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1 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIENCIAS HUMANAS GIVERAGE ALVES DO AMARAL MUDANÇAS AMBIENTAIS, PERCEPÇÕES DE RISCO E ESTRATÉGIA DE ADAPTAÇÃO AOS EVENTOS EXTREMOS EM MOÇAMBIQUE: ESTUDO DE CASO EM MACHANGA CAMPINAS 2018

MUDANÇAS AMBIENTAIS, PERCEPÇÕES DE RISCO E …repositorio.unicamp.br › jspui › bitstream › REPOSIP › ... · concentração “Aspectos sociais de sustentabilidade e conservação”

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIENCIAS HUMANAS

GIVERAGE ALVES DO AMARAL

MUDANÇAS AMBIENTAIS, PERCEPÇÕES DE RISCO E

ESTRATÉGIA DE ADAPTAÇÃO AOS EVENTOS

EXTREMOS EM MOÇAMBIQUE:

ESTUDO DE CASO EM MACHANGA

CAMPINAS

2018

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GIVERAGE ALVES DO AMARAL

MUDANÇAS AMBIENTAIS, PERCEPÇÕES DE RISCO E

ESTRATÉGIA DE ADAPTAÇÂO AOS EVENTOS

EXTREMOS EM MOÇAMBIQUE:

ESTUDO DE CASO EM MACHANGA

Tese apresentada ao Instituto de Filosofia e

Ciências Humanas da Universidade Estadual de

Campinas (NEPAM/IFCH/UNICAMP) como parte

dos requisitos exigidos para a obtenção do título de

Doutor em Ambiente e sociedade na área de

concentração “Aspectos sociais de sustentabilidade

e conservação”.

Orientadora: Prof. Dra. LEILA DA COSTA FERREIRA

Co-Orientador: Prof. Dr. JURANDIR ZULLO JÙNIOR

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO

FINAL DA TESE DEFENDIDA PELO

ALUNO GIVERAGE ALVES DO AMARAL,

E ORIENTADA PELA PROFESSORA

DRA. LEILA DA COSTA FERREIRA.

CAMPINAS

2018

3

4

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de tese de Doutorado, composta pelos

Professores Doutores a seguir descrito, em sessão pública realizada em 25 de Maio de

2018, considerou o candidato Giverage Alves do Amaral aprovado.

Banca examinadora:

Profa. Dra. Leila da Costa Ferreira (Orientadora)

Prof. Dr. Severino Elias Ngoenha

Prof. Dra. Gabriela Marques Di Giulio

Dra Juliana Sampaio Farinaci

Dr. Ramon Felipe Bicudo da Silva

A ata de defesa, assinada pelos meros da comissão examinadora, consta o processo de

vida acadêmica do aluno.

5

Ao Francisco Alves do Amaral, meu

querido pai (In Memória: 1937- 2018).

Muito obrigado por me ter dado e ensinado

a arte da vida. Descanse em paz meu herói.

&

A todas as vítimas sociais das intempéries

naturais em Moçambique e no Mundo. A

luta continua.

6

AGRADECIMENTOS

Nessa arte de viver a vida dia-após-dia, muitas relações são criadas, muitas situações

são vividas conjuntamente. A grande lição deste doutoramento para mim foi entender na

prática que ninguém vive ou sobrevive sozinho. Lá se foram 04 anos de minha vida, o

tempo passou rápido, resta-me agradecer por estes anos que considero bem vividos.

Em primeiro lugar, o meu muito obrigado aos Deuses, aos orixás e aos grandes e

fortes antepassados meus, afinal, no momento dos apuros foi a vós que recorri em oração,

implorando por inspiração e milagres. Muito Obrigado.

Descendo a terra, cabe informar ao leitor que meus agradecimentos são

transnacionais, cruzam oceanos e mares, muitas terras e culturas distintas. Principiando

pelo Brasil, lanço meu especialíssimo agradecimento ao Povo brasileiro, por ter

permitido que parte do vosso “suor” fosse usado pelo CNPq e pelo vosso Governo para

financiar este estudo. Vocês me acolheram em vossas terras e me deram esta chance de

conhecer mais e crescer academicamente. Existirá generosidade maior? Muito obrigado.

Agradeço a estimada Professora Doutora Leila da Costa Ferreira por ter acreditado

em mim e aceitado este desafio de me acompanhar na via cruxis do vir a ser Doutor.

Chegamos a bom termo neste sonho. Obrigado pela paciência e solicitude na orientação,

obrigado pela compreensão em todos os momentos, obrigado pela excelência humana

demonstrada ao longo de todo este processo de formação, procurando sempre o meu

melhor. Muito obrigado.

Agradeço de modo especial ao Professor Doutor Brasilmar Ferreira Nunes (in

memória), nunca hesitou em qualquer que fosse minha aspiração acadêmica, foi a tua

atitude que abriu esta possibilidade incrível para mim. Donde estiveres, agradeço por

teres cruzado meu caminho pela terra. Muito obrigado. Ao ilustríssimo “doutor”

Waldinei Araújo (foi assim que comecei por chamar-te, risos), por ser a chave que abre

as mil portas e resolve os mil e um problemas, e pela amizade inestimável que

demonstraste para mim e para com todos os estudantes do NEPAM, sem tua ajuda os

primeiros meses na UNICAMP seriam um autêntico “Perdidos em Nárnia”. Muito

obrigado.

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A todos os funcionários do NEPAM: Neuza Trevizan, Débora Ruiz, Diego, Adreilde

de Souza, Glenda, Eduardo Ferreira, Mayara Silva, Dona Maria. A todos os Professores

do Programa de Doutorado em Ambiente e Sociedade, melhor do Núcleo sois vós, o

prestígio que o NEPAM carrega é por vosso esforço e dedicação. Particularmente

agradeço a professora Doutora Simone Aparecida e ao professor Doutor Carlos Joly, por

me proporcionar a experiência da imersão, um momento rico de aprendizado. Agradeço

especialmente a pesquisadora Juliana Farinaci pelos conselhos e amizade, a professora

Dra. Gabriela Di Giulio e ao Dr. Ramon Bicudo, pelas valiosas análises na pré-banca.

Aos meus caríssimos colegas de trincheiras, discentes destemidos: Isabela Barbosa

Frederico; Alice Ramos de Moraes; Miquéias Freitas Calvi; Aline Lopes e Lima;

Yasmin Grummt Naddaf; Mayara Roberta Martins; Ilunilson dos Santos Paquete

Fernandes (PEC-PG ); Izidro Justino Muhale (PEC-PG), agradeço pelo convívio, pelo

suporte e pela generosidade em compartilhar vossos conhecimentos comigo.

Muito obrigado aos alunos que, de modo geral, lutam por maiores oportunidades na

Unicamp, particularmente os negros, temos de nos fortalecer todos os dias, o dia todo.

Como não cabem todos aqui nominalmente, sintam-se representados: na pessoa do meu

amigo-irmão forrozeiro Eugênio O´Rosa, que sempre me acolheu em sua casa quando

me faltaram teto e afeto por terras baronesas;.

Um obrigado muito a Eva-Maria Roessler pelo apoio, pelas conversas e pelo livro

original do A. Schütz (raridade na lusofonia). Ao Leonardo Viera pelas enumeras

viagens de avião pagas por teu suor, a Kuka (Mãe do Leo) e a toda sua família, pelas

acolhidas incondicionais e festivas, sempre fizeram de vossa casa o meu porto seguro em

São Paulo. Obrigado as minhas fies amigas: Natália S. Marpica, Rebeca Morais; Inácia

Rita Santana, pelas incríveis e indispensáveis ajudas; E aos meus brilhantes irmãos

Karamazov: Luiz Sousa e Estevão Bosco.

Creio ter chegado a hora de pular para o lado do mundo, ao oceano Índico, a

começar pelo continente asiático para dizer um forte e caloroso obrigado aos gloriosos

estudantes de Timor Leste. Vocês sempre foram a minha família no Rio de Janeiro:

Gringo, Carvarino e Hórcia, Amau, Jonas, Letícia, Marques, Octávio, Avelino, Relíquia

e todos outros que tive oportunidade de conhecer. Convosco aprendi o desapego e a

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partilha, dar sem esperar receber, o que vocês fizeram por mim não tem preço. Seguirei

muito grato a vocês pelo vosso sacrifício.

Já nas minhas origens afro-centradas, começo por agradecer ao pelo Sr. Joaquim e

sua família (principalmente a menina Cleidy, minha pequena professora da língua Ndau:

Mamuka!), que me acolheram em sua casa, Sem vocês o trabalho de campo em

Machanga teria sido muito mais doloroso. Então, este trabalho é muito nosso.

A todos entrevistados de modo geral, pelas informações disponibilizadas e pela

abertura de coração, de mente e de subjetividades e por largarem seus afazeres para

atender as atividades de pesquisa. Agradeço aos funcionários das diferentes repartições

públicas do país, o INAM, o MITADER, ao INGC, aos Comitês de Gestão de

calamidades de Machanga, por terem viabilizado o meu acesso à informação e aos

informantes através de seus pontos focais. Agradeço de modo especial aos Membros do

Governo Distrital de Machanga, começando por sua Excelência Administrador do

Distrito Sr. Tomé José e todos seus diretores distritais, Chefes dos Postos-

administrativos, à Rainha de Chiloane pela acolhida em sua terra, aos Líderes

comunitários (todos os escalões), aos curandeiros e aos pastores religiosos.

Agradecimento especialíssimo ao Professor Doutor Severino Elias Ngoenha, pelas

conversas e conselhos durante a realização do campo em Moçambique. Por seguir sendo

meu espelho de charme e humildade intelectual e pelo apoio contínuo e incondicional

nesta minha aventura pelo conhecimento.

Agradeço aos meus irmãos pela paciência. Espero que vosso sacrifício em aguardar

pela minha formação seja recompensado. Obrigado exclusivíssimo às mães de meus

pupilos. Tenho certeza que este trabalho de pesquisa jamais chegaria a bom porto sem o

vosso sacrifício diário na gestão da ausência paterna. Muito obrigado.

Assim convicto de ter cantado o máximo de hozanas possíveis para todos aqueles

que de forma direta ou indireta contribuíram para este trabalho, quero, por fim, dizer um

obrigado especial e muito particular à Ivone Luis Moiana, minha mãe, por me teres feito

sonhar o teu sonho de ter um filho Doutor.

Eis-me aqui.

9

`` (…), viajo pela savana do meu país.

Nessas regiões encontro gente que não sabe ler livros.

Mas que sabe ler o mundo.

Nesse universo de outros saberes sou eu o analfabeto.

Nessas visitas que faço à savana, vou aprendendo sensibilidades que me ajudam a sair de

mim e a afastar-me das minhas certezas.

Nesse território, eu não tenho apenas sonhos.

Eu sou sonhável. ´´

(Mia Couto em: E se Obama fosse africano?)

10

RESUMO

Esta pesquisa procurou compreender a relação entre as percepções de risco

ambiental e as estratégias de adaptação aos eventos extremos em Moçambique, tendo

como unidade de análise o distrito de Machanga. A relevância do estudo de caso em

Moçambique reside no fato do país figurar como um dos mais vulneráveis aos eventos

extremos em nível global, tendo quase a metade do seu território abaixo do nível do mar,

dada sua localização. Essencialmente esta pesquisa aponta para relevância da

significação dos fenômenos ambientais pela consciência dos sujeitos que vivenciam

situações concretas de eventos extremos cotidianamente, na construção de estratégias de

adaptação aos eventos extremos. Argumenta-se que aferindo as intencionalidades

cognitivas, afetivas e práticas ligadas às mudanças ambientais no cotidiano

moçambicano, e aplicando-as a gestão ambiental, ter-se-á maior possibilidade de

alcançar a eficiência e eficácia na implementação das estratégias em nível nacional. Para

alcançar os objetivos traçados, esta pesquisa envolveu atores multinível, e fez uso do

método qualitativo coadjuvado com técnicas qualitativas e quantitativas. Como

referencial teórico apropria-se da fenomenologia de Alfred Schütz, pelo fato desta

oferecer elementos teóricos e metodológicos fundamentais para o alcance dos objetivos

traçados, e principalmente por valorizar a subjetividade dos sujeitos enquanto objeto

científico. Como resultados apresentam-se as percepções de risco associadas aos eventos

extremos que os diferentes atores expuseram. Na análise constatou-se que a

implementação das estratégias de adaptação tem encontrado grandes dificuldades pelo

fato das mesmas alvitrarem por resolver problemas estritamente de ordem ambiental e

descurando dos assuntos ligados a vulnerabilidade social das populações afetadas, apesar

de menciona-los. Moçambique conta com instituições fracas na persecução da

sustentabilidade ambiental. Esta fraqueza manifesta-se na incapacidade de aplicação das

leis ambientais criadas e na deficitária recolha de receitas advindas dos serviços

ambientais. Esta pesquisa permitiu auferir em que medida as percepções de risco são

relevantes na elaboração de estratégias para adaptação aos eventos extremos a nível local

e global.

Palavras chave: 1. Mudanças ambientais globais. 2. Adaptação. 3. Política ambiental. 4.

Vulnerabilidade. 5. Moçambique - Política e Governo

11

ABSTRACT

Environmental changes, risk perceptions and adaptation strategies to extreme

events in Mozambique: Case study in Machanga

This research sought to understand the relationship between perceptions of

environmental risk and strategies for adaptation to extreme events in Mozambique,

having the district of Machanga as unit of analysis. The relevance of the case study

resides in the fact that Mozambique is one of the most vulnerable countries to extreme

events at a global level, with almost half of its territory below sea level, due to its

geographic location. Essentially, this research points to the relevance of environmental

phenomena significance by the awareness of individuals, who experience concrete

situations of extreme events on a daily basis, in the construction of adaptation strategies

to extreme events. We argue that by assessing the cognitive, affective and practical

intentions related to environmental changes in Mozambican daily life and applying them

to environmental management, it will be possible to achieve efficiency and effectiveness

in implementing strategies at the national level. To reach the objectives outlined, this

research involved multilevel actors, and made use of the qualitative method assisted with

qualitative and quantitative techniques. As a theoretical reference, this research employs

the phenomenology of Alfred Schütz, as it offers theoretical and methodological

elements which are fundamental for the achievement of the objectives outlined here, and

especially for valuing the subjectivity of individuals as a scientific object. As results it

presents the perceptions of risk to the extreme events that the different actors exposed.

Data shows that the implementation of adaptation strategies has encountered great

difficulties, because they seek to solve strictly environmental problems while neglecting

issues related to the social vulnerability of affected populations, despite mentioning them.

In addition, Mozambique has weak institutions in the pursuit of environmental

sustainability, due to the inability to apply the available laws and in the collection of

revenues from environmental services. This research exercise allowed us to reflect on

the relevance of risk perceptions to elaborate adaptation strategies to extreme events,

both locally and globally.

Keywords: 1. Environmental changes; 2. Adaptation; 3. Environmental policy; 4.

Vulnerability; 5. Mozambique - Politics and Government.

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KU BUYA PADOCO

Passo kucesa ndaipsvaka kuzwa um cibatno pacari po kuzwizwisisa mu mutaro

kupsanguisisano kuva maitiro lzono pa kudira pa uxoni no kuitika ku mphiri ko

Moçambique, kuzova ingá ciro cimwe kusotesesa ikona pamuithundu vo Machanga

Passa bzikuru vo ujijo cütiko mu Moçambique ugari no maitiro wo munhiwo

muinhika kuita divi ingá mumwe djo madjinyka kupindirija jimwene ngo matiko iyo

bzüto bzo kupejisira mucitongobwe mburumbwa yo nyika, kuwa pedo pa hafu yu nyika

lmutunthu pasi yo bzütiyo jombe, mawanmikiro ayo. Zvikuru ku kamre kucesa uwa

kutatija um kuru kuti masaramuso vo kuputira magariro cibhora hwirul magarangariro jo

chiwona wo maponero pa mphenelkadi vo maitikiro robesalnoxanda kuxirovejo mu

pokuvaka lmavakwa yo zano yo pokundira pa uxoni yo maitiro nobesa. Kujijirana co

kuezanisa jo muemuro vo uzivi jo rudo no maitiro já kabatanija jo kucicacica magariro

cokurovejisa jo vana vo Moçambique, kupangana pokufambisa komagariro ndinozova

nayo mukuru nofanera kuwana simba no kuianga kuti bzutive zano vabarwi vonyika.

Mu kuwana mapepero kutura yo kucesa yakakuputira vese vavatari kuserengenda, vaita

masimiro vo maereramo. Maitiro mufumbo kubesa no uzivi mufumbo no mutengo. Ingá

xitatijo kurangarija kadi no masaramuso jo Alfred Schütz, gwindi cutiko ibzo kupekeja

masoko vo maererano civangiso pa jo kubata guno kutara, no zvikuru-kuru ngokutajal

kukuja veya apo ciro uzinci. Ingá kubva kutatija kuzwisisa jo mureswa cisungo bzüto

magumo wo masiyanisso gumo kutara kudira pambhene. Pa kujijira kuvonesa bziti bzo

zano yo chilovedjo xo magariro cino kusongana bzinji mupingaijo no cütiko

nazvakadano kupereka zano po kuvakazano wiro kuezana no mutheto yo magariro no

kutama kuvanguisa no sako njio kubatanijana no kukhuvaza po mbungano yo vanthu yo

vanthu vo nyika mutengo jo mabassa magarirano cithombe sikagondeki muwendo

keuigira kucijikira zvino ponesa jo magarirano mo bzakaitiwa , mu basa jo singa

kwanisigui po kwakuenda jo mupango kusujunurwa no jo kukoka mutengo kuengejera

mabasa jo magariro mo bzkaitiwa. Maitiro von dolo kucesa akutendera kubudisa ngo

kurungamisa ko kuzwi isa ko mutaro museswa já pa mphene po kupejisa voz ano jo

kugara uxoni po maitikiro vo magumo pomubengo kurira ndau mbuto ingá mburumbwa

yo nyika.

Soko khia: Macinjikiro vo magariro vo bzakaitiwa; kuzwisisa ko mutaro; kuitika

magumo; zano yo kugara uxoni.

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LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS

AFRIMAP – Africa Governance Monittoring and Advocacy Project

AIA – Avaliação de Impacto Ambiental

ARA – Administração Regional das Águas

CAPANAMUR - Organização de Auxílio Alemã (German Emergency Doctors)

CCM – Conselho Cristão de Moçambique

CGC – Comitê de Gestão de Calamidades

CNA – Comissão Nacional do Ambiente

CNE – Conselho Nacional de Eleições

CNPQ – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

CODES – Conselho Nacional de Desenvolvimento Sustentável

COE – Centro Operativo de Emergência

COMECON – Concil for Mutual Economic Assistence

COMUSANAS – Comunidades Saudáveis e Desenvolvidas

COTAM – Companhia de Transportes e Terraplanagem

CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa

CLGRC - Comitê local de gestão de risco de calamidades

CQNUMC - Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas

CRM – Constituição da República de Moçambique

DEDA- Serviço Alemão de Cooperação Técnica e Social

EIA – Entrevista Individual Aprofundada

EIA – Estudo de Impacto Ambiental

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ENAMMC – Estratégia Nacional de Adaptação e Mitigação de Mudanças Climáticas

ESMABAMA – Associação EStaquinha - MAngunde - BArada - MAchanga

FMI – Fundo Monetário Internacional

FUNUAB – Fundo Nacional do Ambiente

GEE – Gases de Efeito Estufa

GEPE – Gestão de Participações do Estado

GTZ – INDER Sofala - Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit

( Agência de cooperação alemã para ajuda ao desenvolvimento)

IDS – Inquérito Demográfico e de Saúde

IESE – Instituto de Estudos Econômicos e Sociais

INAM – Instituto Nacional de Meteorologia

INE – Instituto Nacional de Estatística

INGC - Instituto Nacional de Gestão de Calamidades

INPF - Instituto Nacional de Planejamento Físico

IPCC – Intergovernmental Panel on Climate Change

LABGEC – Laboratory of Social Dimensions of the Global Environmental Changes in

the Global South

MADER – Ministérío para Agricultura e Desenvolvimento Rural

MAEFP- Ministério da administração estatal e função pública

MDL - Mecanismo de Desenvolvimento Limpo

MDL – Mecanismos de Desenvolvimento Limpo

ME – Ministério da Energia

MIC – Ministério da Indústria e Comércio

15

MICOA – Ministério para Coordenação da Ação Ambiental

MINAG – Ministério da Agricultura

MPDL - Movimento pela Paz, Desarmamento e a Liberdade

MSF- Movimento Solidário do Facebook

NCCSAP – Netherlands Climate Changes Studies Assistence Programme

NU-habitat – Programa das Nações Unidas para Habitação

OCI – Organização da Conferência Islâmica

OGE – Orçamento Geral do Estado

ONG – Organização Não- Governamental

ONU – Organização das Nações Unidas

OSEO - Organização Suíça de Entre Ajuda Operária

OUA - Organização da Unidade Africana

PEM – Partido Ecológico de Moçambique

PE-MT – Partido Ecologista Movimento da Terra

PES – Plano Econômico e Social

PIB – Produto Interno Bruto

PIPELINE – Companhia do Pipeline Moçambique - Zimbabwé

PMA – Programa Mundial de Alimentação

PNGA – Plano Nacional de Gestão Ambiental

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Ambiente

PRE – Programa de Reestruturação Econômica

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PRES – Programa de Reestruturação Econômica e Social

PVM – Partido Verde de Moçambique

RAIA – Regulamento da Avaliação de Impacto Ambiental

RTP- Rádio e Televisão Portuguesa

SADC – Southern Africa Development Community

SISTAP – Sistema de Aviso Prévio

STV – Soico Televisão

TIM – Televisão Independente de Moçambique

TVM – Televisão de Moçambique

UA – União Africana

UICN – União Internacional para Conservação da Natureza

UNCBD – United Nations Convention on Biological Diversity

UNCCD – United Nations Convention to Combat Desertification

UNEP – United Nations Environment Programme

UNEP – United Nations for Environmental Programme

UNESCO – Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura

UNFCCC – United Nations Framework Convention on Climate Change

UTIP – Unidade Técnica para o Investimento Privado

WHO - World Health Organization (Organização mundial da saúde)

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Grupo Alvo da pesquisa………………………………………………...…..40

Tabela 2 – Marcos da Institucionalização Ambiental em Moçambique…………..……73

Tabela 3- Percentagem de ocorrência de eventos extremos por região de

Moçambique………………….......................................................................................112

Tabela 4- Total de entrevistados por posto administrativo…………………………….148

Tabela 5 – Total de Entrevistados por profissão e pertença ao CGC………………….149

Tabela 6 - Técnicas de pesquisa por categoria e gênero……………………………….150

Tabela 7 – Frequência escolar por percentagem e gênero…………………………….151

Tabela 8 – Nível de escolaridade por faixa etária……………………………………..151

Tabela 9 – Classificação dos eventos extremos………………………………………..172

LISTAS DE FIGURAS

Figura 1 - Localização do distrito de Machanga………………………………………..27

Figura 2- Aumento demográfico da população de Moçambique………………………75

Figura 3- Percentagem de Agregados familiares que possuem energia elétrica em

Moçambique por província e área de residência (2003-2011)……………………..…107

Figura 4- Conselho Técnico Distrital de Gestão de Calamidades…………………….124

Figura 5- Distrito de Machanga………………………………………………………..136

Figura 6 – Culturas alagadas em tempo de cheias em Machanga……………………..139

Figura 7 – Deformação do relevo dada a extração de areia……………………………144

Figura 8 - Poço desprotegido no tempo de seca em Machanga………………………..158

Figura 9 - Água imprópria para o consumo humano…………………………………..159

Figura 10- Transmissor usado para leitura diária e para comunicação de risco……….162

Figura 11 - Estação climatológica de Machanga………………………………………163

Figura 12 - Referência aos eventos extremos pelos grupos focais…………………….170

Figura 13 - Referencia as fontes de informação sobre eventos extremos……………..176

18

SUMÁRIO

PREFÁCIO…………………………………………………………………………..21

INTRODUÇÃO...............................................................................................................31

METODOLOGIA…........................................................................................................34

CAPÍTULO I: FENOMENOLOGIA E AMBIENTE: TEORIA E CONCEITOS

A fenomenologia de Alfred Schütz (1899-1959) ............................................................42

Método fenomenológico………………………………….…...…………………....…...47

Comunicação e linguagem…..……………..………………………………………..….49

Desastres naturais: fenômenos ambientais ou fenômenos complexos ? ..........................50

Vulnerabilidade socioambiental ......................................................................................53

Adaptação e capacidade adaptativa ……………..….……...…….……………..………57

Percepção de risco............................................................................................................58

Estratégia…………………………………………………………………………….….60

Risco Ambiental...............................................................................................................61

Mudanças ambientais...…................................................................................................64

CAPÍTULO II: O FENÔMENO AMBIENTAL EM MOÇAMBIQUE

Introdução ........................................................................................................................67

A questão ambiental em Moçambique (1980 a 2000)……………………..……….…..68

The Establishment: (2000 a 2015)……............................................................................72

Ambiente e aspetos demográficos em Moçambique........................................................74

Ambiente e diversidade cultural moçambicana................................................................76

Economia e ambiente em Moçambique............................................................................78

Governo, política pública e ambiente em Moçambique...................................................83

Transformações na política pública ambiental moçambicana..........................................87

Partidos ecologistas em Moçambique..............................................................................92

19

CAPITULO III: ESTRATÉGIAS GOVERNAMENTAIS DE ADAPTAÇÃO AS

MUDANÇAS AMBIENTAIS

Introdução………………………………..……………………………………………...98

Estratégias de comunicação de risco ambiental em Moçambique ……………..………99

Alertas e Previsões de ocorrência de eventos extremos……………...…………..……101

Mídia e cidadania ambiental em Moçambique………………………………………105

Programa nacional de adaptação às mudanças ambientais…………………………….110

Quadro Legal Ambiental Moçambicano………………………………………………113

Política Nacional de gestão de calamidades em Moçambique ………………...……115

Estratégia Nacional de Adaptação e Mitigação de Mudanças Climática (ENAMMC)

2013-2025…………………………………………………………………………..…118

Instituto Nacional de Gestão de Calamidades………………...…………...…………..122

Planos de contingência…………...……………………………………………………125

Comitês de gestão de risco…………………………………………….………………128

CAPITULO IV: PERCEPÇÃO DE RISCO E ESTRATÉGIA DE GESTÃO DOS

EVENTOS EXTREMOS: ESTUDO DE CASO EM MACHANGA

Introdução ………………………………. ....................................................................136

Climatologia...................................................................................................................139

Estratégias de segurança alimentar.................................................................................140

Traços sociais: educação, saúde e religião.....................................................................141

Geomorfologia, pedologia e produção agrícola.............................................................141

Mandaus ao relento entre o rio e o oceano………………………………………….…143

Apresentação e analise dos dados…………………………………………………..…148

Desafios à adaptação aos eventos extremos: Governo distrital de Machanga…...……152

Desafios à adaptação aos eventos extremos: INGC em Machanga……………………161

Percepções de risco ambiental em Machanga: Chiloane, Divinhe e Machanga-sede…165

Estratégias informais de adaptação dos eventos extremos…………..…………...……181

O que o Estudo de caso nos mostra……………………………………………………188

20

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Ocupar o solo preservando o caminho da água …………………………………….....194

Desafios metodológicos.…...………..............................................................................200

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS…………………………………………….. 202

APÊNDICE………………………………………………………………………..….214

Apêndice 01 - Lista dos principais jornais em Moçambique…………………………214

Apêndice 02: Guião para recolha de dados em EIA…………………………………..215

Apêndice 03: Guião para realização de grupos focais…………………………………221

Apêndice 04: Plano inicial de atividades………………………………………………222

21

PREFÁCIO

A ideia de prefaciar a tese foi um desafio enorme para mim, aliás, como o foi todo

este trabalho de pesquisa que hoje apresento ao leitor. No entanto, aceitar desafios tem

sido a forma pela qual adquiro experiência na vida acadêmica.

Sou graduado em Sociologia (2011) pela Universidade Eduardo Mondlane, a

maior e mais antiga de Moçambique. Durante a graduação meu interesse voltou-se para

questões de cidadania, e possibilidades de maior participação nos processos decisórios.

Assim, dediquei-me a analisar a influência dos programas televisivos no exercício da

cidadania em Moçambique. Como se pode notar, o sentido da valorização da agência, da

capacidade de ação pelos sujeitos me é muito caro. Dai que abordagens construtivistas,

interacionistas e fenomenológicas ficaram marcadas no meu horizonte epistemológico,

com destaque para 03 autores: Max Weber, John A. Hannigan e Alfred Schütz.

Em 2010 iniciei o curso de Relações Internacionais no Instituto Superior de

Relações Internacionais e Diplomacia (ISRI). Neste curso, procurava contacto com a

literatura ligada à Sociologia das relações internacionais, a Geopolítica, particularmente

as abordagens do sistema de ação a nível internacional e como se dá a influência dos

elementos da natureza sobre a hegemonia e o lugar que um país pode ocupar no cenário

internacional. Estava assim completo o meu quadro de curiosidades, influenciado por

vários encantamentos. E foram estas influências que me levaram a delimitar meu

interesse acadêmico na triangulação entre Sociologia, Ambiente e Relações

Internacionais, mas por onde começar?

Em 2012 a minha proposta para cursar o mestrado no Programa de pós-

graduação em Sociologia da Universidade Federal Fluminense (PPGS) no Rio de Janeiro,

é acolhida. O projeto inicial da dissertação propunha analisar as percepções de risco e as

estratégias de gestão das calamidades naturais em Moçambique.

Contudo, entendeu-se logo que não conseguiria chegar a bom porto, pois

questões de fundo, ligadas a institucionalização ambiental, precisavam ser respondidas.

Precisava de bases para poder afirmar com cientificidade que em Moçambique existe

consciência ambiental e que se manifesta em diferentes níveis. Assim, indagações como,

por exemplo, as motivações, em nível do governo moçambicano, pelas questões

ambientais globais? Quais os fatores exógenos ou endógenos? Qual a lógica da adesão,

dado ao contexto que se vivia, entre outras, precisavam ser respondidas a prior.

22

Identificada esta limitação, abdiquei temporariamente do primeiro projeto e

arregacei as mangas para preencher esta “lacuna”. Deste modo, passei a investigar sobre

o processo de institucionalização da questão ambiental em Moçambique. Tema pelo qual

obtive o titulo de mestre em Sociologia.

Esta pesquisa levantou outras tantas questões cujas respostas requeriam a

conjugação de outras áreas de saber, requeria um exercício interdisciplinar. E foi nessa

busca que conheci e fui admitido (2014) ao Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais

(NEPAM), atraído pela excelência dos trabalhos dos pesquisadores a ele vinculados.

Nisto, identifiquei-me com os trabalhos de pesquisa da Professora Dra. Leila da Costa

Ferreira, que tenho hoje a alegria de tê-la como orientadora deste projeto de

doutoramento. Foram os seus inúmeros trabalhos, ligados à temática sobre a questão

ambiental na América latina, que deram luzes para realização da pesquisa de mestrado.

A união epistemológica entre a teoria ecológica e a teoria social é o que me

trouxe ao NEPAM. A construção do conhecimento com base na interdisciplinaridade,

oferecidos pelo NEPAM, me forneceram ferramentas para estudar os aspectos sociais e

ambientais ligados aos eventos extremos em Moçambique. Hoje apresento ao leitor o

produto final deste trabalho de investigação no NEPAM, intitulado: Mudanças

ambientais, percepção de risco e estratégias de adaptação aos eventos extremos em

Moçambique: Estudo de caso em Machanga.

O presente prefácio tem por finalidade facilitar a leitura deste produto de

pesquisa. Cabe desde já advertir ao leitor que esta pesquisa não é só interdisciplinar, mas

também transpõe as fronteiras das nacionalidades e das culturas dos envolvidos: autor

moçambicano, orientadores brasileiros, sendo que todos os envolvidos passaram por

diferentes escolas de formação acadêmica, dai que convido a uma abertura do leitor em

relação à possibilidade do diferente, ao estranhamento da linguagem e dos vocábulos.

23

PREMISSAS

Esta investigação parte de algumas considerações que são fundamentais, para um

entendimento comum. Primeiramente, parti-se da consideração que a questão das

mudanças climáticas é um assunto global. Com efeito, diversos países são apontados

como demasiadamente vulneráveis as mudanças ambientais. Sem dúvidas, a

vulnerabilidade às mudanças ambientais constitui uma questão de peso internacional,

por necessitar soluções eficazes e eficientes no combate às causas do problema e

equitativas na distribuição das responsabilidades que surgem para mitigá-lo em nível

global (vide Protocolo de Quioto).

Esta vulnerabilidade global às mudanças ambientais manifesta-se em diversos países

africanos em função de várias pressões, associadas a diferentes fatores, tais como: baixa

capacidade de adaptação e resposta, a localização geográfica, a existência de climas mais

quentes, uma maior exposição às adversidades climáticas, a variabilidade da

precipitação, a existência de solos pobres e planícies inundadas (UN-HABITAT, 2007).

Dentre os países africanos, Moçambique é apontado como sendo um dos mais

vulneráveis às mudanças ambientais, devido: a sua localização geográfica na zona

intertropical, ao fato de possuir uma longa costa e grandes bacias hidrográficas, sendo

assolado particularmente por eventos extremos que se transformam em verdadeiras

catástrofes naturais, especificamente: inundações, secas, ciclones, deslizamentos,

epidemias, e ondas de frio e calor extremos 1

.

Moçambique apresenta um quadro preocupante de frequentes desastres associados

aos eventos extremos. Sobretudo porque as regiões que apresentam significativa

importância econômica tem sido as mais afetadas, registrando-se a ocorrência de

inúmeras mortes, feridos e desabrigados, e uma persistente falta de estrutura para lidar

com essas situações. A grande cheia no ano 2000, por exemplo, colocou à prova as ações

prevenção levadas a cabo por organizações, nacionais e internacionais, no sentido de

terem marcado negativamente a história do país em termos de gestão de desastres. Estas

cheias foram responsáveis pela morte de cerca de mais de 800 pessoas, tendo resultado

em prejuízos avaliados em cerca de 400 milhões de dólares americanos.

Mais recentemente nos primeiros meses do ano 2012, o país foi assolado pelos

1 Segundo a Maplecroft, Consultoria britânica cujo objetivo foi demonstrar o impacto econômico de desastres ocorridos entre 1980 a

2010. Fonte: Jornal o pais, Quinta-feira, redação de 15 Julho 2010, 09:08.

24

ciclones Dando e Funso, onde foram caracterizadas ocorrência de inundações, chuvas e

depressões tropicais que afetaram diretamente e de modo particular 81.200 (oitenta e

uma mil e duzentas) pessoas do centro e o sul do país, fazendo um total de 37 mortos, 41

feridos e pouco mais de 81.000 (oitenta e uma mil) famílias desabrigadas2. Mais

recentemente, Fevereiro de 2017 o ciclone Dineo e a as cheias que o precederam

fustigaram o país, no total foram 07 mortos e 55 desabrigados3.

Todo este cenário, sem dúvidas contribui para aumentar ainda mais a vulnerabilidade

do país aos eventos extremos.

Contudo, desde a década 80, vem sendo desenvolvidas ações e que concorrem para a

redução do risco e dos impactos das mudanças ambientais em Moçambique, tais como:

1 - O fortalecimento do sistema de aviso prévio;

2 - O fortalecimento da capacidade de gestão dos recursos hídricos;

3 - O fortalecimento da capacidade dos produtores agrários para melhor gerirem o

processo de redução do impacto das mudanças ambientais nas zonas costeiras;

4 - A monitoria e o registro fiável da informação relativa aos desastres naturais

passaram a ser de extrema importância para os planos de desenvolvimento nacional.

Nesta perspectiva, na década 1990, a participação dos cidadãos na vida

socioeconômica do país, passou a ser considerada como a forma ideal no processo de

busca pelas melhores soluções para os problemas ambientais que as comunidades locais

enfrentam (PLANO DISTRITAL DE DESENVOLVIMENTO, 1998).

Para além das recomendações do protocolo de Quioto, em relação às

responsabilidades globais, em Moçambique tornou-se essencial o fortalecimento das

instituições ligadas à área ambiental, principalmente o incremento da educação

ambiental em todos os níveis, aprimoramento dos meios técnicos, financeiros e

humanos, e a monitoria sistemática dos parâmetros ambientais (QUEFACE, 2009).

A educação ambiental é um dos elementos que considero primordiais e que contribui

para a redução dos impactos negativos, pois permite transformações no modo de

organização e adaptação ao meio e o incremento da consciência ambiental nos cidadãos.

É desta importância da educação ambiental que surge a pertinência de se ter um alto

conhecimento da natureza, da probabilidade de ocorrência dos eventos extremos, o que 2 Jornal notícias, sexta-feira, redação de 3 de Fevereiro de 2012. 3 DW – Noticias Moçambique. Autor: Carlos Matsinhe, 21/12/2017

25

demanda o incremento de pesquisas acadêmicas, para melhor compreensão da relação

entre os fenômenos sociais e ambientais. A educação ambiental, tal qual me refiro,

consistiria na comunhão hermenêutica bivalente entre conhecimento científico e

conhecimento tradicional local. Nesta tese, consideramos igualmente importante a

disseminação do conhecimento tradicional local sobre a preservação, conservação e

adaptação ao ambiente, que se encontra latente nas sociedades moçambicanas.

Na perspectiva que defendo, a dimensão sociocultural ocupa espaço privilegiado na

consideração das questões ambientais. O foco sobre as percepções sociais é pertinente às

ações de prevenção e mitigação dos eventos extremos, levadas a cabo pelos diferentes

organismos institucionais. Afinal, são os indivíduos que vivenciam, significam e

desenvolvem percepções sobre tais fenômenos e nesta ordem de ideias.

Consideramos ainda que, a ser assim, os Governos, como importantes atores que são,

conseguiriam garantir que a formulação de leis e regulamentos estivessem alinhadas à

realidade e a governança local, e isto permitiria a redução dos riscos relacionados às

mudanças ambientais em diferentes níveis, bem como garantiriam uma maior

participação comunitária (FERREIRA, 2011; 2012).

De modo geral a política ambiental em Moçambique aponta significativamente para

esta questão da necessidade de maior participação comunitária. A título de exemplo, o

Governo eleito em Dezembro de 2004 aprovou o Plano de Desenvolvimento Nacional

(2005-2009), como a chave e instrumento político em médio prazo. Neste documento a

participação dos cidadãos aparece como um dos objetivos prioritários da ação

governamental, por permitir celeridade na resolução os problemas e dos processos de

gestão ambiental (QUEFACE, 2009).

É neste contexto que se desenvolveu a presente pesquisa, como possível contribuição

para tratar a problemática da vulnerabilidade ambiental em Moçambique.

Considero que pesquisas e estudos sobre percepção de risco ambiental apresentam-se

hodiernamente como fundamentais, para a construção de indicadores, úteis a vários

campos do saber, e no apoio as estratégias direcionadas para formulação de políticas

públicas e ou institucionais (FERREIRA & BARBI, 2014). É por esta convicção que

apresento este estudo de caso ao leitor, no qual procurei compreender a relação entre as

percepções social de risco ambiental e as estratégias adotadas para gerenciar os riscos

ligados aos eventos extremos em Moçambique.

26

Esta pesquisa decorreu em dois níveis de governança, e por isso o consideramos de

fato como sendo um estudo multinível. No primeiro nível são abordadas questões

nacionais, ligadas à relação entre o governo e as questões ambientais transnacionais e

globais, analiso o quadro institucional ambiental moçambicano. Parte dos dados aqui

arrolados é fruto da pesquisa por mim desenvolvida no mestrado, onde pesquisei sobre o

processo de institucionalização da questão ambiental de 1980 até ao ano 2000.

Nesta tese avancei para os aspectos informais de adaptação aos eventos extremos em

Moçambique, e trouxe novos dados para análise a partir do ano 2000 até ao ano de 2015.

Este exercício permitiu abarcar os três (03) governos que o país já teve no período pós-

independência, o de Samora Machel, de Joaquim Chissano, e de Armando Guebuza

respectivamente, e que foram responsáveis, cada um à sua medida, pelos avanços e

recuos relativos ao processo de institucionalização ambiental em Moçambique.

No segundo nível de análise conduzimos a pesquisa a uma realidade empírica

específica (no Distrito de Machanga), para observar questões pontuais ligadas às

percepções de risco e às estratégias informais de adaptação aos eventos extremos.

A tese aqui apresentada é que: o desconhecimento das percepções sociais de risco

ambiental dificulta a implementação eficaz das estratégias nacional e internacional

ligadas à adaptação aos eventos extremos.

Meus argumentos são: primeiro, para que a adaptação aos eventos extremos produza

os efeitos desejados e de maneira eficaz é necessário um profundo conhecimento do

mundo dos que vivenciam cotidianamente os impactos desses eventos. Em outras

palavras, é estritamente necessário possuir-se conhecimentos esmerados sobre as

comunidades em que se vai implementar os planos estratégicos de adaptação aos eventos

extremos. Esse deve ser o passo zero para o sucesso de tais estratégias de adaptação.

Nesta perspectiva, um dos conhecimentos que julgamos essencial é sobre as percepções

sociais de risco ambiental e as formas de adaptação tradicionalmente aceites e

partilhadas pelas comunidades antes das intervenções institucionais.

Segundo, para uma adaptação efetiva aos eventos extremos torna-se necessária a

descentralização do poder na priorização das ações dos planos estratégicos e a existência

de instituições fortes pro ambiente, quer dizer instituições que apresentem

autossuficiência financeira e de recursos humanos adequadamente formados, motivados

e cometidos com a causa ambiental global.

27

MAS, POR QUE MACHANGA?

Para uma análise mais profunda e minuciosa da problemática que levantamos e

debatemos, elegemos o caso emblemático do distrito de Machanga, pois a pesquisa

exigiu uma unidade observável, onde procuramos identificar as percepções sociais sobre

eventos extremos e outros elementos que consideramos importantes para o processo de

adaptação às mudanças ambientais. Dos 128 distritos que o país possui, Machanga é um

caso emblemático para esta pesquisa.

Segundo o Relatório sobre os Perfis Distritais (2005) foi com a criação da Lei dos

órgãos locais, n0 8/2003 de 27 de Março, que se estabeleceram os novos princípios e

normas de organização, competências e de funcionamento dos órgãos governamentais

nos escalões de Províncias, Distritos, Posto administrativo e Localidade em

Moçambique. Esta lei dotou ao processo de descentralização administrativa de um novo

quadro jurídico que reforçou e operacionalizou a importância estratégica dos governos

locais e neste contexto, o distrito emerge como conceito territorial administrativo,

essencial a programação da atividade econômica e social e a coordenação das

intervenções locais das instituições nacionais e internacionais (MAE, Perfis Distritais,

2005).

Figura 01. Localização do distrito de Machanga. Fonte: Dados Cartográficos, AfriGIS, 2014. A =

Machanga

28

O distrito de Machanga foi instituído a 25 de Junho de 1986, através da resolução

6/86 da Assembleia da República, possuindo 03 postos administrativos e 08 localidades.

Está situado a sul da província de Sofala, tendo como limites o rio Save (Sul), o Oceano

Indico (Este), os distritos de Chibabava e Buzi (Norte) e o distrito de Machaze (Oeste)

(Ver anexo 05). Segundo INGC (2009) Machanga é frequentemente alvo de eventos

extremos, às vezes até concomitantes, especificamente: erosão, cheias, seca e ciclones,

chuvas e ventos fortes, pragas e epidemias, o que afeta profundamente a vida social e

econômica da comunidade e do país, levando a perdas inestimáveis de recursos e bens,

com destaque para os anos de 2000, 2004, 2012 e 2016.

Machanga é sem duvida um dos mais vulneráveis distritos do país às mudanças

ambientais, dada a sua localização, como veremos no Capitulo IV desta tese. Por esta

razão escolhemos Machanga como espaço geográfico instigante e pertinente para testar

as hipóteses que foram surgindo ao longo da pesquisa. O que faz de Machanga um

protótipo é o fato de todos os eventos extremos que fustigam o país podem ser

observado lá, guardadas as devidas proporções quanto à incidência, pois, cada um dos

128 distritos moçambicanos tem as suas particularidades socioambientais.

Nesta perspectiva, a fenomenologia, particularmente na perspectiva de Alfred

Schütz, contribuiu significativamente para o aprofundamento da pesquisa, pois nos

forneceu elementos basilares para acessar cientificamente os conhecimentos e práticas

cotidianas em Machanga. Pois, esta abordagem teórica possui elementos que permitem

tratar de aspetos ínfimos dos sistemas de ação social, particularmente a consideração da

subjetividade e das sensações como elementos cognitivos, sem contar que abre espaço

para a consideração da capacidade dos indivíduos de interiorizar, interpretar e refletir

sobre os fenômenos sociais e ambientais, e em função dessas interpretações agirem no

quotidiano (Ver capítulo I).

29

ORGANIZAÇÃO DOS CAPÍTULOS

Este trabalho está disposto de modo a satisfazer gradualmente os objetivos

específicos propostos:

1. Descrever os desafios da adaptação às mudanças ambientais em Moçambique e

particularmente no Distrito de Machanga;

2. Descrever e analisar a situação de vulnerabilidade aos eventos extremos em

Moçambique e particularmente no Distrito de Machanga;

3. Identificar as percepções de riscos ambientais e as estratégias informais de

adaptação adotadas em Machanga;

4. Estabelecer possíveis relações entre os tipos de riscos ambientais percebidos pela

comunidade, os fatores que os originam e as estratégias de adaptação adotadas;

E assim alcançamos o objetivo geral: estudar a relação entre as percepções sociais do

risco concernente às mudanças ambientais e seu desdobramento nas estratégias nacionais

de adaptação aos eventos ambientais extremos em Moçambique.

Iniciamos por uma apresentação em jeito de introdução: onde abordamos o problema

de pesquisa, a metodologia usada na recolha e análise de dados em todos os níveis, a

relevância acadêmica da pesquisa para o contexto moçambicano e os objetivos.

No capítulo I abordamos sobre a teoria fenomenológica de Alfred Schütz e sua

aplicação para os estudos das questões ambientais. Discorremos sobre o método

fenomenológico e apresentamos as definições dos principais conceitos.

No capítulo II descrevemos os contornos da questão ambiental em Moçambique.

Começamos por apresentar uma descrição da área de pesquisa de modo geral, seguindo

de uma apresentação e discussão sobre o fenômeno ambiental em Moçambique, partindo

de aspetos demográficos, econômicos, políticos e diversidade cultural. Problematiza-se a

relação entre governo, política pública e ambiente em Moçambique, apontando as

transformações na política pública ambiental e, por fim, apresenta-se o surgimento e

características dos partidos ecologistas em Moçambique, como um dos reflexos do grau

de institucionalização da questão ambiental em Moçambique.

30

No Capítulo III, analisamos o quadro geral da adaptação aos eventos extremos em

Moçambique, apresentamos uma descrição das instituições envolvidas na gestão

adaptativa e suas ações. Abordamos sobre as estratégias de comunicação do risco

ambiental através dos comitês de gestão de calamidades e da mídia. Neste capítulo

procuramos responder a questão sobre a complexidade da informação transmitida

através das mídias em Moçambique e sobre como o acesso a ela pode possibilitar uma

maior adaptação aos eventos extremos.

No capítulo IV, apresentamos o estudo de caso em Machanga, a realidade objetiva

de nossa pesquisa, é onde escolhemos para observar os fenômenos que nos propusemos

pesquisar, os aspectos ligados aos ecossistemas e as estruturas administrativas do

distrito. A partir de uma realidade geográfica apresentamos a análise dos resultados da

pesquisa de campo.

De seguida, fazemos considerações finais e apresentamos os desafios impostos pela

escolha do método fenomenológico. Por fim, os anexos e as referências bibliográficas.

31

INTRODUÇÃO

Durante a década 1980, o continente africano foi apontado como tendo sido o mais atingido

por eventos ambientais extremos se comparado com as diferentes regiões do mundo4. Foram 243

eventos extremos registrados e que perpetraram um saldo total de 417 mil de mortos e uma

população atingida na casa dos 137,8 milhões de pessoas. Na década 1990 registrou-se um aumento

na ocorrência dos eventos extremos no continente. Nesse período foram registrados 247 eventos

extremos, 10 mil mortos e uma população afetada de 104.3 milhões de pessoas. Contudo, apesar

deste aumento na quantidade de ocorrências de eventos extremos, registrou-se uma melhoria em

termos de números de vitimas mortais, fruto de investimentos em estratégias de prevenção,

adaptação e mitigação dos eventos extremos pelo continente (WORLD HEALTH

ORGANIZATION, 2003).

Dentre os países africanos, Moçambique figura como um dos primeiros países afetados por

eventos extremos (UNEP, 1989; ENAMMC 2013-2025), devido ao aumento do nível do mar, pois,

45% do território Moçambicano estão abaixo dos 100 metros de altitude. Este relatório conclui que a

gestão ambiental em Moçambique necessita de ações bem planificadas de comunicação e uma

estreita colaboração interinstitucional para a gestão (prevenção, adaptação e mitigação) do impacto

dos desastres naturais no país.

A informação documentada sobre a abordagem dos eventos extremos e mudanças climáticas em

Moçambique, revela que os principais eventos extremos que afetam o país são de origem hidro

meteorológica, tais como cheias, secas e ciclones tropicais associados à eclosão de epidemias, tais

como a cólera e diarreias. Só no período que cobre desde 1956 até 2008 foram registrados dez (10)

eventos de Seca, vinte (20) eventos de cheia, treze (13) Ciclones tropicais, dezoito (18) Epidemias e

um (01) Sismo, onde se destaca a cheia como o mais frequente evento extremo e as epidemias como

consequência contígua (QUEFACE, 2009).

Segundo o INGC (2008/2009), dois são os principais fatores que contribuem para a

vulnerabilidade do país aos eventos extremos: o primeiro é a localização geográfica, pois a faixa

costeira de Moçambique está localizada na via preferencial dos ciclones tropicais mais destrutivos

da região, e por outro lado, o país situa-se a jusante dos principais rios cujas nascentes estão nos

países vizinhos, com o destaque para o rio Zambeze que representa 50% do escoamento superficial

de Moçambique. O segundo fator é a fraca habilidade de prever os eventos extremos, a deficiente

4 Segundo a ONU as grandes regiões do mundo são: África, Europa do leste, Europa mediterrânea, América Latina e

caribe, Sudeste da Ásia, Oeste do Pacífico, Regiões desenvolvidas (WHO, 2003)

32

disseminação de avisos contra as intempéries ambientais, o grau elevado de desconhecimento e

pobreza, tornam o país muito vulnerável aos desastres naturais de origem hidro meteorológica.

Neste ponto cabe enfatizar que os meios de comunicação social moçambicanos são ainda

marcados por desigualdades na cobertura e acesso no território nacional, e os altos níveis de

analfabetismo e de pobreza condicionam a abrangência da imprensa escrita, por aí entendermos o

fato de existirem alguns moçambicanos que nunca compraram e nem tem o hábito de ler jornais.

Cabe referir ainda que de todos meios de comunicação apenas o rádio atinge um público

consideravelmente vasto, no geral, a maioria dos moçambicanos têm acesso limitado aos meios de

comunicação social5.

Um aspecto interessante de se observar ao longo da história de gestão dos eventos ambientais

extremos em Moçambique é que a implementação das estratégias de adaptação tem apresentado

dificuldades para alcançar resultados duradoiros nas comunidades afetadas. Supomos que a possível

causa desta fraqueza se encontra no fato das ações estratégicas adotadas tenderem a ser produto de

conhecimentos e experiências exógenas aos locais dos sinistros; ademais que aquando da ocorrência

de algum evento extremo, serem as diferentes instituições governamentais, as ONGs nacionais e

internacionais, e/ou outras entidades filantrópicas, a desenharem e programarem as possíveis

soluções estratégicas a serem implementadas.

Este modo de agir não é de todo negativo, mas revela uma enfraquecida relevância atribuída à

componente da participação comunitária no exercício desta gestão adaptativa, resultando na

frequente lista de impactos negativos dos eventos extremos ambientais, tais como deterioração da

saúde, perda significativa de vidas humanas, degradação dos ecossistemas, encarecimento da vida da

população, fome e, sobretudo, aumento da dependência do financiamento internacional, (INGC,

2009).

Consequentemente, em Moçambique, todo um conjunto de informações indispensáveis para

formulação e execução de medidas de gestão ambiental, tais como, as formas de organização social

durante os eventos climatérios, as percepções sociais de risco das populações atingidas, a capacidade

de auto-organização, o aprendizado dos atores sociais, a adequação das políticas públicas

implementadas, os conflitos de interesses em períodos de crise, os efeitos sobre a dinâmica de

desenvolvimento socioeconômico, não se encontram facilmente à disposição dos planejadores e dos

gestores.

5 Para aprofundar este assunto ler: Moçambique: Democracia e Participação Política, relatório publicado pelo AfriMAP

e pela Open Society Initiative for Southern África, 2009

33

Contudo, os fenômenos ambientais vêm surgindo cada vez mais como objeto de estudo nas

ciências humanas em Moçambique, pelo que ainda se apresenta como um campo pouco explorado,

isto se comparado às ciências naturais, que granjearam protagonismo singular ainda na gênese da

problemática ambiental em Moçambique, particularmente a Biologia, Física e Geografia

(AMARAL, 2014). Este cenário pode inviabilizar o desenho de estratégias eficazes em diferentes

níveis e que valorizem as percepções e práticas sociais locais relacionadas aos eventos extremos.

Em nível internacional, a questão ambiental já constitui campo de estudo consistente nas

ciências humanas e que vem se consolidando cada vez mais através da criação de diversas revistas

especializadas, publicação e realização de congressos e conferências nacionais e internacionais, e

pela criação de centros de pesquisa ambientais de excelência, à medida que o debate sobre os

problemas ambientais vem sendo reinterpretado em termos de riscos e vulnerabilidades sociais

(FERREIRA, 2012).

Depreende-se daqui a existência de lacunas nas estratégias de adaptação aos riscos e aos

impactos das mudanças ambientais em Moçambique, fruto da falta de conhecimento sobre as

percepções sociais do risco relativas aos eventos extremos ambientais e, sobretudo, quanto às

estratégias, comportamentos e atitudes que os indivíduos adotam informalmente face a ocorrência de

eventos extremos. Acreditamos as estratégias e decisões institucionais adotadas constituir-se-iam em

melhores táticas se estivessem associadas a este conhecimento local.

Assim a questão que suleia esta pesquisa é: Em que medida as percepções sociais do risco

relativos às mudanças ambientais podem contribuir para definição de estratégias eficazes de

adaptação aos eventos ambientais extremos em Moçambique?

Com este exercício procurou-se compreender a relevância que os gestores moçambicanos dão às

percepções sociais do risco relativos às mudanças ambientais, e que lugar estas ocupam no processo

de elaboração de estratégias eficazes de adaptação aos eventos extremos a todos os níveis: distrital,

provincial e nacional.

Uma pesquisa desta envergadura demanda uma explicação da relação entre uma dada sociedade

e o ambiente em que esta vive, valorizando os seus sistemas de crenças e modelos comportamentais.

Assim sendo, para se chegar a bom termo e atingir o objetivo proposto realizou-se um estudo de

caso no distrito de Machanga. O porquê da escolha do distrito de Machanga, explicou-se na

apresentação desta tese, todavia à medida que o leitor for avançando na leitura, vai ficar cada vez

mais esclarecido sobre a pertinência do estudo de caso que apresentaremos no capítulo IV desta tese.

34

METODOLOGIA6

Para melhor alcançar os objetivos aqui pretendidos, adotamos uma perspectiva de análise

multinível, coadjuvada por técnicas participativas de pesquisa, com vista a explorar melhor as

dimensões da realidade que pretendemos abarcar. Este exercício de pesquisa serviu-se de métodos

qualitativos e quantitativos, de modo a possibilitar a incorporação de dados quantificáveis

juntamente com elementos subjetivos: crenças e percepções das populações locais. Contudo, o

método qualitativo é mais fortemente presente, pois traz o reconhecimento do fato de que os sujeitos

possuem um conhecimento inestimável e indispensável à elaboração/execução de ações em nível

local. Estes conhecimentos são passíveis de serem acessados por meio científico.

Neste estudo os métodos e técnicas usadas foram: a revisão documental e de literatura e um

estudo de caso, que envolveu a necessidade de observação direta, realização de entrevistas

aprofundadas e grupos focais de discussão. Cabe referir que o processo de recolha de dados,

primários e secundários, foi elaborado de modo que os instrumentos e os resultados da pesquisa

refletissem de forma harmoniosa a complementaridade das questões de pesquisa levantadas e dos

objetivos do estudo. O trabalho no campo teve a duração de 01 ano (recolha de dados). O

desenvolvimento dos instrumentos de recolha de dados e protocolos de pesquisa decorreu

paralelamente ao processo de revisão bibliográfica.

Para concretizar os objetivos da pesquisa observamos dois momentos metodológicos. O

primeiro dedicado ao nível institucional, em que nossa atenção voltou-se para os documentos

oficiais do governo e a relação entre a temática ambiental e as instituições do Estado. Este processo

iniciou com a pesquisa do mestrado, onde trouxemos dados até o ano 2000. Nesta tese

complementamos esses dados até o ano de 2015, uma atualização necessária para enquadrar o leitor

na mesma caravana de entendimento, tanto do espaço de pesquisa como quanto ao objeto de análise

e o estado da arte. É uma análise não exaustiva, visto que não é o prato principal, mas quem não

gosta de uma boa entrada não é verdade?

O segundo momento dedica-se ao estudo de caso, quer dizer, dado o quadro geral

apresentado no primeiro momento, focou-se aqui numa realidade objetiva, com o propósito é de lá

testar as hipóteses levantadas, recolher dados primários, experimentar o cotidiano até então

desconhecido, quer dizer, fazer o trabalho de campo propriamente dito.

6 Para aprofundar sobre as técnicas de pesquisa referenciadas nesta tese, recomendo a leitura da obra: CRESWELL, J. W.

Research design: qualitative, quantitative, and mixed methods approches (2nd Ed.), Thousand Oaks, CA: SAGE.

2003.

35

Um dos principais obstáculos à realização de estudos de percepção de riscos é o tempo

disponível em pesquisas de campo, que geralmente inclui a permanência no local de estudo por

tempo considerável, o que é incompatível com as agendas da grande maioria dos pesquisadores,

porém, o estudo de caso aparece como solução deste dilema, por envolver: “entrevistas detalhadas,

grupos focais, observação participante, abordagem do lugar, dentre outros métodos qualitativos que

permitem registrar os modos de ser e de fazer, as percepções, os perigos, os riscos e suas estratégias

de enfrentamento” (MODESTO & MARRANDOLA, 2012 p. 103-125).

ETAPA I

Nesta etapa procurei aprofundar no conhecimento sobre o tema de pesquisa proposto, a

teoria, os diferentes achados de outras pesquisas. Para tal, usei de dois procedimentos metodológicos

que passo a descrever:

Revisão da literatura:

Este exercício cobriu a primeira fase da realização deste trabalho de pesquisa, e permitiu

dispor de achados e conclusões alcançadas por outros pesquisadores, de modo a refinar as

questões a serem abordadas e evitar duplicação e redundância.

Com a revisão da literatura tornou-se possível verificar se os tópicos aqui abordados já foram

ou não estudados, e caso tivessem sido, possibilitou a identificação e análise dos resultados

obtidos nesses outros estudos, quer dizer, nos permitiu dispor de dados secundários relevantes.

Nesta fase fez-se uma revisão da documentação oficial do governo, desde a Constituição da

República (1990), convenções, protocolos e leis sobre o ambiente, planos estratégicos de

adaptação aos eventos extremos ambientais: Seca, cheias e ciclones.

Fez-se uma revisão de estudos e pesquisas feitas por programas transnacionais e projetos de

organizações não governamentais, por exemplo, os estudos do Instituto de Estudos Sociais e

Econômicos (IESE), o IPCC, NU-habitat, PNUD, e outras fontes indicadas na bibliografia

referentes à problemática dos riscos ambientais e do desenvolvimento institucional ambiental em

Moçambique. Esta técnica de revisão documental permitiu maximizar a construção e a

compreensão da problemática aqui levantada, forneceu linhas de orientação para o

desenvolvimento dos instrumentos de análise, auxiliou na identificação de tópicos e assuntos que

de fato mereceram atenção durante a fase de recolha de dados.

36

Discussão do projeto: Esta foi sem dúvida uma ferramenta importantíssima na fase de

preparação do campo. O NEPAM ofereceu uma imersão excelente, o que possibilitou recolher

impressões de pesquisadores e dos colegas, meus pares de outras áreas de conhecimento. A

imersão mostrou-se um procedimento fundamental para a prática interdisciplinar.

ETAPA II

Nesta etapa realizamos o estudo de caso na província de Sofala, distrito de Machanga, nos postos

administrativos de Machanga-sede, Chiloane e Divinhe-sede. Para realização deste estudo de caso

em Machanga, observamos diferentes procedimentos de recolha de dados primários, definidos em

função do grupo alvo a ser inquirido. Assim, foram conduzidas entrevistas individuais aprofundadas

(EIA) e grupos focais (GF) de discussão, ambos com perguntas semiestruturadas.

Grupos focais de discussão:

São encontros que envolvem entre 6 a 10 pessoas que falam livre e espontaneamente sobre

tópicos específicos constantes em guião previamente elaborado pelo pesquisador. No presente

contexto do estudo em Machanga as discussões constituíram um valioso instrumento qualitativo,

pois me permitiram aferir a percepção sobre o risco ambiental especificamente em cada grupo-

alvo. Estas discussões foram aplicadas principalmente na obtenção de informação sobre as

percepções socialmente partilhadas e as práticas comunitárias de adaptação, envolvendo homens

e mulheres, Jovens e adultos, de diferentes níveis de escolaridade e com diferentes graus de

envolvimento comunitário.

São estas informações que nos permitiram acessar às diferentes experiências, práticas sociais

e conhecimentos partilhados em torno da adaptação de risco de eventos extremos. O propósito

foi de extrair ideias e experiências diversificadas, num contexto em que uns e outros se

estimulam e confrontam suas próprias cosmovisões e conhecimentos sobre o assunto. Esta

técnica foi igualmente importante para buscar consensos, divergências, clarividência e para criar

um sentido de identificação, para além de permitir perceber o vigor das estratégias de adaptação

aos eventos extremos na comunidade.

37

Entrevistas Individuais aprofundadas (EIA):

Constituíram a técnica que assegurou a obtenção de informações referente às diferentes

experiências, práticas sociais e conhecimentos em torno da adaptação de risco ambiental em

Machanga. Asseguraram ainda a obtenção de dados oficiais no governo do distrito de Machanga

e nas instituições nacionais como o Instituto Nacional de Meteorologia (INAM) e o Instituto

Nacional de Gestão de Calamidades (INGC).

Esta técnica de recolha de dados foi aplicada usando-se um guião de perguntas pertinentes

segundo os objetivos da pesquisa; Envolve o entrevistado e o pesquisador, isto permitiu que

durante as entrevistas fossem colocadas outras questões como resultado das respostas dadas,

aprofundando desse modo alguns tópicos que não ficassem claros à primeira resposta dada. No

presente contexto de estudo as entrevistas constituíram num valioso instrumento qualitativo para

se aferir nuances sobre um determinado tema, acessar a pontos nebulosos.

Observação direta e Indireta:

A observação indireta consistiu em confrontar o nosso modelo de análise com os dados

observados, nos ajudou a responder as perguntas e hipóteses levantadas, que dados eram

relevantes, A observação direta consistiu no estabelecimento de contatos de caráter informal e

espontâneo com diferentes categorias de sujeitos, elaboração de questões e de guião de conversa.

qual a unidade geográfica e social em que nos encontrávamos, confirmar se a amostra

representativa e os critérios de seleção condizem com os objetivos traçados, comportou análises

situacionais de curta duração feitas no distrito de Machanga. A observação direta permitiu a

obtenção de informação sobre aspectos peculiares, aqueles que não se dizem, assegurando o

cruzamento da informação obtida na base da aplicação de outras técnicas aqui mencionadas.

Estes dois procedimentos metodológicos têm a vantagem de tornar a análise documental da

informação mais completa.

Análise Estatística descritiva e conclusiva:

Os dados recolhidos foram submetidos a um tratamento estatístico, de modo a permitir a

representação e apresentação de suas correlações em gráficos e tabelas e quadros ao longo do

trabalho. Para o efeito usamos o Excel 2013, que nos permitiu facilitar a compreensão dos dados

brutos, torná-los significativos e favorecendo a interpretação dos mesmos. Tendo compilado os

dados descritivamente, partimos para a análise conclusiva, quer dizer, análise dos fatores

38

relevantes para o objeto de estudo. Procuramos entender como as relações entre a componente

social e o risco ambiental se dá em Machanga. Por exemplo, as implicações da ocorrência de

eventos extremos e o abandono escolar numa perspectiva de gênero.

Análise temática do conteúdo:

Consistiu na busca de elementos semelhantes nos conteúdos dos discursos dos entrevistados

nos grupos focais e nas entrevistas aprofundadas, bem como na análise dos documentos oficiais

do governo listados nas referências bibliográficas desta tese.

O objetivo foi de fazer uma análise exaustiva de todo o conteúdo das entrevistas, procurando

observar os encontros e desencontros discursivos dos entrevistados e nos documentos, de modo a

captar nuances do conhecimento socialmente partilhado sobre os eventos ambientais extremos

em Moçambique.

Nisto procuramos captar as percepções sociais sobre os eventos ambientais extremos, entre o

dito e o não dito ou dito nas entre linhas, pois, partimos do principio que todo discurso é uma

construção social, quer dizer que o seu conteúdo reflete alguma visão de mundo ou sociedade, e

suas referências.

Esta afirmação remete aos debates dentro da Filosofia e da Sociolinguística, contudo, nosso

interesse é meramente prático no sentido de, verificar o alinhamento ou o não-alinhamento dos

discursos dos entrevistados e das estratégias do governo com a visão de mundo da comunidade

internacional, da ciência e/ou da comunidade local. Quais visões de mundo espelham?

Numa análise sistemática das informações colhidas nas entrevistas, procuramos fazer uma

reflexão sobre eles. Obviamente que dado ao nosso referencial teórico subentende-se que temos

uma noção clara que nas entrevistas não existiu uma total neutralidade dos entrevistados e nem da

parte do pesquisador, contudo, o trabalho está pautado por um esforço em analisar

sistematicamente os conteúdos das gravações feitas e refletir sobre as explicações intersubjetivas

nelas contidas.

39

TRABALHOS DE CAMPO - GRUPO ALVO

Para realização da recolha de dados entrevistamos o Administrador do distrito e o Secretário

permanente, bem como todos os diretores do governo distrital de Machanga, respectivamente:

Direção de Planificação e Infraestrutura (DPI), Direção Distrital de Saúde (DDS), Serviço

Distrital de atividades econômicas (SDAE), Direção Distrital de Educação (DDE), Chefes dos

Postos administrativos e de Localidade (Divinhe, Chiloane, Marropane, Djavane). Entrevistamos

Organizações Governamentais (INGC e INAM) e não governamentais (PMA e CCM) – Estes

constituíram os atores que forneceram dados do nível macro da pesquisa.

No nível micro, entrevistamos indivíduos pertencentes aos 03 postos administrativos

(Divinhe, Chiloane, Machanga-sede). Para tal, categorizaram-se os participantes em gênero

(Masculino e feminino) Idade (de 0-15criança; de 15-35 Jovens e +35 adultos). Levou-se em

consideração a posição do entrevistado em relação aos comitês de gestão de calamidades, de

modo a perceber se existia diferença significativa de conhecimento entre os que pertencem e os

que não pertencem aos comitês (Membros e não membros).

Distinguiram-se as técnicas a aplicar para recolha de dados, assim: para os membros do

governo e os pontos focais das organizações não governamentais fizemos entrevistas individuais

aprofundadas; para os membros das comunidades, incluindo os líderes, fizemos grupos focais

segregados pelas categorias acima estabelecidas.

Assim sendo, no nível micro de análise foram realizados 35 grupos focais, totalizando 139

participantes distribuídos de acordo com as categorias estabelecidas (Sexo, idade, pertença ou não

ao comitê de GC), como forma de captar minúcias em relação às questões de gênero realizou-se

alguns grupos focais mistos (Masculino e feminino), quer dizer, dos 35 grupos focais realizados,

09 foram de grupos mistos em termos de gênero.

O total de participantes entre grupos focais (GF) e entrevistas individuais aprofundadas (EIA)

foi de 150 participantes, conforme se apresentou com maiores detalhes no inicio do capítulo IV

da tese, dedicado especificamente ao estudo de caso. No nível macro de análise foram realizadas

11 Entrevistas individuais aprofundadas, das quais 10 foram aplicadas aos membros do governo e

uma (01) ao ponto focal do Programa Mundial de Alimentação (PMA), que representava também

o Conselho Cristão de Moçambique (CCM) em função de sua parceria em projetos sociais. (Ver

tabela 01).

40

Tabela 01: Grupo Alvo da pesquisa

*Quantidade de vezes em que a técnica foi aplicada por categoria de atores.

PROCESSAMENTO, TRATAMENTO E ANÁLISE DOS DADOS

Os dados recolhidos através das EIA foram devidamente transcritos, de modo que todo o

material bruto recolhido durante a pesquisa de campo está disponível para análise, caso surja

necessidade futura. Não foi possível transcrever os grupos focais por falta de cabimento orçamental,

contudo, as respostas pertinentes a este estudo foram compiladas em uma planilha do Excel, de

modo que todas as falas relevantes estão aí destacadas por categoria de grupo alvo.

Para recolha dos dados usamos o celular (para gravar áudio e fotografar), gravador de voz e

câmera fotográfica e de filmar. Esta tática de usar todos estes instrumentos foi extremamente salutar.

Alguns pontos do distrito de Machanga não têm corrente elétrica, (por exemplo, em Chiloane) por

isso, em vários momentos não tinha como recarregar a bateria da máquina de filmar. Nesses casos a

informação era guardada no celular e no gravador de modo a não perdemos nenhum áudio. Em

vários momentos a gravação de vídeo falhou, mas documentamos em fotografia.

Os resultados preliminares foram apresentados e discutidos em encontros técnicos dedicados

à apresentação de esboço de relatório de pesquisa com a orientadora, no grupo de pesquisa

LABGEC ao qual pertenço, aos membros da pré-banca. Estes encontros forneceram contribuições

valiosíssimas para a redação deste documento de pesquisa. Durante todo o processo de análise dos

dados quantitativos e qualitativos, procurou-se confrontar os aspectos inicialmente definidos para a

pesquisa e os que iam surgindo, de modo a permitir o enquadramento dos dados levantados e os

eventuais novos aspectos que emergiram no decurso da pesquisa.

7 Em Moçambique se considera lideres comunitários ou tradicionais são pessoas que têm legitimidade reconhecida pelas comunidades, sem que seja

necessária uma legitimação administrativa do Estado. Fazem parte deste escalão os régulos, os líderes de congregações religiosas locais e líderes das

associações de medicina não convencional.

Categorias Quantidade* Técnica Média de duração

Membros do Governo Distrital 10 EIA 1hora: 30 minutos

ONG: Ponto focal PMA e CCM 01 EIA 1hora: 30 minutos

Membros do Comitê de Gestão de Calamidades 15 G. Focal 2hora: 00 minuto

Líderes Comunitários7 05 G. Focal 2hora: 00 minuto

Não Membros dos comitês de gestão 15 G. Focal 2hora: 00 minuto

41

CAPITULO I

FENOMENOLOGIA E AMBIENTE:

TEORIA E CONCEITOS

“A verdadeira filosofia é reaprender a ver o mundo”

(Merleau-Ponty in fenomenologia da percepção. 1999)

42

A FENOMENOLOGIA DE ALFRED SCHÜTZ

Para a elaboração da presente pesquisa cabe compreender a relação entre percepções de risco e

as estratégias de adaptação aos eventos extremos em Moçambique, o que necessita de uma

abordagem que nos permita acessos à subjetividade dos atores envolvidos ao mesmo tempo em que

não discorra das questões sociais e ambientais relevantes, por isso socorremo-nos da abordagem

fenomenológica de Alfred Schütz (1899-1957).

Esta abordagem possui elementos que permitem tratar de aspetos ínfimos dos sistemas de ação

social, particularmente o exercício de redução fenomenológica e os conceitos como hereditariedade

cultural e intersubjetividade, e por considerar a capacidade dos indivíduos de interiorizar e

interpretar os fenômenos e em função dessa interpretação, agir no quotidiano.

A fenomenologia tem como precursores: John Locke (1632-1704), David Hume (1711-1776),

Franz Bretano (1838-1917), Edmund Husserl (1859-1938), entre outros que deram importantes

contribuições para a sustentação da teoria da ação.

John Locke contribuiu para esta teoria na medida em que defendeu que o conhecimento

(Knowledge) é racional e acabado, fruto de convergências e de contrariedades, e surge do

cruzamento entre a percepção (Reflexão + entendimento) que se tem sobre um determinado

fenômeno e a experiência (Reflexão + Sensibilidade) que o indivíduo possui. Para Locke a produção

de conhecimento é um ato volitivo, fruto de alguma necessidade interna ou externa ao indivíduo,

uma intencionalidade, uma predisposição, isto equivale a dizer que a percepção que se tem sobre

algum fenômeno é sempre estereotipada, por ser fruto da Memória (Recordação, raciocínio,

Julgamento), e estar implícita no pensamento (ESPINDOLA, 2012).

Por seu turno, David Hume com a sua obra intitulada Investigação Sobre o Entendimento

Humano, trouxe ao debate a valorização das paixões como fatores de produção de conhecimento.

Para este autor a sensibilidade proporciona conhecimento e as inferências (indução e dedução),

enquanto medidores cognitivos da experiência são gerados nos sentidos, o que quer dizer que o

processo de produção de conhecimento em Hume não está dissociado da herança genética do

indivíduo e nem de sua cultura. Nesta lógica, o conhecimento nunca pode ser tido como acabado e

completo, mas é algo sempre em construção (Understanding). Hume defende que através da

percepção, os indivíduos organizam-se e interpretam suas impressões para desse modo atribuir

significado ao seu meio, em suma, o indivíduo percepciona, o que sugere que ele adquire, interpreta,

seleciona e organiza as informações obtidas pelos sentidos (LURIA, 1979b).

Contudo, há que considerar que o indivíduo encontra-se limitado pelo alcance dos seus sentidos

43

e de sua experiência, o que faz com que gere impressões estereotipadas, sem contar que para Hume

as conexões de ideias, surgidas na memória com regularidade, são influenciadas e variam de acordo

com o ambiente de origem, determinando assim a diversidade de ideias acerca de determinado

objeto ou situação e justificando as diferentes visões sobre uma mesma realidade empírica.

Outra contribuição importante deste autor deve-se ao fato de defender que ao confrontar as

ideias, a mente adquire novas ideias das coisas em si mesmas, gerando as tipificações ou

generalizações e posteriormente reduzindo a princípios, buscando causas gerais para diversos efeitos

particulares mediante: Raciocínio de analogia, experiência e observação (Hume, 1985:35). Em suma

para este autor o conhecimento é fruto da crença (instinto e habitus) somada às tipificações. A

percepção é antes de tudo a aquisição, a interpretação, a seleção e a organização das informações

obtidas pelos sentidos (LURIA, 1979b).

Fundamentado nos princípios destes autores em termos de produção de conhecimento é que

surge a fenomenologia como corrente de pensamento no final do séc. XIX como fruto das produções

acadêmicas e principalmente do desenvolvimento do pensamento filosófico de Edmund Husserl

(1859-1938). Basicamente, as ideias de Husserl eram contrárias ao naturalismo e ao psicologismo.

Este autor rejeitava a fixação científica da época por um objeto eminentemente físico, para ele as

ciências humanas deveriam alcançar um rigor intelectual que passasse pela rejeição à adoção de

métodos das ciências naturais, que permitissem analisar o senso comum, voltando às origens dos

fenômenos e se preocupando com a realidade em si, presente na experiência comum, no mundo da

vida. Husserl propõe uma terceira via entre a especulação metafísica e o raciocínio positivista a que

podemos chamar plano da realidade (SOUZA, 2012), ou como ele mesmo denominou de “a intuição

originária”.

Por esta terceira via deve-se entender que a essência do fenômeno se encontra na consciência e,

portanto, o foco da fenomenologia se encontra no que o autor logrou designar de intencionalidade,

querendo com isto referir que todo fenômeno mental, diferentemente do fenômeno físico, carrega

um objeto em si, porém este existe em função do sujeito que o significa. O objeto é definido na sua

relação com a consciência (sujeito). Assim, a intencionalidade é o direcionamento da consciência a

um objeto, por onde se entende que o modo como um objeto existe, depende do modo sob o qual ele

é visado pela consciência ou sujeito.

O papel primordial da fenomenologia é o de elucidar a essência da relação entre o sujeito e o

objeto. Este processo elucidativo demanda uma redução fenomenológica que é um exercício de

suspensão da realidade, tal qual o senso comum a concebe, um exercício de aproximação da

44

realidade tal qual significada pela consciência.

Na filosofia fenomenológica de Husserl a consciência é pública, age e se manifesta publicamente,

o que equivale a dizer que o pensamento, o raciocínio e a percepção têm um sentido público

(SOKOLOWSKI, 2004:21), por aí considerar-se que o ato de conhecer é inesgotável, exaustivo sem

fim. Esta filosofia transcendental Husserliana, ao propor a intencionalidade como objeto da

fenomenologia procura nada mais que humanizar a ciência. Apesar de muito proveitosa filosofia,

muitos dos discípulos de Husserl não intentaram por esta tarefa hercúlea, preferindo dedicar-se a

explorar a ideia da experiência humana no mundo da vida. Dentre eles o que mais se destacou foi

Schütz, (GIDDENS, 1978:28).

Alfred Schütz foi quem iniciou e finalizou a pretensão de aplicar as ideias fenomenológicas na

resolução de problemas na Sociologia enquanto ciência humana, mantendo uma ideia inteiramente

racionalista (GIDDENS, 1978:28). A ideia central de Schütz é de que a compreensão dos fenômenos

acha-se já realizada nas atividades do quotidiano e que a linguagem quotidiana esconde um tesouro

de tipos e características pré-constituídas da essência social, que abrigam conteúdos inexplorados

(SCHÜTZ, 1979; COULON, 1995ª: 11).

Assim, a fenomenologia poderia e deveria proporcionar os alicerces para uma ciência da conduta

social, e oferecer a possibilidade de se pensar “ao mesmo tempo a exterioridade e a interioridade”

(MERLEAU-PONTY, 1990: 156). O mundo social de Schütz é aquele da vida quotidiana, tanto o

daquelas pessoas simples e não doutas como o das instruídas e dotadas, e neste paradigma, a

principal unidade de análise são os significados partilhados pelos atores sociais durante o processo

de interação (AMARAL, 2011).

A realidade social em Schütz, é a soma total dos objetos e dos acontecimentos do mundo cultural

e social, vivida pelo pensamento do senso comum de homens que vivem numerosas relações de

interação, sendo que estes homens nunca realizam experiências idênticas, mas criam processos de

ajustes, de modo que a experiência vivida por um seja assimilada e compreendida pelo outro através

de processos de interação e comunicação, e desta forma os indivíduos podem compartilhar da

mesma realidade, criando um mundo comum e compreensível para todos aqueles que vivenciam o

mesmo contexto cultural e social específico.

Assim, grande preocupação de Schütz foi a de entender como os atores estabelecem os

significados que atribuem aos fenômenos de modo a compreender de que modo os indivíduos

apreendem o conhecimento e geram estereótipos sobre a realidade (ESPINDOLA, 2012). Os

indivíduos não agem no vazio, mas em situações sociais concretas, reguladas por um conjunto de

45

relações sociais objetivas (HERITAGE, 1999:329). Esta ideia ou perspectiva vai contra o

determinismo das análises estruturalistas, que reduzem o agente a um mero “portador” da estrutura

social, para fenomenologia de Schütz, o mundo é interpretado à luz de categorias e constructos do

senso comum que são largamente sociais na sua origem (AMARAL, 2011).

Em Schütz a ideia da hereditariedade cultural ganha importância única, na medida em que

permite entender que o indivíduo orienta-se em função de preposições adquiridas no convívio com

os seus antecessores, e, portanto os significados dos fenômenos são dotados de externalidade, pois

estas disposições adquiridas e interiorizadas pelos indivíduos, (habitus ou cultura) antecedem e

precedem o indivíduo, que as tenta reproduzir consciente ou inconscientemente, adaptando-as aos

contextos em que estão inseridas.

O que permite este acúmulo ou união de saberes, informações e operações cotidianas de que o

indivíduo dispõe para interagir com o mundo, interpretá-lo e habituar-se a ele, designado pelo autor

como sendo estoque de conhecimento à mão, é a memória, que é definida como a capacidade de

retenção, lembrança e reconhecimento de algo (SCHÜTZ, 1979).

É esta memória que permite aos indivíduos dispor de “fórmulas prontas” quando se vêm

envolvidos em situações de risco, por exemplo, ligado aos eventos extremos, de maneira a lidar com

a situação e obter os melhores resultados possíveis, com a realização do mínimo esforço e evitando

ao máximo as consequências indesejáveis. A capacidade adaptativa ou resiliente de determinada

comunidade é garantida pela eficiência destas “fórmulas prontas”, pois o padrão Ready-made

substitui a “verdade” científica de difícil alcance, oferecendo truísmos ou verdades confortáveis e

autoexplicações (SCHÜTZ, 1979:81).

Assim, estes elementos cognitivos são recursos que os indivíduos utilizam para compreenderem

e serem compreendidos nas suas ações do quotidiano, se o mundo social é algo inteligível para todos

os atores sociais, implica que eles entendam de maneira una e semelhante e assim possam criar

relações sociais. Esta perspectiva torna-se fundamental para esta pesquisa, por dar ênfase às

experiências dos indivíduos no seu dia-a-dia, favorecendo o entendimento sobre como os indivíduos

constroem o seu discernimento da situação de risco ambiental, através do seu estoque de

conhecimento sociocultural, no convívio com os outros atores sociais.

Teoricamente, Schütz descreveu cinco propriedades importantes do conhecimento e da cognição,

que fazem desta teoria adequada para nossa pesquisa, pelos objetivos que apresentamos, segundo a

fenomenologia de Schütz: (HERITAGE, 1999: 329).

1. O mundo da vida quotidiana é um mundo permeado de naturalidades, pois os atores interagem e

46

agem no quotidiano, seguindo cursos ordinários, desenvolvidos por percepções pré-adquiridas no

decurso dos acontecimentos do passado ou do cálculo racional das orientações das ações

empreendidas no presente.

2. Propõe que a construção dos objetos é continuamente atualizada por meio de sínteses de

identificação, ou seja, a realidade se transforma a cada segundo, variando de acordo com os

contextos onde estão inseridos.

3. Os objetos do mundo social são constituídos no interior de uma estrutura informal e de pré-

conveniências, fornecidas por um “estoque de conhecimentos à mão” que é esmagadoramente

social em sua origem.

4. Esse estoque de constructos sociais é tipificado, ou seja, são ordenados em tipos característicos

capazes de serem correlacionados e reconhecidos à medida que são novamente observados ou

experimentados, e por fim,

5. A compreensão intersubjetiva se realiza por meio de um processo no qual os atores esperam

reciprocidade, apesar das diferentes perspectivas que orientam as compressões da realidade de

cada um deles, permitindo que se estabeleçam relações de comunicação e de troca de

experiências objetivas entre os atores, ao desenvolverem suas ações subjetivas.

Os principais conceitos fenomenológicos de Schütz articulados nesta pesquisa são:

O mundo da vida é intersubjetivo comum a todos, onde se cruzam interesses teóricos e práticos,

é a cena e o objeto das nossas ações e interações.

A consciência é o que nos permite colocar sentido a nossa biografia, e às nossas experiências.

A vivência é o que permite o comportamento dos indivíduos na sociedade.

A redução fenomenológica é o método que consiste em isolar a experiência e refletir sobre os

seus pressupostos ou a essência do seu sentido. É o método fenomenológico por excelência.

O estoque de conhecimento à mão é todo o conhecimento que adquirimos, no dia-a-dia, e que a

sociedade disponibiliza.

A reflexão é o ato através do qual voltamo-nos para nossas próprias experiências, modificando a

atitude ingênua com a qual nos dirigimos aos objetos. Quando se diz que as pessoas têm praticas

reflexivas, isto significa que refletem sobre aquilo que fazem, embora não tenham consciência do

caráter reflexivo de suas ações.

A ação no mundo exterior é quando passamos da reflexão para a ação concreta apenas pela

socialização de que fomos alvo.

47

Podemos assim afirmar que esses elementos cognitivos são os recursos que os indivíduos

utilizam para compreender e serem compreendidos nas suas ações do quotidiano, cada ato tem um

único conteúdo, o que provém do ator, e se o mundo social é algo inteligível para todos os atores

sociais, implica que eles o entendam de maneira una e semelhante e assim criem relações sociais.

É a luz destes conceitos, que analisamos as diferentes percepções de risco ligadas aos eventos

extremos e a sua gestão em Moçambique, particularmente em Machanga, estando assim

fundamentada a ideia de a priori atribuir aos atores a capacidade de produção e uso de diferentes

tipos de saber e conhecimento para redução das incertezas em relação ao riscos ambientais.

Esta perspectiva teórica torna-se fundamental para esta pesquisa, pois dá ênfase as experiências

dos indivíduos no seu dia-a-dia, favorecendo o entendimento sobre como os indivíduos constroem o

seu discernimento da situação de risco ambiental, através do seu estoque de conhecimento

sociocultural, e no convívio com os outros atores sociais.

O MÉTODO FENOMENOLÓGICO

A fenomenologia esteve na base dos estudos sobre percepção ambiental, contudo ganhou

diversas ramificações e assim, os estudos sobre percepção ambiental foram adotando outras

referencias dentro da filosofia e da psicologia, o que contribuiu para que os estudos sobre percepção

ambiental apresentassem o espírito fenomenológico, mas sem aplicação efetiva do método

fenomenológico (HOLZER, 1998), a redução fenomenológica.

Analiticamente, segundo Husserl (2006, p.143), a redução fenomenológica é composta por dois

processos, o primeiro designado por redução eidética (essência do conhecimento intuitivo) que

consiste num esforço por detectar e ressaltar os significados dos fenômenos para os sujeitos. Quer

dizer, acessar as experiências vividas, lembranças bem detalhadas dos fenômenos, o conhecimento

das coisas em si. E o segundo momento, designado por redução transcendental (ir além da

consciência do sujeito) consiste em procurar a essência da consciência dos sujeitos pesquisados,

quer dizer, ignora-se a existência real dos fenômenos em si, para evidenciar como esses fenômenos

se manifestam para os sujeitos. É a procura do conhecimento da percepção do sujeito sobre os

fenômenos a que está exposto.

A redução fenomenológica permite ao pesquisador apreciar os elementos da subjetividade do

sujeito, por meio do acesso as suas vivências, seu pensamento, as suas lembranças, a sua percepção,

e a imaginação, procurando os significados que o sujeito lhes atribui (BELLO, 2004, p. 90), sem

deixar de considerar que este sujeito pode ser influenciado pela mídia e seus valores, assim como

48

pela sociedade em que está inserido.

Assim, uma pesquisa para ser considerada fenomenológica, deve se ocupar em fazer uma

descrição minuciosa das vivências dos sujeitos; realizar ao menos um tipo de redução

fenomenológica e construir e estabelecer uma significação de base científica ao que foi descrito, aos

achados (GIORGI, 2008). Para tal, observar, perguntar e ouvir os sujeitos são os 03 (três) elementos

basilares das pesquisas que buscam percepção ambiental (WHYTE, 1977).

A fenomenologia de modo geral, é a valorização da subjetividade do sujeito como elemento

presente na produção de conhecimento objetivo, por onde entendemos que ao buscarmos pela

percepção social de risco em Moçambique, estamos em última instância a correr atrás das memórias

e das reflexões advindas da experiência e das vivências ligadas aos eventos extremos, no fundo é

buscar o pensamento e o entendimento sobre gestão de eventos extremos, apontando para o

conhecimento gerado no nível da comunidade.

Chauí (2005) afirma que a redução fenomenológica (o método fenomenológico) permite

compreender o significado dos fenômenos, na medida em que coloca entre parênteses a existência da

realidade concreta para buscar apenas a consciência dos sujeitos em relação ao objeto visado. Para o

caso vertente desta tese, permite considerar que os afetados pelos eventos extremos adquirem

experiências empíricas a cada evento e produzem suas reflexões e transformações em concepções ao

longo do tempo e partilham entre si, afinal, o conhecimento não é um disco duro imutável, mas está

em constante transformação, seja pela partilha entre os sujeitos ou pelo surgimento de novos eventos

e experiências particulares.

Temos claro que ao propor fazer uma análise fenomenológica das mudanças ambientais em

Moçambique, estamos em última instância a procurar descrever a realidade ambiental moçambicana

sob o ponto de vista da consciência social, buscando trazer o que é dado pela experiência dos que

vivenciam tais situações de risco ambiental.

Buscamos entender como são (re)significados estes fenômenos na consciência dos que

vivenciam situações concretas de eventos extremos, aferindo as intencionalidades cognitivas,

afetivas e práticas ligadas às mudanças ambientais no cotidiano moçambicano.

49

COMUNICAÇÃO E LINGUAGEM

A comunicação é um dos elementos basilares na fenomenologia de Schütz. É graças à

comunicação que se pode olhar para o mundo exterior da maneira como ele se apresenta, como dado

adquirido (SCHÜTZ, 1967: 36). É a comunicação que garante a existência de uma estrutura e de um

sistema de relevância, que permite observar o que é importante para esse grupo dentro de sua

concepção formada a partir de experiência, hábitos e costumes.

A fenomenologia como pensada por Schütz defende que a constituição de relações sociais exige

a transformação da experiência individual através da linguagem e a construção de uma realidade

objetivada que é qualitativamente diferente da experiência subjetiva, o mundo da vida, das

experiências comuns, originados no universo profundo da corrente de consciência. O mundo da vida

é um mundo de evidências e de significados comuns intersubjetivamente partilhados, sendo a

comunicação que assegura a estruturação de contextos de significado objetivos que são tomados por

independentes da experiência subjetiva dos agentes sociais (CORREIA, 2004). Assim se estabelece

a relação entre a memória e o processo de simbolização, pois para o autor só aquilo que já

transcorreu é que pode ser simbolizado (SCHÜTZ, 1982: 67).

Segundo Correia (2004) apesar desta centralidade da linguagem e da comunicação na teoria

fenomenológica de Schütz não se pode deixar de considerar que há sempre uma parte da vida

particular do outro que não fica à disposição, o acesso à experiência do outro é dada pelo uso de

signos partilhados, este acesso não é integral, contudo permite a vivência intersubjetiva no mundo da

vida. É através da comunicação na vida quotidiana que os indivíduos superam a experiência da

transcendência dos outros, as suas próprias experiências do mundo. Assim sendo, a comunicação na

vida quotidiana é essencial para compreensão dos diferentes âmbitos de significado finito em que

esse mundo se estratifica.

Na fenomenologia de Schütz a linguagem torna as experiências comunicáveis, e a comunicação

permite a partilha das experiências individuais e a criação de uma realidade comum aos membros da

comunidade, sendo que a partilha dos significados só se pode realizar através da comunicação, o que

não quer significar que toda a ação carregada de significado seja ação comunicativa, pois, somente

devem-se considerar ações comunicativas aquelas nas quais está presente a clara intenção de

transmitir o significado atribuído às essas ações, assim, só é comunicação o tipo de ação que se

dirige a outro com a intenção de dar a conhecer um significado.

A comunicação é uma ação social, pois é carregada de subjetividade dirigida a outros e para

além do significado que a mensagem explícita transporta, existe um motivo para se comunicar que

50

ultrapassa o mero significado da mensagem explícita (CORREIA, 2004).

Daí entender-se que existe sempre uma intencionalidade na transmissão dos significados que

aparece como o elemento essencial e característico dos processos comunicativos. Neste sentido, não

se esperar somente a compreensão por parte do receptor, mas uma atitude, afinal a comunicação é

sempre dirigida a um fim, procura sempre produzir um determinado efeito no individuo com quem

se comunica (SCHÜTZ, 1982: 167).

A linguagem é o meio por excelência através do qual se transmite o conhecimento socialmente

relevante. Por isso, a compreensão da linguagem torna-se fundamental para a compreensão da

realidade da vida quotidiana conforme sugerido pela fenomenologia de A. Schütz. O conhecimento

que herdado dos antecessores é dado através das tipificações linguísticas, de maneira que o mundo é

apresentado como dotado de objetividade que transcende aos indivíduos (CORREIA, 2004).

Nesta pesquisa a análise da comunicação de risco torna-se fundamental, para tal, consideraram-

se os atores multinível envolvidos como produtores e transmissores de subjetividades ligadas as suas

experiências em relação aos eventos extremos, como apresentaremos mais adiante.

Sendo assim, a mídia, o governo e suas instituições, bem como a população do distrito

Machanga partilham de significados tipificados na linguagem cotidiana, e se interinfluenciam

criando um estoque de conhecimento disponível no mundo da vida cotidiana, que é impregnado de

percepções sobre o risco ambiental. É sob este prisma fenomenológico que analisaremos as

estratégias de comunicação de risco ambiental por cada um dos atores. Com este exercício procurou-

se captar a essência do fenômeno comunicativo e suas vicissitudes.

DESASTRES NATURAIS: FENÔMENOS AMBIENTAIS OU FENÔMENOS COMPLEXOS?

O debate sobre as formas de interpretação dos desastres naturais é abstruso e tem sido

desenvolvido pela utilização de muitos conceitos como, por exemplo: crises, catástrofes naturais,

desastres naturais, riscos naturais, vulnerabilidade, eventos extremos, impactos negativos,

emergências, entre outros;

A palavra “desastre” tem sido utilizada para caracterizar todo tipo de infortúnios súbitos,

inesperados ou extraordinários, porém em termos sociológicos, sua utilização reporta,

especificamente, a um acontecimento, ou uma série de acontecimentos, que alteram o modo de

funcionamento de uma determinada sociedade;

Alguns pesquisadores têm focalizado dimensões analíticas relacionadas à duração do impacto,

procurando comparar as reações sociais nos diversos grupos de fenômenos, enquanto outros

51

enfatizam os aspetos físicos dos desastres (KREPS, 1984: 311).

Deste modo, torna-se possível diferenciar duas grandes tradições de análise, onde por um lado

encontramos a teoria dos Hazards, desenvolvida do ponto de vista geográfico-físico, e outro lado a

teoria dos desastres do ponto de vista sociológico, que enfatiza os aspetos sociais. Em ambos os

casos verifica-se que o conceito de calamidade ou eventos extremos evoca uma relação específica

entre sociedade e natureza, no qual se enfatiza os fatores sociais para a análise do fenômeno.

Embora se possa, por exemplo, determinar com precisão que o agente causador do impacto é a

chuva ou o vento, não se pode explicar o fenômeno considerando o agente isoladamente, sob pena

de supor que quanto maior for a magnitude do agente causador, maior será o número de vítimas, o

que não é verdadeiro. Isto equivale a dizer que para se compreender o porquê de uma população ser

atingida é necessário considerar não somente as consequências ou os impactos, mas também os

fatores sociais que o antecederam (FERREIRA at. al., 2011).

Existe um número considerável de modelos8 para analisar o comportamento dos indivíduos

antes, durante e depois da ocorrência de um desastre natural, estes modelos não são excludentes,

mas fornecem uma avaliação das percepções individuais de forma diferente e variam segundo a

ênfase atribuída aos fatores cognitivos ou aos fatores situacionais do sistema social.

Por outro lado, Thouret & D’ercole, (1996: 416-417), demonstraram que o convívio e a

experiência acumulada pela comunidade permitem a diferenciação de 04 (quatro) tipos principais de

comportamento. O primeiro tipo compreende a absorção passiva dos impactos, o que reflete a

inexistência de consciência do risco, esta situação segundo os autores dificulta a preparação da

população e aumenta a sua vulnerabilidade.

O segundo tipo de comportamento corresponde à aceitação dos impactos por meio de um

ajustamento temporário e parcial, em função da possibilidade de distribuição dos custos e prejuízos

através da solidariedade comunitária e também reflete a aceitação dos riscos pela população.

O terceiro comportamento refere-se aos esforços de redução dos impactos através de estratégias

individual ou coletiva antes, durante e após os impactos, exprimindo a capacidade de estimativa dos

custos de proteção face aos prejuízos provocados pela calamidade.

8 1- O Modelo Behaviorista de análise, baseado na aplicação de questionários e inquéritos em pessoas situadas em áreas de risco, visando a fazer comparações entre os diversos tipos de comportamento.

2 - O Modelo de Preferência que procura entender o comportamento individual através das preferências “reveladas” e “expressas”, procurando

determinar o papel da experiência na gestão da situação de desastre natural. 3 - O Modelo Utilitarista, que modifica a visão convencional de racionalidade, fundamentada na consideração de que os indivíduos são racionais ao

ligarem uma intenção subjetiva a possíveis retornos.

4 - Modelo Marxista que sustenta que as pessoas vivem em área de risco porque a sociedade não fornece outras alternativas, ou seja, que os desastres naturais não afetam as pessoas da mesma maneira, pois são os grupos vulneráveis que são os mais atingidos. Este último modelo ressalta os fatores

situacionais, focalizando questões sobre a perceção da vulnerabilidade, o processo de vitimização e os mecanismos de ajuda (TOBIN & MONTZ,

1997).

52

O quarto tipo de comportamento é a postura frente ao problema, refere-se à modificação radical

do comportamento social em caso de crise, através da redefinição do modo de ocupação do solo em

áreas inundáveis ou da realocação da população ameaçada, indicando a existência de uma

disposição política preventiva de longo prazo.

Nesta ordem de ideias, consideramos que cada sociedade pode responder aos desastres a partir

das experiências acumuladas do convívio com o problema. Fato interessante é que na perspectiva

das ciências sociais, o agente do desastre não pode ser considerado como um fator externo ou

independente do contexto sócio ecológico, e, portanto, a ocorrência de um desastre natural exprime

a materialização da vulnerabilidade social (PELANDA, 1982: 507-532).

Assim, considero que o aumento do número de desastres ambientais nos últimos anos em

Moçambique indica a predominância de uma situação de maior vulnerabilidade ambiental

intimamente ligado a um crescente processo de marginalização social, pois o desastre natural é sem

dúvidas o resultado da relação entre uma população marginalizada e um ambiente físico deteriorado

(SUSMAN ET AL., 1983: 263-283; BARBI & FERREIRA, 2013).

Nesta perspectiva podemos ainda considerar que os desastres podem ser definidos como

fenômenos naturais, que impactam a sociedade humana, causando o surgimento de um padrão

específico de interação entre um fenômeno natural e uma determinada organização da sociedade, e

nessa perspectiva, a análise típica dos problemas ambientais caracteriza-se pela consideração dos

impactos provocados pelo sistema humano sobre o ambiente natural. Nesta ordem de ideias, a

dimensão social é pensada como uma variável que afeta a dimensão natural. Devemos também

incluir o possível impacto que o ambiente modificado pode provocar sobre os seres humanos, neste

caso, a dimensão natural intervém no processo.

Um fenômeno ambiental é intrinsecamente natural e social na sua essência, portanto nesta

pesquisa estamos diante de fenômenos complexos, pois estudar eventos extremos em última

instância significou analisar variáveis resultantes da relação de aspectos físicos, psicossociais,

econômicos, culturais e biológicos, que se mostraram essenciais para a adaptação aos eventos

ambientais extremos, tais como: conhecimentos, habilidades e comportamentos.

Esta forma de considerar as relações entre a dimensão natural e social fundamentou-se no

princípio de que existe uma relação de influência recíproca entre as duas dimensões, e deste ponto

de vista, um evento extremo que se transforme em desastre natural é um fenômeno complexo que

pode ser caracterizado como sendo o efeito negativo que emerge nos pontos de intersecção entre

sociedade e ambiente.

53

VULNERABILIDADE SOCIOAMBIENTAL

A vulnerabilidade é o grau pelo qual um sistema é suscetível ou incapaz de enfrentar efeitos

adversos da mudança, incluindo a variabilidade e os extremos do clima; É função do caráter,

magnitude, rapidez da mudança ambiental e da variação a que um sistema está exposto, sua

sensibilidade e sua capacidade de adaptação (IPCC, 2001).

Assim, a vulnerabilidade também pode ser entendida como um conjunto de situações

problemáticas, que posicionam o indivíduo em uma condição de carente, necessitado e

impossibilitado de responder com seus próprios recursos a dado litígio que ele vive e que o afeta.

O conceito de vulnerabilidade tem suas raízes no estudo do risco de eventos naturais, podendo se

definir ainda como as características de uma pessoa ou grupo em relação a sua capacidade de

antecipar, de fazer frente a, de resistir e de se recuperar de um impacto e risco natural ou social.

Implica uma combinação de fatores que determinam o grau no qual a vida e a forma de vida de

alguém, são colocadas em risco por um evento discreto e identificável na natureza e na sociedade

(BLAIKIE et al., 1994). Literalmente uma relação existente entre a possível intensidade do dano e a

magnitude da ameaça, caso ela se concretize como evento adverso.

O estudo sobre vulnerabilidade de populações às mudanças climáticas e sua variabilidade , bem

como a capacidade adaptativa, é um campo relativamente novo se considerarmos a

interdisciplinaridade em voga. Todavia, vários são os pesquisadores que se têm dedicado ao estudo

da relação entre os conceitos de vulnerabilidade e adaptação9.

Segundo Martins & Ferreira (2012) existem perspectivas diferentes quando se aborda sobre

vulnerabilidade nas ciências sociais e nas ciências naturais. Defendem que as ciências naturais no

geral entendem a vulnerabilidade a partir da possibilidade de ocorrência de danos ou perdas, que

tragam impactos advindos de eventos hidrometeorológico num determinado espaço. Enquanto que

as ciências sociais vêm vulnerabilidade como a representação de um contexto socio-histórico,

influenciado por fatores socioeconômicos e culturais que em si representam uma capacidade de

9 Para aprofundar este tema ler: CUTTER S. L. 1996. Vulnerability to environmental hazards. Progress in human

Geography, V.20, n. 4, p. 529-539.

IPCC. 2007; Synthhesis Report. Cambridge: Cambridge Universit Press.

PELLING, M. 2010 Adaptation to Climate Change:From resilience to transformation. New York: Routledge.

ADGER, W.N.; HUQ, S.; BRON, K.; CONWAY, D.; HULME, M. Adaptation to climate change: Setting the agenda for

development policy and research. Tyndall Center for climate change research working paper 16.

HOGAN D. J.; MARANDOLA Jr. E.; 2005; Towards na interdisciplinary conceptualisation of vulnerability. Population,

Space and Place. V.11, n. 6, p. 455-471.

54

resposta. Para análise da vulnerabilidade e das potencias perdas e danos decorrentes dos perigos

ambientais são necessárias condições gerais como uma unidade de análise (comunidade, país,

localidades) e pela quantidade de recursos existentes para se responder a estes apelos.

Os estudos sobre vulnerabilidade socioambiental concentram-se em duas categorias. A que vê a

vulnerabilidade em termos de extensão ou potencial dano, e a segunda visão que analisa a

vulnerabilidade como um estado dinâmico de uma determinada comunidade. Como bem disse

Marandola (2014), não existem comunidades 100% vulneráveis e nem 100% invulneráveis.

De acordo com Martins & Ferreira (2012), a primeira visão sobre vulnerabilidades surge a partir

das avaliações de risco e impactos na década de 1980, onde se atribuía menor importância às

atividades humanas na mediação das consequências dos eventos de origem hidrometeorológica, quer

dizer, concentravam esforços em determinar a exposição humana aos perigos, dando pouca

importância para consideração da capacidade adaptativa da sociedade e dos indivíduos, sua a

capacidade de responder a estes perigos ambientais de forma antecipada e reativa.

É a clássica forma de ver a vulnerabilidade como fruto da combinação de 03 elementos: perigo,

exposição e sensibilidade. A este tipo de análise pode se chamar avaliação de vulnerabilidade

natural. A vulnerabilidade natural depende da frequência e da probabilidade ocorrência de um

determinado tipo de perigo. A segunda visão vê na vulnerabilidade uma condição de vida de uma

determinada comunidade, e surge a partir dos estudos que buscavam investigar os aspectos

estruturantes que tornava o grupo susceptível aos eventos climáticos.

Nesta perspectiva a vulnerabilidade é vista como algo inerente ao sistema. É fruto das

características históricas e que ficou conhecido. A vulnerabilidade social é determinada por

diferentes formas de privação que envolve fatores como a pobreza, desigualdade e exclusão,

Insegurança Alimentar, e falta de moradia adequada. A vulnerabilidade social não segue a mesma

lógica, ela depende do nível de preparo para suportar e responder aos impactos advindos dos eventos

extremos numa determinada população. Muitos fatores determinam o resultado de um perigo sobre

uma comunidade, independentemente das características geofísicas da ameaça, segundo os autores

isto inclui as variáveis ambientais e as diversas formas de exposição socialmente determinadas,

como, por exemplo, a proximidade do rio e do mar, ou a disposição do relevo.

Quanto maior exposição e sensibilidade, maior será a vulnerabilidade e por outro lado, quanto

maior a capacidade de adaptação de um sistema, menor a sua vulnerabilidade. Vale ressaltar que ter

capacidade de adaptação nem sempre significa a utilização efetiva desta capacidade, influenciando

55

assim a determinação da vulnerabilidade (IPCC, 2001), quer dizer, existem outros fatores

determinantes.

“Vulnerabilidade tem se apresentado como um conceito promissor neste sentido, por

incorporar, para além das áreas e populações em risco, também suas capacidades e estratégias

de enfrentamento de situações adversas, incorporando outros elementos além das condições

materiais para a compreensão das situações das famílias e domicílios em risco. Mais do que

isso, vulnerabilidade tem se mostrado um conceito heurístico para adensar o sentido de

segurança e proteção na sociedade contemporânea, funcionando como seu reverso,

permitindo assim que seu enfrentamento signifique a promoção de segurança e de

sustentabilidade, no seu sentido virtuoso” (MARTINS E FERREIRA 2012).

Este conceito de vulnerabilidade é abrangente e envolve distintos fatores e processos, por

exemplo, a suscetibilidade e a predisposição das comunidades a serem afetadas, as condições que

favorecem ou facilitam que aconteça uma perda ou desastre frente a uma ameaça.

O principal conceito é que um indivíduo está em vulnerabilidade socioambiental quando

apresenta indicadores de exclusão social como sinais de desnutrição, condições precárias de

habitação e deficiente saneamento, não possui estabilidade social, não possui nem emprego e nem

trabalho, enfim, quando sofre exclusão social. A vulnerabilidade socioambiental é formada na

intersecção entre indivíduos e o espaço em que ele vive, e é um termo geralmente ligado a pobreza,

quer dizer, existência de indivíduos que estão dependentes de favores de outros (SEADE, 2001).

Os indivíduos nesta situação tornam-se impossibilitados de partilhar dos bens e recursos

oferecidos pela sociedade e pela natureza. Assim, a vulnerabilidade ambiental e o risco social podem

ser entendidos como sinônimos de pobreza, porém, um é consequência do outro, uma vez que a

vulnerabilidade ambiental coloca as pessoas em uma situação de risco social, e o risco ambiental

conduz os indivíduos à situação de vulnerabilidade ambiental. É nesta ordem de ideias, que nesta

pesquisa consideramos que a vulnerabilidade ambiental é também social na sua essência.

“Vulnerabilidade social como o resultado negativo da relação entre a disponibilidade

dos recursos materiais ou simbólicos dos atores, sejam eles indivíduos ou grupos, e o acesso à

estrutura de oportunidades sociais econômicas culturais que provêm do Estado, do mercado e

da sociedade. Esse resultado se traduzem debilidades ou desvantagens para o desempenho e

mobilidade social dos atores” (AMBRAMOVAY, 2002, p.13).

Carvalho, Souza e Santos (2003) e Li, Wang, Liang e Zhou (2006), relacionaram

vulnerabilidade a características do meio físico e biótico (declividade, altitude, temperatura, aridez,

vegetação, solo), à exposição a fontes de pressão ambiental (densidade populacional, uso da terra,

ocupação irregular) e à ocorrência de impactos ambientais (erosão).

56

A vulnerabilidade ambiental está relacionada ao grau de suscetibilidade de um sistema aos

efeitos negativos provenientes das mudanças ambientais. Assim, ela pode ser definida como uma

situação em que o meio físico está vulnerável às pressões humanas. Geralmente, estão presentes três

fatores: exposição ao risco; incapacidade de reação; e dificuldade de adaptação diante da

materialização do risco (TAGLIANI, 2002; METZGER et al. 2006).

Nesta perspectiva, a vulnerabilidade socioambiental pode ser entendida como dificuldade

que uma comunidade enfrenta para resistir e/ou recuperar-se, após sofrer impactos decorrentes de

eventos extremos, considerados normais ou atípicos, pois a vulnerabilidade ambiental está ligada a

processos intrínsecos que ocorrem em um sistema natural, decorrentes do seu grau de conservação

(característica biótica do meio), e a resiliência ou capacidade de recuperação após um dano; além de

processos extrínsecos, relacionados à exposição a pressões ambientais atuais e futuras (VILLA E

MCLEOD, 2002; VEYRET, 2007).

Uma das opções apontadas como eficazes para reduzir a vulnerabilidade socioambiental é o

aumento da escolaridade e da qualidade educacional e cultural, pois se entende que com uma melhor

e maior bagagem educacional e cultural as outras carências poderão ser supridas (KATZMAN,

1999a; 2001).

Este trabalho não pretende fazer uma análise exaustiva do conceito de vulnerabilidade, mas

apresentar aspectos que permitam ao leitor ter uma noção em relação ao debate existente em torno

do conceito e apresentar a perspectiva que este trabalho adota ao utilizar a noção de

vulnerabilidade10

.

Para se entender a questão do enquadramento das estratégias formais e informais na política

ambiental, é preciso levar em consideração a distinção entre vulnerabilidade natural e social e o

conceito de capacidade adaptativa. Cabe por fim ressaltar que em Moçambique a Estratégia

Nacional de Adaptação e Mitigação de Mudanças Climática (ENAMMC, 2013-2025) define

10

Para aprofundar este tema ler: HOGAN D. J.; MARANDOLA Jr. E.; 2005; Towards na interdisciplinary

conceptualisation of vulnerability. Population, Space and Place. V.11, n. 6, p. 455-471.

ADGER, W. N. 1999. Social vulneraility to climate cange and extremes in coastal Vietnam. World Development, v. 27,

n.2, p 249-269.

WISNER, B.; BLAIKIE, P. M.; CANNON, T.; DAVIS, I.; 2004. At Risk: Natural hazards, People´s vulnerability and

Disaster. 2nd

ed. London: Routledge.

VEYRET, Y. 2007. Os Riscos: O homem como agressor e vítima do meio ambiente. São Paulo: Ed. Contexto.

MOSER, C. 1998, The asset vulnerability Framework: Reassessing Urban Poverty Reduction Strategies. World

Development, v.26, n.1, p. 1-19.

57

vulnerabilidade climática como sendo o grau de reação dos sistemas humano e ambiental ao

experimentarem uma perturbação ou stress. Normalmente é descrita como sendo função de três

características principais: grau de exposição a fenômenos climatérios, sensibilidade ao clima e

capacidade adaptativa.

ADAPTAÇÃO E CAPACIDADE ADAPTATIVA

A adaptação é definida como ajustes nos padrões de funcionamento de um sistema, bem

como nas suas características, de modo a melhorar ou aumentar a sua capacidade de responder aos

mais variados estímulos climáticos (IPCC, 2001; BURTON et al., 2002). Sendo assim, de acordo

com Ferreira e Martins (2012), a capacidade adaptativa é a habilidade que um sistema apresenta para

alterar ou modificar suas características gerais como resposta antecipada a estímulos climáticos

futuros.

Para o caso das mudanças ambientais decorrentes de atividades humanas a única forma

sustentável de reduzir o risco no longo prazo é por meios de aplicação de estratégias combinadas de

adaptação, prevenção e mitigação. A capacidade adaptativa indica um potencial de adaptação, mas

não a adaptação. Quer dizer, um nível de adaptação requer outros tantos fatores para que seja efetiva,

é preciso constantemente revisitar e adequar-se ao momento e ao risco a que se está exposto

(MARTINS E FERREIRA, 2012).

Penso que em termos fenomenológicos, pode-se definir a capacidade adaptativa como a

disposição que um sistema social apresenta para alterar ou modificar o estoque de conhecimento,

suas características gerais como resposta antecipada aos riscos de várias ordens de modo a aumentar

certezas em relação ao seu presente ou futuro.

Contudo, a Estratégia Nacional de Adaptação e Mitigação de Mudanças Climáticas (2013-

2025) em vigor em Moçambique define a adaptação como sendo o ajuste num sistema em resposta

às mudanças atuais ou futuras no clima e aos seus impactos. A adaptação não é um lugar, mas sim

um processo e inclui alterações e ajustamentos desenhados para moderar ou compensar potenciais

danos ou tirar vantagens das mudanças. Assim, a capacidade adaptativa é o potencial ou a habilidade

de um sistema, região ou comunidade de se adaptar aos efeitos ou impactos das mudanças climáticas.

A capacidade adaptativa é definida como a aptidão de um sistema responder de forma bem sucedida

às variabilidades e às mudanças ambientais.

58

Por fim, as ações de adaptação consistem em pôr em prática acordos gestão que respondam

às oportunidades ou ameaças impostas pelas Mudanças Climáticas (MC), como: reassentamento de

pessoas e bens em lugares seguros, relocalização de uma instalação para evitar o risco de cheia ou

alteração das espécies de cultivo para outras que se adéquam melhor ao clima. Compete às

associações de empresas e aos corpos profissionais, bem como aos departamentos governamentais

centrais e locais, auxiliar nesta tarefa.

PERCEPÇÃO DE RISCO AMBIENTAL

Os estudos sociais sobre percepção de riscos surgem a partir da década 1970/80, como um

importante contraponto à perspectiva utilitarista das análises técnicas de risco, baseada nos saberes

da economia e ciências naturais e que não contemplavam as crenças, receios e inquietações das

comunidades envolvidas (STARR, 1969). Trata-se de um conceito complexo e que envolve em si

duas variáveis (percepção e risco) sendo que cada um congrega um arcabouço teórico riquíssimo.

Dois aspectos marcam a utilização deste termo neste trabalho, primeiro é que os riscos não são só

calculáveis, mas também são passiveis de serem percebidos, segundo que é possível acessar essas

percepções dos indivíduos em relação ao risco vivenciado.

Segundo Wiedemann (1993:3) a percepção de riscos pode ser definida como sendo a habilidade

em interpretar uma situação de potencial dano à vida da pessoa ou de terceiros, baseada em

experiências anteriores e sua extrapolação para um momento futuro. Esta habilidade pode variar

desde uma vaga opinião a uma firme convicção.

Para este autor, a percepção de riscos é baseada principalmente em imagens e crenças e tem

raízes, numa menor extensão, em alguma experiência anterior, como por exemplo, o conhecimento

de catástrofes anteriores e a relação com informações sobre a probabilidade de um flagelo ocorrer.

Assim, defende que o ponto de partida de qualquer estudo de percepção de riscos, deve ser sobre o

quanto difere a interpretação de um determinado risco por uma pessoa “leiga”, para interpretação do

mesmo fato por parte de um “especialista”.

De acordo com Navarro & Cardoso (2005) hoje em dia os riscos estão a ser gerados rapidamente

sem que a produção de novos conhecimentos seja capaz de garantir certezas do seu controle, quer

dizer a produção científica não acompanha a dinâmica da geração de riscos, o que suscita no mundo

um clima de permanente dúvida, ampliando deste modo o domínio da incerteza e a geração das mais

diferenciadas percepções de risco.

O risco tem de ser percebido como a combinação de três (3) elementos: a ameaça, a exposição e

59

a vulnerabilidade social (QUEFACE, 2009), e nesta ótica, a complexidade da problemática do risco

exige que os indivíduos em sociedade estejam constantemente a fazer escolhas, pois que as

incertezas geram processos cognitivos cada vez mais sofisticados, envolvendo a objetividade e a

subjetividade.

Para as ciências humanas a percepção de risco é antes de mais um fenômeno social e geralmente,

sua definição por parte da população leiga se mostra bastante distinta daquela dos especialistas,

sobretudo os das ciências naturais. As interpretações populares baseiam-se muito mais em suas

próprias crenças e convicções do que em fatos e dados empíricos, que são os elementos que

constituem a base de construção da percepção de riscos de técnicos e cientistas (SLOVIC, 1979 e

1987).

Peres et al. (2005) e Sjöberg & Fromm (2001), afirmam que a população em geral tende a

perceber mais os impactos negativos do que os benefícios do risco, e esta tendência tem sido

encontrada em diversos estudos sobre percepção de riscos, sobretudo aqueles relacionados com a

implementação de “novidades”, como pode ser o caso, por exemplo, de uma nova estratégia de

adaptação aos eventos extremos. A experiência, a informação e o “background” cultural formam

uma tríade indissociável de determinantes da percepção de riscos, embora estes não esgotem os

fatores relacionados com a construção da percepção de riscos em populações e/ou grupos

populacionais específicos, pois outros fatores, como o grau de escolaridade e ocupação profissional,

a situação econômica, contribuem para a base de sustentação da percepção de riscos dos indivíduos.

No estudo de Navarro & Cardoso (2005), a importância do aspecto cognitivo que elabora a

percepção do risco processa-se com a concorrência da autopercepção, integrada num contexto social,

que abrange a perspectiva comportamental, associada aos fatores pessoais, e correlacionados com as

capacidades cognitivas dos indivíduos e sua interação com o meio externo. Deste modo, uma vez

envolvidos por estes valores, os indivíduos tendem a construir imagens, e baseados na sensação

promovem autoavaliações, que determinam a maior ou menor exposição ao risco.

Assim, chegados à ideia segundo a qual o risco é percebido de acordo com o contexto dos

espaços sociais, os aspectos culturais, da personalidade, da história de vida e das características

pessoais dos indivíduos, consideramos que a percepção de risco ambiental se evidencia pela

existência de conhecimentos e experiências sobre os eventos climatérios extremos na comunidade.

Essas experiências conduzem à consequente existência de mitos de origem e informações prévias

sobre quais atitudes devem ser tomadas em caso de ocorrência de eventos extremos na região.

Por outro lado, esta perspectiva pode ser vista como problemática, considerando que este

60

pensamento acima exposto poderia levar consideração da existência não objetiva do risco, passando

a considerá-lo como acontecendo somente na percepção de cada um, como experiência particular, o

que não corresponde à realidade, pois estes conhecimentos são partilhados e, por tal, sociais na sua

essência.

ESTRATÉGIA

O conceito de estratégia é frequentemente utilizado no sentido militar, porém, este conceito

compreende basicamente a escolha dos meios e a articulação de recursos para atingir objetivos

(HOFER & SCHENDEL, 1978; THIETART, 1984), e que podem por isso tomar a forma de um

plano unificado, compreensivo e integrado, relacionando as vantagens e os desafios do meio

envolvente (JAUCH & GLUECK, 1980).

Na análise sobre a construção de estratégias, Nicolau (2001) vê a formação de estratégia como

um processo que se desenvolve através de uma série de etapas sequenciais, racionais e analíticas,

envolvendo um conjunto de critérios objetivos que são baseados na racionalidade, para auxiliar os

indivíduos na análise das possíveis alternativas e na tomada de decisão.

O termo estratégia pode ser definido das mais diferentes formas técnicas e práticas, e conectadas

com o caráter das diferentes instituições. Pode-se definir estratégia como sendo a determinação de

metas básicas em longo prazo e dos objetivos, e a adoção de linhas de ação para aplicação de

recursos necessários de modo a alcançar certos objetivos (CHANDLER, 1962; ANSOFF, 1990).

Um ponto de vista mais alargado do conceito é partilhado por outros autores11

, que consideram a

estratégia como sendo a determinação em longo prazo, das políticas e ações adequadas para atingir

objetivos e a correspondente afetação de recursos, isto é, a estratégia compreende a definição dos

objetivos e a escolha dos meios adequados para se alcançar os fins desejados.

Para a presente pesquisa nos limitamos a considerar estratégias de adaptação aos eventos

extremos. A adaptação pode ocorrer no nível institucional/formal, caracterizada pela existência de

normas e planos de ação aprovadas pelo Governo; Presença de organizações governamentais e não

governamentais a trabalharem em projetos ambientais; Leis aprovadas e aplicadas; Orçamento

direcionado aos problemas ambiental; Programa de adaptação aos riscos ambientais. Estes

elementos demandam estratégia formal, de modo a serem implementados pelo governo, pelas

instituições da sociedade civil, ou por organizações ambientalistas em prol da adaptação aos eventos

11

Tais como: Chandler (1962); Learned, Christensen, Andrews e Guth (1965); Ansoff (1965); Katz (1970); Andrews

(1971); Steiner e Miner (1977), Hax e jutamente com Majluf (1988); Quinn (1980).

61

extremos.

Pode ainda ocorrer no âmbito comunitário caracterizando-se pela existência de ações de livre

iniciativa em prol do bem-estar coletivo e da resolução de problemas ambientais de forma

consolidada, em função de valores tradicionais adquiridos;

As estratégias informais são todas as ações coletivas ou individuais levadas a cabo

sistematicamente pelas comunidades afetadas pela necessidade de maior adaptação aos eventos

ambientais extremos em nível local (residência). Acreditamos que estas ações são determinadas em

função da cultura, da tradição, do conhecimento comunitariamente partilhado pelos indivíduos

vivendo em comunidade.

Nesta tese adotamos a designação de estratégia informal para indicar todas as ações em prol da

adaptação aos eventos ambientais extremos que não estejam necessariamente nos documentos

orientadores do governo (planos, estratégias, diretivas) e nem da comunidade internacional (embora

possam coincidir), mas que sejam praticadas localmente por iniciativa comunitária em função de sua

crença e não por orientação governamental ou científica (ver capítulo IV: O estudo de caso).

RISCO AMBIENTAL

O conceito de risco é complexo, contudo, os estudos deste conceito nas mais variadas áreas

de saber aumentaram o seu entendimento, assim o conceito de risco é comumente definido como a

probabilidade de ocorrência de um evento adverso, relacionado com a intensidade dos danos ou

perdas. Este conceito ganhou relevância na teoria social a partir das contribuições de Beck (Obra:

Sociedade de risco, 1986) e Giddens, Beck & Lash (Obra: Modernização reflexiva, 1997).

Segundo Giddens e Beck é necessário elaborar novos conceitos teóricos para entender as

sociedades contemporâneas. Deste pensamento surge a ideia dos riscos como linha central de suas

análises. Para estes teóricos, os riscos ambientais apesar das graves consequências são conceitos

fundamentais para abarcarmos os processos sociais em curso na sociedade contemporânea, trata-se

de riscos globais, invisíveis e, às vezes, irreversíveis.

Existe um entendimento geral tanto nas ciências sociais e naturais de que risco é a

possibilidade de perigo acontecer. Sem dúvidas o conceito de risco é polissêmico, podendo variar

entre as diferentes áreas de saber, saúde, economia, segurança de trabalho, Sociologia, etc. Risco é a

probabilidade de ocorrer consequências danosas ou perdas esperadas, como resultado de interações

entre um perigo natural e as condições de vulnerabilidade local (UNDP, 2004).

62

Para Beck (2001) é fundamental a distinção entre o risco (orientação objetiva) e as

percepções do risco (orientação subjetiva), contudo, considera que os riscos são produto em massa

da industrialização e são intensificados à medida que estão relacionados à modernização e à

globalização da dúvida. Portanto, os riscos por serem fruto de entidades sociais, como a ciência, as

leis, a política e os meios de comunicação de massa, são reais e construídos e como tal, são

influenciados pelas decisões que adotamos para gerencia-los (DI GIULIO, 2012:34-35).

A noção de risco ambiental, um conceito utilizado por diversos pesquisadores, é de difícil

conceituação, contudo, nesta pesquisa consideramos risco ambiental como sendo a probabilidade de

um efeito ambiental adverso ao sistema social ocorrer. O risco ambiental é geralmente composto por

três tipos: risco tecnológico, risco social e risco natural, compreendendo processos demasiadamente

complexos de fenômenos como acidentes industriais, ocorrência de desastres naturais e as condições

de vida das sociedades e comunidades.

Neste texto, risco ecológico e risco ambiental são tratados como sinônimos, dado o fato de

diferentes autores e estudiosos da área ambiental geralmente usarem estes termos como sinônimos.

Os riscos ecológicos e ambientais são considerados complexos e incertos em ordem de grandeza, e

seus efeitos podem não ser evidentes, exceto de forma retrospectiva. Os riscos estão inter-

relacionados, assim, o foco das análises de riscos são os perigos agudos, condições químicas e

físicas que apresentam potencial para causar mortes e perdas econômicas12

.

Outra diferenciação relevante a se fazer é entre risco e incerteza. O risco é estimável e

mensurável, tem atributos quantificáveis; aos riscos sempre está associada uma função de

probabilidade, enquanto que a incerteza constitui uma probabilidade não mensurável dos eventos

futuros. A incerteza está presente em todos os fenômenos, dada limitação do homem de prever

detalhadamente todos os efeitos dos eventos futuros (VIEIRA, 2005).

Um dos fatores necessários para que se configure o risco é a incerteza sobre os prováveis

impactos, por isso que o conceito de risco é inseparável da ideia de incerteza (GIDDENS, 2000).

A definição de risco deve estender-se tanto a probabilidade de ocorrência do evento quanto

às consequências desse evento. Para Beck, conhecidíssimo pelo cunho da ideia fulcral de Sociedade

de risco13

(Risk society de 1986), o risco ecológico resulta da tecnologia, como auge de um processo

de dominação técnico-científica da natureza, a potência destrutiva das técnicas avançadas da

12

http://www.ibama.gov.br/qualidade-ambiental/avaliacao-de-risco-ambiental-de-agrotoxicos-no-ibama/pagina-6

13 Existe uma preocupação ligada à ideia de que a dinâmica de dominação da técnica venha a colocar em risco a

perpetuação da espécie humana no planeta, uma vez que conduz a depauperamento dos recursos naturais e da capacidade

regenerativa dos ecossistemas naturais, a este conjunto de características U. Beck chamou de Sociedade de risco.

63

química, do nuclear e da engenharia genética se diferencia por seu caráter global, assim para o autor,

a característica fundamental dos riscos ambientais é sua extensão catastrófica global, o que significa

que os riscos ecológicos de grandes consequências podem provocar situações em que não há

regulamentação que possa restringi-los a grupos sociais específicos. Por esta razão a sociedade de

risco transcenderia as fronteiras políticas, geográficas e sociais (BECK, 1986).

Neste sentido, o U. Beck considera que a sociedade de risco institui uma democratização dos

riscos ecológicos de graves implicações e, assim o denominador comum que separa o local do

global, não serão mais as fronteiras culturais peculiares, mas sim a simples condição de todos serem

expostos aos mesmos riscos e perigos.

Luhmann (1993), diferencia risco de perigo referindo que o perigo que tendia a ser

assinalado nas sociedades anteriores à modernidade, diferentemente das sociedades modernas onde

o risco tende a ser assinalado, isto por causa da grande preocupação com a otimização das

oportunidades e as alternativas razoáveis. É dentro desse entendimento da distinção entre risco e

perigo, que se estabelece o conceito de risco na área ambiental, uma vez que se considera que a

sociedade enquanto alheia aos processos decisórios enfrenta perigos, mas ao tomar parte no processo

decisório torna-se influente e converte suas improbabilidades em risco14

.

A esse respeito, Giddens (1995) afirma que a oportunidade e a possibilidade de inovação são

o lado positivo do risco, e defende uma diferenciação básica entre a experiência passiva de risco e a

exploração ativa de ambientes de risco.

Hannigan (1995), na sua busca por uma formulação de uma perspectiva social dos problemas

ambientais, afirma que a vontade da sociedade em reconhecer e resolver os problemas ambientais

depende mais da forma como estas exigências são apresentadas por algum grupo de interesse do que

especificamente pela gravidade do perigo que representam. Neste âmbito, o conhecimento científico

adquire um papel central, pois as comunidades passam a depender cada vez mais da ciência e de

seus emissários para entenderem o que está a acontecer na relação entre eles e a natureza.

A ciência passa a ser um elemento de mediação através do qual os riscos ambientais passam

a ser percebidos, quer dizer, o conhecimento científico passa a ser essencial para a classificação de

14

A sociedade de risco surge no momento em que os riscos se desconectam desses fundamentos do seguro e da

capacidade de calcular, esta é a característica das sociedades industriais do século XIX. Decorrem disto duas grandes

implicações analíticas da teoria da Sociedade de Risco: Primeiro é que o destino da sociedade coloca-se nas mãos dos

“experts” técnico-científicos, e a segunda é que a ciência e a tecnologia não apresentam as soluções para a crise

ambiental, mas constituem a instância de poder sobre a informação e sobre a avaliação do risco, configurando a

reprodução do poder dos técnicos. A sociedade de risco surgiria no momento em que os riscos se desconectam desses

fundamentos do seguro e da capacidade de calcular, esta é a característica das sociedades industriais do século XIX.

(BECK, 1992; 1994; 1995).

64

quem está ou não em situação de risco ambiental. Por isso, Hannigan (1995) defende que os

problemas e as soluções em relação aos riscos ambientais, são resultado de um processo social de

definição, negociação e legitimação tanto na esfera pública quanto na privada, e não apenas concebe

a construção e popularização da problemática ambiental a partir da perspectiva dos peritos que

fazem com que interesses de pequenos grupos prevaleçam em detrimento da sociedade como um

todo, tal qual afirmou Giddens (1995).

A partir daqui surge a forte questão da incompletude do conhecimento, por envolver seres

que são ao mesmo tempo físicos, biológicos, sociais, culturais, psíquicos e espirituais. Enfim, quero

com isto dizer que o risco ambiental só pode ser entendido através da articulação de vários tipos de

conhecimentos. Isto implica reconhecer que os riscos ambientais devem também ser analisados em

termos de valores sociais e ecológicos, valorizando abordagens ligadas aos impactos socioculturais e

ambientais das atividades humanas, tendo como objetivo a proteção do indivíduo na sociedade e da

sociedade na natureza, e, por conseguinte, do ambiente como um todo.

Nesta pesquisa assumo que a definição do risco ambiental abrange os riscos ecológicos,

químicos, nucleares e genéticos, produzidos industrialmente, externados economicamente,

individualizados juridicamente, legitimados cientificamente e politicamente minimizados (BECK,

1986). Os riscos ambientais podem trazer efeitos incontroláveis, sem limites espaciais, temporais ou

sociais, e apresentam sérios desafios às instituições sociais dedicadas à sua gestão, bem como para

as comunidades que os enfrentam cotidianamente.

MUDANÇAS AMBIENTAIS15

A questão da mudança ambiental é reconhecida internacionalmente como prioridade para os

tempos atuais. Desde a Convenção das Nações Unidas sobre as Mudanças no Clima (Conferência

Rio-1992), que a concepção das condições ambientais não é mais as mesmas, pois se passou a

considerar que os danos causados ao ambiente são na sua maioria de origem nas ações do homem e

que era necessário mudar esse cenário.

A ação humana surge como principal causador da degradação do ambiente, em função da

lógica de vida atual, o sistema capitalista, que na sua essência não concorre para dar resposta

satisfatória às necessidades básicas e reais da sociedade, mas aumenta a desigualdade social e a

acelerada mudança ambiental.

15 WORLD HEALTH ORGANIZATION CLIMATE: Change and human health: risks and responses. Summary. World Health Organization, 2003.

65

Estas mudanças ambientais interferem diretamente na vida do homem, com efeito, a grande

questão não está nas mudanças em si, mas na velocidade com que elas se processam e na cada vez

menor capacidade de resposta e adaptação. As mudanças ambientais processam-se em diferentes

dimensões das quais destacamos:

1) A dimensão social, que se manifesta através da redefinição de espaços de sociabilidade e

das redes de interação em função das alterações na variação dos componentes ambientais (exemplo:

na precipitação, na temperatura, no aquecimento); sem contar uma crescente escassez de produtos

advindos dos serviços ecossistêmicos (Alimentos, energia, abrigo, remédios).

2) A dimensão pedogenética relativa as alterações dos processos nos quais determinados

solos são formados (remoção, adição, transporte); Nas características do solo; Na morfologia

(Textura, cor, estrutura, consistência, porosidade); Na evolução da paisagem e na saúde do solo

(fertilidade, erosão);

3) A dimensão atmosférica (mudanças climáticas), referente às alterações nas variações

meteorológicas (temperatura, pluviosidade, vento, umidade e pressão do ar); alterações na qualidade

do ar (qualidade dos Gases de efeito estufa); No clima (correntes marítimas e continentais).

4) A dimensão hídrica, diz respeito às alterações no comportamento das marés, ondas,

tsunamis e na composição das águas; Aumento da temperatura e das correntes marítimas;

5) a dimensão vegetal que tem a ver com as alterações na formação vegetal endêmica:

Floresta, Savana, estepe, etc.; Nas condições de desenvolvimento de plantas nativas (luz, calor,

umidade) e nas funções e características vegetais do espaço.

Nesta pesquisa não pretendo levantar um debate focado na existência ou não de mudanças

ambientais, é minha convicção que essas mudanças estão em curso e têm afetado a vida dos

indivíduos de modo geral. Portanto não me vou ater a este ponto, caso o leitor tenha interesse em

aprofundar este debate poderá fazê-lo consultando os relatórios do IPCC e diferentes trabalhos

acadêmicos e de instituições ligadas à temática pelo mundo inteiro.

66

CAPÍTULO

II

O FENÔMENO AMBIENTAL EM MOÇAMBIQUE

67

INTRODUÇÃO

Moçambique, oficialmente República de Moçambique, é um país situado na costa oriental da

África Austral, limitado a norte pela Tanzânia, a noroeste pela Zâmbia e Malawi, a oeste pela

Suazilândia e pelo Zimbabwe, a sul e a oeste pela África do Sul e a leste pelo Canal de Moçambique

onde faz fronteiras marítimas com as ilhas Comores (Arquipélago), Madagáscar, a coletividade

departamental francesa de Mayotte, as ilhas Juan de Nova, Bassas da Índia, a Ilha Europa,

pertencentes às Ilhas Esparsas das Terras Austrais e as Antárticas Francesas (TAAF) 16.

Segundo René Pélissier (1988), o nome Moçambique, primeiramente foi utilizado para a “ilha de

Moçambique”, que foi a primeira capital da ex-colónia portuguesa e teria derivado do nome de um

comerciante árabe que ali vivera, Mossa Al Bique ou Ben Mussa Mbiki. Entre os séculos X e XIX

existiram no território vários estados Bantus, o mais conhecido foi o império dos Mwenemutapas

(ou Monomotapa).

A história de Moçambique encontra-se documentada pelo menos a partir do século X, quando

um estudioso viajante árabe, Al-Masudi, descreveu uma importante atividade comercial entre as

nações da região do Golfo Pérsico e os "Zanj" da "Bilad as Sofala", que incluía grande parte da costa

norte e centro do atual Moçambique, no entanto, vários achados arqueológicos permitem

caracterizar a pré-história (antes da descoberta da escrita) do país. Provavelmente o evento mais

importante desse período tenha sido a fixação nesta região dos povos bantus que não só eram

agricultores, mas também introduziram a metalurgia do ferro entre os séculos I e IV.

De acordo com Eric Axelson (1973), a penetração portuguesa em Moçambique, iniciada no

início do século XVI, só se efetivou em 1885, com a partilha de África pelas potências europeias,

durante a conferência de Berlim que se transformou numa ocupação militar, com a submissão total

dos estados Bantus ali existentes, levando, no início do século XX, a uma verdadeira administração

colonial.

Depois de uma guerra de libertação colonial que durou cerca de 10 anos (1964-1974),

Moçambique ficou independente na sequência da revolução dos cravos (um golpe de Estado militar,

a 25 de abril de 1974, depondo o regime ora vigente desde 1933, e implantando o regime

democrático), a seguir à qual, o governo colonial assinou com a Frente de Libertação de

Moçambique (FRELIMO) os Acordos de Lusaka (07 de Setembro de 1974), na Zâmbia, marcando

entre outros assuntos a data da independência de Moçambique para 25 de Junho de 1975.

16

Fonte: Ministério da Administração Estatal, Perfis Distritais, Direcção nacional de Administração local, edição de

2005, disponível em: http://www.govnet.gov.mz/

68

A QUESTÃO AMBIENTAL EM MOÇAMBIQUE (1980 – 2000)17

Segundo o relatório do programa nacional de gestão ambiental, a perspectiva ambiental foi

um assunto inédito para Moçambique. No período antes da independência a questão ambiental em

Moçambique jamais recebera a devida importância no conjunto das ações de desenvolvimento,

limitando-se apenas a algumas medidas de conservação de florestas, fauna e ações esporádicas para

proteção da costa, (PNGA, 1996).

Segundo Amaral (2014), a década 1980 foi um marco na história ambiental moçambicana,

visto que as questões ligadas ao ambiente começaram a ter uma real atenção no nível do governo e

da sociedade civil internacional presente no país. Assim, a preocupação ambiental em Moçambique

despontou como consequência do processo de universalização da questão ambiental (inicio do Séc.

XX), e como um dos requisitos para melhor adequação às exigências internacionais de

financiamento ao processo de desenvolvimento.

Quer dizer, a visão governamental era marcadamente virada à necessidade de se alcançar

uma solução para a vitória no combate à pobreza e a crise socioeconômica ora instalada, e foi com

este objetivo que Moçambique envolveu-se na problemática ambiental global e ratificou as várias

convenções relativas a proteção do ambiente e os diversos instrumentos políticos-ambientais no

nível interno, pois estes protocolos internacionais vinham acompanhados de pacotes de

financiamentos.

Moçambique enquadra-se no grupo dos países em vias de desenvolvimento, e como tal, a

problemática ambiental em si nunca fora prioridade nacional, pois as prioridades centravam-se no

combate à pobreza e a busca urgente de solução para a crise política, social e econômica instaurada

no país. Desde o início da década 1980, o governo moçambicano instituído em 1975, adotou a

perspectiva ambientalista dominante no nível internacional, segundo a qual as atividades do homem

17

Este capítulo da tese é em parte baseado na dissertação de mestrado intitulada: “O PROCESSO DE

INSTITUCIONALIZAÇÃO DA QUESTÃO AMBIENTAL EM MOÇAMBIQUE, 1980 – 2000”, defendida na

Universidade Federal Fluminense (PPGS) no ano de 2014. Nela destacamos o fato de na década 80 em Moçambique,

ter-se iniciado uma transição de um sistema econômico centralmente planificado para uma economia de mercado, e o

fato de este processo ter sido marcado por uma gradual descentralização da administração pública e pela consideração

transversal das questões ambientais. Fundamentados no fato de hodiernamente, as pesquisas e estudos ambientais

apresentarem-se globalmente como primordiais para a multiplicidade de campos do saber, procuramos com esse estudo,

refletir sobre o processo de institucionalização da questão ambiental em Moçambique, tendo como principal objetivo,

entender os contornos políticos e econômicos, do que consideramos como tendo sido o início do processo de

institucionalização da questão ambiental (de 1980 a 2000). Apresentamos aqui os resultados nela obtidos, por se

mostrarem pertinentes e ricos em dados e fatos que nos auxiliarão a melhor explorar o objeto da tese pretendemos aqui

defender.

69

constituíam uma crescente preocupação global, concretamente por causar danos ao ambiente e ao

sistema climático, perigando a vida dos seres vivos na Terra, (AMARAL, 2014).

Com vista a reverter esta situação, o governo moçambicano aderiu às várias iniciativas

mundiais, por forma a permitir que o planeta continue habitável para a presente e as futuras gerações,

destacando-se como exemplos, as convenções do Rio-92 que contempla a Convenção Quadro das

Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (em inglês UNFCCC), Combate à Seca e Desertificação

(em inglês CCD) e a Convenção sobre a Diversidade Biológica (em inglês CBD), os princípios

ratificados formalmente na CQNUMC (Convenção Quadro das Nações Unidas para Mudanças

Climáticas) e o Protocolo de Quioto.

Nisto, fica claro que o fenômeno ambiental em Moçambique é sem dúvida resultado da

interação entre dois grandes atores: por um lado o Estado e o Governo Moçambicano (de 1975 em

diante) e por outro, as instituições transnacionais como a ONU, o Banco Mundial, o FMI.

De acordo com Amaral (2014), a história de Moçambique nesse período iniciado na década

1980, foi marcada por redefinições aos mais diversos níveis das esferas sociais, evidenciadas por

uma série de movimentos (econômicos, políticos), com o intuito de modificar as políticas públicas,

os processos produtivos e o estilo de vida da sociedade, em favor de um modelo de desenvolvimento

que se pretende sustentável em todos os níveis das esferas sociais, com o objetivo de incorporar

práticas ambientalmente sustentáveis em todas as componentes da vida humana moçambicana. Estas

transformações sofridas no quadro político-econômico moçambicano enquadram-se no nível global

num contexto histórico marcado por controvérsias ambientais no nível político e econômico.

Moçambique viveu as consequências da mudança de paradigmas de desenvolvimento no

nível global, onde se passou de uma visão do mundo que pregava a ideia de um desenvolvimento

baseado no crescimento econômico contínuo, na conquista e transformação da natureza, na

utilização excessiva dos recursos, na produção industrial em massa, para uma nova visão marcada

pelo paradigma da sustentabilidade.

De fato a política pública ambiental de Moçambique sofreu influência direta das

consequências globais da conferência de Estocolmo (1972) e da abordagem do Eco-

desenvolvimento (SACHS, 1976). Onde o ambiente passou a ser entendido como aspecto transversal

de um modelo de desenvolvimento que somente se tornava possível pelo equacionamento do

trinômio: equilíbrio ecológico, eficiência econômica e equidade social (CARVALHO, 1987).

Esta proposta reformou a trajetória socioeconômica global, fazendo com que medidas a todos

os níveis fossem acionadas para substituir o modelo de produção crescente pelo do equilíbrio global,

70

lançando mão desta via intermediária surgida em junho de 1973, acrescentando para além das

questões ambientais, as sociais, as de gestão participativa, ética e a cultural, (GONÇALVES, 2005;

ONU, UICN, WWF: Relatório Brundtland).

De acordo com Amaral (2014) as convenções uma vez ratificadas abriram portas para o

alcance de vários benefícios, sobretudo econômicos e políticos, que devido ao contexto

moçambicano se tornaram verdadeiras boias de salvação, na medida em que se apresentavam como

pacotes completos não só instruindo sobre como implementar as convenções, mas também

acompanhados de programas de financiamento, educação, treinamento, informação e formação

pública, participação do público, acesso do público à informação e cooperação internacional,

justamente para incentivar ações que facilitariam a implementação das convenções ambientais, de

modo a favorecer o desenvolvimento e a transferência de tecnologias para os países menos

desenvolvidos, através de fundos das convenções, fundos dos protocolos, entre outros (CQNUMC,

art.º 4 e 6, Cop7, 8).

Num compito geral as instituições ambientais moçambicanas apresentam hoje uma estrutura,

regulada por normas, regras e códigos de conduta sancionados pelo Estado, e que demandam uma

organização hierárquica (autoridade e subordinação). Este quadro institucional ambiental

moçambicano cristalizou-se consideravelmente na década 1990, anos nos quais a questão ambiental

foi alargada a quase todos os sectores do Estado moçambicano, por um lado como forma de realizar

várias das recomendações surgidas na conferência de Estocolmo e por outro, como forma de

apetrechar e modernizar o quadro político ambiental nacional (AMARAL, 2014).

Com este estudo foi possível observar uma crescente institucionalização ambiental em

Moçambique, contudo, apesar de estar estabelecido um quadro burocrático eficiente, em termos de

possibilidade de associativismo em prol do ambiente, consideramos uma forte necessidade de

articulação de meios a todos os níveis, desde o governamental, movimentos sociais, parceiros

nacionais e internacionais, e outros envolvidos, de modo que a demanda ambiental se torne

institucionalizada ao nível da consciência do cidadão moçambicano, garantido assim maior êxito na

implementação das políticas públicas ambientais e, funcionando como verdadeiros meios através

dos quais o cidadão moçambicano pode ajustar-se ao ambiente natural, social e/ou sobrenatural18

.

As instituições moçambicanas voltadas para o ambiente desempenham um papel

fundamental no processo de socialização enquanto instituições culturais, na medida em que definem

18

Na medida em que muitas das áreas conservadas ou de conservação ambiental em Moçambique, são também

determinadas em função de práticas mágico-religiosas ligadas ao território, são espaços sagrados.

71

as posições, status e os papéis das partes envolvidas no processo de institucionalização ambiental, ou

seja, elas têm igualmente como objetivo fazer com que um indivíduo se torne membro da sociedade

na sua totalidade, abarcando também o aspeto ambiental. Podemos ainda considerar que as

instituições ambientais moçambicanas se propõem a assegurar que os atores individuais, particulares

e coletivos no contexto moçambicano, atuem sobre uma base de interesses, mas sempre

resguardando o interesse pelo ambiente, daí a importância do papel do Estado e das políticas

públicas, que incidam na fiscalização e regulação da persecução destes interesses.

Em Moçambique as iniciativas e alternativas de desindustrialização com vista a limitar a

depredação ambiental são aplicadas somente com um alcance marginal, devido a fatores ligados a

limitada viabilidade econômica e ao seu escasso suporte político-ideológico, pois que ainda que

velado ao nível dos discursos político da sustentabilidade, coexiste ainda que como resquício do

paradigma anterior de desenvolvimento, a ideia da exploração e perpetuação da dominação da

natureza e do alcance de um crescimento econômico a todo custo.

Os processos de reestruturação ambiental em Moçambique estão se desenvolvendo num

contexto de maior interdependência entre as instituições, especialmente nas dimensões política e

econômica, onde os atores econômicos privados, os mecanismos econômicos e de mercado exercem

papel cada vez mais relevante neste processo de (re) estruturação ambiental, buscando a substituição

do modelo ambiental top-down, como inicialmente se adotou, para um modelo de normatização

ambiental participativa, através do qual o desempenho e a avaliação dos processos ambientais em

todos os níveis do social moçambicano, passaram a ser assentes em critérios ecologicamente

desejáveis.

Existe ainda uma dependência das instituições ambientais, principalmente no que tange a

economia, mas a existência de um sector ligado ao ambiente em todos os órgãos do estado

Moçambicano, já revela a consideração do ambiente como uma esfera que se pretende autônoma,

capaz de influenciar o desempenho de todas as outras esferas sociais.

Este processo de “ecologização” da economia, da política e do sistema sociocultural, apesar

de marcado por diferentes interesses, conflitos, lutas sociais e debates ideológicos, devido à

complexidade dos processos em andamento e os diferentes atores envolvidos, não representa de

modo algum, e nem seria a manifestação do anseio de supremacia sobre as outras esferas sociais

moçambicanas, mas seria a busca pelo gozo de legitimidade social, de modo relativamente

independente das outras esferas. Em outras palavras, as práticas ambientais seriam concebidas e

avaliadas de acordo com todas as esferas sociais, com todas as racionalidades incluindo a

72

racionalidade ambiental, visando como resultado o justo reconhecimento dos interesses de todas

racionalidades e esferas da ação social de acordo com critérios e fins peculiares.

O nosso recorte temporal permitiu identificar a primeira ação governamental em prol da

questão ambiental nos anos 80, o que não quer indicar que de 1975 a 1980, não tenha existido

nenhuma ação em prol do ambiente, como por exemplo, o regulamento para proteção das florestas e

a necessidade da dinamização da agricultura, estas e outras ações eram favoráveis ao ambiente, mas

não tomadas e realizadas com a visão sobre a problemática ambiental, introduzida a partir de 1980

sobre a questão ambiental global e seus imperativos a escala global e local, contudo observamos que

o grau de institucionalização ambiental em Moçambique no período de 1980 a 2000 foi insipiente e

marcado pela grande necessidade do aprimoramento dos recursos humanos e da capacidade de autos

sustento em termos de recursos financeiros.

Apesar de toda influência externa que possa ter existido neste processo de institucionalização

ambiental, é importante não colocar em causa a soberania do Estado moçambicano nestas

negociações com as instituições multinacionais, na medida em que a adesão do governo

Moçambicano à agenda ambiental global foi uma ação racional e hegemônica, visando a

incorporação da componente ambiental global, para análise e resolução de problemas no nível local.

Além disto, independentemente do modo como surgiu à questão ambiental em Moçambique,

esta representou um ganho e um avanço na medida em que permitiu uma maior tomada de

consciência em relação a necessidade de uso sustentável do ambiente ainda que no nível

institucional, conquanto o fato dos fatores exógenos terem influenciado o processo de surgimento da

questão ambiental em Moçambique, não significa que tenha sido por imposição, mas sim através de

um processo negociado.

THE ESTABLISHMENT (2000 – 2015)

Desde o início do processo de institucionalização da questão ambiental na década de 80,

Moçambique esteve sobre 03 (três) administrações governamentais diferenciadas, apresentando

diferenças também na importância com que as questões ligadas ao ambiente foram tratadas no nível

do governo. Falamos respectivamente da gestão governamental de Samora Moisés Machel (1975-

1986), de Alberto Joaquim Chissano (1986-2004) e de Armando Emílio Guebuza (2004-2014),

todos regidos pelas diretivas do mesmo partido político19

.

19

Este trabalho se limita à análise e consideração destes 3 períodos, visto que atualmente, a gestão do Presidente Felipe

Jacinto Nhusy reestruturou as responsabilidades, a nomenclatura dos ministérios, marcando assim, o fim do que

consideramos como sendo o segundo período do processo de institucionalização da questão ambiental em Moçambique.

73

De todo eles, o que mais tempo ficou no poder foi Joaquim Alberto Chissano (de 1986 a

2004). Nestes 18 anos de governo, foi responsável pelos maiores avanços, em termos quantitativos e

qualitativos, dados na área do ambiente em Moçambique, principalmente no que se refere ao âmbito

institucional e das políticas públicas, bem como teve um direcionamento claro rumo ao alinhamento

com as práticas internacionais ligadas ao ambiente e ao respeito pela adequação econômica a uma

condicionante ambiental.

Ao longo dos 10 anos de governo de Armando Emilio Guebuza (2004 a 2014), tivemos um

recrudescimento do debate ambiental, o que foi benéfico para criar a ponte entre as políticas

públicas aprovadas e a quase que inexistente implementação das mesmas e a necessidade da

auscultação as populações.

Este cenário foi devido à descoberta de diversos recursos naturais, especificamente carvão

mineral e gás natural, e a necessidade de sua exploração e consequente imperativo de

reassentamento das populações, bem como a necessidade de compensações ambientais às

comunidades envolvidas. Sem dúvidas, nesta gestão o grande desafio foi a questão do uso da terra.

No período (1980-2015) vários acontecimentos ditaram a consolidação do quadro

institucional interno, passamos a apresentar alguns acontecimentos (Tabela 02), de modo a ilustrar

este avanço em termos de qualidade do quadro institucional ambiental Moçambicano.

Tabela 02: Marcos da institucionalização ambiental em Moçambique (1980-2015)

Ano Evento

1980 Início do Processo de Institucionalização da Questão ambiental em Moçambique

1981 Inscrição da República popular de Moçambique na União Internacional para

Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais, (UICN) no nível da OUA.

1982 Criação da primeira unidade de gestão ambiental

1992 Participação de Moçambique na conferência Rio 92 e intensificação das ações

ambientais no país.

1994 Criação do Ministério Para Coordenação da Acção Ambiental (MICOA)

Segundo nossa perspectiva de análise, a institucionalização deu-se em dois períodos: o primeiro que vai de 1980 – 2000

e o segundo que vai de 2000 a 2015, portanto 35 anos de história ambiental.

74

1997 Aprovação da Lei do Ambiente. Lei no 20/97

2000 Cria o Fundo do Ambiente - FUNAB.

2006

Aprova o Regulamento para a Prevenção da Poluição e Proteção do Ambiente

Marinho e Costeiro;

2007 Cria o Centro de Pesquisa do Ambiente Marinho e Costeiro (CAPAM).

2008

Estabelece o regime jurídico da simplificação do licenciamento das atividades

econômicas que pela sua natureza não acarretam impactos negativos para o

ambiente, saúde pública, segurança e para a economia em geral;

2009

Cria o Instituto Médio de Planeamento Físico e Ambiente (IMPFA) e aprova o seu

Estatuto Orgânico.

2009

Aprova o Quadro de Pessoal do Centro de Pesquisa do Ambiente Marinho e

Costeiro.

2015

Define as atribuições e competências do Ministério da Terra, Ambiente e

Desenvolvimento Rural;

2015

Aprova o Estatuto Orgânico do Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento

Rural (MITADER); em substituição ao MICOA.

FONTE: https://www.lexlink.eu/legislacao/mocambique/20525/ia-serie/por-tipo-de-documentolegal/1996/47

AMBIENTE E ASPETOS DEMOGRÁFICOS EM MOÇAMBIQUE

A população moçambicana vem apresentando um crescimento consideravelmente rápido ao

longo dos tempos. De 1960 a 1970, passou de 6.603.651 para 8.168.933 habitantes, e o censo de

1980 delimitou o número da população Moçambicana como tendo atingido 12.102.619 habitantes, e

em meados de 1994 a população já tinha aumentado para 16.6 milhões, registrando um crescimento

de 2.7% na década 80 e de 2.8% na década 90 (Figura 01).

O censo de 2007 continuou apontando para um crescimento contínuo da população

Moçambicana, estimando em aproximadamente 21 milhões de moçambicanos nessa época, o que

representou um aumento de 27,8% em relação aos 16.099.246 habitantes contabilizados no censo

anterior de 1997.

Hoje, volvidos 08 anos os números estão em 25 milhões e com previsões de em 2040 chegar a

46.181.058 habitantes (INE, 2015). Este rápido crescimento da população neste período, de 1980

aos dias de hoje, deveu-se fundamentalmente ao fato de a população moçambicana ser

75

majoritariamente jovem, cerca de 45 % do total da população tem idade igual ou inferior a 15 anos,

e ao fato de a taxa de natalidade ter-se mantido estável e se ter reduzido as taxas de mortalidade. Em

termos gráficos este processo de aumento demográfico foi assim esquematizado pelo INE:

Figura 02 Aumento demográfico da População em Moçambique / Fonte: Direção Nacional de Estatística/Unidade

de população e planificação. INE, Projeções da população 2007-2040.

Este crescimento populacional acelerado impactou o ambiente de diferentes formas, pois que a

reprodução e sobrevivência dos membros de uma dada comunidade, bem como a sobrevivência da

flora e da fauna locais, dependem da diversidade do ecossistema e das várias formas de uso e

adaptação ao meio (MENESES, 2001: 4).

Portanto, no caso de Moçambique em termos de impactos podemos considerar como

significativos em nível micro: o aumento de abertura de pequenas plantações familiares em lugares

impróprios, pastorície, queimadas, corte da madeira para a comercialização e construção, abertura de

picadas, trânsito de pessoas e veículos nas regiões costeiras, e em nível macro: a industrialização,

poluição da água, do ar e do solo, exploração furtiva da flora e da fauna conduzindo a extinção de

espécies endêmicas, entre outros, quer dizer, todas facetas da utilização humana do ambiente

produzem resultados específicos em cada lugar, condicionados por circunstâncias históricas e locais.

UN

IDA

DE

milh

ões/h

ab.

ANO

76

O que torna pertinente de se entender a relação entre o crescimento demográfico e a problemática

ambiental em Moçambique, partindo da ideia do ambiente não só como físico e biológico, mas,

sobretudo como um fenômeno cultural, considerando as relações que se estabelecem com o meio em

que se vive, e o produto de aprendizado daí surgido e partilhado pelos membros da comunidade. Em

suma, queremos aqui considerar que ambiente e sociedade, são variáveis interdependentes e em

contínua interação, o que implica que uma alteração em uma das variáveis, frequentemente conduz a

uma modificação noutra, (MCELROY & TOWNSEND, 1996: 24-25).

Nesta ordem de ideias, no contexto Moçambicano o problema do impacto ambiental associado ao

crescimento populacional, cuja ocupação antrópica está distribuída de forma marcadamente desigual,

está ligado também a difícil gestão do ambiente urbano e rural, em virtude da existência de dois

sistemas socioeconômicos em permanente competição e com interesses conflituosos, designadamente,

o sector tradicional dito informal e rural, e o sector moderno dito formal e urbano (AMARAL, 2014).

Com efeito, segundo o censo de 2007, a população urbana, totalizava 6.282.632, equivalendo a

30% do total da população do país, a taxa de masculinidade urbana era de 48,7% como resultado de

um total de 9.897.116 homens urbanos e 10.682.149 mulheres urbanas, os restantes 70% da

população se encontrava vivendo fora da cidade e nos campos.

AMBIENTE E DIVERSIDADE CULTURAL MOÇAMBICANA

Moçambique goza de um conjunto de privilégios em relação a diversidade cultural, quer dizer,

possui diferentes formas e modos de expressão cultural (UNESCO, 2005), daí que a promoção e

proteção da diversidade cultural e biológica moçambicana tem sido assunto de muito interesse nos

níveis nacional e internacional, mobilizando diferentes atores governamentais e da sociedade civil.

Segundo o relatório da UNESCO (2005), a diversidade cultural e a diversidade biológica

relacionam-se de modo correlato, por onde se entende que a preservação e o uso durável da

diversidade biológica podem reforçar as relações entre os diferentes Estados (UNEP, 1992), e o

respeito pela diversidade cultural pode oferecer as melhores garantias de paz e segurança nacional e

internacional, assentada no diálogo, na tolerância e na cooperação.

A diversidade cultural é sempre ligada a diversidade biológica, e os países que apresentam maior

diversidade linguística, são também os que apresentam maior diversidade biológica, e a relação é

sempre intermediada pelas tradições e costumes das comunidades locais (UNEP/UNESCO, 2002).

77

A considerar esta relação entre diversidade linguística e diversidade biológica, cabe dizer que no

contexto moçambicano são valorizadas todas as línguas nacionais como patrimônio cultural e

educacional e se promove o seu desenvolvimento e utilização crescente como línguas veiculares da

identidade moçambicana (Artigo 09 da Constituição da República de Moçambique de 2004).

Nesse âmbito foram identificadas em Moçambique diversas línguas nacionais, num total de 43,

todas da grande família das línguas bantu, sendo as principais, partindo do sul para norte do país:

XiTsonga, XiChope, BiTonga, XiSena, XiShona, ciNyungwe, eChuwabo, eMacua, eKoti, eLomwe,

ciNyanja, ciYao, XiMaconde e kiMwani. Contudo, a língua portuguesa é a língua oficial (artigo 10

da nova Constituição da República de Moçambique, 2004), não obstante ser a língua materna de

apenas 6% do total da população (INE 1997).

Considerando, pois que a cultura e o ambiente não existem de modo separado, mas coexistem

como realidade una e indivisível, se entende que não é adequado abordar um ou de outro como

elementos separados, querendo assim assinalar que a comunidade se insere no meio onde vive e dela

depende para sobreviver, tendo, portanto um total interesse em assegurar a preservação desse meio

enquanto patrimônio biológico, surgindo daí uma relação de interdependência, e a pertinência da

consideração da diversidade enquanto unidade biocultural (REIS, 2006; ZENT, 2003), o que implica

afirmar que qualquer variação em termos de diversidade cultural, origina necessariamente uma

variação em termos de biodiversidade e vice-versa (UNESCO, 2002).

Assim, quanto maior for a dificuldade em se preservar o ambiente, maior será a perda em termos

culturais, quer dizer, a extinção da diversidade cultural favorece a extinção da diversidade biológica.

Esta relação vem somente assinalar que nenhuma estratégia de preservação ambiental pode ser

levada a cabo de modo desconecto com a preservação das culturas locais. Assim, qualquer tentativa

de homogeneização cultural, em Moçambique ou em qualquer parte do mundo, seria um atentado ao

ambiente, por não reconhecer ou por desconsiderar a existência desta complementaridade entre

cultura e ambiente. Queremos com estas considerações assinalar o quanto a diversidade cultural

Moçambicana é um elemento a ser considerado em todas as ações em prol do ambiente, por ser

revelador da diversidade ambiental do território moçambicano.

Seria primordial o envolvimento real das comunidades de modo efetivo, visto a diversidade

cultural e os diferentes modos de envolvimento com o ambiente pelas diferentes comunidades em

Moçambique, assim, para a institucionalização da questão ambiental no nível de base e da

consciência moral dos cidadãos acreditamos fortemente que o ideal seria uma maior interação com

78

as comunidades locais a todos os níveis do contexto social moçambicano, o que introduziria novos

vetores ao processo de institucionalização da questão ambiental em Moçambique.

ECONOMIA E AMBIENTE EM MOÇAMBIQUE

Segundo o Programa Nacional de Gestão ambiental (1996), após a independência em 1975,

assistiu-se a uma desaceleração da economia, devido principalmente ao abandono dos principais

centros de produção e ao fato de ter sido instituído no país um regime socialista de partido único,

cuja base de sustentação econômica viria a degradar-se progressivamente, devido à existência de

políticas protecionistas e a monopolização pelo Estado de importantes centros de produção, sem

contar a seca acentuada, os 26 anos de guerra, a exclusão de Moçambique na formação do

COMECON, e o estabelecimento de novas relações com os países ocidentais.

A situação de crise econômica e social ora instaurada, só viria a conhecer mudanças com a

abertura política e econômica que teve lugar nos anos 1980, a quando da assinatura dos acordos

político-econômicos com o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional em 1983, vindo

assim a ser instaurado em Moçambique o Programa de Reabilitação Econômica (PRE) e

posteriormente o Programa de Reabilitação Econômica e Social (PRES), sendo este fato entendido

historicamente como o início do neoliberalismo econômico em Moçambique20

.

O PRE/PRES foi uma estratégia político-econômica, que acabou dando espaço ao surgimento de

uma elite econômica, uma verdadeira burguesia nacional, constituída principalmente por membros

seniores do governo. Estes programas tiveram o papel de posicionar Moçambique na luta ideológica

entre os dois blocos, o do Leste e o do Ocidente, onde o país teve de adotar as recomendações das

instituições do Bretton Woods (IBWs) por onde o governo deixaria de ser provedor de bens e

serviços, passando somente a ter o papel de fiscalizar o mercado,

Estes programas de reabilitação econômica trouxeram a abertura do regime a uma visão

mercadológica das instituições do estado, quer dizer, a elite política governante apropriou-se do

Estado já não somente como aparelho político ideológico, mas também como via rápida para a

acumulação primitiva do capital. Moçambique tornou-se num país em que o controlo do Estado

determina o acesso a muitos recursos e cargos de direção. Quer dizer quem se alinha radicalmente as

diretrizes de quem controla o Estado prospera facilmente, uma atmosfera de proliferação gratuita de

20 Para mais detalhes, consultar: http://www.italcoopmoz.com/docs/nostre_pubblicazioni/quaderno_1.pdf

79

desigualdades socioeconômicas, pois que esta situação criou vários problemas na vida da população

moçambicana acostumada a um estado paternalista e providente21

.

O que fica claro é que a abertura do regime político foi ditada, entre outros fatores, pela crise

econômica em que o país se encontrava e pelas consequências das guerras. A abertura político-

econômica teve o mérito de trazer juntamente com o pacote das reformas, a novidade da questão

ambiental como um tema transversal, pois definia como prioridades para o desenvolvimento do país

o restabelecimento da agropecuária, o abastecimento de água potável e o restabelecimento dos

serviços básicos de saúde e saneamento do meio (PNGA, 1996).

No entanto em Moçambique, este quadro se afigurou deveras interessante na medida em que

53% da população, no período de 1980 a 2000, viviam na pobreza absoluta, quer dizer, com menos

de um dólar por dia, e enfrentava a falta de acesso à educação, bem como acesso as condições

básicas de vida, como por exemplo, o abastecimento de água e saneamento básico, o que conduzia a

que a maioria da população vivesse dependendo diretamente dos ecossistemas naturais.

Assim, a ideia central da economia do ambiente em Moçambique passou pela união entre a luta

contra a pobreza e a luta pela conservação ambiental, conforme está plasmado nas ideias surgidas

em Estocolmo e refletidas no 7º objetivo do Milênio, que aborda as questões de integração dos

princípios de desenvolvimento sustentáveis nas políticas e programas dos países no nível global,

com vista a reverter a degradação e a perda dos recursos naturais (AMARAL, 2014).

Neste Contexto, os financiamentos canalizados através do MDL, ao abrigo da CQNUMC, foram

bem-vindos para o alcance de alguns dos objetivos no quadro do desenvolvimento, designadamente,

o alívio a pobreza a partir da geração de emprego e de rendimentos; Impulsão ao desenvolvimento

rural; Racionalização no uso de energia através do aumento na eficiência e conservação de energia;

Promoção do uso de energias renováveis, reduzindo a dependência na importação dos combustíveis

fósseis, aproveitamento do lixo para a geração de energia, transferência de tecnologias modernas e

de recursos financeiros para o país; Melhoramento no uso da terra, promoção de projetos de

florestamento e reflorestamento e melhoramento do ambiente, com maior ênfase dada a gestão do

risco e calamidades naturais, nos programas e estratégias ambientais do governo para as queimadas e

saneamento do meio e que conduziram a profundas reformas na política pública ambiental em

Moçambique (PNGA, 1996).

21 Neves, A. Carvalho “Alocação do crédito como factor de desenvolvimento das PME’s em Moçambique”, Fevereiro de

2003.

80

Segundo o Relatório do Estado do Ambiente em Moçambique (2011) a que se considerar que a

economia moçambicana, nesse período era majoritariamente baseada na agricultura, o que diminuía

a possibilidade de redução da pressão exercida sobre os recursos naturais.

Este setor empregava 80% da população moçambicana economicamente ativa (9.600.000 hab.,

em 2007), com maior destaque para a mulher, sendo que o país conta com 30 milhões de hectares de

terras aráveis, dos quais somente 04 (quatro) milhões é que estão utilizados como áreas de

desenvolvimento agrícola acelerado, com o inconveniente de geralmente estas mesmas áreas

coincidirem com áreas de ecossistemas frágeis.

A ideia central é que os impactos negativos dos eventos extremos (erosão, seca, cheias, entre

outros) têm uma relação direta com a pobreza, que contribui para degradação ambiental,

especificamente para a erosão dos solos, desflorestamento, degradação de terras úmidas, aceitação

de atividades industriais poluidoras e perda de biodiversidade.

O PIB Moçambicano só começou a apresentar algum crescimento considerável de 1995 até

meados da década 2000, passando dos USD 144 para os USD 400, sendo que a agricultura manteve-

se sempre como o primeiro setor com uma participação de 24%, a Indústria transformadora com

13%, o comércio e transportes com 11,4% e 10,6% respectivamente, ficando por último os serviços

diversos com 7% e os restantes setores conjuntamente com 34%, o que demonstra que a economia

moçambicana está diretamente associada à exploração, pressão e uso insustentável dos recursos

naturais (REAM, 2011; AMARAL, 2014).

Desde os anos 1980 que o Estado moçambicano reconhece que existe uma relação econômica

direta entre o ambiente e o desenvolvimento econômico, por onde, quanto menor a qualidade do

ambiente (padrões de qualidade ambiental são definidos por leis setoriais) menor serão os níveis de

desenvolvimento econômico sustentável, a título de exemplo, as calamidades naturais (cheias)

sofridas nas 05 (Cinco) províncias do sul de Moçambique no ano 2000, reduziram o PIB de 7,5% em

1999 para 1,6% e a inflação subiu dos 2,9% em 1999 para 12,7% no ano 2000; Assim aspetos

ambientais são tidos como essenciais para a planificação econômica em Moçambique, com vista a

redução da pobreza e a aceleração do desenvolvimento (PARPA II, 2006), visto que a maior parte da

população depende de bens ambientais, bastando considerar por exemplo, que a subida dos preços

de combustível fosseis e da eletricidade, neste período de 1980 a 2000, teve como resultado uma

grande procura de combustíveis lenhosos, exercendo-se portanto uma grande pressão sobre os

recursos florestais (REAM, 2011).

81

Outro aspecto a considerar nesta relação entre economia e ambiente em Moçambique é que este

país desde a independência dependeu de ajuda externa para implementação de grande parte das suas

iniciativas de desenvolvimento, inclusive para a área ambiental, atualmente a economia do país

tende a tornar-se mais forte, considerando que 55% do orçamento do estado provem de fontes

internas e os restantes 45% provem de fontes externas. Considerando, por exemplo, que em 1998 a

dívida externa de Moçambique atingiu cerca de 06 (seis) mil milhões de dólares (PLANO

ECONÔMICO E SOCIAL, 2010).

O Governo moçambicano investe 60% do bolo orçamental destinadas ao ambiente em atividades

de saneamento básico, 29% em atividades ambientais ligadas ao turismo, 2% para Agricultura e 6%

é destinado ao MICOA. Apesar da política da descentralização econômica adotada desde os anos

1980, o Ministério para Coordenação da Acção Ambiental (MICOA) desde a sua criação em 1994,

continuou dependente dos fundos do Orçamento do Estado, que servem essencialmente para cobrir

custos administrativos e para implementar suas atividades, sendo que a maioria dos recursos para a

preservação do ambiente e combate aos impactos ambientais negativos, provém de parceiros

estrangeiros de cooperação, pois que as instituições estatais moçambicanas ainda continuam sem

capacidade de recolher receitas suficientes. Trata-se de dependência econômica de um país

politicamente independente, mas que tem condicionadas suas decisões às economias desenvolvidas,

das quais depende22

.

O setor do ambiente em Moçambique e as questões ambientais seguem sendo temas transversais

e não prioritários apenas USD10 milhões correspondem ao financiamento direto ao MICOA e seus

órgãos tutelados e subordinados, o que não ultrapassa 1,2% (USD 71 milhões) da despesa global do

Estado, cifra que é inferior a recomendada pelo banco mundial para despesas com o ambiente (1,4%

e 2,5% do PIB), a visão transversal sobre as questões ambientais visa garantir que todos os atores

envolvidos no processo de desenvolvimento realizem devidamente o seu papel na preservação do

ambiente rural e urbano (REAM, 2011; CABRAL E FRANCISCO, 2008).

Contudo, o governo reconhece que esta situação de dependência da maioria da população aos

recursos naturais impõe a necessidade do reconhecimento de que qualquer programa de combate à

pobreza passará por um aprofundamento cada vez maior do modo como os recursos naturais são

conservados e explorados, em quantidade e qualidade de maneira que contribuam para geração de

renda nacional.

22

UN-HABITAT: Perfil do sector urbano em Moçambique, 2007, Págs. 4, 20 e 21

82

O grande calcanhar de Aquiles está na ocupação desordenada do espaço físico, que no entender

do governo contribui para uma maior degradação ambiental, para exacerbar problemas de saúde,

intensificando a existência de doenças endêmicas como a cólera e a malária. Assim, o problema

central é o êxodo rural e o aumento do número de habitantes urbanos e o incremento dos problemas

ambientais, pela dependência direta do ecossistema para a sobrevivência (REAM, 2011).

Desde o início do processo ambiental, as instituições governamentais moçambicanas contaram

com o apoio de diferentes organizações internacionais, este financiamento em prol do ambiente

passou por uma lógica dualista, por onde, os critérios para financiar as atividades ambientais

necessariamente tinham de espelhar os interesses do governo, ou seja, tinham de ser prioridade para

o governo, e por outro lado tinha de ser definido em comum acordo com as políticas das

organizações financiadoras.

Esta situação foi sem dúvida um terreno fértil para a proliferação de uma prática mercadológica

na operacionalização da questão ambiental, pois que pela ausência da descentralização, as

instituições ambientais Moçambicanas não conseguem recolher receitas, e as poucas que são

arrecadadas, pelos órgãos municipais e distritais, são canalizadas ao FUNUAB (Fundo Nacional do

Ambiente que em 2016 passou a designar-se Fundo Nacional de desenvolvimento sustentável,

FNDS), para posterior distribuição.

Esta situação coloca as instituições ambientais dependentes do orçamento do estado e aquém do

cumprimento de suas responsabilidades, e neste sentido, certo número específico de deveres,

comprometimentos e incentivos para a reestruturação ambiental em Moçambique, se deslocam da

esfera do Estado, financeiramente dependente, para o âmbito do mercado, quer dizer, as políticas

públicas ambientais necessariamente passariam a ser influenciadas, ainda que parcialmente, pela

lógica do mercado, funcionando como instrumentos beneplácitos das vontades do capital financeiro.

Nesta lógica incide o desconforto, por parte dos órgãos estatais, face ao financiamento direto

conseguido pelas organizações não governamentais ligadas a problemática ambiental, pois a atuação

dessas organizações tem sido mais incisiva, pois que com o surgimento das ONGs ambientais, o

papel do Estado e das políticas públicas ambientais, deslocou-se de uma ação ambiental proativa

para uma preventiva; de uma ação política centralizada e burocrática para uma mais participativa, e

de uma direção governamental nacional para uma mais contextual.

Neste âmbito, o papel do governo moçambicano se transformou lentamente numa necessidade

funcional fortalecida e reinventada, sempre que a proteção ambiental e a competição mercantil

estivessem em jogo. Vários fatores dificultam ainda a autonomia das instituições ambientais

83

moçambicanas, e vão desde a capacidade de autogeração de recursos econômicos para realização de

atividades, o nebuloso processo de descentralização política e econômica, até aos escassos recursos

humanos capacitados para atuar na área ambiental (AMARAL, 2014).

A dependência política e econômica que se verifica, surge como corolário da exogeniedade da

questão ambiental em Moçambique, que conduziu também a existência parcial de uma prática

mercadológica ambiental, na medida em que os atores envolvidos com o ambiente vêm mais a

possibilidade de tirar ganhos econômicos e políticos particulares a qualquer custo, como fruto desta

“dedicação” à preservação e conservação do ambiente, tanto ao nível estatal como privado. Para

percebê-lo basta analisar que para aprovação de determinados projetos ambientalmente

insustentáveis passa-se por cima das Leis e regulamentos ambientais, Ex: Os megaprojetos para

exploração de carvão mineral e gás natural e o reassentamento das comunidades nas províncias de

Tete e Cabo-Delgado respectivamente.

GOVERNO E POLÍTICA PÚBLICA AMBIENTAL

O contexto social Moçambicano dos anos 1970, 1980 e 1990, foi marcado por instabilidades

política e econômica, por onde Moçambique enfrentou profundas transformações, que foram desde a

transição de uma situação de guerra, destruição e deslocação da população, para uma situação de paz,

reconstrução nacional, transição do governo e parlamento monopartidários para o estabelecimento

de instituições democráticas, de uma economia centralizada para uma economia de mercado, de um

estado centralizador para um sistema de governo descentralizado e participativo, sendo que alguns

destes aspetos continuam sendo um desafio nacional. Todavia, Moçambique é hoje uma república

presidencialista, cujo governo é nomeado pelo Presidente da República, possui um parlamento

também denominado Assembleia da República, tendo realizado 3 processos eleitorais desde 1994,

contando atualmente no nível dos registros oficiais, com 46 partidos políticos, dentre os quais 3

ecologistas (AMARAL, 2014)

Desde inícios dos anos 90 a pratica política em Moçambique evidenciou déficits democráticos23

,

porém o que importa reter neste ponto é que profundas reformas institucionais tiveram início,

ligados a uma necessidade de novas definições estruturais, implementação de emergentes políticas

setoriais, o que resultou num rigoroso programa de ajustamento estrutural com enorme reflexo nas

condições políticas, sociais, econômicas e ambientais. Estas transformações possibilitaram a rápida

23

Vide: Lourenço, Vítor Alexandre, Estado, Autoridades Tradicionais e "Transição Democrática" em Moçambique,

Cadernos de Estudos Africanos (Lisboa), 16/17, 2008/2009, pp.115-137.

84

inserção de Moçambique nos diversos órgãos político-econômicos no nível global, com efeito,

Moçambique passou a tomar parte como membro da ONU, da União Africana (UA), da

Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), da Commonwealth, da comunidade para o

Desenvolvimento da África Austral (SADC) desde 1996, e também da OCI - Organização da

Conferência Islâmica (PNGA, 1996).

Em Moçambique, as leis e políticas relativas ao ambiente enquadram-se nos princípios fixados

pela primeira constituição da República de 1990, bem como na atual de 2004, pela Lei nº 20/97 de

01 de Outubro, mas conhecida por Lei do Ambiente, e pela regulamentação aprovada pelo Conselho

de Ministros, e tem como objetivo promover a utilização sustentável dos recursos naturais,

pugnando pela inclusão dos princípios e práticas ambientais no esforço nacional de reconstrução e

desenvolvimento do País, estabelecendo as políticas e a legislação apropriadas para esse efeito.

A Constituição da República de Moçambique (CRM, 2004) reza que: “O Estado deve promover

iniciativas para a garantia do equilíbrio ecológico, e para a conservação e preservação do ambiente,

tendo como objetivo a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos moçambicanos”.

Tendo como propósito garantir o direito ao ambiente no quadro de um desenvolvimento

sustentável, o Estado moçambicano adotou várias políticas visando à integração dos objetivos

ambientais nas políticas setoriais, tais como prevenir a poluição e a erosão, promover a integração

dos valores do ambiente nas políticas e programas de educação, garantir o aproveitamento racional

dos recursos naturais com salvaguarda da sua capacidade de renovação, bem como promover o

ordenamento do território com vista a uma eficaz alocação das atividades num plano de

desenvolvimento socioeconômico equilibrado.

A Constituição da República de Moçambique (2004), no seu artigo 90.º, consagra como direito

fundamental o direito de o cidadão moçambicano viver num ambiente equilibrado e o dever de

defendê-lo, e o Estado tem as suas responsabilidades acrescidas pelo fato de ele próprio ser o

proprietário dos recursos naturais situados no solo e no subsolo, nas águas interiores, no mar

territorial na plataforma continental e na zona econômica exclusiva, conforme discorre o artigo 98.º

da CRM (2004), e é este aspeto que justifica a criação e/ou adoção de medidas concretas e

coordenadas no nível interno, da região e do mundo em geral, com vista a uma expansão de ações

que confluam para o uso racional de recursos naturais, bem como a manutenção do equilíbrio

ambiental.

Foi compreendendo estas responsabilidades, que na década 1990 ao nível interno, foram criadas

políticas e estratégias setoriais com uma variedade de aspetos fundamentais que observam os

85

princípios para o uso sustentável dos recursos naturais, a conservação do ambiente, em prol de um

desenvolvimento sustentável.

Nessa perspectiva Moçambique apresenta uma política Nacional do Ambiente, aprovada pela

Resolução n.º 5/95, de 03 de Agosto, que representa a base para o desenvolvimento sustentável no

país, visando o desarraigamento progressivo da pobreza e a melhoria da qualidade de vida, bem

como a redução dos danos sobre o meio-ambiente, cujo objetivo principal é assegurar um

desenvolvimento sustentável, ponderando as suas condições específicas através de um compromisso

aceitável e realístico entre o progresso socioeconômico e a proteção do ambiente.

Como política setorial o quadro legal moçambicano apresenta, por exemplo: a) A Política e

Estratégia Industrial; b) A Política Nacional de Terras e as Respectivas Estratégias de execução; c)

A política Energética; d) A Política e Estratégia de Desenvolvimento de Florestas e Fauna Bravia.

Conforme frisamos anteriormente o princípio de gestão integrada dos recursos naturais foi uma

novidade que surgiu como resultado da mudança de uma visão conservacionista da natureza e dos

seus recursos, principalmente da flora e fauna selvagem no nível do globo e particularmente do

governo moçambicano, para a adopção do paradigma da sustentabilidade.

A ideia da proteção da natureza exprimia-se pela adopção de medidas destinadas à proteção de

determinadas espécies animais e vegetais, com fracos resultados por não focarem no todo dos

ecossistemas da qual essas espécies fazem parte, e foi com a conferência de Estocolmo (1972, 4º

principio) que se procedeu a ligação da conservação das espécies de flora e fauna a proteção do seu

ecossistema, abandonando-se a perspectiva de proteção insulada de determinadas espécies ditas em

extinção. Justamente 20 anos mais tarde, em 1992, avançou-se um passo fundamental na percepção

do conceito de gestão integrada e sua operacionalização com a elaboração da Convenção Quadro das

Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas a qual Moçambique ratificou.

É neste contexto que se inicia um conjunto de ações com vista a organizar uma proposta de lei

ambiental para o Estado Moçambicano, e assim, seguindo as orientações e o entusiasmo do

movimento ambientalista pós Rio-92, o quadro legal moçambicano foi apetrechado na segunda

metade da década de 90, passando a ser composto por diversos instrumentos legais, nomeadamente:

a Lei n. º 20/97, promulgada a 01 de Outubro de 1997, informalmente conhecida por Lei do

ambiente - que surge com o objetivo de constituir-se num quadro legal básico para a gestão correta

do ambiente e seus recursos de modo a assegurar esse desenvolvimento sustentável, tão almejado no

nível nacional e internacional.

86

Esta Lei encerra um aprovisionamento diretamente relacionado com a degradação do ambiente,

interditando as atividades que possam afetar negativamente a qualidade do ambiente em

Moçambique, e de igual modo garante o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental, de

maneira a encorajar a elaboração de procedimentos adequados nas diferentes atividades sociais.

Para tal, a Lei exige que todos os projetos de desenvolvimento no país devem ser previamente

submetidos a uma Avaliação de Impacto Ambiental (AIA), que consistirá na análise, identificação

quantitativa e qualitativa dos ganhos e danos. Este princípio globalizado de integração ecológica se

desenvolve e é agregado à legislação Moçambicana através da Lei do ambiente, que expõe como

princípio fundamental a visão do ambiente como um conjunto de ecossistemas interdependentes,

naturais ou construídos, que devem ser geridos de maneira a conservar o seu equilíbrio funcional

sem transcender os seus limites naturais. Assim, pode-se concluir que gestão ambiental integrada

significaria a adoção de medidas de proteção da natureza, tendo em vista a proteção das espécies,

dos ecossistemas e dos sistemas sociais.

A Lei do ambiente constituiu um quadro legal novo, para permitir, por exemplo, a exigência de

uma licença ambiental aos empreendimentos, cujas atividades mostrem potencial de prejudicar o

ambiente, assim como obriga que sejam envolvidas as populações locais no processo de tomada de

decisões ambientais, sendo, portanto, um dos pilares da justiça ambiental em Moçambique, contudo

com isto não queremos dizer que esta lei seja eficazmente aplicada, ela existe e em determinada

medida, seria interessante fazer um estudo aprofundado sobre a efetividade e eficácia dela na prática,

mas esse não constitui objetivo deste estudo.

A Lei ambiental moçambicana pretende estabelecer a utilização e gestão racionais dos

componentes ambientais de forma a não só promover a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos,

como também, a valorizar as tradições e o saber das comunidades locais com vista à conservação e

preservação dos recursos naturais, bem como responsabilizá-las em casos de atos propositados que

gerem degradação do ambiente.

Para a materialização dos objetivos previstos nesta Lei, bem como para sua implementação,

foram aprovados diferentes instrumentos, tais como: o regulamento sobre padrões de qualidade

ambiental e de emissão de efluentes; O regulamento sobre a gestão de lixos biomédicos o

regulamento de avaliação de impacto ambiental e o regulamento relativo ao processo de auditoria

ambiental.

Para além de variada legislação setorial em matéria de proteção e preservação do ambiente, tais

como: O regulamento sobre avaliação de impacto ambiental (RAIA); A Lei de Terras, Lei n.º 19/97,

87

de 01 de Outubro; A Lei de Florestas e Fauna Bravia, Lei n.º 10/99, de 07 de Julho. Existem outros

instrumentos que compõem o quadro da política ambiental moçambicana, tais como: A Lei dos

Petróleos, Lei n.º 03/2001, de 03 de Outubro, Lei de Minas, Lei n.º 14/2002, de 26 de Junho, Lei do

Turismo, Lei n.º 04/2004, de 17 de Junho.

TRANSFORMAÇÕES NA POLÍTICA PÚBLICA AMBIENTAL MOÇAMBICANA

Analiticamente, pode se dividir o processo de institucionalização ambiental em Moçambique em

dois grandes períodos a considerar, o primeiro de 1980 a 1992, e o segundo de 1992 a 2000

(AMARAL, 2014), e nesta pesquisa faz-se referência a um terceiro período que vai de 2000 até os

nossos dias, e que por questões analíticas colocamos o teto em 2015.

Olhando para estes períodos, vê-se que a esfera ambiental em Moçambique nos seus primórdios

(1980 a 1992), apresentou níveis de problemas que foram tomando proporções gigantescas, por falta

de cumprimento das políticas de proteção ambiental, este período foi marcado por uma forte pressão

sobre os recursos naturais, bastando considerar os estímulos para a forte exploração dos recursos

naturais nos documentos oficiais do Governo ligados a prospecção mineira, apesar de se considerar

que todas as facetas da utilização humana do ambiente, produzem resultados específicos em cada

lugar, e são condicionadas por circunstâncias históricas peculiares, tais como as vividas no contexto

moçambicano no período de 1980 a 1992.

Apoiado no pensamento de Hannigan (1995), Amaral conjectura que de 1980 a 1992, o discurso

político moçambicano estava baseado nas afirmações retóricas da teoria da administração por

descentralização do poder. De forma simplificada, esta teoria defende o envolvimento da

comunidade na gestão dos problemas locais, o que passa pela necessidade do Estado descentralizar

algumas funções, competências e recursos, ainda que continue sob o seu controle (PNGA, 1996;

MICOA, 2002; REAM, 2011).

Nesta ótica, o governo considerava que uma das vantagens da descentralização é permitir que as

decisões fossem tomadas pelas unidades situadas nos níveis mais baixos da organização social

moçambicana, acrescentando que as pessoas que vivenciavam os problemas eram as mais indicadas

para resolvê-los no local, economizando assim, tempo e dinheiro.

A importância desta descentralização vem da defesa de soluções locais dos problemas vividos

pelas comunidades locais e neste caso, incluindo os usuários e a classe empresarial que explora

unidades econômicas na sua periferia (MOREIRA, 1984). Esta teoria usada pelo Governo vinha

88

demonstrar sua convicção de que os problemas ambientais de origem humana podiam ter solução

através da educação cívica e a participação pública no processo de gestão ambiental.

Analisando o discurso governamental neste período, conclui-se facilmente que a problemática

ambiental estava associada também a difícil gestão do ambiente em Moçambique, em virtude da

existência de dois sistemas socioeconômicos em permanente competição e por vezes com interesses

conflituosos, designadamente, o sector tradicional dito informal e rural por um lado, que se utiliza

do ambiente para sua sobrevivência e o sector moderno, dito formal e urbano, que explora o

ambiente para obtenção de lucro.

Neste período, as dificuldades de gestão ambiental tornaram-se mais graves, devido a fraca

capacidade humana, material e financeira por parte do órgão de tutela ambiental e de outras

instituições governamentais envolvidas. Por onde se conclui que a questão ambiental em

Moçambique foi construída ao nível do governo tendo como contexto, acentuada dependência

financeira, a ilegalidade e a necessidade de incremento da capacidade dos recursos humanos. É

assim, por exemplo, que o governo Moçambicano vai se associar a diferentes instituições

internacionais, capazes de financiar formações em ambiente, capacitações institucionais e a

resolução dos problemas ambientais ou dos objetos de risco, segundo ilação do pensamento de

Becker (1992) e Best (1989).

Segundo documentos oficiais do MICOA, as ações políticas na área do ambiente começaram

após a independência em 1975, com aprovação da política de combate as queimadas e com as

campanhas de saneamento do meio em diferentes sectores, contudo foi a partir dos anos 80 que a

noção ambiental começou a ser sistematizada e a merecer uma atenção especial, o que culminou no

estabelecimento, em 1982, da Unidade de Gestão Ambiental, como sede no Instituto Nacional de

Planejamento Físico (INPF), cujo objetivo fundamental era arquitetar um aparelho institucional

capaz de integrar os princípios ambientais no processo de desenvolvimento do país. Nos termos do

Artigo 06 da Lei do Ambiente, foi criado o Conselho Nacional de Desenvolvimento Sustentável

(CONDES) que é um Órgão Consultivo do Conselho de Ministros e Fórum de auscultação da

opinião pública sobre as questões ambientais e que legisla sobre as medidas de proteção do ambiente,

a prevenção dos danos ambientais, os direitos e deveres dos cidadãos, as responsabilidades,

infrações e sanções na fiscalização ambiental, contando com a participação das comunidades

(RELATÓRIO NACIONAL DA CONSULTORIA DE MOÇAMBIQUE, 2009).

A partir de 1985, com a assistência do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUMA,

ou UNEP sigla em Inglês) e da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), foi

89

proposto ao governo moçambicano a criação do Conselho do Ambiente de nível ministerial,

assistido por um secretariado.

Desde 1980, em Moçambique foram efetivadas diversas atividades a diferentes níveis, com

enfoque para a elaboração do Plano de Capacitação Nacional sobre a Implementação do Mecanismo

de Desenvolvimento Limpo no âmbito do projeto “Development Capacity for Clean Development

Mechanism”, financiado pelos Governos da Dinamarca e da Holanda, implementado pela UNEP

Collaborating Centre, e executado pelo Centro de Estudos de Engenharia, unidade de produção da

Universidade Eduardo Mondlane em colaboração com a Direção Nacional de Gestão Ambiental.

(REAM, 2011).

A criação do grupo interinstitucional sobre as mudanças climáticas no país, a elaboração do

primeiro inventário nacional de emissão de gases de estufa com dados de 1990 a 1998; Elaboração

do Relatório “Síntese da Informação Disponível sobre Efeitos Adversos das Mudanças climáticas”;

Elaboração e submissão de proposta de projeto Netherlands Climate Change Studies Assistance

Programme (NCCSAP). Estudo de vulnerabilidade da economia moçambicana às Mudanças

Climáticas, no âmbito do projeto US Country Study Program; Realização de atividades de

divulgação e sensibilização pública em matérias relacionadas com a algumas convenções ambientais;

Estabelecimento e treinamento do grupo de técnicos nacionais destinados à implementação do

mecanismo de desenvolvimento limpo, constituído pelos seguintes ministérios: MICOA, MINAG,

ME, MIC e UTIP.

O segundo período que vai de 1992 a 2000, precisamente depois da conferência do RIO-92, no

qual a esfera ambiental em Moçambique sofre mudanças significativas no panorama institucional

ligado a questão ambiental, certamente, pelo fato de a RIO-92 ter sido o primeiro evento ambiental

global em que o governo moçambicano participava, o que torna compreensível que tal tenha

suscitado muito interesse para o governo e para as diversas instituições do sector público e privado

moçambicano que direta ou indiretamente estavam envolvidos nesta problemática, principalmente

no que tange aos aspetos relativos à conservação e preservação do ambiente, e ao uso sustentável

dos recursos naturais (AMARAL, 2014).

Neste segundo período, o cenário ambiental moçambicano passa a contar com um novo ator, a

sociedade civil, composta por ONG’s Internacionais, nacionais, associações e por acadêmicos. Este

novo ator é definido por Hannigan (1995, pg. 61) como sendo um pessoal administrativo e de

investigação, remunerados através de fortes e sofisticados programas de angariação de fundos,

ligações institucionalizadas em relação aos meios de comunicação social e aos legisladores.

90

A natureza das exigências e suas afirmações retóricas da sociedade civil em relação à questão

ambiental passavam consequentemente pela necessidade de proteção do ambiente; Assim a

sociedade civil moçambicana passou a defender que a educação ambiental é uma das medidas

urgentes, pois esta permitia uma interação entre os vários parceiros na resolução dos problemas,

tornando-os mais conscientes e preocupados em reagir para reduzir o impacto no ambiente,

proporcionando um plano preciso e bastante definido, que consolidasse cada um dos núcleos de

população existentes, com isto exigindo do governo políticas realísticas cuja execução fosse notável.

A sociedade civil baseava as suas afirmações retóricas, na consideração dos cidadãos, como

vítimas da indolência do governo em oferecer uma educação ambiental de qualidade a população.

Deste modo as suas conclusões vão apoiar as inquietações do Governo moçambicano, que como

apontamos acima, incide sobre o problema da escassez de recursos financeiros e humanos para

cuidar do ambiente, baseando suas atuações na sugestão de um conjunto de ações necessárias e que

devidamente implementadas evitariam gastos econômicos (AMARAL, 2014a).

Contudo, foi neste segundo período, de 1992 a 2000, que a responsabilidade global pela gestão

ambiental no âmbito político, econômico e social passou a ser do Ministério para Coordenação da

Acção Ambiental (MICOA), que é o órgão central do aparelho de Estado que dirige a execução da

política do ambiente, coordena e assessora, controla e incentiva uma correta planificação e utilização

dos recursos naturais do país, de acordo com os princípios, objetivos e tarefas definidas pelo

Conselho de Ministros.

É importante entender aqui, que ao adotar as ideias e exigências sobre o ambiente, Moçambique

entrou no grande dilema da abordagem econômica neoclássica que pode resumir-se no fato de se

desejar um crescimento econômico para se eliminar a pobreza, sendo que os moldes de crescimento

econômicos anteriormente estabelecidos sobrecarregavam o ambiente (ROMEIRO n. 102, Set. 2001;

CAVALCANTI, 1996, Pág. 322-323), nascendo deste fato a necessidade governamental de

regulamentação jurídica e uma constante procura de justiça ambiental efetiva, despontando daí a

necessidade da reforma no quadro legal moçambicano.

Foi assim que a 03 de Junho de 1992 foi criada a Comissão Nacional do Ambiente (CNA), por

Decreto do Presidente Joaquim Alberto Chissano, com a missão de coordenar no nível nacional as

atividades do domínio do ambiente, promovendo a gestão, preservação e utilização racionais da base

dos recursos naturais do país, impulsionar e apoiar a educação dos moçambicanos em matéria de

ambiente e fomentar a interdisciplinaridade nas estruturas executoras das ações de aproveitamento

dos recursos naturais.

91

Esta comissão surge como necessidade de se criar um órgão que coordenasse e tratasse dos

assuntos referentes ao ambiente, dado a fato de o governo Moçambicano ter ratificado a convenção

Africana sobre a conservação da natureza e dos recursos naturais, a convenção sobre o comércio

internacional das espécies da fauna e flora silvestres, declaradas como ameaçadas de extinção, e

ainda pelo fato de Moçambique ter-se inscrito na União Internacional para Conservação da Natureza

e dos recursos naturais (UICN), instituição que financiou atividades visando à institucionalização da

questão ambiental em Moçambique.

De um modo geral, a situação ambiental em Moçambique avançou bastante. Esse avanço

refletiu-se na promulgação e divulgação de várias políticas nacionais ligadas a área ambiental,

refletida na interiorização de responsabilidades pelo governo, sobre a gestão e conservação do

ambiente em todas suas estratégias, políticas e sectores institucionais. Assim, no quadro institucional

moçambicano ligado ao ambiente, notamos a existência de uma questão profunda que podemos

resumir como sendo a existência de instituições ambientais econômica e politicamente dependentes

de financiamento externo e na ausência de uma solução economicamente sustentável a escala

nacional.

Apesar da descentralização política, o Ministério para Coordenação da Ação Ambiental ainda

depende dos fundos do Orçamento do Estado ao nível central, fundo este que é usado

essencialmente para cobrir custos administrativos e para implementar suas atividades ambientais,

sendo que a maioria dos recursos para a preservação do ambiente e combate aos impactos

ambientais negativos provém de parceiros de cooperação, pois as instituições estatais ainda

continuam “incapazes” de colher receitas satisfatórias provenientes por exemplo das avaliações de

impacto ambiental.

Nesta análise do processo da institucionalização ambiental em Moçambique, pôde-se notar a

existência de instituições ambientais subordinadas econômica e politicamente ao financiamento

externo das organizações internacionais ligadas ao desenvolvimento e sua sustentabilidade, devido a

ausência de soluções política e economicamente viáveis a escala nacional.

Claramente que a emancipação em relação ao financiamento externo internacional para a

tomada de decisões que resultem na durabilidade das ações ambientais, tem como uma das

condições a gerência sustentável dos recursos ambientais à escala local, o que demanda uma

independência, não somente política, mas também econômica e implica um processo participativo e

democrático, permitindo o exercício de uma cidadania ambiental ativa (UN-Habitat, 2007), por onde

92

passaríamos a ter uma racionalidade ambiental presente em todos os sectores institucionais da

sociedade moçambicana.

Os instrumentos legais em prol do ambiente sem margem de dúvidas representam um ganho

colossal para este processo de institucionalização, porém seria de capital importância a adequação

dos mesmos as novas realidades e desafios vividos por Moçambique na contemporaneidade, dado

que o contexto atual se mostra distinto do vivido no período de 1980 a 2000, referimo-nos

particularmente a adequação das taxas, multas, e sanções previstas por lei para quem viola a

legislação, e caso tal adequação não se realize prontamente Moçambique incorre na possibilidade de

ter de contar com instituições obsoletas na gestão do ambiente.

Por isto, outros tantos motivos, este apoio recebido por Moçambique para dinamização do

processo de institucionalização da questão ambiental, de modo algum deve ser visto como algo

negativo em si, pelo contrário, apesar dos interesses e conflitos que estiveram envolvidos nesta

“ajuda”, excelentes ganhos são passíveis de serem identificados, como por exemplo, no nível de

organização em termos de conhecimento ambiental, de legislação ambiental, de pessoal técnico,

troca de experiências etc., que foram facultadas por esse apoio estrangeiro, sem contar que o

MICOA, na sua fase inicial foi um Ministério de consumo, quer dizer, não produzia receita alguma,

somente começou a produzir alguma receita recentemente com a criação da Direção Nacional da

Avaliação de Impacto Ambiental.

PARTIDOS ECOLOGISTAS EM MOÇAMBIQUE

Em Moçambique, os partidos ecológicos surgem na segunda metade da década de 90, com a

finalidade de incutir nos cidadãos moçambicanos a noção e a urgência da preservação ambiental e da

necessidade de um desenvolvimento sustentável em todas as esferas da sociedade moçambicana,

bem como, dos direitos a uma devida reclamação dos mesmos junto às autoridades governamentais.

Evidentemente que em Moçambique os partidos ecologistas não surgem como corolário da

existência de movimentos sociais de pressão ao governo, pois que no nível do governo, esta noção

das necessidades de preservação ambiental já estava politicamente sedimentada, dispensando,

portanto, a existência de Partidos ou movimentos com esta finalidade, considerando que os partidos

políticos constituem uma forma de distribuição de poder na sociedade e seu aparecimento, para além

de ser determinado por fatores concretos ligados a circunstâncias históricas peculiares, também está

associado a uma mudança na concepção de sociedade e do bem comum (FERNANDES, 1995).

93

Desde a sua origem os partidos ecologistas em Moçambique nunca pretenderam alcançar e

deter o poder político total, de modo a formar um governo, como se espera de um partido político

nos moldes tradicionais, mas sim o seu intento foi o de alcançar o poder ideológico, procurando

influenciar quem esteja no poder, de modo a que estejam garantidas as melhores condições

ambientais a sociedade moçambicana (AMARAL. 2014).

Em Moçambique, os critérios legais para a definição do que seja um partido político, encontra-

se plasmado na constituição da república, na qual se defende que um partido político, para que assim

seja considerado, deve expressar o pluralismo político, concorrendo para a formação e manifestação

da vontade popular e sendo instrumento fundamental para a participação democrática dos cidadãos

no governo do país, devendo a sua estrutura interna e o funcionamento dos partidos políticos, ser

democráticos. (CRM, Artigo 74/75, 2004).

Amaral (2014) observa que o contexto do surgimento dos movimentos políticos ecológicos,

foi marcado por conflitos baseados na disputa de poder e na posse da originalidade da demanda

política ambiental no quadro político nacional, por onde a atual existência de 03 partidos ecológicos,

é na verdade fruto das dissecções internas de um único movimento verde, surgido nos finais da

década 90 e que deu origem ao Partido Verde de Moçambique (PVM)24

, ao Partido Ecológico de

Moçambique (PEM)25

, ao Partido Ecologista Movimento da Terra (PE-MT)26

.

No geral pode-se dizer que estes movimentos ecologistas estão a vincar no panorama político

partidário moçambicano, tendo-se mantido oficialmente como partidos políticos extraparlamentares,

que numa primeira fase (1997-2004), foram “beneficiados” com a ajuda do Estado moçambicano,

através das doações dos parceiros internacionais no âmbito da implementação do multipartidarismo,

num valor monetário na casa de 01 milhão de Meticais (nova família), apesar de, segundo o relatório

da AFRIMAP (2009), os partidos extraparlamentares em Moçambique serem considerados bastante

instáveis na sua organização e mobilização, possuindo muito baixa penetração social e capacidade

de mobilização, e que lhes confere um descrédito quase total.

Este descrédito manifestou-se profundamente com a exteriorização de uma das características

já tradicionais em tais partidos, que é o fato de permanecerem silenciosos durante todo período não

24

Surgido em 1997, criado pelo General Armando Bruno João Sapembe, antigo combatente da Frelimo, influenciado por

um grupo de amigos empresários portugueses, que financiaram as ações para consolidação do movimento enquanto

partido politico, a ideia inicial era constituir um grupo de pressão política para os assuntos ecológicos, ligados ao

aquecimento global, a proteção da fauna e da flora.

25 Liderado por Alberto Ismael, dissidente, do PVM.

26 Liderado por João Massango, dissidente do PVM.

94

eleitoral, reaparecendo nas vésperas dos pleitos eleitorais, impulsionados, dentre vários motivos,

pelos recursos que lhes têm sido facultados pela comunidade internacional via Comissão Nacional

de Eleições (CNE), e isto é de tal importância que nas eleições de 2004, este valor de “ajuda” já

equivalia a aproximadamente 2 milhões de dólares americanos (AFRIMAP, 2009).

Apesar de parecer uma irregularidade em outros meios, no contexto político moçambicano, o

financiamento dos partidos políticos é regulado pelo disposto no Acordo Geral de Paz e na Lei dos

Partidos Políticos (Lei no. 7/91) bem como na legislação eleitoral em vigor, a qual também

comporta disposições sobre o financiamento político dirigido especialmente ao exercício da

campanha eleitoral27

. Ironicamente, estes movimentos ecológicos conseguiam também arrecadar

dinheiro, advindo dos apoios que tem dado as campanhas políticas de outros partidos políticos,

através da disponibilização do seu eleitorado, contudo, o desempenho do estado moçambicano em

“ajudar” estas organizações expõe o interesse, por parte do governo, de que estas questões

ambientais estejam na pauta da agenda política do país, todavia, o manifesto dos verdes

representados pelo PVM, alcançou somente 0.40% do total dos votos nas eleições de 2004, ou seja,

nunca alcançaram assentos no parlamento, o que não lhes daria direito por lei eleitoral a nenhum

financiamento (EUROPA WORLD YEAR BOOK 02).

No concernente a prestação de contas desse financiamento político em Moçambique, que, aliás,

é uma obrigação legal, observa-se que este aspeto não é respeitado pelos partidos ecológicos, a não

ser no que toca às primeiras trans, atribuídas pela Comissão Nacional de Eleições, pois essa é a

condição para se ter acesso às trans subsequentes, sem contar que nenhum destes partidos respeita a

obrigação de publicação das suas contas anuais (AMARAL, 2014).

Estes movimentos não possuem nem estrutura, e nem capacidade de influenciar o governo, em

suas decisões, tornando-se assim partidos inexistentes na cena política nacional, exceto em período

eleitoral e que nada fazem para poder aparecer na arena dos debates sobre os assuntos do dia no país,

deixando esse critério ao léu da boa vontade das mídias e participando somente dos eventos em que

são convidados pelo partido no poder, evitando o máximo possível toda dissonância com outros

partidos, colocando-se o máximo possível em posição neutral, o que demonstra uma dose de

submissão ao partido no poder e são estes aspetos que enfraquecem a rede de relações sociais dos

27

Em princípio, a legislação estabelece que os partidos políticos podem angariar fundos de fontes privadas, assim como

podem ser concedidos recursos do Estado no caso de obterem assento parlamentar, e de acordo com o Orçamento de

Estado de 2009, as verbas constantes da rubrica “Partidos Políticos” somavam mais de 200 milhões de meticais,

aproximadamente 8 milhões de dólares (AFRIMAP, 2009).

95

partidos ecologistas, bem como não esclarece a sociedade moçambicana quais os fundamentos da

existência de partidos ecologistas em Moçambique.

Na ótica destes movimentos políticos, a sua ausência e ineficiência no contexto político

ambiental moçambicano deve-se a inoperância das leis e normas ambientais, a inexistência de

fiscalização ambiental que garanta o seu pleno funcionamento, o que os leva a declarar que não

existe multipartidarismo em Moçambique, pois ainda existe muita repressão em relação a liberdade

de expressão e à ação partidária, o sentimento que existe até nestes movimentos ecologistas, é de

que a questão ambiental em Moçambique é fruto de interesses governamentais, alinhado às

obrigações junto ao FMI e Banco Mundial.

Os partidos ecologistas apresentam as características legais exigidas para a consideração do

que seja partido político no contexto moçambicano, pois são de caráter duradoiro, participam no

funcionamento do sistema de governo constitucionalmente instituído, possuem uma representação

política, ainda que extraparlamentar e fraca, todavia, podemos considerar que estaríamos ainda

diante de grupos de pressão ineficientes e não necessariamente diante de partidos políticos, pois

estes, para além de declaradamente não se proporem a conquistar e exercer o poder político são

marcados por deficiências na efetivação de sua ideologia partidária.

Podemos assim conjeturar que em Moçambique, um dos grandes entraves ao processo da

institucionalização ambiental no nível político, pode ser encontrado na promiscuidade de atuação

dos movimentos políticos ecológicos e na excessiva partidarização do estado e do governo, e ao que

pudemos observar os grupos ecologistas que inicialmente surgiram para canalização das demandas

específicas dos defensores da ecologização do processo desenvolvimento econômico e social,

rapidamente transformaram-se em partidos políticos eleitorais oficialmente registrados, com a

função de canalizar as preocupações de um eleitorado mais amplo e diversificado, porém,

despreparados e incapacitados, não encontram espaço para o eficiente desempenho do seu novo

papel, por falta de meios financeiros e humanos.

O certo é que para eles sobrou somente a função de participar ainda que ficticiamente dos

pleitos eleitorais, mas com um objetivo velado: o de ser mais um dentre vários outros partidos e de

assim perpetuar a capa politicamente correta da democracia multipartidária em Moçambique. Estas

transformações, sofridas pelos partidos ecológicos moçambicanos no seu percurso histórico,

cristalizam uma separação clara entre a cidadania e os representantes partidários, o que se torna

visível na redução da participação eleitoral, como aconteceu nos pleitos presidenciais de 2014.

96

Os partidos políticos ecológicos moçambicanos são hoje, mais distantes do seu eleitorado;

tendo menos poder e legitimidade, porém gozando de privilégios sociais, pois surgem como

representantes da sociedade junto ao Estado, mas exercem papel inverso, pois estes não são

intermediários entre o governo e a sociedade moçambicana, mas sim, o governo se transformou na

conexão entre a sociedade moçambicana e os partidos políticos ecológicos.

Amaral (2014) defende que seria de suprema relevância a fiscalização das atividades

extraeleitorais dos partidos políticos ditos ecológicos, bem como a fiscalização das finanças dos

partidos políticos no geral, de modo a que se evitem gastos públicos avultados com organizações

partidárias politicamente inexistentes na vida do país, assim, por exemplo, a Comissão Nacional de

Eleições (CNE), poderia assegurar que todos os partidos políticos informassem e justificassem o uso

das verbas públicas que lhes são atribuídas durante a campanha eleitoral e não só.

Com efeito, a sua existência no cenário político partidário moçambicano somente favorecia a

mera manutenção do multipartidarismo, ainda que fictício o que veio a ficar evidente pela sua

promiscua atuação em face de outros partidos na arena política e pela fraca adesão do eleitorado

moçambicano.

97

CAPÍTULO

III

ESTRATÉGIAS GOVERNAMENTAIS DE ADAPTAÇÃO

ÀS MUDANÇAS AMBIENTAIS

98

INTRODUÇÃO

Nesta pesquisa consideramos que a comunicação é um elemento fundamental para a gestão dos

riscos ambientais. Assim dedicamos este capítulo para apresentar os aspectos ligados à comunicação

de risco ambiental e o papel das diferentes mídias em Moçambique. Esta abordagem nos ajudou a

perceber a pertinência da utilização de diferentes mídias para o sucesso das estratégias de adaptação

aos eventos extremos. Neste capítulo abordamos sobre o papel da mídia no processo de

comunicação de risco ambiental em Moçambique.

Abordar sobre as mídias significa pensar os sistemas através dos quais a informação é

disseminada em determinada sociedade e é também analisar a informação em si em termos de

qualidade, quantidade e conteúdo, bem como, monitorar os impactos que a informação difundida

pode causar no comportamento social.

Com efeito, através das diferentes mídias os indivíduos são estimulados, direta ou indiretamente,

a participar no processo de tomada de decisões no meio onde vivem e até fora dele. De um modo

geral, pode-se então afirmar que as mídias exercem papel fundamental para a formação cívica dos

indivíduos e esta importância surge do fato delas possibilitarem a criação de espaços de reflexão e

participação social. Seu dever é de valorizar as relações que se estabelecem entre todas as esferas

sociais, de modo a garantir a existência e manutenção de sociedades democráticas, plurais e

participativas, onde a presença de cidadãos conscientes de seus direitos e deveres (econômicos,

políticos, sócias, culturais, e ambientais) deixem de ser utopia.

Dentre as diferentes perspectivas teóricas sobre o fenômeno da comunicação destacam-se: a

teoria da dependência e a teoria crítica. A ideia fundamental da teoria da dependência é que o

sistema de comunicação proporciona uma dependência estrutural dos indivíduos à mídia e uma

dependência das mídias em relação a outras esferas sociais (política, econômica e cultural). Segundo

esta perspectiva teórica quanto mais o indivíduo for dependente de informação para suprir as suas

necessidades no dia-a-dia, maior será a importância das mídias e o papel que estas exercerão na vida

desse indivíduo, elevando constantemente o poder de influência das mídias sobre o indivíduo

(RAPOSO, 2013).

Por seu turno, a teoria crítica vê na transmissão de informação um recurso fundamental para a

existência humana que por diversos fatores sociais se encontra condicionada quanto ao acesso, quer

dizer, o acesso é desigualmente distribuído pela sociedade. Esta perspectiva chama a atenção ao fato

da informação ser uma construção social, fruto de uma contextualização do conhecimento em ação

(CAPURRO; 2003), passível de diversas interpretações em função da experiência histórica e cultural

99

do sujeito. Nesta perspectiva a importância dos meios de comunicação reside na sua função de

vigilância midiatizada do contexto socioambiental, a integração entre os diferentes componentes da

sociedade e a transmissão da herança cultural (MAMBO, 2008) exercendo um papel fundamental

para a sustentabilidade ambiental, através da disponibilização de informação ambiental aos

indivíduos. Assim, torna-se primordial que toda análise do fenômeno comunicacional seja ajustada

às características sociais dos indivíduos (FROHMANN, 2008).

Na perspectiva apresentada por Capuro e Frohmann, a teoria crítica sobre a comunicação

aproxima-se mais da abordagem fenomenológica evocada nesta pesquisa. A análise dos meios de

comunicação é considerada primordial para a fenomenologia na medida em que considera que as

mídias podem contribuir para a democratização do processo comunicativo, possibilitando a geração

de conhecimentos e atitudes pertinentes, e facilitando a tomada de decisões em diferentes instâncias

da sociedade e sobre diferentes assuntos.

Conforme afirma Di Giulio (2012. pág. 17), a mídia pode causar a estigmatização de regiões, em

função do modo como são comunicados os assuntos relacionados ao risco ambiental, quer dizer,

dependendo do modo como for feita a comunicação, pode resultar que os atingidos sofram maior

exclusão social, o que pode acarretar também em problemas de ordem econômica. Segundo a autora

supracitada, o sensacionalismo e a espetacularização são fatores que contribuem negativamente no

processo de comunicação de risco, porém a ação da mídia pode contribuir para o crescimento da

consciência a respeito dos problemas ambientais, chamado mais atenção, promovendo mais

discussões, instigando ao comprometimento e a ação.

ESTRATÉGIA DE COMUNICAÇÃO DE RISCO AMBIENTAL EM MOÇAMBIQUE

O ambiente surge como um elemento de análise dentro do escopo de objetos das metanarrativas

nas ciências naturais e humanas, produzindo abordagens diferenciadas entre elas em função da área

a qual se associa (CATTON & DUNLAP, 1978a). Esta característica peculiar da informação

ambiental não é algo novo (BUTTEL, 1986), contudo, é este o aspecto que nos permite aglutinar à

comunicação, o ambiente e a noção de risco como elementos fenomenologicamente verificáveis.

Na área da comunicação, a informação ambiental aparece, no geral, como um subtipo de

comunicação ramificada em seus diferentes aspectos, literalmente um tipo transversal de informação

que aparece associada aos grandes temas da atualidade política, econômica e cultural, ou seja, a

veiculação de informação ambiental surge como um campo interseccionado.

De acordo com Hannigan (1995), o sistema de informação é constantemente reconstruído pelos

100

indivíduos em sociedade, portanto, este sistema circunscreve as concepções da realidade dos

indivíduos e influencia as suas decisões e ações, por vias diretas ou indiretas, bem como sua

possibilidade de tomar parte nas decisões coletivas que afetam a sua relação com o ambiente. Com

efeito, a capacidade de influência das mídias no comportamento humano é um fato há muito

explorado pelos teóricos da aprendizagem social, que baseados no princípio da existência de uma

diferença substancial entre aprendizagem (aquisição de conhecimento) e comportamento (execução

do conhecimento adquirido), defendem que a influência das mídias produz aprendizagens, e estas

por sua vez contribuem para a consolidação de representações simbólicas, surgindo daí os modelos

comportamentais.

Estas informações adquiridas e codificadas servem como base para a própria conduta no

quotidiano de cada cidadão (BANDURA, 1986), quer dizer, os programas midiáticos (Filmes,

novelas, publicidades, notícias), atuam como elementos motivadores, legitimando alguns

comportamentos e reprimindo outros. Para Morais (2007), Sitoe (2008) e Gonzáles (2003) os

modelos comportamentais surgem como resultado de 04 (quatro) etapas próprias ao processo da

comunicação: 1. A atenção: seleção daquilo a que observamos; 2. A retenção: codificação,

tradução e armazenamento do que observamos; 3. A reprodução: exteriorização por ações

comportamentais armazenados na memória; 4. A motivação: incentivos e recompensas que os

indivíduos anseiam por praticar tais ações.

Deste modo pensamos que a utilização das tecnologias de informação e comunicação pode

colaborar para o bem comum e para a construção de uma sociedade mais inclusiva, participativa,

ativa e humana, que forneça as bases para transformação social. Para tal, é preciso ter clareza sobre

os serviços que estão a ser disponibilizados pelas mídias, através da análise das suas programações,

de modo que não se transformem em armadilhas de dominação e exclusão social, acentuando ainda

mais as desigualdades sociais (MORIN, 1986).

Considerado que as pessoas estão associadas através de diferentes backgrounds, interesses e

habilidades cognitivas, não há como prescrever um modelo único de informação (MAIA, 2003:59),

exemplo disto, pode ser os telespectadores que se comovem bastante com a morte de uma

personagem na novela, enquanto um desastre ambiental em algum lugar do país ou do mundo passa

por ouvintes alheios e inertes. O certo é que uma sociedade necessita de um sistema de comunicação

diversificado e em níveis distintos, que forneçam desde as explicações mais técnicas provenientes do

sistema de especialistas, até às abordagens mais simples provenientes de leigos.

101

ALERTAS E PREVISÕES DE OCORRÊNCIAS DE EVENTOS EXTREMOS28

O Instituto Nacional de Meteorologia de Moçambique (INAM) é sector responsável pelos

alertas e previsões de ocorrências de eventos extremos, tais como chuvas fortes, altas temperaturas, e

ciclones. Segundo definição do INAM, evento extremo ambiental é toda a ação que altere o

funcionamento do ecossistema (Queimadas descontroladas, desmatamentos, Chuvas intensas, ventos

fortes, cheias e as inundações urbanas). Para o INAM, ocorre desastre natural quando uma

população ou comunidades são afetadas pela ocorrência de eventos extremos, geralmente de curta

duração, mas com alto teor destrutivo.

As distribuições dos eventos extremos em Moçambique têm sido bem definidas quanto ao

local de ocorrência, por exemplo, os ciclones são mais frequentes na região norte, e com menor

intensidade no centro e sul; Nas zonas costeiras tem-se trabalhado mais com a probabilidade de

ocorrência de ciclones. Quando se fala em inundações existem as regiões fluviais, por exemplo, em

Nampula ao longo do rio Messâlo, na Zambézia ao longo do rio Licungo. Na zona centro tem o rio

Buzi e o rio Púngue, depois o rio Save e por fim o rio Limpopo. Para a questão da seca, existem

regiões que já são naturalmente áridas e semiáridas, por exemplo, em Gaza, Chicualacuala,

Mabalane; Em Inhambane, Funhalouro e Mabote, são regiões com baixa precipitação e servem para

criação de gado.

Em Moçambique existe somente um Centro de previsão atmosférica. Este Centro coleta os

dados atmosférico de todas as estações meteorológicas existentes no país, que são em torno de 50 a

60 estações meteorológicas de coleta de dados. As estações principais são aquelas cuja coleta de

informações é feitas diariamente e durante as 24 horas do dia. As outras são chamadas estações de

segunda, quer dizer, aquelas em que a coleta de dados é feita somente de manhã e de tarde.

É um sistema de informação meteorológico centralmente planificado, onde a informação é

recolhida em tempo real, sistematizada e enviada para Maputo onde é processada e analisada. As

estações estão localizadas em todas as províncias do país, dado ao passado histórico, a maior

cobertura na recolha de dados tem sido mais para a zona costeira, todos os distritos costeiros têm

uma estação. Os dados são enviados por um ponto focal (técnico ou não), via internet, rádio ou

telefone (SMS – mensagem de texto ou ligação telefônica).

O INAM usa da modelação numérica, tirando dai as previsões e alertas caso haja algum

evento extremo à vista. Este alerta vai para as autoridades governamentais que por sua vez replicam

a todos os níveis (Postos- administrativos, Distrital, Provincial), para o INGC (Instituto Nacional de

28

Esta secção foi escrita com base em informações colhidas na entrevista ao INAM realizada no dia 16/03/2017

102

Gestão de Calamidades), Direção nacional de águas, principalmente quando o assunto é ocorrência

de precipitação, e para as mídias (Rádio, televisão e outros meios), e para as comunidades através

dos comitês locais de gestão de risco e das rádios comunitárias que fazem a comunicação da

informação em língua local.

As mídias mais usadas para transmissão de alertas são o rádio e a televisão (com maior

impacto nas regiões urbanas), mas também usamos internet, para, além disso, fazem um resumo do

alerta e mandam via SMS para as autoridades com poder de tomada de decisão em relação aos

alertas, obedecendo a hierarquia governamental. Nas zonas rurais, nos distritos as mensagens são

replicadas rapidamente, um alerta emitido às 12h, até às 13h já está amplamente difundido pela

comunidade. As rádios são mais usadas, principalmente pela existência de rádios comunitárias. Os

emissores já são treinados para interpretar essas mensagens meteorológicas.

O jornal29

acaba não tendo muito impacto pelos custos de aquisição e pelo fator nível de

escolaridade, o jornal acaba tendo maior impacto nas cidades, é a mais morosa das mídias em termos

de aviso prévio de ocorrência de eventos extremos. Contudo, existe uma circulação crescente de

jornais pelo país, que lhe conferem seu grau de importância.

O nível de escolaridade influencia muito na prevenção. Por causa do baixo nível de

escolaridade há informações que são passadas e que não chegam a ser bem entendidas nas

comunidades. Atualmente vem sendo desenvolvido trabalhos de base, coordenado pelo INAM em

parceria com a ONU, nos quais se fazem atividades de educação ambiental sobre desmatamento,

queimadas, e outros eventos ambientais.

O INAM considera que as pessoas sabem e analisam os fenômenos ambientais à sua maneira,

quer dizer, o camponês sabe interpretar quando num ano ocorrerá seca a partir do seu conhecimento

indígena, assim, estão a desenvolver trabalhos de base com as Nações Unidas com vista a incorporar

os saberes indígenas no processo de previsão meteorológica e aviso prévio.

De momento estão a trabalhar com distritos piloto no centro, sul, e norte do país. Contudo,

este projeto não abrange todo país, começou em 2014 e agora está na segunda fase de

implementação. Na região Austral de África, outros países já há muito que vêm levando em

consideração o saber indígena. Por exemplo, no Zimbabwe alguns membros das comunidades são

convidados a participar da interpretação do comportamento climático, de acordo com o

conhecimento indígena que possuem. Um exemplo a ser estudado.

Com o trabalho de sensibilização e educação ambiental, percebe-se uma melhora no

29

Fonte: www.guiademidia.com.br/jornais/africa/mocambique.htm

103

comportamento das comunidades. Contudo, algumas comunidades questionam o fato de terem que

ser eles a adequar-se para redução dos danos à natureza, sendo que os grandes poluidores pouco

fazem para reduzir sua ação maléfica sobre o ambiente.

O INAM considera a existência de injustiça social, na medida em que observa que os países

que mais poluem o ambiente injetam dinheiro nos países que menos poluem para que estes

desenvolvam atividades de prevenção e mitigação ambiental.

Nesta consideração, o INAM procura sensibilizar as comunidades em relação aos possíveis

ganhos deste processo, explicando que apesar da injustiça, ao aderirem às atividades em prol do

ambiente receberão sementes e outros benefícios, e isto colocado, a população tende a ter outro tipo

atitude e encontram uma motivação.

A educação ambiental consiste em ensinar às comunidades a interpretar os sinais da natureza

de acordo com os pareceres científicos. O INAM ensina as comunidades sobre como são feitas as

previsões, principalmente nas comunidades de pescadores, por estas estarem localizadas ao longo da

costa e desenvolvem intensa atividade de pesca.

Os comitês locais de gestão de riscos de desastres são apoiados por várias organizações no

sentido de aliarem as atividades de sensibilização aos projetos de rendimento nas regiões

impactadas. É exemplo disto o projeto de troca de comida pelo trabalho, levado a cabo pelo

Programa Mundial de Alimentação (PMA), cujo objetivo é evitar a ociosidade comunitária, e

permitir que haja produção de alimentos e prestação de serviços de modo regular. Por outro lado,

incentiva-se para que as pessoas a possuam duas casas, uma na zona alta e outra na zona baixa, para

ir alternando de acordo com o comportamento climático previsto.

Atualmente o INAM dispõe de capacidade de aviso somente para 72 horas antes, sendo que

um intervalo ideal seria de 7 a 8 dias antes. Isto se deve ao uso de uma modelagem global, quer

dizer, importam dados dos centros globais por ainda não terem um modelo local que funcione com

os dados colhidos no nível nacional. Assim, trabalham com dados importados e que tem de ser

adequados a uma escala apropriada para Moçambique.

Isto revela a existência de problemas de fiabilidade dos dados para o funcionamento do

sistema de previsão, corolário da existência de poucas estações principais de recolha de dados

atmosféricos, da descontinuidade dos dados recolhidos e da inexistência de pontos focais técnicos a

tempo inteiro, o que aumenta ainda mais a relevância dos sistemas de conhecimento local.

Contudo, o INAM considera que o sistema de aviso prévio moçambicano é um dos melhores

da região Austral de África, e as razões cingem-se ao fato dos alertas feitos chegarem aos

104

destinatários em menos de uma hora, possuir uma forma de difusão em escadaria, quer dizer, cada

um a seu nível vai fazendo a transmissão da informação, o que torna o sistema eficiente.

Contudo, apesar de ser considerado um dos melhores da região, apresenta fraquezas que

podem resumir-se em 06 (Seis) aspectos:

Primeiro, a baixa capacidade de previsão com um intervalo maior desde o aviso à ocorrência

do evento climatério extremo ou não.

Segundo, a extenuação das instituições responsáveis em termos de equipamentos de

modelagem, e existência de poucas estações meteorológicas e hidrológicas.

Terceiro, no fato do sistema de aviso prévio não ser integrado, cada bacia tem seu sistema de

aviso e suas especificidades.

Quarto é a questão do mapeamento. Não existe ainda um mapeamento completo de todo

país com relação às zonas de risco de ocorrência de qualquer tipo de eventos extremos. O país

dispõe de mapeamentos parciais sobre ocorrência dos ciclones e cheias somente para região sul,

onde é possível monitorar a variação atmosférica e as regiões a serem afetadas, tornando difícil a

modelagem e o controle das bacias a escala nacional.

Quinto aspecto é o fato dos comitês locais de gestão de risco de desastres trabalharem como

voluntários. Os comitês são formados por pessoas treinadas para atuar com prontidão em caso de

ocorrência de eventos extremos, mas que não recebem um salário para o desempenho dessas

atividades, aspecto que facilita a dissolução destes comitês e que faz da ocorrência dos eventos

extremos uma oportunidade de ganho, gerando oportunismos.

Sexto e último aspecto são as rádios comunitárias que apesar da larga abrangência na

comunidade e das parcerias lhes coferem conhecimentos sobre o sistema de aviso prévio, como o

sistema de bandeiras e sirenes para o caso de ocorrência de cheias, por exemplo, não conseguem

estar ativas, pois segundo o INAM, as rádios comunitárias param de funcionar com muita facilidade,

por não terem um financiamento garantido constantemente e assim acabam por ficar sem funcionar

por muito tempo, até que desaparecem. Há falta de cometimento por parte das autoridades locais. É

preciso maior envolvimento das autoridades locais no trabalho de sensibilização comunitária.

“Geralmente, colocamos um camponês para fazer a leitura dos dados e ele pode

enviar dados inventados, não fiáveis. Então preferimos trabalhar com dados do Satélite, onde

se faz os ajustes e correções. Isto tem impacto negativo porque as pessoas são comunicadas

com pouco tempo de antecedência. Exemplo disso é o Ciclone DINEO (2016), Já sabíamos

que o ciclone haveria de se formar, mas não sabíamos que atingiria Moçambique e nem a

magnitude em que atingiria, só faltando 04 dias é que confirmamos e pudemos lançar o aviso

prévio e partir para o terreno (…). Muitas vezes lançamos os avisos e as autoridades não se

105

envolvem e nem fazem o trabalho de sensibilização. È uma questão de educação ambiental,

as pessoas na verdade sabem, mas não têm conscientização. Nos outros países as pessoas

levam em conta os avisos prévios, em Moçambique as pessoas preferem ficar e tentar salvar

as cabeças de gado, e acabam perdendo a [sua] vida. […]. O que acontece agora é que para

emitirmos o aviso às mídias, estas têm de vir gravar a peça (comunicação) e depois

disseminar. Se tivesse uma linha direta isso não seria necessário, principalmente para os

fenômenos de curta duração. Moçambique não tem capacidade de produzir informação sobre

vendavais, previsões de fenômenos de curta duração, nos próximos anos terão capacidade de

fazer este tipo de previsões, temos que melhorar nossa capacidade de emissão desses avisos,

por exemplo, uma linha direta em que a interação com as mídias seja direta. Temos um

sistema de previsão de precipitação que preveem descargas em 30 minutos, então este alerta

acaba sendo inútil sem uma linha direta para comunicar às mídias rapidamente e estes

difundirem para sociedade em tempo e hora a informação por nós veiculada. A previsibilidade

está comprometida. As rádios comunitárias são um braço muito forte, mas o porquê não se

investe nas rádios comunitárias é algo que não está ao meu nível responder.” (Entrevista

INAM).

De acordo com o INAM, nos últimos anos o governo de Moçambique tem estado a

empenhar-se e a qualidade dos serviços de previsão meteorológica prestados.

Esta entrevista ao INAM levou-os a concluir que em Moçambique os principais problemas

na comunicação de risco ambiental estão ligados à dispersão de recursos humanos e financeiros e ao

baixo investimento e aplicação da tecnologia social (DAGNINO, 2014). Mas representou também

um convite a procurar entender melhor a relação entre a mídia e a gestão ambiental em

Moçambique, pelo que no ponto que se segue iremos nos dedicar a este exercício.

MÍDIAS E CIDADANIA AMBIENTAL EM MOÇAMBIQUE

Em Moçambique, onde se assume constitucionalmente o ideal de construção de uma sociedade

democrática, a importância capital dada à mídia reforça-se pelo fato de aproximadamente 50% do

total da população não apresentar grau primário de escolaridade, ou seja, dependem das mídias

tradicionais (rádio e televisão), para aquisição de informação e instrução cívica, de acordo com o

Inquérito Demográfico e de Saúde (IDS, 2011).

A missão principal das mídias é informar ao público, sem escolha do sexo, raça, idade ou

condição social, e dar a conhecer sobre todos os fatos da sociedade, cabendo ao receptor selecionar e

trabalhar a informação, de tal forma que esta possa servi-lo no seu dia-a-dia (SITOE, 2008), mas

para que as mídias cumpram seu papel eximiamente é preciso que se desfaça de todas as formas

sociais de exclusão. Por isso, concordamos com Di Giulio quando na sua obra clama por maior

desmonopolização do conhecimento cientifico e integração dos diferentes saberes e empoderamento

dos diferentes grupos sociais no processo decisório participativo, balanceando os interesses e valores

dos atores envolvidos, particularmente dos afetados (pág. 20).

106

Considerando que no pensamento fenomenológico de A. Schütz a significação dos fenômenos é

produzida individualmente em um mundo vivenciado coletivamente, torna-se pertinente e necessário

usar-se os meios de comunicação para a educação ambiental, quer dizer, fazer-se uso intensivo de

programas mediáticos como estratégias pedagógicas para motivar aprendizados, despertar interesses

e problematizar conteúdos ligados à temática ambiental.

Nesse âmbito me junto a Bandura (1986: 254) e Houland et Al. (1949:45) para defender que é

preciso que se forneçam incentivos sociais nos programas das mídias moçambicanas de modo a criar

nos espectadores a vontade de participar ativamente nos projetos da sociedade e produzir neles uma

mudança de atitude e de comportamento em relação ao ambiente,.

A educação ambiental pela mídia requer um grau de comprometimento que passa por oferecer

programas ambientais ao público, possibilitando uma participação ambiental ativa na sociedade

moçambicana. Por ai haver necessidade constante de se analisarem as estratégias de comunicação do

risco adotadas, quer dizer questionar constantemente se os meios e modos pelos quais a informação

é veiculada para a opinião pública é eficaz, e ainda estudar as limitações dessas estratégias de

comunicação e gerenciamento de risco, bem como os seus impactos na participação social e suas

práticas deliberativas ligadas à gestão de eventos extremos.

A televisão é o meio de comunicação por excelência, por abranger a maioria das formas de

comunicação (a fala, a imagem, a escrita e a oralidade) e por complementar o papel dos outros meios

de comunicação (SITOE, 2008; TONETTI, 2007).

Devido à lei 18/91 de 10 de Agosto, este meio de comunicação encontra-se em plena expansão,

prova disso é que num espaço de menos de 20 anos em Moçambique, surgiram várias televisões

privadas para além da TVM (pública), respectivamente a STV, a TIM, a Record Moçambique, a RTP

África, a TV Maná, a KTV e mais recentemente a Eco TV e a TV Sucesso. O País conta também

com canais de televisão por assinatura DStv, GOtv e atualmente registra uma corrida para o que se

convencionou chamar de Era digital, processo liderado pela Star Time.

Neste Processo expansionista nota-se o aumento da concorrência na transmissão de programas

televisivos, misturados entre entretenimento e informação, bem como o aumento da procura pelo

lucro e pela maior audiência, o que sem dúvidas, em última instância significa sacrificar a missão

cívica deste meio de comunicação em benefício da publicidade e outras atividades econômicas

inerentes. Todavia, a expansão televisiva é ainda um processo lento (figura 02), considerando a

distribuição de energia elétrica e a percentagem total de agregados familiares que possuem televisão

em Moçambique que é de 54.4%, distribuídos em 48.8% na zona urbana e 5.7% na zona rural, num

107

total de 25 milhões de habitantes, de acordo com o censo de 2007 (AMARAL, 2011).

Figura 03: Percentagem dos agregados familiares que possuem energia elétrica em Moçambique por área de residência e

província (2003 e 2011). Fonte: INE, Projeções anuais da população total, urbana e rural, 2007-2040 Moçambique.

Segundo indica o Inquérito Nacional Sobre os Agregados Familiares segregados por posse de

bens duráveis, a área de residência, província e sexo do chefe do agregado familiar em Moçambique

(2011), dos meios de comunicação, o rádio é o bem durável mais possuído em todo território

nacional. Assim sendo, deduz-se que a rádio constitua a principal fonte de informação para maioria

dos moçambicanos, apesar dos diferentes níveis de escolaridade.

A rádio, como o principal meio de comunicação social em Moçambique, apresenta maior

cobertura quanto a audiência no território nacional, contudo o processo expansionista da rádio é

marcado por interferências políticas sistemáticas, pautada por censuras aos conteúdos noticiados. Tal

situação tem provocado regressão quantitativa deste meio de comunicação (IREX, 2013) e faz com

que a maior cobertura em termos de audiência não se traduza em consumo de informação necessária

para o engajamento do cidadão moçambicano na vida ativa do país (RAPOSO, 2012:4), o que por

fim traduz-se numa forte exclusão social, representando um confronto direto aos programas de

108

promoção dos direitos humanos e de democracia.

Esta abordagem representa uma denúncia à existência de “um ambiente informativo dominado

em Moçambique” (SCHILLER, 1989: 168), onde a liberdade de expressão existe de forma limitada

na comunicação social tradicional e é pautada principalmente pela submissão aos grupos de interesse

de todas as ordens e naturezas, e o ambiente mediático é condicionado por manifestações

esporádicas de censura, autocensura e chantagens financeiras (RAPOSO, 2012).

A atual legislação sobre as mídias ainda não garante a liberdade de imprensa desejada para todos

moçambicanos, por apresentar lacunas em relação aos regulamentos e mecanismos de regulação,

pois a atuação da imprensa, por exemplo, ainda se encontra condicionada por um conjunto de leis

antidemocráticas, que limitam o papel das mídias no tocante à formação de consciência cívica

(RAPOSO, 2010).

Em sua reflexão30

sobre a contribuição da mídia para o incremento da cidadania em

Moçambique, Raposo & Vaz (2013) indicam a internet como uma autêntica zona libertada da

repreensão e censura do sistema de mídia moçambicano, pois na sua perspectiva, com o surgimento

da internet e da possibilidade de acesso via aparelho celular ou computador, tem-se verificado o

surgimento de centros de cidadania que permitem a partilha de informações valiosíssimas sobre

diferentes aspectos e assuntos do país, à margem dos cânones impostos pela mídia tradicional

dominada por grupos de interesse e pressão.

Com efeito, segundo estes autores, as redes sociais (Whatsapp, Facebook, email) estão a

tornarem-se poderosos canais para aquisição de informações úteis e para a mobilização e

participação pública em Moçambique, possibilitando contornar os bloqueios impostos pelos grupos

de interesse, todavia o acesso à internet segue sendo limitado, visto que somente 4,3% dos 25

milhões de moçambicanos é que usam internet, um total aproximado de 1.011.185 usuários.

Em termos numéricos a internet cobre maior número de cidadãos no território nacional do que a

totalidade dos órgãos de imprensa tradicionais (Rádio, televisão, jornais), devido ao alargamento dos

serviços de internet pelos operadores de telefonia móvel (Mcel, Vodacom, Movitel). Sem dúvidas,

cogitamos nós, a internet veio ampliar a possibilidade de liberdade na interação social que é um

fator determinante para a pertença do indivíduo à sociedade, ou seja, a internet em Moçambique

tornou-se determinante para o uso compartilhado de significados que dão sustentação as interações

sociais cotidianas (SCHÜTZ, 1979: 80).

30

RAPOSO, E. G. Vaz; CUMAIO, H. E: A contribuição das redes sociais na formação da cidadania critica em

Moçambique. Um estudo exploratório realizado na cidade de Maputo e Online com cidadãos moçambicanos, CODD.

109

Apesar do limitado acesso à internet é possível identificar focos de exercício de um ativismo

ambiental midiático, que vem se fortalecendo cada vez mais. Raposo & Vaz apontam o Movimento

Solidário do Facebook (sigla: MSF), criado por jovens internautas moçambicanos, fruto de debates

nas redes sociais sobre como mitigar os impactos dos eventos extremos em Moçambique,

particularmente as enchentes na cidade de Maputo. Este movimento soma hoje mais de 5 mil jovens

e suas atividades se estenderam para angariação de bens, prestação de serviços, coleta de dinheiro e

outros e sua alocação às vítimas das intempéries.

Apesar de Raposo e Vaz terem desconsiderado que a simples presença de um aplicativo não

determina seu uso efetivo, é um fato que a internet vem ganhando peso social em relação às mídias

tradicionais e vem se mostrando um meio excelente para divulgação de informações ligadas a

diversos assuntos e particularmente aos eventos extremos. Com efeito, em Moçambique já é possível

receber informações meteorológicas e previsões climáticas através do telefone celular desde que este

esteja ligado a internet, principalmente, pelo aplicativo de whatsap31

é possível receber notícias de

ocorrência de fenômenos climatérios em tempo real, exemplo disso foram as informações

preventivas ligadas à ocorrência futura de vendaval ocorrido na cidade de Maputo (Novembro de

2016) e a passagem do ciclone DINEO (FEVEREIRO, 2017), antes e depois do evento grande

quantidade de informação foi veiculada por meio deste aplicativo para usuários no mundo inteiro,

com fotos, áudios e vídeos.

As condições para o exercício da cidadania ambiental implicam na disposição, por parte dos

indivíduos, de recursos simbólicos necessários para estabelecer relações de comunicação na

sociedade ou comunidade, neste sentido, torna-se primordial não apenas o uso dos recursos materiais

dados pela condição econômica ou política, mas também os recursos simbólicos controlados pelos

indivíduos. Sem dúvidas, a internet está se tornando uma mídia relevante para o estudo sobre

comunicação de risco ambiental, pois revolucionou o modo de comunicação e informação em

Moçambique.

Contudo, a expansão dos meios de comunicação continua sendo marcada pela escassez de

programas televisivos e radiofônicos em prol da problemática ambiental em Moçambique, daí nos

associarmos a Raposo (2010) para sugerir a aprovação e aplicação séria de uma nova lei de

imprensa, uma nova lei de radiodifusão, uma lei do direito à informação, e uma política de migração

31

http://noticias.mmo.co.mz/2016/10/vendaval-causa-destruicoes-e-mortes-em-maputo.html

Imagens e informações deste fenômeno foram veiculadas por whatsapp. (25/10/2016)

110

digital, como medidas necessárias para se sair deste imbróglio das influências do poder político e

dominação econômica nas mídias Moçambicanas.

Esta colocação abre espaço para um debate sobre quais os interesses defendidos pelos

legisladores neste amalgamado campo de influências, porém dada à temática desta tese não iremos

aqui abordar o assunto, passamos a focar sobre os programas governamentais em prol do ambiente.

PROGRAMA NACIONAL DE ADAPTAÇÃO AOS EVENTOS EXTREMOS

Segundo o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas 70% dos desastres que

ocorrem no mundo estão diretamente associados às condições meteorológicas (IPCC, 2007).

Conforme expusemos na introdução da tese a localização geográfica de Moçambique é um fator

capital para a ocorrência de eventos extremos no país e lhe confere a presença frequente de eventos

extremos de origem hidrológica e meteorológica. Destes eventos os mais frequentes são cheia, seca

e ciclone, contudo, existem registros de ocorrência de outros tipos como queimadas descontroladas,

sismos, terremotos e outros de ordem social como, por exemplo, a guerra.

É de considerar como agravante que Moçambique é o único país africano que aparece na

estatística dos 50 países cujos PIBs foram mais comprometidos pelo advento de desastres naturais

entre 1991 e 2005, ocupa o 35º lugar. Este quadro revela a enorme dificuldade de adaptação a

eventos climáticos extremos, reflexo de uma atitude menos preventiva e mais reativa na ativação dos

mecanismos de gestão dos eventos extremos (ZAMPARONI & NUNES, 2011).

Em Moçambique a época chuvosa representa um perigo para as populações que vivem às

margens das grandes bacias hidrográficas, pois as enchentes ceifam vidas humanas e devastam

propriedades com muita facilidade. As Cheias, no geral, têm sido resultado dos altos níveis de

precipitação que ocorre em algumas regiões do país e principalmente nos países vizinhos, como

veremos no caso de Machanga (Capítulo IV). Muitas inundações e cheias têm sido causadas pelo

escoamento das águas pluviais provenientes dos países situados à montante em direção ao Oceano e

com consequências graves para as comunidades situadas ao longo das margens das grandes bacias

hidrográficas. Os rios cujas bacias são consideradas propensas a ocorrências de cheias são: Save

(região Sul e Centro), o Licungo (na região Norte), Incomati e Limpopo (região Sul), Buzi e

Zambeze (região Centro).

Devido as grande frequência e o nível de destruição que tem infligido ao país, as cheias têm

merecido atenção especial e são responsáveis por grandes alterações sociais, por exemplo, o

surgimento de novas zonas de habitação, as conhecidas aldeias comunais (Zonas de reassentamento),

111

de planos de contingências, da criação de um Centro Nacional de Operações de Emergência

(CENOE), da descentralização regional, bem como a reforma do estatuto do INGC, pela adoção de

um sistema de aviso prévio, pela construção de algumas barragens, exemplo a de Massingir. Pela

criação de comissões para gestão em nível nacional, provincial e distrital, adequando-a a nova

conjuntura. As cheias foram também responsáveis pela criação de uma força multissetorial (Polícias

e Bombeiros, Agentes de Saúde, Militares) para fazer face à situação de emergência (DECRETO

nº.29/2008 de 3 de julho). Pode-se considerar ainda que o efeito das cheias já chegou a provocar

uma queda do PIB de 7,5% para 1,6% no ano 2000, a inflação atingiu os 12,7% contra 2,9%

anteriores ao evento no mesmo ano (ORÇAMENTO GERAL DO ESTADO DE MOÇAMBIQUE,

2002).

A Gestão de ciclones em Moçambique não tem sido tarefa fácil, segundo o INGC (2009) é

muito difícil de gerir os ciclones em Moçambique dada dificuldade de previsão da sua ocorrência.

Geralmente, os ciclones têm sido comboiados com ventos fortes e chuvas torrenciais e a sua

passagem ao longo da costa moçambicana é marcada por alto nível de destruição de infraestruturas,

e prejuízo de bens e vidas de toda espécie. Os ciclones acontecem quase por toda a costa

moçambicana como resultado das depressões tropicais que ocorrem no Oceano Índico, com maior

incidência para a região Sul e Norte do país.

As ações de maior peso por parte do Governo têm sido reativas, através da distribuição de

alimentos, fornecimento de sementes agrícolas para o plantio imediato, abastecimento de água,

saneamento, reabilitação de infraestruturas e distribuição de kits de sobrevivência. Contudo,

registram-se avanços no sistema de gestão na medida em que vai se deparando com novos eventos

climatérios, com particular destaque para os efeitos dos ciclones e das cheias (INGC, 2009).

As mudanças ambientais são um fator fundamental para o surto de cólera e malária em

Moçambique, sendo que estas epidemias têm sido principalmente registradas com forte

preponderância após as épocas chuvosas e com forte impacto na produção agrícola e no estado

nutricional das comunidades, dada a combinação de fatores tais como: a ocorrência de chuvas e

ventos fortes em locais de condições sanitárias malignas, o alto nível de contaminação da água e a

existência massiva de transmissores de doenças (moscas, ratos e mosquitos).

Por outro lado, a época seca tem representado um combinado de muitas dificuldades para a

sobrevivência das comunidades atingidas pois ocorre dada à influência do clima tropical seco que

atinge majoritariamente a região interior do país e alguns pontos do litoral. Em relação à seca, pode-

se dizer que Moçambique apresenta zonas vulneráveis a este evento em todas grandes regiões do

112

país: Norte, Centro e Sul. Contudo a zona sul tem sido a mais impactada devido à forte

predominância do clima tropical seco e ao fato de ter maior concentração de terras semiáridas. De

modo geral as regiões costeiras do país são pouco vulneráveis a seca, com exceção de alguns

distritos (INGC, 2009) dentre estes poucos excepcionais está Machanga.

A figura abaixo ilustra a maior predominância dos eventos pelo país em percentagens.

Conforme se pode depreender a zona Centro tem sido muito fustigada por quase todos os eventos

extremos e apesar de a seca ser o evento que apresenta menor frequência, é considerada devastadora,

por afetar maior número de pessoas. As províncias do centro do país são as mais propensas à

ocorrência de cheias, ciclones e epidemias, seguidas pelas do Sul e depois o Norte.

Tabela 03: Percentagem de ocorrência de eventos extremos por região de 1956-2008. Fonte: INGC 2009.

EVENTOS EXTREMOS SUL CENTRO NORTE

Inundações 41% 44% 15%

Epidemias 37% 40% 23%

Seca 50% 44% 6%

Ciclone 35% 40% 25%

Assim descrever o conjunto de estratégias governamentais torna-se visceral para esta tese,

visto que ao analisá-las poderemos verificar até que ponto estas estratégias vão ao encontro das

percepções sobre risco ambiental que se tem nas comunidades, e nosso foco é particularmente

Machanga. Esta analise permitiu ponderar a capacidade que o sistema tem de influenciar a vida

social e grau de percepção de risco das diferentes comunidades de Machanga.

113

QUADRO LEGAL AMBIENTAL EM MOÇAMBIQUE

A constituição de Moçambique (2004) garante a todos os cidadãos moçambicanos o direito de

viver um ambiente equilibrado, bem como o dever de defendê-lo; isto que passa pela criação de

condições propícias á saúde e bem-estar das pessoas, ao desenvolvimento socioeconômico e cultural

das comunidades (Número 01 do artigo 135º), Assim, o conjunto da legislação em torno da gestão

ambiental é variado e extenso, fruto das transformações políticas e econômicas sofridas e da

ocorrência de eventos extremos variados ao longo da história do país. Como exemplos, podemos

citar:

Decreto Presidencial no

13/2015 de 16 de Março – define as atribuições e competências do

MITADER.

O Decreto Presidencial nº. 44/80 de 03 de Setembro que cria o Conselho Coordenador de

Prevenção e Combate às Calamidades Naturais (CCPCCN) e o Departamento de Prevenção e

Combate às Calamidades Naturais (DPCCN).

A Resolução nº 18/99, de 10 de Junho, que aprova a Política Nacional de Gestão de

Calamidades;

O Decreto nº. 38/99, de 10 de Junho, que cria o Instituto Nacional de Gestão de Calamidades

(INGC); Decreto nº. 52/2007, de 27 de Novembro – aprova o Estatuto Orgânico do Instituto

Nacional de Gestão de Calamidades;

O Decreto nº 29/2009, de 03 de julho, que introduz alterações no Estatuto Orgânico do INGC;

O Regulamento do Centro de Operações de Emergência (CENOE), aprovado em Outubro de

2006 pelo Conselho de Ministros.

Os principais instrumentos usados pelo Governo de Moçambique de modo a dar

cumprimento das políticas de gestão ambiental em Moçambique, são:

A Lei do Ambiente nº20/1997 de 01 de Outubro;

O Programa Nacional de Gestão Ambiental (PNGA);

Decreto nº32/2003 de 12 de Agosto sobre Auditoria Ambiental;

Decreto nº18/2004 de 02 de Junho sobre Padrões de Qualidade Ambiental;

A Lei de Florestas e Fauna Bravia n°10/99 de 07 de Julho;

Decreto Nº 23/2008 de 01 de Julho sobre a Lei do Ordenamento Territorial;

Decreto nº129/2006 de 19 de Julho sobre a participação pública;

Manual de procedimentos sobre o licenciamento ambiental ou autorização de Outubro de 2006;

114

O Regulamento de AIA: o Decreto nº45/2004 de 29 de Setembro relacionadas com o processo

de AIA;

A Lei de Terras n°19/97 de 01 de Outubro;

Decreto No 66/98 de 08 de Dezembro – Regulamenta sobre o uso da terra.

Decreto Nº 15/2004 de 15 de Julho sobre o Regulamento do Sistema de Abastecimento de Água

e Drenagem de Águas Residuais;

Decreto Nº 45/2006 de 30 de Novembro – o Regulamento para a Prevenção da Poluição e

Protecção do Ambiente Marinho e Costeiro.

Segundo o INGC (2009) quando o país se tornou independente em 25 de junho de 1975, a

administração herdou uma ausência de política e sistema nacionais de gestão de calamidades.

Somente 05 anos depois da independência (1980; Decreto Presidencial nº. 44/80, de 03 de Setembro.)

é que foi criada a primeira organização nacional vocacionada a Gestão de Calamidades, e ficou

conhecido como Conselho Coordenador de Prevenção e Combate às Calamidades Naturais

(CCPNCN). Concomitantemente é criado o Departamento Nacional de Prevenção e Combate às

Calamidades Naturais (DPCCN).

Estas organizações tinham como propósito responder de forma rápida, eficiente e eficaz às

situações de calamidade natural que ocorriam um pouco por todo o território nacional. Dado o

contexto de guerra e ideológico estes órgãos acabaram funcionando mais como organismos

logísticos, com foco na distribuição de mantimentos e outros bens às vítimas das calamidades

naturais e sociais. Faltava proatividade a estes órgãos, que como o próprio nome sugere, existiam

para gerir calamidades, os impactos negativos, as perdas, a desgraça, o dano causado pelos dos

eventos extremos, afinal o mais importante naquele contexto histórico era a proteção da vida das

populações.

Hodiernamente, o organismo responsável pela Política Nacional de gestão das calamidades (e

assim o nome continua) é o Conselho Nacional de Prevenção e Combate às Calamidades (CNPCC)

dirigido pelo Primeiro Ministro, e a coordenação das ações de prevenção, socorro às vítimas e

reconstrução de infraestruturas danificadas é responsabilidade logística do Instituto Nacional de

Gestão de Calamidades INGC, dirigido por um Diretor-Geral. De acordo com o INGC, no período

de seca registra-se maior número de mortes, muitas vezes não diretamente associadas à falta de água,

mas aos impactos negativos decorrentes do evento, tais como doenças nutricionais, fome aguda,

115

alastramento de doenças como cólera, por isso o Governo incorporou esta componente nos Planos de

Ação para Redução da Pobreza Absoluta (PARPA II 2006-2009 pág. 140).

POLÍTICA NACIONAL DE GESTÃO DE CALAMIDADES EM MOÇAMBIQUE

A Política nacional de Gestão de Calamidades foi criada em 1999 (Resolução nº. 18/99, de

10 de junho), dispondo de um novo quadro jurídico que melhor refletia a necessidade do momento,

com órgãos de prontidão. Esta nova Política já denota uma preocupação pela prevenção dos

impactos dos eventos extremos e não somente reação depois de sua ocorrência, com certeza parte

das resoluções da conferência RIO-92. Este aspecto reflete uma mudança de paradigma em relação à

gestão dos eventos extremos não só a nível nacional, mas internacional, pois ocorre uma mudança de

paradigma por onde se passa de uma atitude reativa pós-calamidade para uma atitude proativa, que

visa o antes, a causa da ocorrência do evento extremo.

Se a Constituição da República (2004) é vaga na responsabilização do estado pela gestão dos

desastres naturais, a política Nacional de Gestão de Calamidades clarifica que esta competência é do

Governo (MATUSSE, 2009).

Contudo, esta abordagem de prevenção conferiu definições sólidas à política nacional de

Gestão de Calamidades para a compreensão holística dos eventos extremos, objetivos claros,

estratégias e planos de ação proativa, formas de cooperação institucional e dos órgãos intervenientes

em nível nacional e internacional, definia as atividades das entidades estatais, públicas e privadas,

um approach multissetorial voltado para as comunidades ambientalmente vulneráveis.

O Governo Moçambicano passa oficialmente a reconhecer que as calamidades naturais e os

seus efeitos agravam a vulnerabilidade social dos moçambicanos, e como corolário inclui a gestão

dos eventos extremos no PARPA. Desta política resultou a criação do Plano Diretor para a

Prevenção e Mitigação de Calamidades e do Plano de contingência que indicam quais as

competências da hierarquia Governativa, desde cada Ministério ao posto de localidade.

A Política Nacional de Gestão de Calamidades e o Plano Diretor para a Prevenção e

Mitigação de Calamidades, são os dois instrumentos que definem os atores envolvidos no Sistema

de Gestão de Calamidades. São eles: O Governo representado pelos diferentes sectores, e as ONGs

Nacionais e Internacionais que operam com esta temática, como por exemplo: PMA, CVM,

SETSAN, UNICEF, PNUD.

Dois são os órgãos fundamentais para o funcionamento do sistema de gestão de calamidades

Moçambicano:

116

O Conselho Coordenador de Gestão de Calamidades (CCGCN), composto por vários ministros,

e tem como presidente o Primeiro- ministro da república.

O Conselho Técnico de Gestão de Calamidades (CTGC) é um órgão de consulta do Diretor

Geral do INGC e é composto por vários Diretores Nacionais dos diferentes setores do Estado.

Este funciona também nas Províncias e nos Distritos onde existam delegações do INGC. Nas

províncias e nos distritos estes órgãos são dirigidos pelos secretários permanentes provinciais e

distritais respectivamente, e são designados Conselhos Técnicos Locais de Gestão de

Calamidades (CTLGC) segundo o Estatuto orgânico do INGC, artigos 15 e 18 do nº. 02.

Conforme referido, o governo moçambicano faz-se presente através de seus diferentes sectores,

nomeadamente: o Ministério para a Coordenação da Ação Ambiental (MICOA); A Administração

Nacional de Estradas (ANE); O Instituto Nacional de Meteorologia (INAM); As Entidades da

Aeronáutica Civil; O Ministério da Energia (ME); O Ministério da Defesa Nacional (MDN); O

Ministério de Obras Públicas e Habitação (MOPH); O Ministério da Administração Estatal (MAE);

O Ministério da Agricultura (MINAG); e o Ministério da Saúde (MISAU).

De modo geral, as ações do Governo circunscrevem-se:

A tutelar o INGC que é um órgão subordinado ao Ministério da administração pública;

Através do INAM, fazer a monitoria e a avaliação das chuvas e de eventos extremos.

Disponibilizar apoio militar para o salvamento das vítimas;

Através da Direção Nacional de Águas e das administrações Regionais de Águas, fazer o

monitoramento hidrológico das bacias hidrográficas e a operação das barragens e assegurar o

abastecimento de água potável e do saneamento;

Construção de vias de acesso alternativas e construção de abrigos;

Avisar as populações e demais interessados sobre a evolução das condições hidrológicas para

eventuais intervenções de emergência;

Construção/reabilitação de pequenas represas; Reparação de estruturas de drenagem;

Abertura de valetas;

Garantir a segurança alimentar;

Redução da incidência das queimadas descontroladas e desflorestamento;

Definição da aptidão do uso e aproveitamento da terra;

Elaboração e aprovação dos Planos Distritais de uso e aproveitamento da terra;

Requalificação de zonas urbanas e preparação de planos de estrutura para as cidades e vilas;

117

Zoneamento agro ecológico e ambiental nas zonas rurais e urbanas;

Garantir as necessidades de combustíveis e de energia elétrica nas zonas afetadas pelos

eventos extremos e nas zonas de reassentamento.

Especificamente no período de seca:

Incentivar a Produção de culturas resistentes a seca, tais como: estacas de mandioca, rama de

batata doce e algumas fruteiras; Produção local de sementes; Organizar feiras de insumos;

Abertura de furos de água para o consumo de pessoas e animais;

Promoção do uso de equipamento agrícola mecanizado;

Reabilitação de laboratórios de veterinária;

Melhoria da vigilância epidemiológica e recolha de amostras;

Construção de celeiros melhorados.

Especificamente no período das cheias:

Reabilitação de infraestruturas danificadas pelas águas;

Distribuição gratuita de sementes; Produção rápida de estacas de mandioca, rama de batata

doce e algumas fruteiras para a sementeira seguinte;

Aquisição de fármacos para assistência veterinária;

Aquisição de inseticidas para o combate de pragas;

Em termos de saúde:

Diminuir a vulnerabilidade da população em face de epidemias e situações de emergência,

reforçando a capacidade de resposta;

Disponibilização de recursos humanos e financeiros que permitam robustecer as medidas de

prevenção, as atividades de vigilância e a implementação imediata de medidas de controle

epidemiológico;

Reforçar a capacidade de diagnóstico e tratamento de casos;

Aumento da cobertura da água potável;

Promoção de medidas de prevenção individual e coletiva;

Criação de centros de tratamento da doença;

Pulverização domiciliares de prevenção contra malária nos grupos de risco;

Compra de medicamentos e contratação de pessoal adicional;

118

ESTRATÉGIA NACIONAL DE ADAPTAÇÃO E MITIGAÇÃO DAS MUDANÇAS

CLIMÁTICA (ENAMMC) 2013-2025.

Neste documento o Governo de Moçambique apresenta as medidas a serem adotadas para a

adaptação e Mitigação das Mudanças Climáticas para o período 2013-2025 e que inclui linhas

estratégicas e prioritárias. A implementação obedecerá 03 fases e a estimativa do custo da primeira

fase (2013-2014) foi de aproximadamente 142 milhões de dólares, desagregados entre 63,9 milhões

para 2013 e 78,1 milhões para 2014. A segunda fase, conhecida como fase intermédia (2015-2019) e

o período final (2020-2025).

Neste documento reconhece-se que as Mudanças Climáticas são um fator determinante para

os processos de desenvolvimento, sendo reconhecidas como o maior risco para o alcance das metas

assumidas, principalmente para os países menos desenvolvidos. Manifestações das mudanças

climáticas podem observar-se através do aumento de frequência e intensidade de eventos climáticos

extremos, tais como secas, cheias, ciclones tropicais, mudanças nos padrões de temperatura e

precipitação e outros fenômenos associados, tais como, a subida do nível das águas do mar, intrusão

salina e propagação de incêndios florestais, entre outros.

O Governo considera que muitos destes fenômenos estão já a ocorrer e na última década

representaram para Moçambique perdas de milhares de vidas humanas e a destruição de

infraestruturas públicas e privadas incluindo escolas, hospitais, vias de acesso, residências e

estâncias turísticas, entre outras. Estas perdas implicaram a redução no crescimento do Produto

Interno Bruto (PIB) e fizeram retroceder a persecução dos objetivos do Governo de redução da

pobreza e criação de riqueza nacional, incluindo os assumidos a nível internacional, como exemplo,

os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM).

Dado que as mudanças climáticas já não podem ser evitadas e as projeções indicam que os

seus impactos em Moçambique irão aumentar, tanto em frequência como em intensidade, o governo

preparou a ENAMMC, com vista a identificar as áreas chave de atuação e ações que podem ser

levadas a cabo de modo a diminuir a gravidades dos impactos através de ações de adaptação e de

redução dos riscos climáticos e aproveitar as oportunidades de mitigação e desenvolvimento de

baixo carbono que contribuam para a redução das emissões de GEE, tidas como causa das mudanças

climáticas.

A ENAMMC é constituída por cinco capítulos: 1) Introdução e fundamentação da estratégia;

2) Metodologia utilizada para a elaboração do documento; 3) Diagnóstico da situação atual do

conhecimento sobre a vulnerabilidade, os impactos das mudanças climáticas, as oportunidades

119

existentes, bem como o estado atual de integração das mudanças climáticas nas políticas de

desenvolvimento nacional; 4) Parte fundamental da estratégia com destaque para a visão, missão,

princípios, objetivo geral e os específicos e as ações estratégicas agrupadas em dois principais

pilares, a saber: adaptação e redução do risco climático e mitigação e desenvolvimento de baixo

carbono. A ENAMMC assenta também num conjunto de questões transversais que contêm ações

que facilitam a implementação dos dois pilares relevantes; 5) Mecanismos de implementação,

incluindo a coordenação, a implementação da ENAMMC propriamente dita, a monitoria e avaliação

e o financiamento.

Esta estratégia tem as suas bases na Convenção Quadro das Nações Unidas para as

Mudanças Climáticas (CQNUMC) e no Quadro de ação de Hyogo sobre a redução do risco de

desastres. Deste modo, a estratégia assenta sobre os princípios basilares destes tratados

internacionais e sobre as políticas nacionais de gênero e equidade social e mudanças climáticas, bem

como um conjunto de políticas e estratégias setoriais que têm em vista facilitar e promover um

desenvolvimento harmonioso e resiliente às mudanças climáticas e aos mecanismos de eficiência

energética e de utilização sustentável de recursos naturais. Esta estratégia foi desenhada pelo Grupo

Interinstitucional para as Mudanças Climáticas (GIIMC, 2012), composto por representantes de

diferentes ministérios, do sector privado e da sociedade civil, sob a coordenação do MICOA (hoje

MITADER).

O processo de desenho da estratégia constituiu-se de 03 momentos:

1) A revisão do quadro legal e institucional sobre as mudanças climáticas, bem como das

políticas e estratégias de desenvolvimento setoriais, incluindo das políticas e programas integrados

de desenvolvimento;

2) A revisão de informação técnica sobre os impactos das mudanças climáticas e as emissões,

incluindo as comunicações nacionais, os inventários de emissões por fontes e de remoções por

sumidouros de GEE e as projeções dos cenários climáticos e os impactos setoriais associados;

3) As consultas aos diferentes sectores através dos ministérios, dos atores do sector privado,

da sociedade civil, da academia e do público em geral, através de seminários provinciais e regionais

e consultas dirigidas. O documento foi apresentado, discutido e revisto em sessão conjunta dos

Conselhos Técnicos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Sustentável (CT-CONDES) e de

Gestão de Calamidades (CTGC) e nos Conselhos Consultivos dos Ministérios de Obras Públicas e

Habitações, da Planificação e Desenvolvimento, de Recursos Minerais e da Agricultura, bem como

nas Sessões dos Governos Provinciais.

120

O objetivo geral da ENAMMC é de estabelecer as diretrizes de ação para criar resiliência,

incluindo a redução dos riscos climáticos, nas comunidades e na economia nacional e promover o

desenvolvimento de baixo carbono e a economia verde, através da sua integração no processo de

planificação setorial e local.

Os objetivos específicos são: (i) tornar Moçambique resiliente aos impactos das mudanças

climáticas, reduzindo ao máximo os riscos climáticos para pessoas e bens, restaurando e

assegurando o uso racional e a proteção do capital natural e edificado; (ii) identificar e implementar

as oportunidades de redução das emissões de GEE que contribuam para o uso sustentável dos

recursos naturais e acesso a recursos financeiros, tecnológicos a preços acessíveis e a redução da

poluição e da degradação ambiental promovendo um desenvolvimento de baixo carbono; e (iii) criar

a capacidade institucional e humana, bem como explorar oportunidades de acesso a recurso

tecnológicos e financeiros para implementar a ENAMMC.

A Estratégia define como prioridade nacional a adaptação e redução do risco climático, ao

mesmo tempo em que reconhece a necessidade de aproveitar as oportunidades que o país tem, sem

prejuízo das ações de desenvolvimento, para reduzir os impactos das mudanças climáticas através de

um conjunto de ações de mitigação e desenvolvimento de baixo carbono. Adicionalmente, em

reconhecimento da necessidade de adequar as políticas e as instituições, criar capacidades para a

implementação a todos os níveis, gerar conhecimento e difundi-lo para a sociedade em geral com

vista a uma tomada de decisões informadas cientifica e tecnicamente, é considerado um conjunto de

ações estratégicas transversais cuja implementação irá facilitar a implementação da presente

Estratégia. As ações estratégicas são, assim, agrupadas dentro dos dois pilares principais e em

questões transversais a seguir indicadas:

1. Adaptação e redução do risco climático

a) Reforçar o sistema de aviso prévio; b) capacidade de preparação da resposta a riscos climáticos;

c) aumentar a capacidade de gestão de recursos hídricos; d) aumentar o acesso e a capacidade de

captação, armazenamento, tratamento e distribuição de água; e) aumentar a resiliência da agricultura

e pecuária; f) aumentar a resiliência da pesca; g) garantir níveis adequados de segurança alimentar e

nutrição; h) aumentar a capacidade adaptativa das pessoas vulneráveis; i) reduzir a vulnerabilidade

das pessoas aos vetores de transmissão de doenças associadas às mudanças climáticas; j) assegurar e

proteção da biodiversidade; k) promover mecanismos de plantação de árvores e estabelecimento de

florestas para uso local; l) desenvolver mecanismos de resiliência das áreas urbanas e outros

121

assentamentos; m) adequar o desenvolvimento das zonas turísticas e zonas costeiras para reduzir os

impactos das mudanças climáticas

2. Mitigação e desenvolvimento de baixo carbono

a) melhorar o acesso às energias renováveis; b) aumentar a eficiência energética; c) garantir o

cumprimento dos padrões regulamentados para as emissões provenientes das atividades da indústria

extrativa; d) promover urbanização de baixo carbono; e) controlar as emissões dos processos

industriais incluindo resíduos e efluentes associados; f) desenvolver práticas agrárias de baixo

carbono; g) reduzir a taxa de desmatamento e de queimadas descontroladas; h) planear e gerir a

biodiversidade e os ecossistemas costeiros; i) gerir e valorizar os resíduos.

3. Questões transversais

a) ajustar o quadro legal vigente em linha com a estratégia nacional de mudanças climáticas; b)

ajustar o quadro institucional vigente em linha com a estratégia nacional de mudanças climáticas; c)

desenvolver pesquisa sobre mudanças climáticas; d) fortalecer as instituições que recolhem dados

que alimentam os inventários de GEE e as Comunicações Nacionais; e) desenvolver e melhorar o

nível de conhecimento e capacidade de intervenção sobre mudanças climáticas; f) promover a

transferência e adoção de tecnologias limpas e resilientes às mudanças climáticas.

Esta Estratégia Nacional de Adaptação e Mitigação de Mudanças Climática (ENAMMC, 2013-

2025) é de caráter intersetorial, assim para facilitar a sua implementação garantindo a participação

de atores em diferentes níveis (desde o nacional até a comunidade local) o Governo definiu o

seguinte:

1. A coordenação da implementação da presente estratégia está a cargo da Unidade de Mudanças

Climáticas a ser criada junto ao Secretariado do Conselho nacional de desenvolvimento

sustentável (CONDES), com as funções de garantir a orientação estratégica, a coordenação

intersetorial e a monitoria e avaliação;

2. A implementação das ações da presente estratégia será feita de forma integrada e coordenada por

atores do sector público, privado, sociedade civil e organizações comunitárias de base de acordo

com o plano de ação;

122

3. A coordenação do financiamento será feita pelo Fundo do Ambiente (FUNAB) e os fundos

necessários para a Estratégia serão provenientes do Orçamento Geral do Estado (OE) e dos

acordos multilaterais do ambiente, acordos bilaterais e outros recursos mobilizados pelo sector

privado e pela sociedade civil. Será avaliada a possibilidade de criar um fundo comum de

mudanças climáticas e a possibilidade de angariação de financiamento a partir de contribuições

da responsabilidade social corporativa das empresas e individuais;

4. A gestão do conhecimento será feita através do centro de gestão de conhecimento sobre

mudanças climáticas (CGCMC) a ser criado junto à Academia de Ciências de Moçambique, no

Ministério de Ciências e Tecnologia (MCT), com base nas entidades já existentes e com grupos

temáticos a serem geridos pelas entidades públicas responsáveis. O Centro é o depositário dos

estudos realizados e tem as funções de coordenar a pesquisa, a disseminação e o treinamento e

coordenação da produção de conhecimento, através da pesquisa e investigação. Deverá elaborar

planos de comunicação com vista a divulgar o conhecimento e a informação que seja compilada,

tendo em vista a promoção de uma sociedade moçambicana informada e apta a tomar decisões

face aos desafios impostos pelas mudanças climáticas, seus riscos e oportunidades.

Esta constitui a estratégia a vigorar atualmente em Moçambique. Quer dizer que todas as ações

levadas a cabo em prol da adaptação e mitigação no estado Moçambicano estão baseadas nesta

estratégia, e decorre daqui a sua importância para esta tese e para os estudos futuros que este debate

abrirá até 2025.

O INSTITUTO DE GESTÃO DE CALAMIDADES (INGC)

Com a aprovação da Política Nacional de Gestão de Calamidades, através da Resolução de

Conselho de Ministro, do Decreto nº. 18/99 de 10 de Junho e do Decreto do Conselho de Ministros

nº. 38/99, de 10 de Junho, o Governo moçambicano criou o Instituto Nacional de Gestão de

Calamidades (INGC).

O INGC é o organismo que coordena toda a gestão da aplicação da Política Nacional de

Prevenção e Mitigação de Calamidades em Moçambique. Tem sua sede na Cidade de Maputo,

capital moçambicana, todavia é de âmbito nacional, quer dizer, tem prerrogativa para desenvolver as

suas atividades em todo o território nacional, embora ainda não tenha conseguido cobrir com sua

presença permanente os 128 distritos do país. Sua organização se baseia nos limites de suas

atividades enquanto instituição:

123

Prevenção e mitigação de calamidades;

Suporte ao desenvolvimento das zonas áridas e semiáridas;

Administração geral.

Estrutura Orgânica do INGC

1. Direção-geral;

2. Direção de Prevenção e Mitigação (DPM);

3. Direção de Desenvolvimento das Zonas Áridas e Semiáridas (DARIDAS);

4. Direção de Administração e Recursos humanos (DARH)

5. Gabinete de Coordenação (GC);

Ainda existem três unidades subordinadas, de acordo com o Decreto nº. 29/2009 de 03 de Julho

no seu artigo 01, inciso 02, são elas:

O Centro Nacional Operativo de Emergência (CENOE);

A Unidade de Proteção Civil (UNAPROC);

O Gabinete de Coordenação de Reconstrução (GACOR).

O INGC se distende em repartições locais e operacionais Regionais; De acordo com a Lei nº.

8/2003 de 19 de Maio (Legislação Sobre os Órgãos Locais do Estado), estas representações

regionais são dirigidas por Diretores regionais, e foram estabelecidas de acordo com os eventos

extremos que ocorrem frequentemente nas respectivas regiões (Figura 03).

Estes Diretores regionais são igualmente membros do Conselho Consultivo do INGC e são

nomeados pelo Diretor-geral e desempenham as seus papéis na Direção Geral do INGC.

Direção Regional Sul, situada em Vilankulos, província de Inhambane; prioriza a ações de

prevenção e efeitos das secas;

Direção Regional Norte, situada em Angoche, província de Nampula; prioriza ações de

prevenção e mitigação de desastres provocados pelos ciclones;

Direção Regional Centro, situada em Caia, província de Sofala; prioriza ações de prevenção

e mitigação dos efeitos das cheias;

Delegações Provinciais: É presidida por um delegado provincial e existe em cada uma das

províncias do país, as suas funções são subordinadas ao INGC central na figura do Diretor-

geral do INGC e ao Governador provincial, quer dizer, um comando político e outro técnico.

124

Centros Distritais de Recursos e Uso Múltiplo.

Os níveis de alerta institucionais devidamente estabelecidos São:

O nível de alerta verde, (um sistema permanente de vigilância, prevenção e planificação).

O nível de alerta amarelo (potencial emergência num local);

O nível de alerta laranja (desastre é iminente, mas com possibilidade de reversão);

O nível de alerta vermelho significa que o evento necessita da ativação do CENOE e da

UNAPROC e, caso necessário, do CCGT.

Em qualquer das alertas os agentes intervenientes do sistema usam coletes de cor corresponde

ao nível de alerta. Para o seu funcionamento as unidades operativas contam com um coordenador do

sistema de oficiais; Um oficial operativo; Um oficial de serviço; Um oficial de monitoria; Um oficial

de informação; Um oficial de cooperação e um oficial de apoio e oficiais do INGC; A UNAPROC é

uma unidade submissa ao CENOE, e integra os militares, os policiais e a força de salvação e é

dirigida por um oficial superior das forças armadas de Moçambique (FADM).

Figura 04: Conselho Técnico Distrital de Gestão de Calamidades (CTDGC). Fonte: INGC( 2017)

125

PLANOS DE CONTINGÊNCIA

O tendo criado a instituição voltada para gestão das calamidades, o governo passou a desenhar

Planos de Contingências, quer dizer, elaborar documentos relativos às responsabilidades preventivas

e reativas da organização para atender as emergências de modo eficaz e rápido. São exemplos: o

Plano de Contingência, multissetorial referente à época chuvosa de 1999/2000; O Plano de

Contingência de 2005/2006; O plano de emergência de 2006/2007, e mais recentemente o plano de

contingência 2015-2016.

A lei no 15/2014 de 20 de Junho, que aprova a lei das calamidades em Moçambique,

estabelece os princípios e normas com vista a fortalecer as medidas de prevenção dos fenômenos

calamitosos e determina que o Governo através do INGC seja responsável por elaborar e ou atualizar

os planos de contingência.

Estes planos permitem ao governo coordenar as ações multissetoriais de prevenção, mitigação

das calamidades e as ações pós-calamidades, estimando o risco, o número de vitimas e o orçamento

para execução do plano, definir ações a serem realizadas antes, durante e depois da ocorrência da

calamidade por cada setor, à luz da Legislação Sobre os Órgãos Locais do Estado (Lei nº. 8/2003 de

19 de Maio), que determina que todos os órgãos de governo devam desempenhar funções em

matéria de gestão de calamidades. Quer dizer, na administração pública Moçambicana, os Governos

provinciais, os Administradores distritais, os Chefes dos Postos Administrativos, os Chefes das

Localidades, por serem representantes do Governo central em sua área de jurisdição, respondem

politicamente sobre as questões ligadas à gestão de calamidades;

A analisar pelas ações programáticas das estratégias formais definidas, o INGC tem alocado

maiores orçamentos em ações de reação aos impactos negativos dos eventos extremos, em

detrimento da componente previsão (MATUSSE, 2009).

Nesta pesquisa pondera-se que com a aposta direcionada para a prevenção e adaptação

sustentável aos eventos extremos registrar-se-ão menos gastos públicos e maior eficácia, para tal

torna-se fundamental a participação comunitária de fato e não simplesmente intencional.

As estratégias de adaptação aos eventos extremos no país reconhece essa necessidade da

componente participação comunitária para os sucessos de suas ações, contudo não a tem conseguido

incorporar de modo satisfatório desde o topo até a base no quesito tomada de decisões conjuntas,

participativas.

126

Todas as estratégias de adaptação às mudanças climáticas preconizam o respeito pelas tradições

e pelos lideres comunitários, bem como pelas comunidades que os legitimam como mediadores

entre o governo e a comunidade.

De acordo com Ivala (2000), a importância da participação comunitária na tomada de decisões

deve obedecer às realidades de cada local com as quais os indivíduos se identificam. Deste aspecto

surge a questão sobre o que é uma comunidade local? E como é definida para o caso específico de

Moçambique? Para a primeira questão, sugiro a leitura sobre a designação de comunidade local

ampliada pela perspectiva do desenvolvimento local de Bernard Pecqueur (1989; 2000). Esta

perspectiva traz um interessante debate sobre a definição de comunidade local, e não considera o

território somente, mas também o grupo de pessoas e as organizações que se mobilizam naquele

espaço geográfico para resolverem determinados problemas, com base na estratégia de

desenvolvimento das especificidades econômicas e sociais; suscita debates sobre políticas públicas e

sobre análises dos fatores que influenciam as ações em nível local.

Para esta tese consideramos a definição adotada pelo Estado moçambicano e que tem servido de

referência para gestão ambiental em território nacional. Segundo a legislação moçambicana define-

se comunidade local como sendo um agrupamento de famílias e indivíduos, vivendo numa

circunscrição territorial de nível de localidade ou inferior, e que visa à salvaguarda de interesses

comuns através da proteção de áreas habitacionais, áreas agrícolas, que sejam cultivadas ou em

pousio, florestas, sítios de importância cultural, pastagens, fontes de água, áreas de caça e de

expansão (BOLETIM DA REPÚBLICA, I Série, n.º 27, de 12 de Julho de 1999. Lei n.º 10/99, de 07

de Julho).

Os critérios que a Lei no 10/99 usa para definir o que seja uma comunidade local idealizam um

grupo na qual os respectivos membros teriam a consciência de pertença à coletividade e que tenham

interesses para defender, tendo em conta o presente e o futuro das gerações (IVALA, 2000).

Porém para o contexto Moçambicano surge a dificuldade de identificar uma comunidade

concreta com estas características, pois as localidades moçambicanas, nalguns casos, coincidem com

a de posto administrativo (divisão político-administrativa). Assim sendo, podemos questionar sobre

até que ponto estes agrupamentos político-administrativos perseguem objetivos comuns?

Um aspecto forte a considerar é que as comunidades locais sofrem influência de outras culturas,

por vezes exógenas ao país e ao continente africano, sem contar o processo da colonização que só

em Moçambique durou 500 anos. Durante este processo colonizador, os lideres locais foram

transformados em braços de extensão do poder coercitivo colonial, fazendo com que as

127

comunidades estivessem sempre desconfiadas em relação a tudo o que fosse identificado como coisa

ou assunto do Governo (Estado colonial), pois qualquer ação governamental, mesmo depois da

independência, passou a ser identificada socialmente como algo inerente à civilização dos “brancos”

ou dos colonos, aqueles que trouxeram a exploração, a dominação e o aniquilamento identitário.

Contudo, conforme bem colocado por Ivala (idem), os esforços que hoje estão na persecução de

um desenvolvimento socioeconômico sustentável e duradouro, requer uma participação ativa das

comunidades, e isso passa pela necessária eliminação das barreiras que impedem a criação de

confiança mútua entre a administração estatal não colonial e as comunidades locais. Esta construção

de confiança passa pelo reconhecimento das formas como os indivíduos percebem a vida social e

cultural e como esta se desenvolve, sobretudo, para permitir que as comunidades locais contribuam

efetivamente na identificação e resolução dos problemas que os afligem.

Nos dias de hoje nota-se que o papel atribuído a estas lideranças locais vem se limitando a

realização de cerimônias tradicionais como forma de resolver os problemas ligados a sortilégios e

azares a quando das carências de serviços ecossistêmicos. É fenômeno comum ver comunidades

organizarem-se para cerimônias tradicionais sob a direção de um líder comunitário para pedir aos

antepassados que libertem a chuva ou a façam parar (como o era no passado). A novidade é a

participação das estruturas governamentais nestas cerimônias. Afinal, hoje é praxe do governo de

Moçambique participar das cerimônias de invocação de espíritos, pois tais ritos precedem a todo tipo

de ação desenvolvimentista a ser realizada em nível local.

As cerimônias servem geralmente para pedido de proteção e benção na empreitada. Estes

sinais, estes gestos, estas atitudes embora não escritas formalmente nas estratégias de adaptação e

mitigação podem ser consideradas como parte do reconhecimento governamental pelo valor do

conhecimento tradicional local, mas consideramos necessário explicitar isto, afinal, estas práticas

tradicionais carregam em si, ainda que de modo implícito, a mensagem sobre as percepções de risco

das comunidades, revelam a forma como as comunidades as incluem no seu dia-a-dia, na sua

vivência cotidiana do risco ambiental.

Os líderes tradicionais estão diretamente envolvidos na construção do real comunitário e

manutenção do acervo de conhecimento disponível aos membros da comunidade e são elementos

fundamentais para que as populações aceitem ou não a construção do risco na concepção do Estado

e na adoção do sistema de gestão formal dos eventos extremos. Afinal, o modo de interpretar uma

situação de risco ambiental passa pela consideração e anuência do líder, quer dizer, o que o líder

comunitário disseminar será mais facilmente aceite e percebido como verdade, como real, pois estes

128

líderes estão intimamente ligados às comunidades, exercem um poder simbólico, natural e

sobrenatural sobre elas.

Este quadro impõe um desafio por parte do sistema de gestão que passa por um maior

reconhecimento dos hábitos e costumes locais e sua legitimação em todo o território nacional,

principalmente nos locais onde o INGC ainda não se faz representar através dos seus técnicos e

pontos focais de um modo permanente.

É salutar perceber-se que a importância dos conhecimentos tradicionais não diminuiu o poder

do Estado e suas estratégias, pelo contrário, os conhecimentos tradicionais se adaptam e se renovam

de modo a responder aos novos desafios que são colocados à humanidade, o que se defende nesta

tese é a necessidade de adequação dos instrumentos de gestão dos eventos extremos de modo que

seja dada a devida importância aos conhecimentos tradicionais e que sejam desenhados instrumentos

cada vez mais inclusivos para a sua valorização.

COMITÊS LOCAIS DE GESTÃO DE RISCO DE CALAMIDADES (CLGRC)

O CLGRC é um grupo comunitário formado pelo INGC e que comporta de 15 a 20 pessoas

pertencentes a mesma aldeia, povoação, localidade, posto-administrativo ou escola, e que trabalham

para reduzir as mortes e destruição de casas, escolas, hospitais, machambas por ocasião da

ocorrência de eventos extremos. Estes grupos são criados com a missão de orientar a comunidade a

desenvolver ações de prevenção, mitigação e prontidão para reduzir o risco de calamidade.

Segundo o INGC (2014) os membros do CLGRC devem ser pessoas responsáveis, respeitadas

pela população e que gostam de trabalhar em grupo, pessoas dispostas a trabalhar para o bem da sua

comunidade sem nenhuma remuneração, ou seja, voluntários. Em todo o país, de 2003 a 2017,

foram criados 170 comitês com 2948 membros.

Em Machanga os comitês foram criados de Agosto de 2007 a Abril de 2009 num total de 24

comitês, com 387 membros. Os comitês de Machanga são: Magerete, Inhahole, Inhadongo,

Inharingue, Vila Velha, Chingune, Chinaca, Matongua, Manguezi, Javane, Bea-pea II, Bea-pea I,

Dondo, Chinhuque, Zagilomussanga, Chipanga, Chigogoro, Macanganhajambo.

129

ESTRUTURA OPERACIONAL DO CLGRC

O CLGRC é dirigido por um Coordenador que por sua vez é coadjuvado por um Coordenador

Adjunto. Essencialmente possui 07 tarefas divididas por grupos de trabalho: •Responsável do KIT;

•Escuta pela Rádio; •Aviso Prévio; •Evacuação; •Busca e Resgate; •Abrigo; • Gestão de Informação

e Avaliação de Danos e Necessidades.

Tarefas dos membros do CLGRC

1. Coordenador e Coordenador Adjunto

As tarefas são divididas entre o período antes e durante o período da emergência. Assim, antes

do período de emergência o Coordenador deve elaborar o plano de ação de GRC, juntamente com os

membros do CLGRC e a comunidade. Deve acompanhar, em coordenação com os líderes

comunitários, a implementação do plano de ação de GRC; Realizar simulações. Garantir a

comunicação entre a comunidade e o distrito. Atualizar e divulgar toda a informação sobre os

recursos existentes na comunidade: habitantes, casas, famílias, veículos, saídas de emergência.

Durante o período de emergência deve Coordenar a ativação e desativação dos alertas locais

declarados pelas autoridades competentes; Acompanhar o trabalho dos membros do CLGRC;

Verificar as necessidades de apoio externo, caso ultrapasse as capacidades de resposta da

comunidade. Em caso de necessidades, coordenar o uso dos recursos existentes na comunidade.

2. O responsável do KIT

Antes do período da emergência deve fazer a revisão mensal e garantir que o Kit esteja num

lugar seguro; explicar a utilidade do kit à comunidade; elaborar o mecanismo de entrega e recepção

do kit junto das autoridades da comunidade; Fazer um levantamento dos recursos locais para formar

um kit caso a comunidade não tenha um disponível. Durante o período de emergência deve

disponibilizar o kit para o uso pelos membros do comitê, de acordo com as necessidades e

implementar o mecanismo de entrega e recepção dos recursos do kit.

3. Escuta pela Rádio

Para esta tarefa ficam designadas 02 pessoas que informam a população sobre uma ameaça ou

outro assunto de interesse da comunidade ligado aos eventos extremos. Estes membros devem saber

falar e escrever bem a língua local e a portuguesa. Antes do período da emergência devem manter o

rádio sempre em funcionamento e sensibilizar a comunidade para contribuir para a compra das

130

pilhas do aparelho. Durante o período de emergência devem escutar as informações sobre o

comportamento da ameaça e informar aos líderes comunitários, ao coordenador do Comitê e aos

restantes membros e CLGRC. Implementar o mecanismo para transmissão da informação e

preencher as fichas de registro das informações veiculadas.

4. Aviso Prévio

Para esta tarefa ficam designadas 02 ou 03 pessoas e tem a como principal tarefa alertar a

população sobre a aproximação de qualquer perigo/ameaça. Antes do período da emergência devem

explicar a população como funciona o Sistema de Aviso Prévio. Combinar com a comunidade a

utilização de sinais tradicionais nos sistemas de aviso prévio (tambores, apitos, cornetas). Durante o

período de emergência devem receber por parte dos líderes comunitários a orientação para a

implementação dos alertas e alarmes e divulgar junto da comunidade; Manter a comunidade em

constante organização. Implementar o Sistema de Aviso Prévio (Ex: Içar as bandeiras de aviso, tocar

apito ou batuques).

5. Evacuação

É um grupo constituído por 02 ou 03 pessoas que tem a tarefa de retirar as populações das zonas

de perigo. Estes membros devem ter boa capacidade física e saber ler e falar bem a língua local e a

portuguesa. Antes do período da emergência tem a tarefa de identificar e desenhar as possíveis rotas

de evacuação e pontos de encontro, para utilização em caso de emergência e divulgar para todos os

membros da comunidade conheçam. Elaborar um plano de utilização dos recursos locais. Acordar

com os donos dos meios de transporte e outros recursos para a utilização em caso de necessidade.

Fazer em coordenação com os líderes comunitários, o registro da população e atualização anual.

Durante o período de emergência devem guiar e orientar as populações para os locais seguros.

6. Busca e Resgate

Para este trabalho ficam indicadas por 02 ou 03 pessoas que sabem nadar, navegar (remadores),

conhecem bem as rotas e tem a função retirar a população vulnerável (os renitentes) das zonas de

perigo. Antes do período da emergência tem a tarefa de identificar e alistar os recursos locais

(humanos e materiais) e a respectiva localização para utilização em caso de emergência. Elaborar

um plano de utilização dos recursos. Devem treinar os membros da comunidade para atuarem em

caso de emergência. Gerir e manter os recursos para as ações de busca e Resgate. Durante o período

131

de emergência devem executar as operações de busca e resgate e fornecer informação sobre as

pessoas em perigo.

7. Abrigo

Um grupo formado por 02 ou 03 pessoas que tem a tarefa de preparar a população local de

acolhimento nas zonas seguras. Os membros deste grupo devem ser pessoas com capacidade de

conciliação e, pelo menos uma, deve saber ler e escrever e falar em língua local e oficial. Antes do

período da emergência deve identificar, em coordenação com a população, os locais que poderão ser

usados como abrigos coletivos, postos de saúde e centros de distribuição de alimentos. Localizar

fontes de água e locais para a construção de latrinas. Solicitar a capacitação sobre a gestão dos

centros de acomodação em matérias de condições sanitárias, abastecimento, necessidades básicas,

atividades culturais, produtivas, recreativas, saúde mental e outras condições básicas. Explicar a

comunidade sobre o correto uso do centro de acomodação e elaborar e divulgar regras sobre o seu

funcionamento. Durante o período de emergência devem coordenar com os líderes comunitários,

parceiros locais, direção de saúde e outros membros institucionais para organização e funcionamento

do centro de acomodação. Apoiar aos líderes comunitários no registro das pessoas afetadas nos

centros de acomodação e garantir a distribuição de bens aos afetados.

8. Gestão de Informação e Avaliação de Danos e Necessidades - ADAN

É formado por 02 pessoas e tem a tarefa de fazer o levantamento dos danos e apontar as

necessidades da comunidade afetada. Os seus membros devem saber ler e escrever e trabalhar com

documentos. Antes do período da emergência tem a tarefa de fazer o levantamento do censo anual

de habitantes, casas, famílias, veículos, serviços sociais (água, energia, saúde, educação),

infraestruturas públicas, recursos naturais e ambientais e elaborar e atualizar os mapas de ameaça.

Durante o período de emergência devem fazer a avaliação preliminar de danos logo após a

ocorrência de um fenômeno na comunidade. Identificar as necessidades básicas e urgentes da

comunidade para solicitar assistência humanitária.

Com todas as funções bem divididas e claras, com planos de gestão e pessoas a trabalhar, porque

dos impactos negativos (mortes, perdas e danos) e falhas na adaptação continuam?

Apesar de o governo representado pelo INGC estar no caminho certo por ter um sistema de

gestão que podemos arriscar chamar de avançado pela integração da comunidade na gestão de

eventos extremos, cabe ressaltar que o país de 28 milhões de habitantes, que conta com 128 distritos,

132

o que equivale a dizer que para cada distrito existe 01 comitê, a considerar que o comitê é composto

por 15 a 20 membros, facilmente conclui-se que este número de comitês existente é insuficiente para

dar conta das responsabilidades inerentes a um comitê de gestão [170 comitês, com 2.948 membros].

Ademais que por causa da ausência de projetos de rendimento e o caráter de voluntariado, muitos

membros tem abandonado os comitês, por diversas razões ligadas as necessidades básicas, como por

exemplo, procura de emprego, habitação, educação, e o êxodos a procura de melhores condições de

vida. Esta situação impõe a necessidade de revitalizações constantes dos comitês, o que representa

gasto de somas avultadas em valores monetários, aos quais infelizmente não pude aceder durante a

coleta de dados para esta pesquisa. Para além destes aspectos, estruturalmente o país conta com uma

fraca capacidade de previsão de eventos extremos, deficiente sistema de antecipação de alertas e a

pobreza, conforme vimos no início deste capitulo.

De um modo geral, pode-se dizer que o papel dos Governos Distritais para o funcionamento dos

CLGRC é o de coordenar todas as ações com as instituições locais para criação, formação e

equipamento dos CLGRC e encorajar a procura conjunta de soluções; Garantir o funcionamento

pleno dos CLGRC; Consolidar os hábitos de prevenção na cultura existente no seio das

comunidades. Assegurar a inclusão de ações de GRC nos planos de desenvolvimento locais;

A função dos comitês é receber e disseminar a informação sobre a ocorrência dos eventos

extremos para que as pessoas saiam da zona baixa para as zonas seguras. Os membros do comitê

distribuem comida, auxiliam na construção das casas destruídas, constroem latrinas; e dão

conselhos.

Com efeito, os entrevistados consideram a criação dos comitês uma excelente estratégia para

espalhar a informação sobre o ambiente e os eventos extremos, pois evita a má interpretação das

mensagens veiculadas na comunidade. Em cada zona de Machanga existem membros de comitês e

quando percebem que as águas estão a vir, saem para avisar para aqueles que estão nas zonas baixas

que é melhor saírem, pois a água está chegar.

As diferentes estratégias e programas aqui analisados indicam que o governo tem defendido

recorrentemente em sua agenda para gestão sustentável dos eventos extremos:

A promoção da sensibilização pública nas áreas de planejamento, gestão e conservação

ambiental, bem como no uso sustentável dos recursos;

A inclusão na educação formal e informal, a todos os níveis, de matérias de índole ambiental;

133

O empenho dos institutos e organizações envolvidos na investigação e conservação do

ambiente, dos ecossistemas, da biodiversidade, dos recursos naturais, na educação e

sensibilização pública;

A promoção da participação da comunidade local na planificação e tomada de decisões sobre

o uso dos recursos naturais.

O estimulo ao comprometimento dos diferentes sectores de atividade do Estado com as

questões ambientais através da premiação daqueles que procedam a favor do ambiente e

responsabilização dos causadores dos danos ambientais.

A identificação, através do governo e de outras instituições, possíveis fontes de

financiamento para o suporte de programas ambientais setoriais;

O incentivo a participação do sector privado no financiamento de iniciativas ambientais; bem

como a criação de associações comunitárias de maneio dos recursos naturais.

A divulgação dos programas ambientais ao nível das comunidades, com prioridade para os

líderes comunitários, autoridades tradicionais, líderes religiosos, professores primários,

ONGs locais e os diferentes órgãos de informação.

O governo moçambicano tem pautado por tornar mais ativa à participação internacional de

Moçambique na implementação das convenções internacionais ratificadas, defendendo uma maior

participação nos acordos, protocolos e atividades de Organizações Internacionais. Tem defendido

em suas estratégias a necessidade de revisão e reajuste da legislação ambiental existente em

Moçambique de modo a assegurar que esta se compatibilize com as obrigações e objetivos dos

acordos e convenções internacionais; e a continuação da identificação de locais de valor biológico,

ou cênico no país, de modo a promover o reconhecimento desses locais de acordo com o estatuto

internacional. E o reforço das capacidades institucionais e técnicas de investigação sobre as inter-

relações entre a variável ambiental e as questões socioculturais, econômicas e demográficas para o

desenvolvimento de Moçambique.

Nesta tese questionamos a precedência atribuída ao conhecimento técnico cientifico

internacional e a consequente secundarização ou não lugar do conhecimento local-tradicional. Uma

postura provavelmente herdada dos “malefícios” da pretensão à divindade por parte da ciência

positivista, corolário da modernidade europeia ocidental e materializada na imposição de um modelo

134

de desenvolvimento global que se sobrepõe ao local, que é considerado enumeras vezes como

conhecimento terceiro mundista, com todos os corolários que advém dessa designação (NGOENHA,

2016).

Portanto, não obstante estas intenções estarem defendidas em estratégias de ação, o governo de

Moçambique deve ter a coragem de continuar a refletir-se a si mesmo, obviamente sem se desligar

do contexto internacional, mas procurar dar conta das peculiaridades paradigmáticas internas ao

estado, por onde as escolhas de soluções para os problemas moçambicanos sejam tomadas tendo

como primeiro pano de fundo a realidade local, a capacidade local, as condições locais e a posterior

olha-se para o apoio internacional e possibilidades de colaboração e cooperação.

135

CAPÍTULO

IV

ESTUDO DE CASO

PERCEPÇÃO DE RISCO E ESTRATÉGIA DE

ADAPTAÇÃO AOS

EVENTOS EXTREMOS EM MACHANGA

136

INTRODUÇÃO

Dados preliminares atualizados do Censo (2017) sugerem que em Machanga (figura 04) existam

11.749 casas, nas quais vivem 12.153 agregados familiares, totalizando uma população de 55.861

habitantes, dos quais 25.804 são homens e 30.057 são mulheres32

. A população é jovem (46%

abaixo dos 15 anos de idade) majoritariamente feminina e de matriz marcadamente rural, com uma

relação de dependência econômica, potencial que é de aproximadamente 1:1, quer dizer, por cada 10

crianças ou idosos, existem 10 pessoas economicamente em idade ativa.

Figura 05. Distrito de Machanga, Província de Sofala

32 INE: DIVULGAÇÃO OS RESULTADOS PRELIMINARES, IV RGPH 2017.

137

No tocante a gestão de crises e calamidades resultantes das cheias e ciclones, a autoridade

comunitária33

tem mobilizado as populações que vivem nas zonas ribeirinhas e propensas a

inundações a retirarem-se para as zonas altas e seguras, levando a cabo ações de mitigação das secas

e cheias através da mobilização e sensibilização das populações, para aberturas de machambas nas

zonas baixas e plantio de culturas resistentes e/ou tolerantes as secas. A relação entre a

administração e as autoridades comunitárias é considerada positiva pelo governo e tem contribuído

para a solução dos vários problemas locais, principalmente os surgidos devido aos poucos conflitos

de terras existentes no distrito.

Ao nível do distrito o aparelho do estado é constituído pela administração do distrito e restantes

direções dos sectores distritais34

. O administrador responde perante o governo provincial e central,

pelos vários sectores de atividades do distrito, organizado em direções e sectores distritais. O

governo tem por base os chefes das localidades, autoridades comunitárias e tradicionais. Os

presidentes das localidades são representantes da administração e subordinam-se ao chefe do posto

administrativo e consequentemente, ao administrador distrital, sendo coadjuvados pelos chefes de

aldeias, secretários de bairros, chefes de quarteirões e chefes de blocos.

As instituições do distrito operam com base nas normas de funcionamento dos serviços da

administração pública, aprovadas pelo decreto 30/2001 de 15 de outubro do conselho de ministros, e

publicado no boletim da República número 41, I série, suplemento. A atividade do governo distrital

segue uma abordagem essencialmente empírica e de contato com a comunidade. Importa referir que

esta prática vem a ser estruturada em sistemas de planificação e controlo regulares e fiáveis, bem

como baseada numa visão estratégica que orienta o planejamento anual e faça convergir de forma

eficaz os esforços setoriais.

O nível de receitas é manifestamente insuficiente ao cabal exercício das funções distritais, as

despesas correntes do orçamento distrital, em 2004, por exemplo, foi de 30 meticais por habitante,

isto é, cerca de USD1. Do lado da despesa, o esforço fiscal distrital é muito baixo, e os gastos com

33

No âmbito da implementação do decreto 15/2000 sobre as autoridades comunitárias de primeira e segunda linha

(régulos, chefes de terra e secretários de bairros), foi levado a cabo um trabalho de divulgação do mesmo em todos

postos administrativos, localidades, aldeias e povoações, tendo sido envolvidos todas as camadas sociais, este trabalho

terminou com a legitimação, pelas respetivas comunidades e reconhecimento pelas autoridades competentes de alguns

líderes comunitários locais. 34

Gabinete do Administrador, Administração e Secretaria; Direcção distrital de agricultura e desenvolvimento rural;

Direcção distrital de educação; Direcção distrital de saúde; Delegação da direção provincial do comércio, indústria e

turismo; Delegação da direção provincial da Mulher e Coordenação da Ação Social; Delegação do registro civil e

notariado; Comando distrital da policial da República de Moçambique.

138

pessoal absorvem mais de metade de orçamento corrente do distrito, a exceção das cobranças de

mercado e algumas receitas de serviço, turismo e urbanismo. Quanto ao investimento com

financiamento de base distrital, o seu montante é pequeno, sendo quase todas as ações de

investimento público, planificadas e orçadas ao nível provincial.

Ao Governo distrital compete essencialmente a gestão corrente, fracionada pela dispersão

orçamental dos principais sectores sociais e de infraestruturas, o que condiciona fortemente a sua

atuação no esforço coordenado de desenvolvimento e integração. Em face dessa situação financeira

descrita, o governo distrital tem enfrentado vários constrangimentos nas suas ações, dos quais estão

destacados os seguintes: fraca capacidade institucional e de recursos humanos para fazer face aos

desafios resultantes das calamidades naturais provocadas pelas cheias e secas; Falta de meios e

equipamentos para a manutenção das estradas e vias terciárias; Fraca capacidade institucional para

fiscalização dos recursos florestais e marinhos; Falta de condições de trabalho para funcionários e de

incentivos de ordem financeira;

Face às restrições orçamentais existentes, tem sido essencial para persecução da atividade do

governo distrital e para o progresso do distrito, o envolvimento e participação comunitária, e o apoio

do sector privado e de vários organismos internacionais que operam nesse distrito, tais como

COTAM, INDER, CAPANAMUR, GEPE, MPDL, OSEO, OGE, PIPELINE, entre outros. A

participação comunitária tem sido essencial para suprir várias necessidades em Matéria de

construção, reabilitação e manutenção de infraestruturas, nomeadamente estradas interiores, postos

de saúde e escolas, bem como residências para professores e enfermeiros.

O governo distrital tem desenvolvido ações em parceria com ONG’s, principalmente

estrangeiras, sendo de destacar a Africare, o Serviço Alemão de Cooperação Técnica e Social

(DEDA), e o Conselho Cristão de Moçambique (CCM), que se encontram a operar no distrito em

programas de água e saúde, promovendo a criação de igualdade de oportunidades e direitos de

gênero em todos os aspetos de vida social e econômica, com foco na integração da mulher no

mercado de trabalho, processos de geração de rendimentos e a construção de infraestruturas com

base em recursos locais.

Esta coordenação demanda mecanismos de troca de informação, diálogo e concertação de ações,

evitando a sobreposição de atividades e racionalizando recursos de forma a melhorar a eficácia e

eficiência das ações governamentais e das iniciativas da comunidade e do sector privado.

O distrito de Machanga debate-se com sérios problemas de transporte, e em termos de

telecomunicação, Machanga conta somente com ligações via rádio em algumas famílias, todavia em

139

relação a outras utilidades, o padrão dominante é o de famílias, sem rádio, televisão, e/ou

eletricidade, dispondo de uma bicicleta em cada 6 famílias. Este distrito possui potencialidades

pecuárias, agrícolas e de florestas, sendo que a agricultura e a pecuária são as principais atividades

econômicas das famílias do distrito.

O distrito não possui nenhum sistema formal de crédito implantado e não há representação em

Machanga de nenhuma instituição bancária. Este distrito é frequentemente alvo de desastres

naturais, que afetam profundamente a vida social e econômica da comunidade no distrito.

CLIMATOLOGIA

O clima de Machanga, segundo a classificação climática de Koppen (FERRO e BOUMAH,1987

apud MAE, 2005), é tropical chuvoso de savana (Aw), sendo que o Distrito pode ser influenciado

por um clima seco de estepe com inverno seco (bSw) e de clima temperado úmido (Cw).

Segundo Kassam (1981) citando MAE (2005), a precipitação média anual é da ordem dos 870

mm a 880 mm, valores médios obtidos durante coleta em 29 anos, mas em geral predomina uma

irregularidade da precipitação ao longo do ano devido às influências climáticas, o que compromete a

produção agrícola (figura 05). A temperatura média anual é de 23,40

C, apresentando temperaturas

mais altas nos meses de Dezembro a Fevereiro, e as mais frescas de Junho a Julho, considerando que

a evapotranspiração média anual é superior à precipitação média anual, chegando a atingir a casa

dos 1400 mm a 1500 mm.

Figura 06. Culturas alagadas em tempo de cheias em Machanga. Fonte: INGC, 2009

140

ESTRATÉGIAS DE SEGURANÇA ALIMENTAR

Quanto à Segurança alimentar e a estratégia de sobrevivência, o perfil dos distritos (2005), refere

que Machanga por ser frequentemente alvo de desastres naturais, que afetam profundamente a vida

social e econômica da comunidade, apresenta uma fraca produtividade agrícola, e apresenta níveis

significativos de risco na segurança alimentar, estimando-se em dois meses a média de reservas

alimentares por agregado familiar de cereais e mandioca, o que coloca cerca de 5% da população do

distrito, sobretudo os camponeses de menos posses, idosos e famílias chefiadas por mulheres, numa

situação potencialmente vulnerável.

Segundo o MAE (2005) o baixo rendimento das culturas agrícolas é dado ao uso de tecnologias

elementares (ex: enxada de cabo curto). A produção é insuficiente para cobrir as necessidades de

alimentos básicos, que só são satisfeitas com a ajuda alimentar e rendimentos não agrícolas ou

outros mecanismos de sobrevivência. Neste sentido, nos períodos de escassez as famílias recorrem a

uma diversidade de estratégias de sobrevivência que inclui a participação em programas de “comida

pelo trabalho” (projeto do PMA), recolha de frutos silvestres, venda de lenha, carvão, estacas, caniço,

bebidas e atividades de caça, pois a fauna é muito importante na alimentação das famílias, sendo que

contam também com o peixe.

A pequena indústria local é composta de atividades como a pesca, carpintaria e artesanato,

representando as alternativas à agricultura ou prolongamento da mesma, sendo de considerar que

este distrito é o maior produtor de sal no nível da província de Sofala, estando assim razoavelmente

integrado nas redes de mercado próximas, nomeadamente, com a cidade da Beira, Maputo e

Inhambane, existindo assim 41 lojas no distrito (das quais 22 inoperacionais), uma carpintaria, duas

serrações e cinco padarias, não contando com nenhuma instância turística apesar de situar-se junto

ao parque de Zinave, um dos mais importantes do país.

Para atenuar os efeitos dessa situação, as autoridades distritais e o Ministério para

Agricultura e Desenvolvimento Rural (MADER), lançaram um plano de ação, para redução do

impacto da estiagem, incluído sementes e culturas resistentes e introdução de tecnologias adequadas,

ao sector familiar.

As principais organizações, que apoiam o distrito, sobretudo durante as de calamidades são: o

PMA, o departamento de prevenção e combate às calamidades naturais, o programa de emergência

de sementes e utensílios, a Save The Children e a organização rural de ajuda mútua, cuja atuação

inclui a entrega de alimentos e a distribuição de sementes e de instrumentos agrícolas no quadro de

programas.

141

TRAÇOS SOCIAIS: EDUCAÇÃO, SAÚDE E RELIGIÃO

Quanto à religião, em Machanga são comuns as evocações dos espíritos dos antepassados

para pedir favores de toda ordem, sendo que as transformações que se vêm operando no seio de

Machanga têm vindo gradualmente a reduzir a prática de ritos de iniciação (rito para sinalizar a

entrada na idade adulta para homens e mulheres).

O Lobolo, pagamento do dote para casar-se, é ainda uma prática corrente no distrito. As

mulheres trajavam frequentemente capulanas, mas com o evoluir dos tempos, já intercalam entre

vestidos, saias e blusas, tendo os homens também largados as capulanas que usavam por cima dos

calções, passando a usar apenas calças camisas e casacos;

O tipo de habitação modal das famílias dos distritos é a palhota, com várias divisões, a sala é

comum possuindo duas portas uma para os homens e outras para as mulheres, sendo que madeira é

majoritariamente usada como lenha e não tão frequente usada para construção de habitação. As

refeições são tomadas em separado homens e mulheres, contudo este costume também tem vindo a

se modificar, existindo casas em que os homens já passam refeições conjuntamente com as mulheres.

Quanto ao sistema educação e Saúde, o distrito possui 29 escolas e 07 unidades sanitárias, o

que corresponde a uma unidade sanitária para 08 mil pessoas, uma cama por 1000 habitantes e ou

ainda um profissional de saúde para 2000 habitantes. O distrito conta com 80% da população

analfabeta, predominantemente mulheres e tem uma taxa de escolarização baixa, constatando-se que

somente 24% dos seus habitantes com 05 ou mais idades frequentam ou já frequentaram a escola até

ao nível primário.

GEOMORFOLOGIA, PEDOLOGIA E PRODUÇÃO AGRÍCOLA

Quanto aos solos, o Distrito de Machanga apresenta uma geomorfologia constituída por

sedimentos de Mananga, com uma camada superficial de areia inferior a 20 cm de profundidade e

por coluviões e aluviões holocênicos, o que remete a consideração dos solos de Machanga como

sendo antigos depósitos de sódicos duros de Pleistoceno. No geral o distrito é composto por

calcários e sedimentos de Terciário e de materiais mais recentes de origem eólica, fluvial e marinha

do Quaternário. Estes materiais constituem a base originária dos solos desta região, carregando

como consequência o fato de que vários destes solos serem salinos, o que limita em alguns casos a

aptidão dos mesmos ao regadio (MAE, 2005).

A textura da maior parte dos solos de Mananga varia entre franco-argiloso-arenoso, castanho

amarelado, e camada arenosa superficial espessa e pouco espessa, com muita variação no contexto

142

de acidez e salinidade. Nas camadas aluviões holocênicos e nos sedimentos marinhos estuários

holocênicos as texturas variam entre aluviões estratificadas de textura grossas a medias ao longo do

perfil, podendo também variar de texturas argilosas a franco-arenosas (Idem).

Machanga possui potencialidades agrícolas, pecuárias e de florestas, sendo que a agricultura e a

pecuária são as principais atividades econômicas das famílias. Dos 572 mil hectares da superfície do

distrito 3% (280 mil hectares) tem grande potencial para agricultura. Esta agricultura é praticada

manualmente em pequenas extensões familiares e em regime de consorciação de culturas, como tal,

não são frequentes conflitos em função de recursos como terra, lenha ou pastagens.

Devido às suas condições climáticas e a textura pesada e mal drenada dos solos, as culturas estão

divididas em monocultura de arroz no tempo chuvoso e batata-doce em época fresca, sendo que nos

solos bem drenados predominam as consorciações de milho, mapira, mexoeira, mandioca e feijões

nhemba e boere, que são complementados por criações de gado bovino, caprino e aves.

Como a produção agrícola é feita predominantemente de sequeiro, o risco de perda das colheitas

é alto, dada a baixa capacidade de armazenamento da colheita, e da umidade no solo durante o

período de crescimento, as cheias de 2000 e as subsequentes secas de 2003, por exemplo,

intimidaram muito a exploração agrícola no distrito. Os solos aluvionares são profundos a muito

profundos, ricos em matéria orgânica e retentores de água e nutrientes, o que os torna propícios para

a agricultura irrigada, mas geralmente são solos salinos e/ou sódicos.

Em suma Machanga é considerado marginalmente apto para o desenvolvimento da agricultura

irrigada, sendo que o fomento pecuário se mostra fraco, mas crescente, assim a falta de fundos e

serviços de extensão, são apontados pelo governo como os principais obstáculos para o

desenvolvimento efetivo de Machanga, além disso, o distrito ainda enfrenta o problema do

desflorestamento e da erosão. Segundo o governo o distrito apresenta carências no abastecimento de

água, existindo comunidades que não tem acesso às fontes de água nas proximidades, e a cobertura

de energia elétrica é quase nula (CENSO, 1997).

143

MANDAUS AO RELENTO ENTRE O RIO E O OCEANO

Viajar de Maputo a Machanga não é uma aventura para debutantes. A viagem de machimbombo

(autocarro) leva quase 16 horas entre paragens e aceleradas. São no total são 1212 quilômetros

percorridos num autocarro de conforto animal (condições desumanas). Diferentemente da viagem de

2015, que tinha sido de reconhecimento, desta vez (2017) nos deslocamos a Machanga para cumprir

com os protocolos de campo, nomeadamente: apresentar-se, conhecer e entrevistar as autoridades

distritais e das localidades, inteirar-se sobre possibilidades de deslocamento aos postos

administrativos (Maropane, Divinhe, Chiloane e Djavane), como e quais as distâncias a se percorrer

de uma a outra localidade, possibilidades de meios para comunicação, transporte e hospedagem, e

familiarizar-se com a língua local (NDAU).

Estávamos na vila sede de Machanga. Lá não há bancos ou serviços bancários, para se beneficiar

destes serviços é necessário deslocar-se ao distrito de Guvuro, na província de Inhambane. A viagem

dura em torno de 30 minutos, dos quais 20 caminhando pela margem do rio Save e 10 atravessando

o rio de Canoa. Não existe ponte que ligue estes dois pontos e nem barcos a motor ou a vela que

façam esta travessia de forma mais segura. Digo segura, pois quando há maré alta existe o perigo

dos Crocodilos e Hipopótamos na travessia.

Nestas travessias pudemos notar que é possível encontrar muitas casas ao longo da margem do

rio Save, numa distância curta, de aproximadamente 15 metros da margem. Estas populações são

geralmente as que mais sofrem com os eventos extremos que aqui ocorrem, e quando atingidas ou

em risco de serem atingidas por algum fenômeno ambiental extremo são aconselhadas a dirigir-se

para as zonas altas, e para os abrigos designados pelo governo, através do INGC.

Todavia, as pessoas aqui não aceitam fácil mudar desta região, alegam questões econômicas e

sociais. Há um tempo o INGC construiu 130 casas na zona alta, na vila nova, no sentido de abrigar

as vítimas de desastres, mas as pessoas somente permaneceram lá o tempo necessário para o perigo

passar e se negaram a permanecer por lá para sempre, visto que este local fica muito longe das suas

zonas de produção agrícola, longe do rio e das terras propícias às plantações. Segundo dizem, o

lugar não tem água potável e nem possibilidade de negócios ou de produção de comida, assim as

pessoas voltam para estas regiões e abraçam o risco.

O caminho até ao rio Save é marcado por solos arenoso-fluviais e argilosos, e pudemos notar a

existência de muitos buracos, fruto da extração de areia para a construção e para o comércio. Visto

que têm muitas casas que se encontram bem próximo às margens do rio, estes buracos acabam

144

favorecendo as enchentes e a perda de culturas agrícolas ali praticadas, bem como propiciam

transformações no ecossistema e no relevo.

Figura 07. Deformação do relevo dada a extração de areia. FONTE: Arquivo do autor.

Em Machanga a maior parte das casas é construída com material precário, argila, pedras, estacas

e capim. As casas melhoradas são cobertas de chapas e construídas com Blocos, ferro e cimento.

Não existe estrada asfaltada em Machanga. As deslocações são feitas por carros, principalmente 4x4,

que geralmente pertencem às instituições do governo, por motorizadas, bicicletas e ainda por

carroças de tração animal.

O arrendamento de um quarto, para hospedagem custa entre 500 a 2.000 meticais por dia

(USD10 a USD 40 por dia), sendo que grande parte da população no distrito, vive com menos de

USD1 por dia, estas hospedagens na sua maioria pertencem a indivíduos que não vivem em

Machanga regularmente.

O período de Outubro a Dezembro é conhecido como época seca. Quem chega nesse período em

Machanga, logo percebe os muitos sinais que a seca traz: muitos animais magros, e alguns já a

145

morrerem de fome e sede, visto que a água do rio nestes períodos saliniza-se, tornando-se imprópria

para o consumo. Uma das estratégias locais nestes períodos de seca é soltar os animais domésticos

pelas ruas da vila, pois por não ser tempo de plantação podem circular à vontade e encontrar

alimento pelas redondezas, sem representar perigo para as machambas da comunidade.

A energia usada em Machanga vem da subestação de Vilanculos, e é produzida a base de gás

natural, pela SASOL, uma empresa sul-africana a operar em Moçambique.

Na localidade Sede de Machanga existem três (03) antenas de operadoras de telefonia móvel.

Isto permite aos cidadãos beneficiarem de todos os serviços prestados por estas operadoras,

inclusive o uso de internet, sendo possível navegar pela web sem problema algum, desde que se

esteja usando uma das telefonias como meio. Por este aspecto, em Machanga é comum o uso de

facebook, whatsap, email, entre outros aplicativos.

Não existe instituição de ensino superior em Machanga-Sede, somente 02 (duas) escolas

secundárias, e uma primária. Quem termina o ensino médio tem de se deslocar a algum ponto do

país para que possa gozar deste benefício público, a educação. Questionado sobre as cheias e seu

impacto, nossos interlocutores davam resposta lógicas e direcionadas a um entendimento comum

que julgamos interessante e problematizamos ao longo desta pesquisa.

Em conversas pela Vila logo percebemos que o assunto dos eventos extremos é cotidiano, faz

parte da vivência cotidiana daquelas comunidades, a explicação para condição em que vivem

encontra-se nas interações sociais que se estabelecem com os outros, dizem-nos, por exemplo, que o

grande problema da comunidade não é a chuva, pois para eles as chuvas não causam cheias, as

cheias são provocadas pela abertura das comportas em outros países, como o Zimbabwe.

As cheias são vistas como parcialmente benéficas, pois elas dessalinizam a água do rio, pois no

período de seca, as águas do oceano invadem o afluente do rio e tornam a água salgada, faltando

assim água para alimentar os animais. Pelo fato da geomorfologia da região apresentar-se em forma

de escadaria, baixando em direção ao ESTE e crescendo em direção ao continente, OESTE, entende-

se que quando os países do interland que apresentam maior elevação na composição do seu relevo

abrem as “comportas das barragens”, Machanga que se situa no limite com o oceano é inundada,

visto que seus terrenos são arenosos argiloso-fluviais, quer dizer, tem pouca capacidade de

infiltração.

Contudo, a percepção é que essas cheias são benéficas porque trazem a água doce de volta e

empurram as águas do oceano (Salgadas) de volta ao seu lugar, apesar de destruir as plantações e

146

matar animais, e outros bens. A percepção que se tem é que as chuvas não são causadoras das cheias,

as chuvas são desejadas. As inundações surgem da abertura de comportas, pelos países vizinhos.

No distrito existe um ponto focal do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades. Ele é

responsável pelas localidades de Divinhe, Machanga-Sede e Chiloane, e ocupa também o cargo de

secretário para Mobilização da Organização da Juventude Moçambicana. Ele foi quem auxiliou no

trabalho de campo.

Em seguida fomos à localidade de Divinhe. Divinhe dista a 100 quilômetros da Villa sede, mais

ou menos 2h: 30min. É possível encurtar esta distancia para 65 quilômetros, contudo as condições

de viagem mudam drasticamente. A estrada é de terra batida, praticamente improvisada, um corta

mato típico e verdadeiro como localmente se diz. Ao longo da estrada, cruzamos afluentes

ocasionais do rio Save que são ocupados pelas águas salgadas do oceano Índico e desaparecem no

período de seca.

Pela força das águas do oceano acabam surgindo lagoas ao longo do caminho, em função da

vasta planície que aqui se apresenta. Cruzamos uma delas, que é a planície de Mafoia. Esta

representa o celeiro do sal na província de Sofala. Daqui são extraídas grandes quantidades a serem

e comercializadas diariamente. Esta é uma das principais atividades econômicas da região e envolve

um número significativo de trabalhadores, ainda que sazonais.

Bom, o fato de cruzarmos 03 afluentes chamou nossa atenção para o fato de, no período

chuvoso esta ser uma região padrão de vulnerabilidade socioambiental, visto que a atividade de

extração de sal é interrompida, bem como inviabiliza a comunicação rápida via terrestre entre

Divinhe e o resto do distrito, sobrando como opção percorrer os 110 quilômetros de estrada

alcatroada e esburacada em grande extensão, e ainda assim com alta possibilidade de fracasso.

Não há asfalto em Divinhe e as casas seguem o mesmo padrão de Machanga-Sede, com

exceção das casas do governo e alguns membros comunitários. Em Divinhe fica o cais que nos

permite chegar a ilha de Chiloane. Este cais é de madeira, inteiramente precário, não oferecendo

segurança alguma, e suas embarcações são canoas a remo, que levam 3 a 5 horas para chegar ao

destino, se pretende ir mais rápido, 30 a 45 minutos, deve-se alugar um barco ambulância que ali se

encontra. O pagamento do aluguer deste barco é feito a base de combustível, 30 litros para ir e voltar

de Chiloane.

Chiloane é uma ilha grande que fica ao sul de Sofala. Conta com mais de 11.500 habitantes e

é onde a riqueza pesqueira de Sofala “dorme”. Os problemas ligados à vulnerabilidade social se

multiplicam na “calada da noite” e a erosão costeira avança solta.

147

Numa reportagem intitulada: “Chiloane: Muito dinheiro numa ilha em risco”, o escritor

Eduardo Sixpence35

, elucida sobre alguns pontos a levar em conta numa primeira abordagem a

realidade de Chiloane e com a qual nos identificamos muito pelo fato de ter enfrentado semelhantes

dificuldades e notado pontos de analises coincidentes em relação à percepção do risco ambiental e os

aspectos culturais em Machanga.

Para chegarmos a Chiloane foi preciso percorrer mais de 100 quilômetros da vila-sede

distrital de Machanga à localidade de Divinhe, com a rodovia a oferecer inúmeros problemas

ademais que não dispúnhamos de transporte particular e nem o governo distrital de motorizada ou

algum veiculo, tivemos que improvisar a viagem. 50 quilômetros do caminho é parte de um dos

afluentes do ria Save totalmente seco dado à época.

Contudo, aquele ponto tornasse intransponível em tempo de chuva forte, fazendo com que se

dê uma volta pela estrada principal que acrescenta uns 70 quilômetros à viagem. Nas primeiras

considerações dos entrevistados surgiu a ideia da ilha como lugar de azar. Esse azar advém do fato

de a ilha receber constantemente pesquisadores e inquiridores que vêm saber como é a vida dos

residentes e se algo mudou, contudo depois disso nada muda e nada acontece.

Depois que se chega a Divinhe, atravessasse o oceano índico a barco, de um dá para lançar o

olhar sobre um mangual abundante mais com sinais de impotência perante a fúria das águas. Logo a

chegada à Ilha de Chiloane, A primeira coisa que desperta a atenção é o nível alto da erosão, que

assim como para Sixpence (2009) foi o nosso cartão de visita. É sem dúvidas o primeiro problema

visível, a ilha está a perder terreno devido à fúria das águas do Oceano Índico, ciclones e ventos

fortes. Para muitos residentes tratar-se de um assunto que carece de uma intervenção de grande vulto,

com o envolvimento do Governo Central apoiado pelos parceiros de cooperação.

35

Trechos do artigo de Eduardo Sixpence. Maputo, Terça-Feira, 02 de Junho de 2009: Jornal Notícias.

148

APRESENTAÇÃO E ANÁLISES DOS DADOS

No total a pesquisa entrevistou 150 participantes (conforme mencionado na tabela 01) divididos

entre os mais diferentes tipos de ocupações e profissões, nível de escolaridade e gênero. A tabela 04

ilustra a distribuição dos entrevistados em função dos postos administrativos em que realizamos a

recolha de dados. No total foram entrevistados 67 membros do comitê de gestão e 83 não membros

dos comitês. O entrevistado ao qual não se aplica este critério de pertença ao comitê é o ponto focal

do PMA, pois sua atuação se estende a todos os postos administrativos do distrito de Machanga.

Tabela 04: Total de entrevistados por posto administrativo.

ENTREVISTADOS

POSTO ADMINISTRATIVO

CHILOANE DIVINHE MACHANGA SEDE N/A Total Geral

Membros do Comitê 23 11 33 - 67

Feminino 14 02 22 - 38

Masculino 09 09 11 - 29

Não membros do comitê 07 23 52 01 83

Feminino - 12 25 - 37

Masculino 07 11 27 01 46

Total Geral 30 34 85 01 150 N/A = Não aplicável

Conforme podemos observar na tabela 05, a maioria dos entrevistados dedica-se à produção nas

machambas (plantações), do total de 67 membros do comitê de gestão, 31 são camponeses. Quer

dizer, os camponeses são uma categoria importante em Machanga e são presentes na dinâmica

social imposta ao distrito pelas condições ambientais.

Os estudantes são uma categoria presente, ademais que Machanga tem sido ponto de

convergência dado ao fato de possuir a única escola secundária do distrito, muitos vem para

Machanga-sede a procura de estudo.

149

Tabela 05: Entrevistados por profissão e pertença ao CGC

Relação entre Profissão e participação nos comitês de Gestão de Calamidades

Cargos / Ocupações Membro Não membro Total

Administrador - 1 1

Auxiliar de apoio 1 1 2

Biscateiro - 1 1

Camponês 31 26 57

Carpinteiro - 1 1

Chefe de Depart./ INAM - 1 1

Chefe de Localidade - 5 5

Chefe do P. Administrativo - 2 2

Comerciante 1 0 1

Director Distrital 3 3

Doméstica 7 3 10

Empresário 2 - 2

Enfermeiro - 1 1

Estudante 1 27 28

Garçon 1 0 1

Gestor do Intenato - 1 1

Gestor do Internato - 1 1

Líder comunitário 7 - 7

Médico tradicional36

1 - 1

Pastor Religioso 1 - 1

Pescador 9 1 10

Ponto Focal INGC 1 - 1

Ponto Focal PMA - 1 1

Professor 2 5 7

Secretário do Bairro 2 - 2

Secretário Permanente - 1 1

Técnico agrícola - 1 1

Total Geral 67 83 150

36

Médico tradicional é o nome atribuído aos curandeiros da medicina não convencional.

150

Na realização de grupos focais, os entrevistados foram categorizados entre membros do

comitê de gestão de calamidades que em termos percentuais totalizam 47% da amostra e os

designados não membros totalizaram 53%.

A escolha dos entrevistados respeitou o princípio de equidade de gênero de modo a garantir o

equilíbrio de participação (Tabela 06). Contudo, não registramos presença feminina no grupo alvo

que responderia as entrevistas individuais aprofundadas, em outras palavras, observamos que em

nível da direção das instituições do Estado e das ONGs temos uma presença quase nula de mulheres,

muito embora elas não sejam a maioria da população.

Tabela 06: Técnicas de pesquisa por gênero e por pertença ou não pertença ao CGC

Soma de Frequência Técnica de pesquisa

COMITÊ DE GESTÂO EIA Grupo Focal Total Geral

Membro 1 66 67

Não membro 10 73 83

Total Geral 11 139 150

Gênero EIA Grupo Focal Total Geral

Feminino - 75 75

Masculino 11 64 75

Total Geral 11 139 150

Em termos percentuais podemos verificar que há um equilíbrio de participação nos grupos

focais entre os membros e os que não são membros dos comitês de gestão de calamidades.

Se olharmos para as EIAs o cenário muda. Isto se deve ao fato de muitos dos dirigentes

entrevistados somente assumirem papeis nos comitês em caso de emergências, quer dizer, são como

membros extraordinários, por exemplo, o Secretário permanente do distrito que só assume a direção

das operações em caso de necessidade extrema.

Comparamos a situação de escolaridade por gênero (Tabela 07), neste aspecto verifica-se

uma superioridade numérica de mulheres nos níveis primário e secundário, enquanto que nos níveis

Médio e Superior é possível verificar uma superioridade numérica masculina, quer dizer ente os

níveis primário e superior há uma mudança significativa de participação.

151

Tabela 07: Frequência escolar por gênero e em percentagem

Entendemos que esta situação deve-se a dois fatores ambos relacionados a questões

culturais: primeiro, é a incidência da problemática ambiental, que pesa mais para as mulheres do que

para os homens, pois quando falta água potável, por exemplo, quem tem de resolver é a mulher e

isso começa muito cedo; Segundo, é a frequência dos casamentos prematuros que fazem com que

muitas meninas abandonem o sistema escolar e se dediquem ao lar. Estes não são os únicos fatores,

mas têm sido os mais significativos.

Segundo podemos observar na tabela abaixo (Tabela 08).

Tabela 08: Nível de escolaridade por faixa etária

Categoria

Nível de Escolaridade

Médio Nenhum Primário Secundário Superior Total Geral

Adulto 09 05 33 08 09 64

Criança - - 01 01 - 02

Jovem 26 - 21 37 - 84

Total Geral 35 05 55 46 09 150

Nível de Escolaridade

Gênero

Total Geral Feminino Masculino

Médio 06 8% 29 39% 35

Nenhum 05 7% - - 05

Primário 36 48% 19 25% 55

Secundário 28 37% 18 24% 46

Superior - - 09 12% 09

Total Geral 75 100% 75 100% 150

152

Um aspecto importante é a mudança no nível de formação por geração, quer dizer que é

possível notar um incremento no número de cidadão em formação, se outrora o cenário de

Machanga foi apontado como de alto índice de analfabetismo (MAE 2005), provavelmente daqui

alguns anos este cenário mudará, a pautar pelo número de jovens com nível de ensino secundário e

médio. Apesar de muitos estarem estagnados pelo fato de terem terminado a formação do nível

médio e não ter como avançar para o superior, principalmente mulheres.

DESAFIOS À ADAPTAÇÃO AOS EVENTOS EXTREMOS: GOVERNO DISTRITAL DE

MACHANGA

O Governo de Moçambique aprovou o Plano de Desenvolvimento Nacional (2005-2009), como

a chave e o instrumento político em médio prazo. Um dos pontos de relevância deste documento é

que a participação dos cidadãos aparece como um dos objetivos centrais e prioritários da ação

governamental para resolver dentre muitos problemas os ligados ao ambiente. Este documento visa

iniciar assim um processo gradual de descentralização da administração pública e o acelerar dos

processos de planificação e gestão do desenvolvimento local no país.

Nas entrevistas feitas ao Governo distrital pudemos compreender que seu entendimento sobre o

país passa pelo reconhecimento da importância da participação comunitária, contudo, sua maior

atenção está na frequência dos eventos extremos ambientais, que segundo afirmam está a aumentar

cada vez mais. Esta situação chama para uma necessidade de mudança de atitude na implementação

da auscultação comunitária como forma de participação.

Para o governo distrital o grande desafio é a adaptação, quer dizer, a necessidade de gerir a

situação para que a população aprenda a conviver com essas novas realidades. Interessante foi

constatar que o desafio apontado está ao nível da capacidade de compreensão destes fenômenos por

parte da população.

Em segundo lugar segue a questão da localização dessas pessoas em zonas de risco, que é

entendida como fruto de diferentes fatores, que na concepção do governo vão desde fatores

ambientais a históricos, como ilustra o seguinte depoimento:

“A primeira coisa que temos que perceber é o nível de compreensão da nossa

população é variável, e a localização das pessoas não é por acaso, pois vivem numa determina

zona, e estão ligadas a algumas atividades que acontecem naquela região, então a localização

da nossa população aqui esta dependente de fatores naturais, como é o caso de recursos

naturais, como mar, e também outros fatores históricos tendo em conta que há muito tempo, o

transporte que se usavam era o fluvial (…). O ideal era viver em zonas seguras e virem aqui

para realizar atividades e essa cena de adaptação fosse feita em as atividades realizadas, não

153

em sua vida normal, isso é uma ameaça ao investimento, seja ele um investimento publico, ou

mesmo investimento privado, vimos aqui pessoas que estavam a começar a obra e de repente

ficaram soterradas, a única forma de mitigar é essa que quando a informação esta no pico,

socorremos as pessoas e mobilizamos para que eles de fato não voltem a viver em zonas

propensas, não é toda gente que adere a mensagem, uns até voltam a viver lá, a justificação

grande é que estão habituados a viver aqui tem suas benfeitorias, e é perto de onde eles

realizam as suas atividades quotidianas.” (Entrevistado 01: Governo Distrital)

Surge daqui um impasse, por um lado a população apresenta suas razões históricas para

permanecer em Machanga apesar da alta vulnerabilidade aos eventos climatérios. Por outro lado, o

governo que indicou como estratégia de gestão a transferência para outro local considerado seguro

para habitação. Na visão do Governo as medidas para gestão dos eventos extremos têm de ser

integradas, tudo tem que ser feito dentro da política de adaptação das mudanças climáticas, e não

podem ser tratadas de forma holística. É necessário olhar para a situação de Machanga e desenhar o

que pode ser feito.

Mas quando?

Apesar de se mostrar difícil, a percepção do governo é que irão conseguir fazer a mudança de

local para Bea Pea. Para tal reconhece que tem de disponibilizar condições básicas de habitação,

criando infraestruturas, canalizar a água, instalar luz elétrica, e desenvolver o comércio, em suma,

criar vantagens comparativas de urbanização e as pessoas gradualmente vão se mudar para as zonas

seguras.

O governo não opta por uma retirada compulsiva, pois as experiências do passado, um pouco

por todo país mostraram que a mudança tem de ser paulatina. Ademais que a região onde ser

localiza atualmente a sede distrital é baixa e propensa a cheias, quer dizer, a sede distrital do

Governo está instalada numa zona de risco, o que torna difícil de convencer a população a se retirar.

Segundo as entrevista ao Governo, o que faz com que as pessoas atualmente não abandonem

as zonas perigosas ou ambientalmente vulneráveis é que estas zonas apresentam condições melhores,

sendo somente interrompidas por eventos extremos que surgem ocasionalmente, e atualmente com

maior frequência. O Governo incentiva as pessoas a terem duas casas, uma na zona segura e outra

nas zonas de risco que devem ser usadas somente para a realização de atividades produtivas,

evitando assim a perda da produção. Os fatores que impedem a realização desta estratégia:

Insuficiência de orçamento: Este fator impede que o governo distrital tome a dianteira na

construção de edifícios, visto que as regiões consideradas seguras não possuem

infraestruturas. O distrito não possui robustez orçamental. Na situação atual o governo não

consegue apoiar os cidadãos que se mostrem disposto a abandonar as regiões de risco e irem

construir e viver nas zonas seguras.

154

Incapacidade de garantir condições básicas de sobrevivência: água potável, comunicação

telefônica móvel e fixa, energia elétrica. A lógica atual preconiza que as pessoas têm de ir

viver lá primeiro e paulatinamente as condições serão criadas. Há necessidade de alteração

da lógica de ação.

“Nós (Governo) sabemos que atual nível de investimento que queremos não nos

permite ir lá rapidamente, se lá fosse um posto administrativo iríamos herdar alguns edifícios

lá, aquilo é uma mata estamos a ir lá gradualmente. É o que temos estado a dizer, as pessoas

podem ter machambas (plantações) e suas atividades nas zonas de risco, mas suas habitações

nas zonas seguras e agir de acordo com as épocas. (…) Como sabemos a sociedade é feita por

sucessões de gerações, portanto haverá uma geração que há-de acreditar nisto - necessidade

de mudança” (Entrevistado 01: Governo Distrital)

O fato de as pessoas terem construído suas casas e suas histórias de vida na zona de risco tem

sido elemento determinante para a aceitação de um processo de mudança paulatina por parte do

Governo. Existe capacidade de negociação destas prioridades com o Governo central, contudo, para

se ultrapassar este impasse o governo distrital sugere uma melhor planificação, pois Machanga

possui outras muitas irregularidades, como por exemplo, a necessidade de estradas e transporte

rodoviário. O orçamento distrital não vai atender a necessidade de transferência da vila para uma

zona segura, situação que deixará Machanga num círculo vicioso de produção e perda de produção

por alguns anos.

Sobre o entendimento generalizado em relação à proveniência das águas que inundam

periodicamente Machanga o governo considera que essa percepção seja deturpada, pois o que

acontece é que a localização de Machanga é desfavorável. Machanga situa-se na foz do rio Save,

naturalmente quando as chuvas caem a montante a água vem terminar a jusante. Não existe uma

intenção do País vizinho em prejudicar, é a disposição do relevo que é desfavorável a Machanga.

Não existe uma barragem em Massangena, mas sim um ponto de monitoria do nível de água

que vem descendo para o oceano. Portanto, essa percepção de abertura de comporta em barragens

não é real. O que o governo faz é monitorar o nível de água que depois de passar Massangena, em

dois ou três dias atingirá Machanga. Neste sentido, o governo estabeleceu o SISTAP para evitar que

a água chegasse de surpresa e atingisse as famílias. O SISTAP é um sistema de aviso prévio que foi

adotado para gerir esta situação.

O governo criou igualmente a ARA SUL, ARA CENTRO e ARA NORTE para controlarem

os comportamentos dos rios. As ARAs são estações hidrométricas para medir o caudal e não

necessariamente barragens. Esta medida permitiu aumentar a capacidade de monitoria e a

previsibilidade quanto aos eventos extremos de origem hídrica.

155

O Governo considera satisfatório o nível de adesão da população às chamadas para

prevenção dos eventos extremos. Segundo nossos entrevistados o investimos na prevenção é

considerável, basta para tal verificar que o distrito dispõe de 22 comitês de gestão de calamidades

Naturais, que trabalham na prevenção, desenvolvendo ações com vista a mostrar como a população

deve se comportar perante os fenômenos naturais que acontecem em Machanga.

O ponto que não está a ser correspondido é quanto ao apelo ara o abandonar da zona de risco,

mas todas outras medidas de prevenção são bem recebidas, como por exemplo: a alternância das

zonas de prática de agricultura em função das épocas, época chuvosa a plantação tem de ser feita na

zona alta e na época seca a plantação a tem de ser feita na zona baixa; a questão da construção,

sabem que não podem construir as casas na zona propensa a enchentes, e que para questão dos

ciclones sabem que tem que fazer casa resilientes, (casas redondas), casas de 4 (quatro) águas, então

para o governo a prevenção esta funcionar em Machanga. O investimento na mitigação surge

quando o efeito acontece, mas o governo procura investir na prevenção.

Outras medidas de prevenção que seriam mais sólidas e duradoiras, quiçá definitivas, como

por exemplo, a construção de valetas, diques, dragagem do rio, encontram seu obstáculo maior na

necessidade de recurso financeiro. Este aspeto na ótica do governo dá uma impressão de má vontade,

contudo é mesmo o aspecto financeiro. Essas medidas envolvem um nível de investimento muito

alto.

O Governo considera que a vulnerabilidade ambiental de Machanga é agravada pelos efeitos

dos eventos extremos que a cada vez que surgem, alteram a configuração e a resistência do relevo,

principalmente as cheias na alteração da configuração dos limites do rio. A ação antrópica tem

também seu papel, por exemplo, o fato de Machanga ter passado por 3 anos consecutivos de seca,

fez com que a população fosse cultivar nas regiões baixas, destruindo o mangal e cortando os

recursos lenhosos, e intensificada a extração de areia ao longo das margens, agora que as cheias se

abateram, as águas já não encontram resistência e facilmente atingem as zonas residenciais.

“Sim tem acontecido devido a sua localização geográfica, estamos

numa zona árida, por exemplo, Machanga desde 2011 a 2013 aqui não caiu

chuva, começou a cair chuva desde 2014 e este ano de 2016 houve este

fenômeno (Cheia).” (Entrevistado 04: Governo distrital).

O entendimento do governo primeiramente envolvia a retirada compulsiva dos renitentes.

Até chegar ao entendimento de que este processo de retirada da população da zona de risco para a

zona segura tinha de ser paulatino e negociado, não foi tarefa simples. Foi fruto de uma conquista

156

popular do direito de decidir seu destino, seja ele certo ou errado. O governo impôs a retirada da

população, proibindo a construção de novas casas e apontando quais seriam as zonas seguras de se

viver e construir, este cenário era em função dos efeitos desastrosos das cheias do ano 2000 e dos

ventos fortíssimos que se abateram sobre a região.

De 2007 a 2013 o governo parou de emitir licença para construção de habitação na vila, que

é zona de risco, como medida para incentivar a saída para as zonas seguras. Contudo, em 2017

assistimos um crescimento quase que massivo de construções de alvenaria quase em toda vila e

arredores.

Como? Porque 10 anos depois os que foram lá viver acreditam que as águas vêm e vão,

assim reza a experiência e, portanto não há nada a temer.

A impotência do governo em não conseguir impor o seu ponto de vista deriva do fato de por

razões obscuras, ao invés da empresa EDM instalar sua energia elétrica nas zonas seguras, o fizeram

em zonas de risco, esta contradição fez com que a população encontrasse o argumento esperado para

não obedecer e criou impotência nos dirigentes locais para proibir as construções, pois no

entendimento do governo seria conflitoso tentar impedir um cidadão de melhorar suas condições de

habitação.

Com um estado desmotivado por suas contradições, e com uma população desejosa de se

fixar a jusante das suas zonas de atividades econômicas, seja pesca, agricultura ou funções

administrativas, o que se assiste é uma crescente onde de construções em zona de risco e o abandono

das zonas consideradas seguras pelo governo, cenário perfeito de recrudescimento de

vulnerabilidades. Como forma de incentivar as pessoas a se mudarem para zona segura o governo

iniciou campana de construção e alocação gratuita de casa em zonas seguras, mas mesmo assim, a

população não aderiu preferindo permanecer na zona de risco.

“Isso não é o caso, o caso que a população dizia é que até temos casas em zonas de

ressentimento mais ninguém esta lá, a orientação é essa que lá não há condições de pesca,

mais isso não é argumento porque temos volta de 131 casas já construídas, até então só tem

90 famílias que estão a viver lá.” ( Entrevistado 5: Governo distrital)

Em face desta situação o governo acredita que para adesão da população ao projeto de

transferência da vila, é necessário que seja primeiro o governo a sair da zona de risco e instalar-se

em uma zona segura e que a rede de energia elétrica e a água potável antecipem-se à chegada da

população. Com estes incentivos o governo acredita poder resolver o principal dilema de momento

atual que é o urgente reassentamento dos residentes da vila de Machanga.

157

As estratégias de gestão dos eventos extremos são desenhadas da base para o topo com

participação dos parceiros setoriais, mas a aprovação da estratégia é responsabilidade do governo

central e acontece do topo para a base, quer dizer, o distrito faz o diagnóstico dos graves problemas

que enfrenta e procura alinhar essa matriz com as prioridades provinciais, estes por sua vez

procuram alinhar ao plano nacional, exercício que dá origem ao plano quinquenal.

É neste plano quinquenal que se deve inspirar o governo distrital para a elaboração do plano

econômico e social do distrito. Assim, apesar de as ideias partirem da base para o topo, não existe

recurso financeiros suficientes para atender as demandas da base, dai que muitas das vezes as

auscultações a população tem sido um exercício penoso para os governos locais afinal serão

cobrados pela população.

“(A auscultação) às vezes é um exercício que nem usamos, se num ano chamo a

população e pergunto o que vocês querem, a lista que me dão é tão superior que nem dá

vontade de ir a outra comunidade fazer consulta. Só uma comunidade tira todo bolo

(Orçamento distrital). Num ano a população pode pedir 10 escolas, não salas de aulas, escolas.

Depois vamos fazer um jogo de priorização, vamos priorizar tudo bem. Mas no ano seguinte a

elaborar o PES a legislação diz que temos de voltar a consultar a população, e eles dizem:

mas senhor nós já dissemos queremos escolas (…) passa-se muito tempo a escutar os

problemas da população, mas nunca resolvemos porque de fato o volume das necessidades é

muito grande.” (Entrevistado 1: Governo distrital).

De um modo geral, o governo avalia o processo de gestão dos eventos extremos em Machanga

como uma realidade positiva, contudo, reconhece que existem vários desafios por vencer, os

princípios são:

Cumprimento das informações divulgadas pelo governo por parte da população. Exemplo o

modo como interpretam a questão das cheias e a proveniência das águas.

Incutir na população que as mudanças climáticas são uma realidade, as épocas agrícolas

podem mudar em função do comportamento irregular das chuvas.

Forte necessidade e resistência de as pessoas acompanharem e cumprirem com as previsões

oficiais.

Maior necessidade de comunicação, maior divulgação da informação meteorológica;

O governo incentiva a incorporação do conhecimento local nas práticas de gestão dos eventos

extremos, exemplo disso é a incorporação no currículo escolar local de um manual de práticas

tradicionais de gestão de eventos extremos desde 2004. É um manual que reúne práticas culturais e

corresponde a 20% do toda atividade de ensino. Em caso de surgimento de divergências em relação

à escolha da proposta cientifica e outra tradicional para mitigação ou prevenção de um problema

158

ambiental, o governo prima por apresentar as vantagens e desvantagens de um e de outro

conhecimento e escolhe-se conjuntamente o melhor de acordo, é por consenso.

Em relação à saúde, os eventos extremos atrapalham a disponibilidade dos serviços de saúde. O

principal problema é a localização do principal posto de saúde na vila, que é atingida por todos os

eventos calamitosos, o centro de saúde está numa zona de risco, isto dificulta o atendimento, a

disponibilidade de medicamentos, bem como a evacuação dos pacientes. Em tempos de cheias a

estratégia tem sido a transferência do posto de saúde para tendas improvisadas em alguma zona

segura, zona alta.

Desde 2012 não se registrou aumento da taxa de mortalidade em função da ocorrência de algum

evento extremo. As doenças que mais preocupam são as de origem hídrica, como a malária, diarreias

e a cólera, em decorrência das inundações e crescimento do capim bem como poluição da água

usada para o consumo, por exemplo, no ano de 2017 o número de casos de malária foi 04 vezes mais

alto que do ano anterior que não houve registro de cheias.

A estratégia do governo em termos de saúde tem sido apostar na formação dos membros dos

comitês de gestão de risco em matéria de saúde e primeiros socorros. Na impossibilidade de

resolver o problema do consumo de água imprópria, a estratégia tem sido a de aconselhar a

população a ferver a água dos poços antes de consumir.

Figura 08. Poço desprotegido em tempo de seca.

159

A questão cultural tem tido pouca influência negativa no trabalho dos profissionais da saúde,

por exemplo, em caso de algum desvio comportamental por parte de algum membro da comunidade,

a população tende a colocar todos os males como sendo decorrência daquele desvio moral.

“Sim, nesta zona tem muitos mitos, mas isso tem a ver com a questão cultural de

Machanga, eles (a população) às vezes associam a seca, a estiagem, chuvas em excesso, com

alguma coisa que acontece de anormal na comunidade, por exemplo, haver um incesto e não

chover podem dizer que os deuses estão a nos castigar por causa daquele comportamento

daquela família, e acabam punindo aquela família. Tem uma lagoa que fica aqui na vila sede,

por exemplo, se tem uma filha e o pai, despem as pessoas assistem, cantam algumas canções,

dá-se o banho ali para purificar os espíritos, isto acontece. Mas em relação aos mitos que o

distrito tem, não tem muita influência na área de saúde, só em alguns casos, por exemplo,

quando nasce uma criança defeituosa, com má formação congênita, esta criança é rejeitada e

é lançada nessa lagoa, se não houve culpa do casal dos cônjuges a criança flutua, do contrário

morre. Quando nasce uma criança albina é castigo, alguma coisa aconteceu isto tem pequena

influência na área da saúde, nós sabemos que 1% dos partos, sempre nasce uma criança com

problemas congénitos, isso não pode ser visto como problemas dos deuses a castigar aquela

família. Os defeituosos são eliminados pela tradição.” (Entrevistado 2: Governo Distital)

Como forma de abrandar esta situação, o governo juntamente com seus parceiros tem estado

a organizar palestras nas igrejas e com os lideres tradicionais de modo que abandonem essas práticas

e recorram ao serviço nacional de saúde. A relação com os médicos tradicionais é de cooperação,

Figura 09. Água imprópria para o consumo em um poço desprotegido

160

contudo os ditames culturais são muito fortes em Machanga. Os Médicos tradicionais têm recorrido

ao sistema de saúde para casos que estejam acima de sua capacidade.

“Nós temos nesse caso temos muita cooperação com os médicos tradicionais,

Machanga tem muita tradição, mas a tendência é de melhorar aqui tem muitos médicos

tradicionais, mas com a formação que eles têm. Eles têm um elo com a saúde, eles conseguem

vir pedir luvas, já conseguem vir pedir bisturis, a partir da consulta já consegue deferir casos

de HIV, Tuberculose, e outros casos eles conseguem ver e deferir isso já é bom, ´´

(Entrevistado 2: Governo Distrital)

Um grande desafio imposto ao sistema de saúde é a questão do saneamento do meio e a

defecação a céu aberto, pois há uma grande resistência para construção de latrinas melhoradas por

parte da população que alega falta de material e espaço para o efeito. Contudo, os ativistas de

parceiros como a ESMABAMA e COMUSSANAS têm estado a trabalhar na construção de latrinas

melhoradas para promover a mudança de comportamento e na disseminação de mensagens sobre a

necessidade de higiene pessoal e ambiental. O resultado tem estado a ser positivo, de modo que no

ano de 2017 registrou-se uma ligeira diminuição de casos de diarreias.

Outro desafio é da situação da criança que vive em zonas de risco ambiental. Por causa da

vulnerabilidade social e ambiental tem se registrado um aumento dos casos de má nutrição crônica e

casamentos prematuros. As meninas acabam sendo as mais afetadas pela vulnerabilidade aos

impactos dos eventos ambientais extremos, pois como forma de resolver esta situação de

vulnerabilidade, as famílias acabam submetendo as suas filhas muito cedo ao casamento. Para

suprimir este problema do casamento prematuro, as ações estratégia do governo têm sido investir no

aconselhamento para mudança de comportamento e a coordenação de ações com parceiros como,

por exemplo, o programa mundial de alimentação (PMA), de modo a dar assistência alimentar ás

famílias.

“Com PMA trabalhamos (Governo) com a medicação de desnutrição, nós sabemos

que a estiagem é resultado das mudanças climáticas, (…) a população, que não consegue ter

um rendimento saudável nas suas machambas (plantações) e começa a ter dificuldades, isso

começa a ter problemas primeiro a mulher grávida que nasce filhos com baixo peso (…)

crianças que não são bem alimentadas devido a escassez de recursos, então com a parceria

com o PMA, nós temos essa atividade de nutrição, mas antes disso fazemos palestras dos

produtos alimentares que eles tem, fazemos demonstrações culinárias devido aos produtos

comunitários que a comunidade tem mas não sabem como comer corretamente, muitas

pessoas produzem vegetais mais preferem vender do que comer, ou a confecção dos

alimentos não tem sido aquilo, ou tem amendoim preferem trocar com mel ou fazerem uma

papa, então incentivamos a comer o que eles têm, e identificar aquelas mulheres que estão

grávidas ou crianças mal nutridas, então, vem PMA nos dar aqueles suplementos nutricionais.!

(Entrevistado 4; GOVERNO DISTRITAL)

161

De um modo geral, o Governo considera como zona segura um raio de 20 quilômetros fora

da Vila sede até a zona de Bea-pea, em direção do oeste, por exemplo: Zivava, Mapangara,

Maxicota. As zonas de risco localizam-se na zona norte, são as regiões baixas, mais tem mais zonas

baixas. É uma planície da zona costeira, e apresenta alguns pontos altos, mas não suficientemente

seguros, exemplo: Mavinga, Godjone.

DESAFIOS À ADAPTAÇÃO AOS EVENTOS EXTREMOS: INGC EM MACHANGA

O INGC trabalha na interface entre a prevenção e a mitigação dos eventos extremos. A sua

prerrogativa tem sido a de educar as comunidades, no sentido destas adaptarem-se as mudanças

ambientais. As estratégias do INGC derivam da necessidade de apoiar a população local no tempo

da estiagem como nas inundações. INGC solicita apoios para as vitimas de eventos extremos e

também para pessoas que na sua situação social não conseguem meios de sobrevivência.

Quando ocorrem as cheias as comunidades ficam separadas uma das outras, então os comitês de

gestão procuram resgatar as pessoas perdidas e levá-las para junto das comunidades em alguma área

segura. Um dos grandes problemas que os comitês de gestão enfrentam é a saída constante de seus

membros já formados em decorrência da necessidade de sustento.

“Bem eu não acho. Porque desde que comecei a trabalhar com esses comitês eu

nunca ouvi nas minhas entrevistas, nunca acompanhei que o Fulano X desistiu do comitê por

discussão ou ofensa, então o membro está ali e ele diz que já não quer, eles saem porque vão

à procura de meio de sobrevivência, pois outros são casados e não conseguem alimentar a

família, visto que a situação do comitê é uma atividade voluntária” (Entrevistado 03, Ponto

focal INGC).

Nas suas atividades o INGC tem contado com parceiros, como o programa mundial de

alimentação (PMA) e o Conselho Cristão de Moçambique (CCM). A parceria consiste na garantia de

alimento para a população vulnerável no âmbito do projeto intitulado: “comida pelo trabalho” do

PMA, organização responsável por conseguir os alimentos a serem distribuídos. Quem recebe e faz

a distribuição e controlo das atividades e dos alimentos é o CCM.

O papel do governo local é de monitoria este projeto, determinar, em consenso com a

comunidade, o tipo de atividade a ser feita pela comunidade de modo a ganharem comida. Assim as

atividades vão desde aberturas de poços e estradas, manutenção de salas de aulas anexas,

reabilitação de estradas, até a reabilitação de pontecas feitas com material local. Simplesmente a

atividade tem de impactar positivamente a comunidade. A comida serve também para cobrir os

períodos de insegurança alimentar.

162

Em termos de comunicação de risco à população, o INGC considera que o sistema está a

funcionar. A comunicação é feita via rádio, no inicio houve grande dificuldade de adaptação no uso

deste instrumento em função da incompatibilidade de frequências de onda. Hoje se usa a via

telefônica (Figura 10) que é uma forma moderna de comunicação que permite um fluxo maior de

informação. Mas, como isto funciona?

Figura 10. Telefone usado para leitura diária e comunicação para as zonas de risco

O sistema atual conta com duas estações de monitoria de ocorrência de eventos extremos

Massagena e vila franca do Save (ponte); conta também com as chamadas zonas de resposta

(Machicota, Mapumiri e Zivava). Na vila sede encontra-se a zona de análise e prognóstico que é o

mecanismo de avaliação de modo a verificar mediante informação meteorológica quais a zonas que

serão atingidas. Atualmente, existem hidrômetros instalados em todos os postos administrativos e

localidades, para além da única estação climatológica na sede do distrito.

Dessas leituras que se extraem dados como umidade relativa, velocidade do vento,

quantidade de precipitação por hora, desse modo consegue-se produzir um boletim informativo

163

diário que é mandado para o INGC e para o INAM, que por sua vez replicam as informações para as

mídias e para os chefes dos postos e líderes comunitários, assim a informação chega a estas zonas de

risco em tempo útil.

Figura 11. Estação climatológica de Machanga

A comunicação consiste em alertar a população para que abandone as zonas de risco em que

vivem e se dirijam as zonas previamente identificadas como seguras pelo INGC, exemplo: Missão

Católica, Mapangara, Godjone e Bea Pea. As zonas seguras são abrigos temporários ou transitórios,

historicamente conhecidas pela própria população como local seguro, todo mês de Setembro é feita

uma revitalização dessas regiões pelo INGC de modo a verificar e revitalizar as capacidades para

acolhimento da população desabrigada, pois o fenômeno das cheias tem sido verificado entre Janeiro

a Março de cada ano. A monitoria consiste em verificar, por exemplo, se existem as condições

mínimas como casas de banho, água, estimar quantas famílias podem ser abrigadas.

Este sistema tem sido eficaz, de modo que na cheia de 2017 não foram registrados casos de

morte humana e nem de animais, sem contar que já existe registro de famílias que ao receberem

informação prévia sobre a possibilidade de ocorrência de algum evento, voluntariamente se retiram

para as zonas seguras. Contudo, caso exista renitência por parte de alguma família é aplicada a

164

medida de forma compulsiva através do COE (Centro operativo de emergência).

“Na estratégia de busca e salvação contamos com a unidade nacional de proteção

civil, então esta particularidade de renitentes que não querem sair dali (Zonas de risco), já esta

precavida que aquele que não quer sair de boa maneira vai ser retirado compulsivamente. Por

isso quando chega essa altura, recebemos militares, mas eles não vão diretamente ao terreno,

saem daqui já com informação de que na zona X já retiramos todos, mas X famílias não

querem sair, e eles vão lá. Os motivos para não saírem são vários, existem uns até ridículos,

eles dizem que enche para todos mais para mim nunca chegou, ou ainda, para me tirar tem

que tirar meus bens, meus animais só depois é que eu vou seguir. A lei já diz que na busca e

salvação a priorização é a vida humana, não é o pato, outros dizem que não podem sair daqui

porque os avós, meus pais foram nascidos aqui, então acabam tendo muitos riscos, vem

cheias e eles não saem.” (Entrevistado 03, INGC).

Segundo o INGC o conhecimento local não é ignorado pelo governo, para tal afirmação

basta observar que o conceito de gestão de risco reza que o conhecimento local são medidas tomadas

pelas populações, através de conhecimentos e experiências anteriores. Exemplo, o uso de estacas

não graduadas ao longo do rio para diariamente verificar a variação do nível das águas. É uma

prática antiga de medições que permitia que as comunidades monitorassem a subida das águas. O

INGC não aconselhou que se abandonasse essa prática, mas aperfeiçoou-a adicionando

conhecimento técnico, aplicando marcos hidrográficos graduados, que são os instrumentos

modernos de medição de nível de água. Nisto vê-se um aperfeiçoamento e incorporação das práticas

locais. Acreditamos que existam muitos outros exemplos de práticas locais que podem passar pelo

mesmo processo.

Em termos de comunicação, a informação dada pelo INAM tem sido crucial para evitar

perda de vidas humanas e de culturas. Os extensionistas recebem informação prévia sobre

ocorrência de algum evento extremo, mediante essa informação organizam encontros, palestras,

reúnem-se com os agricultores e transmitem as medidas de cautela a serem tomadas; geralmente é

aconselhado o movimento migratório e que cada família tenha duas casas e duas plantações, uma na

zona alta (para o período de cheia) e outra na zona baixa (para o período de seca). Contudo a

população tem alegado o elevado custo de aquisição de terras para a prática da agricultura e por isso

as medidas recomendadas têm encontrado certa resistência, sem contar que geralmente as regiões

indicadas como seguras pelo governo geralmente não são favoráveis à agricultura pelo fato dos solos

serem demasiadamente arenosos, como é o caso de Divinhe e algumas partes de Chiloane. Por isso,

a estratégia de gestão e adaptação passa pelo incentivo ao consumo de produtos locais, tais como

frutas silvestres, tubérculos e outras culturas endêmicas.

“Os comitês de gestão de calamidades é que tem desenvolvido este trabalho através

165

de comícios e palestras dos líderes comunitários, eles lutam para pelo menos dar noções

básicas sobre o que é isso de riscos? De ameaças? Quais são as formas de prevenção? O

grande desafio do governo segue sendo a transferência definitiva da população para se

estabelecer em alguma zona segura de modo a evitar gastos cíclicos de verbas orçamentárias.

A questão principal é a questão financeira” (Entrevistado 06: GOVERNO DISTRITAL).

PERCEPÇÕES DE RISCO AMBIENTAL: CHILOANE, DIVINHE E MACHANGA-SEDE

“Os mais velhos liam as nuvens. Aqui as nuvens têm nomes, por exemplo, Quando

saem nuvens Mussacadimwa é sinal de que tudo acabou, não há mais ciclone nem nada, são

nuvens brancas que cobrem tudo, tipo cabelo enrolado. Há outro tipo de nuvens escuras que

vem em gotas, pouco a pouco e cobre tudo, isso significa chuva. Outro sinal é do sol, se

houver sol com uma camada ao seu redor, já sabemos que há formação da água e vai chover.

Aprendemos isto na comunidade, sem saber que estávamos a aprender. Contudo estes sinais

agora falham, podemos ver e não acontecer aqui. Agora os desastres naturais acontecem sem

terem aparecido esses sinais.’’ (GF. Não membros do comitê de gestão de Machanga-sede,

Feminino. +35 Adultos).

Segundo os entrevistados, antigamente a informação sobre a proximidade de algum

fenômeno atmosférico era anunciada por toque de batuques, chifres de animais. A informação

circulava muito fácil sem os telefones, chegava, corria muito rápido, era o que chamam de “nosso

telefone sem fio”.

Quando a cheia chegasse procuravam abrigar-se nas zonas alta, então se colocavam estacas

graduadas à beira do Rio e destacava-se uma pessoa na comunidade para verificar diariamente os

marcos e informar aos que estavam acampados nas zonas seguras, para que estes soubessem se já

podiam voltar para suas casas ou não. As comunidades observavam as marcas diariamente e assim

conseguiam monitorar a subida e o baixar do caudal. Logo de seguida comunicava-se para as zonas

seguras.

No caso da seca deslocavam-se para outras regiões como, por exemplo, Chibabava. Como

antes não havia essa divisão administrativa do governo em Machanga, somente havia o chefe de

povoação. O régulo37

tocava o Txombotximbwé (tambor do sinistro) e todos reconheciam seu

chamado. Hoje em dia seria difícil reconhecer estes sinais, contudo, ainda existem pessoas que

tocam tambores, lá para Nharringue.

De acordo com relatos dos entrevistados, nos tempos passados era fácil de observar os

fenômenos de mudança climática e interpretar os sinais da natureza. O período chuvoso, por

exemplo, era de 05 em 05 anos e se passasse este intervalo dos 05 anos, isto significava que a chuva

seguinte não seria suficiente para produção agrícola, era prenúncio de uma seca prolongada para os

37

Líder comunitário

166

05 anos seguintes, ou ainda era sinal de fraca produção. E se chovesse durante muito tempo num

período curto (menor que 5 anos), um dos resultados era o transbordar do rio, então esse era um

sinal de inundações das machambas, perda de culturas, pior era se essa chuva caísse em grandes

volumes nas zonas altas dos países vizinhos.

As experiências narradas pelos entrevistados indicam que antes não havia muita ocorrência

de ciclones, porém, hoje esses fenômenos que eram vistos como algo distante estão a acontecer em

Machanga, algo que ouviam dizer que acontecia lá nos EUA, agora está a acontecer aqui. Entendem

os entrevistados que é o tempo que está mudar, e essa mudança tornou-se visível a seus olhos pelo

alto nível de destruição que é provocado pelos eventos extremos, na duração da estiagem, na forma

de chover dos tempos atuais que difere do “tempo colonial” - agora a chuva não para mais, dizem.

Se antes as chuvas caiam mais no Sul e no Norte do país, agora caem intensamente no Centro. Não

sabem mais quanto tempo dura o período de seca. O período de cheias é maior que nos tempos

passados e ocorre com maior frequência. As culturas são devastadas de qualquer maneira.

“Chuvas fortes fora de época. Este ano choveu em Outubro, não é o que

esperávamos. Antigamente soprava em Fevereiro, Março, mas agora em Janeiro, às vezes em

Maio, já não sabemos quando, antigamente podíamos dizer que estávamos salvos, agora não.”

(GF. Membros dos comitês de gestão de Chiloane, Masculino, Idade 15-35. Jovens).

Pelos relatos entende-se que estes eventos extremos ambientais não são algo recente, já

aconteciam há muito tempo, não começou agora, sempre aconteceu por Machanga. Contudo,

antigamente a natureza estava contida, a água passava no seu leito normal no rio Save e ficava bem

controlada lá, não provocava inundações como hoje tem feito e as pessoas já sabiam que dentro de

duas semanas podiam voltar a trabalhar nas zonas baixas do rio Save para produzir comida, sabiam

que as cheias/inundações duravam entre 03 a 04 dias. Contudo Hoje se vive um clima de incerteza

total, basta o caudal começar a subir surge uma grande preocupação, pois em pouco tempo as casas

ficam inundadas e os bens serão perdidos.

“Os ciclones; a forma de aquecer está mudar, este ano na mudança de verão para

inverno está mudar, sentíamos frio, agora está calor, antes era em Maio.” (GF. Membros dos

comitês de gestão de Machanga-sede, Masculino, Idade 15-35. Jovens).

167

De modo geral a população reconhece que os tempos não são mais os mesmos, em diversas

entrevistas foi apontado que antigamente Machanga era fustigada por ventos fortes, mas agora são

verdadeiros ciclones, que levam tudo e acorrem mais frequentemente.

“Antigamente não sabíamos como fazer, pois não tínhamos informação, chegava de

noite, nos pegava de surpresa, mas agora já sabemos antes; hoje em dia estes ciclos estão

baralhados. Já não conseguimos controlar, mas está mais ou menos [a acontecer] de 03 em 03

anos. Mas como já tem instrumentos que nos avisam, ficamos sempre a saber.” (GF líderes

comunitários, Divinhe-sede).

Os entrevistados entendem que a causa destas mudanças e do aumento na ocorrência de eventos

extremos deve-se a causas naturais e sociais (humanas e até divinas), segundo podemos depreender

de seus discursos proferidos quando questionados sobre as causas da ocorrência de eventos extremos

em Machanga, assim responderam:

1. Desrespeito e Abandono das práticas tradicionais:

“Pois hoje tem sido feitas poucas cerimônias tradicionais; cada qual faz das suas; uma desobediência à

tradição.” (GF. Não membro do comitê de gestão em Chiloane, Misto, idade 15-35, Jovens).

“Antigamente os mais velhos reuniam-se para conversar sobre a terra, se faltasse chuva reuniam-se e faziam

cerimônia e chovia, hoje não.” (GF, Não membro do comitê de gestão em Machanga-Sede, idade 15-35

Masculino, Jovens).

“Antigamente a proteção vinha da tradição, como havia respeito à tradição não aconteciam essas coisas. Estão a

acontecer muitos desastres por isso. Antes de qualquer atividade tem de passar pela tradição, tem de se fazer

cerimônias.” (G. Focal. Líderes comunitários, Divinhe).

2. Conflitos entre religiosos:

“As Igrejas Católica, Zion, Christian body, Velhos apóstolos, tiram as pessoas da tradição.” (G. Focal. Líderes

comunitários, Divinhe ).

3. Vulnerabilidade natural:

“Por ser uma ilha (Chiloane), falta de proteção contra os ventos;” (G. Focal. Membros dos comitês de gestão de

Chiloane, Masculino, idade +35, Adultos).

4. Vingança divina e da natureza pela depravação moral:

“As pessoas aqui abandonaram a tradição, as jovens engravidam cedo, não se vestem adequadamente. As

pessoas andam de roupa interior, podes andar aqui pelo mato e encontrar uma peça jogada por ai. A juventude

de hoje, podes lhes encontrar debaixo da mangueira a praticar atos sexuais. Deus está a punir a todos com os

desastres.” (G. Focal. Não membros do comitê de gestão, Machanga-sede, Feminino, +35 Adultos).

“Pela prática de sexo na praia (…) por parte dos jovens, pescadores forasteiros e ilegais e prostitutas. Os mais

velhos têm dito que as pessoas praticam atos sexuais na praia e a natureza vinga-se; é vingança da natureza.”

(G. Focal. Membros dos comitês de gestão de Chiloane, Masculino, idade 15-35, Jovens).

168

5. Menor coesão social em duas dimensões:

a) Esfera pública:

“Falta de união entre o Governo e os líderes tradicionais.” (G. Focal. Membros dos comitês de gestão de

Chiloane, Masculino, Idade 15-35. Jovens).

b) Esfera privada:

“É fruto de falta de entendimento entre nós no mundo. É uma zanga divina, porque os filhos querem

copiar o que o pai faz dentro de casa; Não cumprem o regulamento antigo.” (G. Focal. Líderes

comunitários Divinhe, Misto, idade 15-35).

6. Localização geográfica:

“É natural, é um fenômeno natural, estamos na zona baixa, o nosso relevo está em forma de escadaria.” (G.

Focal. Membros dos comitês de gestão de Machanga-sede, Masculino, Idade 15-35. Jovens).

“Nós sofremos dos ciclones porque estamos perto do oceano e da seca quando a chuva não cai.” (G. Focal.

Membros dos comitês de gestão de Machanga-sede, Chiloane. Feminino. Idade +35. Adultos).

“Quando chove muito no Zimbabwe as águas das chuvas vêm e atingem Machanga, quando há muita chuva

acontece (Cheias).” (G. Focal. Não membros do comitê de gestão de Machanga-sede, Masculino, Idade 15-35.

Jovens).

“Por causa da localização ligada à costa, estamos perto do oceano.” (G. Focal. Membros do comitê de gestão de

Machanga-sede. Feminino. Idade 15-35. Jovens).

“É da natureza daqui, quando chove acima do normal. As cheias acontecem por causa de abertura de comportas

lá no Zimbabwe; quando chove muito temos ciclone.” (G. Focal. Membros dos comitês de gestão de

Machanga-sede, Masculino, Idade 15-35. Jovens).

“As cheias são porque estamos perto do Rio Save, os ciclones não sabemos, mas estamos ao longo da costa,

existem lugares que nunca sofreram ciclones, talvez porque estamos perto da costa.” (G. Focal. Membros dos

comitês de gestão de Machanga-sede, Misto, Idade +35. Adulto).

“As cheias acontecem porque o Zimbabwe abre suas comportas, eles ao diminuírem suas águas nos atingem, e

como vivem perto do rio então somos atingidos.” (G. Focal. Não membros dos comitês de gestão de Machanga-

sede, Masculino, Idade +35. adultos).

“Cheia é por causa da localização, a seca é que se plantam poucas árvores, Assim não há chuva, e estamos

numa faixa costeira.” (G. Focal. Membros dos comitês de gestão de Machanga-sede, Feminino, Idade 15-35.

Jovens).

“Estamos na zona baixa. Não conheço bem donde vêm os ciclones, mas antigamente também aconteciam não

muitas vezes, mas já aconteceu.” (G. Focal. Membros dos comitês de gestão de Machanga-sede, Feminino,

Idade +35. Adultos).

7. Mudança climática provocada pela ação humana:

“Corte das árvores é que está provocar erosão dos rios (…) cortam para construir” (G. Focal. Membros dos

comitês de gestão de Machanga-sede, Misto, Idade 15-35. Jovens).

“Nós como estudados acreditamos mais na mudança climática e no comportamento do homem”. (G. Focal. Não

membros do comitê de gestão de Chiloane, Masculino, Idade 15-35. Jovens).

“Não acreditam na tradição porque o que se fala não acontece sempre, calha, não tem nada escrito, não é uma

realidade, a ciência pelo menos fundamenta” (G. Focal. Não membros do comitê de gestão de Divinhe, Misto,

Idade 15-35. Jovens).

169

“Os chineses sopram as nuvens para poderem trabalhar. Com suas máquinas enormes, não podem deixar” (G.

Focal. Não membros do comitê de gestão de Machanga-sede, Feminino, Idade 15-35. Jovens).

8. Mudanças da natureza:

“Esses fenômenos são naturais mesmo, não tem nada a ver com Deus, com tantas pessoas que rezam para

acabar, se tivesse a ver com Deus ele já teria resolvido.” (G. Focal. Membros dos comitês de gestão de

Machanga-sede, Masculino, Idade 15-35. Jovens).

“É por causa das mudanças climáticas, não sei o que muda, mas muda, acho que é a mudança do verão para o

inverno, que pode criar alguns ciclones.” (G. Focal. Membros dos comitês de gestão de Chiloane, Masculino,

Idade 15-35. Jovens).

9. Desconhecido:

“Não sabemos, o conhecimento das pessoas está evoluir cada vez mais.” (G. Focal. Membros dos comitês de

gestão de Machanga-sede, Feminino, Idade +35. Adultos).

“Não sabemos, estes eventos ficavam muitos anos sem acontecerem, então de onde vem não sei. E também os

ciclones não tinham nome como agora.” (G. Focal. Membros dos comitês de gestão de Chiloane, Masculino,

Idade +35. Adultos).

Conformo podemos observar (figura 12), os entrevistados apontaram como sendo eventos

extremos: Ciclones (em 15 grupos focais), cheias, (em 13 grupos focais), Erosão (em 04 grupos

focais), Seca (em 10 grupos focais), Terremoto (em 10 grupos focais), Praga de gafanhotos (em 01

grupo focal), Queimadas (em 02 grupos focais), Vendaval (em 10 grupos focais), Sismo, (em 02

grupos focais), Vulcão (em 02 grupos focais), Eclipse (em 01 grupo focal).

170

Figura 12. Referência feita aos eventos extremos durante os grupos focais

Em Machanga comumente se refere a “desastres naturais” e a “calamidades” para se referir as

mudanças climáticas ou aos eventos extremos, como força do mainstreaming sobre o assunto em

Moçambique desde a década 1980, quer dizer, estes termos são usados pelo governo e pelas

organizações nacionais e internacionais que atuam nesta temática desde a era colonial e ficaram na

memória popular. Os entrevistados reconhecem que não só em Machanga acontecem estes

fenômenos, mas que os mesmos se estendem por quase todas as zonas costeiras do país.

Cada evento ambiental extremo foi classificado quanto ao impacto negativo (prejuízo/

malefícios) e positivo (benefício) que causam na comunidade.

As categorias proposta foram 1) Pouco prejudicial e 2) Muito prejudicial. Cada participante

indicava e justificava sua opinião em relação a cada evento e se colocava um traço por cada

indicação, no final somavam-se todos os traços para cada evento e via-se qual evento teve maior

pontuação por categoria; em função disso determinava-se o consenso daquele GF em relação à

classificação do evento ambiental extremo, daí atribuía-se um ponto à categoria escolhida (como se

fosse vencedor).

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171

Com este exercício conseguimos captar qual a percepção local sobre cada evento extremo,

qual é que mais os preocupa e de difícil adaptação, e que, portanto deveria merecer maior atenção

por parte dos gestores ambientais.

No geral, Os vendavais aparecem classificados como o evento ambiental que causa menos

danos, as cheias aparecem classificadas como trazendo pelas vantagens (umidade do solo), apesar da

sua alta capacidade destrutiva. O mais prejudicial e difícil de gerir é o ciclone, pela

imprevisibilidade que o caracteriza e consequentemente pelos graves flagelos na comunidade.

A CHEIA: é percebida como um evento perigoso, pois ocorre rapidamente, em pouco tempo

submerge as casas, sem permitir guardar comida dentro de casa e nem cuidar das crianças. Quando

chega leva tudo que foi feito ou produzido, arrasta tudo, leva até a casa, acumula-se lixo, surgem

muitas doenças. Contudo, dos 35 GF realizados somente 11 é que o consideraram como prejudicial,

pois segundo apontam os entrevistados, no final deixa a terra muito fértil, o que propícia boa

produção de comida e dura pouco tempo (03 ou 04 dias) e dá para gerir. A estratégia é sair para o

abrigo e voltar logo que as águas baixem.

A SECA: É um evento perigoso, pois sem água não há vida, não permite produzir alimentos, e

no mar, a seca inibe a pesca, pois sem chuva não há peixe. Não deixa nada para comer, nem cultivar,

se não tiver dinheiro podes morrer de fome. Machanga vira deserto, não há produção, os animais

morrem. Demora muito a passar, pode ficar até 03 anos. “Quando há seca, não há nem boa conversa

entre marido e mulher, cada um dorme para outro lado, não há entendimento, não há boa produção;

cheio de doenças, fome, queima muita coisa e não se produz nada. Mas, é possível sobreviver” (F.

Grupo. Membros do comitê de gestão, Machanga-sede, Masculino, +35 Adultos). No entanto é

passível de ser gerida e as estratégias passam por viajar para outras regiões, desenvolver atividades

comerciais, não mata imediatamente, por esses aspectos dos 35 GF, somente 07 o consideraram

como muito prejudicial.

CICLONE: Este evento é considerado extremamente prejudicial, o mais perigoso em termos de

efeitos negativos, porque quando ocorre o ciclone, não dá para ninguém ajudar o outro, a vida

começa de zero, perde-se muita coisa: roupa, casa, documentos e tudo que encontra pelo caminho. É

muito complicado de se prevenir; Em 30 minutos faz desaparecer tudo, destrói até as casas seguras

(de bloco e cimento), tudo que é mau, o ciclone faz. Os animais desaparecem, o ciclone não escolhe

a quem, te pega em qualquer lugar, mesmo estando em zona baixa ou na alta, não tem vantagens.

172

Morrem muitas pessoas, chapas voam, carrega motos. Há vezes que atinge toda faixa costeira, é

muito difícil de mudar-se para outra região, pois atinge a todos os distritos costeiros do país ao

mesmo tempo. 25 GF o indicaram como muito prejudicial. Alguns entrevistados apresentaram como

vantagem deste evento o fato de matar logo, sem demoras.

EROSÃO: É um evento frequente, muitas coisas somem, mas aos poucos (árvores e casas), e

diminui a terra. 30 GF o consideraram como pouco prejudicial.

VENDAVAL: Não é muito perigoso. Não impede navegação e podem ir à machamba. Somente

01 GF o considerou muito prejudicial, pois quando ocorre enquanto estão no alto-mar representa um

grande perigo.

TERREMOTO: É muito rápido e não existe zona segura para se abrigar; É difícil de comunicar,

faz desabar tudo. Contudo, tem a vantagem de matar logo e não fazer sofrer. 33 GF o indicaram

como menos perigoso.

Tabela 09 – Classificação dos eventos extremos

Categoria

Evento Pouco Prejudicial Muito prejudicial TOTAL GF

Cheia 24 11 35

Seca 28 07 35

Ciclone 10 25 35

Terremoto 33 02 35

Vendaval 34 01 35

Erosão 30 04 35

Segundo os entrevistados os eventos ambientais extremos representam a inibição para produção,

as pessoas não vão à pesca, tem dificuldades de produzir comida, e indicam a perda da casa, da

plantação, do hospital, como sendo o que mais lhes aflige. Contudo, apontam que algumas pessoas

saem a ganhar por estarem em frente do processo de distribuição de comida e bens aos atingidos, por

exemplo, no caso das atividades do PMA (projeto comida pelo trabalho) e do INGC, afirmam que

existe desvio de comida (Óleo, milho e feijão), de redes mosqueteiras. Então, a ocorrência desses

173

eventos extremos para uns representa desgraça e para outros representa uma oportunidade, uma

possibilidade de ganho.

O abandono da tradição

O reconhecimento da responsabilidade do homem nas mudanças está associado à mudança de

comportamento em relação à tradição, em última instância, pelo fato de se ter abandonado o

convívio harmonioso com a natureza, com a tradição e com os antepassados cria condições para

materialização dos desastres.

“Antigamente ninguém podia pescar de madrugada (…) mas agora está acontecer,

vem embarcações da Beira e pescam toda noite até amanhecer, às vezes ficam dias no alto

mar… isto não combina com o espírito da ilha, dantes não acontecia o que está acontecer

agora, isso levanta o espírito da ilha – Ndjundju (Sereia em português) - que não fica contente

e tudo começa a se estragar.” (GF. Membros do comitê de gestão, Chiloane, Masculino, +35

Adultos).

Outro aspecto é o fato de atualmente muitos desses pescadores levarem mulheres para

manter relações sexuais no alto mar. Acredita-se que, para além da fúria do Índico, dos ciclones e/ou

outros fenômenos, o atentado ao pudor protagonizado por alguns pescadores (não nativos) e

trabalhadoras do sexo que ali frequentam pode ter deixado “os espíritos zangados”, essas práticas

estão a destruir a Ilha, pois “levam raparigas e vão fazer sexo na praia, os espíritos zangam-se.”

Alguns entrevistados dizem terem notado que o buraco que está a provocar a erosão numa

determinada área da praia, começa justamente no local usado na noite anterior para práticas sexuais

(SIXPENSE, 2009) e nesta pesquisa a questão foi mencionada novamente pelos entrevistados.

De certeza isto quer revelar uma crença bem enraizada em relação a estas causas que em

última instância moldam as percepções em relação à ocorrência dos eventos extremos. Para os

entrevistados a solução passa por uma forte intervenção do governo e das autoridades tradicionais de

modo a proibir coercitivamente estas práticas. No fundo deste quadro podemos também observar

uma rivalidade entre pescadores nativos “respeitadores e conhecedores da tradição” e os forasteiros

“promíscuos e sem respeito pelas práticas tradicionais”.

Interessante notar que em face de um problema ambiental, que é a erosão costeira, existem

diferentes interpretações e associações possíveis, por um lado falar de apelo à intervenção do

Governo e dos parceiros internacionais, vendo a solução na injeção de altas somas monetárias, e por

outro um apelo às autoridades tradicionais, pois o problema é associado a um desvio moral, a um

castigo espiritual. Contudo, as pessoas que vivem em áreas degradadas adotaram medidas simples de

174

mitigação tais como a elevação dos seus terrenos com areia e resíduos, mas esta medida trás

problemas de saneamento para os seus frágeis sistemas costeiros.

Quanto à participação comunitária, dizer que a população tem sido auscultada pelo governo

distrital, contudo o retorno das soluções apontadas é que tem sido o problema.

“A marca de Chiloane eram os cajueiros, mas hoje não temos quase nenhum, devido

ao ciclone Eline que levou tudo, pedimos mudas de cajueiro ao governo, a resposta foi

sempre Sim, mas nunca aparece. (GF. Membros do comitê de gestão, Chiloane, Masculino,

+35 Adultos).

Estes e outros aspectos não se vêm refletidos nas estratégias de gestão ambiental do governo.

Contudo, acreditamos que para se alcançar sucesso na execução de uma estratégia nacional, tem de

se levar em conta estas diversidades de percepções ligadas ao risco ambiental (semelhanças e

diferenças), que no final convergem para um ponto fulcral: O homem precisa urgentemente mudar

sua atitude perante o uso que faz da natureza.

Ao entrevistarmos os jovens sobre as causas dos eventos extremos, estes se mostraram muito

desconfiados da ideia dos eventos extremos serem fruto de um castigo divino em função das práticas

imorais ao longo da praia. Há um reconhecimento da existência de namoros na praia, contudo, não

consideram que essa seja a causa dos eventos extremos. Ademais que em 2015 já se resolveu essa

questão, colocando-se fiscais nas praias, caso encontrassem alguém a namorar deveria ser levado à

Rainha da ilha para que ela tirasse “a maldição”.

Em sua opinião, os régulos instrumentalizam as tradições para poderem se manter com

autoridade sobre os mais novos. Os jovens entendem que a solução para esses problemas dos

eventos extremos passa por conversar-se com a população, pois falar com os antepassados não

funciona, os eventos extremos não param. A tradição ajuda, mas não resolve. Os Jovens

entrevistados percebem os eventos extremos como algo de criação divina, foi Deus quem criou.

No geral os entrevistados associam os eventos extremos a estados de espíritos como a tristeza e

nervosismo em função do sentimento de perda. É algo que acontece de forma repentina e tem a ver

com a mudança no ritmo normal da natureza. Estes fenômenos são vistos como negativos pelos

motivos seguintes:

1- Causam a morte de pessoas e animais.

2- Estragam infraestruturas como pontes, hospitais, estradas, árvores, casas.

175

3- Destrói as machambas (plantações), perdem-se muitas culturas agrícolas, é algo que não

favorece a sociedade, causam fome e nos impede de trabalhar,

4- Ficamos dependentes de ajuda do governo, pois é algo incerto, nunca sabemos por que

começou e quando vai parar.

Analisando os discursos dos membros do governo distrital no âmbito desta pesquisa percebemos

que o governo distrital está consciente dos problemas ambientais que o distrito de Machanga

enfrenta. Apesar de nas últimas cheias, por exemplo, já não se terem registros de perdas de vidas

humanas, muitos desafios ainda persistem, particularmente os ligados ao reassentamento das

povoações em zonas tidas como seguras pelo governo:

“(…) o cidadão fica renitente de ir para zona alta, segura, sem energia sem água,

como irão ver o telejornal? Uma noticia? Ouvir a rádio, (…), a zona baixa (de risco) consegue

ser mais atrativa que a zona alta (segura), nesse caso, o risco compensa.” (Entrevista 06:

Governo Distrital).

Os residentes de Machanga entendem que antes da chegada das instituições que operam no

distrito em prol do ambiente, eles eram mais diretamente afetados pelos eventos extremos. Antes se

morria mais, pois antigamente o colono usava informação só para si, diferentemente de hoje que a

informação é para todos moçambicanos do Rovuma ao Maputo, e consideram que se podem

proteger melhor, pois têm mais acesso à informação.

As ações de mitigação têm sido em cooperação multinível e multi-atores, onde o PMA e o CCM

implementam o projeto comida pelo trabalho e dão assistência às vítimas de calamidades. O projeto

comida pelo trabalho aos olhos dos beneficiários é um trabalho maravilhoso, contudo, estes

consideram que seria melhor se pudessem produzir e não esperar por comida dada.

O Governo através do INGC supervisiona o projeto comida pelo trabalho.

O INGC assiste a população, dá lonas, faz assistência alimentar e mais outros bens. Comunicam

quando está por acontecer algum evento calamitoso.

O ESMABAMA - (Associação que trabalha em Estequinha, Baraca e Machungue) Organiza o

Calendário das Operações agrícolas, faz o levantamento e registro de preços dos Alimentos no

Mercado local, levantamento e registro de dados meteorológicos.

“Este ano (2017), por exemplo, até os mais velhos admiraram o que aconteceu, foi

muito complicado. Nós que não pegamos estes livros grandes (estudar) vai ser difícil, mas

temos informação a dizer que queimadas descontroladas, cortes das árvores provocam essas

176

mudanças, graças ao INGC que nos explica as coisas.” (GF. Membros dos comitês de gestão

de Chiloane, Feminino, Idade 15-35. Jovens).

Entendem que a tendência dos eventos extremos é de aumentar, pelo fato de cada dia que

passa estarem a serem construídas mais fábricas e as indústrias poluidoras não estão a diminuir,

apesar de em Machanga não existirem indústrias, os entrevistados dão como referência a Mozal38

como sendo causadora de danos ao ambiente.

“Quando vamos ao corredor da Mozal, você começa a ver as árvores que ai estão a

sua cor, mesmo ai no Dondo há certas empresas que foram afastadas do corredor como, por

exemplo, a fábrica de cimento, quando vemos aquela poeira a subir.” (GF. Membros dos

comitês de gestão de Divinhe, Masculino, Idade 15-35. Jovens).

No geral em Machanga as pessoas conseguem ter acesso à informação sobre os eventos

extremos por diferentes meios e mídias, o gráfico 05 apresenta a frequência das fontes de

informação mencionadas, o que demonstra a importância de cada um destes meios para aquela

comunidade. A rádio segue como a fonte mais usada e a mais importante seguida pelos líderes

comunitários e a televisão, o meio menos usado é o jornal, pela dificuldade de acesso a esta fonte e

pelo grau de escolaridade do Distrito (ver início do capitulo 04).

Figura 13. Referência às fontes de informação sobre eventos extremos

38

Mozal é uma empresa situada no parque industrial de Beluluane, em Maputo, Moçambique, pertencente ao grupo BHP

Billiton e responsável por parte significativa do total das exportações de alumínio em Moçambique. É uma empresa de

fundição de alumínio e seus capitais são sul-africanos e australianos, faz parte dos megaprojetos em Moçambique.

FONTE: clubofmozambique.com/business-directory/mozal-aluminium/

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177

Os entrevistados consideram a informação veiculada suficiente para se protegerem de alguns

dos eventos extremos. Por exemplo, sobre as cheias afirmam conseguirem ter conhecimento 02 dias

antes, às vezes 01 mês antes, mas os ciclones são muito difíceis de saber quando vão surgir.

“Antigamente era muito difícil ter uma comunicação sobre as cheias, a insegurança

era total, não estávamos seguros, era só acordar e ver tudo alagado lá fora. Mas hoje temos a

informação muito cedo, conseguíamos informa aos outros para se protegerem.” (GF.

Membros dos comitês de gestão de Machanga-sede, Feminino, Idade +35.Adultos).

Consideram que o modo como são informados é satisfatório, no entanto gostariam que

aumentassem programas de educação ambiental, que fossem mais frequentes. Quanto às previsões

da ocorrência dos eventos defendem que o curto espaço de tempo é melhor, pois do contrário, se for

com muito tempo de antecedência as pessoas podem até esquecer, o melhor é assim, com pouco

tempo, por que ai acontece logo e as pessoas acreditam na informação.

“Informam-nos com 03 dias ou 04 de antecedência, está bom, gostaríamos que o

governo continuasse a nos informar, assim conseguimos nos proteger. No ano 2000 muitos

perderam a vida, mas este ano tivemos as cheias e ciclone e ninguém morreu, por que fomos

informados.” (GF. Membros dos comitês de gestão de Chiloane, Masculino, Idade

+35.Adultos).

A população não tem aderido aos planos governamentais de reassentamento e as razões pelas

quais os entrevistados preferem permanecer nas zonas de risco passam pela consideração das zonas

de risco como lugares ricos, por terem muitos recursos, possibilitar a pesca e cultivo agrícola.

Resumindo os motivos de fazerem questão de permanecer em Machanga são:

1. A autoestima. Alto sentido de pertença àquelas terras pela riqueza que ela oferece, por ser a

terra de seus pais e sua por herança. “Nascemos aqui e crescemos aqui, por isso gostamos.”

2. Pelo fato de viverem do Mar. Tiram caranguejo e lenha no mangal. Tem muito peixe, sal,

hortícolas, camarão e criação de animais.

3. Pelo custo de vida. A vida está muito facilitada em Machanga, é mais fácil de sustentar-se,

pois o custo de vida baixo, dizem. Não se compra água, carvão, caril, milho, lenha, mapira,

coco, quase nada. “É possível ficar uma semana com comida não comprada, quase tudo da

vida aqui é gratuito, diferentemente da cidade onde tudo se compra.”

4. A terra é generosa quando cultivada. Tem boa produção, comem o que tiram das suas

machambas. “Basta cultivar e ter sorte da chuva cair, você tem tudo. Muita produção basta

chover.”

178

5. É um lugar seguro, porque não tem ocorrido cheias (Divinhe-sede e Chiloane).

6. Tem antena para comunicação móvel;

7. Não precisam de dinheiro de transporte para as crianças irem à escola; Escolas perto dos

locais de residência.

8. Estão acostumamos. “Machanga tem sofrimento, mas estamos habituados.”

Ao escolher as regiões para onde se mudaria em caso de necessidade, verificou-se que as pessoas

não escolhiam lugares em função da ocorrência ou não de desastres e seus impactos, mas sim em

função das oportunidades que aquele lugar poderia oferecer e que o lugar em que se encontrava no

momento não oferece.

Boa parte dos entrevistados indicaram Machanga Sede, por oferecer emprego e energia, e por

possuir terra fértil para fazer machamba (plantação); Outros escolheram Divinhe e Mahonga,

motivo: não tem erosão. Outros indicaram Chiloane: pois a vida é barata, quase nada é comprado ou

vendido, e por fim, indicaram a Cidade da Beira: pois dá para fazer negócio e para fazer oficina de

barcos; a condição é que tenha oportunidade de emprego, trabalho, passeio e estudo.

Com efeito, muitos foram para Bea-Pea para construir suas casas e viver lá conforme

recomendação do governo, mas chegados lá não tiveram como produzir, pois as machambas

estavam na zona de risco, e na sua maioria são fruto de herança recebidas de seus avós. Quer dizer,

não conseguiram espaço para produzira nada na zona segura, por isso negam-se a ir para lá

definitivamente. Ao serem admoestados a ter duas casas, uma na zona alta e outra na zona de risco,

alegam que não tem condições de manter duas casas, e preferem manter uma casa na zona de risco e

ficar perto das suas terras e atividades de pesca.

Ao que sugere que no momento de decidir sobre a fixação de habitação em determinado local, a

questão dos eventos extremos é colocada em segundo plano em relação a questões cotidianas como

o custo de vida e as oportunidades de emprego, em como os benefícios que a luz elétrica pode trazer,

depreendendo-se daqui a principal razão pela qual os residentes de Machanga tem constantemente

refutado a ideia da saída para as zonas seguras apontadas pelo governo.

As ações do governo central e distrital encontram-se limitadas em função do orçamento

insuficiente do qual dispõe. Não consegue fazer das zonas consideradas seguras competitivas em

vantagens comparativas, visto que não arrecada receitas advindas dos serviços ambientais.

Recomenda-se fortemente o aumento da capacidade de monitoria das águas das chuvas nos países

vizinhos, de modo que se aumente o tempo de aviso prévio e se evite a todo custo a perda de

produção, bens e vidas humanas.

179

O que pudemos notar é que a população adere mais facilmente às recomendações preventivas

que não ferem os seus princípios culturais. Se a proposta estiver de acordo com o seu estoque de

conhecimento tradicional eles aderem facilmente. Daí que a questão do cultivo em períodos e suas

alternâncias, por exemplo, já era algo seguido por seus ancestrais; a ideia de construir casas fortes e

resistentes em nada fere seus princípios, ademais que a forma arredondada da casa não é alterada,

assemelha-se às construções tradicionais.

Porém, diferentemente das anteriores recomendações, o abandono do local de residência, o

abandono dos túmulos de seus ancestrais e de suas raízes territoriais já é algo que golpeia os

princípios morais tradicionais e, portanto não faz parte do universo de conhecimento partilhado e

comungado, e por tal, encontra maior resistência quanto à adesão.

Um aspecto importante é a necessidade de realização de estudos mais aprofundados em

relação às zonas tidas como seguras pelo governo. Segundo podemos observar neste estudo de caso,

muitas das apreciações feitas ao longo das entrevistas são de cunho financeiro, não se está olhar para

questões ambientais, o impacto social, as implicações da transferência da sede distrital. Constatamos

que ainda não foi feita uma análise multidisciplinar, somente temos uma decisão política. Não basta

ser segura porque não é atingida pelas inundações, tem de oferecer serviços ambientais e sociais

desejáveis.

O que pudemos perceber com este estudo de caso é que em Machanga existe manifestação

clara dos efeitos das mudanças ambientais, refletido na mudança da frequência pluviométrica,

desaparecimento de ilhas de Chiloane que já reduziu de 14 para 07 Quilômetros de extensão dado ao

aumento do nível do mar, seca atroz por causa do aumento da temperatura e diminuição da cobertura

vegetal, fatores que contribuem para a alteração as épocas agrícolas e de pesca, criando novas bolsas

de fome e aumento da vulnerabilidade social.

Contudo, a capacidade de adaptação é que é o principal assunto, pois as cheia que se

registram em Machanga são na sua maioria fruto de sua localização à jusante do Rio Save e seus

afluentes, as cheias de Machanga são muitas vezes resultado do transbordo do rio Save.

Ao serem questionados sobre a origem dos eventos extremos e os responsáveis por estes

acontecerem em Machanga, os entrevistados apontaram para múltiplos sujeitos, primeiro indicam a

Deus como principal responsável pela ocorrência de eventos extremos por Ele ser o criador do céu e

da terra, então ele também é responsável pela desgraça. O desespero é tal que chegam a acreditar

que é o apocalipse, pois, toda destruição que acontece em Machanga está escrita na bíblia, é a

chegada dos últimos tempos;

180

De seguida apontam o homem, pois, por suas ações está destruir a natureza; contudo

afirmam que esses conhecimentos adquirem nas escolas, então muitos aqui não sabem sobre isso,

pois não frequentaram a escola. Não tem nada a ver com a tradição, se não já teria sido resolvido,

dizem. Aponta-se também a Mbaula (cobra de sete cabeças, mito de origem Sul-africana), pois esta

cobra provoca terremoto ao passar por uma região. Para que tal não aconteça é preciso fazer muitas

cerimônias tradicionais, de modo a acalmar a cobra.

Por último, apontam o Governo, que segundo sua visão tem estado do lado das grandes

indústrias em detrimento da comunidade, Por exemplo, apontam que há pouco tempo (Antes desta

pesquisa), estava lá uma equipa a fazer perfuração no alto mar, via-se fumo a subir na margem do

mar, com muito fogo.

“Daqui a 05, 10 ou 20 anos vamos sofrer com aquilo e eles (Governo e Perfuradores)

sabem. Aqueles (perfuradores) não podem fazer sem pagar taxas ao governo então o governo

sabe que isto vai prejudicar a comunidade. Então o responsável desta desgraça é o governo e

as pessoas que fazem esse trabalho. (…). Disseram que era proibido pescar, por que queremos

petróleo na água e obrigaram a comunidade a receber aqueles pescadores do alto mar e seus

trabalhadores. Queriam nos proibir para tirarem petróleo na água, tinham feito uma

delimitação que abrangia a área que nós pescávamos. Disseram que se prejudicassem (o

ambiente) iriam pagar, e prejudicaram, mas ninguém pagou (risos). O peixe fugiu para o alto

mar, e nós não temos possibilidade de chegar lá. O governo sabe como estão a andar as coisas,

mas ficamos prejudicados, desde esse tempo, o mar nunca mais foi o mesmo, a composição da

água mudou, parecia ter gasolina, nem peixe não víamos mais.” (GF. Membros dos comitês

de gestão de Chiloane, Masculino, Idade +35. Adultos).

Em termos de prioridade para pedido de ajuda em caso de eventos extremos os vizinhos

levam vantagem em relação às instituições do governo, afinal, os entrevistados consideram que o

vizinho é mais rápido em ajudar, pois chegará logo, enquanto que o governo é moroso em atender as

vítimas e ajuda mais com donativos (roupa, comida, rede mosqueteira, e outros). Para se protegerem

recorrem aos antepassados e aos líderes tradicionais (chefe de povoação, Rainha, Régulo), pois

acreditam que estes tem poder de intercessão perante Deus, para parar o sofrimento.

181

ESTRATÉGIAS INFORMAIS DE ADAPTAÇÃO AOS EVENTOS EXTREMOS

Plantio de árvores; Evitar cortar mangais e árvores;

Alteração do modelo de construção das casas: Sempre consideraram as casas de palhas

seguras, mas o ciclone de 2000 pôs-lhes a prova, a maioria das casas em Machanga forma

construídas depois das cheias de 2000, e a partir dai começa a construção das casas 04 águas,

com chapas e blocos. Procuramos casas mais seguras e resistentes, construir casas fortes,

resistentes.

Procurar informação relativa aos eventos: Observar a cor da bandeira de alerta para previsão

da maré. E procurar saber quais as regiões proibidas por causa de mau tempo;

Esconder-se: Ficar dentro de casa com as crianças e esperar o mau tempo passar; Entrar em

casa e abri as janelas para que o vento que entra forte também ter por onde sair, sem levantar

o teto. A mulher recolhe as crianças e os mantimentos: comidas, água, aprendemos com

nossos antepassados, o homem tem de cuidar da construção da casa.

Não atravessar o rio no tempo de cheias.

Pedir ajuda ao Governo (INGC): Buscar ajuda do Governo para se beneficiar de tendas e

lonas para proteção.

Saída para zonas altas. Quando ouvisse que enchentes ou outro evento está para suceder,

deve-se procurar um lugar, seguro e carregar alimentos para zona segura. “Cresci a saber

quais são as regiões que não chega água, por exemplo Godjoni, dondo, santa clarinha,

xinhungue, xipanga, Manasse esses lugares não chega cheia.”

Preparar as canoas para salvar os que não conseguirem sair a tempo.

Fazem trocas de alimentos, pão por arroz. Como em Machanga tem muito sal e trocam por

arroz. Para um saco de arroz precisa-se 36 latas de sal.

Venda de peixe e de vegetais que regam com a água insalubre dos poços.

No tempo de seca: fazem negócios e machamba na região do rio (na margem). “Sempre

temos duas machambas na zona alta e na zona baixa, são machambas herdadas dos nossos

pais geralmente.” Aproximam-se das zonas baixas e produzem batata doce, intensificam o

cultivo de culturas agrícolas resistentes as seca como é o caso da mandioca, abóboras, e

outros. No ano passado sobreviveram à seca, e tão bem que não houve perda de vidas

humanas.

182

Na seca aproveitam outras fontes de sobrevivência, exemplo, no tempo de seca no rio Save

fica cheio de amêjoas, então vão comendo, às vezes surgem comerciantes com pães trocam

um pouco da verdura e misturam para comer. Assim vão alternando até que chegue a época

chuvosa para cultivarem e voltarem a pesca.

Arrumar as coisas e ir a zona segura, no Zivava, Mapangara, por exemplo, levam todos os

seus bens, e colocam em cima das suas casas, depois levam o que conseguem carregar para o

abrigo. Referem que antigamente seus Pais iam para zonas altas.

Ainda nesta senda Machanga registra escassez hídrica, para ter água doce às vezes tem que andar

uns 07 quilômetros a pé (Ilha de Chiloane), o que revela em parte uma incapacidade de

aproveitamento das circunstâncias, pois se de Dezembro a Março tem sofrido enchentes, nada

justificaria que de Maio a Setembro sofra de seca tão devastadora, a não ser uma priorização de

soluções secundárias nas estratégias. Os entrevistados sugeriram um forte investimento na

construção de pequenas barragens capazes de conter as águas que vem da montante, dos países

vizinhos, e que esta água servisse para a época de escassez de chuva.

O Governo tem estado a trabalhar e envidar esforços reais, contudo, a questão financeira tem

sido sua principal fraqueza. Ademais que o grande desafio do governo é a transferência das suas

instalações para uma zona segura, pois a ocorrência de eventos extremos tem alterado o

funcionamento do aparelho de Estado na prestação de serviços a comunidade, sem dúvidas este é o

maior desafio do governo Distrital, mas existem outros constrangimentos, tais como falta de água

potável e energia; Construção da uma estrada principal; e revitalização das salinas comunitárias para

a arrecadação de receitas.

Uma lição muito importante a se tirar deste caso de Machanga é que a população tem estado

a colaborar e se mostra pronta a seguir as medidas estratégicas de gestão propostas pelo governo.

Contudo, se olhar para ordem de prioridades sugeridas pelos entrevistados pôde-se notar que as

estratégias reativas a ocorrência dos eventos extremos por parte do INGC e do governo vão um tanto

quanto na contramão das prioridades comunitárias, ora vejamos, ao colocarmos, por ordem de

importância dada pelos entrevistados, os aspectos desagradáveis e que esperam ações concretas e

eficazes para resolução imediata dos mesmos tem a ver com:

1. Estradas danificadas (as vias de acesso são complicadas);

2. Falta de transportes rodoviários e aquáticos que interliguem as localidades e postos

administrativos,

183

3. Falta de energia;

4. Serviços de internet e telefônicos deficitários;

5. As embarcações precárias e inseguras (canoas);

6. Construção das casas;

7. Fome e falta de água potável em tempo de seca e no inverno, pois os poços ficam insalubres;

8. Falta de bancos;

9. Falta de posto de abastecimento de combustível;

10. Falta de mercado;

11. Falta de emprego.

12. Muitos feiticeiros.

13. Falta de boa roupa.

A questão dos eventos extremos apesar de pertinente aparece na posição 06 e 07, por a sua

ocorrência é sazonal, mas os efeitos deixados como a destruição de estradas e falta de infraestruturas

tem acompanhado a vida cotidiana das comunidades, sendo, portanto prioridade em relação a

eventualidade da materialização de um perigo ambiental.

Por exemplo, o ponto 05 das prioridades que se refere à questão da segurança na travessia e

dos transportes no troço Divinhe a ilha de Chiloane. Esta travessia é mar adentro, e é feita em

Canoas em que os utentes têm de ficar em torno de 1h sem mudar a posição em que se sentou sob o

risco de ao se mexer balançar a embarcação e provocar um naufrágio.

Contudo estas embarcações são mais baratas e constantes, fazem travessia diária. As

embarcações razoavelmente seguras e a motor condicionam os seus serviços ao pagamento de 20

litros de combustível, que custa em torno de 1.600 meticais / USD25 para uma população que vive

com menos de um dólar por dia. Resultado, estas embarcações funcionam por requisição para o

transporte de visitantes e dos membros do governo local, os nativos pegam boleia quando dá.

“Não vivemos definitivamente nas zonas segura porque está cheia, não há espaço

para novas Machambas, e em Bea-pea não há praia, lá não há amêjoas, não dá pra viver lá.”

(GF. Membros do comitê de gestão, Machanga-sede, Misto, +35 Adultos).

É como se a comunidade dissesse: a cheia, a seca e o ciclone podem acontecer, e vão

acontecer em algum momento, entendemos o interesse em gerir os impactos negativos da

materialização dos riscos ambientais e agradecemos muito, mas existem aspectos que vivemos há

vários anos e que são prioritários por fazerem parte do nosso dia-a-dia, alguns aspectos que

queremos que sejam resolvidos. Por teu mau exemplo em não abandonar as zonas baixas (inseguras,

184

de risco) e fixar-se definitivamente em zonas altas (seguras), resistiremos em aderir e pactuar com as

estratégias de adaptação que nos sugeres, afinal, também és cego e não podes guiar-nos. Ainda mais,

considerando as condições que me ofereces cabe dizer-te que o risco compensa, permaneceremos

em Machanga, até que tenhas melhores estratégias e melhores condições sociais de reassentamento.

“Nossos antepassados viviam aqui, as pessoas negam sair, lá para onde vamos não

temos machambas, como aqui só enche e passa, então voltamos viver aqui. As terras

produtivas estão aqui, lá no acampamento não há nada. Já acostumamos a esta vida, quando

chove muito saímos e depois voltamos de novo, mudar daqui é um castigo, nós já

habituamos.” (GF. Não membros do comitê de gestão, Machanga-sede, Misto, +35 Adultos).

Que soluções oferece o conhecimento comunitário para permitir maior grau de adaptação?

As soluções sugeridas pelos entrevistados passam por aumentar a coesão social, conformar-se com a

situação, chamar o governo às suas responsabilidades, necessidade de uma mudança de

comportamento na comunidade, responsabilização social empresarial assim como governamental.

Apesar das mudanças ambientais, muitos entrevistados sugeriram conhecerem os tempos em

que é possível ter boa produção; de Abril a Agosto indicam que é tempo de fome, pois é tempo seco,

só a partir de Setembro a Março é que a produção tem sido satisfatória, pois é o tempo chuvoso,

nesta época as populações das zonas baixas (Mutambanhe, Mahando, Mucubwa, nas ilhas, Nagosso,

Naunhe), deveriam sair e ir para zonas seguras (Cherinda, Divinhe, Maropane, Maonga, Zivava,

Luhuwa chicota, Mapangara, Registro, escola Santa Teresinha).

Assim, segundo os entrevistados as soluções seriam:

Rezar: pois ninguém sabe como resolver, é o destino. É como a morte, quando chega

somente acontece, Deus já determinou, rezar e virar religiosos; Diminuir os pecados.

Informar aos vizinhos e filhos para não queimar capim; Não cortar as árvores para não

termos erosão, plantar mais Árvores para prevenir ciclone. Que o INGC fizesse mais

palestras, até casa a casa se fosse possível.

Ouvir os mais velhos e a tradição;

Se hoje te dizem que há mau tempo e não pode ir pescar temos de ouvir;

O governo tem de distribuir comida e reunir a população; proibir brincadeiras (sexo) nas

dunas; Coordenar e sensibilizar as pessoas; Melhorar as condições da zona alta; colocar

energia, água potável, escola e hospital.

185

Os professores têm de ensinar (sobre ambiente) nas escolas.

Não construir as casa perto dos rios; construir casas nas regiões seguras;

Temos que gerir o consumo caseiro, criar uma pequena horta coisas assim.

Tirar a vila da zona baixa e transformar essa vila em zona de produção.

Poderíamos criar uma barragem para segurar a água e usar no tempo da seca;

Essas empresas têm de pagar pelas suas atividades, não só dar emprego, mas tem de pagar a

comunidade.

Revitalizar e apoiar os comitês, com o material necessário para o trabalho: Exemplo: as

organizações poderiam dar sabão para lavar as roupas que usamos nas atividades do comitê e

um subsídio para incentivar as pessoas a permanecer como membros do comitê.

Seria interessante para além de distribuir comida e bens que o INGC criasse projetos onde as

pessoas filiadas aos comitês pudessem trabalhar para produzir seu próprio sustento como

organizações. Assim trabalhavam permanentemente e não só nos momentos de cheias e

ciclone, deveria haver um espaço para desenvolver projetos de rendimento.

Os entrevistados sugerem o respeito pelas autoridades tradicionais e a realização de cerimônias,

como forma para resolver os problemas ambientais enfrentados. As cerimônias consistiriam em, por

exemplo, para eliminação das pragas dos gafanhotos, fazer-se o seguinte: Cada camponês tem de ir a

sua machamba e recolher uma folha de qualquer planta e em conjunto levarem para o mar e jogar lá:

os bichinhos fogem. Contudo, a pessoa escolhida para jogar as folhas no Mar não pode rir. O que

acontece é que da última vez que foi feito este cerimonial a pessoa riu, não conseguiu por isso não

deu certo.

Atualmente faz-se uma cobrança de uma taxa de 10 meticais por casa, para a compra de

condimentos tradicionais para realização das cerimônias: Vinho, cerveja, bolachas, coca-cola, roupa

vermelha e preta, e reza-se e deixa-se isso num cemitério grande ou no Mar. Referem que

antigamente existiam muitas zonas altas, mas a natureza foi modificada, por várias calamidades,

hoje já existem poucas zonas altas, a configuração da terra mudou, os seus antepassados tinham mais

opções de onde se esconder.

Em termos de gênero, existem pequenos conflitos que facilmente vieram à tona durante os GF,

suscitando rápidos debates, como pelo fato dos homens acusarem as mulheres de serem culpadas da

ocorrência de cheias no distrito pelo fato de irem à machamba de período (Menstruadas). Por seu

186

turno, as mulheres se defenderam e observaram que mesmo os seus antepassados iam para

machamba menstruadas e que isso não tem nada a ver com a ocorrência de desastres naturais.

Tradicionalmente, a quando da ocorrência de um evento extremo, os papeis e funções são

divididas por gênero e enquanto o homem é responsável pela construção da casa, pelo corte de

estacas o papel da mulher é maticar (cobrir com barro) as casas com barro, e transportar as estacas

cortadas pelo esposo, ajudar o marido, as mulheres são responsáveis por procurar comida para as

crianças. Agora está mudar um pouco, agora há igualdade de gênero, todos participam e se

interajudam. As mulheres vão à machamba plantar e o homem vai à pesca, enquanto os avós cuidam

das crianças.

Contudo, algumas mulheres consideram que os homens são os que sofrem mais durante os

eventos extremos, porque eles é que tem de assumir muitas responsabilidades, o homem tem de ter

coragem de enfrentar essas situações, carregar as crianças até a zona segura. Outras mulheres

consideram que os dois sofrem de igual modo, ademais que nos comitês existem poucos homens e

muitas mulheres corajosas que trabalham no salvamento. Enquanto o papel das mulheres é sentar e

esperar, enquanto a mulher grita, o homem tem de ter coragem para enfrentar tudo. No entanto, os

entrevistados relatam que alguns homens aproveitam dessas ocasiões para fugir e abandonar a

família.

A fala das populações de Machanga revela a necessidade de resolução de outros níveis de

problemas sociais em paralelo com as questões de mudança ambiental. Esta é a percepção de risco

ambiental que possuem e partilham. Eles estão preocupados com a questão da maior coesão social, a

restauração dos valores morais, emprego, educação, saúde, vias de acesso, estes são reflexos de

carências sociais a serem supridas, pois é uma parte dos fatores da vulnerabilidade socioambiental

por eles percebida no seu cotidiano.

A gestão adaptativa dos eventos extremos é também uma questão de foco. Em Moçambique é

necessário ultrapassar-se a visão do risco e da vulnerabilidade enquanto categorias estritamente

meteorológicas, pois estes conceitos são elementos dinâmicos, que vão para além do espaço físico

em que ocorrem os desastres ou eventos, ultrapassam as características geomorfológicas, tem de se

considerar veementemente as dimensões sociais, econômicas, políticas e demográficas da

vulnerabilidade socioambiental. A região de Machanga por sua natureza e geografia é propensa a

ocorrência de eventos extremos, e isso estratégia nenhuma, por mais dinheiro que se gaste vai alterar,

187

o que se pode e deve fazer, nesta perspectiva, é focar nos problemas advindos da vulnerabilidade

social e potencializar, turbinar a o nível de adaptação das populações em relação aos eventos

extremos e não só, é preciso focar em resolver os problemas advindos da vulnerabilidade social,

falta de emprego, acessos a serviços sociais e ambientais, falta de mercado e outros.

A resolução destes problemas é que podem trazer soluções duradoiras e viáveis para o governo

de um estado pobre que se pretende resiliente. As estratégias oficiais do governo Moçambicano têm

de aglutinar vulnerabilidade social e vulnerabilidade natural, e tratar sempre a vulnerabilidade como

um processo dinâmico e multifacetado.

As estratégias do governo têm de focar em reduzir a vulnerabilidade social das populações

moçambicanas em relação às mudanças ambientais. Não é possível acabar com as cheias e secas

cíclicas advindas do transbordo do rio ou da escassez de chuva, por isso não será igualmente

suficiente atacar a somente a vulnerabilidade natural.

Acredito que o melhor investimento nesta área de gestão seria apostar mais na resolução dos

problemas ligados vulnerabilidade social, pobreza e outros tantos fatores arrolados nesta tese pela

boca dos próprios afetados.

Enquanto as estratégias do governo focam na dimensão natural da vulnerabilidade aos eventos

extremos, sem se dedicarem a fundo na resolução da vulnerabilidade social, as estratégias não

estarão adequadas a resolver os problemas advindos da exposição ao risco ambiental em Machanga.

É preciso adotar abordagem multidimensional, ter uma visão holística sobre o impacto dos eventos

ambientais extremos.

188

O QUE O ESTUDO DE CASO NOS MOSTRA?

Os resultados exposto neste estudo de caso, levam-me a conjecturar que a aplicação de

estratégias de adaptação aos eventos extremos que privilegiam a percepção do nível global e

negligenciam o entendimento local do risco ambiental, contribuem para o agravamento da

vulnerabilidade socioambiental das comunidades afetadas pelos eventos extremos.

A vulnerabilidade socioambiental que se vive em Machanga é fruto da situação social, política e

econômica do país como um todo, que leva pessoas a viverem em lugares naturalmente propensos a

enchentes, secas e ventos fortes, como forma de sobreviver à fome, a pobreza e outras adversidades

da vida.

De um modo geral, os membros das comunidades afetadas pelos desastres naturais apelam à sua

percepção social do risco ligado as mudanças ambientais, na busca de mecanismos adequados que

lhes permitam aumentar as certezas sobre o tipo de risco ambiental que vivenciam. Os achados desta

pesquisa, sugerem que outro aspecto que falta à gestão ambiental moçambicana é a implementação

de um plano estratégico nacional de gestão ambiental que seja rígido e prioritário. Não basta o

assunto ser transversal, tem de ser prioritário, e que garanta um ordenamento territorial em região

planificada para atividades de extração pesqueira, habitação e outros.

Para o caso estudado, verificou-se que o conhecimento local/tradicional tem apresentado um

nível de resposta muito baixo, na medida em que recorrentemente se refere ao passado. Seu trunfo

está no passado glorioso, sendo que o momento atual exige uma visão de futuro, quer dizer o nível

de degradação ambiental é tão alto, o perigo é iminente, o risco é quase que certo, que se torna

indispensável o conhecimento técnico prático especializado. Contudo, não se pode discorrer do

cultivo de uma relação de coordenação constante, de conversa permanente entre o saber local e o

conhecimento técnico.

Não basta o país ter estratégias nacionais de combate às cheias, seca, ciclone ou outro tipo de

ameaça, perigo e risco, é preciso ter estratégias focadas nas características socioculturais de cada

distrito do país, ou da unidade de análise desejada. Estratégias que apresentem uma compreensão

profunda de que a vulnerabilidade socioambiental é um fenômeno que se situa para além da simples

exposição ao risco, uma estratégia que envolva e se comprometa tanto as condições materiais da

reprodução social quanto com os contextos nos quais as dimensões ambiental e social se

complementem.

As regiões costeiras de Moçambique têm potencial para serem transformadas em locais

exclusivamente de produção subjugadas ao maneio de épocas (chuvosa, e de seca) de modo que se

189

evite perda de vidas humanas, da produção e dos bens, conforme sugerido pelos próprios

entrevistados.

O que pude perceber é que é a aplicação restrita da lei de ordenamento territorial está falhar em

Machanga e um pouco por todo país. As pessoas ao se recusarem a abandonar as zonas de risco,

estão na verdade a recusar a sujeição a uma maior situação de vulnerabilidade social. As zonas de

risco representam perigos ambientais de cheias, seca, ciclone, sismos e suas consequências, mas

também representa trabalho, renda, facilidades de acesso aos locais de utilidade pública como

hospital, escola, notário e outros, representa custo de vida barato, nada se compra como bem

disseram. Permanecer na zona de risco é uma decisão tomada com base no conhecimento acumulado

por gerações e gerações que por ali passaram, é acesso ao estoque de conhecimento ali guardado e

compartilhado no cotidiano, é escolher aumentar certezas em relação à situação de vulnerabilidade

socioambiental.

A prevenção ainda é uma componente enfraquecida, ainda não se encontra no DNA da

instituição. O contexto da gênese do Instituto de Gestão de Calamidades nos permite entender o

lugar a que é relegada a percepção de risco da população em suas ações. Alias o nome do instituto

documenta bem o seu propósito e seu foco, que é oferecer reação pós-calamidades, quer dizer, tem

essencialmente foco no momento pós-evento extremo, e nas atividades de salvamento e distribuição

de sinecuras a população atingida.

Portanto em Machanga temos mais do que apenas um fenômeno ambiental, temos um fenômeno

complexo que provavelmente seja a situação de todo país, Moçambique é um caso complexo.

Abordar mudanças socioambientais em Moçambique é na verdade abordar um conjunto de questões

tão profundas que articulam aspectos políticos, sociais, econômicos, culturais.

As estratégias adotadas pelo governo para gerir a adaptação aos eventos extremos têm de

espelhar uma visão holística, que abarquem todas essas esferas, e que pautem pela resolução de

problemas de diferentes grandezas que não só as relativas às mudanças ambientais, não bastam os

reassentamentos projetados as meias, dar paredes, mas não dar comida suficiente, dar enxada, mas

não dar terra, como acontece um bocado por todo país: Tete, Quelimane, Maputo, Sofala,

Inhambane, há que existir seriedade em assuntos tão sensíveis. Torna-se necessário apetrechar as

zonas seguras de elementos que confiram maior segurança social aos afetados, não basta tirar da

zona de risco, tem de criar condições de bem estar social nas zonas seguras, torna-las socialmente

atrativas.

190

As percepções de risco em Machanga permitem entender que risco zero não existe, se as cheias,

por exemplo, podem matar, elas também permitem viver, na medida em que a passagem da água

fertiliza a terra, aumenta a quantidade de peixes e dessaliniza a água dos poços. Cabe aos decisores

encontrarem o ponto de equilíbrio entre as percepções de risco dos afetados por eventos extremos e

as estratégias de adaptação aos riscos como sugeridas em âmbito global, e para isso, é preciso

desenvolver e financiar pesquisas interdisciplinares para acessar tais conhecimentos. Conforme

Schütz colocou, as explicações estão expostas no cotidiano.

As percepções não são estáticas, mas sim dinâmicas, com quanto em Machanga o

conhecimento local já se encontra mesclado com muitas das explicações do conhecimento técnico,

está formada uma simbiose entre o conhecimento tradicional e o conhecimento técnico, pode se

arriscar dizer que se vive hoje um hibridismo hermenêutico, as explicações são feitas na intercessão

entre os saberes. Contudo as explicações técnicas tem se deparado com um grande obstáculo que é o

baixo nível de escolarização. Seria preciso investir mais no uso da língua local para transmissão de

conhecimentos técnicos, sob pena de não se encontrarem interlocutores fora das instituições formais

ou das chefias comunitárias.

É de considerar um aspecto importante em relação à percepção do risco, pelo estudo

concluímos que a percepção de risco é dinâmica, assim como o sistema cultural é dinâmico. Face às

novas visões socioambientais, as comunidades encontram-se mediante a possibilidade, ainda que

mínima, de fazer uma escolha entre o conhecimento técnico e o conhecimento local, ou ainda a

mistura dos dois como é o caso de Machanga. Dai enfatizarmos a necessidade de conhecimento

profundo do modo de pensar, agir, e ser de cada comunidade intervencionada, de modo que o

conhecimento local esteja ao favor e em comunhão com o conhecimento técnico e, sobretudo para

que garanta sua aceitação efetiva e garanta resultados duradoiros.

O governo tem feito um aproveitamento de práticas que contribuam para preservação do

ambiente nas comunidades, contudo dada necessidade de financiamento das atividades em prol da

gestão ambiental, muitas destas visões endógenas sobre o meio local tem sido ignoradas, em

benefício das prioridades ditadas pelos que injetam o dinheiro e financiam agendas e seus programas.

O ideal seria estabelecer-se cada vez mais a necessidade de um casamento entre as agendas dos

credores e os anseios socioambientais das comunidades.

O governo local pode pautar pela preservação dos mitos favoráveis ao ambiente e a adaptação

aos eventos extremos, como por exemplo: a percepção das florestas e praias como locais sagrados,

191

isso é benéfico para a população porque estão diretamente a preservar a mata e indiretamente a

seguir as recomendações em relação à gestão do risco ambiental no nível global. Por exemplo, como

corolário desta atitude Governamental algumas florestas são consideradas particularmente sagradas,

entrar ou usá-las para qualquer fim requerer a permissão de um líder local.

Na Província de Sofala, que é onde se localiza Machanga, algumas florestas têm sido

conservadas através deste sistema tradicional, cuja responsabilidade encontra-se nas diferentes

linhagens familiares tradicionais. Por exemplo, a Serra de Gorongosa. Assim, quanto mais as

estratégias de adaptação aos eventos extremos forem definidas em função das percepções sociais do

risco das comunidades afetadas por mudanças ambientais, maior será o grau de eficácia das medidas

aplicadas a gestão nessas comunidades.

A vulnerabilidade ambiental em Machanga se configura cada vez mais como um problema

social. A situação de vulnerabilidade aos eventos extremos é resultado da marginalização de

populações ao longo da costa, na medida em que não se prioriza a alocação de condições aceitáveis

para habitação em zonas seguras, as pessoas vivem a sua sorte em face de um ambiente deteriorado,

pois já não oferece resistência a sua destruição seja de origem antrópica ou divina.

Em Machanga existe um conhecimento sobre as épocas em que se registravam os eventos

extremos (enchentes, as secas e os ciclones), porém a certeza desse conhecimento está cada vez mais

improvável, nisto se refletem as mudanças ambientais. Este nível de incerteza provoca desintegração

social e aumente o problema de vulnerabilidade social, por onde alguns abandonam seus lugares de

origem e outros se expõem a situações de riscos de desastres naturais por falta de opção.

Machanga é uma região inteiramente à deriva, de baixas elevações, a jusante do oceano e do

rio e de seus afluentes. Dai concluir-se que a vulnerabilidade ambiental de Machanga, assim como

das inúmeras cidades costeiras em Moçambique, advém também da inoperância da Lei de

ordenamento territorial (2008).

Esta Lei estabelece o regime jurídico de planejamento espacial a nível nacional, provincial,

distrital e municipal. Permite a concepção de um Plano de Estrutura espacial, Planos gerais e

parciais de urbanização. Trata ainda da expropriação da terra em casos em que a salvaguarda da

comunidade e do interesse comum esteja em causa. Aborda igualmente sobre a expropriação em

casos onde a administração Pública deva responder a situações de emergência que ocorram como

resultado da ocorrência de calamidades naturais ou situações similares, bem como a justa

compensação às pessoas afetadas. A aplicação da lei deveria ser priorizada com um nível de

seriedade que os desafios ambientais colocam para a humanidade nos dias de hoje.

192

Se em 2011 o governo já reconhecia a falta de ordenamento territorial adequado como o

grande calcanhar de Aquiles que exacerba problemas de saúde, intensifica as doenças endêmicas

pela dependência direta das comunidades ao ecossistema para sua sobrevivência (REAM, 2011), por

que não se ataca o problema diretamente? Será que a soma dos montantes gastos em medidas

paliativas não seria suficiente para resolver o problema da adaptação de um modo mais eficaz e

sustentável?

O certo é que apesar de possuir uma legislação ajustada à realidade e necessidades do país,

Moçambique possui um conjunto institucional fraco na aplicação e cumprimento dos regulamentos,

das políticas e das leis ambientais. Nota-se também uma ausência de coordenação interinstitucional

entre os níveis mais altos e os níveis mais baixos do governo. Com efeito, os papéis e competências

institucionais apresentam lacunas, refletidas nas sobreposições de ações no processo de gestão

ambiental, especialmente na gestão costeira.

Em quase todos os documentos oficiais do governo a componente participação comunitária,

valorização do conhecimento local, incentivo a educação ambiental, aparece. Contudo no terreno, no

caso em Machanga, verifica-se uma defasagem dessa prioridade dada nos documentos. Porque será

que isto acontece em Moçambique?

A meu ver são três os fatores que determinam esta situação:

1 - Deficiente coordenação intersetorial dos órgãos que trabalham diretamente com a questão

ambiental.

2- Priorização das prioridades do doador/financiador tanto no nível do governo central assim

como das organizações não governamentais afinal é preciso prestar contas.

3- falta de conhecimento sobre quais são de fato esses conhecimentos locais a serem resgatados,

preservados e valorizados, não existe uma recolha sistemática realizada e divulgada sobre os

conhecimentos locais em relação ao risco ambiental no território nacional.

Emana disto a dificuldade de concretização cabal das estratégias nacionais de adaptação às

mudanças climáticas, pelo menos neste aspecto da incorporação dos conhecimentos locais. Pode ser

que alguma ONG ou até algum sector governamental ou ainda sujeitos singulares possam ter feito

tal estudo em Moçambique ou de algum ponto de Moçambique, todavia se é que existe, permanece

oculto à sociedade. Este problema é um pouco antigo, pois foi anteriormente levantado a quando do

desenho do Programa Nacional de Gestão Ambiental de 1996 (há 21 anos). Este programa atenta no

193

seu ponto 4.5.2 intitulado: Escassez de circulação e troca de informação, para o fato de vários

sectores que lidam com as questões ambientais em Moçambique realizarem individualmente a

recolha e o tratamento de informação ambiental e apenas na vertente especifica de seu interesse,

transformando-se assim em produtores e consumidores exclusivos de sua própria informação.

As estratégias do governo procuram estabelecer cooperação ente sua visão global e a visão da

comunidade, desde que esta concorra para a preservação ou conservação do ambiente. Embora não

deixe isso claro, pois o conceito de participação comunitário tem sido usado sem grandes

operacionalizações. Como consequência desta falta de clareza, temos diversas interpretações sobre a

participação comunitária e sua relevância na gestão adaptativa.

Daí que as auscultações populares acabam sendo o indicador de participação comunitária por

excelência, embora as mesmas não tenham produzido efeitos desejados, visto que os pedidos e

recomendações comunitárias para a melhoria de suas vidas não tem sido atendidos de imediato e

nem em longo prazo, estas decisões são tomadas a nível central. Quer dizer, quem geralmente

ausculta a população não tem poder para determinar como prioridades nas agendas e ações

ambientais que surgem dessas auscultações à população, e nem tem poder de decisão em relação aos

destinos dos financiamentos.

Estes elementos concorrem para o descrédito dessas auscultações e o cepticismo em relação à

participação comunitária efetiva. È importante que os decisores saibam que a eficácia da estratégia

nacional, provincial e distrital para adaptação aos eventos extremos tem de surgir deste casamento

entre o conhecimento técnico e o conhecimento local, sem uma relação de subordinação, mas sim de

coordenação.

Vale ressaltar que para se alcançar sucesso no processo de valorização cultural é fundamental

que seja um processo endógeno, que surja a partir do interior da sociedade, que seja definido de

forma soberana na sua visão ou no seu projeto, contando inicialmente com as próprias forças e só

depois com as forças dos que querem apoiar porque partilham os mesmos problemas ou dos mesmos

valores, é importante que seja integrado e englobe princípios holísticos como os ambientais, as

relações sociais, a educação, a produção, o consumo, o bem-estar de todos (VALÁ, 1996, p. 21).

194

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É PRECISO OCUPAR O SOLO PRESERVANDO O CAMINHO DA ÁGUA

Moçambique segue sendo um exemplo para região na gestão adaptativa aos eventos ambientais

extremos. Evidências disto são as reduções de perdas de vidas humanas e bens que se tem vindo a

registrar em face da ocorrência de eventos extremos, como foi no caso das cheias de 2016 em

Machanga. Esta pesquisa apresenta as percepções de risco aos eventos extremos no distrito de

Machanga, província de Sofala, que fica na região centro de Moçambique.

Estas percepções de risco ambiental são fruto das experiências partilhadas pela população, fruto

de sua vivência cotidiana sujeita aos riscos socioambientais. Procurou-se relacionar as mudanças

ambientais materializadas nos eventos extremos, as percepções sociais de risco, e as estratégias de

adaptação no contexto moçambicano.

Este estudo permitiu estabelecer relações entre os tipos de riscos ambientais percebidos, os

fatores que os originam, as estratégias e os mecanismos adotados para adaptação no nível

governamental e comunitário; Descrever os desafios da adaptação às mudanças ambientais em

Moçambique e particularmente no Distrito de Machanga; expor sobre a situação de vulnerabilidade

social aos eventos extremos; Analisar os impactos positivos e negativos das estratégias adotadas;

Captar os principais desafios para gestão das mudanças ambientais em Moçambique e identificar as

percepções sociais de risco ambiental, os mecanismos de prevenção e mitigação, as estratégias

informais de adaptação adotadas no distrito de Machanga. Identificar e classificar os riscos

ambientais percebidos pela comunidade, os fatores que os originam e as estratégias de adaptação

adotadas;

Na sua essência as percepções descritas neste trabalho revelam a existência de um grande

entendimento local sobre a situação de vulnerabilidade socioambiental vivenciado cotidianamente

em Machanga. O fato das questões ligadas ao ambiente fazerem parte do cotidiano de Machanga

constitui-se num ponto forte a ser tomado como exemplo para todo país. A aposta na componente

educação ambiental é uma necessidade prioritária e deve ser uma preocupação cotidiana, e não é

para menos, afinal, os eventos extremos são uma ameaça constante à vida dos moçambicanos.

Conforme apresentado ao longo do texto (ver capítulo IV), os residentes de Machanga

(entrevistados) percebem os eventos extremos como uma forte ameaça a sua vida, contudo atribuem

as causas a fatores sobrenaturais e morais: Deuses, antepassados, espíritos, cultura, tradição. Isto

pode significar que para se entender as atitudes destes indivíduos, é preciso considerar outros fatores

195

anteriores aos eventos extremos, como por exemplo, sua história, sua relação com a terra onde

habitam, os seus mitos de origem e outros aspectos que ditam sua ancoragem naquele espaço.

A hereditariedade cultural é um aspecto marcante da vida social de Machanga, contudo, a

tradição é dinâmica e sabe reconhecer os tempos. Exemplo disso são os questionamentos em face da

gravidade dos eventos extremos, o conflito intergeracional que começa a fazer ouvir sua voz, por

onde os mais jovens já não aceitam passivamente a transmissão de alguns conhecimentos

cristalizados pelos antecessores, hoje questionam, rompem com o tradicional. Afinal, quem disse

que não se pode transar na praia? E que isso tem a ver com a erosão e com os ventos fortes? Surge e

vai crescendo a onda dos céticos em relação à tradição, com efeito, hoje a tradição é um paradigma

em crise, já não ajuda a resolver o problema dos eventos extremos.

Este é um dos aspectos que marca o processo de gestão dos eventos extremos em Moçambique,

mas então, como a estratégia nacional de adaptação às mudanças climáticas enquadra estas

questões? É possível reduzir a vulnerabilidade socioambiental sem dar atenção a estes aspectos que

interferem fortemente no comportamento e nas decisões dos afetados? A tentativa de resposta a

estas perguntas a comunicação surge mais uma vez como elemento importante, pois nos remete

imediatamente à necessidade de se aprimorar o diálogo, a transmissão de informação, de

conhecimento, de valores e de princípios localmente partilhados e globalmente ignorados.

A estratégia de disseminação de informação ambiental adotada pelo governo através do INGC

tem surtido efeito, e concorre para introdução de novas formas de ser e estar perante as questões

ambientais em Machanga. Os comícios, as palestras para divulgação de informação sobre o

ambiente são organizadas envolvendo desde o topo à base comunitária, quer dizer, desde o

administrador distrital ao chefe do posto de localidade, do secretário de bairro até ao simples

membro da comunidade, esta estratégia provoca um efeito cascata de transmissão da informação

ambiental, com todas as limitações e deturpações que possam surgir disto.

Contudo, os meios estratégicos que estão à disposição dos atores governamentais não são

suficientes para sustentar as medidas preventivas e adaptativas necessárias, tem de ser auxiliados

com planos de comunicação mais eficientes. Para elaborar planos de comunicação de risco eficazes

torna-se fundamental que os órgãos responsáveis pela gestão ambiental conheçam o modo de pensar

dos atingidos, a percepção de risco socioambiental partilhada pela comunidade, é necessário

conhecer os fatores estruturais que norteiam a percepção de risco ambiental desses grupos sociais.

Isto implica num maior envolvimento entre o governo, as comunidades locais e as instituições de

pesquisa, de modo que a ciência esteja a serviço da harmonização da relação entre as estratégias do

196

governo e os hábitos e costumes locais, fornecendo estudos socioambientais comprometidos com o

bem-estar social.

Ainda olhando para aspectos da comunicação é possível concluir que embora lento e com muitas

restrições orçamentais, o sistema de previsão dos eventos extremos em Moçambique tem estado a

melhorar significativamente. Isto se deve, entre outros aspectos, à massificação do uso da tecnologia

pela população, como, por exemplo, telefone celular com internet. Com efeito, atualmente os

eventos podem ser comunicados com algum tempo de antecedência através de sms, whatsap,

facebook, quase que instantaneamente.

Os indivíduos acessam as percepções de risco partilhadas para aumentar suas certezas em relação

à situação de vulnerabilidade socioambiental. Exemplo disso é o recurso às cerimônias tradicionais

como forma de acalmar os espíritos da natureza de modo a que cessem os castigos naturais.

De fato os resultados da redução fenomenológica em Machanga revelam que o aumento dos

impactos dos eventos extremos é fruto do atrito entre duas lógicas de existência (natural e social).

Por onde percebem que os eventos extremos são manifestações naturais em relação a uma quebra de

contrato vital entre a esfera social e a esfera ambiental, que estão em constante interação, hoje

conflituosa, mas que a experiência vivida pelas comunidades revela tempos de harmonia ente os dois.

Sem uso de termos técnicos, os relatos das experiências de vida em Machanga revelam que a

alteração numa das esferas provoca reações noutra, e esta é uma forma bem popular para a

explicação do real, quer dizer, sem a apropriação do saber técnico e com uso de linguagem leiga, o

real se elucida no cotidiano.

Entre as estratégias formais e as soluções informais propostas pela sabedoria popular, vê-se que

existe uma confluência, muitos dos pontos chegam a ser o mesmo, mas então por que os problemas

de adaptação continuam? Primeiro cabe ressaltar que os problemas de adaptação sempre existirão,

em Machanga, em Moçambique, assim como no mundo inteiro, pois estão atrelados a algum tipo de

vulnerabilidade social ou natural. Contudo para além desta máxima, para o caso de Machanga, um

dos atores não está exercer o seu papel no enfrentamento do risco.

A consulta comunitária ocorre ao nível do distrito a quando da construção do Plano Econômico

Social Distrital (PESOD). O problema surge quando estes planos feitos com consulta comunitária

são confrontados com as prioridades do governo central e provincial. Pois nesse nível as prioridades

mudam e o orçamento não se amplia para satisfizer a todos, surgindo daí um clima de

incredibilidade em relação às medidas tomadas pelos governantes, o que conduz a uma não

identificação com as estratégias de adaptação.

197

Isto abre espaço para a perspectiva futura desta pesquisa de tese, que é desenvolver estudos e

análises de modo a auxiliar o governo na adequação das estratégias governamentais às realidades

locais dos 128 distritos em Moçambique, com enfoque principal nos distritos costeiros, tal como é o

caso de Machanga.

Contudo, há que se apelar ao governo para uma maior seriedade na consideração e aplicação

dos resultados de estudos e pesquisas que têm sido realizadas por diferentes atores, de modo a

garantir a redução de gastos financeiros avultados, em ciclos viciosos de mitigação aos eventos

extremos.

Esperamos que esta pesquisa contribua para o debate sobre as formas de interpretação dos

problemas ambientais em Moçambique, assim ambicionamos: 1) Que as conclusões da pesquisa

contribuam para a facilitação de implementação de meios de comunicação eficazes e práticos,

favorecendo a adoção de políticas públicas para garantir o direito a assistência, reforçando as

estratégias educativas no sentido de prevenção. 2) Que este estudo possa favorecer o

estabelecimento de um sistema de coordenadas conceituais que articule ordens de conhecimentos

distintos, como os fatores naturais e sociais que concorrem para a prevalência dos problemas

socioambientais em Moçambique. 3) Uma descrição dos meios formais e informais de adaptação às

mudanças ambientais: Perigos das mudanças climáticas; Elementos de risco de desastre; Condições

de vulnerabilidade e causas subjacentes.

Fenomenologicamente ponderando, no desenho das estratégias de adaptação e dos planos

diretores urge a necessidade de se considerar a relevância da manifestação cultural e do ambiente

como elementos inseparáveis, coexistentes, como realidade una e indivisível, se tratado de modo

diferente corre-se o risco de ter grandes dificuldades de sucessos na implementação de estratégias,

como no caso Bea-Pea em Machanga. É importante que os tomadores de decisões considerem que a

comunidade se insere no meio onde vive e dela depende para sobreviver, surgindo daí uma relação

de constante interdependência.

Apesar dos grandes esforços, empreendidos pelo governo e pelas organizações não

governamentais, muitas pessoas ainda são afetadas por estes eventos de cheia, seca e ciclones. As

ações de ordenamento territorial que visa à retirada da população das zonas de risco e sua alocação

as regiões altas ou zonas seguras não tem encontrado eco positivo nas comunidades, ao que se

prognostica nesta tese que seja por questões ligadas ao custo de oportunidades entre a percepção de

risco que estas comunidades partilham e as vantagens comparativas oferecidas nas zonas seguras.

Independente do verdadeiro motivo, esta situação resulta em gastos cíclicos em planejamentos de

198

ações ineficazes, o que custa muito caro aos bolsos dos moçambicanos e dos parceiros de

cooperação.

Em locais como Machanga em que as ameaças são constantes, as estratégias de adaptação

deveriam concorrer para redução da vulnerabilidade social aos eventos extremos. Mais do que

antepassados, mais dos que machambas, o que as populações reivindicam quando rejeitam as

medidas estratégicas do governo é aumentar a sua vulnerabilidade social, no fundo ir viver nas zonas

seguras representa aumentar o nível de vulnerabilidade social. Enquanto que voltar para zonas de

risco significa aumentar certezas, significa reduzir a sua condição de socialmente vulnerável apesar

das eventualidades de um evento climático adverso. E para o caso de Machanga a população tem

mostrado que é mais importante a gestão da vulnerabilidade social do que da vulnerabilidade

ambiental, apesar de igualmente necessária.

As estratégias de adaptação aos eventos extremos devem contribuir para a redução da

vulnerabilidade ambiental e social, sob a probabilidade de, do contrário, nunca se tornarem

eficientes e nem eficazes. Captar percepção de risco é isto, é tornar-se sensível as falas mudas, é

equalizar sua música com o diapasão do mundo da vida social, é priorizar a participação comunitária

de fato, a sério, isto é gestão do risco ambiental adaptativa e consciente.

O conhecimento da realidade, apesar de ser sempre um ponto de vista, constitui o primeiro passo

para a superação dos problemas de toda ordem e natureza. Assim, um aspecto notável no governo

moçambicano é o apoio sistemático às instituições que trabalham na gestão e planejamento de ações

estratégicas para a adaptação aos eventos extremos, o que revela um comprometimento com as

questões ambientais, revela a existência de uma consciência ambiental.

Temos plena consciência de que esta pesquisa poderia dar muito mais contribuições para este

debate sobre a pertinência e urgência da valorização do conhecimento local na resolução de questões

globais. Contudo, consideramos que a compreensão sobre este tema não poderá ser totalmente

esgotada aqui, pois tal qual lembra Schütz (1967: 98), o significado transmitido pelos entrevistados

representa um conceito limite de suas capacidades hermenêuticas, na medida em que a verbalização

das experiências transmite um conhecimento enviesado dessa mesma experiência. Ademais que sem

todo este processo de pesquisa sofreu influências do meu olhar e das minhas limitações como

pesquisador.

Esperamos poder continuar a trabalhar melhor os aspectos aqui levantados e, sobretudo continuar

a trazer contribuições científicas para este tema, pois julgamos que este trabalho abre possibilidades

para se refletir sobre: como os sistemas de gestão de desastres podem funcionar com base no

199

conhecimento tradicional das comunidades? Como alinhar as estratégias de gestão à percepção local

do risco? Que tipo de educação ambiental seria ideal para se alcançar o objetivo de reduzir a

vulnerabilidade social das populações?

Olhando para os processos endógenos: Qual o papel da ação coletiva, da ciência cidadã, do

monitoramento participativo e das tecnologias sociais enquanto saídas possíveis? Até que ponto

fomentar esses processos endógenos pode ser uma estratégia interessante de governança? Como

criar condições para que tais processos aconteçam? Que novos caminhos seguir? Como os sistemas

de gestão de desastres podem funcionar com base no conhecimento tradicional das comunidades?

Sobre a comunicação de risco: Será que as soluções passam por ampliar o poder de penetração da

mídia na sociedade? Por que não estimular outros meios de comunicação mais populares? Por que as

rádios comunitárias, que se mostram um ótimo meio, não têm apoios necessários?

Nosso próximo passo será de procurar colher experiências em outros locais pelo mundo, ou seja,

situações semelhantes e com as quais podemos partilhar experiências sobre as formas criativas de

lidar com problemas semelhantes. Dialogar com outras realidades, analisar outros casos, fazer

estudos comparativos, de modo a refletir sempre sobre qual a melhor solução para a adaptação aos

eventos ambientais extremos no caso específico de Moçambique.

200

DESAFIOS METODOLÓGICOS

A aplicação do método fenomenológico exige do pesquisador um exercício de transposição

do campo estritamente filosófico ao campo da empiria, da prática (GIORGI, 2008). Para realização

deste trabalho de pesquisa a transposição do método fenomenológico trouxe desafios à realização da

pesquisa, mas que foram ultrapassados.

Essencialmente os desafios consistiram no fato de ter de primeiramente construir um grau de

confiança com os entrevistados para poder aceder aos seus relatos em relação as suas experiências.

Em algum momento tornou-se difícil o diálogo, pois as pessoas não falavam facilmente das

vivencias. A presença de algum membro da comunidade foi à estratégia usada para criar confiança.

O fato de o pesquisador não pertencer à comunidade ou à província de Sofala, criava um

distanciamento entre o pesquisador e os pesquisados, que em diversas vezes acabava-se construindo

uma relação de (entre muitas aspas) “superioridade e desconfiança” em função do lugar de origem

(por ser da capital do país), isso restringia a comunicação ou escancarava o acesso a uma informação

dissimulada em função do que se pensava que o pesquisador quer ouvir.

A falta de domínio da língua local com certeza fez perder alguns detalhes apesar das

traduções feitas simultaneamente, pois para uma pesquisa fenomenológica é sempre necessário

aconselhável beber da fonte diretamente. Para superar usou-se do improviso de interpretes

participantes. Permitiu-se que cada um se expressasse na língua que mais à vontade se sentisse e

quem no grupo entendesse e falasse as duas traduzia no final da fala.

Os entrevistados construíam narrativas de modo a satisfazer o pesquisador, entre outros

acredito que seja pelo fato de ter sido visto várias vezes na companhia de membros do governo e de

membros de instituições não governamentais, o que fazia que fosse confundido como sendo um

deles. E que, portanto, pudesse ter algum poder de influência ou de distribuir benesses à população.

A estratégia foi sempre explicar no inicio de cada entrevista os propósitos da pesquisa, mas estava

instaurado o ambiente de desconfiança, e a partir daí as falas seriam mais prudentes.

A falta de energia em Machanga restringiu muito a gravação de vídeos, o que não permitiu

que pudéssemos captar a linguagem corporal de alguns entrevistados, afinal na pesquisa

fenomenológica, o modo como se fala é um dado a ser levado em conta. Por fim, o fato de ter que

trabalhar com diferentes perfis socioculturais nos mesmos grupos focais trouxe dificuldades, pois

alguns participantes ficavam inibidos em falar. As disparidades entre os participantes eram

significativas. Estes aspectos recrudesciam o distanciamento em relação ao pesquisador que tinha de

ser muito interventivo para poder garantir a participação de todos.

201

Apesar de tudo, o acolhimento no campo, solicitude das comunidades e dos Governantes

distritais foi uma lufada de ar fresco, e permitiu adquirir dados e informação relevante para esta

pesquisa. Tanto que o outro desafio tem a ver com a gestão da quantidade de informação recolhida

nas entrevistas. Dada à quantidade de perguntas e a necessidade de observação direta, tornou-se

difícil decidir qual estratégia metodológica usar para a análise de cada informação de acordo com

sua categoria qualitativa ou quantitativa.

Um aspecto importante de mencionar é o fato da recolha de dados ter decorrido em meio do

fogo cruzado do conflito político-militar entre a FRELIMO e a RENAMO (2015-2017), o partido no

poder e o maior partido de oposição respectivamente. Não se pode ignorar o risco da guerra em

Moçambique, uma ameaça constante e tão recentemente experimentada e que de tempos em tempos

tem sido recordada a todos de sua possibilidade. Esta situação impôs prudência a recolha de dados,

pois que, conforme referimos na introdução desta tese, Machanga situa-se na região centro do País,

que é tida como a base eleitoral da oposição e onde os conflitos estavam a decorrer.

Estavam colocadas as possibilidades de uma viagem sem volta. Enfim, nada aconteceu, o

conflito cessou, o risco de guerra pairava no ar. Esta situação aumentou a desconfiança em todos os

níveis, tanto do governo como da população, em relação ao pesquisador que chegou de Maputo para

reunir a população e fazer perguntas sobre seu estilo de vida, suas experiências cotidianas e

costumes enraizados ligados à sua adaptação aos eventos ambientais extremos.

202

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http://www.micoa.gov.mz/ , http://www.legisambiente.gov.mz/ Páginas consultadas no dia 15 de

Março de 2013.

MOÇAMBIQUE. Plano Distrital de Desenvolvimento, República de Moçambique, 1998.

MOÇAMBIQUE. Decreto nº. 38/99, de 10 de Junho. Criação do Instituto Nacional de Gestão de

Calamidades – INGC.

212

MOÇAMBIQUE. Regulamento do Centro de Operações Especiais, Maputo, Resolução nº. 18/99,

de 10 de Junho. Aprovação da Política de Gestão de Calamidades. 2006.

MOÇAMBIQUE. Lei nº. 7/97, de 31 de Maio. Regime Jurídico da Tutela administrativa das

autarquias locais.

MOÇAMBIQUE. Decreto nº. 52/2007 de 27 de Novembro. Aprovação do Estatuto Orgânico do

INGC.

MOÇAMBIQUE. Decreto nº. 29/2008, de 03 de Julho. Alteração do Estatuto Orgânico do INGC.

MOÇAMBIQUE. Decreto Presidencial nº. 44/80, de 03 de Setembro. Criação do Conselho

Coordenador de Prevenção e Combate às Calamidades Naturais e do Departamento de Prevenção e

Combate às Calamidades Naturais.

MOÇAMBIQUE. Lei nº. 8/2003 de 19 de Maio. Definição dos Órgãos Locais do Estado.

MOÇAMBIQUE. Plano Diretor para Prevenção e Mitigação de Calamidades Naturais, em

Moçambique 2005/2006.

MOZAMBIQUE. Synthesis report. INGC Climate Change Report: Study on the impact of climate

change on disaster risk in Mozambique. [van Logchem B and Brito R (ed.)]. INGC. 2009.

MOÇAMBIQUE. Lei nº. 10/97, de 31 de Maio. Criação de municípios de cidades e vilas em

algumas circunscrições do País.

MOÇAMBIQUE. Avaliação da Vulnerabilidade as Mudanças Climáticas e Estratégicas de

Adaptação, Maputo. 2005.

MOÇAMIQUE. INGC: Importância dos Comitês Locais de Gestão de Risco de Calamidades

(CLGRC). Atualizações da base de dados DPM. 2014.

MOÇAMBIQUE. Avaliação das Capacidades de Gestão do Risco de Desastres, Maputo, 2005.

213

MOÇAMBIQUE. Estratégia e Plano de Acção de Controlo e Combate à Erosão dos Solos. MICOA.

2002.

MOÇAMBIQUE - MICOA - Estratégia Nacional de Adaptação e Mitigação de Mudanças

Climática (ENAMMC 2013-2025). 2012.

214

APÊNDICE

1. LISTA DOS PRINCIPAIS JORNAIS EM MOÇAMBIQUE

JORNAIS DE MOÇAMBIQUE

JORNAIS / PERIÓDICOS (LINKS) PROVÍNCIA DE ORIGEM

Maputo Maputo

Jornal Notícias Maputo

Jornal Verdade Maputo

Jornal Savana Maputo

Diário de Moçambique Maputo

Folha de Maputo Maputo

Conselho de Maputo Maputo

Grupo Desportivo de Maputo Maputo

Portos e Ferrovias de Maputo Maputo

O Pais Maputo

Fim de Semana Maputo

Jornal Público Maputo

Jornal Desafio | Esporte Maputo

Jornal Domingo Maputo

Município de Maputo Maputo

Governo Província de Maputo Maputo

Município de Beira Beira

Governo Província Cabo Delgado Cabo Delgado

Governo Província de Gaza Gaza

Governo Província Inhambane Inhambane

Município de Matola Matola

Mocuba online guiademidia.com.br Mocuba

Governo Província de Nampula Nampula

Governo Província de Niassa Niassa

Governo Província de Sofala Sofala

Governo Província de Tete Tete

Jornal Zambeze Zambézia

Zambézia online Zambézia

Governo Província de Zambézia Quelimane

215

2. GUIÃO PARA RECOLHA DE DADOS - ENTREVISTA INDIVIDUAL

APROFUNDADA (GOVERNO: NACIONAL, PROVINCIAL, E DISTRITAL)

Guião: Apresentação

Apresentação do entrevistador. Explicar objetivos do nosso trabalho e importância das

opiniões do participante. Garantia de confidencialidade da informação recolhida.

Gravação: informar ao participante sobre a importância e necessidade da gravação do áudio e

vídeo, e solicitar a autorização para as mesmas, garantindo a confidencialidade da

informação a ser recolhida.

1. Nome? Idade? Sexo? Profissão? Estado civil? Entidade/Órgão_________________

Data: ____/____/_____ Hora início:________ Hora Término: ______________

2. Objetivo: conhecer o grau de envolvimento e (in)satisfação com a temática ambiental, a

vida local, a comunidade, o território.

2.1 A quanto tempo está envolvido com a área de gestão ambiental?

2.2 Como é trabalhar nesta área em Moçambique? Gostam? Não gostam? Bom? Mau? Normal? Não

sabem? Por quê?

2.3 Vamos falar sobre eventos extremos. Que pensamentos/ Imagens/ Ideias vos vêm à cabeça?

2.4 O que são e quais os eventos extremos de que já ouviu falar? Vivenciou? Quais os mais comuns

em Moçambique?

2.5 O que é Cheia? Seca? Ciclone? Há diferença entre eles em termos de impacto? Perfil dos

afetados?

2.6 De um modo geral acreditam que se levam em conta as sensações, os estados de espírito,

emoções dos atingidos por eventos extremos aquando do desenho de estratégias de gestão dos

eventos extremos?

2.6.1 Se sim Como? Exemplos

2.6.2 Se Não, Por quê?

216

2.7 Acham que a quando da ocorrência de eventos extremos existem perdas/ganhos? Se sim, que

perdas? Que ganhos?Existe algum benefício na ocorrência destes fenômenos aqui em

Moçambique? Quem se beneficia? Como?

3. Objetivo: conhecer o grau de interação entre as instituições gestoras (ONG/Governo)

3.1 Para além do governo, existem pessoas, instituições ou organizações que trabalham para gestão

dos eventos extremos (Cheias/seca/ciclone)?

3.1.1 Se SIM, quais? De onde vem? O que fazem? (pular para 3.1.3)

3.1.2 Se NÃO, Por quê? (pular para 3.1.5)

3.1.3 Como acha que se defendiam ou protegiam dos efeitos dos ciclones, da seca, das cheias

antes da chegada das ONG´s e do INGC? Como eram enfrentadas estas situações? Como

viviam? O que acontecia de diferente?

3.1.4 Acham que são afetadas/morrem/desaparecem mais pessoas agora ou antes da chegada

das ONG´s? Por quê? Existem relatórios onde podemos observar?

3.1.5 Acham que deveriam existir? Por quê?

3.1.6 Caso existissem o que gostaria que elas fizessem? Como gostaria que atuasse?

4. Objetivo: Conhecer as percepções dos diferentes atores sobre os eventos extremos em

Machanga

4.1 Por que acontecem eventos extremos em Machanga?

4.2 Como acham que tem evoluído a ocorrência de cheia/secas/ciclones em Machanga nos últimos

anos? Aumentaram? Diminuíram? Está normal? Não sabe? Por quê?

4.3 Como acham que vai evoluir a ocorrência de eventos extremos nos próximos anos? Vão

aumentar? Diminuir? Manter-se? Não sabem? Por quê?

4.4 Em uma situação de evento extremo, quais as principais recomendações dadas à população?

Quais as principais atitudes indicadas a serem tomadas a quando duma situação de: 1- Cheias? 2-

Seca? 3- Ciclone?

Salvar os bens Matérias? Quais?

217

Salvar a tua vida;

Salvar a vida dos outros;

Salvar os animais;

Procurar ajuda do Governo;

Procurar abrigo em regiões seguras;

Outros;

4.5 A quem devem recorrer em caso de evento extremo? A quem devem pedir ajuda? (caso aponte-

se mais de um ator, pedir que seja colocada em ordem de importância)

4.6 Em sua opinião, quem deveria responsabilizar-se pela gestão dos eventos extremos em

Machanga? Por quê?

5. Objetivo: Conhecer quais as tipificações e crenças que os diferentes atores fazem/tem sobre

os eventos extremos em Moçambique/Machanga

5.1 Se tivessem que classificar os eventos extremos quanto ao impacto negativo numa escala de 1 a

3. Onde: 1. Mau; 2. Pior; e 3. Péssimo. Como classificariam e por quê?

1. Cheias 2. Secas 3. Ciclones

5.2 Se tivessem que classificar os eventos extremos quanto ao impacto positivo numa escala de 1 a 3.

Onde: 1. Bom; 2. Muito bom; e 3. Melhor. Como classificariam e por quê?

1. Cheias 2. Secas 3. Ciclones

5.3 Donde vêm as Cheias/secas/ciclones?

5.4 Por que esta região é afetada por estes fenômenos?

5.5 Existem outras regiões que são afetadas do mesmo jeito que aqui? Quais? Por quê?

5.6 Quais as causas destes fenômenos acontecerem em Moçambique/ Machanga? Existe um

responsável pela ocorrência destes fenômeno s?

5.7 Se pudesse acabarias com a ocorrência destes fenômenos? Como farias? O que acham que

deveria ser feito para resolver?

218

6. Objetivo: conhecer a eficácia das estratégias de comunicação de risco ambiental

6.1 Por onde são veiculadas as informações sobre a possível ocorrência de Cheias/secas/ciclone?

6.2 Acham a informação dada por estes órgãos de comunicação suficiente para proteger a

população dos eventos extremos?

6.3 Gostariam que mudasse o modo de comunicar a ocorrência de Cheias/secas/ciclones? Se SIM,

como gostaria que fosse a comunicação? O que tem de mudar? O que seria prioridade? O que

seria importante transmitir?

7. Análise de Políticas Públicas Ambientais Moçambicanas: Tendo em conta que a década 80

marcou o início do processo de institucionalização da questão ambiental em Moçambique:

7.1 Quais órgãos responderam pela gestão do Ambiente durante o período da gestão Samora (1975-

1986); Chissano (1986-2004), Guebuza (2004-2014).

a) Quais diferenças e semelhanças a todos os níveis (Distrital, Provincial e Nacional)?

b) O organograma do governo nas diferentes gestões definia funções específicas referente a área de

ambiente?

7.2 Existia interação entre os diferentes órgãos (das três esferas Distritais, Provincial e Nacional)

para lidar com a problemática ambiental em Moçambique? Se Sim, poderia explicar como

funcionou? Se Não, Por quê?

7.3 Existindo essa interação, em sua opinião, o que prevaleceu: colaboração ou conflito (entre as três

esferas: Distrital, Provincial e Nacional)?

Rádio Televisão Jornais Internet /Redes

Sociais

Outros

Cheias

Secas

Ciclones

219

7.4 Tendo em conta o paulatino processo de descentralização das estratégias de gestão ambiental?

Quais mudanças existiram na passagem de um para outro?

7.5 Existe de fato reconhecimento da autonomia do distrito para lidar com as questões ambientais?

Quais é a principal função/ responsabilidades ambientais?

7.6 Movimentos Ambientais em Moçambique.

7.6.1 Existiram movimentos ambientais no período de 80 a 2015? Quais?

7.6.2 Eles participavam das discussões sobre a política ambiental Distrital, Provincial e

Nacional?

7.6.3 Havia interação de outros movimentos populares, partidos políticos, etc com os órgãos

Distrital, Provincial e Nacional? Como funcionava?

7.6.4 Qual foi a importância destes movimentos para as políticas ambientais Moçambicanas?

7.7 Considera eficaz o modo como à temática da gestão ambiental global foi incorporada a realidade

social Moçambicana? Por exemplo, na formulação do Plano estratégico a nível Distrital,

Provincial e Nacional?

8. Quais os atores sociais que participam deste processo de desenho das estratégias de gestão

ambiental em Moçambique/Machanga? (Procurar elencar instituições, partidos, entidades

ambientais e estatais).

9. Como analisa a implementação do Plano de gestão ambiental em Moçambique/Machanga?

Existem possibilidades reais de sucesso na implementação? Se sim, quais? Se não, por quê?

10. Poderia elencar detalhadamente os entraves e/ou as possibilidades de sucesso na implementação

da estratégia de gestão ambiental Distrital, Provincial e Nacional?

11. Em percentagem e comparando os diferentes governos, quanto do orçamento Distrital,

Provincial e Nacional é destinado para a área ambiental desde 1994 (ano de criação do MICOA)?

a) Essa quantia é suficiente para atender às necessidades de gestão ambiental?

b) Na distribuição do orçamento, quais são os critérios para o estabelecimento de prioridades dentre

os diferentes problemas ambientais existentes em Moçambique/Machanga?

220

12. Durante o período de 80 a 2015 existiu alguma preocupação, por parte do Governo, em realizar

um programa de conscientização da população sobre as questões ambientais visando a ampliação

da informação e educação ambiental? Se possível cite exemplos concretos.

13. Com o grau de vulnerabilidade ambiental apresentado por Moçambique, por que a problemática

ambiental segue sendo tema transversal?

14. Moçambique entre a luta contra a pobreza e a Problemática ambiental: em sua opinião como

superar a “pobreza” sem sobrecarregar o ambiente?

15. Qual o papel da população na gestão ambiental? Coo participam na construção e posteriormente,

como são afetados por essas estratégias de gestão ambiental?

16. Quais os novos desafios e limitações, impostos a gestão ambiental em Moçambique hoje?

Desejam acrescentar mais alguma coisa?

Muito Obrigado!

221

3. GUIÃO PARA REALIZAÇÃO DE GRUPOS FOCAIS

Porque os desastres (cheias, secas, ciclones) ocorrem?

Existe alguma relação entre a ocorrência de cheias, ciclone, seca e as condições em que se

vive em Machanga? (Causalidade)

Já teve que mudar temporariamente ou definitivamente de alguma região onde viveu?

Porque aqui acontece cheias/secas/ciclone? (Crença na causalidade)

Que perdas/que ganhos tiveram, ou ficou sabendo que outros tiveram nessas ocasiões? (Dor

e prazer como fatores e modeladores de opinião)

Antes da chegada das instituições que trabalham aqui na gestão de desastres Naturais, como

eram enfrentadas essas situações de modo a que aqui permanecessem vivendo?

Antes da Chegada das ONG´s e do INGC como se defendiam ou protegiam da seca, cheias

ou ciclones?

Quais as percepções que os diferentes atores têm sobre os desastres naturais em Machanga?

Quais as tipificações que os diferentes atores fazem sobre os desastres naturais em Machanga?

Quais as crenças que os diferentes atores têm sobre os desastres naturais em Machanga?

Numa situação de desastre Natural, o que considera mais importante (Bens Matérias, Salvar

a tua vida e a do outros, Salvar os animais, etc.)?

Qual a primeira atitude a ser tomada a quando duma situação de desastre Natural?

Morriam/desapareciam muitas pessoas?

E agora, tem mais pessoas afetadas por estes eventos climáticos do que antigamente?

A Quem recorres primeiro em caso de desastre Natural? A quem pedes ajuda?

Quem acha que deveria se responsabilizar em caso de desastre natural?

222

4. PLANO INICIAL DE ACTIVIDADES40

ACTIVIDADES 2014 2015

2016 2017

1 2 3 4 1 2 3 4 1 2 3 4 1 2 3 4

Disciplinas e atividades curriculares

Levantamento bibliográfico, elaboração e teste dos

instrumentos de recolha de dados;

Pesquisa de Campo: Recolha de dados junto as

organizações, ao governo; Análise dos dados

recolhidos; Apresentação e debate no grupo de

estudo e Qualificação;

Continuação de recolha de dados no campo e da

análise dos dados recolhidos;

Realização de seminários com grupos focais no

campo;

Sistematização dos resultados e retificações do

trabalho; Apresentação e debate no grupo de estudo;

Elaboração e apresentação do relatório preliminar de

pesquisa;

Preparação e redação final da tese; Apresentação e

debate no grupo de estudo;

Submissão do trabalho ao corpo científico da

faculdade e preparação para defesa da tese;

40

A numeração de 1 a 4 no cronograma de atividades indica que cada número corresponde a um trimestre do respetivo

ano.