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1 MOVIMENTO E REPOUSO MULTIPLICIDADE E UNIDADE, EM HERÁCLITO E PARMÊNIDES Vitor Vieira Vasconcelos Bacharel em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais UFMG Belo Horizonte, Minas Gerais, 2002 Movimento X Repouso Para Heráclito, o movimento é uma característica inerente ao mundo, tanto que ele compara o mundo a um grande fogo, do qual as chamas não param de fluir. Nesse movimento, não existe retorno, ou repetição; daí a sua afirmação de que nós não podemos entrar no mesmo rio duas vezes, pois a água já teria mudado. A filosofia de Heráclito tem por base a existência de opostos que, ao entrarem em conflito entre si, geram o movimento natural do mundo. Porém, esse movimento não é de forma alguma aleatório, pois obedece ao lógos, uma espécie de ordem universal, a qual podemos perceber justamente observando a forma com a qual o mundo se movimenta. O repouso, logicamente, levaria a uma cessação do conflito, e à estagnação e morte do mundo. Por isso Heráclito defende a guerra e não a paz. Não se pode confundir, em Heráclito, o repouso (como cessação de movimento) com uma certa permanência ou estabilidade do lógos e do rio- mundo (que se movimenta, mas não deixa de ser rio).

Movimento e Repouso - Multiplicidade e Unidade em Heráclito e Aristóteles

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Para Heráclito, o movimento é uma característica inerente ao mundo, tanto que ele compara o mundo a um grande fogo, do qual as chamas não param de fluir. Nesse movimento, não existe retorno, ou repetição; daí a sua afirmação de que nós não podemos entrar no mesmo rio duas vezes, pois a água já teria mudado. Para Heráclito, a multiplicidade existe devido a uma infinidade de opostos que estão sempre em conflito entre si: ‘’quente X frio’’, ‘’dia X noite’’, ‘’guerra X paz’’, etc. Esses opostos não estão separados. Por exemplo: o quente e o frio atuam ao mesmo tempo dentro de um objeto; e os nossos sentidos captam a supremacia momentânea que um está tendo sobre o outro. Parmênides, por sua vez, tinha como princípio a afirmação de que tudo é, e o não-ser é impossível, impensável e indizível. O ser é imutável e absolutamente imóvel, encerrado ‘’nas cadeias dos limites’’. Isso é comprovado porque se o ser se movimentasse, estaria passando de um estado para outro, e também estaria indo em direção a um espaço vazio (de não-ser), que não existe. uma ideia de unidade, abarcando cada prioridade. Parmênides propõe três caminhos para explicar o mundo, sendo que um deles, o do não-ser, não é possível de ser seguido, nem imaginado. Resta o caminho do ser, que é a verdade dos deuses e dos sábios, dentro do qual tudo é uno, inteiro e contínuo, onde, portanto não há nenhuma multiplicidade ou diferenciação.

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MOVIMENTO E REPOUSO –

MULTIPLICIDADE E UNIDADE,

EM HERÁCLITO E PARMÊNIDES

Vitor Vieira Vasconcelos

Bacharel em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG

Belo Horizonte, Minas Gerais, 2002

Movimento X Repouso

Para Heráclito, o movimento é uma característica inerente ao mundo,

tanto que ele compara o mundo a um grande fogo, do qual as chamas não

param de fluir. Nesse movimento, não existe retorno, ou repetição; daí a sua

afirmação de que nós não podemos entrar no mesmo rio duas vezes, pois a

água já teria mudado.

A filosofia de Heráclito tem por base a existência de opostos que, ao

entrarem em conflito entre si, geram o movimento natural do mundo. Porém,

esse movimento não é de forma alguma aleatório, pois obedece ao lógos, uma

espécie de ordem universal, a qual podemos perceber justamente observando

a forma com a qual o mundo se movimenta.

O repouso, logicamente, levaria a uma cessação do conflito, e à

estagnação e morte do mundo. Por isso Heráclito defende a guerra e não a

paz. Não se pode confundir, em Heráclito, o repouso (como cessação de

movimento) com uma certa permanência ou estabilidade do lógos e do rio-

mundo (que se movimenta, mas não deixa de ser rio).

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Parmênides, por sua vez, tinha como princípio a afirmação de que tudo

é, e o não-ser é impossível, impensável e indizível. O ser é imutável e

absolutamente imóvel, encerrado ‘’nas cadeias dos limites’’. Isso é comprovado

porque se o ser se movimentasse, estaria passando de um estado para outro,

e também estaria indo em direção a um espaço vazio (de não-ser), que não

existe.

O movimento seria uma ilusão a que estão sujeitos os homens, por não

perceberem que tudo é e, então, por ficarem oscilando entre o que eles acham

que é ou não é. Para o pensamento de Parmênides, o movimento só pode

existir na medida em que não implica na perda do Ser. Uma árvore que

nascesse, crescesse e morresse, mas que em nenhum momento deixasse de

ser, poderia receber essa característica de movimento.

Multiplicidade X Unidade

Para Heráclito, a multiplicidade existe devido a uma infinidade de

opostos que estão sempre em conflito entre si: ‘’quente X frio’’, ‘’dia X noite’’,

‘’guerra X paz’’, etc. Esses opostos não estão separados. Por exemplo: o

quente e o frio atuam ao mesmo tempo dentro de um objeto; e os nossos

sentidos captam a supremacia momentânea que um está tendo sobre o outro.

O conflito entre opostos irá constituir uma harmonia de tensões

contrárias. É justamente esta complementaridade entre os dois opostos que vai

gerar uma ideia de unidade, abarcando cada prioridade.

Parmênides propõe três caminhos para explicar o mundo, sendo que um

deles, o do não-ser, não é possível de ser seguido, nem imaginado. Resta o

caminho do ser, que é a verdade dos deuses e dos sábios, dentro do qual tudo

é uno, inteiro e contínuo, onde, portanto não há nenhuma multiplicidade ou

diferenciação. Ele explica esse ponto de vista a partir da seguinte afirmação

(fragmento 8, SIMPLICIO, Física,114, 29 (VV.8,22- 25):

‘’Nem divisível é, pois sendo todo idêntico;

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Nem algo nem uma parte mais, que o impedisse de (conter-se)

nem também algo menos, mas é todo cheio do que é,

por isso é todo contínuo; pois entre a ente adere.’’

Em contrapartida, ele admite um terceiro caminho, plausível, que é o

percebido pelos homens comuns por meio dos seus sentidos. Essa concepção

do mundo é constituída de Luz e Noite (sem-luz), que participam, juntas e em

harmonia da constituição de todas as coisas, dando aí a multiplicidade do

mundo.

Bibliografia

REALE. G. História de Filosofia Antiga. Trad. H. C. L Vaz e M.

Perine. São Paulo: Loyola, 1993 – 94

CAVALCANTE DE SOUSA, Jose (Dir). Os Pré Socráticos. São

Paulo: Abril Cultural, 1973.