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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS
FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS
WALKER WENDELL LARANJA
MOVIMENTOS SOCIAIS, EDUCAÇÃO NÃO-FORMAL E CIDADANIA: DUAS EXPERIÊNCIAS HISTÓRICAS.
CAMPINAS
2008
WALKER WENDELL LARANJA
MOVIMENTOS SOCIAIS, EDUCAÇÃO NÃO-FORMAL E CIDADANIA: DUAS EXPERIÊNCIAS HISTÓRICAS.
Trabalho de conclusão de curso apresentada como exigência para obtenção do título de graduação em Ciências Sociais à disciplina: Trabalho de Conclusão de Curso II: Sociologia D, na área de Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
Orientadora: Profª. Dra. Doraci Alves Lopes
PUC-CAMPINAS
2008
À minha querida esposa, Simone, por compartilhar todos
os momentos, propiciando condições para que eu pudesse realizar esse sonho. Às minhas mães: mãe Aparecida e
sogra, Sandra, por cuidar de minhas filhas enquanto eu produzia este trabalho, à minha família em
geral por toda torcida e cooperação. Às minhas filhas, como troféu por nossas
lutas.
AGRADECIMENTOS
À Profª Dra. Doraci Alves Lopes, por dividir seu conhecimento e me guiar durante toda pesquisa. Pelo incentivo e principalmente por seu profissionalismo! Para mim foi um enorme privilégio ser orientado por ti. Muito obrigado! À Profª Dra. Sônia Regina da Cal Seixas Barbosa, por tornar a Sociologia tão intrigante desde o início, fato que me fez optar em desenvolver essa pesquisa nessa área do conhecimento. À minha amiga Analy de Assis por sua constante cooperação e apoio.
Resumo LARANJA, Walker Wendell. Movimentos sociais, educação não-formal e cidadania: duas experiências históricas. 2008, 49 f. Trabalho de conclusão de curso – Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Centro de Ciências Humanas, Campinas, 2008. O objetivo desta pesquisa é analisar diferentes interpretações para o conceito de Educação não-formal – ENF - (GONH, 2001; INEP, 2001; SIMSON, 2001;) e refletirmos sua gênese através dos Movimentos Sociais (TOMAZI, 1993; GONH, 2003) e da cidadania ativa (PAOLI, 2003) em dois períodos históricos distintos. O primeiro refere-se ao período pré-ditadura militar no Brasil (1964), com destaque para os movimentos de Educação Popular (FREIRE, 1979; BRANDÃO, 1982; GÓES, 2001), como é o caso da Campanha “De Pé no Chão Também se Aprende a Ler”, deflagrada em Natal (RN) em 1961, e apoiada pela ascensão dos partidos de esquerda (GOES, 2001) da época. Realizamos similar discussão para o período de redemocratização do país, a partir de movimentos sociais que também resultaram em processos de ENF, a exemplo da Escola Família Agrícola (EFA), que utiliza a “Pedagogia da Alternância” (NASCIMENTO, 2003; MUTA, 2003), como forma de resistência no campo, em lutas por direitos sociais em Estados como TO, MG, ES, BA, PA, entre outros. A importância de tal análise se apóia no fato de que, após a redemocratização do país, a sociedade civil se torna muito mais complexa e heterogênea, com a retomada de um número expressivo e diversificado de processos de Educação não-formal (ENF), resultantes dos chamados novos movimentos sociais. Emergem igualmente a partir desta conjuntura, redes de ONGs, Fundações, e entidades filantrópicas que impulsionam outros processos de ENF, ampliando a definição e a discussão deste conceito.O método escolhido foi o da pesquisa bibliográfica (CARVALHO, 1998; GIL, 1996; FERREIRA, 2002), efetuada, sobretudo, a partir do levantamento e seleção de livros e artigos científicos publicados sobre ENF. Como resultado final, apresentamos uma interpretação dos estudos de casos escolhidos, frutos de movimentos sociais significativos que envolvem a ENF, reconhecidos politicamente nos locais onde atuam sob a perspectiva da cidadania ativa. Comparamos ainda o conceito de ENF dos dois períodos históricos definidos salientando suas especificidades.
Palavras Chaves: Movimentos Sociais; Educação não-formal; Cidadania.
LISTA DE FIGURAS
Fotografia 01. Campanha Re-Ação – saúde: respeite-se. Campanha promovida pelo Movimento Enraizados no Rio de Janeiro em 29/11/2008. ...................................................36 Fotografia 02. Campanha Re-Ação – saúde: respeite-se. Campanha promovida pelo Movimento Enraizados no Rio de Janeiro em 29/11/2008. ...................................................36 Fotografia 03. Campanha Re-Ação – saúde: respeite-se. Campanha promovida pelo Movimento Enraizados no Rio de Janeiro em 29/11/2008. ...................................................36
LISTA TABELAS
Tabela 01 Universo educativo tripartido a-). Apresentação do Universo Educacional em três categorias na Conferência Mundial sobre a Crise na Educação. ............................................................................................................................. ....... 10 Tabela 02. Universo educativo tripartido b-). Apresentação do Universo Educacional em três categorias em nova configuração. ..................................................................... 11
SUMÁRIO
Introdução..............................................................................................................10
1. Educação não-formal, movimentos sociais e cidadania: explorando os
conceitos..........................................................................................................11
1.1 Educação formal, educação não-formal e educação
informal.......................................................................................................12
1.2 Apresentando conceitos.............................................................................14
2. O método..........................................................................................................20
3. Movimentos sociais e Educação não-formal, o imbricamento.........................22
3.1 Recapitulação histórica de processos de Educação não-formal...............22
3.2 Movimentos sociais e Educação não-formal no pré 1964..........................25
3.3 Movimentos sociais e Educação não-formal na redemocratização...........31
4. Considerações Finais.......................................................................................40
5. Bibliografia........................................................................................................44
INTRODUÇÃO.
O conceito educação apresenta inúmeras vertentes que propiciou e sempre
proporcionará espaço para exaustivos estudos pela própria necessidade do homem
em constantemente educar-se.
Entendemos a educação como um processo contínuo e permanente na vida
do ser humano.
Maria da Glória Gonh no livro “Educação não-formal e cultura política:
impactos sobre o associativismo no terceiro setor”, afirma que “a educação, numa
perspectiva ampliada que transpõe os muros da escola, é promotora de mecanismos
de inclusão social, promovendo acesso aos direitos de cidadania”. (GONH, 2001,
p.07).
Na história do Brasil verificamos diversas formas de se educar. Na imposição
etnocêntrica européia, e para nós brasileiros, especificamente a portuguesa, na
forma de catequizar; na educação informal pelas tradições portuguesas para os que
de lá vieram, preservando seus valores e sua cultura; de igual modo na preservação
da cultura nativa pelos que aqui habitavam, bem como a de todos aqueles outros que
vieram ou foram trazidos para o Brasil; o educar se faz presente em todos os
homens.
Nessa pesquisa, concentramos nossos esforços em apresentar alguns
movimentos sociais que influenciaram na criação de processos de Educação não-
formal (ENF), no Brasil, nos períodos pré-ditadura de 1964 e na redemocratização do
país, evidenciando como eles contribuíram e contribuem para o exercício da
cidadania ativa (PAOLI, 2003).
A importância dessa análise se apóia no fato de que após a redemocratização,
a sociedade civil se torna mais complexa e heterogênea. O neoliberalismo, a
globalização, ente outros aspectos, contribuem para que novos movimentos sociais
empunhem suas demandas propiciando a criação de novos processos de ENF.
Nesse contexto, surgem outros processos de ENF vinculados a ONGs, a Filantropia,
Fundações, associações, entre outros, carecendo de análises sociológicas para
interpretá-las, das quais essa pretende ser uma contribuição.
1. EDUCAÇÃO NÃO-FORMAL, MOVIMENTOS SOCIAIS E CIDADANIA,
DISCUTINDO OS CONCEITOS.
Este capítulo tem como objetivo a problematização dos conceitos destacados
no título. Existem várias interpretações teóricas para esses conceitos, discutidas por
vários autores em diferentes momentos históricos. Em nossa análise, utilizaremos os
conceitos mais atuais para Educação não-formal (ENF), quanto aos Movimentos
Sociais, enfatizaremos aqueles que apresentam contribuições na construção de
processos de ENF, ressaltando a luta contra-hegemônica. Para a discussão sobre
Cidadania, entendemos que a conceituação apresentada no artigo “Movimentos
sociais, movimentos republicanos?” (Paoli, 2003) é o que mais contempla nossa
interpretação nesse trabalho, por tratar da cidadania ativa.
Antes de discursarmos sobre os conceitos destacados, vamos fazer uso das
palavras de Paulo Freire citadas por Brandão no posfácio do livro “Educação
Popular:”
Na verdade, se dizer a palavra é transformar o mundo, se dizer a palavra não é privilégio de alguns homens, mas direito dos homens, ninguém pode dizer sozinho a palavra. Dize-la sozinho significa dize-la para outros, uma forma de dizer sem eles e, quase sempre, contra eles. Dizer a palavra significa, por isso mesmo, um encontro de homens. Esse encontro que não pode se realizar no ar, mas tão somente no mundo que deve ser transformado, é o diálogo em que a realidade concreta aparece como mediadora dos homens que dialogam. (BRANDÃO 1984, p.84).
Por perceber o poder da palavra, seja oral ou escrita, pelos diversos meios de
comunicação, acreditamos que a educação é à base das atitudes de todos os
homens, e por ela se constroem as mais diversas sociedades, por esse motivo,
escolhemos nessa pesquisa a reflexão sobre a educação, a fim de que as palavras
aqui impressas com as discussões apresentadas a seguir, seja também veículo
mediador entre os homens que dialogam em busca de uma maior igualdade com os
que talvez estivessem privados de participar efetivamente de tais discussões.
Iniciamos nossa reflexão com uma definição filosófica sobre educação,
utilizando as palavras de Paulo Freire em “Educação e Mudança”:
A educação é uma resposta da finitude da infinitude. A educação é possível para o homem, porque este é inacabado e sabe-se inacabado. Isto leva-o à sua perfeição. A educação, portanto, implica uma busca realizada por um sujeito que é homem. O homem deve ser o sujeito de sua própria educação. Não pode ser objeto dela. Por isso, ninguém educa ninguém. (FREIRE, 1981, p.27).
1.1 Educação formal, educação não-formal e educação informal.
Segundo Luis Miguel C. Santos Pinto, em sua tese de mestrado “Educação
não-formal um contributo para a compreensão do conceito e das práticas em
Portugal”, na Conferência Mundial sobre a crise da Educação, organizada pela
UNESCO em 1967, P.H. Coombs apresenta o conceito educação não-formal. Não foi
sua primeira utilização, porém a partir dessa Conferência o conceito passou a ser
utilizado na academia em escala crescente.
Na citada Conferência, foi apresentado o universo educacional como segue no
tabela 1, porém não houve consenso em sua utilização.
Tabela 01 Universo educativo tripartido a-)
Educação Formal Educação não-formal Educação informal
(PINTO, 2007)
Nessa representação, a educação formal ficara no lado esquerdo por se tratar
de um processo educativo sistemático, datável, com currículo estabelecido, presença
obrigatória, em instituição oficial, que leva à titulação. Ao lado direito, os processos
educativos assistemáticos, que o indivíduo recebe por toda a vida em todos os
lugares. Ao centro, havia uma lacuna para aqueles processos educativos que não se
adequavam a nenhum dos dois citados. Para tanto, o conceito de educação não-
formal, passa a ser utilizado para preencher essa lacuna ficando ao meio dos dois
processos educacionais anteriores, porque também é sistematizado, mas não tem
caráter oficial, nem eleva a titulação.
Ainda segundo Pinto (2007), em debates atuais é mais consensual a utilização da
próxima tabela:
Tabela 02 O universo tripartido - b)
Educação Formal Educação Informal
Educação não-formal
(PINTO,2007)
Nessa tabela a educação formal e não-formal se encontram do mesmo lado,
determinadas como expressões de educação “organizada e sistematizada”,
enquanto do outro lado da tabela, os processos educativos informais, espontâneos e
não necessariamente organizados.
Há uma discussão teórica também sobre os limites das fronteiras de tais
processos educativos, que não serão explorados nessa pesquisa.
Olga R. M. Von Simson cita Afonso (1989) na introdução do livro “Educação
não-formal: cenários da criação”, organizado por ela, onde Afonso apresenta de
forma muito sucinta educação formal, não-formal e informal:
Por educação formal, entende-se o tipo de educação organizada com uma determinada seqüência e proporcionada pelas escolas enquanto que a designação educação informal abrange todas as possibilidades educativas no decurso da vida do indivíduo, constituindo um processo permanente e não organizado. Por último, a educação não-formal, embora obedeça também uma estrutura e uma organização (distintas, porém das escolas) e possa levar a uma certificação (mesmo que não seja essa a finalidade), diverge ainda da educação formal que respeita à não fixação de tempos e locais e à flexibilidade na adaptação dos conteúdos de aprendizagem a cada grupo concreto. (AFONSO,1989, p.78 apud SIMSON, 2001).
Após essas diferenciações conceituais explícitas, seguiremos com a
problematização dos conceitos chaves.
1.2 Apresentando os conceitos.
No INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira), são apresentas as seguintes significações para educação não-formal:
1. Atividades ou programas organizados fora do sistema regular de ensino, com
objetivos educacionais bem definidos. 2. Qualquer atividade educacional organizada e
estruturada que não corresponda exatamente à definição de ""educação formal"". 3.
Processos de formação que acontecem fora do sistema de ensino (das escolas às
universidades). 5. Tipo de educação ministrada sem se ater a uma seqüência gradual,
não leva a graus nem títulos e se realiza fora do sistema de Educação Formal e em
forma complementar. 6. Programa sistemático e planejado que ocorre durante um
período contínuo e predeterminado de tempo. Notas: 1. A educação não-formal pode
ocorrer dentro de instituições educacionais, ou fora delas, e pode atender a pessoas de
todas as idades. 2. Dependendo dos contextos nacionais, pode compreender programas
educacionais que ofereçam alfabetização de adultos, educação básica para crianças fora
da escola, competências para a vida ¿life ¿ skills¿, competências para o trabalho e
cultura em geral. 3. Os programas de educação não-formal não precisam
necessariamente seguir o sistema de ""escada"", podem ter duração variável, e
podem,ou não, conceder certificados da aprendizagem obtida. (cf. CINE 1997, UNESCO)
4. Por ser mais flexível, não segue necessariamente todas as normas e diretrizes
estabelecidas pelo governo federal. É geralmente oferecida por instituições sociais
governamentais e não-governamentais e resulta em formação para valores, para o
trabalho e para a cidadania. (Fontes em educação. COMPED, 2001).
A educação não-formal tem caráter de transformação social, que possibilita à
seus integrantes participar desse processo de modo a interferirem na história por
meio da reflexão e transformação. (AFONSO, 1989 apud SIMSON, 2001, p.11).
Simson (2001) aponta alguns princípios para a caracterização estrutural da
educação não-formal:
Apresentar caráter voluntário, proporcionar elementos para a socialização e a solidariedade, visar o desenvolvimento social, evitar
formalidades e hierarquias, favorecer a participação coletiva dos membros do grupo de forma descentralizada. (SIMSON, 2001, p.11).
Mesmo que a educação não-formal tenha estrutura e formalidade, ela não
acontece de forma obrigatória, tornando prazerosa a relação com o aprender. Nesse
modelo de educação é respeitada a bagagem cultural de cada um, de educadores e
educandos, de modo a somar o conhecimento individual ao produzido coletivamente.
(Ibidem, 2001, p.10,11).
A mesma autora ainda ressalta a importância da formação dos educadores
que trabalham com esse tipo de processo educativo, pois apesar de não ser
obrigatória, é necessária.
Gonh também apresenta sua contribuição sobre o mesmo conceito:
Ela aborda processos educativos que ocorrem fora das escolas, em processos organizativos da sociedade civil, ao redor de ações coletivas do chamado terceiro setor da sociedade, abrangendo movimentos sociais, organizações não-governamentais e outras entidades sem fins lucrativos que atuam na área social; ou processos educacionais, frutos de articulações de escolas com a comunidade educativa, via conselhos, colegiados etc. (GONH, 2001, p.7).
O conceito educação não-formal abarca uma série de propostas e atividades
educacionais como é apresentado a seguir:
Dessa forma, a educação não formal, no Brasil, constitui-se dialogando com ações de filantropia, assistência social, da educação popular, dos movimentos sociais e movimentos culturais, de atividades recreativas, da arte-educação, da educação para o trabalho, das ações voltadas para a recreação e voltadas para o tempo livre, mais recentemente, já partindo com características próprias, das ações vinculadas ao terceiro setor e voluntariado, da filantropia empresarial e da educação social. Nesse emaranhado de ações, elas se misturam, tanto na prática como em suas identidades, concepções e ideologias. (PARK; FERNANDES; CARNICEL, 2007, p.31).
Silvana Bezerra em sua dissertação de mestrado “Do Assistencial ao
Educacional: Por uma Fundamentação Não-Formal” ainda dá uma contribuição para
reflexão da ENF citando o conceito segundo Carlos Jamil Cury:
...educação não-formal é aquela que se pode definir educativamente em projetos de outras áreas...em confronto com a educação formal ela possui uma elasticidade muito grande, dado seu distanciamento em relação as regras burocráticas da sociedade política. Nessa distinção, a educação não-formal inclui, sem dúvida, os meios de comunicação de massa, os projetos de saúde e higiene públicas, a publicidade oficial ou não, os grupos da sociedade civil que se reúnem com finalidades comuns e especificas. (CURY, 1995, p. 105 apud BEZERRA, 2000, p.09)
Passemos a explorar agora o conceito de movimento social, que ele pode ter
muitas vezes relação estreita com processos de ENF.
Gonh (2003) nos apresenta o conceito de movimento social de forma bastante
objetiva:
Nós os vemos como ações sociais coletivas de caráter sócio-politico e cultural que viabilizam distintas formas da população se organizar e expressar suas demandas. (GONH, 2003 p.13).
Ainda segundo ela, hoje os principais movimentos sociais atuam por redes
sociais que vão de locais a internacionais, utilizando os modernos meios de
comunicação como a Internet (Ibidem, 2003).
Nelson D. Tomazi dedica um capítulo sobre movimento social no livro
“Iniciação à sociologia”, onde afirma que movimento social tem caráter conflitivo e é
coletivo, pois é formado por um grupo de pessoas que querem mudar uma situação,
como no caso do MST (Movimento dos Trabalhadores sem Terra), que luta pela
reforma agrária e a divisão das terras improdutivas. Também podem existir
movimentos sociais pretendem manter o status quo, evitando mudanças, por
exemplo, a UDR (União Democrática Ruralista), formada por proprietários rurais
lutando contra a reforma agrária. Outras características ainda nos ajudam a definir
um movimento social: para que um grupo de pessoas se una em função de um ou
mais objetivos em comum, é necessário que elas se percebam oprimidas para
realizar tal mobilização (TOMAZI, 1993).
De forma resumida esse autor dá a seguinte definição para movimento social:
Trata-se da ação conjunta de homens, a partir de uma determinada visão de mundo, objetivando a mudança ou a conservação das relações sociais numa dada sociedade. (Ibidem, 1993, p.216).
O terceiro conceito aqui apresentado, cidadania, teve sua origem, segundo
Maria de Lourdes M. Covre, no livro: “O que é cidadania”, na Pólis grega. Esse tipo
de cidade era organizada por homens livres, que participavam diretamente de um
sistema democrático onde eram debatidos, entre outros assuntos, seus direitos e
deveres perante a sociedade. “A cidadania está relacionada ao surgimento da vida
na cidade, à capacidade de os homens exercerem direitos e deveres de cidadão”.
(COVRE, 1999, p.16).
Exercer direito de cidadão vai além do ato de exercitar, segundo essa autora,
as pessoas negligenciam “o fato de que elas próprias podem ser o agente da
existências desses direitos” (Ibidem, p.10).
Portanto para que a cidadania exista é preciso que os sujeitos lutem por seus
direitos na escola, nas ruas, nas fábricas, nas favelas, nas ruas, em casa, levando as
questões à visibilidade política para que propicie a negociação e conseqüentemente
a transformação histórica. (Ibidem, p.73).
GENTLILLI; ALENCAR no livro “Educar na Esperança em Tempos de
Desencanto”, apresentam os três momentos que compõem a construção histórica da
cidadania apresentada por Marshall em 1949 na conferência “Cidadania e classe
social”: o primeiro passo, foi o desenvolvimento da cidadania civil, no século XVIII,
onde foi reconhecido o direito à liberdade de expressão, de pensamento e de
religião, nessa época houve a consagração dos direitos humanos permitindo a
consolidação da cidadania civil. No século XIX, veio o reconhecimento dos direitos
políticos, e conseqüentemente, a cidadania política, e por fim no século XX, foi
construída a cidadania social, marcado pelo desenvolvimento dos direitos sociais e
econômicos, como a educação, saúde, bem-estar, trabalho, entre outros.
Após apresentar esses momentos históricos, esses autores fazem a seguinte
definição quanto ao ato de educar para cidadania:
Sendo assim, educar para o exercício da cidadania significaria transmitir a todos os direitos que formalmente lhes são reconhecidos.
A educação, a partir desse enfoque, deveria ser vista como um mecanismo de difusão, de socialização e de reconhecimento dos direitos (civis, políticos e sociais) que definem o campo da cidadania. (GENTILLI; ALENCAR, 2000, p.71).
E ainda conceitua sobre a cidadania como segue:
A cidadania é, desta forma, o exercício de uma prática inegavelmente política, e fundamentada em valores como a liberdade, a igualdade, a autonomia, o respeito à diferença e às identidades, a solidariedade, a tolerância e a desobediência a poderes totalitários. (Ibidem, p.73).
No artigo publicado na internet do 1º Congresso Internacional de Pedagogia
Social, “A função da educação social e a intervenção sócio comunitária a partir da
formação do professor”, Inês O.B. de Araújo afirma:
Em nosso país, a construção da cidadania ocorre de forma inversa àquela que se dá nos países de chamado Primeiro Mundo, porque as leis são insuficientes e inoperantes. A cidadania surge então como resultado de um processo histórico de lutas no qual as leis são apenas uns de seus momentos. A mudança gradual e lenta da cultura política é fator e resultado do exercício da cidadania, sob a construção dos processos democráticos em curso, segundo os princípios de eqüidade e justiça. (ARAÚJO, 2006).
Notamos que o conceito de cidadania é amplo. Para essa pesquisa vamos
explorar a conceitualização de cidadania ativa, apresentada por Maria Célia Paoli no
artigo “Movimentos sociais, movimentos republicanos?”
Segundo essa autora, a experiência da cidadania brasileira se dá em três
momentos históricos.
O primeiro momento, no republicanismo liberal, marcado exatamente pela
negação aos direitos cidadãos, em um momento em que as classes dominantes
queriam manter uma hierarquia privatista de privilégios de representação de interesse de fachada em seu próprio currículo e, simultaneamente, empreender um projeto de modernidade urbana, social e cosmopolita.(PAOLI, 2003, p. 176).
Aquele período foi marcado pelo descaso governamental frente a classe de
operários que crescia e não haviam leis que respaldassem os direitos desses
trabalhadores, enquanto os patrões na maioria das vezes se quer estabeleciam um
contrato de trabalho, e mesmo quando tinham, não cumpriam. Havia uma repressão
violenta contra as ações promovidas pelo movimento dos operários principalmente
ao anarcossindicalismo.
O segundo período, na era Vargas, conhecida por “populismo”, foi marcado
pela liberdade vigiada por parte do Estado frente aos movimentos sociais. O governo
se põe como mediador dos interesses populares na tentativa de colocar no
esquecimento os 30 anos anteriores de lutas sociais, limitando os movimentos
sociais em suas ações pela imposição da força. Por ser assim, os direitos sociais
ficaram submetidos aos interesses do Estado.
Já no terceiro período, do final da década de 1970 até meados de 1990, a
autora destaca o desmantelamento do Estado ditatorial. Os novos movimentos
sociais emergem nesse contexto com novas demandas por direitos, cidadania e
justiça.
Tais movimentos abriram um caminho inédito de ação e pensamento para a sociedade brasileira, ao colocar as esferas mudas e invisíveis da subjetividade popular na luta por outra noção de cidadania e direitos, na construção de um novo conceito de equidade social, a ser conseguido pela sua transformação em assunto público da sociedade. (Ibidem, p. 180).
Assim nascia a cidadania ativa, novos atores sociais lutam por suas
demandas, emergem da sociedade civil a todo instante livres da opressão do Estado
em busca de seus direitos.
Movimentos sociais como o feminista, de negros, sindicalistas, entre outros
que desde muito já lutavam por dignidade, somaram-se a novos movimentos como
os ambientalistas e inscrevem na Constituição de 1988 seus direitos de cidadão.
Nessa breve problematização dos conceitos já é percebido um caminho
histórico dos movimentos sociais até enfim alcançar a cidadania ativa e a partir daí,
iniciarem novas lutas.
2. O MÉTODO.
Para desenvolvermos a presente pesquisa, utilizamos como metodologia a
pesquisa bibliográfica.
Antonio Carlos Gil, no livro “Como elaborar Projetos de Pesquisas” apresenta
que uma das vantagens da pesquisa bibliográfica é poder reunir materiais de
diferentes tempos e espaços que compõe o problema em questão. Ainda segundo
ele, “a pesquisa bibliográfica é desenvolvida a partir de material já elaborado,
constituído principalmente de livros e artigos científicos”. (GIL, 1996, p. 48).
Uma das definições de pesquisa bibliográfica, “é a atividade de localização e
consulta de fontes diversas de informação escrita, para coletar dados gerais ou
específicos a respeito de um determinado tema”. (CARVALHO, 1998, p. 110).
Seguindo esta orientação, a partir de livros e artigos, separamos materiais
relacionados com ENF construindo um histórico do uso deste conceito, uma vez que
em diferentes momentos, houve interpretações distintas para o mesmo.
Pesquisamos os movimentos sociais e processos de educação não-formal em
dois momentos distintos na historia do Brasil: no pré-ditadura militar de 1964 e no
período de redemocratização, a partir da década de 1980.
Na composição de nossa base de sustentação bibliográfica, partimos de
leituras exploratórias em busca da literatura relacionada ao tema. Posteriormente,
para leituras seletivas e, finalmente, analíticas do material para orientar nossas
reflexões. (GIL, 1996).
Deste modo, criamos um Catálogo Sistemático (Carvalho, 1988), que são
fichas de leitura para cada livro ou artigo que possam ser utilizados posteriormente
para análise do trabalho. Nos fichamentos destacamos o tipo de processo de ENF, o
momento histórico e sua relação com a cidadania.
Após os fichamentos, separamos os materiais nos dois períodos já
anunciados e iniciamos o processo de construção de suas relações, para finalmente,
podermos comparar os dois períodos e chegarmos às considerações finais sobre as
mudanças ocorridas nos processos de ENF, sob a perspectiva dos movimentos
sociais e da cidadania.
Ainda dentro da pesquisa bibliográfica utilizamos o “Estado da Arte” ou
“Estado do Conhecimento” que é a busca em um único artigo dos resumos das
principais produções acadêmicas de um mesmo tema, sejam dissertações ou teses.
(FERREIRA, 2002).
Assim sendo, utilizando o “Estado da Arte”, analisamos o artigo de Edival
Sebastião Teixeira, Maria de Lourdes Bernatt e Glademir Alves Trindade, “Estudos
sobre Pedagogia da Alternância no Brasil: revisão de literatura e perspectivas de
pesquisa”, que apresenta resumos de 7 teses e 39 dissertações sobre o tema
pedagogia da alternância que facilitou em muito nossas buscas.
Como fontes principais de pesquisa utilizamos as bibliotecas das Faculdades
de Educação e do CCH da PUC-Campinas, além das Faculdades de Educação e
IFCH da Unicamp, além de sites de caráter acadêmico que disponibilizam artigos
atuais sobre o tema tais como o www.sciello.com.br e www.unicamp.com.br, entre
outros.
3. MOVIMENTOS SOCIAIS E EDUCAÇÃO NÃO-FORMAL (ENF), O
IMBRICAMENTO.
Nesse capítulo apresentamos alguns processos de ENF nos dois períodos
históricos propostos nessa pesquisa.
Como já foi explicitado, os movimentos sociais emergem decorrentes de
demandas específicas de determinados grupos sociais. Os que são apresentados a
seguir têm como similaridade a luta por Educação.
3.1 Recapitulação histórica de processos de educação não-formal.
Apresentamos a seguir um breve histórico de processos de ENF na América
Latina e no Brasil, salientando que nosso objetivo não é fazer uma discussão ampla
sobre a história de tais processos, antes sim, podermos contextualizar os recortes
históricos apresentados nesse trabalho.
Carlos Rodrigues Brandão (1995), no livro “Em campo aberto: escritos sobre
educação e cultura popular”, destaca três paradigmas da educação na história da
América Latina.
O primeiro atravessou todo o período da colonização européia, com a
catequização dos nativos, negros escravos e também, em segunda instância, da
pequena elite, caracterizando a gênese de nossa educação, aplicada pela Igreja
Católica, não só no Brasil como no restante da América Latina. (BRANDÃO, 1995,
p.12).
No segundo, destaca que a educação popular nasce com o processo de
independência de alguns países da América e ainda como reflexo da democracia
liberal na Europa, fato que impulsiona a sociedade, no período republicano, a
requerer seus direitos de cidadão e entre eles a oferta de educação a todas as
pessoas. Nesse período, houve várias campanhas e projetos de democratização da
educação. (Ibidem, p.13).
O terceiro paradigma nasce após o fim da 2ª Guerra Mundial, quando em
1943 é convocada a “primeira reunião interamericana de ministros da Educação”
com o objetivo de lançar ações que viessem a alfabetizar adultos analfabetos e semi-
analfabetos, fato que traria entre outros, a orientação da conduta moral e social bem
como capacitaria no âmbito profissional e técnico. Nesse período houve o
ressurgimento da alfabetização funcional, bem como a de adultos. (Ibidem, p.15).
Podemos dizer que nesse período a educação foi popularizada, mesmo que
não tivesse a priori o intuito de tornar a população mais cidadã e consciente
politicamente.
Somente a partir da década de 1950 foram revistas as estratégias
educacionais que trouxeram duas conseqüências: primeira, a educação de adultos
deixaria de ser projeto pedagógico de emergência para ser considerado como projeto
de trabalho comunitário; segunda, os projetos de “ação comunitária” passaram fazer
parte dos investimentos regionais e nacionais de estratégias e políticas de
investimento.
O marco para esse período foi a Conferência organizada pela UNESCO em
Santiago em 1962, sobre Educação e Desenvolvimento Econômico e Social que
desencadeou “um processo de expansão dos sistemas educativos que não tem
parâmetros na historia da humanidade” (Ibidem, p.16).
Nesse período, pré-ditadura militar no Brasil de 1964, emergem vários
movimentos sociais precursores de processos de ENF.
Apresentamos a seguir uma retrospectiva histórica para o conceito de ENF no
Brasil apoiado no artigo de Norinês P. Bahia: “Educação não-formal: evolução do
conceito” onde a autora apresenta uma síntese do uso do conceito nos diferentes
momentos históricos de forma bem resumida que nos irá ajudar compreender os
diferentes significados:
Em 1930, posteriormente a 1ª Guerra Mundial, o conceito foi usado para
designar a mobilização popular em favor da educação de adultos, após a
Revolução de 1930, surgem movimentos com essa significação;
Em 1945, o Estado amplia as redes de Ensino Supletivo para abarcar a
demanda elevada de analfabetos que era de 55% de adultos maiores de 18
anos;
1947, após 2ª Guerra Mundial, surge a campanha para a educação de
adolescentes e adultos, com intuito de preparar mão-de-obra alfabetizada no
campo e na cidade;
Em 1952, nasce a Campanha Nacional de educação Rural (CNER), para
despertar o “espírito comunitário” e minimizar as diferenças entre a cidade e o
campo;
Em 1960, surge o Movimento de Cultura Popular, para combater o
analfabetismo e promover a elevação do nível cultural;
De 1962-1964, é implantado o Plano Nacional de Alfabetização, idealizado por
Paulo Freire, visando principalmente à conscientização política da classe
popular;
Em 1967, surge o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), em
resposta ao método de Paulo Freire, pois nessa época por se tratar de um
regime Militar Ditatorial, foi “entendido” pelo Estado que esse último colocava
em risco a formação cristã e democrática do povo;
Finalmente nos anos de 1960 a 1970, ainda sob o militarismo começam a
ebolir os movimentos de alfabetização. (BAHIA, 2006).
Carla M. Araújo apresenta um breve histórico sobre educação não-formal no
Brasil a partir da década de 1980, quando o país passava pela redemocratização. No
livro “Pôr do sol, o fim de um projeto de educação não-formal”, ela afirma que os
primeiros espaços de educação não-formal surgiram na década de 1980, para
atender a crescente população de crianças e adolescentes suprindo as necessidades
das mães que por diferentes motivos ingressaram no mercado de trabalho. Nessa
mesma década começaram os questionamentos sobre o caráter assistencialista
destes tipos de projetos buscando respostas mais amplas às necessidades daquelas
populações. (ARAÚJO, 2002, p.108).
Ainda segundo essa autora, na década de 1990, uma mudança paradigmática
desviou o foco desses projetos em sua compreensão, afirmando que população
assistida nesses projetos apresentava carência financeira, mas não cultural, pois
traziam consigo seus saberes e idéias que representavam sua visão de mundo.
A pedagoga Margareth Park, pesquisadora do Centro de memória da
Unicamp, faz a seguinte afirmação:
A intenção dos projetos era inicialmente de suprir as faltas, era como se essas pessoas não tivessem nada e as entidades chegassem para oferecer tudo. Hoje trabalhamos primordialmente com as diversidades culturais e a soma de culturas e conhecimento, diferente daquela idéia de que „eu vou lá e me ofereço. (Ibidem, p. 109).
A seguir apresentamos alguns exemplos de movimentos sociais que de
formas distintas resultaram em processos de ENF, em sua pluralidade.
3.2 Movimentos sociais e educação não-formal no pré 1964.
No intuito de compreendermos, de forma mais ampla, os movimentos sociais
desse período, utilizamos a historiografia apresentada por Moacyr Góes no artigo
“Educação popular, Campanha de Pé no Chão também se aprende a Ler, Paulo
Freire & Movimentos Sociais Contemporâneos”.
Contexto externo: Revolução cubana e convocação do Concílio Vaticano II da
igreja católica (1959) que teve seus desdobramentos entre 1962 e 1965, a guerra fria
e a Aliança para o Progresso dos EUA com a América Latina a fim de conter a
Revolução cubana.
Contexto interno: grupo industrial torna-se hegemônico no poder na
década de 1960;
Surgem as ligas camponesas de Francisco Julião (1958);
O desenvolvimento capitalista acena para aceleração histórica de 50
anos em 5;
O nacionalismo denuncia a remessa de lucros para o exterior das
empresas estrangeiras;
O latifúndio questionado no campo;
O crescimento político sindical urbano e o movimento estudantil com a
Central Única dos Trabalhadores (CGT);
O Pacto de Unidade e Ação (PUA) e a União Nacional dos Estudantes
(UNE) que serviu como tribuna para defesa da escola pública;
A criação da Superintendência do Nordeste (SUDENE) abrindo
esperanças na região;
A frente de Recife (1958) que aliava comunistas, socialistas, católicos
de esquerda e liberais nas candidaturas de Arraes e Djalma Maranhão
para as prefeituras de Recife e Natal respectivamente.
Na questão educacional: em 1958 no II Congresso Nacional de educação de Adultos,
começa a ser encaminhado como seria o projeto de Educação Popular e no
Seminário Regional de Pernambuco, Paulo Freire é relator do tema: “A educação dos
adultos e as populações marginais: o problema dos mocambos”.
No referido congresso os pernambucanos propõem uma escola com o homem
e não para o homem, substituindo a aula expositiva pela discussão. “Esses são
alguns pórticos teóricos por onde passarão os movimentos populares dos anos 60 e
que construirão a Educação Popular”. (GÓES, 2001, p.417).
Conforme é apresentado por Gonh (1995) no livro “História dos Movimentos e
Lutas Sociais: A construção da cidadania dos brasileiros”, desde a década de 1930
até culminar no golpe de estado em 1964, existiram vários movimentos sociais.
Vamos aqui relacionar alguns, a partir da década de 1950, para darmos uma
ínfima idéia da representatividade de tais movimentos para na consolidação da
cidadania ativa.
1947-61 - Movimento por Reformas de Base na Educação: uma das
mais longas lutas pela educação no Brasil que reunia de um lado
intelectuais como Anísio Teixeira e Florestan Fernandes defendendo o
ensino gratuito e de outro lado, os defensores da escola particular sob a
alegação de liberdade de escolha. Culmina em uma lei geral e
abrangente para todo o sistema de ensino do país, com concessões
dos dois grupos;
1950 - Revolta de Porecatu, Paraná: movimento rural na luta pela
posse da terra envolvendo posseiros e grileiros. Um acordo político
atendeu as reivindicações dos posseiros;
1951-53 – Passeatas da Panela Vazia: cerca de 500 mil pessoas
participaram das passeatas em São Paulo e Rio de Janeiro que
culminou na greve de 300 mil trabalhadores em São Paulo, resultando
na afirmação do direito a greve.
1954-64 – Movimentos Sindicais Paralelos: abrigara a atuação das
siglas do PCB (Partido Comunista Brasileiro) e da CGT (Central Geral
dos Trabalhadores), fugindo do controle político do Ministério do
Trabalho;
1954-64 – Movimentos de Associações de Trabalhadores: luta por infra-
estrutura para os novos bairros que surgiam a todo instante, sendo
verdadeiras escolas políticas para seus integrantes;
1955 – Conflitos Agrários de Goiás: com o auxílio do Partido
Comunista, então ilegal, posseiros formaram uma associação que
conseguiu um acordo com o Estado para reconhecer seu direito de
propriedade de uma área de 10 mil km². Resistiram até 1964;
1955 – Movimento de Arrendatários de Santa Fé do Sul, SP: lutavam
contra ameaça de expulsão que durou mais de uma década;
1956 – Quebra-Quebra de bondes, RJ: protesto contra o aumento das
tarifas. Estudantes sentaram-se nos trilhos impedindo a circulação dos
bondes, a sede da Une foi ocupada durante a repressão;
1961 – Movimento de Educação de Base (MEB): Movimento voltado
para a educação popular de adultos. Foi desenvolvido em escolas
usando o rádio, o método de Paulo Freire tornou-se conhecido em
várias regiões do mundo;
1957-61 – Movimentos Estudantis: vários níveis e graus. A UNE se
tornou palco de intensas disputas políticas entre as alas de esquerda e
as alas ligadas à democracia cristã;
1960-61 – Movimentos pela Casa Própria, em várias capitais do país: e
êxodo rural desencadeou num grande déficit habitacional que estimulou
lutas em vários centros urbanos pelo direito a habitação digna;
1960-64 – Movimentos de Cultura Popular: Tiveram papel importante
como dinamizadores da área cultural com grande influencia em outros
movimentos sociais;
1961-64 – Movimentos Grevistas, em todo país: período que
apresentou um dos maiores níveis de greves na história do país.
(GONH, 1995, pp. 94-100).
Poderíamos acrescentar a essa lista mais uma quantidade expressiva de
movimentos sociais que foram significativos para a história do país, porém vamos
focar nosso objeto de estudo explorando os movimentos sociais resultantes em
processos de ENF, utilizando como exemplo, a frente de Recife.
Góes (2001) destaca quatro Movimentos de Educação Popular (MEP) no qual
ele considera como fundacionais:
1. O Movimento de Cultura Popular (MCP), criado em maio de 1960, sob o
patrocínio da prefeitura de Recife, com a sociedade civil autônoma;
2. A Campanha de Pé no Chão também se Aprende a Ler, criada pela prefeitura
de Natal em 1961;
3. O Movimento de Educação de Base, lançado pela Conferência Nacional dos
Bispos (CNBB) em convênio com o governo federal, em Março de 1961;
4. O Centro Popular de Cultura (CPC), fundado pela UNE em abril de 1961.
Todos esses MEPs têm como objetivo incluir a sociedade “num processo
educacional, social, político, econômico e cultural” (GÓES, 2001, p.417).
Esse autor destacou as especificidades de cada Movimento:
O MCP foi bastante diversificado, trabalhando com a pesquisa educacional, a
elaboração do método Paulo Freire, a alfabetização, o ensino fundamental, as praças
de cultura, a edição de textos e o teatro.
A Campanha De Pé no Chão, buscou erradicar o analfabetismo em Natal
estimulando atos culturais e folclóricos; assume a preparação do magistério
municipal com o seu Centro de Formação de Professores. Transpôs a idéia de
escola enquanto prédios escolares, ministrou aulas em acampamentos cobertos de
palhas de coqueiros sobre chão de barro batido multiplicando as oportunidades de
alfabetização, ainda promoveu praças de culturas e bibliotecas populares.
O MEB priorizou as classes camponesas através de redes de escolas
radiofônicas e participação na sindicalização rural promovida pelo clero e leigos
católicos.
O CPC cuidou da politização das questões sociais através, principalmente, do
teatro de caixotinho, da edição de livros, discos e filmes, tendo a alfabetização como
política secundária até a implantação do Plano Nacional de Alfabetização (PNA) com
a aplicação do método Paulo Freire (1963).
Em Setembro de 1963, no I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura
Popular, foram reunidas 44 organizações que estavam espalhadas pelo Brasil
desenvolvendo programas de alfabetização e cultura popular. ( Ibidem, p. 418).
Permitam-me nesse momento abrir umas “aspas” e relatar o quanto me
emociono ao entrar em contato com esses fatos, em perceber como a luta do povo
influencia nos passos históricos do país, somos, enquanto colaboradores no
exercício da cidadania ativa, “filhos da luta”.
Nessa pesquisa exploramos a “Campanha de Pé no Chão Também se
Aprende a Ler” por entendermos sua importância na efetivação da cidadania.
“Em 1960, em Natal, o discurso político nasceu de baixo para cima, a partir de
classes subalternas” (GÓES, 1980, p. 33). Djalma Maranhão, que teve sua
orientação política oriunda de uma militância de 16 anos no PC do B e posterior
filiação ao “cafeísmo”, então candidato à prefeitura de Natal, construiu seu plano de
governo junto a representantes populares (Ibidem, p. 16). Como funcionou?
Havia Comitês, Comitê Nacionalista era o nome (agrupamento de homens e
mulheres em número variável, desburocratizado que se reuniam em alguma casa
para suas reuniões), principalmente em bairros periféricos que discutiam sobre
problemas da população brasileira (o latifúndio, o imperialismo, a dependência
econômica, a SUDENE, o colonialismo cultural). A equipe política de Djalma
Maranhão freqüentava esses comitês e de lá recebiam as mais diversas
reivindicações populares que relatavam problemas como a falta de água, escolas,
hospitais, empregos, transporte e garantia de direitos, entre outros. Durante toda a
campanha eleitoral aconteceram esses encontros
Quando, no final da campanha, os 240 comitês se reúnem, setorialmente, em Convenções de Bairros, discutem e aprovam o programa político-administrativo do futuro prefeito (Ibidem, p. 33).
O resultado de tal estratégia culminou na vitória de Djalma Maranhão como
resposta aos anseios populares. Assim logo no início de seu governo, Djalma
Maranhão definiu como prioridade a Educação e a Cultura.
Como não seria diferente, faltavam verbas para colocar os planos políticos em
prática. Foi então que, de volta as rocas, em um Comitê Nacionalista, quando a
equipe política expunha suas dificuldades para construir escolas alguém disse:
“Faça uma escola de palha!” (Ibidem, p. 35).
E assim daquela discussão nasceu o que seria nomeado posteriormente de
“Campanha de Pé no Chão Também se Aprende a Ler”, pois as “escolas” foram
construídas em galpões cobertos de palha, abertos para aproveitar a claridade solar,
com “chão batido”, em terrenos da prefeitura. (Ibidem, p.36).
Para não delongarmos nossa descrição, mesmo que seja enriquecedora,
relacionamos a seguir algumas das atividades desenvolvidas pelo De Pé no Chão:
1)o ensino fundamental até a quarta série, nos Acampamentos; 2)as Praças de Cultura (proposta bebida do MCP); 3)as bibliotecas populares; 4)os círculos de leitura nos Acampamentos; 5)os círculos de Cultura Paulo Freire; 6)os programas radiofônicos diários; 7) o
teatro; 8)coral; 9)os jograis; 10) as edições de cartilhas para cartilhas adultos e literatura de cordel; 11) a mobilização dos grupos de representação de autos populares, cantos e danças folclóricas. (GÓES, 2001, p. 421).
Ainda outros projetos da Prefeitura de Natal já estavam definidos, mas não
foram implementados por conta do Golpe de Estado de 1964. São eles: quatro
Casas de Parto para prestação assistencial materno-infantil, a Cooperativa da
Campanha de Pé no Chão Também se Aprende uma Profissão que se propunha a
vender a produção de alunos e viabilizar uma modalidade de ensino auto-
sustentável; a fundação de Frente de Educação Popular do Rio Grande do Norte
com 40 prefeitos que tinham assinado convênios com a prefeitura de Natal, em
Março de 1964. (Ibidem, p.421).
Todos os avanços conquistados em Natal nesse período tiveram participação
ativa da população através de suas representações. Os movimentos sociais através
de suas lutas, expressaram suas demandas e a Campanha de Pé no Chão Também
se Aprende a Ler é um exemplo histórico de conquista por direitos promovendo a
cidadania.
3.3 Movimentos sociais e Educação não-formal na redemocratização.
Iniciamos nossa discussão sobre os novos movimentos sociais que emergiram
no final da década de 1970 até meados de 1990 com a citação de Paoli (2003):
Tais movimentos abriram um caminho inédito de ação e pensamento para a sociedade brasileira, ao colocar as esferas mudas e invisíveis da subjetividade popular na luta por outra noção de cidadania e direitos, na construção de um novo conceito de equidade social, a ser conseguido pela sua transformação em assunto público da sociedade. (PAOLI, 2003, p. 180).
Ainda segunda a autora, nesse período, os novos movimentos sociais
apropriam em suas lutas conceitos como: identidade, cidadania, justiça, direito de
igualdade/diferença e acesso participativo, que resignificaram os antigos movimentos
sociais, tais como os das mulheres, dos negros, do sindicalismo, do movimento
operário, entre outros. (Ibidem, p.181-184).
Esses novos movimentos vão atuar em uma sociedade
Que vem se modificando muito rapidamente, tornando-se cada vez mais complexa, heterogênea, diferenciada, com novas clivagens surgindo e cruzando transversalmente a estrutura de classe, desfazendo identidades tradicionais e criando outras tantas, gerando uma pluralidade de interesses e demandas nem sempre convergentes, quando não conflitantes e excludentes. (TELLES, 2003, p. 94).
É nesse cenário que vão atuar os novos movimentos sociais, e por ser assim,
que eles se diferenciam em abordagens e aspectos, não perdendo de vista a luta por
suas demandas, que é a principal característica de tais movimentos.
O período de 1975 a 1982 foi um dos mais significativos na história do país no
que diz respeito às lutas, movimentos e projetos. Época em que o militarismo
perdera sua legitimidade junto a sociedade desde a crise do petróleo de 1973. As
eleições de 1974 com a vitória do MDB foram um reflexo da vontade popular. A
oposição unida propiciou novas frentes de lutas e havia uma crença popular de que
suas lutas poderiam mudar os rumos da história do país. As populações das
periferias deixaram de estar na penumbra para se tornarem atores históricos para a
transformação social. (GONH, 1995).
A seguir listamos alguns movimentos sociais significativos na construção da
redemocratização do Brasil:
1975 – Movimentos pela redemocratização do país: reestruturação dos
grupos desarticulados pelo golpe militar de 1964. MBD e algumas alas do
clero católicos foram fundamentais para incentivar grupos a lutarem por
mudanças;
1975 - Criação da Comissão Pastoral da Terra (CPT): o movimento foi
fundamental para articulação e desenvolvimento de inúmeros movimentos
sociais no campo desde o final da década de 70 e ao longo dos anos 80;
1975 – Lançamento de vários Movimentos Feministas: unidos a sindicatos
e a líderes feministas que já haviam militado no exterior;
1976 – Movimento sindical: desde 1974 na região do ABC paulista, eles
retomaram suas lutas, não mais pelegos, agora com força própria,
utilizando dados como o do DIEESE (Departamento Intersindical de
Estudos e Estatísticas Sociais e Econômicas). Aparecem personagens que
figurariam nas próximas décadas da historia do país, como é o caso do
atual presidente, Luis Inácio Lula da Silva;
1977 – Movimento estudantil: O ME ressurgiu no bojo das lutas pela
redemocratização do país, a PUC-SP foi palco de repressão a estudantes;
1978 – Grandes Greves: de diversas categorias socioeconômicas
assolaram o país a partir dessa data;
1979 – Criação do Movimento dos Sem-Terras: o movimento tem sua
gênese em Santa Catarina, tomando conotação nacional na década de 80
tornando-se forte representação política até hoje;
1980 – Protesto Indígena: na visita do Papa João Paulo II ao Brasil o índio
guarani Marçal de Souza leu um manifesto de protestos ao Papa;
1980 – Movimento Assembléia do Povo: em Campinas – SP, esse
movimento articulado com a Igreja Católica, foi um dos primeiros a
desenvolver negociações com o poder público executivo e legislativo;
1984 – Movimento Diretas-Já: Milhares de pessoas se mobilizaram e
compareceram às passeatas e aos comícios organizados por comissões
suprapartidárias que objetivaram restabelecer a democracia através de
eleições diretas para Presidência da República;
1985/88 – Movimento pela constituinte: mobilizou movimentos populares,
porém com maior expressão das elites, como a origem da União
Democrática Ruralista (UDR), por exemplo. A da promulgação da
Constituição demarcou várias conquistas sociais que se tornaram
bandeiras de movimentos sociais.
A partir de 1990 surgiram novas formas de organizações populares, mais
institucionalizadas, fóruns nacionais de luta pela moradia, reforma urbana,
participação popular. Experiências como o Orçamento Participativo (OP), a criação
de uma Central dos Movimentos Populares, luta por categorias profissionais no
trabalho informal, como os chamados transportes alternativos, novas frentes no
movimento feminino, movimento dos homossexuais, movimento afro-brasileiro que
iniciou um processo de construção de identidade, são alguns dos exemplos. (GONH,
2003).
Evelina Dagnino dedicou o capítulo “Uma nova noção de cidadania” do livro
“Anos 90 Política e Sociedade no Brasil”, problematizando sobre a nova cidadania da
década de 1990, contribuindo para aumentarmos nossa reflexão sobre a cidadania
ativa.
Segundo ela existe uma diferença conceitual entre a cidadania do inicio no
liberalismo no Brasil, para nova cidadania exercida após a redemocratização do país,
enumerando algumas diferenças:
1. A mudança na concepção de direitos, compreendendo o direito a terem
direitos. Inovando os direitos às lutas específicas e práticas concretas.
Direito à autonomia do corpo, a proteção ambiental, a moradia, a igualdade
entre as pessoas e também a diferença;
2. A nova cidadania requer sujeitos sociais ativos, definindo seus direitos e
lutando pelo seu reconhecimento em oposição a via prussiana;
3. Uma nova proposta de sociabilidade, atingindo um desenho mais
igualitário nas relações sociais em todos os níveis. Maior simultaneidade
da conquista de direitos civis, políticos e sociais;
4. Transcede a relação recíproca indivíduo / Estado e inclui uma forte relação
com a sociedade civil, que se constitui de sujeitos ativos que não se
aquietam por ter apenas o reconhecimento de seus direitos, mas pela
efetivação e constante recriação dos mesmos;
5. A nova cidadania suprime a idéia de ter simplesmente acesso e inclusão
no sistema político, para a participação ativa na gestão de políticas
públicas como é o caso das experiências de Conselhos Populares e
Orçamento Participativo, a exemplo da bem-sucedida gestão de Olívio
Dutra e Tarso Genro em Porto Alegre, onde os Conselhos Regionais e as
Plenárias Populares decidiam as prioridades de investimentos da
Prefeitura;
6. Este último item se refere a complementação dos demais, pois a nova
cidadania se apresenta como referencia para interpretação de questões
emergentes que vão da igualdade à diferença, da saúde aos meios de
comunicação em massa, do racismo ao aborto, do cuidar do ambiente à
moradia. (DAGININO, 1994).
É nesse contexto histórico que surgem novos processos de ENF, agora não
mais exclusivamente de movimentos sociais, mas de vários setores dessa sociedade
complexa, com projetos políticos diferenciados que não podem ser interpretados
somente à luz das lutas sociais que resultaram na cidadania ativa ou da nova
cidadania.
Refiro-me aqui à filantropia empresarial, que usam ações sociais, como os
projetos de ENF, para promover marketing de seus produtos ou serviços.
Mas tantos outros projetos de ENF sugiram, como é o caso da Fundação Gol
de Letra, reconhecida em 2001 pela UNESCO como modelo mundial no apoio às
crianças em situação de vulnerabilidade social (FUNDAÇÃO GOL DE LETRA, 2007,
p. 02).
Acrescentamos ainda o exemplo apresentado no GT 06- Educação e
Sociedade pelos sociólogos Denise H. P. Laranjeira, Sylvain Bourdon e Ana F.
Teixeira cujo artigo é intitulado de: “Jovens no subúrbio de Salvador: educação não-
formal e inserção sócio-profissional”.
Nesse artigo os autores apresentam a pesquisa realizada na Associação de
Moradores fundada em 1977 em um bairro periférico constituído como Vila Operária
na segunda metade do século XIX, que é estigmatizado pela pobreza, pela
precariedade do emprego seja por falta ou pelo seu caráter informal. Acrescenta-se a
essa realidade toda a situação caótica dos grandes centros em relação aos pobres
que vivem em tais condições.
Entre as desilusões vividas e expressadas em depoimentos no referido artigo,
as críticas dos jovens à educação formal, relatando que ela se mostra ineficiente em
atender suas expectativas em relação a inserção na sociedade adulta e no mercado
de trabalho, evidencia a importância dos projetos de ENF desenvolvidos na
Associação de Moradores onde os entrevistados que freqüentaram tais oficinas,
referiram que a ENF ocupava espaço singular na trajetória de suas vidas.
(LARANJEIRA; BOURDON; TEIXEIRA, 2006).
Outro exemplo aqui explorado foi apresentado no Congresso Internacional de
Pedagogia Social, em 2006, no artigo: “O circo social e a possibilidade de construção
de uma nova prática educativa para classes populares: um relato de uma experiência
das percepções e vivências de educadores socias”, de Ana Paula Hassan.
Hassan apresenta a prática realizada no projeto Dando Bola Pra Vida que se
estrutura em cinco eixos: crianças e adolescentes, famílias e comunidade, redes e
políticas públicas, formação continuada para educadores sociais e pesquisa-ação.
Utilizando a metodologia do circo social o projeto trabalha com as crianças na
reflexão das atividades lá desenvolvidas com os desafios da vida cotidiana. Assim
quando os educandos superam os desafios de dar saltos, piruetas, e cambalhotas,
não superam somente a lei da gravidade, mas de maneira análoga, que possam
também superar os desafios da vida.
Essa prática reflexiva se torna importante estratégia pedagógica onde no
desenvolvimento de práticas de teatro e circense, as diferentes culturas e lógicas se
encontram e a partir daí as crianças e adolescentes se fazem críticos e criativos,
firmam sua diferença de pensar, de dizer, de ler e escrever o mundo participando
como sujeitos ativos de sua transformação. (HASSAN, 2006).
Poderíamos explorar mais uma grande quantidade de exemplos de processos
de ENF que emergiram no processo de redemocratização, porém daremos
visibilidade àqueles oriundos de Movimentos Sociais como foi proposto
anteriormente.
Para isso exploramos o caso apresentado por Viviane Melo de Mendonça
Magro no artigo “Adolescentes como autores de si próprios: Cotidiano Educação e
Hip Hop”. Segundo a autora o movimento está em crescimento progressivo nas
periferias, sendo desenvolvidos principalmente por jovens negros, transformando
para muitos, o lazer em forma de luta e resistência.
O Hip Hop é um movimento de cultura juvenil que surgiu nos Estados Unidos
na década de 1960, que uniu práticas culturais dos jovens negros e latino-
americanos nos guetos e ruas dos grandes centros urbanos.
Esse movimento se apropriou do Rap (Rhythm and poetry), que traduzindo da
língua inglesa é: ritmo e poesia. Um ritmo musical de canto falado, da África
ocidental, adaptado à musica jamaicana na década de 1950 e influenciado pela
cultura negra nos guetos estadunidenses no período pós-guerra. As letras são de
denúncia da exclusão cultural e social, da violência institucional e discriminação
racial.
O processo educativo não-formal que acontece no Hip Hop se manifesta na
criação de novos espaços de atuação de jovens negros no Brasil, construindo uma
nova visão sobre os adolescentes que não enfatize suas desqualificações, antes sim,
que os reconheça como protagonistas de ações propositivas contribuindo para
soluções de problemas em uma sociedade complexa.
As propostas pedagógicas rompem com o paradigma da modernidade em que
os adultos são os únicos educadores responsáveis pela manutenção do sistema
social. (MAGRO,2002).
Podem se organizar em redes, utilizando os meios de comunicação como a
Internet, é o caso do Movimento Enraizados, que criado em 1999 no Rio de Janeiro
que através de grupos Rappers alcança os estados de São Paulo, Mato Grosso do
Sul e Paraíba. Dentre as várias ações desenvolvidas por esse movimento social,
destacamos a seguir as fotos da passeata por ele organizada na luta contra a
Dengue, salientando que suas ações transpõem em muito as questões de
desigualdades, sendo campo promissor de ENF alcançando pessoas que a
educação formal não alcançaria.
Re-Ação – saúde: respeite-se em 29/11/2008.
Foto 01
Foto 02
Foto 03
Fonte: http://www.rede.enraizados.com.br/?p=21#comment-394 acesso em 29/11/2008
Outro exemplo de espaços de ENF proporcionados pelos movimentos Hip Hop
acontecem nas Posses.
Magro (2002) cita a fala de Marcelinho, fundador da Posse Negroatividade, de
Santo André, em entrevista à revista Caros Amigos (ed. Especial nº03, 1998)
explicando a origem das Posses:
Na periferia, todos se encontram na rua, nos bailes, e a posse surge daí, reunindo dois ou três grupos de Rap. É um jeito de trocar idéia sobre música, arte e problemas da periferia, de estudar nossas origens – a afro-descendência -, que a escola não ensina. Também é nossa união para lutar por espaço na sociedade, exigir locais para nossos ensaios e apresentações. (Magro, 2002 apud rev. Caros Amigos, 1998).
Essa é a voz do agente social explicando sobre si mesmo, característica da
nova cidadania, em que os próprios sujeitos sociais podem expressar suas origens,
anseios e lutas.
Ainda segundo essa autora, as Posses dos movimentos Hip Hop se
caracterizam como processo de ENF por terem explicitamente um objetivo ao reunir
adolescentes da periferia para uma ação coletiva voltada para a conscientização
política, aprendizagem de conteúdos tratados superficialmente na educação formal e
para a construção artística cultural.
Uma evidência da força pedagógica do movimento Hip Hop se deu no
município de São Paulo, onde uma parceria com a administração pública popular
culminou no Projeto “Rap...ensando a Educação” no início dos anos 90. A parceria
com as escolas públicas municipais proporcionou o desenvolvimento de ENF no
interior de um espaço de Educação Formal (EF), emergindo ali debates sobre
questões pertinentes a realidade social e cultural vivida pelas crianças e
adolescentes que ali freqüentavam proporcionando uma visão mais crítica do mundo
que os rodeia. (Ibidem, 2002).
Outro exemplo de luta de movimentos sociais se dá no meio campesino, onde
a luta pelo direito a educação, é relatado por Claudemiro Godoy do Nascimento no
artigo “Pedagogia da resistência cultural: um pensar a educação a partir da realidade
campesina”:
Assim como outras formas de resistência cultural existentes no meio rural brasileiro, as mais de duzentas EFAs espalhadas pelo Brasil (entre elas a EFA de Goiás) caminham na contramão da história de educação dominante. (NASCIMENTO, 2003).
A Escola Família Agrícola (EFA), é um centro de aprendizagem freqüentada
por camponeses, que faz uso da Pedagogia da Alternância.
A Pedagogia da Alternância surgiu na França em 1935, quando um padre se
comoveu com as necessidades dos camponeses elaborando um programa educativo
que alternava os dias em que o educando ficava na propriedade rural com os dias
que permaneceria no centro pedagógico imbricando assim “o universo do trabalho,
da família, da comunidade, da prática, dos costumes, da realidade, do ethos e da
moral local com o universo do conhecimento, da ciência, da teoria”. ( Ibidem, 2003).
No Brasil, a Pedagogia da Alternância surge em 1969 no estado do Espírito
Santo e já se espalhou por 18 estados brasileiros atingindo o número de mais de 200
Centros Educativos em Alternância, divididos em Escola Família Agrícola (EFA),
Casa Familiar Rural (CFR), e Escola Comunitária Rural (ECR).Têm organização
nacional através da União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas no Brasil
(UNEFAB), com sede em Brasília, e internacional, Associação Internacional das
Escolas Famílias Agrícolas (AIMFR), com sede na França. (Góes, 2005, p.49).
Dentre os três modelos de Centros Familiares de Formação por Alternância
(CEFFA), existem algumas singularidades que serão apresentadas a seguir:
EFAs: prioriza a educação escolar dos educandos a partir de regime
regularizado pelas Secretarias Estaduais de Educação, com ênfase no Ensino
Fundamental, Médio e formação técnica em Agropecuária;
CFRs: busca a formação técnica do educando, a diferença com a EFA
repousa no fato de que o aluno pode permanecer até duas semanas na
escola, por isso o nome, Casa Famíliar Rural;
ECRs: mais localizadas ao norte do Espírito Santo e Bahia. Possuem as
mesmas características metodológicas das EFAs, porém são formados por
grupos autônomos de movimentos sociais e eclesiais que pressionam o
governo local para que a Pedagogia da Alternância possa ser reconhecida
como experiência válida.
Ainda segundo Góes, o artigo 28 da LBD limita a educação aos muros
escolares, assim sendo, os que não participam desse processo são considerados
deseducados. Como aconteceu no passado, na catequização, em que os valores
europeus eram impostos aos nativos, os ruralistas se quiserem participar do
processo educacional oficial, devem ser levados à cidade a fim de receberem a
educação que traz consigo os pressupostos urbanos, distantes da realidade rural.
Dentre algumas pesquisadas podemos relatar a Escola Família Agrícola de
Porto Nacional – TO, que nasceu através de uma ONG, utilizando o método Paulo
Freire de alfabetização (Negy Muta, 2003); a EFAGO e EFA Orizona,1992 e 1998
respectivamente atendendo a assentados e pequenos agricultores. (Nascimento,
2003) e EFA Vinhático em Minas Gerais (Silva, 2001).
Encerramos esse capítulo, certos de que existe um vasto campo de pesquisa
nessa temática que por se tratar de um Trabalho de Conclusão de Curso, não
conseguimos abordar, nem por isso, desmerecemos os mais variados exemplos de
movimentos sociais não citados nessa pesquisa.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
Quando iniciei esta pesquisa, como é muito comum acontecer a um
pesquisador inexperiente, achei que poderia dar conta de inúmeras questões sobre
educação não-formal (ENF). Porém no empirismo descobri que minha contribuição
seria ínfima dentro do universo a ser pesquisado.
Esse fato não torna esse trabalho irrelevante, ao contrario, suscita em mim a
vontade de empreender novas pesquisas, entendendo hoje, que as pesquisas nas
ciências humanas não se esgotam, pois parafraseando Rui Barbosa: o homem não é
uma estante de conhecimento, e sim transformador reflexivo de aquisições digeridas.
Logo, a sociedade se transforma constantemente e novas leituras sobre velhas e
novas questões se tornam em campo farto para pesquisas sociais.
O transformar vem da reflexão, e esse foi o objetivo dessa pesquisa, a
reflexão sobre os movimentos sociais que de alguma forma deram início a processos
de ENF que contribuíram e ainda contribuem para o exercício da cidadania ativa.
Podemos perceber ao longo da pesquisa que os movimentos sociais sempre
estiveram presentes na história do Brasil, mesmo que seu destaque tenha ficado à
margem da história oficial.
Observamos ainda que a lacuna deixada pela Educação Formal seja pela
incapacidade da gestão pública, seja pela reprodução de interesses da classe
hegemônica, ou qualquer outro motivo, dentre tantos, abriu precedente histórico para
o início da ENF e hoje ela é um fenômeno de importância na sociedade brasileira.
Contemplamos também que a cidadania tem sua história constituída em lutas
sociais. Muitos foram os embates para que os sujeitos sociais pudessem em alguns
lugares vir a usufruir a “nova cidadania” ou a “cidadania ativa”. (Dagnino, 1994; Paoli,
2003).
No período pré-ditadura (1964) os processos de ENF eram caracterizados
principalmente pelos Movimentos de Educação Popular, eles foram significativos e
colaboraram para mudanças na história do Brasil por despertar a criticidade no
cidadão, esse fato, devemos em grande proporção ao memorável educador Paulo
Freire.
Hoje os processos de ENF são heterogêneos, como a própria sociedade,
porém, sobretudo aqueles que tem sua gênese nos movimentos sociais, continuam a
promover a cidadania.
A força dos movimentos sociais colaborou para que os muros do
associativismo e privativismo hegemônico fossem carcomidos e a sociedade
brasileira passou a viver em uma nova instância de cidadania, ativa, de novos
propósitos, de velhas lutas, com novas vitórias.
Gostaria de encerrar meu trabalho assim, com uma ode à vitória cidadã e a
igualdade entre os homens pregada por Jesus Cristo. No entanto, sabemos que a
conquista dos direitos só se estabelece nas lutas sociais.
Para finalizar, faço de Góes as minhas palavras atualizando a reflexão para os
novos movimentos sociais:
Se o padre Teillard de Chardin, como já disse antes, ensinou que “o homem é um ser inconcluso” – que dizer da minha pretensão de querer tirar conclusão nesta fala? Aliás, graças a Deus, ela continuará inconclusa: uma prova de que está viva e que há muito chão pela frente para caminhar. Em Educação Popular brasileira, a semente está aqui no Recife, plantada nos anos 60. A tarefa, daí em diante, é atualizar o discurso ao novo contexto histórico e tocar pra frente. No Brasil, como, aliás, em todo o mundo, inconclusa está a História, e aí por conseqüência, o processo educativo, a questão social, a democracia sem adjetivos, o acesso aos bens materiais e culturais, a globalização neo-liberal que é o novo nome do velho imperialismo e da denúncia do homem lobo do homem. Neta leitura não cabe a teoria “fim da história” de Fukuyama.(GÓES, 2001, p.432).
Relembrando as palavras de Paulo Freire, que o homem é um animal
inacabado, ao finalizar este trabalho, humildemente o apresento como uma pequena
contribuição para àqueles que por intermédio dele, possam criar ou recriar em si o
estímulo para práticas educativas que resultem no exercício da cidadania ativa,
conforme afirmou Gonh no livro “Movimentos sociais e educação”:
Os movimentos sociais populares são frutos de idéias e práticas. As práticas fluem e refluem. As idéias persistem, e se transformam agregando elementos novos, ou negando velhos, segundo a conjuntura dos tempos históricos. (GONH,1994).
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