Movimentos Em Marcha 2014

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  • movimentos marchaem ativismo, cultura e tecnologia

  • ativismo, cultura e tecnologia

    Autores: Alexandre Abdo, Alexandre Youssef, Bruno Cava, Bruno Torturra, Cludio Prado, Elton Flaubert, Felipe Corra, Fbio Maleronka Ferron, Gavin Adams, Giuseppe Cocco, Henrique Z.M. Parra, Henrique Carneiro, Ivana Bentes, Jos Celso Martinez Correa, Jos Arbex Jr., Leo Vinicius, Pablo Ortellado, Passa Palavra, Renato Rovai, Rodrigo Savazoni, Silvio Rhatto, Thiago Skrnio.

    ANAH ASSUMPOHENRIQUE Z. M. PARRA

    PABLO ORTELLADO SILVIO RHATTO

    SO PAULO: PUBLISHER BRASIL / KERNEL

    2013

    (organizadores)

  • IDEALIZADORES DO PROJETOHenrique Z.M. Parra, Pablo Ortellado, Silvio Rhatto

    PROJETO GRFICO, CAPA E DIAGRAMAOAnah Assumpo

    TIPOGRAFIAS: Esta obra foi produzida com as tipografias: Eua Douce, Gentium Basic, Living Hell.

    FOTO CAPAHenrique Z.M. Parra

    FOTOS PGINAS INTERNASHenrique Z.M. Parra

    Esta obra publicada sob uma licena Creative Commons AtribuioNo-Comercial Sem Derivados 3.0 Brasil salvo quando indicado de outra forma. Ela permite a livre cpia parafins no comerciais, desde que se faa a atribuio dos autores e no sefaam modificaes no texto. A licena completa se encontra em"

    Movimentos em marcha: ativismo, cultura e tecnologia / Henrique Z. M. Parra, Pablo Ortellado e Silvio Rhatto (organizadores). - So Paulo: Publisher/Kernel, 2013. 309 p.

    ISBN: 978-85-85938-80-2

    1. Sociologia. 2. Poltica. 3. Tecnologia. 4. Economia da Cultura. 5. Ativismo. I. Parra, H. Z. M. (Org.). II. Ortellado, P. (Org.). III. Rhatto, S. (Org.).

    CDD 301

  • ativismo, cultura e tecnologia

  • BRUNO TORTURRAministrio da cultura

    INTRODUO

    ALEXANDRE YOUSSEFo partidido ps rancor

    MARCHA DA LIBERDADEmanifesto da marcha da liberdade

    PASSA PALAVRAa esquerda fora do eixo

    PASSA PALAVRAdomingo na marcha parte II

    PASSA PALAVRAdomingo na marcha parte III

    PASSA PALAVRAdomingo na marcha parte IV

    PASSA PALAVRAdomingo na marcha parte I

    PABLO ORTELLADOcapitalismo e cultura livre

    THIAGO SKRNIOdas redes s ruas:

    e agora, o que fazemos com isso?

    FELIPE CORRAcomentrio 1

    LEO VINICIUScomentrio 2

    CLUDIO PRADOcomentrio 3

    IVANA BENTESa esquerda nos eixos

    e o novo ativismo

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    NDICE

    BRUNO CAVA

    GIUSEPPE COCCOmensagem: uma pequena observao

    CLUDIO PRADOmensagem: rplica

    ALEXANDRE ABDOa esquerda sem fantasias: justia e solidariedade

    LEO VINICIUSa marcha posta para trabalhar

    HENRIQUE PARRA E GAVIN ADAMSnem eixo,nem seixo

    RODRIGO SAVAZONIa reinveno da poltica

    RENATO ROVAIfora do eixo e a esquerda que a direita gosta

    ELTON FLAUBERTlutas sociais e fetichismo: notas sobre o debate iniciado pelo Passa Palavra II

    ELTON FLAUBERTlutas sociais e fetichismo: notas sobre o debate iniciado pelo Passa Palavra III

    ELTON FLAUBERTlutas sociais e fetichismo: notas sobre o debate iniciado pelo passa palavra I

    HENRIQUE CARNEIROa maconha, as marchas e a crise do capitalismo

    BRUNO CAVAsair dos eixos esquerda (I)

    ps-modismo ps festivo II

    BRUNO CAVAdormindo na marcha III

    19

    93

  • 8PASSA PALAVRAdomingo na marcha parte V

    FBIO MALERONKA FERRONvelhos demais para virar adultos

    AUTORIA DIFUSAencontro de 2011:

    trabalho engajamento cultura livre:reproduo ou emancipao?

    FELIPE CORRAbalano crtico acerca da ao

    global dos povos I

    FELIPE CORRAbalano crtico acerca da ao global dos povos V

    JOS CELSO MARTINEZlibertemos a Cultura

    das suas Prises

    FELIPE CORRAbalano crtico acerca da ao global dos povos VI

    NOTAS BIOGRFICAS

    SILVIO RHATTOapresentao retrospectiva do encontro: cultura livre e capitalismo

    JOS ARBEX JNIORlulismo fora do eixo

    FELIPE CORRAbalano crtico acerca da ao

    global dos povos II

    FELIPE CORRAbalano crtico acerca da ao

    global dos povos III

    FELIPE CORRAbalano crtico acerca da ao

    global dos povos IV

    GIUSEPPE COCCOa crise do minc no gorverno dilma:

    levar a srio a questo do valor >

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  • 8Silvio RhattoHenrique ParraPablo Ortellado

    Anah Assumpo

    introduo

    INT

    RO

    DU

    O O

    RG

    ANIZ

    ADO

    RES

    Este livro retrata um debate como h muito tempo no se via. Entre os meses de maio e setembro de 2011, um grande debate pblico - ou melhor, uma srie de debates interligados e superpostos - realizado em diferentes meios de comunicao e na Internet discutiu as potencialidades das novas tecnologias, as novas formas de ativismo, as caractersticas atuais do capitalismo e a maneira como as atividades culturais articulam-se a essas dimenses. Esse debate tem razes e contextos muito diferentes, mas talvez tenha eclodido com maior visibilidade a partir da organizao da Marcha da Liberdade realizada em algumas cidades brasileiras no ms de junho e que reuniu ativistas de movimentos sociais tradicionais, ativistas que lutavam pela legalizao da maconha e ativistas de movimentos de cultura. A grande repercusso do ato e a emergncia de novos atores sociais suscitou grandes discusses que esto retratadas aqui. O livro busca reunir um debate que est disperso, selecionar os artigos mais relevantes e orden-los na sequncia em que se sucederam.

    Como ele tem por objetivo organizar e documentar o debate, talvez seja necessrio explicitar alguns dos elementos de contexto em relao aos quais o debate emergiu:

    A primavera rabe e o protesto dos indignados na Espanha foram creditados por muitos analistas ao poder das redes sociais na Internet e esse entendimento pautou o debate sobre novas formas de mobilizao social no Brasil. Foi sob o impacto deste debate que viu-se e discutiu-se a nova onda de ativismo que promoveu mobilizaes de rua nos primeiros meses de 2011 contra o aumento nas tarifas de nibus, contra a construo da usina hidreltrica de Belo Monte e pela legalizao da maconha.

    A indicao de Ana de Hollanda para o Ministrio da Cultura em janeiro de 2011 mobilizou diferentes setores do campo da cultura, principalmente

  • 9da msica, dos Pontos de Cultura[1] e atores emergentes vinculados chamada cultura digital que viram nas novas polticas um retrocesso em relao ao que havia sido realizado na gesto Gilberto Gil-Juca Ferreira (2002-2009). A insatisfao com as novas polticas aproximou estes grupos que promoveram uma mobilizao intersetorial que discutiu a centralidade social da cultura defendendo que ela seria melhor acolhida com polticas de fomento aos grupos locais (pontos de cultura e coletivos de artistas) e s formas de compartilhamento da cultura digital. Em setembro, artistas do meio do teatro promoveram uma ocupao do prdio da Funarte em So Paulo, criticando a conduo da poltica de cultura do MinC. A forma desta ocupao, no entanto, gerou reaes de apoio e de reserva dos grupos que faziam oposio ministra desde o comeo do ano.

    Desde o ano 2010, o campo da cultura comeou a observar com mais ateno a emergncia da rede Fora do Eixo, uma rede de gestores culturais que havia organizado um efetivo circuito alternativo para a produo e consumo de msica. A rede Fora do Eixo se disseminou rapidamente num curto espao de tempo, aliando novas formas de gesto organizacional ao compromisso e competncia dos seus membros, o que gerou um verdadeiro choque no meio alternativo de msica (o que no foi considerado positivo por todos). Com a Marcha da liberdade, o Fora do Eixo ensaiou atuar tambm nas manifestaes de rua o que gerou reaes dos atores que j atuavam a.

    Na cultura digital, a criao da Casa de Cultura Digital (uma rede de empreendimentos empresariais e no empresariais que utilizam ferramentas digitais) levou discusso da necessidade dos grupos se emanciparem das polticas de fomento do Ministrio da Cultura e criarem formas de sustentabilidade por meio de novos modelos de negcio - modelos que reconhecessem as potencialidades das novas tecnologias e abraassem o acesso cultura proporcionado por elas. No entanto, outros atores da cultura viram com desconfiana essa relao de sustentabilidade no mercado.

    Esta introduo busca apenas apresentar de maneira breve o contexto do debate - a posio de cada um dos organizadores pode ser vista nas intervenes que fizeram e que esto reproduzidas aqui. Procuramos no sobrevalorizar nossa posio, mas construir um painel amplo e plural do que foi discutido. No entanto, acreditamos que todo processo de seleo carrega inevitavelmente o ponto de vista de quem escolhe.

    Este livro foi produzido de maneira inteiramente voluntria e sem fins comerciais. A verso digital foi lanada sob uma licena livre e est disponvel no site: . Uma verso impressa ser produzida a partir da cotizao de interessados e tambm no ter fins comerciais. O modo de produo e distribuio deste livro tambm expressa o ponto de vista dos organizadores.

    Linkhttps://emmarcha.milharal.org

    Nota 1Pontos de cultura so instituies (geralmente pequenas) que desenvolvem atividades culturais e recebem apoio financeiro do governo por meio do Programa Cultura Viva

  • TEXTO FALSOCONSED QUI TE RATUR? QUI DOLOREH ENDIATES AAA ALICATEM ESSUM AAAA ESSIMIN AAA VELECATIO

    PASSANDO MUITO ABAIXO DO RADAR DA MDIA, O FORA DO EIXO SE TORNOU UMA CENTRAL QUE CONECTA CERCA DE 73 COLETIVOS DO BRASIL DE PARTE DA AMRICA LATINA

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    Bruno Torturra

    Ministrio da Culturapublicado na Revista Trip no. 199

    Em 2006 uma turma de Cuiab fundou uma rede de coletivos para organi-zar artistas independentes longe dos grandes centros. Eles criaram o Circuito Fora do Eixo. Cinco anos depois se tornaram uma poderosa organizao ca-paz de realizar mais de 5 mil shows ao ano, em mais de cem cidades. Recm--sediados em So Paulo, em meio a uma crise que envolve a nova ministra da Cultura, eles descobrem que talvez a possam controlar mais do que carreiras. Podem ter poder poltico.

    Pablo Capil foi avisado por um de seus muitos companheiros de casa que havia algum esperando do lado de fora. Quando saiu, viu a presidenta, Dilma Rousseff, ao porto. Ela queria conversar com o rapaz, articulador que era, sobre o Ministrio da Cultura. Preferiu no entrar, mas o convidou para um refrigerante no botequim ali do lado. Em uma estreita rua do bair-ro da Liberdade, quase no Cambuci, tomando um guaran de canudinho, a mandatria trouxe as boas-novas. Pode ficar tranquilo, meu filho, Dilma disse, a Ana de Hollanda no vai durar nada no governo. Pablo mal teve tempo de comemorar... Acordou no meio do sonho e, antes de rir de si mes-mo, apanhou o iPhone do lado da cama. Checou o e-mail, o Twitter e foi luta no andar de baixo, onde fica seu escritrio e a sede do Fora do Eixo, a rede que coordena.

    A agenda do dia era, como sempre, cheia. E envolvia, entre muitos com-promissos, participar da redao de uma carta prpria Dilma Rousseff. Escrita por muitas mos, em trocas de e-mails pelo Brasil, o documento manifestava a decepo de muita gente com o novo Ministrio da Cultura. Nas entrelinhas da carta estaria uma reivindicao fundamental. E que se tornou, em termos literais, o mais recente sonho de Capil: a demisso da ministra Ana de Hollanda.

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    Os argumentos espelham uma polmica de muitos braos que vem ga-nhando volume em artigos de jornais, no Twitter, em debates e dividindo artistas em discusses que raramente ganhavam repercusso pblica: a re-tirada da licena de Creative Commons do site do ministrio, a verba para os Pontos de Cultura, o papel do Ecad, a complexa reforma na lei de direitos autorais no Brasil... Mas, muito mais importante do que cada uma das ques-tes, o que mais inflama os nimos desse exrcito cada vez menos disperso de agentes culturais a falta de viso da ministra, resume Capil. Ela mal assumiu e j anunciou um grande retrocesso, o retorno de uma po-ltica ultrapassada. E veio em uma hora muito errada. Agora era a hora de acelerar... No de termos uma ministra analgica, conclui, enquanto che-ca compulsivamente seu laptop e o celular, antes de levar a Trip para uma tour pela casa Fora do Eixo de So Paulo.

    Proclamao da repblica um enorme sobrado, antigo, alugado de um chins do Cambuci por

    R$ 4 mil ao ms. Uma pechincha dado o tamanho. So duas salas, oito quartos, uma enorme cozinha, quintal, churrasqueira e outra construo ao fundo, de dois andares, onde fica um estdio de ensaio para bandas, uma sala para edio de vdeos, um terrao e mais um quarto para aloja-mento. No andar de baixo da casa, uma jovem equipe se espalha em mesas e sofs, cada um atrs de um laptop. Gente de Recife, Uberlndia, Buenos Aires... a lista corre em muitas cidades. No andar de cima, os quartos en-tregam o clima de repblica. Bem mais bagunados, so apenas dormit-rios para as 18 pessoas que moram na casa. Contraste com a organizao espartana das reas de trabalho.

    fcil descrever a casa fisicamente. Mais complicado explicar o que de fato acontece por ali, e que faz do endereo ocupado h trs meses por esse jovem grupo um dos maiores quartis de uma luta poltica e artstica. Para isso, precisamos antes voltar ao j distante ano 2000, em Cuiab.

    Naquele tempo, Pablo Capil era um estudante de comunicao, parte de um grupo interessado em dar um gs na cena musical de sua cidade. Como quase toda capital no Brasil, a do Mato Grosso no era exatamente o melhor terreno para uma banda independente, ainda colocada apenas como consumidora do som que vinha embalado por gravadoras, quase sempre de So Paulo e Rio de Janeiro o tal eixo. Mas, inspirado pelo ma-guebeat que havia aflorado em Recife anos antes e pela libertao digital que a internet trouxe, o grupo montou um coletivo na tentativa de ajudar bandas e criar um pblico local. Alugaram uma casa e fundaram o Cubo Mgico, a fim de produzir shows, festivais e discos em Cuiab. O problema, evidente, foram as finanas.

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    A gente nunca foi caloteiro, jura Capil, a gente era administrador de dvidas. O prejuzo de um festival era pago com a receita do seguinte, que seria pago com ingresso de outros shows, que seriam pagos com vendas de CDs... e a rolagem seguia. Foi quando uma sacada econmica deu flego ao frgil esquema de manuteno da cena cuiabana. Por melhores que fossem as intenes, todos os envolvidos, de msicos a donos de bares, precisavam ser pagos de alguma forma. E, como no havia dinheiro disponvel, eles tiveram que inventar um. Entrou em circulao o Cubo Card.

    Existia em cdulas mesmo, emitidas pelo prprio coletivo. E era com elas que pagavam a maior parte de seus cachs. O Cubo Card, por sua vez, poderia ser usado para comprar ensaios, releases, camisetas da banda e servios prestados por gente ligada ao coletivo. Pagava tambm as cer-vejas dos envolvidos. Logo, comeou a valer como moeda em um res-taurante parceiro ou em uma locadora de filmes que os patrocinava. Foi s custas de seus cachs em Cubo Cards que bandas como Vanguart e Macaco Bong gravaram seus primeiros discos e se tornaram os filhos prdigos do rock do Mato Grosso.

    Enquanto coletivos como o Cubo Mgico pipocavam no pas todo, o mainstream sofria no bolso como nunca. A venda de CDs despencou e r-dios perderam relevncia em um mercado rapidamente dominado por iPo-ds e seus primos. Foi tambm a poca em que Gilberto Gil assumiu a pasta da cultura no governo Lula e anunciou polticas que reconheciam as novas tecnologias digitais no s como inevitveis, mas tambm como libertado-ras. A ordem era descentralizar, sair do eixo e digitalizar comunidade. Sur-giram os Pontos de Cultura. E o ministrio se tornou, ao abraar softwares livres e a licena de Creative Commons, uma trincheira segura para os par-tidrios de uma reviso urgente das leis de direitos autorais, e da prpria indstria cultural, em um mundo conectado pela internet. Em uma conver-gncia indita, governo e guerrilheiros culturais tinham planos parecidos.

    Foram anos decisivos na cultura independente brasileira, e que deram a Capil e seus comparsas do Cubo uma perspectiva mais ampla do que estavam de fato construindo. A nossa gerao no tinha uma bandeira muito clara como a dos anos 60, que lutava contra alguma coisa. Nem a crise existencial da turma dos anos 80, que estava tentando se entender. Mas a gente decidiu lutar por alguma coisa. E com a internet apareceu uma possibilidade real de se comunicar, de inventar uma carreira sem precisar passar pelos caminhos corporativos, diz Capil em seu escritrio, ou como prefere chamar a Casa Civil da rede.

    Com essa filosofia mais clara, e depois de anos se tornando figura fcil em festivais e congressos dos independentes, Capil articulou com Talles

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    Lopes (de Uberlndia) e Daniel Zen (de Rio Branco e atual secretrio de cultu-ra do Acre) o circuito Fora do Eixo. A ideia era se tornar uma rede nacional de coletivos para potencializar as aes de milhares de pessoas que tentavam, em seus quintais, produzir e viver de arte. Fundado em 2006, ainda residia em Cuiab e mantinha seu caixa funcionando com muito pouco dinheiro.

    O que nosso seuDe l para c, e passando muito abaixo do radar da mdia, o Fora do

    Eixo se tornou uma central que conecta cerca de 73 coletivos do Brasil de parte da Amrica Latina. No circuito que montaram, atravs de casas noturnas, selos e festivais parceiros, apenas em 2010 passaram mais de 5 mil (!) bandas. Sob o guarda-chuva do Fora do Eixo, a rede dispe de 57 CNPJs de todo tipo: editora, produtora, bar, ONG, Oscip, fundao... Gran-de tambm o nmero de cartes que eles podem utilizar para financiar projetos e despesas pessoais. E justamente com a maneira como o di-nheiro circula na organizao que a mentalidade capitalista do reprter, e a do leitor, h de se confundir.

    Nem Pablo Capil nem nenhum de seus colegas que trabalham direta-mente no Fora do Eixo tem um salrio. Vinte e oito pessoas tm a senha do carto do banco e podem utiliz-lo livremente para suas despesas pessoais. Tudo que precisam fazer discriminar e justificar o gasto. Em resumo: se voc entra e trabalha para o Fora do Eixo, voc tem todas suas despesas pagas. E esse tipo de remunerao seguido por at 2 mil pessoas pelo pas nos coletivos ligados ao circuito. A medida so o bom-senso e a dedicao de cada um. Se eu quiser eu posso ir loja e comprar um Nike, Capil elabora, mas depois eu vou ter que contar por que eu preciso de um Nike se meu colega est usando um Conga... Isso explica por que a maioria por ali se veste de maneira bem modesta, vive em quartos quase sem adornos, mas carrega iPhones 4 e Macbooks de ltima linha.

    com esse oramento ultrassocialista que alugaram, no comeo de 2011, a casa em So Paulo, e estabeleceram ali a nova sede para uma nova fase. O Fora do Eixo montou seu quartel-general no corao do eixo. Agora, com a trama bem costurada em 112 cidades, a estratgia ganhar o mainstream, atrair artistas com carreiras mais consolidadas e criar um polo para atrair gente, dinheiro e oportunidades. Em parceria com o Studio SP, principal palco da cidade para novos msicos, j ganharam as noites de tera-feira para agendar bandas do Brasil e da Amrica Latina. A casa se tornou tam-bm uma estalagem para artistas que vm mostrar seu trabalho na metr-pole e uma espcie de escola para moleques que saem de suas cidades para aprender, dentro do Fora do Eixo, a gerenciar um coletivo. E tambm se

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    tornou um ponto para estratgicos churrascos de domingo. O primeiro de-les, uma prvia dos que sero realizados todo domingo a partir de maio, foi organizado para receber a Trip e apresentar alguns parceiros. Umas cem pessoas apareceram para a tarde de cerveja, carne e conspiraes.

    Um garoto mineiro, que fundou o Catarse, o primeiro site no Brasil de cro-wdfunding, apareceu para oferecer ajuda. Quer usar seu esquema de finan-ciamento de projetos culturais atravs de pequenas doaes na internet para bancar a reforma da casa Fora do Eixo. Outro grupo de Belo Horizonte, do coletivo Pegada, veio para articular uma srie de festivais, um por semana, at o fim do ano em Minas Gerais. Gabi Amarantos, a autointitulada Rainha da Aparelhagem de Belm do Par, apareceu e ficou de papo com Bianca Jhordo, a bela vocalista carioca da banda Leela. Macaco Bong, a banda abre--alas do Fora do Eixo, ensaia com a Burro Morto para um show no Studio SP.

    Mesmo em um domingo, a maior parte da equipe segue trabalhando em laptops no meio do churrasco. Postam fotos da festa, divulgam os shows que vo acontecer nos prximos dias pelo pas, atualizam blogs, respon-dem e-mails... digitalmente, na rede, que o Fora do Eixo cria seu pblico, seu mercado, sua realidade. No toa que por ali tambm petisca um veterano da contracultura, Cludio Prado.

    Premiado em 2009 no Trip Transformadores por seu trabalho de inclu-so digital junto ao Ministrio da Cultura de Gilberto Gil, Cludio est, des-de os anos 60, na luta pela criao de um ambiente cultural mais perme-vel e democrtico no Brasil. Homem difcil de definir atravs de cargos, uma mistura de pensador e agente, articulando nos bastidores de festivais e encontros da cultura digital. Cludio enxerga naquela casa uma utopia sonhada por sua gerao. Ele explica: O movimento Fora do Eixo uma molecada que prope que reinventemos tudo, e comea por reinventar o dinheiro. E no ouro que eles fabricam... teso, felicidade em estado bruto, que contamina como energia radioativa do bem. Passe um dia na casa para realmente entender o que a felicidade da gerao ps-rancor, ps-grana, ps-tudo!.

    Cludio era uma das pessoas na mesa da Casa Civil do Fora do Eixo quan-do a carta Dilma Rousseff estava sendo alterada. Articulador crucial do antigo ministrio de Gilberto Gil, ele um dos principais braos na hora de abrir o acesso da molecada representada pelo Fora do Eixo em Braslia. um dos representantes que vai capital entregar a carta presidenta. E tentar abrir os olhos do poder para um fato to real quanto invisvel aos olhos da velha corte cultural brasileira: a digitalizao exige uma reforma ampla e inclusiva das polticas pblicas. E um dilogo aberto com novos e pulverizados participantes.

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    O MinC hoje desconstruiu esse dilogo. Deixou rfos milhares de es-peranas. A perda desse dilogo do governo com a sociedade civil que estamos chamando de retrocesso. Mas isso um acidente de percurso os movimentos desencadeados nos oito anos de Lula so inexorveis. O sonho no acabou no... Ele renasce tropicalista, na vocao plena do Brasil Fora do Eixo. O governo voltar a nos entender..., garante Cludio Prado.

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  • IMAGINEM UMLIQUIDIFICADOR EM QUE SE POSSA COLOCAR AS RAMIFICAES DA ESQUERDA, COM ESTRATGIAS E LGICAS DE MERCADO DAS AGNCIAS DE PUBLICIDADE

  • 1919

    Al Youssef

    publicado na Revista Trip no 199

    O partido "ps rancor

    A descrena em relao poltica institucional uma marca das no-vas geraes. Muitos fatores podem explicar: figuras que nunca saem de cena, um sistema eleitoral que favorece o poder econmico, as co-ligaes que ferem as utopias. A juventude no se encanta, e tem mui-ta dificuldade em se mobilizar em um quadro to engessado. Dentro dos partidos, os setores mais jovens acabam reproduzindo as mesmas falhas e vcios em vez de arejar as instncias partidrias com sangue novo. Quem no se lembra, com certa desconfiana, dos chaves ultra-passados entoados pelos militantes do movimento estudantil dentro de nossas faculdades?

    Em contraposio a essa lgica, alguns movimentos perceberam a im-portncia de recriar os canais de comunicao entre o jovem e a parti-cipao poltica e incluram na agenda um foco comportamental. Nesse processo, os movimentos culturais ganharam fora, principalmente pelo apelo natural que exercem nas novas geraes conectadas com a internet e cada vez mais interessadas em profisses criativas e ligadas ao novo mundo do compartilhamento da informao. A dobradinha poderosa de cultura e internet abriu um flanco que revigorou a capacidade de agluti-nao e envolvimento da juventude em causas culturais.

    So muitos os exemplos de organizaes que pautaram a sociedade e criaram ondas de apoio poltico, ateno da mdia e analises da aca-demia para suas causas. Podemos listar o hip hop, os movimentos de arte urbana e cultura de rua, o funk carioca, o tecnobrega, os fanticos por games, os grupos de teatro alternativo, os novos blocos carnavales-cos, os grupos de novos estilistas, videomakers, os militantes da cultura digital, as associaes de DJs etc.

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    nesse cenrio que surge o Fora do Eixo. primeira vista, como um desses movimentos culturais. Entretanto, quando nos aproximamos podemos ver algo diferente, muito poderoso e com um potencial impres-sionante, especialmente pela sua capilaridade capaz de gerar contato com todos os setores listados acima. Imaginem um liquidificador em que se possa colocar as ramificaes da esquerda, com estratgias e lgicas de mercado das agncias de publicidade, misturando rock, rap, artes vi-suais, teatro, um bando de sonhadores e outro de pragmticos, o artista, o produtor, o empresrio e o pblico. Tudo junto e misturado. O caldo dessa batida uma nova tecnologia de participao e engajamento que funciona de forma exemplar para a circulao e produo musical, mas que acima de tudo um grande projeto de formao poltica.

    O Fora do Eixo cria, portanto, uma gerao que se utiliza sem a menor preocupao ideolgica de aspectos positivos da organizao dos movi-mentos de esquerda e de aes de marketing tpicas dos liberais. , como disse, o terico da contracultura Cludio Prado, a construo da gerao ps-rancor, que no fica presa questes filosficas e mergulha radical-mente na utilizao da cultura digital para fazer o que tem que ser feito.

    Em um pas que viu sua juventude se afastar da poltica convencional, saber que existem milhares de jovens dispostos a viver (literalmente) por uma causa, animador. Na perspectiva de crescimento da economia da cul-tura como uma das vocaes do Brasil, o Circuito Fora do Eixo encontra-se em situao privilegiada para se tornar uma fora influente e decisiva no xadrez da poltica nacional. E o mais velho do grupo s tem 30 anos de idade. Eles tm muito tempo para isso.

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    FOTO

  • TEXTO FALSOCONSED QUI TE RATUR? QUI DOLOREH ENDIATES AAA ALICATEM ESSUM AAAA ESSIMIN AAA VELECATIO

    NO SOMOS UMA ORGANIZAO. NO SOMOS UM PARTIDO. NO SOMOS VIRTUAIS. SOMOS REAIS. UMA REDE FEITA POR GENTE DE CARNE E OSSO. ORGANIZADOS DE FORMA HORIZONTAL, AUTNOMA, LIVRE.

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    Marcha da Liberdade

    Divulgado pelo site da Marcha e Redes Sociais

    Manifesto da #MarchadaLiberdade

    Convite l iberdadePrises, tiros, bombas, estilhaos, assassinatos. Por todo o pas,

    protestos legtimos esto sendo reprimidos com ataques violentos da fora policial. Querem nos calar.

    Avenida Paulista, 21 de maio de 2011: Marcha da Maconha. A histria se repete. A tropa de choque, sob os olhos do governo e da mdia, avana sem piedade sobre manifestantes armados apenas com palavras e faixas. As ima-gens do massacre liberdade de expresso, registradas por cmeras, corpos e coraes, ecoaram na rede e nas ruas com um impacto de mil bombas de efeito moral, causando indignao e despertando as pessoas de um estado anestsico. O que governo algum poderia desejar estava acontecendo: o povo comeou a se organizar. Desta vez, no baixaramos a cabea.

    Sete dias depois, defensores das mais diversas causas, vtimas das mais diferentes injustias, estavam de volta ao mesmo local para dar uma res-posta opresso. As ruas de So Paulo foram tomadas por 5 mil pessoas de todas as cores, crenas e bandeiras. Na Internet, uma multido espalhava a mensagem como vrus pelas redes sociais. Naquele dia, o Brasil marchou unido por um mesmo ideal. Nascia ali a Marcha da Liberdade.

    No somos uma organizao. No somos um partido. No somos virtu-ais. Somos REAIS. Uma rede feita por gente de carne e osso. Organizados de forma horizontal, autnoma, livre.

    Temos poucas certezas. Muitos questionamentos. E uma crena: de que a Liberdade uma obra em eterna construo. Acreditamos que a liber-dade de expresso seja a base de todas as outras: de credo, de assemblia, de posies polticas, de orientao sexual, de ir e vir. De resistir. Nossa liberdade contra a ordem enquanto a ordem for contra a liberdade.

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    Convocamos:Todos aqueles que no se intimidam, e que insistem em no se calar

    diante da violncia. Contamos com as pernas e braos dos que se movi-mentam, com as vozes dos que no consentem. Ligas, correntes, grupos de teatro, dana, coletivos, povos da floresta, grafiteiros, operrios, hackers, feministas, bombeiros, maltrapilhos e afins. Associaes de bairros, ONGs, partidos, anarcos, blocos, bandos e bandas. Todos os que condenam a im-punidade, que no suportam a violncia policial repressiva, o conservado-rismo e o autoritarismo do judicirio e do Estado. Que reprime trabalhado-res e intimida professores. Que definha o servio pblico em benefcio de interesses privados.

    Ciclistas, lutem pelo fim do racismo. Negros, tragam uma bandeira de arco-ris. LGBTT, gritem pelas florestas. Ambientalistas, cantem. Artistas de rua, defendam o transporte pblico.

    Pedestres, falem em nome dos animais. Vegetarianos, faam um chur-rasco diferenciado!

    Nossas reivindicaes no tm hierarquia. Todas as pautas se comple-tam na perspectiva da luta por uma sociedade igualitria, por uma vida dig-na, de amor e respeito mtuos. Somos todos pedestres, motoristas, cadei-rantes, catadores, estudantes, trabalhadores. Somos todos idosos, ndios, travestis. Somos todos nordestinos, bolivianos, brasileiros, vira-latas.

    E somos livres.

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    Voc tem poder! Nossa maior arma a conscientizao. Faa um vdeo, divulgue nas suas redes sociais, arme sua interveno, converse em casa, no almoo do trabalho, no intervalo da escola. Compartilhe suas propostas nas paredes, no seu blog, no seu mural. Rena-se localmente, convoque seus amigos, erga suas bandeiras, v s ruas.

    Estamos diante de um momento histrico global. Pela primeira vez, temos chance real de conquistar a liberdade. O mundo est despertando. Levante-se do sof e v luta. Vamos juntos construir o mundo que queremos!Espalhe a rebel io. #marchadaliberdade #worldrevolution

    Princpios do movimento: Liberdade de organizao e expresso; Contra a represso e a violncia policial em qualquer mbito da sociedade; Contra o conservadorismo que pauta o judicirio e o Estado.Reivindicao geral: Regulamentao que proba o uso de armamentos pela polcia em manifestaes sociais.

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  • TEXTO FALSOCONSED QUI TE RATUR? QUI DOLOREH ENDIATES AAA ALICATEM ESSUM AAAA ESSIMIN AAA VELECATIO

    ENQUANTO DISPERSOS EM ORGANIZAES E INSTITUIES, OS GESTORES CONFUNDEM-SECOM OS TRABALHADORES NA SUA OPOSIO BURGUESIA

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    Coletivo Passa Palavra

    publicado no Passa Palavra

    A esquerda fora do eixo

    I. 2011, So Paulo em cinco mobil izaesDo incio do ano at abril houve grandes manifestaes da luta contra o

    aumento da tarifa de nibus em So Paulo. Diferentemente do que ocorreu em 2010 e nos anos anteriores, o pblico mobilizado passou de 4 mil pes-soas e, ao invs de esvaziarem, os atos mantiveram-se cheios e permitiram realizar aes que antigamente chamaramos de radicais, ou mesmo de ou-sadas, como a ocupao de um terminal de nibus na regio central e a pa-ralisao de um dos sentidos da Avenida 23 de Maio uma das maiores da capital do estado. A anlise informal de alguns militantes sobre esse fen-meno baseava-se nos seguintes elementos: Facebook (com a confirmao de milhares de pessoas nos eventos que chamavam para as manifestaes), represso policial, o prprio valor da passagem (R$ 3,00) e a reunio das foras poltico-partidrias de oposio na cidade aos governos estadual e municipal. O ciclo de 2011 de lutas contra o aumento da tarifa foi encerrado pelo Movimento Passe Livre-SP, por acreditar que seria a hora de impul-sionar uma luta mais abrangente que criticasse estruturalmente o sistema de transporte, com a bandeira da tarifa zero. Desse episdio, os militantes refletiram que havia uma nova juventude mobilizada: de classe mdia, estudantil, ligada nas mdias sociais.

    Em abril, aps uma entrevista para programa de TV, Custe o Que Custar, o CQC, do jornalista Marcelo Tas, levantou-se a polmica com o deputado federal e militar da reserva Jair Bolsonaro e seu discurso pr-ditadura e moralmente conservador. Durante aquela semana, a polmica matria re-percutiu pelas mdias sociais, que pressionaram uma cassao por quebra de decoro parlamentar. Em apoio, grupsculos da extrema-direita mar-caram um ato em defesa ao deputado e, espontaneamente, indivduos

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    atomizados da esquerda convocaram um ato antifascista com o objetivo de impedir a realizao da manifestao. O que foi testemunhado pelos que compareceram nada mais foi que um grupo numericamente insignificante de valentes fantasiados de fascistas. Reencenando a Batalha da Praa da S, em que os integralistas foram confrontados nas ruas do centro paulista pelos anarquistas, colocou-se em ao um teatro da luta antifascista: pala-vras de ordem de um lado e de outro. O ato reuniu cerca de duas centenas de pessoas. Quem de fato protagonizou alguma coisa foi o prprio Estado de Direito, o qual deteve alguns membros dos skinheads por serem procu-rados pela Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerncia (Decradi).

    Em maio o transporte voltou a ser pauta na cidade. Moradores de Higie-npolis [1] organizaram um abaixo-assinado com menos de 5 mil assinatu-ras para impedir a construo de uma estao da linha amarela do metr no bairro. Segundo os moradores, a estao faria com que gente diferen-ciada passasse a frequentar a regio. Espontaneamente, indivduos atomi-zados e blogs antielitismo divulgaram o Churrasco da gente diferen-ciada, a ser realizado nas ruas de Higienpolis. Ao menos virtualmente, o evento marcado no Facebook teve mais de 60 mil pessoas com a presena confirmada. No sbado, dia do churrasco, cerca de mil pessoas compare-ceram e, segundo alguns manifestantes, ao todo 2 mil passaram pelo local.

    O campo social presente ultrapassou os limites daquele ativista-mili-tante e poltico-partidrio, isto , se expandiu com pessoas que no par-ticipavam das lutas pelo transporte pblico. No entanto, o carter pouco contestatrio era evidente. Devido presso dos manifestantes, o governo estadual voltou atrs e decidiu construir a estao na rica regio da cidade, a qual j possui acesso a trs outras estaes. Assim, o grande mote de re-volta dessa manifestao ldica foi o prprio diagnstico de quo arcaica e antiquada a elite de Higienpolis, mas, no limite, no se colocou a questo essa sim crucial da prpria lgica elitista da construo do metr em So Paulo, que prioriza o atendimento s regies centrais e exclui as regi-es perifricas. Tornou-se assim no uma manifestao antielite ou por transporte pblico para todos, mas contra essa elite arcaica.

    Ainda em maio ocorreu uma nova mobilizao. Desde 2004, indivduos e coletivos pr-descriminalizao das drogas ou ainda antiproibicionistas convocaram a Marcha da Maconha e, de modo anlogo aos anos anteriores, a marcha foi proibida pela Justia por apologia ao uso de drogas e a Polcia Militar reprimiu os manifestantes. Por conta disso, no mesmo dia convocou--se na porta da delegacia [esquadra] uma nova marcha, agora contra a violn-cia sofrida. Logo aps esse anncio, o coletivo Fora do Eixo (FdE) entrou em contato com os organizadores para integrar a articulao da prxima marcha.

    Nota 1 Higienpolis um bairro de classes mdia-alta e alta de So Paulo. A sua origem histrica remete ao estabelecimento das famlias aristocratas, mas no decorrer do sculo XX passou a receber migrantes de origem judaica. Consultado aqui .

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    Entre 21 e 27 de maio ocorreram duas reunies presenciais. Na primei-ra lanou-se o nome do ato, que passou a se chamar Marcha da Liber-dade e no mais Contra a represso policial. Na segunda reunio, no Studio SP uma casa de show administrada por Alexandre Youssef [2] , Pablo Capil, articulador do FdE, assumiu as tarefas relacionadas comu-nicao da manifestao, como transmisso online, e seu coletivo tam-bm arcou com os custos das flores que seriam distribudas no dia. Capil ainda mencionou a possibilidade de patrocnio da Coca-Cola marcha; segundo seu argumento, hoje em dia as empresas buscam contato dire-to com os grupos e movimentos sem que seja necessrio expor as suas marcas. De imediato os presentes ligados ao coletivo Desentorpecendo a Razo (DAR) e Movimento Passe Livre discordaram de tal patrocnio.

    Uma das pautas impulsionada a partir da represso pelos movimen-tos e coletivos de esquerda foi a promoo de um projeto de lei para proibir o uso de armas menos letais em manifestaes. Pretende-se que seja aprovado um projeto semelhante ao da Argentina. O coletivo FdE, Cludio Prado (da Casa de Cultura Digital), e membros da rede Mo-bilizaCultura discordaram que fosse necessrio pautar qualquer coisa que no fosse a prpria ideia de liberdade. Esta foi a maneira encon-trada para neutralizar politicamente a Marcha.

    No dia 28 de maio, a Marcha da Liberdade agregou movimentos como GLBT, Movimento Passe Livre, Marcha da Maconha, organizaes pol-ticas e milhares de indivduos. Os otimistas estimam 10 mil pessoas, j a polcia calculou a presena de 4 mil manifestantes e na transmisso on-line a cobertura feita por Bruno Torturra, jornalista da Trip, foi acompa-nhada por cerca de 2 mil pessoas. Um novo ato da Marcha da Liberdade foi convocado para 18 de junho, dessa vez de carter nacional e, no dia 15 de junho, o Supremo Tribunal Federal julgou e autorizou a realizao da Marcha da Maconha.

    Dessa srie de manifestaes e atos, extrai-se que as mdias sociais principalmente o Facebook e o Twitter mobilizaram conjunturalmente no-vos setores da classe mdia, mas, por outro lado, houve tambm um carter diferenciado da pauta tradicional dos movimentos sociais e da esquerda em geral. A pauta genrica de algumas delas (e mesmo neutra) ou de grande relao com os direitos individuais como explicitamente no caso da des-criminalizao das drogas e da liberdade de expresso tem possibilitado a aproximao de elementos da classe poltica tanto de esquerda como de direita [3] e tambm de novas empresas e ONGs com foco no marketing virtual, na publicidade e na cultura.

    Nota 2Alexandre Youssef um dos fundadores do site Overmundo, que tem em seu staff Ronaldo Lemos e Hermano Viana. Durante a gesto Marta Suplicy foi coordenador da juventude. Hoje filiado ao Partido Verde e colunista da revista Trip.

    Nota 3Como a ex-petista Soninha Francine (PPS), coordenadora da campanha virtual do candidato presidncia Jos Serra, que participou da Marcha da Maconha e da Marcha da Liberdade.

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    I I . O coletivo Fora do EixoA experincia precursora ao Fora do Eixo ocorreu em 2000 com o Espao

    Cubo a cultura que voc no v na TV , fundado por Pablo Santiago Capi-l, 31 anos. Na poca estudante de publicidade e marketing da Universidade de Cuiab, Capil incentivava as bandas da cidade organizando festivais e, assim, formando um mercado cultural independente [4]. Com o crescimen-to da organizao alugaram uma casa de show e, inspirados no conceito de economia solidria de Paul Singer, criaram uma moeda baseada no trabalho envolvido na produo dos eventos, o Cubo Card.

    Num novo flego para ampliar a rede, no final de 2005, Capil formou o Fora do Eixo, um coletivo de gestores da produo cultural indepen-dente com o objetivo de promover festivais com intercmbio de bandas e outras expresses artsticas e contando com a articulao de quatro cidades: Cuiab, Rio Branco, Uberlndia e Londrina. Diferentemente da produo cultural mainstream, o coletivo estimula a cultura fora do eixo Rio-So Paulo. Hoje o Fora do Eixo possui 57 coletivos espalhados pelo pas. Segundo a organizao, eles possuem a capacidade de realizar 5 mil shows por ano e em mais de 100 cidades. Em seu catlogo figuram algumas estrelas da msica independente da atualidade como o rapper Emicida e as bandas Macaco Bong, Momboj e Vanguart. O organograma interno do Circuito Fora do Eixo pode ser visto aqui.

    Desde o incio de 2011, membros do coletivo de Cuiab e Uberlndia se mudaram para So Paulo e inauguraram uma casa no Cambuci como sede do Fora do Eixo a CAFESP (Casa Fora do Eixo - SP). O aluguel de R$ 4 mil sustenta um espao para shows, estdio, salas de reunio e a hospedagem de 18 membros liberados que trabalham 24 horas por dia para o coleti-vo, no recebem salrio, mas em troca tm suas despesas pessoais pagas pelos cartes do coletivo; esse investimento individual e comportamental denominado de se entregar para a causa [5].

    Atualmente a CAFESP realiza shows todos os domingos com chur-rasco e cerveja na faixa. Mas o principal deste projeto no se trata de festas, conversas e diverso. A sede do coletivo no eixo (e no fora dele), como se poderia supor, trata-se de uma estratgia para alcanar o mainstream cultural:

    Agora, com a trama bem costurada em 112 cidades, a estratgia ganhar o mainstream, atrair artistas com carreiras mais consolidadas e criar um plo para atrair gente, dinheiro e oportunidades. Em parceria com o Studio SP, principal pal-co da cidade para novos msicos, j ganharam as noites de tera-feira para agendar bandas do Brasil e da Amrica Latina. [6]

    Nota 4 Independente e alternativo so os termos vagos que as empresas encontraram para ocultar que trata-se de um nicho de mercado para o pblico universitrio e similar.

    Nota 5 O jornalista Bruno Torturra categorizou a disciplina do coletivo como espartana.

    Nota 6Ministrio da Cultura, Revista Trip, 12/05/2011, disponvel aqui .

    Nota 7A lista dos editais pblica e pode ser acessada aqui .

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    Para sustentar todo esse recurso material e projeto poltico-cultural, h uma constante pesquisa de editais para financiamentos pblicos e privados combinada com a elaborao e envio de projetos para captao dos recur-sos neles disponibilizados. Em 2010 inscreveram-se em cerca de 125 editais e, com mais de 30 aprovados, captaram aproximadamente R$ 2 milhes para os projetos (festivais de msica, de cinema, de economia solidria, etc.) e R$ 300 mil para as despesas do institucional [7]. Um outro aspecto interessante que eles possuem diversos tipos de cadastro jurdico: asso-ciaes culturais, empresas, ONGs, casas noturnas. No total so 57 CNPJs [nmero fiscal] a servio do FdE, uma fluidez que permite um amplo leque de atuao dentro dos negcios. Alm dos editais h tambm propostas co-merciais para emissoras de rdio como a OI FM.

    O Fora do Eixo se constituiu e articulou atravs do programa Cultura Viva do Ministrio da Cultura, na gesto do ex-ministro-cantor Gilberto Gil e Juca Ferreira. E fora do governo encontrou o suporte das organizaes, empresas e indivduos que orbitam a cultura digital [8].

    I I I . Os embates no Ministrio da CulturaO programa Cultura Viva realizou a distribuio de recursos pelos Pon-

    tos e Pontes de Cultura [9], numa parceria direta organizaes-governo para fazer cultura. A mudana nas gestes Gil e Juca transformou um Mi-nistrio de pequeno oramento em algo relevante no cenrio cultural, com a possibilidade de alterao da Lei do Direito Autoral. No artigo A econo-mia criativa e a economia social da cultura Pablo Ortellado des-creve quatro grandes mudanas que ocorreram no Ministrio durante esse perodo: reconhecimento das mudanas das novas tecnologias, poltica cul-tural para todos os atores da cadeia produtiva, direito autoral como uma garantia de acesso aos bens culturais e o investimento nos novos modelos de negcios.

    Longe de ser uma poltica de integrao nacional atravs da cultura para forjar a identidade do povo brasileiro presente em outros momentos da histria brasileira, o objetivo dos Pontos de Cultura foi estimular uma ca-deia de produtores culturais a se intercomunicarem via novas tecnologias para estimular a diversidade cultural brasileira. Ao invs da repetio e massificao da indstria cultural denunciada pelos frankfurtianos, dessa forma haveria a produo genuna de cultura, nos quatro cantos do pas, isto , em tese, novos mercados e mais produtores que no precisariam da infraestrutura produtiva das transnacionais da cultura e dos oligop-lios culturais regionais. A prospeco de cultura num primeiro momento abriria a oportunidade para um segundo em que ela entraria na esteira

    Nota 8Cultura digital a produo baseada nas novas mdias, mas tambm o nome da ONG fundada por Cludio Prado para gerir o programa Cultura Viva, do Ministrio da Cultura. O conceito desenvolvido por essas organizaes pode ser lido aqui .

    Nota 9Segundo Gilberto Gil, ex-ministro da Cultura, o Ponto de Cultura uma espcie de do-in antropolgico, massageando pontos vitais, mas momentaneamente desprezados ou adormecidos, do corpo cultural do Pas. Ver aqui .

    Link 1

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    da exportao internacional inserindo a produo cultural brasileira no mercado sul-sul, o que de fato no chegou a ocorrer mas alia-se assim ao pensamento de desenvolvimento nacional do governo Lula.

    No entanto, com a mudana no Ministrio da Cultura, a ministra Ana Bu-arque de Hollanda tem confrontado as decises das ltimas gestes, como a retirada do logo do Creative Commons, a paralisao dos editais e premia-es, e a reforma da Lei do Direito Autoral. Desta forma, acena para os ges-tores das transnacionais da cultura e dos oligoplios culturais regionais.

    A mudana poltica tem fechado a porta para os recursos dos pontos de cultura [10] e para as mudanas na Lei do Direito Autoral, as quais be-neficiariam o modelo de negcios adotado pelas organizaes parceiras e o prprio Fora do Eixo. Em resposta foi fundado o Partido da Cultura, o PCult, uma organizao suprapartidria contra a ministra Ana Buarque, pela retomada e continuidade das polticas do Gilberto Gil e tambm o MobilizaCultura, uma rede das redes para propor polticas no campo da cultura que radicalizem a democracia [11].

    Para essas organizaes do campo da cultura digital, a gesto de Ana Buarque, e num aspecto geral o governo Dilma, esto sendo um retroces-so das conquistas. Por outro lado, a prtica realizada anteriormente por algumas organizaes e coletivos reencena o patrimonialismo, que um en-trevistado nos descreve:

    Apesar do discurso e da esttica anarquistas de muitos, e da adoo de organi-zaes horizontais, como redes e coletivos enquanto forma de organizao, a apro-priao do Estado seus recursos e estruturas umas das principais prticas do Fora do Eixo. J enraizados no aparelho do Estado, principalmente no MinC [Minis-trio da Cultura] mas no s, participam da elaborao dos editais para projetos culturais e de novos tipos de polticas pblicas, como os de promoo do uso de sof-twares livres e da consolidao da Economia Solidria, cuja articulao entre essas tecnologias e o Estado de criao e exclusividade deles. Assim, ao incorporarem ao Estado (e no s aos governos) a necessidade de polticas nestas reas, garantem tambm a exclusividade na apropriao dos recursos destinados a estas mesmas polticas. O interessante que por fazerem tudo isso usando de estruturas informais e completamente diferentes das que as organizaes poltico-partidrias e tradicio-nais grupos empresariais adotam para os mesmo propsitos, praticamente impos-svel para um observador desatento ou viciado nas velhas estruturas identificar e combater o novo sujeito formado por este coletivo (ou rede). Outra caracterstica para a maioria dos membros deste coletivo/rede aumentar o prprio poder j o mais importante, por mais que para um ou para outro o discurso propalado ainda

    Nota 10 Artista considera cancelamento de editais do Minc preocupante .

    Nota 11

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    seja o que os movem, e ao invs de executarem os projetos financiados pelos editais que eles mesmos criaram, usam dos recursos e da estrutura do Estado para se articularem por todo o pas e garantirem o tempo livre necessrio para o desenvolvimento de novos editais, novos discursos, consolidao de prticas e de tecnologias que os mantm.

    Nessa perspectiva, para estes grupos como Fora do Eixo e Cultura Digi-tal, o embate se d numa disputa por quem ficar com aquele quinho do oramento do Ministrio da Cultura, no que o acesso a ele seja para fins diferentes num caso ou em outro.

    IV. Cultura l ivre e os novos modelos de negciosOs novos modelos de negcios partem da inovao tecnolgica e jurdica

    realizada pelo Software Livre que, quando transportados para o campo da cultura, criam uma produo com a ausncia ou flexibilidade do direito autoral, permitindo assim novas formas de gerao de valor. Incentivado pelo Fora do Eixo e pelas organizaes que compem a Cultura Digital, o modelo conceituado como open business (negcios abertos ou novos modelos de negcios, em portugus). A pesquisadora da Fundao Getlio Vargas, Oona Castro, define dois tipos de open business: um fruto do uso do instrumento legal (licenciamento em Creative Commons, por exemplo) e o outro, uma situao social, na qual h produo em rede com flexibilizao da propriedade intelectual como o mercado tecnobrega do Par. A cultura resultante desse processo denominada cultura livre.

    O open business a transformao do modelo de negcios de um mer-cado monopolista em concorrencial, ou seja, dada a natureza no rival do bem digital e a cpia a custo prximo de zero, o lucro passa a depender da produo material (camisetas, adesivos, etc.) e, principalmente, dos sho-ws; caminha-se assim da renda para os servios. Para as transnacionais da cultura e os oligoplios culturais regionais, isso significa a modificao do seu papel de intermediador entre mercado e consumidor, e, na dimenso econmica, a extrao de lucro por renda ameaada.

    Advogado e fundador da Creative Commons, Lawrence Lessig afirmou em seus artigos e livros que o termo cultura livre (free culture) an-logo ao livre mercado (free market). Em seu livro Free Culture, Lessig afirma que a cultura livre que eu defendo nesse livro um equilbrio entre anarquia e controle. Uma cultura livre, como um mercado livre, e composta de propriedades. Ela composta por regras de propriedade e contratos que so garantidos pelo Estado. Porm, da mesma forma que um mercado livre corrompido se sua propriedade se torna feudal, da

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    mesma forma uma cultura livre pode ser deturpada pelo extremismo nos direitos propriedade que a definem. Isso o que eu temo sobre a nossa cultura atual. Foi por causa desse extremismo que esse livro foi escrito. [12]

    Os autores de Copyright, Copyleft and the Creative Anti-Commons, Joanne Richardson e Dmytri Kleiner, analisam essa noo de liberdade: Uma obra livre na medida em que pode ser comercialmente apropriada, uma vez que a liberdade definida como a circulao ilimitada de informao e no como algo livre de explorao. [13]

    A ideologia da cultura livre baseia-se na ideia de que a flexibilizao da propriedade intelectual com a concorrncia proporcionada pelo livre mer-cado pode estimular a criao e, nesse processo, democratizar a informao e assim as naes caminharem ao progresso. De fato, quanto maior a flexi-bilizao da propriedade intelectual, maior a produtividade dos trabalha-dores e, por isso, maior a produo de riqueza a ser apropriada e transfor-mada em mercadoria. Em sntese, a cultura livre a prpria regra do jogo do capitalismo, a apropriao de algo que a classe capitalista no produz.

    Dessa forma, a aliana poltica ttica formada por um programa de opo-sio s transnacionais da cultura e os oligoplios culturais regionais aca-bou por ocultar a reflexo crtica sobre o que h de surgir em seu lugar.

    V. Gestores e a pol t ica Fora do EixoA principal atividade econmica do Fora do Eixo no a produo de um

    produto, mas a comercializao de seus servios, os quais se especializam atravs da gerncia dos processos da cooperao social, os tais festivais. por essa razo que se posicionam contra a existncia da figura do intermedia-dor, isto , das transnacionais da cultura e os oligoplios culturais regionais e sua relao entre produtores e mercado. No caso da cultura livre trata-se de um conflito no interior da classe capitalista: de um lado, rentistas da cultura e gestores da produo cultural [14] e, do outro lado, gestores da cultura digital e os artesos da cultura, em que trabalhadores por conta prpria na produo de consumo de luxo de forma a maximizar seus ganhos posi-cionam-se ao lado dos segundos sob o embate de produtivos versus improdu-tivos. Fora desse debate, h artistas que de certa forma preferem manter-se ao lado da velha indstria autoral, talvez no ideologicamente, mas pelo privilgio do circuito de apresentao mainstream exclusivo para os artistas das majors; uma tpica situao de rentista que quer manter o monoplio so-bre determinado bem do qual aufere renda. Resta ainda saber onde ficam os proletrios que fabricam as mdias na Zona Franca, os que operam o som, os que produzem equipamentos, os que vendem os ingressos etc.

    Nota 12 LESSIG, Lawrence. Cultura livre: como a grande mdia usa a tecnologia e a lei para bloquear a cultura e controlar a criatividade. So Paulo: Trama, 2005.

    Nota 13RICHARDSON, Joanne e KLEINER, Dmytri. Copyright, Copyleft and the Creative Anti-Commons. Berlim, 2006. Disponvel aqui .

    Nota 14 Sobre a discusso dos gestores enquanto classe, leia a nota 2 do artigo Extrema- esquerda edesenvolvimentismo (2), publicado aqui .

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    Os artistas do catlogo do circuito do Fora do Eixo representam um nicho de mercado em crescimento, mas que so consumidos como novida-de, o diferente, e da mesma forma que outro produto, o risco da estagnao do mercado tambm existe. Mas, com a vinda do coletivo para So Paulo, trata-se de expandir o mercado divulgando a marca Fora do Eixo em mobilizaes de jovens com o perfil consumidor de seus produtos [15].

    O trabalho do FdE fazer servios para outros. Fazem realmente como um coletivo e no como proprietrios de algo. Mas isso justamente o que os identifica como gestores: possuir o know-how, o trabalho baseado no co-nhecimento e na gerncia dos processos. Um tipo de trabalho que poss-vel vender e no ficar sem ele, j que conhecimento um bem no rival.

    Mas alm dessas implicaes econmicas, na esfera poltica h outras sobre as quais necessrio refletir. Para o Fora do Eixo a cultura apenas um pretexto e, atualmente, passaram a buscar meios para chegar na po-ltica. Segundo Capil, o coletivo conseguiu nesses 5 anos musculatura e capilaridade nacional e no dia 18, na Marcha da Liberdade, vo mostrar a fora da organizao.

    Em entrevista para a coletnea Produo Cultural no Brasil, Capil responde o que pretendem na poltica formal:

    Pretendemos criar um ambiente favorvel para que daqui h trinta anos o presidente da Repblica possa sair de uma perspectiva ligada a isso que ns es-tamos construindo. H trinta anos, ele saiu do sindicato, ento podemos tentar criar uma plataforma onde a cultura consiga ganhar mais espao na agenda.

    No por acaso, o Fora do Eixo possui instituies semelhantes s do go-verno como o Dirio Oficial FDE, Congresso FDE, Casa Civil, etc. Na anlise de Capil, o momento atual com a ministra Ana Buarque de Hollan-da de enfrentamento e, de uma forma geral, isso possvel graas cons-truo desse (novo) meio de produo. Alm da raiz econmica, a projeo na burocracia os configura politicamente enquanto uma classe gestora, classe que em outros momentos histricos possuiu como projeto a renova-o das elites. Mas enquanto dispersos em organizaes e instituies, os gestores confundem-se com os trabalhadores na sua oposio burguesia.

    Em carter elogioso, Alexandre Youssef fez recentemente uma anlise sobre o FdE:

    Imaginem um liquidificador em que se possa colocar as ramificaes da esquerda, com estratgias e lgicas de mercado das agncias de publicidade, misturando rock, rap, artes visuais, teatro, um bando de sonhadores e outro

    Nota 15 No ser necessria uma anlise quantitativa para saber o quanto da esquerda presente nessa srie de manifestaes corresponde como um potencial pblico-alvo para os servios do Circuito doFora do Eixo.

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    de pragmticos, o artista, o produtor, o empresrio e o pblico. Tudo junto e misturado. O caldo dessa batida uma nova tecnologia de participao e engajamento que funciona de forma exemplar para a circulao e produo musical, mas que acima de tudo um grande projeto de formao pol-tica.O Fora do Eixo cria, portanto, uma gerao que se utiliza sem a menor pre-ocupao ideolgica de aspectos positivos da organizao dos mo-vimentos de esquerda e de aes de marketing tpicas dos liberais. , como disse o terico da contracultura Cludio Prado, a construo da gerao ps-rancor, que no fica presa questes filosficas e mergulha radical-mente na utilizao da cultura digital para fazer o que tem que ser feito. [grifos nossos] [16]

    Podem utilizar os meios militantes e ativistas para ampliar sua influn-cia poltica e at para expandir seu mercado consumidor de cultura inde-pendente, mas no deixaro de ser o que so uma classe de gestores que visa renovar a burocracia.

    VI. A esquerda fora do eixoDesde a ascenso do PT ao governo e o processo da oposio virar a or-

    dem, forjou-se um pacto social entre as classes que configura-se atravs da pacificao dos movimentos sociais [17] e diminuio do desemprego por um novo ciclo econmico; alm disso, o acesso ao crdito fcil e o Bolsa Fa-mlia permitiram s classes mais baixas adentrarem no mercado de consumo bsico. E, de forma arrebatadora, a promessa de um futuro dourado estaria garantida com a explorao petrolfera da camada pr-sal que permitir o ingresso do pas na OPEP. O brado retumbante do ex-presidente Lula de que Nunca antes na histria desse pas exps que, de fato, no se pode mais designar o Brasil como um pas atrasado na economia global [18].

    A conjuntura econmica liquidou o programa de oposio ao governo, seja de direita ou de esquerda, e suas crticas aos programas do governo transmutam-se de acordo com a mar eleitoral: ora dobrar-se-ia o Bolsa Famlia, ora o mesmo no passaria de um novo clientelismo. O que restou da generalidade dos crticos de esquerda a sustentao do socialismo da misria [19] e, sem saber responder social-democracia brasileira, na me-lhor das hipteses formulam-se propostas que no ultrapassam a sua pr-pria lgica, como a crtica s consequncias da realpolitik governista, isto , ao enriquecimento a partir dos cargos pblicos.

    Nesse cenrio de transformao global que elevou a imagem do Brasil a hype sintetizado na capa da The Economist que apresenta a ignio do

    Nota 16Ministrio da Cultura, Revista Trip, 12/05/2011, disponvel aqui .

    Nota 17 De fora para dentro, os movimentos sociais passam por um processo de cooptao e pacificao pelo governo, e, de dentro para fora, a burocratizao das lutas impede a generalizao das relaes horizontais e solidrias entre os movimentos. Ver o artigo Entre o fogo e a panela: movimentos sociais e burocratizao .

    Nota 18 O Passa Palavra investiga numa srie de artigos as mudanas profundas que o Brasil tem passado, ver aqui .

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    Cristo Redentor rumo ao espao , o Churrasco da gente diferenciada revela o seu carter politicamente ambguo, em que a incorporao do dis-curso antielitista passou a ser um recado para a nobre elite de Higien-polis: o futuro dos negcios chegou, no ignorem as novas classes mdias, pois, mesmo morando na periferia, a sua empregada tambm pode consu-mir uma TV de plasma e ter um carro na garagem. O churrasco pode, sim, ser compreendido como um ritual ldico para profanar sem deixar de estigmatizar uma elite deslocada do seu tempo, dando boas-vindas aos mais novos consumidores do mercado brasileiro. Um processo que limita--se modernizao da mentalidade e renovao das elites, e que, por isso, foi incapaz de revelar a incoerncia de destinar mais recurso pblico para a ampliao da oferta de transporte pblico na regio mais rica da cidade.

    Sem o teatrinho de luta de classes ou antifascista, o que representa a onda anti-Bolsonaro a recusa em aceitar uma elite arcaica no poder. An-tes, a bola da vez foi o senador Jos Sarney com a hashtag #forasarney no Twitter. Da espontaneidade das mdias sociais no saiu outra pauta poltica que no fosse a renovao ou rejeio da elite poltica e econmica.

    Os elementos da composio dessa nova elite passam pelo consumo e sustentao de novos habitus, como se deslocar para o trabalho de bicicleta ou a p algo inimaginvel para um morador da periferia , reciclar seu lixo, cuidar de pequenas hortas em casa, consumo de orgnicos, baixar m-sicas e minutar os momentos do dia numa mdia social. As preocupaes polticas passam principalmente pela legalizao das drogas e pelo meio ambiente Uma gerao ps-rancor que no se apega a discusses filos-ficas, como define, de forma elogiosa, Cludio Prado.

    Esse descontentamento com o Brasil potncia tem sido abarcado pelo movimento liderado pela ex-petista Marina Silva. Se ao adentrar o poder o PT implementou um pacto social e tirou de cena os movimentos sociais, tambm atravs da conciliao de classes que os ambientalistas buscam fazer oposio, seja eleitoralmente, nas manifestaes ou na criao de um novo habitus. O clmax desse discurso ser ano que vem no Rio +20 [20], evento para o qual diversas organizaes j preparam as suas aes.

    Juntam-se ao campo de oposio os grupos que anteriormente he-gemonizavam o Ministrio da Cultura, como o Fora do Eixo e as ONGs e empresas da Cultura Digital. Essa coletividade ambiental, antielitista e alternativa uma das redes que permeiam a Marcha da Liberdade; um nome neutro que pode tanto servir para a Coca-Cola quanto para ativistas inseridos num projeto de classe.

    Mas, o que o Fora do Eixo apropria da manifestao? Eles se apropriam da comunicao para se projetarem, capturar o status de organizadores

    Nota 19Ver Socialismo da abundncia, socialismo da misria , de Joo Bernardo.

    Nota 20

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    e depois capitalizar esse pblico em seu circuito comercial. Esse mtodo difere, por exemplo, de uma campanha do PT ou PSDB, pois no utiliza for-a de trabalho assalariada para construir sua base social. As aes do Fora do Eixo so a propaganda da organizao para o alargamento do mercado e a manuteno de atividades gratuitas para angariarem simpatizantes.

    Numa manifestao onde a quantidade de pessoas consequncia da divulgao nas mdias (corporativas e sociais) e no uma causa real re-lacionada ao trabalho cotidiano de formao, construo e mobilizao, o refluxo de uma hora para outra iminente. Um processo semelhante a Marcha da Liberdade so os acampamentos em Portugal e Espanha [21].

    Nos limites da renovao e modernizao das elites, com esta gerao em rede mascara-se o contedo poltico das aes de um setor ascendente de uma classe dominante para evitar que se perceba isto que e jamais poder deixar de ser um confronto poltico.

    Nota 21 A mobilizao assembleria no se inventa de cima para baixo. Ou nasce de baixo, ou no acontece. Ou corresponde a interesses de classe mais definidos, exprimindo contradies reais da sociedade e medindo foras no terreno, ou se ficar sempre pelos limites - estreitos e efmeros - de uma espcie de festa dionisaca politizada. Trecho do artigo Acampados

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    comentrios

    COMENTRIOS

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    Sem Ttulopublicado no site Passa Palavra

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    IPE

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    A18

    JUNHO2011

    Muito bom o artigo! Parabns ao PP!

    Alguns comentrios:

    Fiz parte da gerao que se formou no contexto das mobilizaes de resistncia global no Brasil, meio no qual muito dessa discusso de tec-nologias alternativas surgiu.

    Sempre foi uma preocupao, para mim, essa noo de que as novas tecnologias (ainda que abertas etc.), sem um projeto poltico-ideolgico que as levasse para algum lugar, seriam prontamente apropriadas pelo mercado. Da mesma maneira que diversos setores alternativos e o discurso ecolgico o foram

    Hoje o que caracteriza, em grande medida, os processos de open sour-ce etc. no mais do que uma forma alternativa para se buscar o mercado. Com um discurso mais modernizado, verdade. E independente do discur-so de organizao horizontal, rizomtica, ou qualquer coisa que o valha, isso est sendo feito em proveito do capitalismo.

    Parece que parte significativa da esquerda contentou-se com esse pro-jeto do compro com eco-bag, como orgnico e vou trabalhar de bicicle-ta O que no deixa de ser um tanto cmodo, assim como a militncia virtual. Afinal, fazendo isso voc no apanha da polcia, no tem que traba-lhar muito, no corre o risco de ser preso e nem de ser demitido.

    Pensando politicamente, em termos de correlao de foras, o que essa nova esquerda se que ela esquerda, pois para mim j se caracteriza como direita tem a oferecer ao modelo de capitalismo de Estado em que vivemos? Obviamente nada. O projeto no acumula fora

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    e foca-se em setores que nem sequer so aqueles que tem sofrido realmente os efeitos do capitalismo.

    Difcil parece ser a articulao de lutas que tenham um evidente cor-te de classe e que empodere aqueles que lutam para a construo de um projeto poltico de poder. Difcil e nada cool; afinal, trabalho de base que bom, essa turma para no dizer a imensa maioria da esquerda abandonou faz tempo.

    Volto a uma mxima que venho sustentando h tempos. Em relao aos projetos polticos desse tipo, qualquer alternativa de servir sopo na Pra-a da S possui sentido mais radical, e ao menos proporciona um contato maior com a realidade Triste realidade.

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    Sem Ttulopublicado no site Passa Palavra

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    Ivana Bentes,Me surpreende a afirmao de que o conceito de luta de classes li-

    mitado e no seu lugar se prope falar em minorias, ou lutas de minorias. Conceitos no so neutros, e eles expressam objetivos, valores. Ora, o con-ceito de luta de classes expressa a viso de que existem exploradores e ex-plorados, opressores e oprimidos. H na sociedade quem manda e quem obedece. Ora, a propriedade privada base disso na sociedade capitalista.

    At mesmo os neozapatistas, to exaltados por ps-modernos (e por mim tambm), explicitam que a tomada dos meios de produo foi a base para o avano at mesmo das condies de vida das minorias (sejam as mulheres das prprias comunidades zapatistas, sejam os prprios ind-genas zapatistas como um todo). A expropriao dos latifundirios de Chiapas, que praticamente escravizavam os trabalhadores (indgenas), se tratou do que, seno de luta de classes? (O Neozapatismo e os Velhos Meios de Produo ).

    Me surpreende tambm o uso que feito do discurso terico de Negri e outros e ao mesmo tempo se coloca a luta de classes como algo anacrnico. H uma esquizofrenia terica nisso.

    Poderia citar inmeras passagens e Negri, Hardt ou Virno para desfazer essa leitura equivocada de que os conceitos deles significariam um fim do pro-letariado ou da luta de classes ou algo que o valha. Mas deixo aqui apenas uma:

    Explorao dever significar de fato, apropriao de uma parte ou de todo o valor que foi construdo em comum. (Este em comum no quer dizer que, na produo, trabalhadores e patres estejam juntos: absoluta-mente no! A luta de classe continua!) A emergncia do comum que se d no processo produtivo no elimina o antagonismo interno produo, mas

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    o desenvolve imediatamente no nvel de toda a sociedade produtiva.Trabalhadores e capitalistas se chocam na produo social, porque

    os trabalhadores (a multido) representam o comum (a cooperao), enquanto os capitalistas (o poder) representam as mltiplas mas sem-pre ferozes vias de apropriao privada. (Negri, Cinco Lies sobre o Imprio, p.266-267).

    Link 1

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    Sem Ttulopublicado no site Passa Palavra

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    PreguiaaMas vamos l>> aproveito para dar minha opinio sobre o artigo e sobre

    os comentrios rancorosos.E defino Rancor na perspectiva desta discusso.Rancor uma marca das esquerdas. Nasce da conscincia das tiranias.

    Nasce da indignao. Marx sendo o Arauto Maior das tiranias do sculo 20, da Era Industrial, do Capitalismo Selvagem, da ganncia.

    Rancor esta indignao + fundamentalismo.Fundamentalismo a grande doena deste sculo, que transformou sis-

    tematicamente as grandes ideias em dogmas. Talvez seja o fundamentalis-mo seja a herana mais perversa da cultura escrita.

    Da soma do alfabeto grego com a tipografia de Gutemberg.Do alfabeto, que so smbolos grficos que juntos formam fonemas que

    juntos formam palavras que juntas se propem representar todas as coisas materiais e ideias passadas e futuras da humanidade.

    E da tipografia de Gutemberg que congela (imprime) essas palavras, fra-ses e ideias.

    Some-se a isso a sinistra ideia do direito de autor e da forma como o sculo 20 lidou com tudo isso, congelando palavras e ideias, e temos a fr-mula do rancor.

    {{{ e pelamordedeus no argumentem que eu sou contra o alfabeto, con-tra os livros, contra o coitado do autor>>>>}}} cada um destes territrios eivado para o bem e para o mal como tudo na vida.

    Back to the USSR (You dont know how lucky you are)No sou do Fora do eixo. Colaboro com eles.Considero a proposta do Fora do Eixo o melhor caminho que conheo

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    para uma sada honrosa dos Movimentos Sociais rumo ao sculo 21. (e que denominei de Ps Rancor).

    O Fora do Eixo no de esquerda e nem de direita.A grande maioria das pessoas da esquerda e da direita realmente acham

    que esta polarizao define a humanidade, so adeptos conscientes ou in-conscientes da Teoria do Fim do Mundo, na qual o Mercado as engole fatal e definitivamente. E contra o qual (Mercado) vocs tm que lutar estoica-mente atravs dos tempos eternamente

    Isso no novidade: o Tropicalismo foi esculhambado pelas esquer-das todas como massa de manobra do imperialismo americano (ins-trumentos eletrificados que iriam matar a Msica Brasileira etc). Foi tambm esculhambado pela ditadura militar que os acusava de corrup-tores da cultura e juventude brasileira e que prendem Gil e Caetano condenando-os ao exlio. A Democracia Grega, conservadora, condena Scrates pelas mesmssimas razes.

    Em ltima instncia, acho que o problema de vocs, das esquerdas, este: O Fora do Eixo no de esquerda. Para vocs, consequentemente seria de direita. E, assim sendo, a discusso est encerrada no vale a pena (por isso a minha preguia, eu que vejo e ouo isso rolar h 40 anos).

    Mas olhem s>>> existem os otimistas>> que vm luz no fim do tnel.Existe uma nova esquerda (digamos assim para efeitos de melhor

    compreenso desta discusso).Um movimento poltico Ps Rancor, que nasce da indignao tambm

    nos anos 60.O movimento Hippie. Antropofagicamente abrasileirado aqui sob a de-

    nominao Tropicalismo.O movimento poltico Hippie ((( poltico siim))) quem pauta no mun-

    do, as questes de hoje.A Ecologia (nem citada pela direita nem esquerda at 1972 a 1a Confe-

    rncia Mundial do Meio Ambiente em Estocolmo.)As liberdades sexuais e das drogas >> ambas esculhambadas pela direita

    e pela esquerda como a decadncia da humanidade.A agricultura orgnica>> como fator de sade pblica. (contra os transgnicos)A questo feminina>> (pq o movimento feminista das esquerdas era o

    como direito da mulher ser igual ao homem nas besteiras do machismo, numa viso extremamente mope do conceito de igualdade)

    Sociedade AlternativaTudo isso sem rancor>> com flores e sempre com Teso Poltico (foco sim).Poderia me estender maismas uma ltima questo:

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    O o movimento hippie que detecta a Cultura Digital como a mais subver-siva realidade rumo a um sculo 21 (chamvamos de Nova Era na poca)Timothy Leary, um dos profetas do que est acontecendo agora, disse

    que a cultura do computador era o LSD dos anos 90. LSD era para Leary, um atalho para a compreenso profunda fora do eixo O eixo sendo tanto a ligao do indivduo consigo mesmo quanto a compreenso dos caminhos polticos da sociedade.(no quero me alongar aqui nisso pq tema de um livro e no de um mail).

    por isso que digo sempre que, NA MINHA OPINIO, Marx, hoje no seria marxista, seria um hippie digital.

    No h nada, mas naaada mesmo, mais politicamente subversivo lgi-ca do capitalismo selvagem do que a Cultura do Digital.

    Vejo no Fora do Eixo, uma semente para como de fato mudar o rumo equivocado das esquerdas, reinventando a forma de agir dos movimentos sociais do sculo 20.

    Um amadurecimento ou melhor um renascimento fnix deste movi-mento tropicalista.

    O bonito, a meu ver, que existem muito mais acertos do que erros nes-te movimento

    E considero que a indignao equivocada das esquerdas, que se revestem de puro rancor diante do sucesso evidente do que est acontecendo no mun-do das marchas, mais um sinal de resistncia conservadora do sculo 20.

    O mais grave ver meninos gritando palavras de ordem>>> fala srio>>> do sculo 19.

    PORQUE NINGUM AINDA RESPONDEU SOBRE O DEBATE AO VIVO E PELA INTERNET??

    beijos perplexos>>> rssrss mas paternalistas e carinhosos

    E ISSO SIM UMA PROVOCAO AMPLIAO DO DEBATE!

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  • TEXTO FALSOCONSED QUI TE RATUR? QUI DOLOREH ENDIATES AAA ALICATEM ESSUM AAAA ESSIMIN AAA VELECATIO

    A VELHA ESQUERDA FOI INCAPAZ DE FAZER FRENTE AS VELHAS CORPORAES, PERDEU PARA A MDIA DE MASSAS, CONSEGUIU PAUTAR ALGUMAS POLITICAS PBLICAS, MAS EST FRANCAMENTE PERDIDA NO CAPITALISMO DOS FLUXOS E DAS REDES.

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    Ivana Bentes

    publicado blog Trezentos

    A Esquerda nos Eixos e o novo ativismo

    Pretendia escrever um texto de avaliao sobre as Marchas da Liberda-de em todo Brasil quando vi este artigo na rede [A esquerda fora do eixo, publicado dia 17 de Junho de 2011 no site Passa a Palavra com assinatura coletiva sintomtico da perplexidade de certos setores da esquerda tradicional com as mudanas e crise do capitalismo fordista e as novas di-nmicas de resistncia e criao dentro do chamado capitalismo cognitivo (ps-fordista, da informao ou cultural).

    Crise e desestruturao que tem como horizonte a universalizao dos meios de produo e infraestrutura pblica instalada, a constitui-o de novos circuitos e mercados e a emergncia de uma intelectuali-dade de massa (no mais o proletariado, mas o cognitariado) com a possibilidade da apropriao tecnolgica por diferentes grupo (softwa-re livre, cdigos abertos, cultura digital).

    Crise e paradoxo onde o prprio crescimento gera e multiplica pre-cariedade, mas tambm novas dinmicas e modelos. O capitalismo da abundncia produz crise ao entrar no horizonte da gratuidade/com-partilhamento/colaborao com uma mutao da prpria ideia de pro-priedade (ver a crise do Direito Autoral).

    O texto percebe as mudanas, estruturais, mas no consegue ir alm nas consequncias e funciona como uma caricatura que busca demoni-zar as novas dinmicas sociais e culturais ps-fordistas e despotencia-lizar a cultura digital, o midiativismo e as estratgias de apropriao tecnolgicas das redes, inclusive a apropriao de ferramentas como o Facebook, twitter e outras para causas e objetivos prprios, como fizeram os rabes e os espanhis, hackeando as novas corporaes ps-fordistas.

    Link 1 http://passapalavra.info/?p=41221

  • 52

    Falta ao texto (alm de diagnsticos equivocados sobre a nova classe dominante) um arsenal terico minimamente a altura das mutaes, cri-ses e impasses do prprio capitalismo.

    H uma frase sintomtica neste artigo que me chamou ateno e que esclarece em muito sobre quem fala e de onde fala sob a assinatura annima/coletiva:

    Diz: praticamente impossvel para um observador desatento ou vi-ciado nas velhas estruturas identificar e combater o novo sujeito formado por este coletivo (ou rede)., referindo-se ao Circuito Fora do Eixo a quem os autores atribuem - numa teoria conspiratria que no esconde uma envergonhada admirao - praticamente tudo o que est acontecendo de mais interessante na cena do ativismo brasileiro!

    A frase explicita o medo diante das novas dinmicas que esto sendo inventadas e experimentadas fora do eixo da esquerda clssica, crian-do experincias e conceitos que explodem o arsenal de teorias mani-questas fordistas de uma esquerda pautada pelo capitalismo do sculo XX, incapaz de enxergar as revolues do capitalismo, dentro do capitalismo e que vem sendo discutidas pelo menos desde maio de 68 ou logo depois quando, por exemplo, os tericos-ativistas Gilles Deleu-ze e Flix Guattari lanaram o extraordinrio manifesto O Anti-dipo ou Capitalismo e Esquizofrenia, de 1972. Ou que ignora as anlises so-bre as mutaes do capitalismo tematizadas por um terico comunista como Antonio Negri, nos livros Imprio e Multido, dois clssicos contemporneos.

    A frase d bem a dimenso desse medo e incompreenso do novo e aponta a prpria incapacidade de ver dos autores do artigo. O observador viciado nas velhas estruturas exatamente quem fala neste texto, que tambm se entrega, medroso e preocupado, com a perda do seu pr-prio protagonismo. Perda de toda uma esquerda fordista que funciona hoje como a vanguarda da retaguarda mais conservadora at que mui-tas dinmicas do prprio mercado!

    Entre os problemas mais gritantes destaco:1. O texto no consegue configurar que os movimentos e articula-

    es, ainda que incipientes, das marchas das liberdades em todo Brasil no so a nova classe dominante, mas a emergncia de um movimen-to transversal, movimento de movimentos, com dinmica prpria e singular em cada territrio, com uma pauta heterognea, aberta e em construo, sem central nica ou comando dos iluminados, que se auto-organiza e cujos fins no foram dados a priori!

  • 53

    2. No se trata de uma nova classe mdia liberal, nem nova classe dominante, despolitizada, mas de um arranjo transversal que junta e agrega o chamado precariado urbano, a nova fora de transformao no capitalismo contemporneo.

    3. Ou seja, movimentos como os das marchas (e tantos outros) ou o Circuito Fora do Eixo so a base de um novo ativismo contemporneo, a da emergncia do precariado cognitivo, ou cultural, ou seja, da exploso e da percepo que o sistema trabalhista fordista e previdencirio cls-sicos no do mais contas da dinmica de ocupaes livres (mesmo que frgeis e sem segurana) no capitalismo da informao. E que essa pre-cariedade e autonomia no significa apenas vitimizar e assujeitar uma potncia para novos arranjos, alianas e lutas.

    4. O Circuito Fora do Eixo , no meu entender, um dos mais poten-tes laboratrios de experimentaes das novas dinmicas do trabalho e das subjetividades. Que tem como base: autonomia, liberdade e um novo comunismo (construo de Comum, comunidade, caixas coletivos, moedas coletivas, redes integradas, economia viva e mercados solid-rios). Esto FORA do eixo/fetiche da esquerda por trabalhadores assu-jeitados na relao patro/empregado! Mas tem enorme potncia para articularem no apenas a classe mdia urbana, mas se articularem com os pobres e precrios das periferias e favelas, ao se conectarem com ou-tras redes como a da CUFA e outras, que junta os jovens negros e pobres para outras marchas como a do Direito a Moradia, em preparao. Alm de outras articulaes sem medo de aparelhamentos seja das corpo-raes, dos partidos, ou do Estado. Sem demonizar as relaes com os mercados, mas inventando e pautando, criando outros mercados, fora da lgica fordista do assujeitamento.

    5. Ou seja, o Fora do Eixo entendeu que o modelo na produo cul-tural o modelo de funcionamento do prprio capitalismo. No mais o capitalismo fordista da carteira assinada mas o dos zilhes de freelan-cers, autnomos, diplomados sem empregos, subempregados, camels, favelados, contratados temporrios, designes, artistas, atores, tcnicos, que ou vendem sua fora livre de trabalho com atividades flutuantes temporrias, ou se ORGANIZAM e INVENTAM o prprio emprego/ocu-pao e novos circuitos, como tem feito de forma incrivelmente bem su-cedida o Circuito Fora do Eixo, ressignificando e potencializando o ima-ginrio de jovens no Brasil inteiro. Uma esquerda ps-fordista que est dando certo, que inventa estratgias de Mdia, que inventa mercados solidrios, contrariando os anunciadores do apocalipse.

  • 54

    6. A ideia de que, para se ter direitos, preciso se assujeitar em uma relao de patro/empregado, de assalariamento, uma ideia fran-camente conservadora. O precariado cognitivo, os jovens precrios das economias da cultura esto reinventando as relaes de trabalho; os de-safios so enormes, a economia ps-Google no fordista, no melhor nem pior que as velhas corporaes, mas abre para outras dinmicas e es-tratgias de luta, EM DISPUTA! No vamos combater as novas assimetrias e desigualdades com discursos e instrumentos da revoluo industrial!!! Como faz o texto na sua argumentao redutora e tendenciosa.

    No s o capitalismo financeiro que funciona em fluxo e em rede, veloz e dinmico. As novas lutas e resistncias passam por essas mes-mas estratgias. O Fora do Eixo est apontando para as novas formas de lutas, novas estratgias e ferramentas, que inclui inclusive PAUTAR AS POLTICAS PBLICAS, PAUTAR o Parlamento, PAUTAR A MDIA, Pau-tar a Globo, como as marchas conseguiram fazer! Ser bem sucedido a, onde muitos fracassaram, o que parece imperdovel! H um enorme ressentimento no texto, mal disfarado, diante de tanta potncia, lida pela chave mesquinha da luta por poder, capitalizao de prest-gio, da nova classe dominante. O objetivo infelizmente parece ser o de desqualificar, rotular e neutralizar os que so os novos aliados de uma radicalizao do processo democrtico no Brasil, que esto ino-vando na linguagem e nas estratgias. Perigo que ameaa a jovem/velha esquerda, que perde protagonismo em todas as esferas, incapaz de dialogar com esse novo e complexo cenrio, com todos os seus ris-cos. Experimentar = se expor aos riscos.

    7. Como dizem os ativistas italianos: Odeia a Mdia? Torne-se M-dia. A velha esquerda foi incapaz de fazer frente as velhas corporaes, perdeu para a mdia de massas, conseguiu pautar algumas politicas p-blicas, mas est francamente perdida no capitalismo dos fluxos e das re-des. No sabe como resistir, nem inovar, nem experimentar, nem ousar. Est tristemente na retaguarda do prprio mercado!!!

    8. O artigo parece ter como horizonte a luta por cartrios do sculo XIX!!! Com estratgias e palavras de ordem abstratas, um anticapita-lismo vago que perdeu o sentido. Pois as novas lutas so em FLUXO, so modulaes, no so MOLDES PR-FABRICADOS, no so sequer an-ticapitalistas, no sentido estrito, pois esto hackeando o capitalismo, se apropriando de suas estratgias para ressignificar o COMUNISMO das redes, no sentido mais radical de um comunismo DENTRO do prprio capitalismo, esquizofrenia do sistema que produz hoje um horizonte do COMUM, que temos que construir e pelo que temos que lutar.

  • 55

    9. preciso dizer ainda que no existe UM outro mundo, no existe fora do capitalismo (como diz Guattari e Negri) s existe esse mundo aqui, em processo, mutante, imanncia radical, e deste mundo aqui (um rio que vem de longe) que iremos inventar outros tantos mundos, no plural.

    10. O Fora do Eixo, nas suas prticas de criao de comum e comu-nidades (que o texto detecta mas distorce) e politizao do cotidiano, no o inimigo a combater, esto forjando as novas armas para os movimentos em fluxo, ento criando redes, fazendo midiativismo, es-to relendo e re-inventando, de forma emprica e genial, dinmicas e processos decisivos dos embates polticos: situacionismo, Maio de 68, experincias de Seattle, hackerativismo, cultura livre, esto na deriva e na luta. A gerao em rede no mascara nenhum tipo de contedo poltico oculto e perigoso que precisa ser desmascarado, ela o novo contedo e linguagem poltica, ela encarna as novas lutas e est inven-tando futuros alternativos. (IB)

  • TEXTO FALSOCONSED QUI TE RATUR? QUI DOLOREH ENDIATES AAA ALICATEM ESSUM AAAA ESSIMIN AAA VELECATIO

    OS LIMITES DAS FBRICAS FORAM ROMPIDOS NO PARA LIBERTAREM OS TRABALHADORES DO TRABALHO E DA VIGILNCIA DOS INSPETORES, MAS PARA INCORPORAR TODAS AS DIMENSES DA VIDA NA MESMA LGICA DA PRODUTIVIDADE.

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    Coletivo Passa Palavra

    publicado no Passa Palavra

    Domingo na Marcha Parte I

    O coletivo Passa Palavra recebeu a seguinte mensagem de Pablo Capil, do Fora do Eixo:

    Ol, gostaria de convidar o coletivo Passa Palavra para um debate pbli-co sobre a Esquerda Fora do Eixo e a Marcha da Liberdade, que foi tema de artigo do site na semana passada. Acredito que o objetivo de vocs ao escrever a referida reportagem tenha sido o de ampliar o de-bate, portanto gostaria de dar sequncia a essa iniciativa com um deba-te aberto, pblico e com transmisso ao vivo, na data que escolherem e no local que escolherem. Estaremos a disposio. Fico no aguardo. abs!

    Enquanto espao de debates do campo anticapitalista, no partici-pamos de eventos organizados por entidades do ativismo empresa-rial, j que para ns as classes existem e so bem definidas. Porm, nos preocupamos com o caminho que seguiro daqui para a frente as lutas sociais. Por isso, a continuidade da reflexo - pblica e ampla - segue aqui, em forma de uma srie de artigos, e no numa atividade a ser protagonizada por aqueles que se colocam como os novos gestores das redes.

    O tropical ismo fora do eixo Escrever sobre o tropicalismo? Ai! Ai! Mas vamos ser atropelados por

    este e por aquele exatamente aqui, porque um o terico do tropicalismo e o outro mais tropicalista ainda.

  • 58

    Mas o tropicalismo no teoria, puro blablabla, ele no tem nada a dizer alm daquilo que j est dito.

    O tropicalismo foi vazio enquanto movimento poltico, no teve tem-po, s se realizou no plano esttico, por isso no deveramos embarcar nele.

    Mas precisamente por isso devemos embarcar, porque vazio, o discurso do presente, a antropofagia do que est a. Enfim, casa-se perfeita-mente com a nova tendncia do capital.

    Olhem, eu no entendo nada disso, a minha msica outra.Voc no est entendendoQuase nada do que eu digoEu quero ir-me emboraEu quero dar o foraE quero que voc venha comigo Pacincia, venha com a gente que a gente explica, ou no.Quando Gilberto Gil subiu ao palco para disputar a final do III Festival de

    Msica Popular Brasileira da TV Record, no j longnquo ano de 1967, no era apenas o lanamento do grupo Os Mutantes que estava acontecendo. Domingo no Parque, a msica que no saiu vencedora, conseguiu fazer no plano esttico-cultural o que no se podia fazer pela poltica: abrir o pas para o mundo. Estava ali um baiano a contar uma histria nordestina ao som do que viria ser a mais importante banda de rock do Brasil. O na-cionalismo que dominava tanto a esquerda quanto a direita no entendeu bem aquilo e tudo o mais que viria a acontecer em volta de [Gilberto] Gil e de seus companheiros e os isolou.

    verdade que, como fala Caetano Veloso no documentrio Uma noite em 1967, Gil estava um tanto ou quanto inseguro aquela noite, era algo mui-to ousado a se fazer e as consequncias no estavam claras. Caetano, que tambm foi finalista neste mesmo festival com a msica Alegria, alegria, em outra j havia declarado o que pretendia fazer desde l. Eu organizo o movimento / Eu oriento o carnaval era umas das frases mais fortes da msi-ca Tropiclia, de 1968, que daria nome ao que estava acontecendo.

    Rejeitados tanto pela esquerda quanto pela direita, inclusive pelos representantes destes dois lados da cena artstica e cultural brasileira, seguiram a mando da Ditadura rumo ao exlio, e os representantes do tropicalismo no conseguiram consolidar o seu movi-mento, se diluram naquilo que hoje se chama de MPB, mas no sem antes dei-xar em toda a msica brasileira algo de irreversvel. O Brasil estava no mundo e o mundo deveria tambm estar no Brasil.

    Ora, havia outra coisa em comum entre a esquerda e a direita do perodo da ditadura. Ambos eram, alm de nacionalistas, extremamente autoritrios.

  • 59

    E o tropicalismo, independentemente de ser liberal ou libertrio, no caberia em nenhum dos dois extremos. Como no mesmo perodo havia um movi-mento cultural ainda mais forte que agradava esquerda, no se chegou a configurar uma ciso entre a poltica e a cultura, mas os ressentimentos sur-gidos da parece nunca terem sido remediados.

    Quarenta anos depois o tropicalismo volta a encontrar-se com a pol-tica, mas como a esquerda mudou menos do que a direita pior, aquela esquerda de l o Estado de hoje no fica difcil adivinhar para qual lado o tropicalismo, ou pelo menos seus smb