø bolsa família> meio Morfologia Ø SUBST 1 SUBST 2
Na criação do composto ‘bolsa-família’, entra em cena o Princípio da
Correspondência, o qual defende que cada papel participante lexicalmente
designado precisa ser fundido com um papel argumental da construção. Como se vê
no esquema acima, a noção de transferência, em sua contraparte morfológica,
agrega dois substantivos. O agente-sujeito e o verbo estão sombreados e cortados,
respectivamente, visto não que não são designados nessa construção mais
morfológica.
Após esse processo, o composto pós-lexical ‘bolsa-família’ é criado, como
resultado sobre operações gramaticais. Ou seja, o composto vem de uma estrutura
sintática que, por intermédio de uma série de links muito bem delimitados de
operações sintático-semânticas (sombreamento, corte), se concretiza
morfossintaticamente, ao respeitar um padrão de regularidade presente na língua.
Cognitivamente falando, parece que acontece o seguinte: (a) reconhecemos
uma construção transferencial, (b) depreendemos a construção N-N, (c)
depreendemos a regra de inferência dessa construção transferencial e, por último,
(d) criamos os compostos com esse padrão.
Para as construções morfológicas que apresentam “causa” como link de
inferência, ocorrem os mesmos mecanismos cognitivos de sombreamento e corte,
que ocorrem com as construções que apresentam finalidade como relação
167
semântica estruturadora. No entanto, isso só é permitido por meio de dois links
metafóricos, em que Goldberg (1995, 2006) afirma que “causas são elementos
transferidores” e, pela inferência filosófica de que “finalidade são causas”, tomemos
como exemplo a construção
(35) Governo dá seguro desemprego (aos trabalhadores)
Depois do sombreamento do agente e do corte do verbo, na relação sintaxe-
semântica, nasce o composto ‘seguro-desemprego’, na relação morfologia-sintaxe.
Vale atentar para a inferência que se pode fazer do beneficiário ‘aos trabalhadores’,
escrito no exemplo para deixar essa inferência mais clara.
Diferentemente de ‘bolsa-família’, a inferência agora é causal: o desemprego
é a causa da concessão do seguro. E nesse contexto, também, há inferência de que
“alguém” dá/transfere esse tipo de benefício aos trabalhadores.
A esquematização, seguindo Goldberg (1995) para as construções sintáticas,
é a seguinte:
Semântica CAUSAR-RECEBER <agente paciente recipiente> R: instância, CAUSA <Ø seguro desemprego> meio Morfologia Ø SUBST 1 SUBST 2
A configuração lexical da construção é [Y/Z CAUSA/RECEBER Z/Y], criada a
partir da construção verbal de transferência, cuja formalização é [X CAUSA Y
RECEBER Z], em que X é sempre subfocalizado na construção nominal. A
construção nominal N-N instancia, por herança por polissemia, um enquadramento
168
de causa ou de finalidade que, segundo nossa compreensão, depende de aspectos
socioculturais, ou na linguagem da LC, de questões ligadas a MCI. Veja-se, por
exemplo, o caso de ‘bolsa atleta’ e ‘bolsa bandido’. Em ‘bolsa atleta’, sabemos, por
conta de informações socioculturais, que o benefício é destinado ao atleta, ao
contrário de ‘bolsa bandido’, em que o benefício é destinado à família do recluso ao
sistema prisional. Saber exatamente a perspectiva dessas diferenças depende de
modelos culturais, ou da perspectiva que adotamos do evento.
Segundo o que observamos, a rede se desdobra a partir de um centro
prototípico – a construção abstrata N-N –, que, por conta da posição por subparte
(herdada da construção de transferência verbal), pode ser compatibilizada por
substantivos de qualquer natureza.
Se a compatibilização da construção se mescla com substantivos deverbais,
não há problemas teóricos em sua explicação, visto que a construção nominal
manterá a transitividade da construção verbal, guardadas a complexidade formal de
cada uma das construções, bem o foco que cada uma ilumina, nas reais situações
de uso.
Não obstante a compatibilização com construções denominais, a exemplo de
bolsa-X, isso é possível porque a construção N-N assume a transitividade da
construção dativa preposicional. Pode-se dizer também que, pelo simples fato de a
construção de transferência estar disponível na língua, as formações com bolsa-x
são criadas, formando uma rede.
A relação de herança que se estabelece entre a construção N-N, formadas
pelos deverbais auxílio, seguro e vale, e pelo denominal bolsa, é aquela denominada
de ligação por polissemia, haja vista a radiação da relação de sentido entre
deverbais e denominais. A suposição é a de que a extensão de sentido que está
presente na construção composta nominal é a de transferência de benefício. Dessa
169
extensão de sentido, emergem, entre os compostos, as duas noções semânticas
supracitadas: finalidade e causa.
A título de esclarecimento da aproximação existente entre causa e finalidade,
abriremos um espaço para uma divagação filosófica a respeito dessas relações
semânticas. Como nos informa o dicionário FERRATER MORA (1994), no verbete
“FIM, FINALIDADE”,
(36) Desde Aristóteles entendeu-se frequentemente a noção de fim (e a de finalidade) em relação com a ideia de causa. O fim é a “causa final”, ou “aquilo pelo que (ou em vista do que)” se faz algo. Assim, a saúde é o fim (ou causa final) do caminhar, pois caminha-se com o fim de conseguir, ou manter a saúde. Às vezes é difícil distinguir o fim como causa final de causa eficiente. Às vezes, por outro lado, como acontece com as ações humanas, o fim como causal final é o primeiro princípio do agir. Convém distinguir o ser para o qual algo é um fim do próprio fim. Segundo Aristóteles, no segundo sentido o fim pode existir nos seres imóveis, mas não no primeiro sentido. A distinção entre a causa final e o fim mesmo expressa-se frequentemente na linguagem comum mediante a distinção entre fim e finalidade.
No verbete CAUSA, o mesmo dicionário registra que
(37) As ideias de causa, finalidade, princípio, fundamento, razão, explicação e outras similares relacionam-se com muita frequência, tendo ocasionalmente se confundido. Além disso, ao se abordarem as questões relativas à causa e à ação e efeito de causar algo – a causalidade –, indicou-se não poucas vezes quais coisas ou acontecimentos, e até que princípio último, podiam ser considerados propriamente como causas.
Como se observa nos verbetes do dicionário filosófico Ferrater Mora (1994),
existe uma ligação tênue entre as relações de causa e finalidade. Essa ligação
aproxima ainda mais as construções nominais transferências N-N, já que há
170
construções que ora parecem apresentar entre si a relação de causa, ora a de
finalidade. Essa diferença só se torna clara mesmo nas instanciações reais de uso.
Além da ligação por polissemia, encontra-se outro tipo de relação de herança
– a ligação por extensão metafórica. Identificamos um mapeamento entre o domínio
“causa” e o domínio “ação”, gerando a metáfora conceptual CAUSAS SÃO
ELEMENTOS TRANSFERIDORES.
Se aventarmos a hipótese de que as construções nominais N-N, com a
mesma configuração sintática, e com configuração semântica que apresentam um
beneficiário em seu determinante (auxílio aluno, auxílio docente, auxílio estudante,
bolsa adolescente, bolsa atleta, bolsa-família, seguro-animais) bem como aquelas
que não apresentam em seu determinante um beneficiário (auxílio acidente, auxílio
retenção, bolsa bandido, bolsa blindagem, bolsa floresta, seguro automóvel, seguro
bagagem, vale livro, vale saúde) fazem parte de um continuum do mesmo evento,
podem-se reconhecer três fases desse processo, visualizado no esquema abaixo.
Causa Finalidade Meta
bolsa ditadura bolsa pesquisa bolsa-família
Embora não tenhamos usado neste capítulo a relação “meta”, aqui ela será
entendida como um tipo especial de finalidade. No caso específico dos compostos
estudados, notamos que ‘bolsa pesquisa’ e ‘bolsa família’ indicam ideias de causa
no geral, mas a comparação entre esses dois exemplos mostra a angulação que
cada uma delas focaliza. Em ‘bolsa pesquisa’, conceptualizamos a ideia de que o
benefício é transferido pelos órgãos de fomento para o desenvolvimento da
pesquisa, mas a inferência por trás disso são os resultados que essas pesquisas
podem trazer para aumentar o conhecimento da humanidade em geral. O que se
171
quer são os resultados dessas pesquisas. Em ‘bolsa família’, conceptualizamos
também a ideia de finalidade, mas a “família” é o elemento final”, a causa final, ou a
meta desse evento. A ideia de resultado parece também se apresentar nesse
segundo tipo de composto, mas esse resultado apresenta caráter imediatista.
A fim de tornar a análise construcional mais robusta, utilizamos as
postulações de Langacker (2008). Segundo o autor, há dois tipos de escaneamento:
(a) um sequencial e (b) um resumido. Numa conceptualização de evento sequencial,
representado por um processamento verbal, teríamos a construção bitransitiva (ou
transferencial) do PB. Por outro lado, na passagem da construção verbal para
construção nominal composta N-N, teríamos um processamento resumido, já que
passaríamos do processo para a nominalização. Parece que é isso que acontece
com a rede construcional que estamos analisando.
Da passagem do escaneamento verbal para o escaneamento nominal,
explicita-se a noção de finalidade ou a noção de causa, no complemento das bases
auxílio, bolsa, seguro e vale. Em relação ao evento verbal, poderíamos pensar numa
causação metonímica, na medida em que relevamos uma parte do evento verbal
que o composto herda; ou numa finalidade metonímica, na medida em que
perfilamos também uma parte do processamento verbal, escaneado de uma forma
resumida, estabelecendo ideia de finalidade.
O exemplo do ‘jogo de bilhar’ de Langacker (1987) para pensar a gramática
parece ser elucidativo para nós, no que concerne aos compostos. Na comparação
do jogo com a gramática, equipararíamos a bola (com o substantivo), o que imprime
movimento (com o verbo), o taco (com a força), a caçapa (com a finalidade). Assim,
no evento ‘jogo de bilhar’, faz parte da mesma cena o taco, o movimento do taco na
bola, o movimento da bola em direção à caçapa e o “encaçapar” da bola.
172
Nessa cena, se dissermos que “Miguel não sabe dar um tacada na bola”,
estaríamos dando proeminência (ou focalizando) e perspectivizando a causa. No
mesmo domínio ‘jogo de bilhar’, poderíamos dizer que “A bola deu um efeito e não
caiu na caçapa”. Nesse caso, a proeminência estaria voltada para a finalidade.
Nessa perspectiva, finalidade e causa integram, metonimicamente, o mesmo evento.
Em resumo, pode-se dizer que na construção dativa preposicional ocorre
ativação de uma construção morfológica com perfilamento de dativo e agente
causador da ação. Dependendo das informações léxico-gramaticais da construção
verbal e da construção nominal, além de questões ligadas a MCI, são criadas (e
motivadas) as formações nominais transferenciais N-N do PB.
5.4. Análises complementares à motivação dos compostos N-N
5.4.1. Aplicação da análise de Booij (2010)
A análise de Booij (2010) aos dados do inglês e do holandês constitui-se
como uma perspectiva baseada na palavra. Conforme o autor, padrões de formação
de palavras podem ser vistos como esquemas abstratos que se generalizam sobre
um “conjunto de palavras complexas existentes, dentro de uma correlação entre
forma e significado”. Estes esquemas especificariam como novas palavras seriam
criadas.
O processo de formação de palavras dos compostos transferenciais N-N do
português pode ser representado conforme o esquema construcional abstrato a
seguir:
(38) [[a]X [b]Yi]Y ‘Yi com relação R para X’
173
Para atualizar a notação do esquema, tomemos como base o padrão bolsa-x.
Preenchendo as variáveis, teríamos, então, a formalização a seguir:
(39) [[bolsa]N [escola]Ni]N ‘Ni com relação de finalidade para Ni’
Esse esquema é a representação formal da construção composta N-N e, por
conta da relação (R) que se cria entre ‘bolsa’ e ‘escola’, emerge a ideia semântica de
finalidade. Não só o padrão bolsa-x, mas também auxílio-x, seguro-x e vale-x
formariam esquemas construcionais abstratos que serviriam como uma espécie de
molde para as novas formações.
Diferentemente dos compostos endocêntricos do inglês, do alemão e do
holandês, porém, o núcleo dos compostos formados pelo padrão bolsa-x será
sempre à esquerda. Essa é uma das características que revela a expressão formal
da generalização que se pode fazer desses compostos: no português, a categoria
sintática dos compostos independerá da posição de seu núcleo, sendo, portanto,
sempre formada por um nome, e a relação semântica estabelecida entre os dois
itens lexicais não pode ser estabelecida somente por aspectos estruturais, mas por
aspectos semântico-cognitivos.
O significado do composto, além da relação semântico-cognitiva, dependerá
também do conhecimento enciclopédico e cultural. No caso do padrão bolsa-x, deve-
se conhecer que, com o uso, o item ‘bolsa’ passa a fazer referência à ajuda de custo
ou auxílio para um determinado fim social. Pode-se dizer que esse significado
estaria na base da formação dos novos compostos, formados a partir desse
esquema.
O fato de o núcleo à esquerda dos compostos transferenciais N-N controlar o
gênero do composto como um todo mostra que o composto é uma construção em
174
nível morfológico, com pareamento de forma e significado. No caso da forma, temos
a categoria sintática nominal como núcleo do composto, e como núcleo semântico, o
mesmo constituinte à esquerda por ser o elemento controlador da noção gramatical
de gênero.
Em termos de processamento, pode-se dizer que quanto mais conexões
houver entre esses padrões, mais rapidamente as novas palavras poderão ser
recuperadas. A criação de novas palavras pelos usuários fica mais rápida, por conta
desse esquema abstrato, que Booij (op. cit.) também chama, fazendo alusão às
ideias filosóficas de Wittgenstein, de relações de família. Essa ideia, aliás, está bem
de acordo com o princípio goldbergiano da motivação maximizada.
O interessante da proposta é que tanto padrões sintáticos como padrões
morfológicos são vistos como construções, o que mostra, efetivamente, a conexão
entre os módulos da gramática, ou a fronteira pouco rígida entre esses módulos.
Especificamente, Booij (op. cit.) apresenta uma teoria construcional das construções
compostas, uma lacuna nos estudos morfológicos. Ademais, o destaque parece ser
a formalização pensada exclusivamente para as construções compostas que, no
nosso caso, é bastante aplicável.
5.4.2. Análise de Langacker (2009) aos compostos transferenciais
Cabe dizer, de início, que a análise das unidades langackerianas com os
compostos formados pelo padrão ‘bolsa-x’ já foi parcialmente analisado em Almeida
et alii (2011). Por conta disso, nos dedicaremos mais especificamente aos
compostos cuja cabeça lexical é formada por ‘auxílio’, ‘seguro’ e ‘vale’, sem deixar
de fazer menção, quando acharmos conveniente, aos compostos nominais ‘bolsa’.
Conforme estamos vendo até aqui, há um confronto entre o que é dito na
literatura linguística de base estruturalista e o uso efetivo dos compostos em
175
português. Nesse sentido, o que se defende é que as construções compostas N-N
podem ser previsíveis e regulares, contrariando o que preconiza essa literatura. Para
isso, temos de levar em conta não só a continuidade dos módulos linguísticos, mas
também o fato de o significado ser central na análise linguística. Lembramos ainda
que o modelo de gramática baseado no uso é primordial para nossa análise.
Essa dinamicidade da gramática pode ser aplicada aos processos
composicionais em geral. Aqui, no entanto, essa proposta será aplicada aos
compostos N-N analisados até aqui.
Caso tenhamos duas unidades N1 e N2 presentes na língua, e imanentes de
X, que nesse caso pode ser entendido como alguma porção do evento de uso, X
agregaria as características da cena descrita como um benefício. Ativada a cena,
unidades que podem ocorrer com ela podem ser (são) criadas.
Tanto N1 quanto N2 apresentam características presentes em X. Essas
unidades irão competir para caracterizar X. Como N1 apresenta mais atributos, na
continuação do processamento, N1 é inteiramente ativado, vencendo (e
subfocalizando) N2. Desse modo, ao ganhar a disputa, a própria especificação de N1
constitui o alvo (X), o que o caracteriza como uma instância de N1. Vê-se, então,
nessa análise, que uma unidade abstrata é do mesmo escopo tanto do alvo (X)
quanto da forma vencedora N1.
Tomemos como exemplo o composto ‘auxílio-reclusão’. Cada uma das
unidades do composto (N1 ou N2) representa rotinas cognitivas bem estabelecidas.
Segundo Langacker (2009), estruturas complexas que envolvem unidades múltiplas,
como ‘auxílio-reclusão’, por exemplo, são adquiridas em contextos de expressões
maiores sintaticamente. Serão essas expressões sintáticas que definirão as
propriedades gerais do composto.
176
Especificamente, o processamento ocorreria da seguinte forma, caso
levássemos em conta a base ‘auxílio’. Essa base N1 (auxílio) ocorre algumas vezes
com N2 (reclusão) outras vezes com N3 (desemprego), o que ocasiona um gradativo
entrincheiramento de ‘auxílio’. Dependendo da frequência de uso, os compostos
N1N2 ou N1N3 podem se entrincheirar. Ativa-se o esquema construcional desses
compostos quando um de seus componentes é ativado, dando origem a unidades
que podem ser ativadas para a categorização de eventos de uso.
O surgimento de algumas construções nominais N-N no PB demonstra uma
regularidade, baseada numa espécie de uso pré-fabricado da linguagem. No caso
de sequências lexicais colocadas juntas para formar uma nova unidade, há
sobreposições dessas unidades complexas, que alimenta uma base de
processamento. Nesse sentido, esses compostos são armazenados em conjunto, e
sua ocorrência efetiva evoca um padrão de atividade que, no nosso caso, podem ser
os padrões auxílio-x, bolsa-x, seguro-x e vale-x.
A dinamicidade desse tipo de processamento é a constatação de que a
composição é o resultado da coativação de conexões pré-existentes, na forma de
processamento partilhado, entendido aqui como um esquema construcional.
Processamos, então, ‘bolsa bandido’, ‘seguro silicone’ e ‘vale night’, por exemplo,
em termos do esquema pré-existente de bolsa-escola’, seguro-desemprego’ e ‘vale-
transporte’, procedendo aos ajustes necessários às interpretações individuais.
Conclui-se que há uma relação semântica entre essas construções, que podem ser
processadas cognitivamente e, com isso, permitem a previsibilidade das construções
compostas N-N do PB aqui estudadas.
177
5.4.3. Análise de Jackendoff (2002) aos compostos transferenciais
Segundo Jackendoff (2002), todo conhecimento linguístico armazenado na
memória de longo prazo faz parte do léxico e, por isso mesmo, são chamados de
itens lexicais. Esses itens podem ser maiores ou menores que as palavras. O léxico
deixa de ser o lugar das idiossincrasias e passa ser o lugar do conhecimento,
regulado por regras e princípios.
A partir dos dados em análise, tanto ‘vale’ quanto ‘transporte’, ou a
combinação entre eles, gerando a construção ‘vale-transporte’, ou ainda a sentença
‘A empresa já me pagou o vale-transporte’, ou o mecanismo que subjaz a essas
construções (“regra de gramática” em certos modelos) constituem itens lexicais.
No caso específico de um composto como ‘bolsa palestra’, a combinação
seria possível por causa do Princípio de combinação livre, mostrando a regularidade
e a produtividade das formações com o padrão bolsa-x. A generalização do princípio
seria a de que ‘alguém’ transfere ‘algo’ a ‘alguém’.
O interessante da proposta é o fato de a previsão, numa construção como
‘bolsa bandido’ poder-se inferir a construção sintática abstrata com ideia de
transferência, por meio do que o autor chama de itens lexicais defectivos (itens sem
substância fonológica e/ou substância semântica). Se partirmos do item lexical
(sentencial) ‘A empresa já pagou o vale-transporte para os funcionários’ para formar
o item lexical (morfossintático) ‘vale-transporte’, aplicamos o princípio segundo o
qual padrões sintáticos abstratos presentes no léxico podem não apresentar
realização fonológica. Nesse caso, o padrão sintático [SN V OD OI] estaria
expressando somente [OD OI], mantendo tanto o SN sujeito quando o verbo
subfocalizados, ou seja, sem realização fonológica.
Posto nestes termos, o ganho da proposta de Jackendoff (op. cit.) é o de,
além de incorporar o conceito de construção goldbergiano, alargá-lo e flexibilizá-lo
178
para abarcar a ideia de construção defectiva. Segundo o autor, há correspondência
sintática com estruturas fonológicas e conceptuais, além, é claro, com as estruturas
lexicais.
O refinamento da hipótese que adicionamos a nossa análise é a ideia de
construção usada por Jackendoff (op. cit.), que entende construção como o
pareamento de forma e sentido, armazenado no léxico. Esse padrão construcional é
bastante flexível e recorrente e, diferentemente de Goldberg (1995), considera esse
padrão aberto e livre de hierarquias de herança (no aspecto formal) que não se
encontram no cérebro. O autor permanece com a ideia de herança, mas elimina a de
hierarquia.
5.5. Conclusão
Usando as postulações de Goldberg (1995), defendemos que existe no
português uma construção transferencial, que se materializa sintaticamente por meio
da construção bitransitiva e morfologicamente por meio dos compostos N-N de base
livre aqui estudados.
Como Goldberg (op. cit.) não descreve especificamente as construções
morfológicas – mas as faz antever, por conta da máxima de “não existir diferença
rígida entre léxico e sintaxe” –, utilizamos propostas complementares para dar conta
de nossa análise.
De modo geral, após a leitura dessas análises complementares, pode-se dizer
que existe um padrão abstrato transferencial no português. Esse padrão cognitivo
inseminaria tanto as construções sintáticas quanto as morfológicas, por conta da
existência do frame compensatório. Para configuração dos compostos, há
sombreamento do agente da ação e apagamento da ação, ocasionando um tipo de
179
compressão de uma cena de transferência de posse, em que tema (as constantes
‘bolsa’, ‘auxílio’, ‘seguro’ e ‘vale’) e o beneficiário (as variáveis família, docente,
desemprego, floresta etc.) dessa cena são focalizados.
CAPÍTULO 6: CONSIDERAÇÕES FINAIS
O propósito deste trabalho foi analisar morfossemanticamente os compostos
nominais de base livre do PB, à luz dos pressupostos teóricos da LC, com base em
construções abertas tais como auxílio-X, bolsa-X, seguro-X e vale-X, construções
essas bastante recentes, veiculadas, sobretudo, na mídia impressa.
A hipótese dessa pesquisa foi a de que os compostos seriam motivados
cognitiva e culturalmente, havendo padrões específicos que licenciassem sua
instanciação, de modo similar aos de outros processos de formação de palavras.
Nesse sentido, no PB, a composição, ao contrário do que admitem os trabalhos até
então estudados, constitui um processo regular e bastante previsível, que resultaria
de operações morfossemânticas sobre construções gramaticais, em cuja base se
encontram princípios cognitivos interligados. Esses princípios ativam a construção
de significados, ao relacionar esquemas cognitivos abstratos com instancias desses
esquemas. Há, pois, uma rede de construções interconectadas que formam, por
meio de focalização e sub-especificação, as construções morfológicas.
Admitimos que a proposta era não só ambiciosa, mas também inovadora.
Ambiciosa porque, embora analisássemos somente as construções N-N, queríamos,
no fundo, encontrar generalizações que dessem conta dos outros casos de
composição; inovadora porque, mesmo sabendo da circulação de pesquisas sobre o
processo de composição no PB, não encontramos trabalhos que tratassem,
especificamente, de suas motivações.
Para alcançar esse fim, iniciamos o trabalho fazendo uma reflexão de como a
formação de palavras, e mais especificamente a composição, é tratada nos estudos
181
linguísticos, principalmente no que se refere à construção do significado e à causa
de criação de compostos.
No capítulo 2, nos ancoramos nos pressupostos teóricos da LC, cuja
concepção de linguagem abrange todos os níveis da descrição linguística, para
fundamentar nossa análise. Na realidade, julgamos que somente uma concepção de
linguagem dessa espessura e quilate pudesse evidenciar a motivação
morfossemântica dos compostos ora estudados. Tomando como farol a noção de
construção gramatical (GOLDBERG), reconhecemos a construção bitransitiva como
aquela que motiva os compostos que batizamos de transferenciais N-N. Utilizamos,
também, outras noções vinculadas à Gramática das Construções para fundamentar
nossa análise.
No capítulo 3, após a reflexão da proposta de estudar a motivação das
construções nominais compostas N-N do PB, analisamos retrospectivamente as
noções que a GT, a linguística e alguns trabalhos acadêmicos apresentam sobre a
composição de palavras em português. Encontramos, apenas, relatos que abriam
espaço para inserirmos os aspectos culturais como causas possíveis da criação dos
compostos (SANDMANN, 1996) e descrições que admitiam a possibilidade de uma
construção sintática motivar a criação de palavras compostas (BARROS, 1540;
LEES, 1960; BENVENISTE, 1976).
No capítulo 4, aplicando essa hipótese de trabalho à análise do corpus, nele
percebemos que a formação desses compostos era motivada por fatores linguístico-
cognitivos, dada a necessidade comunicativa de explicitar um dado benefício. Além
do mais, constatamos haver regularidade na formação dos compostos encabeçados
por auxílio, bolsa, seguro e vale.
No âmbito da construção do significado, lançamos mão do esquema
imagético de “direção de movimento”, aliado à ideia de “troca” (ou transferência de
182
posse), e argumentamos que as construções compostas estudadas fazem parte de
um mesmo campo de significação: benefícios sociais.
Para confirmar nossas suposições, e tornar a análise mais robusta, utilizamos
ideias relacionadas à categorização. O que pudemos concluir dessa abordagem,
aplicada aos dados do corpus, foi o seguinte: a conceptualização dos compostos
organiza-se hierarquicamente, apresentando categorias superordenadas, básicas e
subordinadas. Além disso, os objetivos pragmáticos da criação e uso dos compostos
estão relacionados à ideia de democratização da educação, saúde, trabalho,
moradia.
Em relação à rede de construções, percebemos que existe uma construção
básica – a construção bitransitiva, que ativa a construção morfológica nominal N-N
que, por sua vez, perfila ora o dativo ora o agente causador da ação. E por conta de
questões léxico-gramaticais da construção verbal e da construção nominal, além de
questões ligadas a MCI, as formações nominais transferenciais N-N do PB são
criadas e, consequentemente, motivadas.
A contribuição do trabalho assenta-se na presunção de uma descrição e
análise dos compostos sob outro ponto de vista. Por todas as razões já
apresentadas, sugerimos que existe uma motivação morfossemântica na criação
dos compostos de base livre do PB, percebida apenas se levarmos em conta os dois
princípios básicos da concepção de linguagem da LC: o fato de não haver fronteiras
rígidas entre morfologia, sintaxe, semântica e pragmática, bem como a função
primordial da linguagem de expressar significados.
Consideramos, pois, que nosso trabalho atingiu os objetivos pretendidos, a
partir das hipóteses levantadas, embora se reconheçam lacunas que ele ainda
deixou de preencher.
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ANEXOS Anexo 1: Alvará de soltura (vale-night)
Anexo 2: Definição dos compostos 1) BASES COM AUXÍLIO
COMPOSTO DEFINIÇÃO
auxílio acidente
Benefício pago ao trabalhador que sofre um acidente e fica com sequelas que reduzem sua capacidade de trabalho. É concedido para segurados que recebiam auxílio-doença. Tem direito ao auxílio-acidente o trabalhador empregado, o trabalhador avulso e o segurador especial. O empregado doméstico, o contribuinte individual e o facultativo não recebem o benefício.
auxílio aluguel (2010)
O valor máximo do auxílio aluguel é de R$ 600 por mês, para proprietários e inquilinos que tiveram suas propriedades interditadas e não podem voltar para onde moravam. As famílias a serem beneficiadas terão de solicitar o auxílio na Secretaria da Assistência Social, comprovar que têm renda familiar de até quatro salários mínimos (R$ 2.180) e apresentar laudo da Defesa Civil de interdição da moradia. A família também deverá escolher o imóvel que deseja alugar e apresentar o contrato de locação na secretaria.
auxílio aluno (2002)
O Auxílio Aluno é um programa de transferência de renda criado pelo Governo Federal, por meio do Ministério da Saúde (MS). Seu objetivo é oferecer as condições necessárias para que os profissionais da área de Enfermagem se aperfeiçoem, frequentando cursos integrantes do Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem (PROFAE). Com isso, o governo espera garantir a qualidade do atendimento ambulatorial e hospitalar da rede pública e privada de saúde.”
auxílio creche (1986)
O auxílio-creche - ou reembolso creche - é um valor que a empresa repassa diretamente às empregadas, de forma a não ser obrigada a manter uma creche dentro da empresa. Nesse caso, o benefício deve ser concedido a toda empregada-mãe, independentemente do número de empregadas no estabelecimento, e deve ser objeto de negociação coletiva.
auxílio-dissertação Destina-se a apoiar mestrandos, preferencialmente bolsistas, na finalização do seu trabalho de dissertação.
auxílio-docente
Auxílio destinado a propiciar a vinda de docentes e pesquisadores para participarem de atividades que envolvam diretamente alunos de graduação e pós-graduação.
auxílio-doença
Benefício concedido ao segurado impedido de trabalhar por doença ou acidente por mais de 15 dias consecutivos. No caso dos trabalhadores com carteira assinada, os primeiros 15 dias são pagos pelo empregador, e a Previdência Social paga a partir do 16° dia de afastamento do trabalho. No caso do contribuinte individual (empresário, profissionais liberais, trabalhadores por conta própria, entre outros), a previdência paga todo o período da doença ou do acidente (desde que o trabalhador tenha requerido o benefício). Para ter direito ao benefício, o trabalhador tem de contribuir para a Previdência Social por, no mínimo 12 meses.
auxílio-educação
O auxílio-educação é um benefício que visa oferecer ajuda financeira aos servidores que têm filhos na escola, ajudando na compra de material escolar e uniforme. Terão direito ao Previ-Educação, no valor de R$ 540,00, os servidores ativos ou inativos, com filhos menores de 18 anos. Os pensionistas menores também podem requerer o Previ-Educação.
auxílio estudante
Recurso que os ajudam a se manter durante os estudos. As bolsas são para alunos de graduação e pós-graduação. São elas três: Bolsa Trabalho, Bolsa Alimentação e Transporte e Moradia Estudantil. A Bolsa de Trabalho ajuda o aluno a encontrar um estágio remunerado em sua área que o ajudará com as despesas de casa.
auxílio-funeral
Benefício assistencial concedido ao cônjuge, companheiro ou companheira ou, na sua falta, à pessoa que provar ter feito despesas em virtude do falecimento de funcionário ativo ou inativo. O valor do Auxílio Funeral corresponderá a 1(um) mês de remuneração. O auxílio funeral será pago, a título de benefício assistencial no valor de 1(um) mês de remuneração, ao cônjuge do servidor ativo/inativo falecido, ou procurador legalmente habilitado.
auxílio gás (2001; 2003)
O auxílio gás foi instituído em 2001 pelo governo federal para ajudar as pessoas carentes a conseguir comprar um botijão de gás para poderem cozinhar. Já em 2003 o auxílio gás foi incorporado à bolsa família e com essa medida, as pessoas passaram a receber por meio do cadastro único.
auxílio maternidade
Auxílio maternidade ou Salário-maternidade é destinado a mães adotivas, trabalhadora rural, doméstica, contribuinte individual e facultativa e até mesmo mulheres desempregadas. O benefício é pago por 120 dias a partir do parto ou por definição médica, 28 dias antes e 91 dias após o parto.
auxílio natalidade
Benefício concedido à servidora por motivo de nascimento de filho, inclusive no caso de natimorto (criança que nasce sem vida). Se a parturiente (aquela que deu a luz) não for servidora, o auxílio será requerido pelo pai, na condição de servidor. Na hipótese de parto múltiplo (gêmeos, trigêmeos etc.) o valor será acrescido de 50% (cinquenta por cento) por nascituro (por criança que deverá nascer com vida). O auxílio será pago ao cônjuge ou companheiro servidor da Instituição, quando a parturiente não for servidora de órgão público.
auxílio paternidade
“Período de descanso concedido ao empregado, por ocasião de nascimento de seu filho. Trata-se de uma inovação na lei trabalhista, introduzida pela atual CF (Art. 7º, XIX), a par da licença-maternidade (Art. 7º, XVIII), a qual, embora já prevista na legislação ordinária, teve sua duração ampliada de 90 para 120 dias. Nos termos da própria Constituição (Art. 7º, XIX), a licença-paternidade deverá ser regulamentada em lei ordinária; enquanto isto não ocorrer, o período de duração do benefício é de cinco dias, como determina a CF, no Art. 10, § 1º, das DT.”
auxílio pensão
Benefício pago à família do trabalhador quando ele morre. Para concessão de pensão por morte, não há tempo mínimo de contribuição, mas é necessário que o óbito tenha ocorrido enquanto o trabalhador tinha qualidade de segurado.
auxílio permanência (2010)
O programa é destinado aos estudantes (universais e cotistas) exclusivamente matriculados nos diversos cursos de graduação e visa fornecer um auxílio (subsídio parcial) aos acadêmicos em situação de vulnerabilidade socioeconômica.
auxílio reação (2008)
O auxílio reação é um benefício financeiro, instituído pelo Governo do Estado, através da lei nº 14.606, de 31 de dezembro de 2008, é destinado às vítimas das fortes chuvas ocorridas em novembro de 2008, que tiveram suas casas destruídas ou interditadas, que não estão em abrigos públicos e que possuem renda familiar de até cinco salários mínimos.
auxílio recém-doutor (2010)
O objetivo do auxílio recém-doutor é apoiar jovens pesquisadores, os quais tenham obtido o título a menos de 36 (trinta e seis) meses, facilitando a sua inserção a partir de condições mínimas necessárias para o desenvolvimento de suas pesquisas nas Instituições de origem.
auxílio-reclusão (1991)
O auxílio-reclusão é um benefício devido aos dependentes do segurado recolhido à prisão, durante o período em que estiver preso sob regime fechado ou semi-aberto. Não cabe concessão de auxílio-reclusão aos dependentes do segurado que estiver em livramento condicional ou cumprindo pena em regime aberto.
auxílio-retorno
Auxílio destinado ao funcionário que retornar das férias com a finalidade de proporcionar maior tranquilidade em seu retorno. “Na Universidade Federal do Maranhão, professores receberam pela fundação até mesmo “auxílio de retorno das férias”, segundo o ministro do TCU José Jorge. “Eu queria saber como o sujeito vai gastar o dinheiro das férias depois que retornar ao trabalho”, ironizou o ministro.”
auxílio-tese
O auxílio-tese corresponde ao valor de uma mensalidade destinado à cobertura das despesas referentes à confecção da dissertação ou tese e será pago somente a quem detenha a condição de bolsista quando entregar a versão do trabalho à banca examinadora, para posterior defesa, obedecendo aos critérios estabelecidos nos Regulamentos dos Programas.
auxílio transporte
“subsídio necessário para o deslocamento, por transporte municipal, do estudante de sua moradia à Universidade durante o período de aulas, obedecida a dotação orçamentária.” É o benefício de natureza indenizatória, concedido em pecúnia pela União, destinado ao custeio parcial das despesas realizadas com transporte coletivo municipal, intermunicipal ou interestadual nos deslocamentos realizados pelo servidor de sua residência para o local de trabalho e vice-versa. É devido também, mediante opção, nos deslocamentos "trabalho-trabalho" nos casos de acumulação de cargos públicos.
2) BASES COM BOLSA
COMPOSTO DEFINIÇÃO
bolsa adolescente (2010)
Na proposta do candidato José Serra à Presidência, O Bolsa-Adolescente seria uma ajuda para que jovens concluam o ensino profissionalizante e entrem no mercado de trabalho, que está na origem dos programas sociais do governo Lula. Esta bolsa é uma das promessas que o candidato fez em sua proposta de governo.
bolsa alimentação (2001)
O bolsa alimentação é um programa criado pelo governo federal em 2001. Ele visa combater a mortalidade infantil em famílias de baixa renda e a desnutrição. Crianças com até 6 anos de idade, gestantes e mães amamentando serão atendidos pelo programa.
bolsa Amazônia (1992)
Bolsa Amazônia teve inicio em 1992, em quatro comunidades no Estado do Pará. Bolsa Amazônia é uma empresa local focada em facilitar a comercialização sustentável de produtos da Amazônia, a fim de proteger os recursos naturais e gerar melhores oportunidades para a população vulnerável da Amazônia.
bolsa aposentadoria (2003)
Programa de concessão de bolsas de até R$ 3.000, 00 mensais, criado pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), para estimular a permanência em atividade dos professores do ensino superior das universidades federais que poderiam se aposentar no ano de 2003. Segundo o MEC, a finalidade do programa era evitar aposentadorias em massa e, por conta disso, diminuir a qualidade do ensino superior no país.
bolsa-atleta
O Bolsa-Atleta é um programa do Governo Federal, gerido pelo Ministério do Esporte, que visa garantir a manutenção pessoal aos atletas de alto rendimento que não possuem patrocínio. Com isso, busca-se dar as condições necessárias para que se dediquem ao treinamento esportivo e possam participar de competições que permitam o desenvolvimento de suas carreiras. O valor do benefício mensal varia de R$ 300,00, para atletas estudantes, a R$ 2.500,00, para esportistas olímpicos e paraolímpicos.
bolsa-auxílio
É um programa do governo para estagiários que busca prover as condições necessárias para o aluno evitando a evasão por motivos relacionados à baixa renda familiar. A concessão desse recurso destina-se ao discente sem acesso a recursos sócio-econômicos suficientes para suprir necessidades básicas de alimentação, transporte, moradia e aquisição de livros.
bolsa-auxílio-educação (1991)
“De acordo com a Lei n.º 007/91, de 27 de março de 1991, o Poder Executivo Municipal concede em forma de “bolsa-auxílio-educação”, 01 (um) salário mínimo, mensal, a estudantes matriculados no ensino superior. A concessão do benefício será feita anualmente, para 05 (cinco) estudantes, selecionados através de análise do rendimento do histórico escolar, este referente ao 2º grau, os quais terão concessão renovada, após aprovação dos requisitos exigidos pela lei. O estudante ao se habilitar ao Auxílio-Educação, assinará um ”termo de compromisso” para com o Poder Executivo Municipal quando, após a conclusão do curso universitário deverá ressarcir a quantia percebida em valor atualizado monetariamente, à Municipalidade, podendo usufruir da carência de 01 (um) ano para iniciar o pagamento.”
bolsa-bandido (2010)
O bolsa-bandido é o benefício auxílio reclusão, que recebe essa denominação por amparar delinquentes de todo tipo. O valor do benefício, para quem for preso a partir de 01/01/2010, é de até R$ 798,30.
bolsa blindagem (2008)
Destinado ao trabalhador de baixa renda que poderá circular no blindado, oficialmente chamado de Escudo 1.0, mas logo popularmente batizado de Casca de Coco, na intimidade Casquinha. Segura uma pedrada no pára-brisa numa boa. Trata-se de crítica ao governo devido à grande quantidade de bolsas existentes.
bolsa boiola (2008)
O ministro da Saúde enlouqueceu de vez. Falta verba para comprar medicamentos para hemofílicos e para bolsas de coletas de sangue. Mas Temporão mandou comprar 15 milhões de lubrificantes KY para distribuir aos gays. Vai torrar cerca de R$ 40 milhões no dia 22 de dezembro. Recentemente, o ministro mandou distribuir pênis de borracha e uma cartilha ensinando as técnicas mais prazeirosas do sexo anal. É o Bolsa-Boiola. Temporão está confundindo a defesa da liberdade de opção sexual com boa administração do dinheiro público. Sucumbiu à "Gaystapo", as patrulhas do movimento GLS. Chegou a hora de reagirmos contra as loucuras desse ministro. (http://www.conteudo.com.br/manifesto-contra-a-ditadura-gay-o-bolsa-boiola-e-o-k-y-do-temporao)
bolsa cidadã (2003)
O Bolsa Cidadã é um programa estadual que visa proporcionar ao cidadão capacitação nas áreas de educação, saúde, meio ambiente, cidadania, esporte e cultura, preparando-o para a inserção futura no mercado de trabalho, despertando o sentimento de solidariedade, de preservação do bem público e promovendo a geração de renda.
Bolsa celular (2009)
Faltando menos de um ano para as eleições presidenciais, o governo poderá lançar o Bolsa Celular, um novo projeto de telefonia móvel, destinado às classes D e E. O ministro das Comunicações, Hélio Costa, disse que já apresentou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva a proposta que vai permitir que as 11 milhões de pessoas que recebem o Bolsa Família também contem com telefone celular sem pagar nada. Segundo o ministro, as empresas dariam para cada família um aparelho celular e também depositariam R$ 7 por mês para que as famílias pudessem gastar fazendo ligações telefônicas. Ele disse que o interesse das operadoras é expandir o sistema, que já chegou ao seu limite. As empresas acreditam ainda que as pessoas acabariam usando mais do que os R$ 7, podendo chegar a R$ 12.
bolsa copa (2010)
Bolsas Copa e Olímpica é destinada a policiais civis, militares, bombeiros e guardas municipais que irão trabalhar nos Jogos. No caso da Bolsa Copa, policiais e bombeiros das capitais que sediarão as competições vão começar recebendo R$ 550 a mais em 2010. A partir de 2011, a bolsa passa a ser de R$ 665. Em 2012, o acréscimo passa a ser de R$ 760, e em 2013 de R$ 865. No ano da Copa do Mundo, os profissionais de segurança pública passarão a receber R$ 1.000 a mais no salário. O valor não será perdido após os Jogos, e será incorporado pelos governos estaduais permanentemente.
bolsa dedicação (2008)
O programa existe desde 2008 e beneficia os estudantes do Programa Nossa Bolsa, para que possam se dedicar integralmente aos estudos. Podem se inscrever os alunos que são beneficiados com bolsa integral, pela Nossa Bolsa, ingressaram no ensino superior no ano de 2010 e estejam matriculados nas áreas de saúde, engenharias e ciência da computação.
bolsa desemprego (2008)
É para quem foi demitido sem justa-causa, e estava no emprego há pelo menos 6 meses, o valor máximo do benefício é de 2 salários mínimos, ele é recebido por no mínimo 3 e no máximo 6 meses, conforme o tempo em que o empregado ficou na empresa.
bolsa desmatamento (2008)
O bolsa-desmatamento. Depois de não dar ouvidos aos alertas de institutos de pesquisa e de organizações não-governamentais e ser “surpreendido” pelo ascendente desmatamento amazônico, o governo chama ministérios e bancos públicos para a mesa no Palácio do Planalto. Nesta segunda-feira (11), todos irão saborear o prato de discutir como os financiamentos públicos poderiam deixar de estimular atividades que devoram árvores da floresta, como a agropecuária e a indústria madeireira. Mas antes disso, a Presidência da República decidiu agir e pode ter revelado as cores de suas intenções: publicou decretoreduzindo as taxas de juros praticadas nos fundos constitucionais do Norte (FNO), Centro-Oeste (FCO) e Nordeste (FNE). A medida pode ser uma bolada nas costas da parcela verde governista, pois esses fundos são vistos por algumas entidades e pelo próprio Ministério do Meio Ambiente como fonte de desmatamento na Amazônia. Com juros menores, tornam-se mais atrativos ao mercado. (http://www.oeco.com.br/reportagens/2171?task=view)
bolsa ditadura (2002)
Aprovada por unanimidade pelo Congresso Nacional, em 2002, a lei 10.559 – ou simplesmente o Bolsa Ditadura (como foi batizado pela imprensa) – tinha o objetivo de reparar danos impostos a cidadãos brasileiros durante o regime militar estabelecido em 1964. As pensões – mensais, permanentes e continuadas – variam entre 800 e 8.000 mensais. Já as compensações – indenizações pagas de uma só vez – podem ultrapassar a casa do milhão de reais. A lei, vigente desde o governo Fernando Henrique – concede reparação a todos os perseguidos políticos que apresentarem requerimento e documentação à Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.
bolsa-eleição (2009)
Benefício “bolsa família” que, segundo a crítica da imprensa se tornou o “bolsa-eleição” como segurança para vencer a disputa ao cargo de presidente da república.
bolsa escola (1994; 2001)
Bolsa Escola ou ainda bolsa-escola é um programa de transferência de renda, idealizado pelo prefeito de Campinas (SP) José Roberto Magalhães Teixeira do PSDB e implantado no município durante sua gestão no ano de 1994, cujo objetivo é pagar uma bolsa às famílias de jovens e crianças de baixa renda como estímulo para que esses frequentem a escola regularmente. O programa Bolsa Escola federal foi implementado em 2001 pelo governo de Fernando Henrique Cardoso.
bolsa esporte
Através da complementação da renda familiar dos beneficiados, o Bolsa Esporte proporciona o desenvolvimento humano através do esporte, realizando ações que possibilitem o combate à pobreza e a melhoria da qualidade de vida, além da descoberta de novos talentos esportivos.
bolsa-estupro (2010)
"Projeto de Lei (PL) de autoria do Deputado Luiz Bassuma (PV-BA) e Miguel Martini (PHS-MG), que propõe instituir o Estatuto do Nascituro. O PL considera sujeito pleno de direito o óvulo fecundado, ou seja, o concebido e não nascido passa a ter mais direitos do que a mulher. Tal Projeto pretende legalizar a violência sexual, especialmente o estupro que sofrem as mulheres, tornando inadmissível o aborto consequente desta violação e instituindo o pagamento de auxilio para sustentação do nascido até os 18 anos. A “Bolsa Estupro” reforçará que a punição recairá sobre a própria mulher. A bolsa terá que ser paga pelo agressor e caso não o faça o ônus recairá sobre o Estado.(...)"
bolsa estágio
É a quantia em dinheiro paga ao estagiário para que ele faça frente aos seus gastos parciais de manutenção, despesas escolares e outras decorrentes do Estágio. Sobre o valor da bolsa não incidem INSS e FGTS.
bolsa-extensão
Entende-se por bolsa de extensão o auxílio financeiro dispensado a um projeto de extensão pago a um estudante pelo desempenho das atividades vinculadas a um referido projeto.
bolsa família (2003)
“O Programa Bolsa Família (PBF) é um programa de transferência de renda com condicionalidades criado pelo Governo Lula em 2003, por sugestão de Marconi Perillo, então governador de Goiás pelo PSDB, para integrar e unificar ao Fome Zero os antigos programas implantandos no Governo FHC: o "Bolsa Escola", o "Auxílio Gás" e o "Cartão Alimentação". O PBF é tecnicamente chamado de mecanismo condicional de transferência de recursos. Consiste-se na ajuda financeira às famílias pobres, definidas como aquelas que possuem renda per capita de R$ 70,01 até 140,00 e extremamente pobres com renda per capita até R$ 70,00. A contrapartida e que as famílias beneficiárias mantenham seus filhos e/ou dependentes com frequência na escola e vacinados. O programa visa a reduzir a pobreza a curto e a longo prazo através de transferências condicionadas de capital, o que, por sua vez, visa a quebrar o ciclo geracional da pobreza de geração a geração.”
bolsa floresta (2009)
O programa bolsa floresta facilita e executa a aplicação da Legislação ambiental brasileira por parte de empreendedores e proprietários de terras, no que diz respeito à compensação ambiental e Averbação de reserva legal. Programa Bolsa Floresta, que vai investir, mais de R$ 6,7 milhões nas Unidades de Conservação do Amazonas em 2009.
bolsa formação (2008)
Bolsa Formação é um auxílio remuneratório destinado a policiais civis, militares, bombeiros, agentes penitenciários e peritos com salários até R$ 1.400. Para ter acesso ao benefício, o profissional deverá participar de cursos de formação de, no mínimo 40 horas, oferecidos ou credenciados pelo Ministério da Justiça.
bolsa gargalhada (2007)
Aparição na fala dos artistas do programa da TV Globo “Toma Lá, Dá Cá”. Pelo contexto da criação, deveria ser criada uma bolsa para os artistas do programa, ja que eles nos fazem rir, que nos divertem. É uma forma de crítica aos benefícios criados pelo governo Lula.
bolsa mérito (2009)
A Lei de Bases do Financiamento do Ensino Superior Público (Lei nº37/2003, de 22 de Agosto), pelo disposto no n.º 2 do art. 22, veio possibilitar a atribuição de bolsas de estudo por mérito a estudantes com aproveitamento escolar excepcional.
bolsa miséria (2009)
É o benefício bolsa família que recebeu o nome bolsa miséria em 2009 porque tem mais finalidade eleitoreira do que diminuir a miséria realmente, por isso é uma ‘miséria’. É considerada a maior rede assistencialista da América Latina.
bolsa palestra (2011)
Criação do jornalista Reinaldo Azevedo por conta do enriquecimento rápido dos ex-políticos. Na maioria dos casos, ex-presidentes, ex-ministros dizem que suas rendas aumentaram por conta das consultorias prestadas após saírem do governo.
bolsa paletó (2011)
Os nove vereadores de São João do Sabugi (310 quilômetros de Natal) criaram um auxílio anual de R$ 525, apelidado pelos moradores de"bolsa paletó", para que eles possam comprar a peça de roupa ou blazer. O valor da bolsa corresponde a 35% do salário de R$ 1.500 dos vereadores, que não poderão participar das sessões sem paletó. O auxílio custará R$ 4.725 à Casa. A criação do auxílio foi motivada após uma lei obrigar, desde julho, o uso de paletó ou blazer durante as sessões da Câmara da cidade. A gravata é dispensável.
bolsa pesquisa
O Programa Bolsa pesquisa objetiva incentivar a institucionalização da pesquisa e contribuir para a implantação da pós-graduação stricto sensu nas Instituições de Educação Superior; fomentar processos de inovação e estimular interação.
Abrange as seguintes modalidades: Iniciação Científica Júnior, Iniciação Científica, Iniciação Tecnológica, Recém-Mestre, Recém Doutor, Pesquisa e Desenvolvimento, Pesquisador Visitante, Inovação para Competitividade Empresarial e Apoio Técnico a Projetos de Pesquisa/Desenvolvimento/Inovação.
bolsa-prêmio (2002)
Beneficio destinado a promover a diversidade e o pluralismo no preenchimento de cargos.
bolsa sanduíche ()
Esta bolsa proporciona aos estudantes de cursos de doutorado a oportunidade de desenvolver parte de sua pesquisa em instituição no exterior de reconhecida excelência.
bolsa-táxi (2009) Crítica encabeçada pelas redes sociais da internet acerca da instituição, no Rio de Janeiro, da “Lei Seca”, em março de 2009.
bolsa transporte
Serviço oferecido por empresas particulares, prefeituras e universidades com objetivo de ajudar o estudante a pagar o transporte durante sua permanência na universidade.
bolsa universidade (2009)
O Programa Municipal Bolsa Universidade, de que trata a Lei n. 1.357, de 08 de julho de 2009, destina-se à concessão de bolsas de estudo integrais, bolsas de estudo parciais de 75% (setenta e cinco por cento) e de 50% (cinquenta por cento) do valor das mensalidades para estudantes de cursos de graduação e sequenciais de formação específica, em instituições de ensino superior da cidade de Manaus, com ou sem fins lucrativos, que tenham aderido ao PROGRAMA BOLSA UNIVERSIDADE nos termos da legislação aplicável e do disposto neste Decreto. Primeiramente instituído em Manaus.
3) BASES COM SEGURO
COMPOSTO DEFINIÇÃO
seguro-animais O Seguro Animais garante a indenização dos bovinos e equinos em diversas situações, porque tão importante quanto cuidar do seu animal, é proteger seu investimento.
seguro automóvel
O seguro pode cobrir qualquer tipo de veículo, tanto os nacionais quanto os importados, com diferentes opções de coberturas e serviços. O bônus é cumulativo, caso não haja sinistro no período anterior, tornando assim o valor do prêmio mais um atrativo para nossos clientes.
seguro bagagem
Indenização em caso de extravio, roubo, furto qualificado ou destruição da bagagem, desde que sob responsabilidade da companhia, comprovado mediante apresentação do relatório comprobatório de perda.
seguro desemprego (1946, 1986) Esse benefício permite uma assistência financeira temporária. O valor varia de acordo com a faixa salarial, sendo pago em até cinco parcelas, conforme a situação do beneficiário.
seguro empresa
Seguro que cobre sua empresa totalmente contra roubo ou furto de qualquer natureza, incêndio, danos praticados por terceiros, sinistros decorrentes de casos fortuitos e sinistros decorrentes de colisão contra seu patrimônio. Qualquer renovação sem sinistro receberá descontos. A data do pagamento é estabelecida pelo cliente
seguro incêndio
Este seguro oferece cobertura básica para danos causados por incêndios, queda de raios e explosão causada por gás empregado no uso doméstico (quando não gerado nos locais segurados) e suas consequências tais como desmoronamento, impossibilidade de proteção ou remoção de salvados, despesas com combate ao fogo, salvamento e desentulho do local.
seguro fiança
O seguro-fiança, previsto dentro da Lei do Inquilinato, substitui a figura do fiador na contratação de aluguéis de imóveis. Ele tem a finalidade de garantir ao proprietário o recebimento das mensalidades. Para contratá-lo basta procurar uma corretora. A seguradora, por sua vez, faz uma análise de risco - além de verificar se o inquilino tem alguma restrição cadastral, avalia se a renda dele é suficiente para pagar os encargos.
seguro fidelidade
Este seguro tem por objetivo garantir o empregador por prejuízos que sofra em consequência de roubo, furto, apropriação indébita ou quaisquer outros atos que provoquem danos a seu patrimônio, previstos no Código Penal Brasileiro, cometidos por seus empregados, com vínculo empregatício.
seguro-informática Seguro de notebooks, laptops, palmtops e handhelds. É a proteção de que você precisa, onde que você esteja.
seguro garantia
É um seguro utilizado por órgãos da administração direta e indireta (federais, estaduais e municipais), públicos e privados, que devem exigir garantias de manutenção de oferta (em caso de concorrência) e de fiel cumprimento dos contratos e também para as empresas privadas que, nas suas relações contratuais com terceiros, desejam garantir-se contra o risco de descumprimento dos contratos.
seguro prestamista
O seguro prestamista objetiva ao pagamento de prestações ou a quitação do saldo devedor de bens, ou planos de financiamento, adquiridos pelo segurado, em caso de morte, invalidez permanente, invalidez temporária e desemprego. Este seguro configura-se como uma proteção financeira para empresas que vendem a crédito, bem como ao segurado que fica livre da responsabilidade em caso de sinistro.
seguro previdência Seguro que disponibiliza um plano completo de previdência privada, atendendo assim as necessidades emergenciais.
seguro saúde
Este seguro garante ao segurado as despesas com assistência médico-hospitalar.
seguro silicone (2010)
Apólice de seguro no caso de acidente em que o segurado estipula o valor com a seguradora em termos de valor e a parte do corpo em que utiliza prótese siliconada.
seguro viagem
O seguro viagem normalmente cobre acidentes pessoais, assistência médico-hospitalar e odontológica, assim como extravio de bagagem. Existem basicamente dois tipos de seguros: por tempo de duração da viagem ou planos anuais.
seguro transporte Seguro para cargas transportadas pelas estradas.
seguro tumultos
Este seguro garante os danos decorrentes de aglomeração cujas manifestações pertubem a ordem pública, com atos predatórios ou danosos ao patrimônio do segurado. É o caso de tumultos, greve e lockout (cessação de atividade por fato ou ato do empregador).
4) BASES COM VALE
COMPOSTO DEFINIÇÃO
vale alimentação Cartão-benefício voltado ao pagamento das refeições em ampla rede credenciada que incluem restaurantes, bares, lanchonetes e similares.
vale brinde
VALE-BRINDE é uma modalidade de distribuição gratuita de prêmios, na qual as empresas autorizadas colocam o brinde, o objeto, no interior do produto de sua fabricação ou dentro do respectivo envoltório, atendendo às normas prescritas de saúde pública e de controle de pesos e medidas.
vale CD
Vale CD é um presente de valor barato que geralmente é dado a alguém que não se gosta ou que não é tão intimo, geralmente não há opção de escolha do Cd. O vale CD recebeu esse nome porque só serve como “VALE” para ser trocado, mas não tem valor algum.
vale combustível
O Vale combustível é utilizado para pagamento de despesas em postos de combustível, estacionamento, peças e acessórios, lavagem, troca de óleo e outros serviços automotivos dos veículos da empresa e dos seus colaboradores.
vale compras Benefício concedido por empresas por meio de sorteio para clientes contemplados em algum evento proporcionado pela loja que recebe um cartão no valor de uma compra.
vale coxinha (2008) Novo valor de referência para o “vale-refeição” em estabelecimentos comerciais não reconhecidos oficialmente, como barraquinhas, trailers etc.
vale cultura (2009)
Política pública governamental voltada para o consumo da cultura. O benefício de R$ 50 é voltado para aquisição de ingressos de cinema, teatro, museu, shows, livros, CDs e DVDs.
vale desconto Benefício concedido por uma rede bancária na compra de ingressos, academias, cursos de inglês, restaurantes e lojas.
vale livro (2009)
Benefício concedido a estudantes e professores na 9ª bienal do livro da Bahia no intuito de incentivar a visita às Stands do evento. Para isso devem trocar dez documentos fiscais pelo vale no valor de R$ 10,00 para compra de um livro.
vale night (2010)
“Vale Night” tem como pano de fundo a música que estourou no carnaval de Salvador, em fevereiro de 2010. Segundo a música, todo mundo tem direito a uma noite de solteiro, sobretudo no carnaval.
vale pecado O vale pecado é uma “permissão” que os o pai ou alguém concede ao filho ou amigo para que faça o que quiser no final de semana sem julgamentos.
vale pizza
Serviço promocional em que se juntam cupons dados pelos estabelecimentos comerciais quando se atinge um preço mínimo, e depois de certo número de cupons, esses são trocados por alimentos.
vale presente É uma quantia em dinheiro ou cheque, até mesmo autorização escrita para alguém comprar o próprio presente, evitando transtorno de não gostar do que ganhou.
vale-refeição
O vale para refeição, fornecido por força do contrato do trabalho, tem caráter salarial, integrando a remuneração do empregado para todos os efeitos legais e visa atender a uma necessidade do trabalhador.
vale saúde Desconto concedido na realização de exames e consultas médicas.
vale transporte (1985) Benefício que o empregador antecipará ao trabalhador para utilização efetiva em despesas de deslocamento residência-trabalho e vice-versa.
vale lazer
Incentivar a cultura no Rio Grande do Norte, estimulando o cidadão a exigir a nota ou cupom fiscal no ato da compra. É este o objetivo do viés cultural da Campanha Cidadão Nota 10, “Show de Nota”. Além de exercer sua cidadania e contribuir, assim, com o desenvolvimento do Estado, a sociedade poderá trocar seus documentos fiscais por vales-lazer e ter entrada franca nos principais eventos, como shows artístico-culturais, teatros, cinemas, jogos desportivos, entre outros.