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1 MUDANDO JAMIE By DAKOTA CHASE Tradução Anderson Vieira

Mudando Jamie

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Page 1: Mudando Jamie

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MUDANDO JAMIE

By DAKOTA CHASE

Tradução Anderson Vieira

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Capítulo Um

O mundo mudou no ano em que eu completei dezessete anos, mas ninguém notou isso,

exceto eu.

Eu admito que foi sutil. Tudo parecia o mesmo: o céu continuava azul, a grama verde e todo

esse blá-blá-blá.

Carteiros entregavam as correspondências, telefones tocavam e a TV de manhã ainda era uma

porcaria.

Meu nome ainda era Jamie Waters, eu ainda morava na casa da minha mãe, na Avenida

Midland, meus olhos ainda eram azuis e meu cabelo era de uma cor engraçada, que não se

decidia entre o loiro e o marrom. Eu era um exímio escritor de mensagens de texto, com os

dedos mais rápidos na cidade e eu não era um Guitar Hero eu era um Guitar God, detonando

sempre que eu poderia.

As coisas haviam mudado e, embora eu nunca tenha descoberto exatamente quais foram

essas mudanças, eu sabia que minha vida nunca mais seria a mesma de novo.

A manhã em que eu percebi que alguma coisa estava fora de ordem começou como qualquer

outra manhã – com o despertador dançando na minha cabeceira, fazendo aquela vibração

maluca que acontece quando agente deixa o volume no último. Eu sempre o deixava assim

para que eu nunca dormisse com ele tocando e tudo. Minha mãe costumava dizer que eu

dormia como os mortos – ela dizia isso mesmo quando eu ainda era bebe. Tipo de coisa

esquisita para dizer a um garotinho – isso costumava me dar pesadelos.

De qualquer maneira o alarme parou e eu levantei – eventualmente depois de apertar o botão

“soneca” umas duzentas vezes – tomei banho, me barbeei e coloquei uma torrada Pop Tart na

tostadeira. Minha primeira aula era as 8h20, o que me deixava exatamente vinte e três

minutos para correr por sete quadras até a escola. Isto era bastante tempo, mais do que o

normal.

Mas ainda assim eu sentia aquela sensação estranha de que alguma coisa não estava certa.

Não ERRADO, exatamente. Nem como quando agente percebe que esqueceu a carteira e faz

aquela coisa estranha de ficar batendo por toda a bunda e quadris na esperança de que a

carteira esteja lá, escondida em algum lugar. Você sabe como é. É aquela sensação em que

seu peito fica apertado e seu coração pulsando na garganta e agente diz coisas entre os dentes

que fariam nossas avós engolirem as agulhas de tricô, por que como, no inferno, que agente

vai pagar pelos dois cheeseburgers duplos que acabamos de comer, se não temos nossas

carteiras?

Não esse tipo de errado.

Apenas... não certo.

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Eu tampouco poderia apontar para nada em especifico, eu simplesmente não conseguia

descobrir o que estava errado. Eu me sentia ok. Eu não tinha febre, dor de garganta ou estava

espirrando e não havia crescido nenhuma parte extra no meu corpo durante a noite. A casa

parecia normal: nenhum serial killer havia invadido, nenhum maníaco havia escrito meu nome

com sangue na parede atrás do sofá.

Minha mãe estava na cozinha, já vestida para o trabalho, jogando cenouras, batatas e cubos

de bife na panela automática. Era terça feira, o que significava que a gente teria gororoba de

bife para o jantar. Eu nunca culpei a minha mãe por não ser a Ana Maria Braga. Ela era

garçonete no Curbside Diner... sempre foi, desde quando eu podia me lembrar. E eu sabia que

ela dava duro servindo hambúrgueres e o que mais se passasse por comida naquela espelunca

engordurada. Gororoba de bife era a única refeição que ela poderia fazer em um dia de

trabalho.

Mas eu a culpava pelo Doug. E ainda culpo.

Meu pai morreu quando eu tinha três anos – não me lembro muito dele, exceto que ele era

um homem grande e policial. Tenho duas fotografias dele emolduradas no meu guarda roupa,

ele está de uniforme nas duas – em uma ele esta me segurando nos braços e na outra ele está

montado em sua moto.

Ele morreu no inverno seguinte ao que minha mãe havia tirado aquela última foto. Ele

escorregou numa pista congelada e se enfiou debaixo das rodas de uma caminhonete. Fim da

história.

Doug era o segundo marido da minha mãe, ela o conheceu dois anos atrás, na lanchonete, e se

casou seis meses depois. Ele é construtor ou é o que diz. Pessoalmente eu nunca o vi

construindo nada mais complexo do que um sanduíche e Doug passava todo o tempo livre

reclamando sobre estar desempregado e assistindo reprises de programas de carros e

construção. Se tiver um martelo ou um motor no programa, ele vai assistir.

Desde o momento em que entrou em casa a televisão foi proclamada sua propriedade pessoal.

Eu me surpreendi que ele não houvesse mijado nela para demarcar território.

- Darlene - Doug gritou da sua cadeira, na sala de estar. Ele estava usando seu uniforme: uma

regata branca, samba-canção azul e meias pretas - Quem ferrou com o gravador de DVD? Eu

não gravei esta porcaria! Esse viadinho mexeu nas minhas coisas de novo!

“Esse viadinho” seria eu.

Sim, eu sou gay, mas eu não sou assumido – não para minha mãe, Doug ou qualquer outra

pessoa, exceto para o meu melhor amigo, Billy. E eu, definitivamente, não queria ter esta

conversa com a minha mãe enquanto Doug estava falando sobre viados e o último episódio de

Dançando com as Estrelas que eu tinha gravado.

Eu acho que ele me chama de “viadinho” não por causa da minha sexualidade, mas porque ele

me odiava e na sua mente pequena e atrasada esse é o pior insulto que alguém poderia dizer

para mim.

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Doug ficaria realmente irritado se soubesse que eu era gay. Eu quase contei, só para ver

aquela veia no meio da testa dele explodir.

Mas o fato é que eu poderia ser um jogador de futebol, passar todo o meu tempo com os

cotovelos numa janela de carro e encher meu quarto com pôsteres de mulheres da Sport

Illustraded Edição Biquínis e mesmo assim Doug ainda acharia que eu sou da escória, só

porque não sou seu filho biológico. Eu percebi, depois disso tudo, que nada que eu fizesse ou

falasse seria bom o bastante para ele.

Billy dizia que isso era problema do Doug e não meu e ele provavelmente estava certo. Ele

conhece todos os problemas com os pais, principalmente os dos pais com filhos gays. Os pais

dele, por exemplo, haviam tentado enfiar ele em internatos desde que ele se assumira, há três

anos.

Billy se chateou com isso? Não. Ele voltou pra casa com o papel da expulsão da escola e

esfregou nos narizes deles.

Às vezes Billy era meu Herói.

- Não esqueça seu lanche, Jamie. Eu estou trabalhando dobrado hoje, então eu não volto até a

meia-noite. A comida vai estar pronta as cinco - disse minha mãe ignorando Doug.

Minha mãe tem o dom de simplesmente desligar o Doug da mesma maneira que algumas

pessoas têm o dom de desligar a música do elevador ou o barulho do trânsito. Infelizmente

isso também significava que ela nunca dizia nada quando ele me chamava de tudo quanto é

nome. Vai ver ela apenas não queria se meter entre a gente. Na verdade acho que ela não

queria que o temperamento dele se voltasse contra ela.

Este é o motivo pelo que eu a culpo, por deixá-lo fazer parte das nossas vidas. Ela se casou

com ele, não eu, mas era eu que tinha que agüentar todas as porcarias dele.

- Mãe, eu tenho que correr depois da escola. Eu não vou estar em casa antes das seis, talvez

das sete - eu disse só para lembrá-la de que eu tinha uma vida só minha.

Na verdade eu não tinha, mas ela não precisava saber disso. Correr era uma das coisas que eu

fiz para tentar agradar ao Doug. Não funcionou, mas, surpreendentemente, eu descobri que

era bom em correr e acabei gostando. Além do mais, Dylan Anderson estava no time de

corrida e eu tinha uma queda por ele desde a oitava série.

A torradeira jogou minha torrada e eu a agarrei, jogando-a de mão em mão até que ela

estivesse fria o suficiente para enfiá-la na minha boca.

Eu peguei meu saco de papel da geladeira, aquele que eu sabia, sem olhar, que tinha o

sanduíche de resto de carne e enfiei na minha bolsa. Tomei alguns goles de leite, da caixinha

mesmo, antes de fechar a porta. Depois de levar o beijo obrigatório da minha mãe, eu saí.

Lá fora tudo parecia como deveria ser: minha bicicleta ainda estava encostada do lado de fora

da casa, no jardim, da mesma maneira que eu havia deixado na noite anterior; haviam alguns

carros na rua e pessoas indo para o trabalho.

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Não importava o quão normal as coisas parecessem, alguma coisa ainda não parecia certo.

Eu me lembro de “arrancar” esse sentimento, dizendo para mim mesmo que eu não vivia em

um filme de terror em que havia plantas de homens maus no porão ou zumbis escondendo-se

nas sombras, esperando para comer meu cérebro. Não haviam aliens ou hamster gigantes e

raivosos saindo do esgoto: só haviam coisas comuns e pessoas esquecíveis, vivendo vidas

comuns e esquecíveis.

Nada estava errado. Nada estava diferente.

Eu me lembro de pensar que, talvez, se eu repetisse isso vezes o suficiente, o “nada estava

errado” se tornaria realidade.

****

Benjamin Jackson Good High School, nomeada após a morte de um dos ilustres fundadores da

cidade e carinhosamente chamada de BJ Good pelas gerações de alunos, era um prédio

achatado, com dois andares e tijolos vermelhos. Esparramava-se por alguns acres em uma

colina no centro da cidade. As colinas eram íngremes, o que fazia delas ótimas para

snowboarding no inverno, mas eram uma porcaria quando as chuvas de primavera as

transformavam em lama.

Estacionar na BJ Good era coisa de gente que podia; as vagas eram pequenas e as únicas

pessoas autorizadas a dirigir seus próprios carros eram os funcionários e os alunos do último

ano. Mesmo assim o estacionamento para os alunos custava cem pratas por ano, então a

maioria dos veteranos optava por andar de ônibus. Umas centenas de dólares poderiam fazer

diferença quando os únicos empregos disponíveis na cidade pagavam menos do que o salário

mínimo. Eis o motivo de eu ir de bike até a escola. Mesmo que eu houvesse um carro, que eu

não tinha, eu nunca me renderia e daria meu dinheiro suado pelo privilégio de estacionar no

precioso asfalto da escola. Isso não ia acontecer nesta vida...eu tinha outros milhões de usos

para as minhas poucas economias.

Eu estava no meu caminho até as portas da frente da escola quando escutei meu nome.

- Hey, Jamie. Espera!

Me virei e vi uma cabeça com cabelos vermelhos se destacando no mar de alunos atrás de

mim. Encostei na parede para esperar Billy me alcançar.

William Prichard-Everest III, nascido na grana, expulso de três das melhores escolas

particulares no leste do Estados Unidos, tinha se tornado meu melhor amigo desde que havia

sido transferido para a BJ Good no ano passado. Billy era uma figuraça, abertamente gay, seus

cabelos não eram as únicas coisas flamejantes. Billy era tão assumido quanto alguém poderia

ser. Ele tinha muito orgulho em usar sua sexualidade para irritar os pais conservadores e suas

expulsões haviam sido por “inabilidade de se comportar” e por “comportamento escandaloso

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e inapropriado para um estudante”. Ele me mostrou as cartas emolduradas que as escolas

mandaram para os pais deles.

Hoje Billy estava vestido quase conservadoramente, numa camisa com as cores do arco-íris e

uma calça cargo. Ele estava com um sorriso enorme, o que significava que de duas uma: ou ele

tinha conseguido causar um aneurisma nos pais dele ou ele tinha conseguido o encontro com

o cara gostoso que trabalhava no departamento de pintura da Home Depot.

Minhas apostas eram no encontro, ele não parecia feliz o suficiente para ter causado

aneurismas.

- Adivinha quem tem um encontro com Robbie, o garanhão, amanhã à noite? - perguntou Billy

pulando em seus All Stars vermelho brilhantes.

- Robbie, o garanhão, sabe que você só tem cara de ser mais velho, certo? - eu perguntei

tentando acabar um pouco com ele. Eu estava com um pouco de ciúmes porque ele estava em

outro encontro enquanto eu ainda trabalhava para conseguir sair com alguém – qualquer um-

pela primeira vez.

- Pelo amor de Deus, Jamie, ele não pediu minha identidade quando me convidou para ir ao

cinema - Respondeu Billy revirando os olhos.

- Você só tem dezessete anos - eu o lembrei como se fosse fazer diferença.

Eu sei que eu parecia da irmandade dos pais, mas eu não pude me controlar, algo me dizia que

Robbie, o garanhão, embora lindo de se ver e sem dúvidas delicioso de segurar, ia ser um

problema com P maiúsculo. Billy era meu melhor amigo, se ele se envolvesse em encrencas de

novo, desta vez seus pais o despachariam para uma escola particular na Sibéria.

Além do mais, admito: eu estava com ciúmes. Robbie, o garanhão era um metro e oitenta de

recheio sexy dentro de uma calça Levi’s apertada.

- Dezessete e meio; eu só preciso de mais seis meses antes de eu ser livre como o Free Willy e

me divertir quando e como eu quiser.

- Você já tem diversão o suficiente para se classificar como um bom parque de diversões - eu

repliquei - Quantos anos ele tem mesmo? Parece que ele esta beirando os trinta.

- Quem liga? Ele é lindo!

- Ele é velho.

O primeiro sinal tocou antes que eu pudesse dizer qualquer outra coisa e nós corremos para

nossas salas. Billy e eu tínhamos o mesmo horário de intervalo e eu marquei mentalmente que

eu tinha que continuar a conversa no refeitório. Talvez esse encontro com Robbie, o garanhão

fosse o motivo dessa sensação estranha que eu tinha sentido o dia todo.

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Capítulo Dois

Dylan estava no chuveiro da escola, as nuvens de vapor se espalhando pelo ambiente,

embaçando o espelho do banheiro. Dava para sentir o cheiro forte de seu sabonete e o calor

da água no ar. Escutei o barulho de uma toalha úmida e a voz dele cantarolando uma música

qualquer que estava na sua cabeça.

Dylan Anderson era a coisa mais gostosa desse mundo, na minha humilde opinião. Beirando

um metro e oitenta e pouco, Dylan tinha impossíveis ombros largos, cintura estreita, pernas

que não terminavam nunca e a melhor bunda da cidade. O cabelo dele era espesso, negro e

levemente ondulado, seus olhos eram azuis-esverdeado. Ele era o atleta que iniciava as

corridas pelo time da escola, tinha um Mustang 92 azul e quando fazia aparições nos meus

sonhos, era, normalmente, nu.

Eu me aproximei dos boxes e tirei minha camiseta e meu jeans enquanto me encaminhava até

lá. Dylan me escutou e se virou, tirando a água dos olhos. Ele não estava surpreso em me ver –

ele estava esperando que eu estivesse lá, mas quando abriu a boca para me convidar a entrar

no chuveiro, a voz que saiu não era sua voz grave de sempre.

- Sr. Waters, talvez você queira explicar para a classe a teoria da Navalha de Occam? Sr.

Waters?

Minha cabeça balançou, olhos fixos em algum ponto a minha frente, enquanto a voz irritante

da Srª Sero atravessava meu sonho maravilhoso, estraçalhando-o dolorosamente, como um

estilete velho e enferrujado cortando papel. Ela parou na frente da sala de aula, com as mãos

na cintura, parecendo um gnomo de jardim velho e enrugado. A Srª Sero não era nem um

centímetro mais alta do que um metro e meio, tinha possivelmente setenta quilos e era,

provavelmente, a coisa mais velha que vivia no universo, mas ainda assim conseguia cuidar de

estudantes duas vezes mais altos (e com um quarto de sua idade) com apenas um olhar

maligno.

Eu incluso.

Uns poucos estudantes olharam de esguelha para mim, mas a maioria estava olhando para o

nada, rodopiando os lápis nos dedos ou batendo as canetas nos notebooks. Vamos ser

sinceros: a maioria não estava preocupada com a teoria da Navalha de Occam. Nós ligávamos

para os Quem. Como em quem estava namorando quem. Quem estava disponível, quem não

estava, quem poderia estar terminando com quem num futuro próximo, quem este quem

poderia estar interessado. Nós ligávamos para quem largava primeiro na equipe de corrida,

quem estava se candidatando para uma determinada faculdade, quem acabara de ganhar o

mais novo CD/DVD/VIDEO GAME/ETC. Os mais civilizados entre nós se importavam com o

meio ambiente, quem estava concorrendo para algum cargo político, quem estava salvando

baleias e matando bebês focas com tacos grandes.

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Com todas essas distrações importantes a Navalha de Occam não tinha nenhuma chance.

- É, Navalha de Occam...é...hum... é um... - Brilhante resposta, dê a esse garoto uma estrela

dourada.

A Srª Sero suspirou, enrugando o nariz para mim como se eu fosse uma grande tigela de cera

de ouvido e caca de nariz e felizmente virou sua atenção para Mary Jo Parker, a nerd residente

da nossa sala. Eu me lembro vagamente de escutar a resposta de Mary Jo, alguma coisa sobre

Occam dizendo que a resposta mais simples era, normalmente, mais completa.

Não que eu quisesse só ir para escola e gastar meu tempo à toa, eu queria ter notas decentes

e ir para a faculdade, eu queria ter um carro, um emprego e sair desta cidade do caramba. Eu

queria uma vida. Mas eu não conseguia me controlar, minhas células cerebrais estavam

ocupadas em criar fantasias, então me sobrava pouco espaço para pensar com a razão.

O sinal tocou e eu pulei da cadeira enfiando meus livros, lápis e o que mais estivesse na mesa

para dentro da mochila e saí pela porta. Minha próxima aula era a que eu mais esperava todo

santo dia, aquela que eu arrastava minha bunda para a escola, com sol ou com chuva, a razão

pelas ótimas notas naquele semestre. Era a aula para a qual eu nunca estava atrasado, nunca

perdia e realmente fazia meu trabalho de casa: Inglês 4.

Não que eu estivesse particularmente interessado em escrever um artigo digno de um Pulitzer.

A razão por qual eu amava Inglês 4? Era a única aula que eu dividia com Dylan.

Ele se sentava diretamente na minha frente; por quarenta minutos por dia eu olhava aqueles

ombros largos e o trecho de pele bronzeada entre seus cabelos negros e a gola da sua

camiseta apertada. Eu podia assistir o dia todo a maneira como seus músculos se moviam por

baixo do tecido fino, enquanto ele virava uma página de um livro ou jogava uma bolinha de

papel com cuspe em seus amigos. Eu estava tão perto dele que podia sentir seu perfume,

quando ele usava algum.

Por quarenta minutos, todo dia, eu estava no paraíso.

Era importante que eu não parecesse um total idiota na frente de Dylan quando o Sr. Grayle

me chamasse, então eu fazia um esforço e achava um tempo para fazer meu dever de casa.

Não que eu sempre respondesse tudo corretamente – eu queria que Dylan me achasse

inteligente e não um perdedor inteligente. Eu não queria que ele achasse que eu não tinha

uma vida e que eu passava todas as minhas horas livres com o nariz nos livros. Para que ele

não achasse isso eu tinha uma tática: segunda, quarta e sexta-feira eu respondia com o melhor

das minhas habilidades; nas terças e quintas-feiras eu “emburrecia” um pouco.

Era a fórmula que parecia funcionar para mim. Como resultado Inglês 4 era a única matéria em

que eu tirava A. Vai entender.

Naquele momento eu estava olhando para a linha do cabelo de Dylan, seu cabelo acabara de

chegar ao ponto de "precisa dar uma cortada" e estava começando a encaracolar. Eu fiquei

imaginando qual shampoo ele usava – seu cabelo parecia realmente macio.

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De repente um barulho me assustou, me fazendo olhar para cima. Grayle tinha batido com o

livro no tampo da mesa. Aquela deveria ser a melhor maneira, entre todas, na lista de “Coisas

Para Fazer os Alunos se Cagarem de Susto”. Todo professor que tive já tinha usado esta técnica

pelo menos uma vez, nenhum deles fazia isso regularmente porque perderia o efeito. Todos na

sala viraram a cabeça como quando um antílope escuta o rugido de um leão.

- Exames Finais. SATs, Pessoal! – Gritou Grayle da frente da sala - Essa vai ser a última chance

de vocês entrarem em uma boa faculdade e se tornarem membros produtivos da sociedade.

Estraguem tudo e vocês podem esquecer sobre ter um Porsche ou uma casa que não esteja

sobre rodas.

Eu quase poderia jurar que ouvi Grayle usar o Caps Lock quando falava as palavras “Última

Chance”. Ele continuou listando as maravilhosas carreiras que teríamos caso não atingíssemos

no mínimo 1550 nos SATs, incluindo incêndio culposo e roubo à lojas de conveniência,

enquanto passeava por nós distribuindo os testes, já com nota, na nossa carteira.

Eu escutei Dylan xingar baixinho quando pegou seu teste, Inglês não era sua melhor matéria.

Eu vi a nota dele marcada em vermelho, no topo de seu teste, quando Grayle jogou-o em sua

mesa. Ele conseguiu 72 de 100, o que significava um grande “D”.

Eu era da equipe de corrida e sabia que Dylan precisava de no mínimo um “C” como média

para continuar como starter nas corridas. E eu sabia que a nota dele ira colocá-lo em sérios

problemas em relação à bolsa que os atletas conseguiam para a faculdade; então some isso ao

discurso dramático de Grayle sobre os SATs e o linguajar lindo dele não foi surpresa.

Existem momentos em que quase nada pode impedir a bomba de cair. Para Dylan esse deveria

ser um deles.

Grayle terminou de distribuir os testes e voltou para sua mesa, na frente da sala; ele esperou

até que tivesse nossa atenção de novo, ou pelo menos a maior parte dela.

- Sabendo que os SATs estão chegando, eu formei duplas de estudo, e essas atividades

acontecerão fora das aulas. Aproveitem isso pessoal – disse ele dando uma pausa dramática -

Eu coloquei na lousa uma lista onde estão, lado-a-lado, os tutores e estudantes. Na saída da

sala procurem seus nomes. A participação NÃO é voluntaria. Serão dados pacotes de estudos e

haverá uma prova no final de cada semana.

A classe gemeu em uníssono; era um daqueles momentos não frequentes no ensino médio

onde todas as barreiras caiam e as diferenças deixavam de existir, quando todo mundo,

homem, mulher, mauricinhos, patricinhas, nerds, rainhas de beleza, atletas, góticos, gays,

héteros, qualquer que seja a classificação, se tornavam familiares, unidos por má vontade e

eram obrigados a fazer algo que, de outra maneira, eles só fariam com uma arma apontada em

suas cabeças.

Depois passava e tudo voltava ao normal.

Grayle nunca me colocaria junto com Dylan, seria demais esperar por isso – eu disse pra mim

mesmo. Eu simplesmente não tinha essa sorte toda e eu provavelmente pegaria a Molly

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Fredericks, que não tinha uma relação boa com desodorantes e achava que todo mundo,

desde o zelador da escola até o presidente, estava envolvido em uma conspiração ou outra.

Ou eu pegaria Frank Hughes, que eu suspeitava torturar animaizinhos no conforto de seu

porão, e que eu não duvidaria que aparecesse em algum programa policial.

Quando o sinal tocou eu me demorei o quanto foi possível para guardar minhas coisas na

mochila; eu queria que todo mundo – especialmente Dylan – tivesse ido embora antes que eu

olhasse a lista.

Respirei fundo; eu estava me sentindo como se estivesse indo para o Corredor da Morte, e fui

adiante, olhei para cima e vi o papel colado no quadro de avisos. Corri meus dedos pela lista de

nomes até encontrar o meu, lá no fim, presos ente os nomes Vincelli e Young. Waters, James,

estava embaixo da coluna de tutores.

O nome do lado do meu era Dylan Anderson.

Capítulo três.

Billy estava me esperando na cafeteria, na nossa mesa de sempre, uma espremida entre o

banheiro e o lixo. Ninguém mais sentava lá – provavelmente pelo cheiro estranho de atum e

urina que saía dali. Mas estava bom para mim e para Billy; nós poderíamos falar sem nos

preocuparmos que alguém pudesse ouvir nossas conversas e se considerássemos que as

conversas geralmente incluíam referências a garotos bonitos com partes de corpos bonitas,

era melhor mesmo que agente sentasse lá. Eu não era assumido para ninguém e não tinha

intenção nenhuma em sair do armário tão cedo.

Eu estava me sentindo como nas raras ocasiões em que eu ficava doente e ardendo de febre:

um pouco idiota, um pouco agitado e muito desequilibrado. Eu sentei na frente de Billy,

sorrindo como o Gato Risonho da Alice No País das Maravilhas.

- O que aconteceu com você? – perguntou ele lutando para abrir a caixa de leite.

- Adivinha quem é tutor em Inglês e adivinha quem foi escolhido para que eu ensinasse?

Os olhos de Billy se arregalaram para mim.

- Não... sério? Dylan Anderson? Você vai ensinar Dylan? Amiga! Você e ele?

Eu caí das nuvens em que estava viajando com a velocidade de um tijolo jogado do quinto

andar. Primeiro: eu odiava quando Billy me chama de “amiga”, principalmente em público,

mesmo sabendo que ninguém estava ouvindo. Segundo: porque escutar outro ser humano

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dizer “você e ele" significando “eu e o Dylan”, me fez perceber a realidade. Esta não era uma

fantasia da minha mente. Era a realidade, ia acontecer mesmo.

Eu e o Dylan, juntos, sozinhos.

Oh, droga.

- Eu não vou conseguir. Eu não vou. Eu vou ter que falar com ele, pelo amor de Deus, o que eu

deveria falar pra ele? - Eu perguntei sentindo o sangue descer da minha cabeça para o pés.

- Você já falou com ele antes. Qual o problema então?

- Você está zoando? É, eu já falei com ele, eu disse "boa corrida, Dylan” e “você foi roubado

Dylan”, dependendo se ele houvesse ganho ou perdido uma corrida. Eu também já disse

“Obrigado” quando ele passou um papel para trás na sala. Esse, Billy, é todo nosso histórico de

comunicação verbal.

- Você esta entrando em pânico por pouca coisa, Jamie. Fale com ele do mesmo jeito que você

fala comigo.

- Ele é hétero, lembra? Eu duvido que ele vá querer discutir quem tem a bunda mais gostosa:

Zac Efron ou Shia LaBeouf.

- Nós falamos sobre outras coisas também - Billy disse revirando os olhos - Que tal falar sobre

filmes ou vídeo games? Do que os héteros gostam de falar?

- De garotas.

Billy fez uma careta.

- Bom isso está fora de cogitação. Eca.

- Você não está ajudando.

Billy tomou o último gole de seu leite, jogou a embalagem fora e colocou as mãos em meu

ombro. Ele tinha um bigode de leite nos seus lábios superiores, o que não ajudou muito a

levar-lo a sério.

- Você está exagerando sobre essa coisa toda, Jamie. Isto não é uma grande coisa, nem é um

encontro. Você só vai ensinar ele, pelo amor de Deus. Você vai falar sobre coisas da escola;

Dylan é hétero e mesmo que ele fosse gay, ele seria muita areia pra você.

Meu queixo caiu, mas Billy continuou antes que eu pudesse falar qualquer coisa.

- Ele não vai querer ter conversas casuais com você, ele não vai se importar com o que você

está vestindo ou mesmo se você escovou a porra dos seus dentes. Ele só vai ligar em terminar

de estudar em tempo para foder a namorada antes que tenha que voltar pra casa. Vai ser

moleza.

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- Nossa! Boa maneira de me acordar. Valeu amigão - eu disse sarcasticamente, arrancando

suas mãos dos meus ombros. Algumas vezes eu realmente odiava Billy – especialmente

quando ele estava certo. Uma coisa que ele me disse me incomodou mais.

- Areia demais para mim? O que isso significa?

- Sem ofensas, Jamie, mas vamos combinar: Dylan é gostoso, quente. Você, no máximo, é

morno. Nada pessoal, eu só digo o que vejo. Agora vamos falar de coisas mais importantes.,

podemos? O que eu deveria usar no encontro com Robbie? O Jeans da Abercrombie ou o

Jeans da Diesel? Eu estava pensando em...

- Primeiro: eu não dou a mínima para o que você vai usar. Use a Abercrombie, use a Diesel, vá

pelado se você quiser porque você vai terminar da mesma maneira de sempre: vocês vão sair,

você vai chupá-lo e nunca mais vão se ver.

A boca de Billy caiu e, pelo menos uma vez, nada saiu.

Eu tinha sido duro com ele, mas eu não pude me controlar. Aqui estava eu, presenteado com a

oportunidade da minha vida: ficar um tempo sozinho com o cara que eu tinha uma queda há

três anos e tudo sobre o que Billy poderia pensar era sobre ele e sobre seu encontro com

Robbie, o garanhão. Além do mais, ele me insultou primeiro.

Não era segredo que Billy tinha experiência – muita experiência, ele tinha encontros com uma

regularidade impressionante, mas ele mal ficava com o mesmo cara mais do que duas vezes.

Eu duvidava que ele conseguisse se lembrar do nome de todos os caras com que tinha saído

nos últimos seis meses.

Eu sabia tudo o que se poderia saber sobre Dylan: eu podia dizer qual a cor dos olhos, peso,

altura, endereço, profissão dos pais e que tipo de flores eles tinham no jardim da frente. Eu

sabia que ele era destro e que tinha uma verruginha atrás da orelha esquerda, eu podia dizer

em qual posição ele estava no time de corrida e que preferia seus sanduíches cortados na

diagonal.

Billy nem sabia qual era o sobrenome de Robbie.

Além do mais, que merda era aquela de o Dylan ser muita areia? Eu sabia que eu não era

bonito, não como Dylan... eu era menor, mais magro e meu cabelo nunca fazia o que eu queria

que ele fizesse, mas para que Billy precisava esfregar isso na minha cara? Ele deveria ser meu

amigo.

- E terceiro, eu estou cansado de que tudo sempre tenha que ser sobre você. Às vezes você é

um idiota Billy!

- O que eu fiz? - perguntou Billy levantando as mãos. Ele realmente parecia confuso, como se

não houvesse feito nada de errado - Jamie, Jamie!

Eu saí dali igual um furacão; eu estava irritado, o sangue pulsando nas minhas orelhas,

sufocando qualquer outra coisa que Billy pudesse ter dito.

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****

O sanduíche de carne tinha gosto de papelão enquanto eu mastigava e engolia

mecanicamente. Eu sentei sozinho no banco dos fundos da pista de corrida, me perguntando

se comer seria mesmo uma boa idéia. Meu estômago estava dando nós, a bílis queimando

minha garganta, enfiei a outra metade do sanduíche no saco de papel e deixei de lado.

Eu não conseguia entender Billy. Nós deveríamos ser amigos, mas aquela não era a primeira

vez que ele falou comigo daquela maneira, me fez sentir desimportante ou não atraente. E

certamente não era a primeira vez que ele queria que a conversa fosse só sobre ele. Isso

acontecia toda vez que nós estávamos juntos.

Billy era difícil de lidar, isso foi um fato que eu descobri pouco tempo depois que agente se

conheceu, mas ele também me fazia rir e entendia como era ser gay numa escola cheia de

héteros.

De vez em quando eu me sentia uma peça errada de um quebra-cabeças, eu não me encaixava

em nenhum lugar. Eu não poderia ser eu mesmo em casa e eu não podia ser eu mesmo na

escola. Eu sempre tinha que vigiar tudo o que dizia, a maneira como andava, como eu me

vestia...era irritante.

Com Billy eu não tinha que fingir ser alguém que não era – eu podia simplesmente ser eu. Essa

liberdade fazia valer toda a conversa sobre uma pessoa só.

Eu me assumi para ele dois meses depois que agente se conheceu; não foi nada planejado ou

ensaiado – apenas aconteceu, uma coisa de momento. Era uma tarde chuvosa e nós

estávamos no quarto jogando – o que mais – Guitar Hero. Bom, eu jogava. Billy estava de pé

na cama e dançava.

Eu olhei sobre os meus ombros depois que a música acabara e vi que ele ainda dançava,

mesmo sem som nenhum. Isso era típico do Billy – ele dançava com a música que estava na

sua cabeça quando ele quisesse e não ligava a mínima para quem estava vendo.

De repente eu queria, com todo meu coração, ser igual ao Billy. Não ligar para o que achavam

de mim, ser livre para fazer o que eu quisesse, me comportar da maneira como eu quisesse,

me vestir da maneira que eu quisesse. Gostar de quem eu quisesse.

Eu queria ser eu mesmo e não alguma outra pessoa que todo mundo no planeta achasse que

eu deveria ser.

- Hey, Billy.

- Sim?

Page 14: Mudando Jamie

13

- Eu acho que não gosto de garotas.

- Eu imaginava.

- Sério? Como?

- Bom vamos ver... Mindy Flager quase se ajoelhou e pediu pra fazer bebês contigo na semana

passada e você nem piscou?

- Ela queria? - eu não me lembrava de vê-la fazendo algo do tipo. Mindy sempre tinha sido

sorridente e legal pra mim. Ela me trazia uns brownies que ela fazia e sempre aparecia na pista

de corrida quando eu treinava.

Agora eu entendia que ela tinha uma queda por mim. Eu era meio ignorante quando se tratava

de comportamento padrão de meninas. Eu tinha doze anos quando descobri que eu achava

meninos muito mais interessantes do que meninas e eu não tinha dado muito atenção a elas

depois disso.

- É eu sei, você estava ocupado demais secando a bunda do Dylan Anderson.

- Ah sim, ele tem uma bunda ótima.

Eu me virei para o vídeo game, avancei para a próxima música e foi isso.

Billy apenas aceitou. Ele respondeu muitas das minhas perguntas também, perguntas que eu

nunca faria para ninguém mais, especialmente sobre sexo. Billy era um manual virtual, um guia

“homens - passo-a-passo para transar”. Infelizmente eu nunca tive uma chance de colocar as

dicas dele em ação, porque nós nunca nos conectamos desta maneira; éramos amigos no

sentido mais platônico e puro da palavra.

De alguma maneira, olhando para trás e vendo nosso relacionamento, eu percebo que eu era

o Robbin e ele o Batman. Billy tinha os encontros, as histórias, as informações e as camisinhas

no seu Bat-cinto. Tudo o que eu tinha era Billy.

Talvez fosse hora de deixar de ser coadjuvante.

- Hey Jamie.

Eu olhei para cima, para o som da voz – da voz familiar – que me chamava. Dylan estava a

passos de mim, tão maravilhoso quanto sempre, mas extremamente desconfortável.

- É...oi - Isso mesmo Jamie, eu pensei. Deslumbre ele com a sua maravilhosa habilidade para

conversas.

- Então... eu acho que nós fomos escolhidos para aquela coisa estúpida de ensino em Inglês,

né?

- É. Eu também acho - Puta merda! Dylan estava falando comigo de verdade. Frases completas,

não só grunhidos. Oh Deus, por favor não me deixe fazer nada idiota como arrotar, peidar ou

vomitar nos seus Nike.

Page 15: Mudando Jamie

14

Ele concordou com a cabeça, olhos fixos em qualquer lugar, menos em mim. Ele parecia tão

desconfortável quanto eu.

- Então, você tem tempo esta tarde? Para estudar? Ensinar? Ou sei lá o que deveríamos fazer?

- Estudar. Sim. É... depois do treino?

- Legal.

Dylan se virou e voltou para onde seus amigos estavam. Sem tchau, sem aceno, mas estava

tudo bem. Ele falou comigo, como em uma conversa em que os dois falam e eu não congelei,

caí, ou tive uma vergonhosa perda de funções do corpo. Eu fui até o fim.

Ok. Eu não tinha dito mais do que três palavras por vez, mas era um começo certo? De repente

meu apetite voltou com força e eu cavouquei o saco de papel na procura do resto do meu

sanduíche, devorando-o em duas mordidas. Eu precisava ter forças, ia ser uma longa tarde.

Capítulo Quatro.

Billy me alcançou entre minha última aula e o treino, agarrando meu braço e me puxando para

dentro do banheiro mais próximo, ninguém estava lá, o que estava ótimo para mim, já que eu

sabia que Billy não ia filtrar nada do que dissesse.

- Desculpa, Jamie.

Certo, não era o que eu esperava, não de Billy. Eu achei que ele fosse me culpar ou discutir,

dizendo que eu estava sendo sensível demais e que tinha que criar uma pele mais grossa se

quisesse sobreviver. Uma desculpa não era algo que estava esperando. Eu estava surpreso e

impressionado, mas eu não ia deixar Billy sair daquela tão fácil.

- Você foi um idiota completo, Billy. Machucou, cara.

- Eu sei. Eu só...olha tem um monte de coisa na minha cabeça ultimamente, Jamie, coisas

sérias que eu não tenho conversado contigo. Olha, só me diz que tudo vai ficar bem entre

agente.

Eu pisquei. Este não era meu Billy, meu Billy não tinha sequer um pensamento sério na cabeça.

Meu Billy era preocupado demais com roupas, caras gostoso e o último Quem esta com Quem

de Hollywood para pensar em algo com verdadeira importância. Além do mais, meu Billy não

guardaria um segredo nem para salvar sua vida. Ele sempre tinha me dito tudo, pelo menos eu

sempre pensei que houvesse.

- “Robbie, o garanhão. Você nem sabe o sobrenome dele” - ele me parafraseou - Eu sei muito

mais do que você pensa. Por favor, Jamie, só diz que esta tudo ok, certo?

Page 16: Mudando Jamie

15

Jesus! Ele estava implorando, como eu poderia dizer não?

- Ok. Ok- Eu disse, cedendo como sempre - Estamos bem.

- Ótimo. Eu tenho que ir. Me liga depois, ok?

- Sim, claro Billy - E então ele se foi, num borrão de uma camiseta com as cores do arco Iris e

All Stars vermelhos. A porta se fechou atrás dele, deixando-me sozinho no banheiro, com

muitas perguntas e nenhuma resposta.

O sentimento que eu tinha de manhã estava de volta, mais forte do que nunca. E o que quer

que fosse, tinha a ver com Billy.

****

O treino de corrida ocorreu normalmente: nos aquecemos, alongamos e demos algumas

voltas. Nós tínhamos uma competição na próxima semana contra a South Wetifield High.

Eu localizei Dylan do outro lado do campo, treinando com os outros membros do time que

pulavam obstáculos – eu não tinha perna pra isso. Você precisa de pernas longas para pular,

pernas como as de Dylan. As minhas poderiam ser rápidas, mas não eram excepcionalmente

longas. Eu também não era bom em revezamento, eu era bom em corridas de velocidade, 100,

200 e 400 metros.

Dylan fazia tudo – velocidade, revezamento, obstáculos, arremesso de vara, arremesso de

peso, arremesso de disco, arremesso de martelo e todos os saltos. Embora ele fosse bom em

todas as modalidades ele era melhor em corridas com salto de obstáculos. Se havia alguém

que merecesse uma bolsa, esse alguém era Dylan.

Eu fiz um ótimo tempo durante o treino. Talvez eu estivesse me esforçando mais do que o

normal porque Dylan poderia estar me vendo, sabendo que nós teríamos um encontro depois

do treino. Eu sei, eu sei... não era um encontro, mas um cara pode sonhar, certo? Se fantasiar

me ajudava a mexer o traseiro pela pista, então qual o problema?

O treinador apitou e o time foi para o chuveiro. Esse era um momento onde uma nova

preocupação me atingia, um que eu não tinha considerado antes.

Eu não costumava tomar banho com os outros caras; o chuveiro do vestiário não tinha

divisores – eles não tinham nem mesmo cortinas. Ficar pelado entre um monte de cara forte

era difícil e desconfortável demais para mim. Eu normalmente pegava minhas coisas e ia para

casa tomar banho na privacidade do meu banheiro, onde não importava se eu ficasse excitado.

Se forçado, por exemplo, depois de uma competição em outra cidade, eu esperava todo

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mundo sair, me enfiava embaixo do chuveiro, me ensaboava e dava o fora de lá. Vamos

encarar – eu sempre fantasiava com Dylan no banho. Na verdade, ver ele lá, nu, molhado e

ensaboado iria resultar num problema que eu não poderia esconder.

Eu tinha ótimas desculpas: “Não posso tomar banho – pé de atleta, Não posso tomar banho –

dentista. Não posso tomar banho – to atrasado para o médico/encontro/enterro da

vó/casamento do primo”. Honestamente quando se tratava de desculpas, eu tinha material

suficiente para escrever um livro sobre o assunto.

Desta vez eu não tinha escolha, eu tinha que encontrar Dylan logo depois do treino e eu não

poderia aparecer fedendo como a jaula de um macaco no zoológico. Eu também não queria

que ele esperasse muito por mim – ele poderia querer uma explicação ou desistir e ir embora.

Assim arrastei meus pés, esperando até que a maioria dos caras houvesse terminado de tomar

banho. Eu me despi de vagar no vestiário, num canto atrás de um corredor de armários onde

ninguém pudesse me ver e, principalmente, onde eu não pudesse vê-los.

Com a tolha presa frouxamente na cintura (para que ninguém visse se algo subisse), eu peguei

meu sabonete e shampoo, mantive meus olhos colados no chão e fui para o chuveiro.

Estava vazio, exceto por um único cara tomando banho embaixo do último chuveiro no fundo

do banheiro.

Claro que esse garoto tinha que ser Dylan.

Eu não olhei. Eu juro. Só uma olhadela rápida para ter certeza de que era ele, mas acredite,

isso foi mais do que suficiente. Eu apertei meus olhos, abri o chuveiro e entrei debaixo do jato,

cuidadosamente para continuar de costas para ele.

Infelizmente eu tinha esquecido de tirar minha toalha, eu nem tinha percebido o úmido e

pesado pedaço de pano descendo pela minha cintura. Eu estava ocupado demais, tentando

arrancar a imagem do Dylan pelado, antes que as partes abaixo do meu umbigo processassem

que a imagem estava lá.

Dylan, entretanto, percebeu.

Antes que eu soubesse o que estava acontecendo uma mão puxou minha toalha e a balançou

na frente do meu rosto.

- Esqueceu alguma coisa? - perguntou Dylan sorrindo enquanto balançava a toalha.

Eu estava congelado, incapaz de me mexer, incapaz de respirar.Os braços de Dylan

desapareceram junto com a toalha.

- Te encontro na Biblioteca cara - ele bateu na minha bunda com a toalha molhada e foi

embora.

O incidente todo não demorou mais do que trinta segundos, mas na minha cabeça não

acabava nunca, repetindo diversas vezes em câmera lenta, como uma jogada sensacional da

Copa do Mundo.

Page 18: Mudando Jamie

17

Dylan não apenas tinha me visto nu, ele tinha me tocado. Ele usou o doloroso final de uma

toalha molhada para isso, claro, mas quem era eu pra exigir mais? Eu me permiti saborear um

pouco aquela sensação e então arquivei toda a experiência na minha memória, para poder

usá-las depois, à noite, quando eu estivesse sozinho e seguro no meu quarto, para, aí sim, eu

poder aproveitar realmente!

Então respirei profundamente, me acalmando, e liguei o chuveiro no “FRIO”.

Após uns cinco minutos embaixo do jato de água gelada eu me julguei murcho o bastante e

desliguei a água. Não ter toalha era um problema, mas não um que eu não pudesse resolver.

Corri até o vão da porta e enfiei minha mão no rack, tentando pescar uma tolha limpa; pelo

menos por uma vez a sorte estava comigo, eu senti a ponta de uma toalha macia e puxei.

Eu tinha tido sucesso na busca pela toalha e a enrolei na cintura antes de sair correndo até o

meu canto escuro do vestiário. Todo mundo já tinha ido, incluindo Dylan, o único que restava

era Pete, o responsável pelos equipamentos, que estava ocupado em jogar cuecas tipo suporte

atlético e tolhas sujas no cesto que ia para a lavanderia.

Não demorou muito para eu me vestir, mas meu cabelo estava uma bagunça; eu tentei

arrumar até perceber que ele não ia se comportar independente do que eu fizesse. Dei uma

barbeada rápida e joguei um pouco de colônia. Não era nada caro, mas era melhor que o Musk

Marine que meu padrasto geralmente tomava se banhava.

De repente eu não estava mais preocupado com a maneira que eu estava – o cara acabara de

bater na minha bunda nua, em toda sua glória peluda. Eu não achava que os amassados na

minha camiseta ou o pingo de alvejante no meu jeans fosse fazer muita diferença na opinião

dele em relação à mim.

Eu corri pelo caminho que separava o ginásio da biblioteca, que era longo e envolvia dois

lances de escadas, como eu não poderia entrar na biblioteca como um furacão arquejante e

suado, eu me encostei na parede por alguns minutos e me recompus. Então, reunindo

coragem, eu abri a porta e entrei.

Capítulo Cinco

Page 19: Mudando Jamie

18

Dylan estava sentado em uma das mesas do fundo e eu não estava muito certo de onde

sentar; minha primeira opção seria na frente dele, mas isso significava que eu teria que

derrubar os seus pés da cadeira; eu não tinha nervos para isso. Eu deveria puxar uma cadeira e

sentar do lado dele? Não, eu nunca seria capaz de me concentrar estando tão perto assim.

Não, eu decidi, os pés dele iam ter que sair. Eu fui ate a cadeira e coloquei a minha mochila na

mesa, esperando que ele entendesse a deixa.

- Hey – Disse Dylan.

Deus, ele tinha uma voz linda, profunda, ressonante, levemente grave.

- Desculpa, eu estou atrasado – disse eu.

Ele tirou os pés para eu me sentar enquanto eu me ocupava em procurar o pacote do Grayle

para os estudos, nosso livro de Inglês, papel almaço e uma caneta. Eu empurrei o papel e a

caneta para Dylan.

- Para anotar - eu disse quando ele olhou pra mim sem entender nada.

Ele pegou a caneta e imediatamente começou a clicá-la, seu dedão despressionando o botão

repetidamente, fazendo um click-click. Dava até para achar que ele estivesse nervoso ou algo

do tipo. Eu tirei esse pensamento estranho da minha cabeça e abri o pacote.

- Ok. Parece que nosso primeiro teste vai ser sobre Hamlet. O que você sabe sobre ele?

- É uma peça feita por aquele cara inglês.

Ah não. Talvez Dylan fosse mesmo só beleza e nenhum cérebro. Eu esperava que não, ou ele

poderia dizer tchau para a bolsa agora mesmo.

- Shakespeare. Não aquele cara inglês, o nome dele era Shakespeare. O que você sabe sobre a

peça?

Dylan suspirou como se o peso do mundo estivesse sobre seus ombros.

- Hum... é sobre um cara que morava na Dinamarca, Seu pai é assassinado e então tem algo

sobre um fantasma. Ah é! E tem um crânio no meio disso tudo. Então todo mundo morre.

- Dylan, você leu a peça, certo? Me diz que você leu a peça.

- Você sabe como a minha agenda é apertada, Jamie. Você está no time.

- Isso não responde minha pergunta - Talvez respondesse de uma maneira estranha, mas eu

precisava escutar ele dizer.

O que eu ia fazer agora? Uma olhada rápida nos materiais de estudo já me fazia perceber que

seriam inúteis se ele não houvesse lido a maldita peça.

Page 20: Mudando Jamie

19

- Eu estive muito, muito ocupado - os olhos dele não haviam deixado a caneta e ele recomeçou

a clicá-la, mais rápido do que antes - Além do mais, você sabe que eu deveria ser um atleta.

Nós mal podemos ler, vai dizer ler Shakespeare.

Eu abri minha boca para dizer que nossos encontros seriam uma colossal perda de tempo; eu

NUNCA poderia ensiná-lo o suficiente em tão pouco tempo para fazê-lo passar no teste, se ele

não houvesse lido a peça, mas alguma coisa me impediu.

“Deveria ser um atleta”? Ele era um atleta, ele era o melhor atleta do time. “Nós mal podemos

ler, vai dizer ler Shakespeare”. Eu percebi que ele não estava afirmando um fato, ele estava

falando sobre um estereótipo e considerando minha própria história, eu sabia bastante sobre

estereótipos.

- Não pode ler Shakespeare ou não acha que deve ler? - eu perguntei de maneira gentil.

Pela primeira vez desde que eu sentara na mesa os olhos turquesa dele se levantaram para

encontrar os meus. Ele sustentou meu olhar por apenas um segundo antes de olhar para baixo

de novo, mas eu vi a verdade lá

- Olha Dylan eu não sei por que você acha que tem que seguir o estereótipo de atleta burro e

não é da minha conta. Eu não vou contar para ninguém que você leu Hamlet. A única coisa

importante é conseguir uma nota decente nos SATs, mas você tem que cooperar comigo.

- Você anda com aquele cara, o Billy, bastante, né?

Certo, não era exatamente sobre o assunto que falávamos, mas eu esperava a pergunta uma

hora ou outra. Isso não me impediu de entrar na defensiva.

- Sim, e o que tem ele?

- Ele é... você sabe - disse ele encolhendo os ombros, os cliques cada vez mais rápidos.

- E daí?

Por favor, Deus, não deixe isso ir onde eu acho que esta indo, eu rezei. Não me force a defender

Billy e dizer coisas que eu não estou pronto a dizer para ninguém. Eu vou para a igreja, eu largo

o chocolate. Eu até deleto aquelas fotos que eu tenho escondidas no meu computador, mas,

por favor, não deixe o Dylan jogar a “carta gay.”

- Um fofoqueiro - Dylan concluiu.

Eu respirei, aliviado.

- Eu não vou contar nada para ele, eu prometo.

- Eu vou ser honesto com você - disse ele, colocando a caneta na mesa e abaixando a voz.

Aquele olhos azul-esverdeados se fixaram nos meus e eu não poderia ter olhado para o outro

lado nem que eu quisesse - A escola, o treinador, meu pai, todo mundo quer que eu consiga

essa bolsa. Eu também quero.

Ele tomou fôlego e continuou.

Page 21: Mudando Jamie

20

- Mas eu deveria estar treinando cada minuto livre que eu tenho. Quando que eu deveria

estudar? Eu não tenho tempo para ler Shakespeare, mas se eu for reprovado em Inglês, eu

estava ferrado, então eu pulo o treino por um tempo, eu leio enquanto deveria estar

levantando pesos no porão. Se meu velho descobre ele vai pirar e aí lá se vai meu carro e toda

a minha vida. Além do mais, eu vou ter que me preocupar com o que os outros vão achar se

eles descobrirem que eu tenho matado o treino para estudar. Se fosse para ir numa festa, Ok,

mas para ler? Quem faz isso?

Obrigado Deus

- Então você leu - Eu não pude esconder um sorriso - Eu juro que não vou contar para ninguém

que você tem estudado e se o Billy perguntar, eu vou dizer como você é um grande burro.

Dylan riu, então voltou seus olhos para a caneta e os cliques recomeçaram.

- Ok. Isso é o que eu sei sobre a peça: foi escrita por Shakespeare em alguma data por volta de

1600. É a peça mais longa dele e existem três diferentes versões dela que sejam conhecidas. É

uma tragédia. O pai do Hamlet é envenenado pelo irmão, Claudius. O pai dele volta como

fantasma para dar uma luz sobre o que aconteceu. Hamlet jura vingança e finge não saber de

nada para pegar o tio. Enquanto isso a namorada do Hamlet, Ofélia, fica meio doida e se

suicida, após falar um monte do Hamlet para o Claudius. No final Hamlet e o irmão da Ofélia,

Laerte, se matam. A Rainha toma o vinho envenenado por engano e antes de morrer Hamlet

ainda mata o seu tio, antes que ele se mande.

Eu estava... surpreso. Ele não apenas estava certo, como foi a primeira vez que eu o vi falar

tantas palavras de uma só vez.

- Uau. Foi um resumo e tanto - eu não conseguia parar de sorrir para ele.

Quem poderia saber que existia um cérebro embaixo da beleza e dos músculos? Eu me peguei

relaxando, abaixando a guarda. Alguma coisa sobre a confissão dele ser um nerd no armário

me fez ficar mais confortável perto dele. Ele apenas um cara. Um cara que eu tinha uma

queda, sim, mas ainda assim um cara, como eu. Tá, talvez não tão como eu, mas perto o

suficiente.

As bochechas dele ficaram vermelhas quando ele me deu um meio sorriso.

- É. Tem um monte de coisa sobre complexo de Édipo, mas é basicamente isso, eu acho.

- Você se deu mal no último teste de propósito, Dylan? -Eu perguntei surpreso.

Meu palpite era que sim, mas eu queria saber.

O meio sorriso dele ficou maior “Não, na verdade não. Eu fiquei acordado até tarde na noite

anterior e eu não conseguia me concentrar. Foi minha própria culpa.”

Eu não queria saber o que– ou quem – tinha o feito ele ficar acordado até tarde.

- Então, o que agente faz agora? Você não precisa que eu te ensine, realmente.

Page 22: Mudando Jamie

21

- É, mas eu preciso fingir que preciso. Se não, eu vou ser o único dos meus amigos do time que

não vai estar pendurado. Você se importa? Quer dizer... eu posso pagar pelo seu tempo, são só

algumas horas por semana...

Se ele apertasse o botão de cima da caneta mais rápido, provavelmente ela pegaria fogo.

Me pagar? Ele estava se oferecendo para me pagar para passar um tempo com ele? Em que

ponto eu tinha sido jogado em uma estranha dimensão paralela onde tudo era o contrario? No

meu mundo, alguns minutos antes, eu sabia que EU teria que pagar para que ELE passasse um

tempo comigo.

- Não, tudo bem – disse eu - Nós fomos escolhidos de qualquer maneira, então agente podia

dar uma revisada nos pacotes cada semana, a não ser que você queira fazer outra coisa.

Agente pode... sei lá, fazer qualquer coisa - Eu encolhi meus ombros como se aquilo não fosse

nada, embora meu coração estivesse dando pulos gigantescos no meu peito. Um pensamento

meu ocorreu - Você não gosta de Guitar Hero, gosta?

- Claro. Eu acabei de destrancar “The Devil Went Down To Georgia”, mas eu não passei dessa

música ainda - Ele deu um grande sorriso, mostrando duas covas na bochecha - Foi por isso

que eu fiquei acordado até tão tarde no outro dia e me ferrei na prova.

Eu fiz um som estranho quando sorri, parecia mais um ronco e era extremamente não atrativo,

mas eu não me segurei.

- Legal. Talvez na próxima vez agente possa se encontrar na minha casa, para jogar um pouco.

Você sabe - eu disse em seguida - Para passar o tempo. Aí vai parecer mesmo que eu estou te

ensinando.

- Claro, sem problemas. Eu sei que amanha é sábado, mas você está livre?

Amanhã? Eu? Me encontrando com o Dylan duas vezes numa semana? Eu juro por Deus, se eu

acordasse e tudo fosse um sonho, eu ia ficar muito furioso.

- Certo, amanhã seria ótimo.

- Ótimo. Amanhã eu tenho treino até as 13, mas eu posso passar na sua casa depois disso.

Como eu era do time, eu sabia dos horários dele, mas eu não mencionei isso. A equipe de

campo praticava nos sábados os lançamentos, pulos e arremessos. Eu peguei a caneta, escrevi

meu endereço num pedaço de papel e empurrei para ele.

- Traz a sua guitarra e eu tenho que te avisar: eu sou muito bom em Guitar Hero.

- Claro. Valeu cara.

- Sem problemas.

Page 23: Mudando Jamie

22

****

Eu fui para casa sexta a noite para encontrar a gororoba de bife e escutar outro discurso

alcoólico do Doug sobre como eu não me esforçava, como eu deveria procurar um emprego,

ao invés de ficar dando voltas na pista de corrida e como ele não via a hora de eu ter dezoito

anos para poder me chutar para fora de casa.

Apesar de tudo, não foi tão ruim quando eu achei que seria. Ele deveria ter começado a beber

mais cedo do que o normal, porque quando eu terminei de colocar a gororoba numa tigela,

peguei um pouco de leite e levei para o meu quarto, ele já tinha perdido a força.

Pelo menos eu não tinha que me preocupar com Doug estando por perto quando Dylan viesse

no outro dia. Doug ia ao boliche nos sábados à tarde e depois ia para o bar com seus amigos.

Ele não daria as caras até depois de meia noite ou mais. Algumas vezes ,se eu estivesse com

muita sorte, ele só aparecia no domingo de manhã.

Nunca deixei de ter esperanças de que um dia ele não voltaria mais.

Eu tinha acabado de colocar a tigela de gororoba na mesa e ligado o computador quando o

telefone tocou.

- Como foi com Dylan? – Billy quase nunca se dava ao trabalho de falar coisas bobas como “oi”

e “tchau”. Ele ia direto ao ponto e começava a falar.

- É... foi bem – É sério, eu estava desorientado porque ele começou com uma pergunta sobre

mim e não sobre ele mesmo. Esse não era o Billy de sempre, talvez ele houvesse aprendido

algo.

- Ótimo. Eu devo usar a Abercrombie ou a Diesel? Você não disse qual delas essa tarde.

Esse era ele. Eu estava de volta em terreno familiar.

- A Diesel. A Abercrombie é muito apertada e Robbie, o garanhão vai ver tudo o que há para

ver antes da hora.

- Então vai ser a Abercrombie. Cabelo? Penteado ou arrepiado?

Eee Billy estava de volta!

- Arrepiado é bom.

- Mas é sexy?

Eu revirei os olhos, mesmo sabendo que não era surtia efeito pelo telefone

- Sim é sexy. Jesus, Billy, este não é o seu primeiro encontro. Você já não tem as técnicas de

encontro memorizadas?

Page 24: Mudando Jamie

23

- É o meu primeiro encontro com ele, Jamie. É importante.

- Por quê? O que faz ele tão especial assim? Além de ele já estar pronto para aposentadoria?

- Ele só tem vinte e cinco anos. Para de ser minha mãe por um minuto e me ajuda ok?

- Ok. Ok - Eu me lembrei sobre o que ele havia me dito esta tarde sobre segredos que ele não

poderia me contar.Eu podia sentir que ele estava subindo pelas paredes - Abercrombie, cabelo

espetado e aquela camiseta com o dragão legal.

- Ótima escolha, eu fico ótimo naquela camiseta. Sapatos?

Eu suspirei.

- Os de couro antigo, que você comprou no último verão.

- Ótimo, vou encontrá-lo em Chester amanhã à noite, no Throb.

Eu não sabia o que me animava mais: o fato de Billy encontrar alguém em algum lugar (isso ia

contra todos o seu procedimento normal, que consistia em esfregar o cara nos narizes dos

pais), ou que ele tinha concordado em ir ao Throb.

Throb era um clube no centro de Chester, a meia hora de carro, que não tinha a melhor

reputação. Eu nunca estive lá, mas Billy me disse que era pequeno, sujo e chato.

- Eu achei que você odiasse o Throb.

- As coisas mudam. Ok, eu tenho que procurar meus sapatos e ter certeza de que minha

camiseta esteja passada.

Click.

Alguma coisa, eu não fazia a mínima idéia do que seria, ia acontecer com Billy. Simplesmente

não era costumeiro ele esquecer de irritar seus pais e simplesmente não era ele dirigir até

Chester, sozinho, só para encontrar um cara, num clube que ele não gostava.

Eu não tinha dúvidas de que ele conseguiria entrar num clube, mesmo sendo menor. Ele já

tinha ido antes. O dinheiro falava mais alto, às vezes falava gritava e eu estava preocupado que

ele fosse até lá e mais preocupado ainda que ele houvesse que voltar dirigindo.

Não havia nada que eu pudesse fazer...eu sabia que eu não poderia dizer que ele não ia e eu

não deduraria ele para seus pais. Doug era inútil e minha mãe já estava bastante ocupada.

Tudo o que eu poderia fazer era manter meus dedos cruzados e esperar pelo melhor.

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24

Capítulo Seis

Eu levantei cedo na manha do sábado, minha visão turva fixada na área desastrosa, mais

conhecida como meu quarto.

Eu sempre admiti que eu não era a pessoa mais arrumada deste planeta, mas eu não acho que

eu tinha percebido como eu era um porco até que eu me deparei com a formidável missão de

limpar meu quarto para torná-lo apresentável para o Dylan.

Eu não queria que ele achasse que eu fosse um maluco por limpeza, mas eu também não

queria que ele achasse que eu gostava de viver com lixo até os cotovelos.

Haviam roupas sujas jogadas por todos os lugares, um tapete de camisetas fedidas, meias,

cuecas e jeans. Algumas coisas nem conseguiram chegar ao chão – tinham meias penduradas

no meu abajur e uma cueca nas caixas de som.

Quando eu fiquei de pé um saco de batatas chips, que estavam escondidas embaixo de uma de

minhas camisetas estralaram embaixo dos meu pés. Haviam latas de refrigerante, capas de

CDs e uma camada de pó cobrindo as poucas coisas que estavam livres de roupas.

Eu olhei para o meu despertador, eram quase onze e quinze o que me dava menos de duas

horas para tornar meu quarto decente. Minha única outra chance era vestir o Dylan em uma

roupa protetora contra risco biológico antes que ele entrasse.

Superman nunca tinha, nem nos seus melhores dias, se movido tão rápido quanto eu. Ainda

de cueca eu voei pelo quarto pegando as peças de roupas, jogando tudo num lençol aberto em

cima da cama.

O lixo foi parar dentro de um saco de lixo plástico para ser separado mais tarde – talvez no

próximo verão – em seus grupos de recicláveis.

O resto eu enfiei dentro do meu guarda-roupa. Se ele não abrisse meu guarda roupa, eu estava

salvo, se, por algum motivo, ele abrisse, eu ainda estaria procurando por ele quando a

formatura chegasse.

Eu nem tentei limpar nada que estivesse embaixo da minha cama. Afinal, enquanto as pernas

da cama estivesse tocando o chão, não havia motivo para isso. O que o olhos não vêem o

coração não sente, certo?

Quando eu finalmente já havia aspirado, desempoeirado e jogado meia lata de Bom Ar, já

eram quinze para 13. Eu nem tinha comido ainda e eu precisava tomar banho e me vestir.

No caminho para a cozinha, para comer uma torrada e talvez uma lata de refri, eu passei pelo

quarto da minha mãe; ela já havia saído há muito tempo. Doug não estava lá também, nem a

sua bolsa de boliche; do jeito que eu esperava.

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Foi o banho mais rápido da minha vida, minha pele ainda estava molhada quando eu lutei para

entrar em um Jeans e uma camiseta. Eu não tido tempo para me barbear, o que foi uma boa

coisa, porque assim que eu acabei de fechar a calça, a campainha tocou. Se eu houvesse

começado a me barbear eu teria que aparecer igual a um cachorro raivoso, com espuma por

todo o meu queixo. Eu também não tive tempo para colocar meias ou sapatos.

Descalço, eu corri até aporta, me forçando a encontrar um tempo para passar os dedos no

cabelos antes de atender a porta.

Dylan parecia tão ótimo quanto sempre. O fato de ele estar em pé, na frente da minha casa,

me atingiu como um se bastão de basebol houvesse atingido minha cabeça, me impedindo ,

temporariamente, de falar. Tudo o que eu podia fazer era olhá-lo em toda sua musculatura e

jeans.

- Hey - ele disse na soleira da porta.

Nos olhamos por alguns segundos antes que ele dissesse

- Você vai me deixar entrar? Eu trouxe hambúrgueres do Mc Donalds - Ele mostrou um saco

com os arcos dourados familiares; na outra mão ele segurava a guitarra.

Eu não tinha muita certeza se era o som da sua voz ou a comida que ele trouxera, mas eu

estava sorrindo

- Desculpa, entra.

Eu me sentia absurdamente consciente ao levar ele para o meu quarto e por alguma estranha

razão eu me peguei fazendo um tour pela casa. Provavelmente era a o nervoso, mas eu não

parava de falar nem um segundo.

- Esta é a sala de estar, lá é a cozinha, você quer alguma coisa para beber? Leite, água,

refrigerante? Lá está o banheiro, este é o quarto da minha mãe, a porta do porão e meu

quarto.

Parecia que eu tinha uma incontrolável diarréia bucal.

Ele entrou no meu quarto, deixou a guitarra na cama, sentou perto dela e pegou alguma coisa

no saco de comida. Eu sentei na minha cadeira para ficar na sua frente e ele me passou um

cheeseburguer duplo, que eu aceitei grato por ter alguma para enfiar na boca e mantê-la

ocupada por alguns minutos.

- Eu dei uma olhada nas anotações que você me deu ontem – Disse Dylan, suas palavras um

pouco distorcidas - Tem uma pergunta sobre o motivo de Hamlet ter hesitado em matar

Claudius. Por que ele não matou o cara logo que pode?

- Bom, principalmente porque na época em que Shakespeare escreveu a peça, o mocinho

simplesmente não podia sair matando só porque um fantasma disse pra ele fazer isso. Ele

tinha que ter provas de que o Claudius fez isso. Como em CSI: eles não podem prender o

assassino até que o teste de DNA saia. Prender um cara sem uma prova concreta poderia

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26

chatear as pessoas e a audiência cairia - Eu terminei meu cheeseburguer e comecei as fritas

que Dylan havia me dado.

O simples fato de comer me relaxou e me deixou muito mais confortável com ele, quase

esqueci que ele estava no meu colchão, onde eu havia feito coisas na noite passada que davam

vergonha só em pensar. Eu senti que estava corando e tossi para encobrir.

- Desculpa, as batatas entraram pelo lugar errado.

Dylan comeu outro hambúrguer, obviamente esperando que eu continuasse.

- Pessoalmente eu acho que ele hesitou por causa do seu complexo de Édipo. Eu acho que ele

viu Claudius como a única coisa entre ele e seu desejo do mal de comer a mãe. Se Hamlet

houvesse matado Claudius, ele também teria destruído o caminho entre ele a cama da mãe.

Então acabou fazendo o que não deveria e se condenou.

- Cara, isso é doente. Para! Ele queria matar Claudius para poder fazer sexo com a mãe dele? A

idéia sozinha me faz querer vomitar as tripas.

Eu ri.

- É eu sei. Eu também acho. A outra razão para isso é que ele pode ter pensado demais nas

coisas.

- Como assim?

- Bom, ele perdeu tempo demais planejando as coisas e quase tempo nenhum fazendo. Ele

queria ter certeza de que era um assassinato perfeito, que Claudius iria para o inferno, mas ele

passou tempo demais pensando nos detalhes. Ele ficou enrolando... quando chegou a hora de

matar Claudius, ele mesmo estava morrendo.

Dylan concordou com a cabeça.

- Eu nunca pensei nisso. Faz sentido. Você quer este último cheeseburguer?

- Não, mas valeu – respondi assistindo Dylan comer o sanduíche em duas dentadas, fazer uma

bola como saco de papel e jogar no lixo.

- Então você acha que se ele houvesse agido antes, as coisas seriam diferentes? – perguntou

ele.

Eu concordei

- Nós nunca saberemos, mas eu acho que esse é o ponto. Talvez ele houvesse feito a coisa

nojenta com a mãe, talvez não. Talvez ele houvesse assumido o trono e sido um grande rei. O

ponto é que ele arrastou o pé por tanto tempo que nunca teve a chance.

Dylan ficou em silêncio, deitou de costas na minha cama, braços atrás da cabeça, parecendo

tão confortável como se nós sempre tivéssemos sido amigos. Por um momento eu achei que

ele fosse dormir.

Page 28: Mudando Jamie

27

Hora de Guitar Hero, eu pensei, eu to ferrado se eu perder a tarde vendo ele dormir. Eu posso

fazer isso na aula de inglês. Eu levantei e comecei a plugar as guitarras e ligar o vídeo game.

- Então você acha que as pessoas deveriam agir por impulso? Eu quero dizer, e se alguém levar

de maneira errada? E se você cometer um erro? – perguntou ele.

- Depende. Se o seu impulso é invadir um banco ou bombardear um prédio, então não. Eu não

acho que você deveria. Se é levantar e detonar, então vá em frente.

Dylan levantou a cabeça e olhou para mim. Eu segurei nossas guitarras, uma em cada mão, e

balancei a dele.

- Eu vou considerar isso como uma dica.

Eu encolhi os ombros.

- Se você quiser jogar, então sim. Se não agente pode discutir Hamlet.

Dylan riu, levantando-se num salto e pegando sua guitarra. Eu aumentei o som e antes que eu

percebesse nós estávamos tocando “Barracuda” e conseguindo uma estrela de energia.

PQP, eu esqueci de mim e me diverti com ele igual eu me divertia com Billy. O que era mais

legal é que ele ria comigo, era quase um milagre. De alguma forma, entre discutir a vida sexual

de Hamlet e comer gordura saturada, nós nos tornamos uma espécie de amigos. O mais

incrível foi que eu parei de pensar em como ele era maravilhoso e comecei a ver -lo apenas

como Dylan.

Nós jogamos por quase duas horas direto, voando pela lista, até que nos batemos em um

obstáculo na música "The Metal”. Nós tentamos duas vezes, indo mal nas duas.

- Mano, eu preciso de um tempo – Disse Dylan, deixando sua na parede - Meus dedos estão

me matando.

- Os meus também, apertar o botão na velocidade da luz por duas horas fazia isso, eu acho.

Quer algo para beber?

- Sim, um refrigerante seria bom.

- Legal. Eu já volto – disse eu saindo do quarto calmamente e correndo até a cozinha para

pegar duas Cocas geladas.

Quando eu voltei Dylan estava esparramado na minha cama de novo e eu dei a Coca para ele.

Eu tinha acabado de abrir a minha e colocar um pouco na boca quando Dylan falou.

- Posso te perguntar uma coisa? Você é gay?

Eu engasguei, fazendo a minha melhor versão de Linda Blair em O Exorcista. O refrigerante

voou, errando o pé de Dylan por centímetros.

- Você não tem que responder se você não quiser cara. Eu só estou perguntando, é só.

Page 29: Mudando Jamie

28

Eu poderia mentir, eu deveria mentir. Era mais seguro, mais fácil, sem explicações, sem

perguntas embaraçosas, sem pessoas me evitando, sem apelidos, sem mensagens de ódio no

meu armário, sem visitas ao psicólogo da escola, sem olhares maldosos do treinador e do resto

do time.

Eu abri a boca para dizer “Não! Absolutamente não! Você esta louco?”, mas o que saiu foi:

- Sim.

Oh Deus. Assim que a palavra saiu da minha boca eu quis pega-la no ar e enfiá-la de volta na

minha boca. Acabou. Eu admiti. Não apenas o Dylan iria ir embora – tão rápido que deixaria

marcas no carpete – como também a noticia deveria se espalhar por toda a escola na segunda

feira. Todo mundo saberia. Eu tinha me assumido.

Para o meu choque, Dylan não se moveu. Ele nem piscou.

- É eu achei que sim. Você anda demais com Billy. Ele é seu, você sabe... namorado? Mano,

você pode conseguir coisa melhor.

Eu ri, eu não consegui segurar. Era como se uma bolha de histeria houvesse estourado. Eu ri

até chorar.

Quando meu riso parou eu limpei meus olhos e olhei para Dylan, ele continuava lá, deitado na

cama, como se eu houvesse acabado de dizer que eu era míope e não gay.

- Você deve achar que eu sou louco - Eu disse - Olha, tudo bem se você quiser ir.

Dylan encolheu os ombros.

- Não me importo. Meu tio é gay e ele é um grande cara. Então, você e o Billy estão juntos?

Você ainda não respondeu.

Então ele tinha um membro na família que era gay. Isso explicava porque ele estava tão

confortável com o fato.

- Eu e Billy? Não, não, nós somos apenas amigos. Eu não tenho ninguém de verdade. Agora. No

momento - eu acrescentei, não querendo que ele pensasse que eu nunca tivesse ficado com

ninguém. Eu não tinha, mas ele não precisava saber disso.

- Ok. Prontos para a guitarra de novo?

- Sim... e Dylan eu ainda não contei pra ninguém, exceto Billy - Eu precisava que ele

entendesse que eu não estava preparado para a tempestade que aconteceria quando eu me

assumisse para todo mundo.

- Ah cara, eu meio que te forcei né? Desculpa, Jamie. Eu não vou espalhar por aí- Disse ele

parecendo extremamente sincero - É difícil não é? Não dizer nada?

Os olhos dele encontraram o meu rapidamente e ele não conseguia olhar para mim

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- Quer dizer, meu tio disse que foi difícil quando ele se assumiu. Disse que era difícil de admitir

até para ele e que não queria acreditar. Ele até tentou ser hétero.

- Sim. Não é fácil.

- Você sabe há bastante tempo? Como que você soube? - ele perguntou. Seus dedos batiam

nas teclas da guitarra, o barulho me lembrando a caneta.

Eu não tinha nada a perder.

- Eu tinha uns doze anos, eu acho. Um dia eu só percebi que quando todos os garotos estavam

olhando para as garotas eu estava olhando para eles.

- Assim? Você não pensou que fosse... você sabe, uma aberração?

Ui.

- Eu não acho que eu seja uma aberração, Dylan - Controle o temperamento. Engole a

hostilidade. Era uma pergunta sincera e eu não acho que ele queria me insultar.

- Eu não quis dizer isso...eu quis dizer apenas diferente de todo mundo. Você nunca se

perguntou por quê? Por quê você?

- Eu sou o que eu sou. Eu não sou melhor, nem pior do que ninguém. Só porque eu gosto de

caras não significa que mude o que eu sou por dentro. Demorou um pouco para eu admitir

para mim mesmo e outro grande um pouco para eu aceitar.

- Sua mãe sabe?

- Não - eu disse veementemente, sacudindo a minha cabeça - E eu quero continuar assim. Meu

padrasto é um idiota, eu não consigo me assumir sem ele me odiar um pouco mais.

- Entendo. Bom, é melhor eu ir embora, meu pai vai ter um treco se eu não voltar para o jantar

às seis - Ele se levantou e desplugou a guitarra.

Eu o segui até a porta da frente.

As coisa definitivamente não tinham ido da maneira como eu gostaria. De um lado elas tinham

ido muito melhor do que eu esperava, mas do outro lado, tinham ido muito mal.

Eu não sabia mais o que dizer para ele. Engraçado, mas eu sabia que eu tinha superado minha

queda, daquele momento em diante, ele era apenas Dylan, um cara que sabia meu segredo

mais profundo.

Eu só esperava que ele fosse um homem que honrava sua palavra.

Dylan atravessou a porta, parou e disse:

- Te vejo segunda, Jamie. Agente pode se encontrar de novo depois do treino? Na biblioteca?

- Claro. Te vejo segunda - Eu estava surpreso que ele ainda quisesse estudar comigo.

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Eu fiquei lá fora até que ele houvesse entrado no carro e sumido, só então eu fechei a porta.

Capítulo Sete

Era um pouco mais das quatro da manhã quando a porta da frente foi aberta com violência e

passos pesados sacudiram a sala. Eu “dormi” de repente e comecei um som profundo com o

nariz. Doug estava em casa e pela maneira, estava de mau humor.

Ótimo! Era o que eu precisava! Eu me revirei e coloquei o travesseiro na cabeça. Eu não queria

escutar nada. Não no meio da noite e não depois da tarde que eu tive.

Depois que Dylan foi embora eu tentei fazer um pouco do dever de casa, mas eu simplesmente

não conseguia pensar em álgebra. Nada parecia fazer sentido para mim – nem os números,

nem a vida, nada. Eu passei o resto do dia assistindo filmes e tentando descobrir porque eu me

assumi para Dylan. Por que eu disse “sim” quando eu tinha a intenção de dizer “não”?

Eu queria, subconscientemente, me assumir? Ou eu estava à beira de um ataque de nervos

por ter que ensinar o Dylan? Eu não sábia ao certo e estava feliz que ele levara tudo da

maneira como levou. As coisas poderiam ter ficado feias.

Ele me perguntou assim, do nada, sem fazer rodeios, eu não tinha dado a deixa. Ele disse que

perguntou por que eu andava com Billy. Esse era o único motivo? Billy tinha dito alguma coisa

para mais alguém? Eu não queria acreditar que Dylan tinha me tirado do armário quando sabia

que eu não estava pronto. Ele era meu melhor amigo, certo? Mesmo Billy, egoísta e sem noção

não seria capaz de faze isso, certo?

A real questão, aquela que não parava de voltar, era por que Dylan me perguntou. Se ele era

tão confortável quanto disse, quanto parecia estar então por que ele precisava me conhecer

primeiro?

Eu tinha toneladas de perguntas e nenhuma resposta.

E então havia Billy. Ele tinha o grande encontro com Robbie, o garanhão, esta noite. Como se

meus nervos não houvessem sido usados o bastante em um dia ele ainda tinha que

acrescentar um desaparecimento.

Eu fique acordado ate as três, esperando saber de Billy. Os clubes em Chester fechavam as

duas, o que significava que: ou Billy tinha ido para casa com Robbie, o garanhão ou ele tinha

enfiado o carro em uma arvore na estrada interestadual. Ele não tinha me ligado, nem atendia

aos meus telefonemas.

Mesmo quando ele ia pra casa de algum cara ele me ligava ou me mandava uma mensagem.

Exceto por esta noite e eu estava ficando doido.

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Você esta sendo estúpido, eu disse para mim mesmo. Talvez o telefone dele estivesse

desligado, talvez a bateria houvesse acabado. Talvez ele houvesse esquecido de ligar, foi

dormir e nem escutou o telefone tocando. Talvez a lua fosse feita de queijo e modelos de

cuecas fossem me servir o café na cama.

Tudo era possível, certo?

Isto é ridículo, você não é a mãe dele. Ele não tem que te ligar cada vez que peida, eu pensei,

socando o travesseiro e colocando-o de volta embaixo da cabeça para tentar dormir.

Doug continuava tropeçando pela casa, batendo nas paredes e entortando as fotos que eu e

mamãe penduramos lá. Eu escutei ele ir ao banheiro e vomitar as tripas. Queria que ele

morresse lá, com a cabeça no vaso.

Não... eu não tinha tanta sorte.

Escutei ele ir para o quarto, em seguida escutei algo, provavelmente um sapato, bater na

parede.

- Darlene! Levanta essa bunda preguiçosa! Eu estou doente! Me escutou? Levanta!

Aquele bastardo! Mamãe estava exausta – ela merecia dormir sem ter que levantar para

tomar conta de um homem de quarenta e cinco anos, bêbado como um gambá, às quatro da

manhã.

Eu deitei na cama tão duro quanto uma taboa, escutando atentamente, morrendo de medo de

escutar um tapa, que ele fosse machucar ela. Ele nunca tinha feito isto antes, não que eu

saiba, mas seu tinha medo que ele batesse e não tinha certeza do que eu faria se isso

acontecesse.

Ele ficou quieto, mamãe deve ter levantado e feito, o que quer que fosse para deixar ele em

silêncio e na cama. Apos um minuto eu o escutei roncando.

Eu não sei por que ela escolheu Doug. Essa era outra pergunta sem resposta. Ela estava

solitária? Com medo? Eu me sentia assim também, a maior parte do tempo, mas ninguém me

via trazendo um idiota barulhento e bêbado, para viver com agente. Eu precisava conversar

com ela logo... provavelmente não ia adiantar, mas eu ia tentar.

****

Eu não soube nada de Billy no domingo também. Na tarde daquele dia eu já estava subindo

pelas paredes, liguei para os pais dele, que não apenas não sabiam de Billy, como pareciam

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não se importar. Ao invés disso o pai dele parecia que estava irritado por eu ter interrompido o

almoço.

Ele sugeriu que eu ligasse para o amigo do Billy, aquele do corte de cabelo ruim e da mãe

garçonete. Então desligou.

Idiota.

O amigo que ele estava falando sobre, era eu. Eu até ligaria para mim, mas eu não queria falar

comigo mesmo.

Eu desliguei e resolvi dar um tempo para aparecer, antes de ligar para o Exercito. Por Exercito

eu queria dizer eu.

Doug estava de ressaca – grande surpresa, isso significava nada de barulhos, nada de Guitar

Hero, nada de respirar fundo. Mamãe deveria estar de folga, mas ela pegou o turno de outra

garçonete e levantou antes que eu percebesse.

Eu passei grande parte do meu dia trancado no quarto, me forçando a terminar meu dever de

casa. Eu não era um estudante brilhante, então eu não esperava por uma bolsa, mas se eu

conseguisse uma boa nota eu poderia ir para a faculdade local. Ter aulas, um apartamento,

uma vida.

Mais tarde daquela tarde eu ainda não sabia nada do Billy. Eu decidi que iria ao menos

procurar por ele. Meu maior palpite era baixar no Home Depot e falar com Robbie, o

garanhão. Eu peguei minhas chaves, minha carteira, enfie tudo dentro dos bolsos da minha

calça cargo e saí.

A loja era à alguns quilômetros da minha casa. Um caminho fácil, feito principalmente através

de bairros residenciais. Minha mente estava funcionando a mil, pensando em qualquer terrível

destino que pudesse ter se abatido sobre Billy. Ele poderia ter sido surrado e deixado para

morrer, poderia ter sido pego por um serial Killer... talvez ele houvesse sido drogado e vendido

para ser escravo branco. Inferno, ele até poderia ter sido abduzido por aliens.

Eu não estava prestando atenção onde eu estava indo, absorto demais nos meus

pensamentos. Uma buzina tocou, um carro acertou a roda traseira da minha bicicleta e

quando eu vi, eu estava voando pelos ares. Eu rolei um pouco ante de cair sentado, eu estava

arranhado, machucado, mas em um pedaço só. Tinha um galo na minha testa, mas eu não

achei que fosse sério. Eu não tinha desmaiado e eu ainda sabia qual era o meu nome – eu

achei que isso fosse um bom sinal. Eu estava bem, mas infelizmente eu não poderia dizer o

mesmo da minha bike que tinha dado perda total. Ela estava em pedaços, do outro lado da

estrada.

O carro nunca diminuiu ou parou.

- Cara que merda! - eu dei um chute na bike, como se o acidente fosse culpa da bicicleta.

Eu escutei o som de pneus atrás de mim e pensei que era o motorista que tinha voltado para

terminar o trabalho. Quando eu me Virei, fiquei surpreso de ver Dylan saindo de seu Mustang.

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- Caraca, Jamie! O que aconteceu? - ele perguntou correndo até mim - Você está bem, mano?

Eu disse que sim com a cabeça, chateado demais para falar. Juntos, nós olhamos, em silêncio,

para a morte do meu único meio de transporte.

- O cara nunca parou? - perguntou Dylan indo para o meio da pista como se fosse conseguir

ver o cara que fez aquilo.

- É, o bastardo nunca parou.

- Ah cara. Você ta sangrando Jamie - Os olhos dele estavam se enchendo de compaixão e

preocupação ou eu tinha sido acertado muito mais sério do que eu achei? Eu escolhi acreditar

na hipótese anterior.

- Não é nada - disse eu limpando o sangue que descia pelo meu rosto, começando pela testa. E

era verdade, eu não estava sangrando até a morte ou algo do tipo, mas era legal saber que ele

estava preocupado.

- Bom, vamos colocar a bike no porta-malas e eu te dou uma carona para casa –Disse Dylan

recolhendo os restos da minha bicicleta.

- Valeu - Eu não sei se era sua simpatia ou algo do tipo, mas quando eu vi eu estava

descarregando tudo nele - Deus, isso é uma merda! Se não fosse ruim o bastante meu

padrasto chegar em casa bêbado de novo a noite passada e o Billy ter sumido da face da terra,

esse idiota ainda tinha que me acertar?

- Opa, Billy desapareceu? Ninguém sabe onde ele está?

- Ele virou o homem invisível e sumiu. Ninguém sabe onde ele está. Nenhum rastro dele em

lugar nenhum. Os pais dele não sabem onde ele esta e não ligam; ele não ligou, não mandou

mensagem, nada. Eu estava indo até a Home Depot para perguntar para o cara com que ele

saiu à noite passada se ele sabia onde o Billy estava. Mas agora...

- Sem problemas. Eu te levo onde você precisa ir – Disse Dylan levantando minha bike e

levando até o carro.

- Não precisa. Eu sei como seu horário é apertado, cara.

- Esta tudo bem. Vamos, entra no carro - disse ele se sentando no banco do motorista,

parecendo que era nascido para dirigir um carro daqueles. Dylan e o Mustang combinavam

perfeitamente.

Eu abri a porta do passageiro, coloquei a cabeça para dentro e disse:

- Tem certeza que você não se importa? Eu posso ir andando.

- Ah claro. E sangrar pela estrada toda. Talvez agente devesse ir ao hospital, Jamie. Esse galo

na sua cabeça não parece bom.

- Não, sem hospital - eu disse - Mas uma carona até a Home Depot seria ótimo. Valeu.

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Eu sentei no banco e fechei a porta. Na verdade agora que o choque estava passando eu

poderia sentir a dor começando. Meu pescoço doía, minha cabeça latejava, minhas pernas

estavam doloridas. De repente eu me senti mais durão do que eu poderia ser. Mas eu fiquei de

boca fechada, achar Billy era mais importante.

Nós percorremos o caminho quase em silêncio. Eu não sabia o que fazer se Robbie não

estivesse lá. Eu precisava encontrar Billy, tinha certeza que o sentimento que tive no começo

da semana tinha ver com ele.

Eu estava assustado.

Capítulo Oito.

- Você sabe onde esse cara trabalha? - Dylan perguntou enquanto agente entrava na loja. Eu

não esperava que ele entrasse comigo, mas eu estava feliz. Eu estava ferido, preocupado com

Billy e grato por não estar sozinho.

- Sim, no departamento de tintas - respondi guiando ele na direção do lugar.

Não vi Billy, mas assim que eu entrei no departamento de tintas eu vi Robbie, o garanhão atrás

do caixa. Ele estava operando o mixer, vendo uma lata de tinta ir para cima e para baixo.

Dylan e eu esperamos até que ele houvesse terminado e dado o lata para o cliente que

esperava.

- É aquele? - Perguntou Dylan, sussurrando em meu ouvido.

Eu podia sentir o chiclete de menta em seu hálito e doído ou não, preocupado ou não, eu me

perguntei se teria o mesmo gosto ao beijá-lo

Imediatamente eu me estapeei mentalmente. Jamie Mau, Mau! Dylan era um amigo, ou tipo

um e isso era o que ele sempre seria. Eu precisava superar essa obsessão. Eu achei que

houvesse superado, mas obviamente eu tinha me enganado.

- Sim, o nome dele é Robbie.

- Ele parece mais velho que Billy.

- Ele é.

Dylan fez um som de desaprovação. Eu certamente não estava sendo louco pensando a

mesma coisa. Concordei com a cabeça e fui em direção ao caixa.

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- Oi. Posso te ajudar?

- Lembra de mim? Eu sou amigo do Billy. Eu estava me perguntando se você sabe onde ele

está?

- Billy? Quem é Billy?

Essa era uma resposta que eu não esperava. Meu deixou bravo na hora. Como que esse cara

idiota, dentro de uma calça barata, poderia negar que conhecia Billy? Eles estavam juntos na

noite passada.

- Você sabe bem quem o Billy é - Eu gritei; vários clientes viraram a cabeça para nós, eu nem

liguei.

- Abaixa a voz! - Robbie disse se aproximando de mim.

Para minha surpresa, Dylan se colocou entre eu, o balcão e Robbie. Ele estava com sua cara de

jogo – eu já a tinha visto antes, toda vez que ele ficava cara-a-cara com outro corredor na pista

de corrida ele estreitava os olhos e enrijecia o maxilar.

- Se acalma cara. Ele só te fez uma pergunta.

Eu não queria parecer um covarde, embora por dentro eu estivesse tremendo tanto quanto a

lata de tinta que estava na maquina. Eu dei a volta em Dylan, fui até o balcão e me apoiei nele.

- É melhor você lembrar dele e logo. A gerência da loja não vai gostar de saber que você está

saindo com clientes e a policia não vai ficar feliz em saber que este cliente é menor.

- Eu não fiz nada que ele não quisesse. Inferno, ele pediu!

Oh Deus. Aquela frase foi igual uma luz vermelha.

- Onde ele está? Ele não voltou para casa desde aquele dia que vocês se encontraram no

Throb. Quando você viu ele pela última vez?

Os lábios de Robbie se tornaram uma linha fina e branca

- Se você contar para qualquer pessoa sobre isso eu vou...

- Você vai o que? - Dylan perguntou. Ele tinha o mesmo tamanho de Robbie e eu percebi que

poderia ser bem intimidador se ele quisesse. Eu estava feliz que Dylan estivesse comigo.

- A última vez que eu o vi, ele estava no Starlight Motel na estrada 27.

Bom, estava ficando cada vez melhor, não estava? Eu dei as costas a ele, sem ao menos olhar.

Não valia a pena.

- O que Billy viu naquele idiota? - Dylan perguntou quando agente saiu do prédio e entramos

no carro.

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- Eu não sei, ele é mais velho...Billy sempre gostou de cara mais velho. Ele é malhado também.

Billy nunca se preocupou com o que tinha por dentro. Só músculos e uma bunda bonita já

bastavam para ele.

- Dylan tem que crescer.

Era uma observação e não só um julgamento, e eu sabia que ele estava certo.

- Eu só espero que ele tenha essa chance. Você acha que esse idiota fez algo com ele? - Eu

perguntei, querendo com todo o meu coração que a resposta fosse não.

- Eu não sei mano, mas não parecia muito bom não.

Mentalmente eu calculei a distancia até o Starlight. Era uma espelunca que alugava seus

quartos, por semana, dia e hora. Eu não chegaria perto sem uma armadura completa e uma

lata tamanho industrial de Raid.

Não era tão longe, mas já estava ficando tarde e logo estaria escuro. Além disso, eu ainda

estava dolorido do acidente. Eu tinha exatamente 20 dólares na carteira, deveria ser o

suficiente para eu pagar um taxi até lá, mas não para eu voltar para casa e os ônibus paravam

de funcionar as sete.

Talvez eu pudesse ir até o restaurante e pedir as chaves do carro a mamãe. Não, não ia dar

certo. Ela se recusava a me deixar dirigir sem ela. Além do mais, assim que ela me visse ia ligar

para uma ambulância. Doug nem era uma opção.: ele não me emprestaria seu carro nem que

o mundo dependesse disso.

- De pressa, Jamie – Disse Dylan do banco do motorista - Agente precisa chegar ao Starlight

logo.

- Dylan, você não pode me levar até lá. Você tem treino, seu pai vai te matar.

- Deixa eu me preocupar com meu velho. Entra. Vamos! – Disse ele ligando o motor.

Eu estava grato demais para falar muita coisa e ele estava provando ser uma boa pessoa, algo

que eu nunca esperei ao ver o nome dele ao lado do meu na lista do Grayle.

- Valeu, cara.

Dylan apenas encolheu os ombros. Ele era rápido e nós fizemos o caminho todo em poucos

minutos.

- Cara, você precisa conversar seriamente com Billy se ele deixa quem ele encontra trazer ele

aqui - Disse Dylan olhando com desagrado para o motel.

Eu não poderia culpá-lo, eu me sentia da mesma maneira. Eu me arrepiei só de pensar em

entrar para procurar por Billy.

Entre a estrada e um estacionamento, o Starlight era uma coleção de pequenas cabines, a

maioria faltando algumas lâmpadas. A pintura estava descascando, algumas das janelas

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estavam quebradas , tinha até uma que estava interditada com uma fita amarela que pedia

“Cuidado”.

Tinham poucas pessoas por perto, mas nenhuma deu mais do que olhada rápida para nós,

antes de entrar nos quartos para fazer o que quer que eles fizessem – comprar drogas ou fazer

sexo. Eu não ligava, a única coisa que eu me importava era como carro de Billy estacionado ali

perto. Eu notei que as calotas de 400 dólares de Billy tinham sumido e eu sabia que seu cd

player também. Ele amava aquelas calotas como a maioria das pessoas amavam seus filhos.

Nós entramos na recepção, onde havia um homem velho, com cabelos brancos no peito e uma

careca brilhante, sentado atrás de uma mesa, lendo um jornal. Ele parecia entediado quando

olhou para nós.

- Oi, eu estou procurando por amigo chamado Billy. Meio baixinho, magro, cabelos

vermelhos... - eu disse - Você viu ele?

- Não sei de nada - O velho disse, despistando agente. Ele voltou a ler seu jornal.

- Olha eu só queria saber se...

- Olha crianças, as pessoas vem aqui para apenas uma coisa e não é da minha conta quem

vem, apenas se eles pagam adiantado - O velho disse - Se vocês não forem ficar com um

quarto, então caiam fora.

Dylan abriu a boca, provavelmente para xingar o cara, mas eu balancei minha cabeça. Peguei

minha carteira, procurei pela minha solitária nota de vinte dólares e coloquei-a em cima da

mesa.

O velho olhou para o dinheiro, pegou e guardou-o no bolso.

- Quarto quinze. Ele entrou a noite passada para uma festa, eu achei que ele houvesse saído

com o último cara, mas pode ser que ele esteja lá dentro: o quarto é pago por dia. - Ele voltou

sua atenção para o jornal.

- Que tipo de festa? - eu perguntei, pressionando. Eu queria que meu dinheiro valesse.

- Se você não sabe é melhor ir embora - Disse ele, sem levantar os olhos do jornal.

Era essa a informação que nós iríamos saber. Nós deixamos a recepção e corremos ate o

quarto quinze. Era o quarto próximo aquele com a janela quebrada e o mais perto do carro do

Billy. Eu bati na porta e chamei seu nome.

- Billy?Você esta aí dentro?Abre a porta! Sou eu, Jamie!

Ninguém respondeu.

- Ele tem que estar aí dentro - Eu disse à Dylan – O carro continua aí e ele nunca sairia sem ele.

- Sai da frente - Dylan disse. Ele deu um passo para trás e deu um chute forte na porta. Era

como um episódio daqueles programas de policial. A fechadura quebrou e a porta se abriu.

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O quarto estava uma bagunça, forrado com garrafas de cerveja vazias, alguns sanduíches e

Poppers quebrados. Eu me lembro de Billy falando sobre esses Poppers – cápsulas pequenas

contendo nitrato de amilo, usado para melhorar o sexo e soltar a musculatura anal. Eles fez

parecer a melhor coisa do mundo, mas eu joguei no Google depois e descobri que além de

ilegais elas poderiam causar tonturas, rubor, náuseas, vômitos, dores de cabeça, desorientação

e desmaios.Também baixavam o sistema imunológico e poderiam até causar um ataque do

coração.

Tudo no quarto fedia a cigarro, suor e sexo. Eu não tinha dúvida nenhuma do que havia

acontecido lá. Billy não tinha ido para lá somente com Robbie: ele tinha ido com um grupo de

homens e eu só podia imaginar o que eles haviam feito com Billy.

- Billy! Billy, Acorda! - eu gritei.

- Jamie, agente precisa chamar uma ambulância, tem algo de errado com ele - Disse Dylan

colocando um braço em torno do meu ombro. Eu me virei para ele, provavelmente parecendo

um doido varrido. Eu estava para lá de assustado.

- Ele esta dormindo. Ele está dormindo, é só isso - Eu sabia que ele não estava , mas eu não

queria admitir. Pela segunda vez naquele dia, eu estava em choque.

- Não, ele não está.Tem alguma coisa errada com ele e eu vou ligar para a Emergência - Disse

Dylan.

Mais tarde eu agradeceria por ele ter continuado calmo. Eu só conseguia pensar que Billy

estava deitado lá, nu e eu não queria que ninguém visse ele assim.

Enquanto Dylan ligava para a ambulância eu procurava pelas roupas dele, mas tudo o que eu

achei foi uma cueca no banheiro e eu nem tinha certeza de que era dele. Achei a carteira junto

as chaves do carro. Ela tinha sido esvaziada, só sobrando sua carteira de motorista.

- Eu não consigo achar as roupas dele - Eu disse a Dylan. Ele havia coberto Billy com um lençol.

- Ele não pode voltar para casa sem as roupas.

- Jamie, vai ficar tudo bem. A ambulância já está vindo - Disse Dylan.

Eu estava tremendo como uma vara verde, tão assustado quanto eu poderia estar ao saber

que meu melhor amigo ia morrer. Eu continuei tagarelando sobre suas roupas, chaves e

carteira. Numa parte da minha mente, eu sabia que eu estava histérico.

De repente eu me encontrei dentro dos braços de Dylan, pressionado contra seu peito. Ele

poderia ficar melhor? Hétero, quase machão, mas ainda assim capaz de abraçar um amigo

quando ele precisava. De alguma maneira isso me deixou mais triste do que antes, e eu

desabei completamente.

Nós continuamos assim, eu soluçando igual a um bebê chorão e ele me segurando em silêncio,

até que as sirenes invadissem o estacionamento. Dylan me soltou antes que os paramédicos

atravessassem a porta.

Page 40: Mudando Jamie

39

As coisas aconteceram rapidamente depois disso. Os policiais chegaram junto com a

ambulância e eu tive que responder uma enxurrada de perguntas. Por sorte um dos policiais se

lembrou do meu pai e eles facilitaram para mim. O desgosto deles pelo o que havia acontecido

naquele quarto era tão grande quanto o meu.

Quando os policiais terminaram comigo, Billy tinha sido colocado em uma maca e estava

sendo carregado para ambulância. Eu me virei para Dylan

– Eu odeio ter que pedir, mas você pode me levar até o hospital? Eles não vão me deixar ir na

ambulância com ele.

- Claro. Vamos.

Eu poderia ser virgem, inocente até, mas enquanto eu e Dylan seguíamos a ambulância eu

senti como se houvesse deixado minha inocência naquele quarto sujo.

Capítulo Nove

Eu liguei para a minha mãe, quem atendeu era o dono, Hank, e eu expliquei que era uma

emergência.

- Jamie, você esta bem? O que aconteceu? - Mamãe parecia em pânico, eu nunca ligava para a

lanchonete a não ser que fosse sério.

Eu expliquei o que aconteceu por cima e deixei de fora alguns detalhes como eu sendo

atropelado por um carro e Billy sendo achado nu num quarto de motel. Eu só disse que ele

tinha sido levado para o hospital, que estava inconsciente e que eu, provavelmente, precisaria

de uma carona para casa. Ela concordou em aparecer no hospital depois do turno dela acabar.

As enfermeiras não me deixaram ver Billy e eu vi seus pais dele chegarem uma hora depois,

vestidos em casacos caros e parecendo que tinham acabado de sair da Vogue. Eles ficaram no

quarto de Billy por uns quinze minutos antes de irem embora, mas nunca chegaram a falar

comigo, mesmo eu estando lá, sentado e esperando.

Eu continuava indo até o balcão pedir informações, mas as enfermeiras não diziam nada mais

do que:

- É sério. Ele está em situação critica.

Eu sabia o que “critico” significava, significava que talvez ele não saísse de lá. O que eu faria

sem ele? Ele era meu melhor amigo, ele sabia tudo o que se poderia saber sobre mim e

mesmo sendo sem noção e egoísta ele ainda era como um irmão para mim. Eu não queria

perdê-lo. Eu não queria que ele morresse.

Page 41: Mudando Jamie

40

O que aqueles idiotas tinham dado para ele? Drogas? Álcool? Os dois? Por que Billy foi idiota o

suficiente para aceitar? Ele era mais esperto que isso. Em que tipo de festa ele tinha que

terminar nu e inconsciente? Robbie esteve lá? Ele ficou para a festa? A única pessoa que

poderia responder era o Billy e ele não poderia falar.

Dylan ficou comigo até minha mãe chegar; ela viu meus machucados, que eu tinha esquecido

na pressa de levar Billy ao hospital, assim que chegou. Demorou para ela acreditar que eu

estava bem e que eu tinha dito tudo sobre o acidente.

- Eu tenho que ir, Jamie - Dylan disse depois que minha mãe se acalmou - Você esta bem?

- Sim, eu estou bem. Obrigado por tudo, Dylan.

- Sem problemas. Me liga se você precisar de qualquer coisa.

- Claro, obrigado de novo.

Ele saiu e mesmo com a minha mãe sentada do meu lado, eu me senti sozinho.

Já faziam seis horas que eu estava lá quando uma enfermeira ficou com pena de mim.

– Olha, uma visita rápida e então você vai pra casa dormir. A condição dele melhorou, agora

ele é considerado "estável”. Ele está sedado mas ele vai ficar bem - Disse ela me oferecendo o

primeiro sorriso a noite toda.

Minha mãe eu entramos no quarto de Billy... ele parecia tão pequeno deitado lá, coberto com

um lençol branco e ligado à algumas maquinas. Ele parecia pálido, mais pálido do que o normal

e tinha círculos negros embaixo dos olhos. Na luz fria do hospital até seus cabelos pareciam

desbotados.

Mamãe colocou o braço em volta do meu ombro enquanto agente via Billy dormir. Pelo menos

eu tinha visto, com meus próprios olhos, que ele estava vivo. Não havia nada que eu pudesse

fazer. Agora pelo menos eu sabia de onde vinha aquela sensação estranha. Billy quase tinha

morrido. Não poderia ficar pior que isso, certo?

Então por que eu ainda tinha aquela sensação de que tinha algo errado?

****

Eu fui pra escola no dia seguinte sob protesto.

Como eu conseguiria me concentrar com meu melhor amigo deitado numa cama de hospital?

Além do mais, eu mesmo tinha sofrido um acidente no dia anterior. Você pode pensar que isso

me daria um cartão para um dia fora da prisão, mas não, ao invés disso ela simplesmente me

deu aquele olhar que as mães dão. Ela não disse uma palavra, apenas me olhou até que eu

finalmente revirei os olhos e fui para o chuveiro.

Não tem como confrontar esse olhar, sabe? Não sem um crucifixo e água benta.

Page 42: Mudando Jamie

41

As horas se arrastaram, eu poderia jurar escutar cada tick que o relógio na frente da sala dava.

Dylan acenou para mim na hora do intervalo, mas ele estava sentado com seus amigos e eu

não me sentiria confortável indo lá. Eu não conhecia eles e eles não me conheciam, além do

mais, eu realmente queria ficar sozinho. Eu sentei à mesa de sempre, me sentindo chateado

demais para comer, depois de um tempo eu levantei e dei voltas no refeitório até que fosse

hora de voltar para a classe.

A tarde não passou mais de pressa que a manhã.

Apenas uma olhada do técnico para os meus machucados e arranhões e ele me mandou para

casa.

- Sem treino hoje; não mancando desse jeito - disse ele.

Tudo bem – eu não queria correr mesmo. Na verdade eu tinha mancado um pouco mais do

que o necessário só para ele não querer que eu treinasse.

Eu procurei por Dylan, mas não consegui achá-lo em lugar nenhum. Talvez ele ainda estivesse

no vestiário. Eu queria falar para ele que eu tinha visto o Billy antes de sair do hospital e

agradecê-lo de novo por ter me levado para tudo quanto é lugar.

Eu olhei para o meu relógio, se eu corresse eu conseguiria pegar o ônibus das quatro até o

centro, que me deixaria umas duas quadras antes do hospital. Eu corri pelo estacionamento

até o ponto de ônibus.

Um carro estacionou perto de mim, buzinando. Era Dylan.

- O que você esta fazendo aqui? - eu perguntei surpreso em vê-lo - Por que você não esta no

treino?

- Eu matei o treino. Entra aí, eu te levo até o hospital. É onde você esta indo, certo?

- Você... matou o treino? Dylan! Você tem uma bolsa na sua frente. É melhor você voltar lá e...

- Cala a boca e entra - disse ele rindo - Um treino perdido não vai me matar ou machucar meu

status. Rápido, antes que alguém me veja. Eu deveria estar indo pra casa com uma diarréia

daquelas.

Eu sentei ao lado dele e disse:

- Obrigado pela visão, amigo. Por que você esta pulando o treino? O Billy esta estável. Eu

procurei por você para te contar. Talvez seja melhor você voltar... tipo com um milagre ou

qualquer coisa do tipo - Eu não queria que Dylan se ferrasse por causa disso. Billy era meu

amigo, mas Dylan mal conhecia ele.

- Não. Tudo bem, mas foi bom saber do Billy. Você conversou com ele? Descobriu o que

aconteceu?

- Não. Eles o sedaram, estava dormindo quando eu saí.

Page 43: Mudando Jamie

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A viagem foi muito mais lenta do que no dia anterior, por causa do transito. Demorou quase

meia hora para chegar ao estacionamento do hospital.

Nós fomos avisados por uma enfermeira que Billy tinha sido transferido para um quarto

particular. Quarto particular. Os pais dele se deram ao trabalho de cuidar dele, eu pensei. Bom

é o mínimo, eles ficaram menos de meia hora com ele ontem. Eu estava magoado com eles, eu

sabia. Não tinha como esquecer a atitude do pai dele quando eu liguei procurando pelo Billy.

O quarto dele era no quinto andar, no fim do corredor, a porta estava aberta, por isso

entramos direto. Assim como eu imaginava, seus pais não estavam lá. O quarto cheirava a

desinfetante, quase limpo demais.

- Oi Billy - Eu disse parando perto da cama dele. Ele parecia bem melhor do que na noite

anterior – não tão pálido, embora a mancha preta continuasse lá. Os restos do lanche ainda

estavam na bandeja ao lado da cama.

- O que você esta fazendo aqui? O que ele esta fazendo aqui?

- Seja legal. Dylan me deu carona por toda a cidade ontem para procurar por você. O que você

estava pensando, Billy? O que aconteceu? Por que você não me ligou? Foi o Robbie? Eu não te

disse que ele seria ruim? - todas as perguntas que eu tinha na minha cabeça saíram voando

pela minha boca, eu quase nem parei para respirar.

Não dava para me controlar, eu estava muito aliviado em escutar a voz do Billy.

- Não aconteceu nada, eu estou bem - disse Billy asperamente.

- Mentira! Billy, você quase morreu.

- Olha, agente pode falar disso depois? Eu to meio ocupado sendo colocado em maquinas e

tendo enfermeiras furando minha bunda com agulhas a cada cinco minutos.

- Billy, eu mereço saber - eu retruquei.

Eu não me importava que as enfermeiras estivessem usando sua bunda como alvo de dardos,

ele tinha me levado ao inferno e eu queria algumas respostas.

- Não agora - Ele disse a mim embora seus olhos estivessem grudados em Dylan.

- Olha, eu vou estar no corredor se você precisar de mim, Jamie - Disse Dylan saindo não muito

feliz.

- Billy, ele tem sido muito legal com tudo o que anda acontecendo. No motel...

- Você esteve no motel?

- Foi ele quem trouxe você até o hospital, fomos nós que te achamos lá.

- Como vocês souberam onde me achar? - eu deveria ter percebido o medo em sua voz, a

suspeita, mas eu não percebi. Eu estava com muita raiva.

Page 44: Mudando Jamie

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- Dylan me deu carona até a Home Depot e nós falamos com Robbie.

- Vocês falaram com Robbie? Ai meu Deus! Ele perguntou sobre mim? Ele falou alguma coisa?

Se vocês irritaram ele eu juro que te mato!

Eu não estava com medo que Billy me machucasse, nas condições em que ele estava, a única

coisa que ele poderia matar era o tempo, mas esse não era o ponto. Como que ele poderia

ficar com raiva de mim? Foi eu quem salvou a bunda machucada dele. Robbie foi quem

colocou ele naquele motel xexelento e deixou ele meio morto!

- Não. Ele não perguntou de você. Na verdade, no começo ele negou que te conhecesse! Que

tipo de cara faz isso, Billy? O que você viu nele?

- Você não ia entender.

- Tenta.

- Olha, eu realmente gosto dele, ok? - Billy disse olhando para longe - Certo, certo, eu menti

para você. Eu te disse que sexta a noite era nosso primeiro encontro, mas não era verdade. Eu

já tinha saído com ele antes disso.

- Por que você não me disse?

- Porque eu sabia que você encontraria uma maneira de me parar. Depois de quinta-feira eu

sabia que não teria mais volta, por isso te contei.

- De que diabos você esta falando? O que você quer dizer com não tinha mais volta?

- Ele é positivo, Jamie.

- Positivo no que?

Billy suspirou, revirando os olhos.

- Positivo, Jamie. Ele é soropositivo.

Demorou um momento para eu entender, para eu perceber realmente o significado da

palavra. Então eu senti todo meu sangue descer para os pés, por um momento eu achei que

fosse desmaiar ou vomitar.

- Ele tem HIV?

Billy me bateu como se eu fosse um mosquito irritante.

- Cala boca! Você quer que o mundo todo te escute? Sim ele é positivo e com um pouco de

sorte, agora eu também sou

- Meu Deus, você é louco Billy. O que você fumou na festa? Você consegue escutar o que você

está dizendo?

- Eu achei que você não fosse entender! Eu amo ele, Jamie. Eu quero ficar com ele, eu não

quero me preocupar em pegar.

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44

- Você é louco!

- Não, eu não sou! - Billy lutou para conseguir sentar. Sua face era uma máscara de ódio.

Aquele não era o Billy que eu conhecia, era alguém usando a pele dele.

- Ele vai me aceitar se eu for positivo também. Ele vai querer ficar comigo. Olha, nós somos

gays, nós vamos pegar HIV eventualmente e nem é mais uma grande coisa. Tem remédios para

isso agora. Ele...

- Eu não posso mais escutar essa merda – disse eu, dando um passo para trás - Como que você

conseguiu bagunçar tanto a sua cabeça? Eu posso não ter a experiência que você tem com

caras, mas eu fiz meu dever de casa, Billy e ser infectado com HIV não é inevitável. Dá para

prevenir, pelo amor de Deus! Como que você pode ser tão estúpido?

- Eu sabia que você não ia entender! Vai embora! Me deixe em paz!

- Billy, você contou para os médicos que...?

- SAI! - ele gritou. Sua voz teve o mesmo efeito de um tapa.

Eu me senti tonto, machucado e acima de tudo, confuso. Eu dei um passo para trás, me

recusando a dar as costas para ele, como se ele fosse um cão raivoso que pudesse me atacar

pelas costas.

Não era possível, o que ele disse não fazia sentido, o HIV é prevenível! Por que diabos ele iria

querer pegar uma coisa que fosse matá-lo? Talvez os médicos houvessem drogado ele. É

deveria ser isso, ele não estava pensando claramente. Era um sonho, tinha que ser isso,

porque se ele estivesse falando sério, então ele tinha acabado de admitir que ele estava

procurando por um suicídio lento.

Aquele pensamento me assustou mais do que qualquer coisa tinha me assustado a vida

inteira.

Capítulo Dez.

Eu saí do quarto de Billy em choque, passando direto pelo corredor, eu não sabia onde estava

indo, não conseguia ver nada. HIV. As letras apareciam na minha cabeça com uma cor

vermelho sangue. Eu não conhecia ninguém que fosse positivo, inferno, eu nem conhecia

alguém que fosse gay, fora eu e Billy, mas eu sabia o que era AIDS e como o vírus progredia. Eu

tinha aprendido nas aulas de saúde e lido nos folhetos que havia na Biblioteca.

Agora eu também sabia que Billy estava tentando pegar a doença propositalmente e que

Robbie, o cuz*o talvez tenha passado para ele. Aquele bastardo! Quem tenta passar,

intencionalmente, HIV para outras pessoas. Que tipo de doidos eram esses?”

Page 46: Mudando Jamie

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Os tipos que não ligam para nada, esses eram eles, os tipos sem consciência. Eu fiquei com

tanta raiva que comecei a tremer. Eu queria voltar para o quarto de Billy e sacudi-lo até que

ele percebesse a realidade. Eu queria ir até a casa de Billy e falar com os pais deles por nunca

terem dado a mínima para ele.

Mas acima de tudo, eu queria chorar porque eu não poderia fazer nada do que eu queria.

- Jamie, o que aconteceu? Dava para escutar vocês gritando lá do corredor – disse ele

segurando meu braço para me forçar a parar.

- Eu preciso sair daqui, Dylan. Agora, por favor.

- Claro, claro. Vamos - Disse Dylan sem perguntar mais nada.

Mesmo quando nós já estávamos no carro e em movimento, eu ainda não conseguia falar, eu

só conseguia ficar lá, entorpecido, vendo os borrões de verde e marrom que passavam pela

janela.

Quando eu me dei conta Dylan estava estacionando num parque que ficava na vizinhança do

meu bairro.

- Vamos disse ele - Um pouco de ar fresco vai ter fazer bem.

Eu sacudi minha cabeça, eu não queria ar fresco. Eu não queria andar, falar ou fazer qualquer

coisa.

Dylan insistiu, abrindo a porta e me puxou pelos braços.

Uma pista de corrida, que serpenteava ao redor do lago, se abriu diante dos meus olhos. Não

era muito grande, mas era plana e o mais importante, deserta. Eu comecei a andar, depois a

correr.

Corri cada vez mais rápido, Dylan sempre do meu lado, embora eu soubesse que ele fosse um

corredor melhor que eu e que poderia se distanciar sem muito esforço. Eu mal o notei, eu não

estava correndo para me exercitar ou praticar: estava correndo – correndo de Billy, correndo

do espectro do HIV, correndo de Doug, minha mãe... de tudo e de todos. Mas eu estava

correndo mesmo da dor e da confusão que estava me rasgando.

- Devagar Jamie - disse Dylan correndo junto comigo, respirando forte assim como eu, sua mão

quente tocou minhas costas - Respire fundo.

Demorou alguns minutos, mas eu me cansei. Dylan e eu fomos até um banco que estava

próximo; nos sentamos lado-a-lado até que meu coração desacelerou e minha respiração

voltou ao normal.

- Billy está tentando se infectar com HIV - disse eu, olhando para a superfície espelhada do

lago. A única coisa que quebrava a água era um pato, nadando solitário.

- O que? Isso é loucura, você deve ter se enganado...

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- Não, eu não me enganei - disse eu firmemente - Ele foi tão claro quanto cristal - Eu senti

meus músculos repuxarem - Ele acha que ama Robbie. Robbie é positivo e Billy tem essa idéia

maluca de que se ele for positivo, Robbie vai querer ele.

- Jesus!

- É

Foi aí que eu perdi o controle. Acho que falar tudo em voz alta tornou tudo mais real. O

aguaceiro começou e não parou mais. Eu soquei minhas coxas, sem olhar para Dylan, eu não

queria que ele me visse chorando, então tratei de controlar para não começar a soluçar

histericamente.

As mãos de Dylan cobriram as minhas, me forçando a parar de me socar. As mãos dele

pareciam fortes e quentes e continuaram lá mesmo depois que eu me controlei. Os dedos dele

deslizaram pelos meus, e só aí eu percebi que ele não esta apenas me mantendo preso para eu

não me socar, ele estava segurando a minha mão.

Me surpreendeu o bastante para que eu me virasse e o olhasse. Ele estava olhando para lago,

seus olhos fixos em algum ponto distante, mas ele sabia que eu estava olhando para ele,

porque suas bochechas ficaram vermelhas e ele mordeu os lábios.

- Dylan - eu comecei... minha voz falhando.

- Me dá um minuto ok? - ele perguntou sem olhar em minha direção.

Nós continuamos assim por um bom tempo, ele segurando minha mão e eu me perguntando

o que estava acontecendo.

- Jamie, eu menti para você - disse ele em voz baixa - Talvez essa não seja a melhor hora, mas

eu preciso ser claro. Eu não consigo mais fazer isso.

Eu não sabia o que achar. Eu só sabia que ele estava segurando a minha mão, segurando

mesmo, e eu não queria que ele parasse. Eu escutei ele dizer que era mentira, mas eu não

ligava sobre o que ele andara mentindo. “Não me solta” eu pensei, tentando alcançá-lo

telepaticamente.

- Você estava certo, eu me dei mal na prova de Inglês de propósito. Não me entenda mal,

inglês não é minha melhor matéria, mas tampouco é a pior. Meu pai e o treinador me dão

muito tempo para estudar, eu menti sobre isso também.

Um dia antes do teste eu vi o Grayle fazendo a lista de tutores e estudantes. Eu disse a ele que

precisava de ajuda extra e pedi que me colocasse com você. Eu disse que agente fazia parte do

mesmo time, então era mais fácil para combinar os horários. Aí eu me dei mal no teste para

que ele não suspeitasse. Eu até balancei a folha para que você visse a nota.

- O que ? Por que? - Eu tinha acabado de ficar mais confuso do que antes. Ele tinha forjado a

nota ruim dele? O que ele estava tentando me dizer?

- É por isso - Disse Dylan levantando nossa mãos entrelaçadas - Eu não sabia como te contar.

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- Você é gay? - Eu perguntei espantado, sentindo meus olhos esbugalhados como os de um

desenho animado. Eu não sabia quantos choques eu poderia agüentar em um dia.

- Eu não sei - Eu podia sentir a dor na voz dele. Dylan ainda não olhava para mim e agora eu

sabia por que... era difícil fazer uma confissão e fazer contato visual - Eu tentei ser igual aos

outros caras. Eu namorei meninas, mas eu nunca achei uma que fosse...sei lá a certa para mim,

entende? Os moleques acham que eu sou O Pegador, mas a verdade é que eu nunca encontrei

uma menina que eu quisesse continuar vendo. Então, no ano passado, eu vi você no refeitório,

quando você e o Billy começaram a andar juntos.

- Eu?

- É , você. Você foi o único que eu gostei Jamie. Cara, eu não conseguia parar de pensar em

você, eu queria falar contigo mas eu não sabia como. Eu ignorei, disse que eu estava ficando

louco, mas não importava o que eu fizesse: eu não conseguia para de te olhar...até que eu

entendi que era porque eu não queria parar de te olhar. Olha, Jamie, eu não posso...quer

dizer, ninguém sabe...

- Então você não é assumido. Eu também não. Você e o Billy são os únicos que sabe...

- Você acha que eu sou gay?

- Eu não sei. Deus, eu pareço um vidente com todas as respostas certas? Só você pode saber

isso, Dylan, talvez você seja, talvez não... é só uma palavra cara. A única coisa que importa é

que você seja você mesmo e faça o que te faz feliz - Uau. Eu parecia mesmo maduro e sábio,

mas na verdade eu só estava colocando para fora o que eu tinha aprendido apanhando.

- Estar com você me faz feliz. Eu fui mais feliz essa semana do que eu fui quase a minha vida

toda - Disse ele. Dylan finalmente olhou para mim, seus olhos azul-esverdeados parecendo

sérios e assustados - Você gosta de mim, Jamie?

- Na real? - eu perguntei esperando que ele concordasse com a cabeça, hoje era o dia das

confissões, então eu ia me juntar ao movimento - Eu tenho uma queda por você há anos,

desde que éramos calouros na escola. Eu decidi essa semana que nós só podíamos ser amigos

e que eu tinha que parar com essa obsessão e continuar com a vida.

- Ah - Ele parecia decepcionado, da mesma maneira que ficaria se alguém colocasse uma

barreira muito grande para ele pular.

- Dylan, o que eu quis dizer é que antes eu gostava da maneira como você ficava no seu

uniforme. Eu não te conhecia; só agora que eu estou começando a te conhecer e eu estou

gostando muito. Se você fosse hétero isso significaria que agente poderia ser amigos, mas

agora... Talvez agente possa tentar ser mais que isso - Disse eu tentando explicar e esperando

não estar piorando a situação toda - Se você quiser, claro.

Nós ficamos em silêncio, olhando para a água. Eu decidi que precisava daquilo, precisava de

Dylan e precisava curtir a sensação da mão dele na minha. Eu queria guardar o momento, caso

ele dissesse não.

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48

Ele não disse não, mas quando falou foi num sussurro quase inaudível.

- Eu nunca beijei um cara antes, Jamie.

- É? Eu também não - E era verdade, agente vivia em uma cidade pequena, o único amigo gay

que eu tinha era Billy e eu nunca havia me sentido conectado com ele desta maneira. Simples

assim: Billy não era o meu tipo.

Eu nunca tinha ido à um clube com ele porque eu era muito medroso para tentar usar a

identidade falsa que ele fizera para mim, logo, a minha experiência nesse campo se resumia a

nenhuma.

- Eu quero muito te beijar – sussurrou Dylan.

Quantas vezes ele já havia me dito isso em sonho? E nos meus sonhos eu sempre tinha a

resposta certa. Eu era sexy, sedutor e sofisticado. Nos meus sonhos acordados eu sempre

soube o que eu estava fazendo.

Agora, que ele realmente falara, tudo o que eu consegui dizer foi “Ah, claro” , como se ele

houvesse me convidado para correr ou discutir Hamlet e não que ele houvesse realizado

minha fantasia de anos.

Já Dylan tinha muita experiência em beijos, mesmo que não houvesse sido com homens.

Ele soltou minha mão... tudo bem para mim, eu sabia que o que vinha era infinitamente

melhor do que dar as mãos, e colocou seus braços em volta do meu ombro.

A outra mão dele tocou minha bochecha, suavemente, bem de leve e ele me olhou por um

longo momento antes de se aproximar, seus olhos se fechando.

Os meus continuaram abertos, eu não queria perder um minuto sequer, eu queria memorizar

a coisa toda, sentir todo o prazer que eu pudesse no caso dele decidir que nosso primeiro beijo

seria o último.

Os lábios deles pressionaram os meus, suaves e quentes, eu não resisti e toquei sua face. Sua

respiração esquentou meu rosto e seu outro passo enlaçou minha cintura, me trazendo para

ainda mais perto.

Eu sempre li historias onde os autores diziam coisas como “e ele derreteu dentro dos meus

braços”, e eu sempre ria porque eu lembrava da Bruxa Má do Oeste derretendo depois que

Dorothy jogava um balde de água nela, no Mágico de Oz.

Que mundo, QUE MUNDO! Agora eu sabia o que os autores estavam dizendo, porque era

verdade, agente realmente derretia.

Meus ossos viraram geléia, minhas entranhas se liquefizeram. Era o tipo de sentimento que

agente tinha quando tomava um copo de chocolate quente depois de um dia estressante e

frio: me esquentou de dentro para fora.

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Os lábios deles se afastaram e eu senti sua língua, só por um momento antes que ele a tirasse

rapidamente. Eu imaginei que ele houvesse se assustado – eu mesmo estava tremendo um

pouco. Muita coisa e muito rápido, eu achei.

Nós sorrimos, um pouco embaraçados. Meu corpo fez coisas que eu não queria que ele

soubesse e pela sua cara e a maneira como ele se afastou de mim, Dylan teve o mesmo

problema, o que fez meu sorriso tímido se alastrar por todo o meu rosto. Eu virei minha

cabeça, para que ele não pudesse me ver até eu estar recuperado.

- V-você está bem? - eu perguntei, pedindo com todo o meu coração que ele não fosse dizer

“ECA!” e decidisse que me beijar fora um terrível engano.

Mas ele não fez nada, ao invés disso ele sorriu e segurou minha mão de novo.

Nós ficamos lá até que o sol se pôs, vendo o céu se tingir de laranja e azul até se tornar

púrpura. Ele nunca soltou minha mão.

Capítulo Onze

Eu não tinha esquecido Billy, eu continuava com raiva e machucado, mas estar com Dylan me

ajudou muito. Pelo menos eu não estava sozinho.

Quando Dylan me deixou em casa ele me beijou de novo, foi rápido desta vez, eu o empurrei

logo, com medo que minha mãe ou Doug estivessem olhando através das cortinas. Ele

prometeu me encontrar depois das aulas para conversarmos sobre Billy.

Doug estava roncando na sala de estar quando eu entrei em casa. Ou mamãe tinha expulsado

ele do quarto ou ele estava bêbado demais para encontrar o caminho. Eu afanei um

refrigerante da geladeira e me enfiei no meu quarto. Normalmente eu iria bater na porta dela

e tal, mas eu não queria falar nada sobre Billy aquela noite, e ela, com certeza, perguntaria.

Além do mais eu estava me sentindo tonto e aquecido depois do tempo que eu passei com

Dylan e não queria que nada arruinasse isso.

No meu quarto eu liguei a luz e o computador. Eu não estava totalmente certo de onde

começar e fiquei olhando a página do Google por um instante. Finalmente eu digitei “Infectado

pelo HIV propositalmente”.

A primeira reposta que eu tive foi “Caçadores de pragas”. As outras cinco também. Eles estão

zoando com a minha cara? eu pensei, Google estúpido, eu aqui procurando um tópico sério

sobre HIV e eu acho uma propaganda de exterminadores de insetos.!

Eu redigitei as palavras e apertei enter.

Page 51: Mudando Jamie

50

Os mesmo resultados. Eu suspirei e cliquei no primeiro resultado, esperando achar fotos de

baratas, formigas e outros bichos desses.

Mas eu não achei.

Era um artigo que aparecia em uma revista GLSBT, chamada The Advocate. Eu comecei neste

artigo e fui até os outros, por quase duas horas. O que eu aprendi me deu medo.

Caçadores de Pragas (Bug Chasers) era pessoas como Billy, que propositalmente queriam ser

infectados com o vírus, ou a praga, como eles chamavam. De acordo com o que eu lia havia

muita desinformação e as pessoas achavam que a medicina estava avançada o bastante para

tratar o HIV,levando à cura ou que impedisse a transformação do vírus na AIDS.

Lá no fundo eu imaginava que fosse achar algo que me ajudasse a entender a decisão de Billy,

alguma coisa que eu tinha perdido ou não sabia. Alguma coisa que me fizesse me sentir

melhor, mas eu não achei. Tudo o que eu achei foram sites que diziam as mesmas coisas. Não

existia vacina, nem remédios que impedissem que o vírus evoluísse para AIDS.

As drogas que existiam eram caras e os efeitos colaterais eram terríveis. O vírus poderia mutar,

como numa porcaria de um filme de ficção cientifica , para um tipo que o remédio não fazia

efeito. Quanto mais eu lia, mais preocupado com Billy eu ficava e cada vez menos eu o

entendia.

Alguns caras, como o Billy, acham que se tornar infectado era inevitável para homens gays.

Resposta errada, de novo. Camisinhas PREVINEM a infecção, até eu sabia disso. Quer dizer,

existe um motivo para eles chamarem de sexo seguro. Todos esses cartazes e propagandas na

teve não estavam simplesmente lá só porque era bonito. Estavam lá porque falavam a

verdade.

Alguns ainda achavam que se seus parceiros eram contaminados, eles deveriam ser também,

porque o vírus os tornaria mais próximo deles.

Não, não, não. Eu pensei enquanto lia. Aquilo não fazia sentido algum. Dois doentes não

fariam a morte se tornar mais fácil. Além do mais, se o cara realmente te amasse ele não iria

querer que você ficasse doente, certo? Quanto mais eu lia, mais confuso e com raiva do Billy

eu ficava.

Eu me levantei e fui até a geladeira pegar outro refrigerante. Andando de vagar para não

acordar o Doug. Mas nada do que eu fizesse poderia ter acordado ele – ele estava desmaiado.

Eu poderia ter gritado na orelha dele e mesmo assim ele continuaria lá, desmaiado, sem piscar

um olho.

Voltando para minha mesa eu cliquei nos outros sites até meus olhos queimarem e a única

coisa que todos os sites tinham muito em comum era que esses caçadores de pragas eram

considerados pessoas com baixo autoestima , às vezes depressivos e autodestrutivos. Nada

daquilo parecia com Billy para mim, já que ele sempre parecera seguro e nunca ligara para o

que ninguém pensasse.

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Alguns eram alcoólatras ou viciados em drogas. Billy não usava drogas, nem bebia. Ele me diria

se usasse ou bebesse, certo? Amigos são para essas coisas.

Alguns não viam o perigo no que estavam fazendo, outros ficavam tão paranóicos com a idéia

de poderem contrair o vírus que preferiam serem infectados de uma vez. Mas pior que tudo

isso eram os “Presenteadores”, aqueles que sabiam que tinham o HIV e repassavam para

qualquer um que quisesse o que eles chamavam de “presente”. Presente do demônio. Eu

imediatamente pensei em Robbie, será que ele era um desses cara? Ele não ligava nem um

pouco para Billy? Algumas vezes eles repassavam o vírus sem consentimento e isso era

considerado crime em países como os EUA, Brasil, entre outros. Pelo menos alguma coisa que

eu li fizera sentido, já que desde que passar HIV para alguém era a mesma coisa que colocar

uma bala na cabeça – só que era uma bala lenta que não matava instantaneamente.

Eu finalmente desliguei o computador, incapaz de ler qualquer outra palavra.

Sentado, sozinho no meu quarto, duas latas de cocas vazias, eu olhei para a guitarra e me

lembrei das horas que eu passara com Billy jogando Guitar Hero. Parecia que já faziam séculos.

Tudo o que eu pensava agora era em Billy...parecia que não o conhecia no fim das contas. Ele

parecia mimado e egoísta, porque tudo tinha que ser sobre ele, porque ele era aquele que

realmente importava. Parecia que o único motivo para ele andar comigo era o fato de receber

minha atenção e isso me deixou bravo.

Eu tinha Dylan e talvez uma chance no amor, algo que Billy levou até as últimas consequências.

Se Billy houvesse alcançado sucesso na sua busca pelo vírus, tudo o que ele teria era o vírus

que estaria com ele até o fim de sua curta vida.

Ele só tinha dezessete anos.

Eu caí em prantos de novo e desta vez Dylan não estava lá para me confortar.

****

Eu me revirei à noite toda, incapaz de dormir. O rosto de Billy me assombrou, sempre gritando

para que eu saísse do quarto; eu me sentia como se não o conhecesse mais, talvez eu nunca

tenha.

Ele era um estranho usando o rosto de um amigo.

Lá fora o céu estava cinza e pesado, havia chuva de acordo com a previsão do tempo. Na

escola eu hesitei em procurar Dylan, o que agente tinha era tão novo e frágil que eu tinha

medo de falar com ele, temendo que alguém visse agente me publico. O que eu faria se ele me

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ignorasse ou pior: ficasse bravo. Eu não queria que os amigos dele houvessem um idéia

“errada” da gente. Parecia que eu estava andando em cascas de ovos.

Eu o vi encostado na parede da quadra de basketball, ele estava ótimo em seus jeans e sua

camisa cinza aberta, revelando a camiseta branca por baixo que contrastava com sua pele

bronzeada.

Dylan estava rindo de alguma coisa com seus amigos, as covinhas aparecendo na bochecha. Eu

me lembrei de tocar aquelas bochechas enquanto agente se beijava. Os olhos de Dylan

passaram por mim e eu vi uma sombra passando por eles. Ótimo - eu pensei me virando – ele

não quer falar comigo em publico. Eu até entendia, mas eu precisava dele, principalmente

depois daquela noite. Eu queria dividir as informações que eu havia descoberto e conversar

com ele sobre o assunto para ver se fazia sentido. Eu continuei indo em direção às mesas de

piquenique que ficavam fora do refeitório

- Hey Jamie! Espera!

Eu parei, olhando para trás e vi que Dylan corria para me alcançar, sua bolsa pesada

chacoalhando pela alça presa em apenas um braço. Eu senti um grande alivio enquanto

esperava por ele.

- Você esta com uma cara péssima - disse ele, seus olhos turquesa expressando preocupação.

Ele se importava comigo? Eu senti uma inexplicável bolha de felicidade rompendo em algum

lugar na minha mente perturbada.

- Eu não consegui dormir. Você tempo para agente conversar antes das aulas? - eu perguntei

olhando para seus amigos, para que assim ele percebesse que a questão mesmo era: Você

pode conversar comigo com seus amigos olhando?

Seus olhos seguiram os meus.

- Você se preocupa demais. Até onde é da conta deles, nós só estamos conversando sobre

Inglês 4. Hamlet, lembra? - o sorriso fácil voltou e ele piscou para mim - Vamos sentar.

Eu concordei.

- É, inglês. Ok – eu o segui até uma das mesas de piquenique e me sentei na sua frente.

Para completar a ilusão tirei meu notebook e o livro de Inglês 4 da mochila , abrindo-o em uma

pagina qualquer

– Eu pesquisei na net, na noite passada e Dylan você não vai acreditar no que eu descobri ...

Por cinco minutos minha boca se mexeu sem parar, contando tudo o que eu aprendera.

Quando eu terminei as lágrimas queriam sair de novo e ele parecia estar com raiva. Dava para

ver que ele seus músculos estavam retesados e suas sobrancelhas quase se encontravam.

- Ele fez isso para ele mesmo, Jamie. Não ouse colocar a culpa em você. Você não colocou a

idéia na cabeça dele, colocou? Foi você que juntou ele e Robbie ou levou ele até a festa? Não.

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- Eu sei, eu sei, mas eu deveria ter visto que havia alguma coisa errada!

- Besteira! Você deveria ser amigo dele, mas ele não confiou o bastante para te contar sobre

isso tudo, por quê?

- Ele disse que eu não entenderia e ele estava certo: eu não entendo.

- Não. Ele estava com medo que você tentasse pará-lo, Jamie! Por isso que ele mentiu para

você, por isso que ele não te contou, porque ele sabia que você nunca o deixaria fazer isso.

- Eu não sou pai dele, Dylan. Eu não poderia ter impedido ele.

- Talvez não, mas você teria tentado. Você teria feito a pesquisa antes e quando você soubesse

o que você sabe, você teria alertado, discutido com ele. Ele não queria que ninguém jogasse na

cara dele as consequência do que estava fazendo.

- Eu também acho.

- Olha, agente não sabe se ele é positivo. Vamos voltar ao hospital depois do treino, ok? Nós

podemos falar com ele de novo.

Eu concordei.

- Valeu, Dylan.

- Hey, é para isso que os namorados servem, certo?

Fala sério! Essa era a última coisa que eu esperava ouvir e era estranho. Bom, mas estranho,

maravilhoso, mas estranho. Eu sorri de uma maneira idiota, sentindo minhas bochechas

esquentando o suficiente para grelhar um hambúrguer.

Eu tinha, oficialmente, um namorado e o dia pareceu muito mais bonito depois disso.

Capítulo Doze

Eu ainda não queria tomar banho com os moleques, mesmo que Dylan fosse oficialmente meu

namorado; na verdade agora mesmo que eu não queria tomar banho com ele.

Eu não confiava que meu corpo não fosse me trair, eu simplesmente sabia que se visse ele nu

eu teria uma ereção instantânea e algumas vezes só água fria não adiantava, sabe?

Manter minha rotina de sempre era difícil. Eu queria estar com Dylan, mas era arriscado

demais, então eu enrolei lá fora, esperando que todo mundo, inclusive Dylan, houvesse

terminado. Me vesti o mais rápido que pude e o encontrei no estacionamento. Quando

cheguei lá todo mundo já havia ido embora.

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- Onde é que você estava? – perguntou Dylan enquanto eu me sentava no assento do

passageiro – Eu me virei por três segundos e você tinha sumido.

- Caso você não tenha percebido, eu não tomo banho com os garotos.

- Eu percebi, na verdade. Por que não?

Eu revirei meus olhos.

- Por que? Caras pelados é igual a problemas que seriam notados e eu não quero ter esta

conversa com o treinador.

Dylan riu.

- Eu sei exatamente do que você esta falando. Você já me olhou no chuveiro?

- Por favor, é sério e por favor, presta atenção na estrada porque eu não quero passar o dia

sendo resgatado das ferragens do seu carro.

- Eu já olhei para você.

Minhas bochechas começaram a queimar de novo. Eu sabia que ele já tinha me visto nu, aliás,

ele tinha batido na minha bunda, com a toalha molhada, na última vez em que estivemos

juntos no chuveiro. Só que eu nunca tinha percebido que ele olhava para mim mais do que

olhava para os outros garotos. De repente eu estava interessado em saber se ele gostara do

que vira, não que eu tivesse coragem de perguntar.

Eu limpei minha garganta.

- É? Eu já olhei para você algumas vezes também.

- E você gostou do que viu?

- Dylan!

- Bom, você gostou?

- Pode parar de tentar ganhar elogios.

- Eu gostei do que eu vi – disse ele com um sorriso grande no rosto. Meu jeans estavam

apertados em certas partes do meu corpo, por isso eu não tomava banho com ele –

Especialmente depois de ter puxado sua toalha. Por que você decidiu tomar banho de toalha?

É uma coisa estranha de se fazer.

Era obvio que ele já sabia a resposta.

- Pervertido – disse eu sem saber realmente o que dizer... ou eu deveria ter dito “Obrigado,

quer ver de novo?”

- Um pervertido conhece o outro.

- Nossa! Agora você me machucou – disse eu sarcasticamente enquanto Dylan ria.

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Ele ficou sério depois de um tempo, as sobrancelhas se unindo em uma única linha.

- Eu não tenho certeza se gosto de me esconder, Jamie. Eu não sou muito bom nisso. Tipo,

uma coisa era quando eu não tinha certeza, mas agora que agente está junto... eu não gosto

de não ficar contigo na escola. Odeio não poder conversar com você sem desculpas e eu não

gosto que você ande dez passos atrás de mim para que ninguém ache que nos estamos juntos.

- O que você quer dizer? Que você quer se assumir?

- Talvez.

- Você sabe em que tipo de encrenca agente se meteria? Uma vez que você se assume você

não pode voltar para o armário, Dylan. Além do mais, nós nem estamos juntos há 24 horas, eu

acho que você nem teve tempo para pensar no assunto.

- Acredite, eu não fiz nada além de pensar sobre tudo isso. Quer saber no que eu estive

pensando em particular?

- No que?

- Eu estive pensando no baile de formatura – disse ele me olhando.

Não havia sorriso, não havia uma cara engraçada, ele parecia extremamente sério.

- Você esta me convidando para o Baile? – disse eu engasgando, essa era a última coisa que eu

esperaria naquele momento.

- Por que? Eu deveria estar de joelho ou coisa do tipo?

- Eu criei um monstro – disse eu para o teto do carro.

- Eu não vou se eu puder te levar. Eu estou falando sério, Jamie.

- Dylan...

- Eu estou falando sério. Agente só tem uma formatura e eu quero estar com você.

Eu senti aquela sensação do chocolate quente no fim de um dia frio e não pude conter meu

sorriso. Eu queria gritar “Sim!”, começar a escolher o terno e todo o resto, mas alguma coisa

me dizia para ir devagar.

- Olha, agente tem dois meses até lá. Vamos fazer os SATs, resolver essas merdas com Billy e

no fim de tudo agente vê isso. Pode até ser que você nem goste de ser meu namorado – disse

eu, as palavras drenando toda aquela sensação boa.

Eu odiaria que Dylan me desse um pé, mas vamos encarar: Dylan era a Copa do Mundo e eu

era o campeonato de Juniores, mais cedo ou mais tarde ele iria perceber isso.

- Você pode descobrir que não gosta de garotos ou encontrar alguém melhor que eu.

- Eu nem vou discutir sobre isso, Jamie. Eu já disse que gosto de você e a noite passada eu não

conseguia dormir porque eu estava de pau duro.

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- Por favor! – disse eu colocando os dedos nos ouvidos – Não me dê a imagem que eu acho

que você quer me dar. Tenha um pouco de piedade, Dylan!

- Jamie, alguém já te disse que você é um pé no saco?

- Sim, Billy dizia isso o tempo todo e ele estava certo. E tipo, agente nem teve um encontro

ainda.

- Nós fomos ao parque, você estava chateado mas a noite terminou muito bem.

Seu sorriso me dizia que ele estava lembrando do nosso beijo. Minha barriga esquentou ao

pensar sobre o assunto também.

- Eu sei, mas aquele não foi um encontro real. Vamos dar um passo de cada vez, ok? Se

assumir é um passo muito grande.

Dylan concordou, mas eu não poderia dizer se ele estava feliz com a minha falta de

entusiasmo.

- Chegamos – disse ele saindo da estrada e estacionando – Alguma idéia do que você vai dizer

ao Billy?

- Não. Mas eu vou descobrir quando chegar lá.

Eu só esperava que ele não me chutasse para fora de novo.

****

Eu não tive que ensaiar o que eu iria dizer; Billy não estava mais lá. Em seu lugar havia um

homem gordo que olhou para nós com curiosidade quando enfiamos nossas cabeças pela

porta. As enfermeiras não deram muitas informações, a não ser que alguém tinha vindo busca-

lo. Ou era o pai dele ou era Robbie.

Eu sinceramente queria que fosse com o pai dele, eu odiava a idéia de que poderia ter sido

com Robbie. Não parecia que poderia haver um final feliz para os dois.

- E agora? – perguntou Dylan enquanto agente saía do elevador e alcançava as portas

principais.

- Eu não sei. Ele pode estar em casa, pode não estar.

Peguei meu celular na mochila e liguei para Billy. Eu não esperava que ele atendesse, não

depois da nossa discussão e eu estava certo: caiu na caixa postal; só o que me restou foi deixar

uma mensagem para que ele me ligasse.

Eu também duvidava que ele fizesse isso.

- Bom, nesse caso é uma boa hora, então.

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- Boa hora para que? – eu perguntei sem saber o que poderia haver de bom em uma viagem

perdida e saber que Billy tinha sumido de novo.

- Para o nosso primeiro encontro. Eu estou pensando em um jantar e cinema.

- Não, obrigado, eu estou quebrado.

- Eu não sei como eram os caras com que você saia antes, mas nos meus encontros quem paga

sou eu – disse Dylan levantando as sobrancelhas para mim.

- O único cara com que eu saí antes, foi... deixa eu ver... Billy. E não eram encontros nesse

sentido. Agente só andava junto.

- Ótimo, marcado então. Algum lugar em especial que você queira ir?

Eu não me lembrava de ter marcado nada, mas eu estava com fome e não queria que meu

encontro com Dylan acabasse rápido.

- Qualquer lugar que você quiser. Você que está pagando mesmo.

- Ótimo de novo. Então vamos em um italiano. Que tal no Guido, na avenida Harrison? Eles

tem um linguini maravilhoso.

- Dylan, eu pensei em fast-food, não em um restaurante.

- Por que não?

- Porque as pessoas vão saber, só por isso.

- O que eles vão saber? Nós somos dois caras passando um tempo junto. Igual a você e Billy.

Eu suspirei.

- Ok, mas não segure a minha mão, não abra portas, não puxe a cadeira, não faça o pedido

para mim e nem pense em brincar com os pés embaixo da mesa.

- Brincar com os pés? Você esta zuando? – disse Dylan ligando o motor – Quem faz isso?

- Deixa para lá – eu respondi corando. Eu meio que gostava da idéia de ter os pés dele alisando

minhas pernas embaixo da mesa. Mas ele, evidentemente, não dividia essa fantasia comigo –

Só não faça.

- Entendi: não ser cavalheiro e sem fetiches com pés – disse ele tentando manter o rosto sério,

sem sucesso.

- Muito engraçado – disse eu rindo.

Bom, isso vai ser, no mínimo, interessante – eu pensei. Eu estava a alguns passos de ter o meu

primeiro encontro oficial com o cara dos meus sonhos. Eu poderia não saber muita coisa de

encontros, mas eu sabia que eles normalmente terminavam com um beijo de boa noite e de

repente eu me peguei desejando que o dia já houvesse acabado só por este momento.

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Capítulo Treze

Dylan nos levou até o Guido’s, um restaurante não muito caro, que era especializado em

comida italiana. A fachada do restaurante não era grande coisa, era apenas um longo toldo

verde e arbustos. Tinha uma pequena fonte branca e um holofote azul iluminado a entrada.

O interior era escuro, as mesas iluminadas apenas por velas dentro de garrafas de vinho, na

parede ao fundo havia um mural do que eu achava ser o Monte Vesúvio e a Torre de Pisa, o

teto era pintado para parecer a Capela Sistina, todas as outras paredes eram cobertas com

fotografias da Itália, querubins, capa de discos do Frank Sinatra e uvas de plástico. Estátuas de

plástico de tamanho real guardavam as entradas do banheiro.

- Parece a Itália, né? – disse Dylan num sussurro, enquanto agente esperava nossa vez para

sentar. Eu podia escutar o sarcasmo em sua voz e tive que engolir meu sorriso.

- Parece mais que eu estou em uma loja de souvenir brega. Eles tinham mesmo que colocar

um sutiã na Vênus de Milo?

- Eu estou mais impressionado com o tapa sexo de Davi.

-Se houvesse um pouco de brilho no tapa-sexo, ele poderia arranjar um emprego de striper –

eu comentei, não resistindo à vontade de rir. Tentei não rir muito, já que eu tinha visto o

Maitre olhando para nós algumas vezes.

Nossos lugares foram mostrados pouco tempo depois e Maria, nossa garçonete, nos deu os

menus e uma cesta de pães.

Maria era uma garota bonita, que usava seus longos cabelos loiros soltos e um avental com

pizzas, espaguetes e almôndegas.

- Vocês querem alguma coisa para beber antes de pedir? Eu preciso ver alguma identidade

antes – perguntou ela como se agente fosse pedir o bar inteiro com gelo.

- Eu quero uma Coca – disse Dylan lançando um sorriso perfeito e ela pegou mais leve com a

gente instantaneamente, aliás, com agente não, com Dylan.

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Eu tinha, de repente, me tornado um camaleão, me misturando perfeitamente com a toalha

de mesa brega e não era mais notável. Os olhos dela nunca deixou o rosto de Dylan, mesmo

quando estava falando comigo.

- Quero o mesmo – disse eu secamente.

Ah fala sério! A única coisa que restava era ela dar aquela jogada de cabelo e o flerte estaria

completo.

E ela fez. Ela balançou a cabeça igual a um maldito cavalo, balançando a crina oxigenada. Só

faltou relinchar.

- Já volto com as bebidas – disse ela à Dylan.

- isso acontece com frequência? – eu perguntei assim que ela estava fora de alcance.

- Isso o que?

- Você ser paquerado, seu idiota. Ela praticamente pulou no seu colo.

- Você esta louco. Ela só estava sendo legal, é só isso – disse Dylan pegando um pão e

mordendo a metade dele.

Ele, de repente, pareceu muito sério, abaixou o outro pedaço de pão e começou a tamborilar

os dedos nele .

Eu me lembrei instantaneamente da coisa que ele fazia com a caneta e percebi que ele

tamborilava as coisas quando estava nervoso.

- Ok – continuou ele – Ela flertou comigo. Mas eu estou aqui com você Dylan, não com ela.

Ele achou mesmo que eu estava falando sério? Eu não estava... bom eu estava um pouco.

- Desculpa, eu não estou acostumado com isso. Eu estou esperando você ir ao banheiro e não

voltar nunca mais.

- Por que eu faria isso? Eu tenho o cara mais bonito da escola aqui comigo. Encare Jamie: você

esta preso à mim.

Eu sorri e fiquei feliz pela escuridão esconder minhas bochechas vermelhas. Não acreditei em

uma só palavra, é claro, mas era bom ouvir.

- Ok, desculpa. Você vai comer esse pão ou vai transformar ele em farinha? – disse eu

indicando com a cabeça o pedaço de pão.

Dylan sorriu e levou o pão em minha direção. Sem pensar eu abri a boca e peguei o pão de

seus dedos. Eu mastiguei e engoli antes que eu pudesse perceber o que tinha feito.

Meu rosto ficou mais quente enquanto eu olhava em volta para ver se alguém tinha percebido.

- O que foi? – perguntou Dylan.

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- Caras não dão pedaços de pão aos amigos. Você já deu comida na boca de um de seus

amigos do time? Não. Você quase entregou agente.

- Jamie, ninguém esta prestando atenção na gente. Está escuro aqui e todo mundo está

preocupado em comer ou tentando ler os menus sob a luz da vela. Ninguém liga – afirmou ele

indicando os outros clientes com a mão.

Ele estava certo, ninguém parecia olhar, ninguém estava dando a mínima atenção. Eu me

sentia melhor, mas fixei na mente que eu deveria ficar alerta.

Maria voltou com nossas Cocas e outra cesta de pães, que ela colocou na mesa ao lado de

Dylan. Eu notei que o braço dela tocou as costas dele, mas eu segurei minha língua. Falar um

monte para a garçonete com certeza ia chamar muito atenção.

- Vocês já se decidiram? – perguntou ela.

Engraçado, eu não lembrava que a voz dela fosse tão sensual.

- Sim, eu vou querer Penne com linguiça e salada – respondeu Dylan entregando o menu para

ela e olhando para mim – Jamie? O que você vai querer?

- O mesmo – disse eu fechando o menu com um estalo e entregando para Maria. Ela aceitou

sem ao menos olhar na minha direção.

Existia uma lição ali: as mulheres gostavam de Dylan pelos mesmos motivos que eu. Ele era

bonito, alto, com ombros largos e era legal. Eu ia ter que me acostumar com as garotas

flertando com ele se agente fosse mesmo namorar.

Se eu fosse outra garota, Maria provavelmente não teria flertado assim, tão abertamente, mas

eu não era. Eu era um cara e por tanto, não era concorrência. Até onde Maria se preocupava,

era como se ele estivesse sozinho. Era temporada aberta de caça à Dylan e ela tinha trazido

armas grandes.

Eu quase me senti mal por ela; ela nem sequer tinha chance com ele. Mas eu não poderia

ajudar, então deixa ela sonhar, deixa ela flertar. Era eu quem estava sentado com ele

recebendo pão na boca.

Eu sorri, me achando.

O pene e a linguiça eram ótimos, servidos com um molho de tomate espesso e uma tonelada

de queijo parmesão gratinado. Nós dois tomamos duas cocas e dividimos um tiramissu de

sobremesa. Quando Dylan foi pagar a conta eu me sentia estufado e nem liguei que Maria

tinha escrito seu numero no comprovante de pagamento.

- Espera um pouco – disse Dylan colocando um braço em torno do meu ombro assim que

agente deixou o restaurante – Eu preciso achar uma lata de lixo. Eu já volto ok?

- Te encontro no carro – disse eu balançando a cabeça e agarrando as chaves que Dylan havia

jogado.

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O carro estava numa vaga no fim do estacionamento, eu havia chegado no Mustang e estava

tentando colocar a chave na fechadura quando senti que alguém estava trás de mim. Achei

que fosse Dylan mas era Robbie, o Cuz*o.

- Achei que fosse você no restaurante. Onde está o seu gatinho? - perguntou ele ficando tão

perto que eu estava praticamente preso entre o carro e ele.

- Ele já vai voltar – eu grunhi – O que você quer?

Robbie era a última pessoa que eu queria ver na face da terra e o fato de ele estar invadindo

todo meu espaço pessoal está me irritando seriamente.

- Você tem falado com Billy?

- Não – eu menti, se eu houvesse falado ou não, era problema meu e não dele.

- Ele disse que sim e disse que você se meteu na nossa história. Quando eu te vi lá dentro achei

que fosse um bom momento para explicar algumas coisas.

- Eu não quero escutar nada que você tenha a dizer – disse eu tentando sair pelo lado, mas ele

se mexeu comigo me mantendo preso.

- Escuta aqui seu merdinha, o que eu e Billy fazemos é da nossa conta. É direito dele, decidir o

que fazer com o corpo. Ele queria o vírus. Queria. Eu não forcei ele a nada.

- E-ele é positivo?

- Se tiver sorte é.

Então Billy não sabia se ele era positivo ou não, eu pensei, ele ainda tem uma chance.

- Sorte? É assim que você chama?

- É, ele nunca mais vai ter que se preocupar em ser infectado de novo. Ele pode relaxar e se

divertir.

- É a pior desculpa que eu já escutei. Uma pessoa não é livre para injetar o Ebola em si mesmo

só porque ela quer. Essa pessoa também não é livre para passar para outra pessoa só porque

um retardado acha que quer. Billy só acha isso porque assim talvez você o queira.

- Ele faz parte do clube agora... ou vai ser se ele for positivo e vai haver um monte de caras

para ele.

- Ele te ama!

Robbie riu.

- Ele foi divertido, mas nós já terminamos. Eu fiz o que poderia por ele.

- Me deixa em paz, Robbie. – eu avisei.

Eu estava de saco cheio de olhar para ele.

Page 63: Mudando Jamie

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- O que foi bebê? Você não quer fazer parte do clube? – perguntou ele abaixando a voz e me

jogando contra o carro, seu rosto à centímetros do meu.

Dava para sentir o cheiro de algo forte e alcoólico em seu hálito.

- Vai ser legal – continuou ele – Eu vou te iniciar e se não funcionar agente vai a uma festa. Aí

você vai receber o presente, igual a Billy.

- O presente é uma mentira! – eu gritei empurrando-o com força, me dando uma chance para

sair dali.

Eu não tinha dado dois passos antes que ele me puxasse pelo braço para me forçar a encará-lo.

- Se você não quer o presente, ok, mas mantenha essa boca fechada sobre o que você sabe.

Entendeu? – perguntou ele cravando seus dedos no meu braço. Então ele se virou, olhou por

cima dos ombros e foi embora.

Quando Dylan chegou eu estava tremendo como um bambu, não de medo e sim de raiva.

- Era o Robbie? O que ele queria? O que ele disse? Você está bem? – perguntou ele

sucessivamente.

Ele pegou as chaves e abriu a porta do carro, me fazendo sentar.

- Ele queria me dar um aviso, eu acho. Eu acho que ele não quer que agente saia falando sobre

o que agente sabe, sobre ele tentando infectar Billy.

- Por que? Ele está com medo? – perguntou ele sentando ao meu lado sem ligar o motor.

Eu encolhi os ombros.

- Billy é menor de idade... mesmo com consentimento, de alguém maior ou não, isso traria

complicações à ele. Se Billy ou os pais dele quisessem, poderiam colocar Robbie em um mundo

de problemas.

Eu joguei minha cabeça para trás, tentando relaxar. Tinha sido uma noite perfeita até Robbie,

o cabeça de merda, estragar tudo.

- Eu acho que você não vai querer ir ao cinema agora, né? – perguntou Dylan segurando a

minha mão e acariciando minha pele com seu polegar.

- Não, eu acho que não. Ele me deixou mal, Dylan.

- Eu sei. O que você quer fazer?

- Ir para casa... desculpa.

- Hey, não foi culpa sua. Agente pode tentar de novo no sábado, depois que agente voltar da

corrida.

Cara, eu tinha esquecido da corrida em South Westfield. Eu tinha coisas muito mais serias para

me preocupar.

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- Claro , vai ser ótimo – disse eu.

- Tem certeza que você esta bem?

- Sim, eu tenho.

Dylan olhou pela janela e depois para mim. Ele levou seus dedos ao meu rosto e contornou

meu maxilar.

- Posso ter um beijo de boa noite antes de irmos embora? Eu sei que você não quer que eu te

beije na frente da sua casa.

Eu sorri e concordei com a cabeça, me inclinando para ele.

Não foi um beijinho desta vez, foi o maior beijo já dado, mas nenhum de nós passou disto. Não

estávamos preparados.

Ele me deixou em casa e me deu um selinho, igual na noite anterior. A luz da frente estava

acessa, o carro da minha mãe estava lá e era cedo, o que significava que ela estava esperando

por mim.

- Valeu de novo, Dylan. Te encontro amanhã na escola – disse eu saindo do carro.

Ele ficou lá, com o motor ligado até eu estar em frente à porta de casa. Acho que o encontro

com Robbie tinha mexido com ele também.

Eu estava certo, minha mãe estava esperando por mim com uma cara que dizia que ela não

estava feliz.

- A mãe do Billy ligou. Entra e senta, agente tem que conversar.

Capitulo 14

Não havia sinal de Doug em casa e eu dei graças a Deus, escutar a voz dele era a última coisa

que eu queria.

Quando eu entrei na cozinha mamãe disse:

- Senta, cala a boca e me escuta.

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Eu sentei. Não dava para discutir quando ela estava com aquela cara. A última vez que ela fez

aquela cara eu tinha uns 11 anos e tinha sido pego roubando um gibi na banca. Acredite

quando eu digo que foi a primeira e última coisa que eu roubei na minha vida.

Mamãe poderia ser pequena e delicada, mas era dura igual um militar quando queria.

- Mãe – eu comecei, sem saber o quanto ela sabia. Ela sabia sobre Billy ou sobre mim?

- Quando exatamente que você ia me contar sobre o Billy?

- Contar o que?

- Contar que ele sumiu. Onde ele está, Jamie? Você deve saber já que são grudados. A mãe

dele ligou porque ele saiu de casa hoje de manhã, depois de ter sido liberado do hospital e não

voltou mais. Ela achou que ele estivesse aqui.

- Ele não esta em casa? Mãe eu não sabia disso. Estou tentando falar com ele desde a tarde,

mas ele não atende e nem me liga de volta. Eu nem sabia que ele tinha sido liberado até ir ao

hospital hoje!

- A mãe dele disse que foi você que levou ele para o hospital; você não me contou isso. Me

conte tudo e não ouse parar até me contar tudo.

- Ok, Ok, mas você não vai gostar – disse eu suspirando profundamente.

Ela suspirou também.

- Jamie, com o que você esta preocupado? Alguma vez eu já virei as costas quando você me

disse a verdade? Você é meu filho, e eu te amo, nada do que você me diga vai mudar isso.

- Mãe – comecei eu tentando ser o mais simples possível – eu sou gay.

- Ah, eu sei disso amor – disse ela – agora me conte sobre o Billy.

- Espera. Você sabe? Como? Quem te contou?

- Ninguém; você é meu filho e eu te conheço mais do que você imagina. Além do mais sua

roupa suja não vai apara a lavanderia sozinha.

Minha roupa suja? Eu repassei rapidamente o que poderia ter lá: baterias, gibis velhos, cartão

de baseball...ah não: as revistas que eu tinha pegado de Billy. O tipo de revista que você não

compra pelos artigos.

Ela fuçou as minhas coisas!

Ela era uma mãe, com certeza ela faria isso. Era minha culpa, eu deveria ter guardado minhas

coisas melhor.

- Tudo bem, Jamie. Enquanto você for cuidadoso e feliz, para mim esta tudo ok. Aquele jovem

que te deixou aqui, aquele com o Mustang, ele é...

- É mãe, o nome dele é Dylan e ele é muito legal. Você vai gostar dele.

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Eu estava em choque e não poderia creditar que tinha me assumido para minha mãe, o

momento que eu tanto temi, que eu agonizei e não dormi, pensando em como seria, foi

suave.

Eu estava quase insultado que ela não houvesse feito uma tempestade.

- O que aconteceu na noite em que você levou ele para o hospital, Jamie? Vocês estavam

usando drogas? Você tem que me contar.

- Não! Eu não faço essas coisas, mãe. Você me conhece, eu não consigo nem tomar Tylenol

sem ter dor de estomago depois. Billy tinha um encontro com um cara mais velho, eu não

queria que ele fosse, até briguei com ele, mas depois ficou tudo bem.

Ele disse que me ligaria depois do encontro, mas ele nunca ligou e eu fiquei preocupado. Então

Dylan me levou até esse cara que Billy estava vendo e ... ele disse que Billy havia ficado no

motel em Chester. Nós fomos até lá, encontramos ele e...mãe, ele não estava bem.

- O que você quer dizer? – pressionou ela.

Obviamente ela não me deixaria sair tão fácil assim. Eu engoli em seco e contei a historia toda,

até a minha última discussão com Billy.

- HIV? Ah, meu Deus! A mãe dele sabe?

- Eu não sei, eles devem saber que o hospital testou ele para saber disso, mas eu não sei se

eles já viram o resultado.

- Eu não entendi... Billy quis ser infectado? Por que? Por que ele faria algo como isso? Ah Jamie

você não faz isso, faz? Você não sai com homens estranhos...

- Mãe! Não! Claro que não! Eu nem ... Jesus, Mãe! Agente tem que conversar sobre isso agora?

Ela mordeu o lábio, olhando para mim.

- Ok. Só me diz que você não pensa igual Billy. Me diz que você é cuidadoso. Só precisa de uma

camisinha, querido, e eu compro se você precisar...

- Eu sou, quer dizer, vou ser quando eu finalmente... – eu balancei minha cabeça, me

recusando a terminar a sentença. – Mãe, por favor, eu não consigo lidar com a idéia de você

comprando camisinhas. Eu nem quero te escutar falando a palavra, ok? Me assusta. Mas sobre

o Billy, bom, é por isso que eu estou tão chateado com ele. Eu não consigo entendê-lo e muito

pouco Dylan.

- Foi lá que você ficou todo arranhado e machucado? No motel?

- Não – eu respondi suspirando e antes que eu pudesse perceber eu estava contando sobre o

acidente, o jantar e o encontro com Robbie. Essa última parte fez minha mãe ficar pior.

- Ele te ameaçou? Agente vai à policia prestar queixa. Eu estou falando sério, Jamie. Seu pai

deve estar se revirando no caixão.

Page 67: Mudando Jamie

66

Eu engoli em seco... meu pai policial. Eu tentava não pensar em como minha vida seria se ele

estivesse vivo.

- Não, sem policia, mãe. Ele não fez nada comigo e eu não tive testemunhas. Além do mais, eu

não sou assumido para o resto das pessoas e eu não quero que o resto do mundo saiba – eu

estava praticamente implorando.

- Ok. Ok. Mas – disse ela levantando o dedo indicador – se ele chegar perto de você de novo,

agente vai à policia. Entendeu?

- Sim, entendi.

- Ótimo. Eu vou ligar para os pais do Billy e avisar que você não sabe onde está.

- Mãe, os pais do Billy não os melhores do planeta. Eles nem ligam...

- Ela parecia preocupada. Na verdade ela estava chorando no telefone.

Chorando? Quando eu liguei para a casa dele o pai dele nem parecia se importar.

- Eu não sei o pai dele, mas a mãe estava muito preocupada.

Talvez eu não houvesse entendido a coisa toda, talvez houvesse mais coisas do que Billy me

contava. Será que tudo que ele tinha dito era só uma encenação para eu sentir pena dele? Eu

não sabia de mais nada.

- Você não tem a mínima idéia de onde ele possa estar?

- Não... mas eu posso ligar para Dylan para agente combinar de procura-lo nos lugares de

sempre.

- Ok. Eu vou ligar para a mãe dele e avisar isso também.

Falando sobre pais eu achei que seria uma boa hora para conversar com ela.

- Mãe, eu quero falar com você sobre Doug.

- Jamie, o que acontece entre eu e Doug é da ...

- Por favor, não diga que não é da minha conta – disse eu encarando-a. Eu não queria soar

bravo, mas pelo jeito eu não tinha feito um bom trabalho – Esse diálogo aberto funciona para

nos dois, mãe. Ele é um bêbado, caloteiro, te trata como merda e eu não entendo como você o

deixa ficar aqui!

- Olha o linguajar mocinho! – disse ela – Eu ainda sou sua mãe e você vai me respeitar,

entendeu? – ela olhou para o teto por uns segundos antes de voltar a falar e quando falou sua

voz saiu igual à de uma menininha – Ele não era assim no começo. Eu achei que amasse ele,

que ele fosse bom para mim, bom para você.

- Não é.

Page 68: Mudando Jamie

67

- Eu sei. Ele começou a beber, perdeu o emprego... e eu continuei tentando, sabe? Dizendo

para mim mesma que ele vai mudar, que ele pode voltar a ser o homem que ele era – disse ela

balançando a cabeça e batendo as palmas da mão no tampo da mesa.

Isso era ela dizendo em gestos “Essa conversa terminou”.

- Eu vou conversar com ele. Eu prometo.

E isso era tudo o que eu iria conseguir dela. Não era nada do que eu queria mas era um

começo.

Quando eu me levantei ela me abraçou e eu me senti como um garotinho de cinco anos de

idade feliz, porque sabia que tudo ficaria bem. A sensação se dissipou no momento em que ela

me soltou, mas foi bom enquanto durou.

Eu procurei meu celular dentro do meus bolsos e liguei para Dylan. Ele atendeu no primeiro

toque.

- Hey, sou eu.

- Hey. E aí? Tudo ok?

Deus como era bom escutar a voz dele, mesmo que eu ele houvesse me deixado em casa a

pouco tempo.

- Eu me assumi para minha mãe.

- Ah meu Deus! Como ela aceitou?

Eu poderia sentir a preocupação em sua voz, ele achou que tinha ido tudo mal e que eu estava

ligando para chorar. As coisas sobre o Billy poderia esperar alguns minutos.

- Na real? Bem melhor do que eu achei que seria. Ela já sabia e para ela está tudo bem. Pelo

menos foi o que ela disse e ela perguntou de você.

- De mim? Como ela soube de mim?

- Ela te viu me deixando aqui. Minha mãe tem olhos iguais a de um maldito falcão.

- Ela levou tudo numa boa? Você e eu?

- Parece que sim. Ela só me falou para ser cuidadoso e gastou alguns minutos me deixando

desconfortável enquanto ela me ensinava sobre sexo seguro.

Eu escutei Dylan rir.

- Já passei por isso, meu pai já fez isso. Mas com garotas, eu quero dizer... você sabe.

- Eu sei. Ela se ofereceu para comprar camisinha para mim, Dylan.

- Cara eu quero MUITO que a sua mãe seja a minha.

Page 69: Mudando Jamie

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- É, ela tem seus momentos – disse eu secamente, pensando se ele continuaria achando isso se

soubesse que ela se casou com um idiota como Doug. Logo em seguida eu me senti mal por

pensar nisso... ela era uma ótima pessoa. Só tinha feito algumas escolhas erradas – Escuta, o

que você esta fazendo agora?

- Eu ia me enfiar nos livros. Por que?

- Billy sumiu de novo.

- De novo? Jesus, Jamie! Ele ta fazendo disso um hábito – disse Dylan, a irritação evidente em

sua voz.

Eu nem poderia dizer que não sabia porquê, já que ele passara quatro dias brincando de

“Onde esta Billy?” e aguentando as consequências de achá-lo.

- É, eu estava pensando se você poderia me dar uma carona para eu procurar por ele. A mãe

dele ligou para minha e agora...

- Eu já estou indo.

Simples assim: irritado ou não, ele ainda iria largar qualquer coisa que estivesse fazendo para

me levar para procurar Billy. Eu senti uma onda de alívio e uma vontade enorme de vê-lo de

novo.

Capítulo Quinze

Eu entrei no Mustang de novo e disse:

- Obrigado por voltar, Dylan. Eu não estou no seguro da minha mãe e ela se recusa a me deixar

dirigir o carro sem ela dentro. É um saco.

- Não esquenta. É ela que esta lá? – perguntou ele apontando a casa.

- É, ela está espionando agente.

- Não olha agora, mas eu acho que ela esta vindo para cá.

Eu tinha certeza que embora ele parecesse calmo, a vontade dele era de correr antes que ela

chegasse perto. Eu me virei a tempo de vê-la bater os dedos na janela. Dylan apertou o botão

e os vidros abaixaram.

- Mãe, o que você quer? - eu gemi.

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Ela enfiou a cabeça dentro do carro, me ignorando.

- Eu queria conhecer seu amigo.

Eu gemi de novo, mais alto e por mais tempo desta vez. Existia algum livro tipo “Top 10 – As

Dez Coisas Mais Embaraçosas Que Você Pode Fazer Para Matar Seu Filho De Vergonha”? Se

não existisse minha mãe poderia escrever, ela era expert no assunto.

- Ótimo, Mãe, este é Dylan. Dylan, esta é minha mãe – disse eu com os olhos grudados no

chão, não querendo olhar nem para um nem para outro.

- Hey, Sr.ª. Waters – disse ele dando um meio aceno, na altura do peito.

- Você é Dylan?

- Sim, senhora.

- Não vai fazê-lo ficar fora até tarde. Vocês dois tem escola de manhã.

- Sim, senhora – disse Dylan no mesmo tempo em que eu dizia “Mãe!”

- Fiquem longe daquele Robbie. Eu não quero Jamie perto dele, entendeu? Eu estou confiando

ele à você.

- Sim, senhora – disse Dylan firmemente, enquanto eu ficava mudo e prendia o ar.

- Minha vida acabou – eu gemi.

- Certo, juízo meninos – disse ela se aproximando um pouco mais para poder apertar minha

bochecha – E lembrem-se: só precisa de trinta segundos para evitar uma vida toda cheias de

problemas.

Ah Meu Deus! Naquele momento eu queria que o assento do carro pudesse ser ejetado para

me mandar para fora da orbita. Ela poderia ter jogado uma caixa de camisinhas em nós, teria o

mesmo efeito. Eu estava mortificado, todo mundo sabe que havia uma linha que as mães

nunca deveriam cruzar, mas ela não apenas havia acabado de fazer isso, ela passou com a

porcaria de uma escola de samba em cima, com direito a toda bateria.

Eu sabia que ela estava pensando em Billy e provavelmente não estava certa do meu ponto de

vista sobre o assunto. Eu estava surpreso que ela não houvesse me amarrado na cama depois

que eu contara que era homossexual e que meu amigo estava tentando se infectar.

Droga, eu teria me amarrado na cama se fosse ela.

Ela confiava em mim. Era bom saber disso, mesmo que o preço fosse o maior mico do mundo.

- Desculpe – disse eu observando ele olhar atentamente o trânsito, dar a seta e manter a

velocidade bem abaixo do limite. Eu entendia que ele estava mostrando toda sua

responsabilidade para não dar nenhuma munição à minha mãe.

- Mano – disse ele – esses foram os minutos mais estranhos da minha vida.

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- Eu sei, os meus também.

- Onde deveríamos começar a procurar – perguntou Dylan mudando de assunto e eu não o

culpava nem um pouco.

Na nossa cidade não havia cinemas, Wall Mart ou qualquer outra coisa, exceto pequenos

estabelecimentos onde, dificilmente Billy estaria.

Dylan dirigiu vagarosamente entre as ruas residenciais, gastando gasolina e tempo, mas

quando ele me deixou em casa novamente, nós estávamos de mãos vazias. Era como se Billy

houvesse desaparecido da face da Terra, de novo.

****

Billy não estava na escola no outro dia, embora eu não esperasse que ele estivesse.

Desaparecer sem um telefonema ou mesmo uma mensagem de texto tinha virado um hábito

para ele e eu não tinha a mínima idéia de quando ou se ele voltaria.

O dia ficou pior pelo fato de Dylan não ter ido para escola também. Quando eu liguei ele não

parecia normal, disse que estava doente, mas eu não acreditei. Alguma coisa estava

acontecendo e eu me perguntava se tinha alguma coisa comigo.

Eu esperava que não. Perder Billy era ruim – perder meu primeiro namorado ao mesmo tempo

era pior ainda.

De alguma maneira eu consegui me arrastar pelo dia e pelo treino, fui para casa andando (eu

tinha jogado o resto da minha bike no lixo) e me sentia perdido sem Billy ou Dylan.

Eu estava distraído, pensando em Billy e Dylan quando entrei na cozinha ou eu teria dado meia

volta.

Eu não tinha percebido Doug, sentado à mesa, me olhando com uma cara mais malévola do

que a normal e sem a cerveja de sempre, no lugar havia um copinho e uma garrafa de Jack

Daniels pela metade.

- Viado.

A palavra saiu com ódio e malicia e não teria me chocado menos se ele jogasse um copo de

água gelada na cara. Eu fiquei na defensiva.

Ele me odiava, ele simplesmente me odiava. O fato pairava solido no ar entre nós, não tinha

como negar, não tinham desculpas. Não era porque ele bebia, era porque eu era o filho gay de

Page 72: Mudando Jamie

71

outro homem. Minha mãe deveria ter contado parar ele, por um momento eu fiquei bravo, até

olhar para Doug e perceber que eu tinha problemas muito maiores.

Então, pela primeira vez na minha vida, eu estava realmente com medo.

Eu sempre pensara em o que fazer caso Doug batesse em mim ou em minha mãe, mas o fato é

que ele nunca nem chegara perto disso. Eu era o saco de pancadas verbal dele, mas agressão

estava fora de cogitação ou era o que eu achava.

Eu não era um covarde e tão pouco um idiota, Doug só tinha uns quarenta quilos a mais que

eu, então se ele resolvesse vir atrás de mim a única coisa que me dava vantagem era a

velocidade. Se eu pudesse correr ótimo, se não... bom, se não eu estava ferrado.

Capítulo Dezesseis

- Sua mãe me contou tudo sobre você. Deus te amaldiçoe seu pervertido, eu sempre soube

que tinha alguma coisa errada com você, garoto. Eu disse, eu falei com a Darlene que ela era

muito mole contigo. Eu disse para ela me deixar enfiar algum juízo nessa sua cabeça, eu

deveria ter te dado umas boas cintadas. Meu pai faria isso, mas Darlene não quis escutar -

disse ele tomando outra dose, se levantando e começando a tirar o cinto.

Ah inferno, não.

Eu comecei a ir para a porta da frente o mais rápido que pude e teria conseguido se eu não

houvesse esquecido de tirar a mochila.

Doug agarrou-a e eu cai de bunda no chão. Uma dor aguda me atingiu, mas eu não tinha

tempo para isso – eu estava ocupado me desviando da cintada dele, que não me acertou por

milímetros.

- Caí fora! Fica longe de mim – disse eu ficando de pé.

A mochila escorregou dos meus ombros e eu aproveitei para jogar nele. Doug a segurou com

um urro, me dando tempo o suficiente de alcançar a porta da cozinha e sair.

Ele me seguiu dizendo coisas que eu não conseguia dizer o que eram, mas eu escutei as

palavras “viado” e “bastardo” mais de uma vez. Tenho certeza de que o resto da vizinhança

também.

Doug não tinha a voz mais baixa do mundo e quando ele estava bêbado ou com raiva a coisa

ficava mais alta ainda. Eu nem liguei, tudo o que eu queria era ficar o mais longe possível dele.

Minha espinha doía, mas ainda assim eu corri até ficar sem fôlego e não dei uma olhada

sequer para trás.

Todas as maneiras mais criativas de vingança passaram pela minha cabeça: eu pegaria uma

faca e cortaria Doug igual um peixe, usaria uma serra elétrica para despedaçá-lo e jogá-lo no

Page 73: Mudando Jamie

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mar ou coisa do tipo. Eu também poderia usar a própria bola de boliche dele como um

martelo, estourar seus miolos e fazer uma fogueira no quintal.

Eu sabia que era impossível fazer qualquer coisa contra Doug, mas só pensar em fazer já me

aliviava muito. No fim, quando eu já estava calmo, eu fui parar na lanchonete em que minha

mãe trabalhava.

Ela estava servindo uma mesa quando eu cheguei, por isso me sentei nos bancos do balcão e

esperei até que ela me percebesse.

- Jamie? – disse ela com um sorriso, vindo em minha direção.

Percebendo a minha cara e a falta de um cumprimento entusiasmado, ela sentou na minha

frente e perguntou

– O que foi? O que aconteceu? Foi Billy?

- Não – eu disse secamente, olhando para a janela – Foi Doug.

- Doug? O que ele fez? Ele está bem?

Eu mirei a cara dela com raiva: como ela ousava perguntar se Doug estava bem e não eu?

- Ah claro que está. Na verdade ele deve estar radiante – eu respondi sarcasticamente – Deve

estar no telefone contando como que ele quase bateu com o cinto no enteado por ele ser gay.

- O que? – o rosto dela ficou branco e depois verde – Você está bem? – continuou ela virando

meu braço para cima e para baixo procurando por machucados.

Eu não sabia se ela estava preocupada ou se estava achando que eu tinha mentido.

Eu puxei meu braço e disse:

- Ele errou.

Olhei para a janela uns segundos, tentando me aprumar. Eu não queria começar a gritar no

restaurante e fazer uma cena.

- Você contou para ele! Como que você pode fazer isso, mãe? Isso era entre eu e você.

- O que era entre eu e você?

Eu me virei para ela, sibilando igual a uma cobra.

- Você sabe o que. Que eu sou gay. Você sabe como ele é, mãe, você escuta as coisas que ele

me chama. Quer saber o que aconteceu? Eu cheguei da escola e ele estava lá, bêbado como

sempre, então ele tirou o cinto e me perseguiu pela casa.

- Você brigou com ele? O que você disse para deixá-lo bravo? Você deve...

Aí eu fiquei puto. Ela era minha mãe, como que ela ousava escolher aquele merdinha ao invés

de mim? Doeu mais do que os machucados que Doug poderia ter me feito.

Page 74: Mudando Jamie

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– Eu não falei nada – disse eu já gritando, sem me importar com a possibilidade de fazer uma

cena ou não – Ele é um bêbado que vive as suas custas, mãe. Ele nunca gostou de mim, agora

ele tem desculpas para me odiar e tentar me bater!

- Jamie...

- Quer saber? Tchau. – disse eu dando as costas a ela – eu deveria saber que você não estaria

do meu lado.

Eu escutei ela me chamar, mas eu não parei. Eu corri para fora e me deixei ser abraçado pela

escuridão.

Eu não sabia onde estava indo até que eu reconheci a rua da casa de Dylan e parei na calçada,

arfando.

O Mustang de Dylan estava lá, estacionado ao lado do Cadilac Escalade do pai dele. Só a visão

de alguma coisa familiar já me deixou melhor.

Eu olhei para casa de Dylan, era muito maior que a minha, mas nem pouco perto da casa de

Billy. Eu me perguntei qual era o quarto de Dylan e eu teria ligado, se meu celular não

estivesse na bolsa. Eu não duvidava que ele houvesse descontado sua frustrações na minha

mochila.

Eu teria sorte se houvesse qualquer coisa minha na casa quando eu voltasse. Se eu voltasse.

Eu poderia ver uma luz azul bruxuleante que provavelmente vinha da televisão da sala, todos

os outros cômodos estavam escuros, exceto por um, na extrema esquerda.

Reunindo toda minha coragem eu segui a passarela de tijolos até a porta da frente, subi os três

degraus de escada e apertei a campainha.

Eu não sabia o que dizer para Dylan “Oi, é... meu padrasto é um psicopata. Posso dormir

aqui?”. Não isso era patético demais, mesmo que fosse verdade.

A porta se abriu e me encontrei encarando uma versão mais velha de Dylan: Mais alto, com

ombros mais largos, cabelos começando a ficar grisalhos, Deacon Anderson ainda parecia o

atleta que fora um dia.

- Oi, é... Eu sou Jamie Waters, amigo de Dylan. Ele está?

Demorou um pouco, mas parece que ele me reconheceu das corridas, por que ele balançou a

cabeça e deu um meio sorriso igual ao de Dylan.

- Ah sim, Waters. Eu me lembro de você, você fez uma ótima corrida na competição em

Asbury. Entra. Dylan esta no quarto dele.

- Obrigado – disse eu entrando no hall.

Pela porta eu vi uma mulher bonita, sentada em uma cadeira extremamente estofada, com um

pano colorido no colo. Ela sorriu e acenou para mim antes de voltar a bordar. Srª. Anderson,

eu supus, mãe de Dylan. Parecia que ele havia herdado os olhos azuis-esverdeado dela.

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- Última porta à esquerda – disse Deacon apontando com o queixo enquanto eu atravessava a

sala de estar – Amigo de Dylan do time da escola – escutei ele explicar à esposa.

Eu segui meu caminho acompanhando as fotografias do corredor. Eram fotos de casamento,

de Dylan pequeno com seus dois irmãos, fotos de Dylan na Liga Juniores, a última era dele na

linha de saída, pronto para correr.

As fotografias me deram o real retrato de uma família normal, fazendo coisas normais. Por

algum motivo elas me fizeram sentir pior ainda sobre a minha própria vida e eu quis chorar.

Poderia ser pior, eu pensei estapeando minha cara mentalmente, você poderia ser Billy. Doug

poderia ser um desperdício de oxigênio e mamãe poderia ter escolhido ele ao invés de mim.

Mas pelo menos minha cabeça funcionava direito. Billy parecia não saber que fim o aguardava.

Eu bati rapidamente na porta, dava para escutar os acordes de "Welcome to the Jungle" do

Guns N’ Rose tão altos que fazia a porta vibrar. Eu bati mais forte e a música foi diminuída. Um

segundo depois escutei a voz de Dylan.

- Que? Está aberta!

Eu abri a porta e enfiei minha cabeça pela porta.

- Hey, quer companhia?

- Jamie? O que você esta fazendo aqui? – perguntou ele empalidecendo e me puxando para

dentro do quarto - Você deveria ter me ligado, eu poderia ter te encontrado – sussurrou ele,

os olhos fixos na porta fechada atrás de mim.

- Você não foi à escola hoje. Eu estava preocupado... Eu... vou embora – disse eu confuso. O

que mais eu poderia dizer? Eu nunca pensei que ele não quisesse que eu fosse lá. Nós éramos

amigos... mais que amigos, ou assim eu achava.

- Dylan se você não me quer aqui, eu vou.

Ele deu um suspiro profundo.

- Não, não, Jamie. Tudo bem, eu meio que entrei em pânico... eu não esperava que você

aparecesse aqui e...

- E você achou o que? Que eu fosse aparecer na sua porta usando uma camiseta com a

bandeira do orgulho e perguntar para o seu pai o que ele acha do casamento gay? Ah Dylan,

por favor...

Aquilo era a última coisa que eu precisava, todas as poucas pessoas que eu confiava estavam

se mostrando não confiáveis, se ele partisse para o outro lado, seria o fim da minha sanidade.

- Desculpa, você está certo. Eu estava sendo estúpido.

- Não, você não é estúpido, eu que tive um dia muito ruim.

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75

Eu sentei em sua cama, abaixando a cabeça e antes que eu me dessa conta eu já havia contado

tudo para ele, desde a escapada por milímetros até a traição de minha mãe.

- Aquele bastardo! Você foi à policia, Jamie? Ele te atacou, isso é crime, mano!

- Não, sem policia. Sem Juizado de Menores, eu nem tenho machucados – eu menti. Minha

espinha ainda doía. E eu sabia que havia alguma coisa quebrada, até sentar na cama macia de

Dylan doía.

- eu acho que você deveria fazer um B.O, só em caso de ele tentar fazer alguma coisa de novo.

- Deixa pra lá, ok? – eu perguntei gentilmente. Eu não queria lutar por aquilo.

- Soube do Billy? – perguntou ele tentando me distrair.

- Não.

Eu não queria falar sobre Billy, eu não queria falar sobre nada. Eu só queria que ele me

abraçasse, mas eu sabia que a chance disso acontecer era a mesma de eu ganhar na loteria.

Ele estava desconfortável comigo na sua casa, no seu quarto, ele nunca arriscaria qualquer

contato físico comigo.

- Eu acho melhor eu ir. Vir aqui foi um erro.

- Não, não foi – ele não parecia tão convencido disso.

- Tudo bem – eu disse ficando de pé – eu tenho que ir embora de qualquer maneira.

Pensar em ir para casa me deu um nó no estomago. Sem contar que eu não queria conversar

com a minha mãe por tão cedo. Eu poderia imaginar as mentiras que Doug havia contado para

ela.

O telefone de Dylan tocou.

- Espera um segundo, Jamie. Não vai ainda, por favor – ele pegou o telefone e olhou o número

– Espera, é o seu numero. Alguém está ligando do seu telefone, Jamie.

Ele pareceu mais confuso que eu, até que me lembrei que eu tinha deixado meu telefone na

mochila. Poderiam ser apenas duas pessoas: e eu duvidava que Doug soubesse para quem ligar

se ele quisesse me achar.

Já mamãe poderia, eu não queria conversar com ela – era, provavelmente, para continuar de

onde paramos. Eu peguei o telefone relutantemente da mão de Dylan.

- Alô.

- Jamie? Graças a Deus. Por que você saiu correndo daquele jeito? Você me matou de

preocupação.

Eu queria gritar, mas lembrei que os pais de Dylan estavam na sala, então lutei para manter

minha voz num tom normal.

Page 77: Mudando Jamie

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- Você escolheu o seu lado de novo, mãe. Você sempre faz isso. Ele tentou me...

- Ele se foi Jamie.

- O que você quer dizer com “se foi”? Ele deve estar no bar.

- Não. Ele se foi para sempre. Eu tirei ele de casa, Jamie. Eu deveria ter feito isso a muito

tempo, vem para casa filho. Por favor, eu preciso ter ver – ela estava chorando – Eu sinto

tanto, Jamie. Eu não queria acreditar. Por favor vem para casa, ok?

Capitulo Dezessete

Eu apertei o botão “fim” e olhei para o telefone em minhas mãos. O telefonema da minha mãe

foi como um paraquedas se abrindo no último segundo possível.

Será que era verdade o que ela havia me dito? E mais importante: se fosse verdade, até

quando iria durar?

- Jamie? Você está bem? – a voz de Dylan estava cheia de preocupação e um pouco de culpa.

Ele não tinha me recebido muito bem e eu entendia que era por medo de que seus juntassem

dois mais dois e percebessem que éramos um casal gay.

- Sim, tudo bem. Ela disse que chutou Doug para fora de casa.

- Ótimo, já era hora né?

- Eu acho – eu ainda sentia uma ponta de medo na voz dele.

Mamãe poderia ter dado um passo na direção certa, mas até onde eu sabia, Dylan tinha dado

dois para trás.

- Jamie, não fica bravo comigo, ok? Você sabe como é para mim.

- Sim eu sei. Eu não estou bravo. Bom, talvez eu esteja um pouco – disse eu sendo honesto.

Ele parecia falar mais alguma coisa, mas eu não queria ouvir.

- Jamie, é que eu não sou igual a você. Eu não posso deixar meus velhos saberem...

- Então a historia de se assumir e ir ao baile era mentira?

- Não é justo, Jamie. Você estava triste, eu estava tentando te deixar melhor.

- Então você mentiu – aquilo me machucou, eu me senti como se houvesse levado um soco.

Page 78: Mudando Jamie

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- Não! Não foi assim, eu só...

- Tanto faz. Eu tenho que ir, Dylan – disse eu antes que ele pudesse falar mais alguma coisa e

fui até a porta.

Eu nunca olhei para os pais dele e tinha a sensação que eu tinha rompido com meu primeiro

namorado.

****

Tinha uma pilha de lixo enorme na calçada de casa, escrito “Doug” por todo lugar.

Troféus de boliche, roupas, sapatos e varias coisas menores foram coladas em caixas e

deixadas lá fora. Minha mãe tinha falado sério. Ela realmente havia limpado a casa.

Eu a encontrei na cozinha, a mesa coberta com todo tipo de comida tipo-besteira. Isso

confirmava que ela havia mesmo terminado com Doug e estava afogando as magoas nas

gorduras trans. Seus olhos estavam vermelhos e inchados e uma marca de Rímel riscava seu

rosto. Ele tinha batido nela.

Ela pulou quando me viu, quase me derrubando.

- Eu sinto tanto, Jamie! Eu estava sendo estúpida e egoísta...e... me desculpa.

- Mãe, está tudo bem – disse eu dando um abraço e colocando-a de volta na cadeira.

- Me escuta, Jamie – disse minha mãe juntando as mãos – Tudo termina hoje. Nós esquecemos

tudo o que ele fez agente passar e segue em frente, ok? Eu já liguei para um advogado e

comecei o divórcio.

- Ele te bateu.

- Eu sei e eu já fiz um B.O. O Advogado pediu uma ordem de restrição contra ele. Eles não vão

deixar Doug chegar perto da gente.

- Mãe...

- Por favor, Jamie? Por favor, me diz que você vai ficar longe dele.

Eu não queria prometer, mas ela parecia tão machucada que não havia outra saída. Eu

concordei com a cabeça e fui pegar um saco de gelo para ela

- Ah, Billy ligou para casa hoje, disse que você não atendia o seu celular.

Page 79: Mudando Jamie

78

- Billy?

- É, eu acho que ele está em casa. Ele parecia como antigamente também. Por que você não

liga para ele de volta?

Se tinha uma coisa que poderia me distrair de tudo o que havia acontecendo, era Billy.

Billy...eu quase tinha me esquecido dele.

- Ok, mas agente vai conversar amanhã.

- Claro querido, de manhã.

Eu não acreditava, mas não havia nada que eu pudesse fazer. Eu usei a discagem rápida para

falar com Billy e ele atendeu no primeiro toque.

- Cara, onde é que você se meteu? Eu te liguei a noite toda.

- Eu? E você? Você tem alguma idéia do que você me fez passar? Primeiro com Robbie, depois

com o motel, depois com o hospital e agora?

- Eu sei, eu sei. Eu estava bravo, mas eu deveria ter ligado.

- Você estava bravo?

- Sim, você estava agindo igual um idiota por causa da coisa toda.

- Eu? Você estava agindo como um louco.

- Nada disso importa mais. Eu peguei meus resultados.

Eu sabia que ele estava sorrindo, radiante, do outro lado da linha. Esse era o antigo Billy, capaz

de esquecer que agente havia brigado, algumas vezes enquanto agente ainda estava brigando.

Graças a Deus. Ele tinha voltado a pensar direito, ele era negativo e tudo ia voltar ao normal.

Ele me ajudaria a lidar com minha mãe e superar Dylan.

- Eu sou positivo. Não é ótimo?

Eu afastei o telefone da orelha, como se houvesse algo errado com ele. Tinha que ser, era

impossível que Billy houvesse me contado que estava com HIV e parecesse feliz. O telefone

estava com defeito, tinha que ser.

- Jamie, você me escutou? – a voz de Billy parecia longe.

- Você esta brincando né? Me diz que você está brincando e que esta é uma piada de doido.

- Não! É verdade! Eu passei as últimas duas horas empacotando minhas coisas; eu vou morar

com Robbie!

- Você já contou para seus pais?

Eu ainda não poderia acreditar, Billy, com HIV. Meu Deus.

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79

- Para que? Para eles me mandarem para outro internato? Eu vou deixar um bilhete.

Um bilhete? Como alguém poderia escrever um bilhete sobre isso? “Oi mãe e pai, eu tenho um

vírus mortal e incurável, que eu contraí de propósito. Eu também estou indo morar com ele.

Ah é, nos estamos sem leite. Amo vocês, Billy”, era assim que se deixava um bilhete?

- Billy por que você não passa por aqui? Agente pode conversar.... e a escola, faculdade?

- Você não está entendendo, Jamie. Não há nada para falar. Esta é minha vida e eu fiz uma

decisão. Eu amo Robbie e ele me ama, agente vai ficar junto... eu não preciso de escola ou dos

meus pais.

- Eu acho que você não precisa de mim também.

Houve um momento de silêncio.

- Talvez não. Olha, eu só queria te contar as novidades para que você ficasse feliz por mim.

- Feliz? Como que eu poderia ficar feliz se você vai morrer? O que é tão bom nisso tudo?

Eu estava gritando para o nada: Billy já havia desligado. Joguei o telefone longe, sem me

importar se quebrasse ou não. Aliás, no humor que eu estava não dava para falar com

ninguém. Não que eu houvesse com quem falar porque eu estava sem Billy, sem Dylan e

minha mãe estava destruída.

Eu estava sozinho de novo e era um saco.

Capítulo Dezoito.

Eu não queria voltar para escola ou ir na competição em South Westfield; nada disso parecia

importante, não mais. Então eu coloquei meus fones e aumentei o volume do meu iPod,

desligando o mundo todo.

Aqueles dias se passaram arrastados e cinzentos e passei horas olhando para o teto do meu

quarto, tentando não pensar sobre nada; porque se eu não pensasse sobre nada então não iria

doer, eu não ficaria confuso e tudo iria passar.

Mas não passou.

Eu me lembro de minha mãe entrar no meu quarto, arrancar meus fones gritar comigo por

alguns minutos. Eu nem lembro o que ela disse.

Meu estomago estava tão cheio de nós que eu também não queria comer e eu só me

levantava para pegar Coca e batatinhas chips quando a fome apertava. A comida que a pobre

da minha mãe fazia continuava lá, intocada.

Eu não tomava banho, eu não escova aos dentes e dormia bastante.

Page 81: Mudando Jamie

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Finalmente, no final da terça-feira houve uma batida na minha porta, eu escutei mesmo com o

iPod gritando nos meus ouvidos, mas nem por isso eu iria atender porque minha mãe entraria

de qualquer maneira, mesmo que eu dissesse para ela ficar longe.

A porta se abriu, mas não era minha mãe, era Dylan.

- Ah cara, você está com uma cara pessima – ele se sentou do meu lado e virei às costas a ele.

Eu não queria que ele me visse daquele jeito.

- Vai embora, Dylan. Agente não tem nada para falar.

Eu mal podia escutá-lo por causa da música alta e era assim que eu queria.

- O caramba! Agente tem muita coisa para falar - disse ele arrancando meus fones e jogando

meu iPod nos pés da cama.

A música estava tão alta que ainda era possível escutá-la.

- Eu me assumi, Jamie. Para os meus pais.

- É? Você quer uma medalha? – perguntei sem me importar.

Eu queria voltar para o meu ninho e ficar sozinho.

- Nossa cara, isso foi baixo. Mas mano, talvez eu mereça – disse ele – Não, deixa eu me

corrigir: Eu mereço. Eu agi igual um idiota quando você foi me ver, eu deveria ter explicado

melhor, conversar com você, mas eu estava assustado. Você precisava de mim e eu agi como

um trouxa. Desculpa.

- Acabou. Nada de mais – disse eu pegando meu iPod de novo. Ele jogou-o do outro lado do

quarto, em cima de uma pilha de roupas sujas – Hey, me devolve!

- Não! Não acabou! Me escuta Jamie! – disse ele pegando as minhas duas mãos e segurando-

as forte, sem me dar chance de puxá-las – eu cometi um erro, eu ferrei tudo. Eu tinha tanto

medo do que as pessoas poderiam achar... mas quer saber... depois que você foi embora eu

me senti pior ainda porque eu sabia que você não voltaria e o que eu te disse no outro dia era

verdade, Jamie. Eu não gostava de me esconder, nem de esconder agente. Mas acabou, eu me

assumi, eu quero ficar com você e não ligo para o que os outros pensam.

- Bom para você – disse eu sarcasticamente – mas e eu? Ninguém pensa em mim? Em como

me sinto? Minha mãe não ligou quando trouxe Doug, Billy também não quando jogou nossa

amizade fora para morrer... e muito menos você. Alias, você nem pensou no que eu estava

passando, só no que te afetava!

- Novidades, Jamie. Eu sou humano, eu erro e só o que posso fazer é pedir desculpas e tentar

não repetir os mesmos erros. E não é verdade, o que você disse. Eu ligo para você e ligo para

nós. Se não ligasse por que eu teria me assumido para os meus pais?

- Você se assumiu por causa de nós? Conta outra! E se o que você está dizendo for verdade,

então você ferrou tudo de novo, porque não há mais nós.

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Dylan suspirou, fechou os olhos e passou os dedos pelos cabelos.

- Não diz isso, Jamie. Eu estou dizendo a verdade e só quero dizer a verdade, porque eu passei

o ano passado inteiro vivendo uma mentira. Foi difícil fingir ser alguém que eu não era... eu até

tinha pesadelos. Então eu assumi porque era a melhor coisa para mim. Mas sim, você teve

uma grande participação em tudo. Eu quero que haja um “nós”, Jamie.

Ah cara... ele sabia exatamente o que dizer para me atingir. Toda raiva que eu tinha tentado

fazer ficar fora embora.

- Como seus pais reagiram? – perguntei sem querer admitir que eu queria que existisse um

“nós”.

Dylan encolheu os ombros e me deu um sorriso triste.

- Não muito bem... teve bastante gritaria e choro... as coisas estão meio feias lá em casa, mas

eles vão voltar atrás. Pelo menos não me expulsaram.

- Eu... eu estou feliz por você.

- Jamie, agente pode, por favor, deixar isso tudo para lá? Eu realmente quero estar contigo –

disse ele parecendo extremamente sincero, mas eu ainda estava machucado.

- Eu não sei... tanta coisa aconteceu na semana passada que eu não sei mais de nada.

- Talvez agente possa descobrir juntos. Agente vai de vagar... Agente pode só andar juntos, se

isso é o que você quer.

Dylan segurou minhas mãos de novo e dessa vez eu deixei ele segura-las. Uma parte de mim

queria continuar bravo com ele, mas a maior parte queria aquela sensação do chocolate

quente de novo.

- Estamos bem?

- Sim, estamos – disse eu dando um sorriso, dessa vez um verdadeiro e vendo os olhos

turquesa dele reluzindo.

- Jamie? Agora que somos amigos de novo, eu tenho que te contar uma coisa – disse ele

apertando um pouco mais a minha mão.

Oh Deus, o que agora?

- O que? – perguntei sem querer ouvir a resposta e sentindo aquela coisa estranha no

estomago.

- Você está fedendo. Vai tomar banho, você esta fazendo meus olhos lacrimejarem, mano.

Eu ri com alívio e empurrei ele tão forte que quase o derrubei da cama.

- Seu besta, eu não estou fedendo.

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- Está sim, você fede igual um esgoto aberto – disse ele rindo – Parece que alguma coisa

entrou nas suas roupas e morreu. E eu estou falando numa combinação de peixe, ovo podre e

carne estragada.

- É nada – retruquei saindo da cama. Cheirei uma das axila e tossi porque a situação estava

crítica – Parece rosas para mim.

- Então tem alguma coisa muito errada com esse seu nariz. Vai tomar um banho, se esfrega

bem e depois agente vai comer alguma coisa, ok?

- Você paga, porque minha mãe disse que eu não mereço mesada esse mês.

- Só se você se esfregar bem e jogar desinfetante depois.

- Nossa mano, agora você machucou.

- O amor machuca. Vai.

Eu ri todo o tempo que estive embaixo do chuveiro, me sentindo melhor ali no que eu me

sentira a semana toda.

A água quente pareceu tirar todo a nhaca de depressão que me rondava e quando eu terminei,

quase me senti como eu mesmo de novo.

****

As coisas pareceram melhorar muito depois daquilo.

Billy tinha sumido e enquanto sua falta me doía, o desaparecimento de Doug tornou minha

vida maravilhosa. Era tudo pacifico e eu tinha a televisão todinha para mim. Minha mãe

parecia estar indo bem, sorria bastante e conversávamos muito mais que antes. Ela e Dylan

estavam se tornando amigos ou pelo menos estavam mais confortáveis um com outro, o que

era ótimo, considerando o tempo que nos ficávamos juntos.

Nos víamos constantemente, na escola, depois da escola, nos finais de semana e sempre que

seus treinos deixavam. Eu tinha largado a corrida porque estava ficando cada vez mais

estranho ficar ali com o resto do time começando a desconfiar que éramos mais do que

amigos.

Eu mal senti falta dos treinos e usei o tempo livre para estudar para os SATs. Fiquei

imaginando se eu conseguiria uma boa nota para conseguir ir para uma faculdade estadual.

Seria bom, porque restavam alguma poucas vagas e talvez eu conseguisse uma bolsa através

da Policia se eu conseguisse uma boa nota. Seria muito legal se eu fosse para a mesma

faculdade que Dylan.

Nenhum de nós tinham nos assumido oficialmente para a escola, não estávamos prontos para

dar esse passo, não ainda, mas tão pouco ficávamos nos escondendo atrás do disfarce das

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aulas. Assim as pessoas estavam começando a falar e não tinha como não perceber as olhadas

e os cochichos a nossa volta, mas agente não ligava.

Isso estava para mudar numa terça-feira ensolarada, depois da aula de Inglês 4.

Capítulo Dezenove

Eu estava correndo para o meu armário, depois da aula de inglês, para guardar alguns livros

antes de encontrar Dylan no refeitório. Agente ia ficar algum tempo malhando no porão da

casa dele, onde o pai havia montado uma mini academia.

Eu tinha aberto minha mochila e estava procurando pelos livros desnecessários quando

escutei meu nome. Olhei para cima e vi dois caras olhando para mim, eles eram grandes o

suficiente para estarem no time de futebol e não estavam sorrindo.

Na verdade eu tinha a distinta impressão de que eles estavam bravos por algum motivo. Os

olhos deles eram como pedra de gelo, me encarando como se eu fosse um inseto repugnante

que estava perto de ser exterminado.

- É verdade, Waters? – perguntou um deles, o de cabelo tão raspado que era possível ver uma

marca no couro cabeludo.

- O que é verdade? – perguntei olhando de uma cara para outra.

O amigo dele, outro cara grandão chamado Tony Petrino, colou os ombros ao de Pete para me

prender entre eles e o armário.

- Você sabe o que.

Uma brincadeira de criança me passou pela cabeça: o que é, q o que é? Começa “vi” e termina

com “ado?

- Você é gay? Você andava com Billy, certo? Agente sabe que ele é bicha.

- E o que você tem a ver com isso? – perguntei enquanto pensava em minhas opções de fuga.

Eu poderia tentar correr, poderia gritar por ajuda, poderia hiperventilar e tentar desmaiar sem

enfiar minha cabeça em um dos cadeados.

Uma coisa era certa: eles queriam briga e eu ia brigar. Dylan não era o único cansado de se

esconder e mesmo vendo os dois se tornando Doug, Robbie, Billy e todos aqueles que

quiseram me machucar por anos, eu iria lutar.

Page 85: Mudando Jamie

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As pessoas começaram a se aglomerar atrás de Pete e Tony, como cachorros medrosos ao som

de trovões de uma grande tempestade, no limite, sem saber se latiam ou se ficavam quietos.

Se eles estavam querendo um show, eles estavam com sorte porque eu estava perto de dar

um para eles.

Fechei minhas mãos e bati nos armários de metal atrás de mim, ecoando por todo o corredor e

fazendo alguns pularem de susto.

- Chega! – eu gritei, meu corpo todo tremendo de raiva – Sim eu sou gay! Eu disse alto o

suficiente para vocês ou eu deveria colocar um anúncio na escola? Talvez eu devesse tatuar a

palavra na minha testa. Ah! E eu também quase quebrei um braço quando caí de uma bike e

tirei minhas amídalas quando eu tinha quatro anos. Tem alguma outra coisa que vocês

queiram saber sobre mim?

Os dois eram uns dez centímetros mais altos que eu por isso tive que ficar nas pontas dos pés

para gritar de igual para igual. Achei que eles fossem me empurrar ou sei lá, mas na verdade

eles deram um passo para trás.

- Deixa ele em paz, Tony – disse uma menina de algum lugar na multidão.

- É, cai fora Pete, ele não esta incomodando ninguém!

Era a voz de um garoto desta vez e talvez fosse a de Frank Hughes o serial Killer, mas eu nos

tinha certeza.

De repente a multidão toda estava gritando e insultando os dois valentões e dizer que eu

estava surpreso era pouco, eu estava mortificado com o apoio.

Foi interessante perceber que a maioria das pessoas não se importava com o fato de eu ou de

alguém ser gay; eles só faziam o que achavam que deveriam fazer; e como a sociedade dizia

que ser gay era errado, então eles iam na onda ou simplesmente não se pronunciavam sobre o

assunto.

Então um corpo quente se juntou ao meu e minha espinha se aprumou mais ainda, me

fazendo sentir do mesmo tamanho que Pete e Tony.

- Algum problema? – perguntou Dylan encarando-os.

Nenhum dos dois falou, por alguns minutos eles ficaram lá, parados como dois gorilas, mas

depois sumiram no meio da multidão.

- Você está bem? – perguntou ele, os olhos azuis-esverdeado presos à mim, ignorando a

multidão ao redor.

Eu poderia ver o quebra cabeça se juntando diante dos olhos da escola. Eu não fora o único

que me assumira, Dylan também se assumira e junto, nós dois como um casal.

- Sim, eu estou bem.

- O que aconteceu?

Page 86: Mudando Jamie

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- Eu meio que fui encurralado e tive que me virar.

- Foi o que eu imaginei, porque mano, dava para te escutar das escadas. Isso vai me lembrar de

nunca te tirar do sério. Vamos almoçar?

- Sim, eu acho.

A multidão começou a se dispersar, quebrando-se em grupos menores que juntaram as

cabeças e começaram a cochichar entre si. Certeza que a escola toda iria saber antes do fim do

almoço.

- Tem certeza que você está bem? – perguntou Dylan de novo enquanto eu colocava minhas

coisas no armário.

- Sim, eu estou bem... No começo foi meio difícil, eu achei que eles fossem me despedaçar e

colocar os restos no armário.

- Eles são uma dupla de trouxas.

- É, mas eles sãos trouxas grandões.

- Parecia que eles estavam com medo de você. Aliás, parabéns, você impressionou.

-Eu? Que nada, eu sou só latidos e nenhuma mordida.

Dylan riu e por alguns minutos eu esqueci que não estávamos sozinhos. Parecia que só havia

eu e ele e a única coisa que eu queria era beijá-lo. Por sorte eu me lembrei que não

estávamos, porque eu perder a paciência com Pete e Tony era uma coisa, beijar em público

era outra.

Dylan, que era tão preocupado, perdera a vergonha de vez e quase me beijou.

- Pronto? – perguntei me desviando e limpando a garganta – Estou morrendo de fome.

- Uhum, eu também – respondeu Dylan sorrindo.

Quando chegamos ao fim do corredor, Dylan enlaçou meus ombros e eu prendi a respiração.

Nada.

Não houve aplausos, não houve vaias ou alguém gritando “viados”.

Talvez houvesse esperança para a humanidade.

****

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Dylan e eu não sentamos sozinhos no almoço naquele dia ou em qualquer outro. De repente

nós estávamos cercados de todos os tipos de pessoas; como a maioria dos alunos dos último

ano se proclamaram nossos guarda-costas, Tony e Pete não me incomodaram de novo. Na

verdade eles mantinham uma distância grande.

As novidades se alastraram pela escola toda e um dia eu recebi o ticket rosa. O ticket que dava

passe livre para eu andar no corredor até a sala da psicóloga.

Eu passei a manhã inteira ensaiando o que dizer, suando de nervosismo e imaginado ela me

analisar. Quando deu treze horas, o horário da consulta, eu caí na real e disse para mim

mesmo que não havia nada de errado comigo, ser gay não era um doença mental. Como eles

ousavam me mandar para a psicóloga?

De novo eu só tinha me preocupado à toa. Tudo o que ela fez foi perguntar se eu sabia sobre a

prevenção do HIV, sexo seguro e se minha mãe sabia. Falou comigo sobre homofobia e como

lidar com situações desconfortáveis antes que elas ficassem fora de controle (com certeza ela

havia escutado sobre o incidente com Tony e Pete), me deu uma mão cheia de panfletos e o

numero de um grupo teen GLBT.

Eu encontrei Dylan quando saí do escritório e vi que, além de ter recebido o ticket rosa, ele

estava suando.

- Relaxa – eu sussurrei ao passar por ele.

E esse foi basicamente o fim de tudo. Nós tínhamos nos assumido e estávamos livres para

sermos felizes, aceitos pela maioria e ignorado pelo resto. Igual qualquer um naquela escola,

dos populares, passando pelos góticos e chegando aos “normais”.

As coisas realmente estavam melhorando.

Capítulo Vinte

- Bom...

- Dylan...

- você não pode dizer não, Jamie. Eu já aluguei a limusine e paguei pelas entradas.

Eu olhei para os convites impressos em azul e branco nas minhas mãos. Eram convites para o

baile de formatura de Sábado, 18 de maio, as 20h00 e que iria acontecer no ginásio da escola

daqui a exatamente um mês.

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O tema era Paris na Primavera e o comitê de formatura já tinha começado a transformar o

ginásio na França, construindo uma Torre Eiffel e um Arco do Triunfo. A Música seria feita por

uma banda local.

- Todo mundo já sabe da gente de nós, Jamie- Me lembrou Dylan – As pessoas esperam que

agente vá.

- Eu sei, eu sei... só que é A Formatura. Agente tem que usar terno, sapato e meias pretas. Eu

nem tenho meias pretas

- E daí? Eu acho que você vai ficar muito bem em um terno, agente fotografa bem e eu te

empresto um par de meias pretas – disse ele rindo.

- As pessoas vão ficar olhando, Dylan. “Olha lá os viadinhos dançando”. Seria estranho.

Dylan fungou e me puxou para seus braços, me segurando forte enquanto afundava sua

bochechas nos meus ombros.

- Escuta, Jamie, eu não ligo para o que as pessoas vão dizer, se eles querem passar o baile todo

prestando atenção na gente, deixe eles olharem. Nós temos poucas formaturas na vida, Jamie

e eu não quero perder essa. Um baile, um par para o baile e eu quero que você seja o meu par.

- Tem certeza de que você esta preparado para isso? Se os conselho da escola descobrir isso

eles podem tirar nossos convites e...

- Diz que sim, Jamie.

Droga. Ele era o cara mais teimoso, obstinado e maravilhoso no planeta.

Eu dei meio sorriso e disse:

- Ok. Ok. Se você prometer que ninguém vai saber de nada até a hora do baile, então...

- Então...?

- Sim.

Dylan gritou em comemoração, deu um abraço que me levantou do chão e me beijou.

- Obrigado!

Honestamente, ele era um moleque grande, bonito e sexy, e eu acho que estava começando a

amar aquele garoto.

Opa, a palavra com a letra A. Ela nunca havia passado pela minha cabeça, nem uma única vez

nesse tempo em que estávamos namorando. Eu gostava do Dylan , muito, mas amar?

O que eu sabia sobre o amor? Não muito, só que Dylan era a primeira e última pessoa em que

eu pensava e que eu gostava daquele menino mesmo quando ele ficava estourando

(repetidamente) bolas de chiclete ou passava horas tentando pegar com a boca as pipocas que

ele jogava para cima. Eu não ligava quando, de vez em nunca, ele conseguia me superar no

Page 89: Mudando Jamie

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Guitar Hero. E eu adorava que ele nunca houvesse falhado em me dar aquela sensação de

chocolate quente quando agente se beijava.

Eu estava começando a amá-lo?

Talvez eu já estivesse e essa idéia me assustava.

Eu não tinha um histórico familiar bonito quando o assunto era amor. Na nossa casa o amor

morreu quando uma motocicleta escorregou e foi parar embaixo de uma caminhonete.

Acabou com um segundo marido bêbado e abusivo (e uma mãe que se recusou a ver isso até

que fosse tarde demais). Acabou com um melhor amigo se tornando um estranho.

Dylan se afastou de mim e o sorriso em seu rosto afastou qualquer dúvida que eu tinha. Eu

não sabia se eu estava amando-o, mas eu sabia que eu faria qualquer coisa para vê-lo feliz.

- Ok, melhor agente ir à Chester e comprar as roupas de festa ou agente vai acabar indo lá de

jeans e camiseta.

****

Eu lutei para sair do carro de Dylan com meus braços cheios. Nos havíamos comprado nossas

coisas do Baile: smokings, sapatos, gravatas, camisas sociais e aquelas faixas de cetim

engraçada, que agente colocava na cintura sabe lá Deus porquê.

Nós experimentamos todas essas coisas antes de deixar a loja Smoking Hut e Dylan quase tirou

meu fôlego quando apareceu devidamente vestido. Ele parecia tão lindo naqueles trajes

negros que eu me senti diminuto e quase sem graça ao seu lado; mesmo com ele falando,

(antes que eu pudesse dizer qualquer coisa) que eu estava lindo.

Eu não acreditei, mas era bom escutar aquilo de qualquer maneira.

O motor de seu carro roncou enquanto ele se afastava e eu lutava, na calçada de casa, para

não deixar nada cair.

Eu estava na metade do caminho quando notei alguém sentado nas escadas.

- Hey, Jamie – disse Billy olhando para mim – Eu estava me perguntando quando você chegaria

em casa. Um smoking, hein? Você vai ao baile? Com quem?

- Dylan – eu respondi perplexo demais para não responder.

Billy, depois de séculos ele aparecia do nada, sentado na minha frente como se nada houvesse

acontecido.

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À primeira vista ele parecia o mesmo de sempre em sua camiseta vermelha e seus jeans justos

da Abercrombie, mas comum olhar mais atento percebíamos que a historia era outra.

Ele parecia cansado, com olhos vermelhos e inchados, sua camiseta estava manchada e seus

jeans tinham mais rasgos do que quando viera da fábrica.

- Dylan? O cara da corrida? Ele se assumiu?

- Nós dois nos assumimos. O que você esta fazendo aqui, Billy? – perguntei tentando não

transparecer o amargor em minha voz.

Toda a emoção, raiva e angústia que eu jurava terem desaparecido haviam voltado em

segundos.

– Eu achei que você estivesse morando com Robbie.

Billy olhou para os sapatos.

- Não. Acabou.

- Acabou? Como? Ele te passou...

- Eu sei, eu sei. E se eu pudesse voltar atrás faria tudo diferente, acredite. Ser positivo é um

saco, Jamie! Nada é como deveria ser!

Eu percebi que ele chorava, mesmo sem levantar a cabeça para mim. Não, eu disse a mim

mesmo, não deixe ele te puxar de volta. Sempre fora Billy antes e ele queria que fosse Billy de

novo. O Show do Billy.

Ele puxou a camiseta e limpou as lágrimas, ainda não me olhando.

- Eu deixei minha casa e fui morar com Robbie, mas ele não me quis. Eu amava ele, Jamie! Pelo

menos eu achei que amasse, ate que eu percebi que ele era um idiota. Ele me deixou ficar em

sua casa por algumas semanas e depois me chutou, dizendo que eu estava atrapalhando-o e

que ele não gostava de ser babá.

- Você foi para casa? Por que você não me ligou?

- Eu não poderia ir para casa. Meu pai disse, quando eu saí de casa, que aquele era o fim, que

eu não era mais bem-vindo lá... Eu...eu achei uns caras que me deixaram ficar com eles por um

tempo.

Eu não queria escutar aquilo, não queria lidar com aquilo, mas o que eu deveria fazer? Ser um

idiota não era comigo. Não de propósito.

- Entra. Você pode tomar um banho, eu te empresto roupas limpas – disse eu subindo as

escadas e abrindo a porta.

Ele me seguiu igual um cordeiro e aquilo me assustou mais do que tudo, Billy nunca tinha sido

“manso” sua vida inteira.

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Fomos direto para o meu quarto, onde eu pendurei o smoking e joguei o resto das coisas no

guarda-roupa. Billy fez o caminho mais curto ao banheiro e eu escutei o barulho do chuveiro.

Eu senti um pouco do seu cheiro e parecia que ele não havia sabão e água à algum bom

tempo. Eu me perguntei com quem seriam os homens com que ele estava vivendo e onde.

Pelo cheiro e o jeito das roupas de Billy eu era forçado a acreditar que seria em uma esquina

qualquer, com um papelão como cama.

Ele ficou no banheiro por um bom tempo e eu sabia que ele só sairia quando a água ficasse

fria. Eu enrolei uma cueca, calça e camiseta numa toalha e joguei para ele.

Eu não disse nada no momento que ele saiu do banho, eu não confiava em mim mesmo. Eu

queria gritar, lembrá-lo de que ele tinha ferrado com a vida dele toda... mas eu percebi que

tudo o que ele não precisava era de uma dose extra de culpa.

Falar um monte para ele me faria bem, mas não mudaria nada, exceto que o deixaria pior. Por

mais que ele tenha feito o que fez, eu não poderia fazer isto com ele.

Billy sentou na beirada de minha cama, o cabelo pingando e disse:

- Eu acho que devo desculpas.

Você acha? Claro que você me deve desculpas, eu quis gritar, mas ao invés disso eu só balancei

a cabeça.

Para o meu horror ele desabou e começou a chorar, soluçando descontroladamente, os

ombros sacudindo.

- Está tudo errado, Jamie! Nada esta como deveria ser.

- E como deveria ser, Billy? – perguntei da maneira mais gentil que pude.

- Ser positivo é um saco! Eu me sino doente o tempo todo, tenho diarreia, feridas na minha

boca... Robbie não me disse nada disso.

- E a medicação?

- Eu não posso pagar. Eu estou quebrado e custa muito, Jamie. Eu vendi meu carro, mas a

grana foi rápido e quando acabou Robbie me mandou embora.

Eu suspirei, me sentindo tão mal por ele que a dor era quase física. Billy não merecia nada

daquilo, ninguém merecia.

- Você precisa ir para casa, Billy.

- Eu já te falei! Meu pai disse que...

- Eu sei, eu sei, mas você tem que tentar. Eles são seus pais, Billy, e eu não acho que eles sejam

metade do que você acha que eles sejam. Sua mãe ficou muito triste quando você sumiu.

- Você não estava lá, Jamie. Você não escutou as coisas horríveis que meu pai me disse.

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- Pelo que eu me lembro, ele não foi o único que disse coisas horríveis - disse eu olhando-o e

vendo que ele teve bom senso de corar – Somo humanos, temos o direito de errar de vez em

quando. E você não foi o melhor filho do ano.

- E se eles não mudarem de idéia? O que eu vou fazer?

- Eu não sei, mas ajudo a descobrir. Vamos dar um passo de cada vez – disse eu estendendo o

telefone.

Ele segurou-o e por um momento eu achei que ele não fosse ligar para os pais, mas Billy abriu

o aparelho e começou a digitar o número de casa.

- Pai? Sim, sou eu. Papai, desculpa. Eu... sim, eu estou no Jamie. Não, pai, ele sumiu. Agente

terminou. Eu sei. Me perdoa! Sim, sim, eu entendo. – disse ele segurando o telefone com mais

força e recomeçando a chorar.

Ah, Senhor! Ele disse não?

- Billy? O que ele disse? – perguntei esperando o pior.

- Que ele esta vindo me buscar. Eu vou para casa, Jamie! – anunciou Billy chorando mais forte.

Desta vez eu me juntei à ele, as lagrimas rolando escaldantes pelo meu rosto, toda a dor e

raiva sendo expulsas junto com elas.

Capitulo Vinte Um

Existe algo mágico na noite de formatura. Ou era o que minha mãe ficava me dizendo.

Ela sempre ficava repetindo sobre como o baile marcara o fim de sua escola e o começo do

resto de sua vida. Eu revirava os olhos ao escutar isso, mas talvez ela tivesse razão. Talvez toda

a decoração feita pelos alunos ficasse digna de uma produção de Steven Spielberg, na noite do

Baile, e a música ficasse mais doce.

Eu estava com os nervos à flor da pele.

Eu tinha pesadelos com Dylan e eu parados juntos e alguém jogando sangue na gente, igual à

Carrie, de Stephen King. Eu até tinha visões de pôsteres e gritos de protesto contra agente.

Eu sempre fui um pouco dramático, eu sei.

Era sete e meia e Dylan apareceria a qualquer minuto. Ele alugara uma limusine... eu até tentei

dizer que o Mustang estava ótimo, mas ele não me ouviu.

Page 93: Mudando Jamie

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Eu estava pronto para arrasar, como dizia o povo e minha mãe parecia mais nervosa do que

eu. Ela ficava arrumando minha gravata e tirando uma poeira invisível do meu smoking sem

parar.

- Não deixei ninguém estragar essa noite, Jamie – disse ela – Mas não vá entrar em confusões

também. Apenas ignore o que possam falar e se divirta.

De novo ela tentou me enforcar com a minha gravata e espanou a poeira inexistente.

- Ai, mãe!

- Mas não vai se divertir demais. Sem bebidas e sem outras coisas. Promete Jamie.

- Eu já prometi um milhão de vezes – disse eu fugindo do alcance dela.

A campainha tocou e minha mãe correu para atender. Ela estava tão nervosa que parecia que

era ela quem estava indo ao baile e não eu.

Dylan ficou parado na entrada de minha casa, tão lindo como sempre em seus trajes negros.

- Hey, Srª Waters – disse ele educadamente à minha mãe, seus olhos nunca me deixando –

Você esta ótimo, Jamie.

- Você também.

- Os dois estão lindos – gritou minha mãe puxando Dylan para a sala de estar – Eu preciso de

fotos. Se juntem ali na frente da janela.

- Mãe...

- Melhor fazermos isso Jamie – disse Dylan sorrindo – Tenho ordens restritas de tirar fotos ou

meus pais vão me matar.

Nós ficamos lado-a-lado e esperamos, quase cegos pelos flashes, que minha mãe parasse de

tirar as fotografias.

A limusine era longa e preta e poderia acomodar umas doze pessoas sem problemas. Eu insisti

em pagar ou em ajudar a pagar, mas ele não deixou.

- Meu par não paga nada!

- Eu não sou uma garota!

O motorista nunca deu uma única olhada para nós, mesmo nós sendo dois garotos.

****

Page 94: Mudando Jamie

93

A escadaria da escola estava apinhada de gente e o portão havia sido aberto a pouco tempo.

No alto o Sr. Johnson, professor de Educação Física e a Sr.ª. Sero estavam recolhendo os

convites.

Dylan estendeu nossos convites, mas Johnson não os aceitou.

- Onde estão os seus pares? Eu só vejo dois convites aqui.

- Meu par esta bem aqui do meu lado – disse Dylan ligando o modo defensivo, eu poderia

escutar na sua voz e sentir pelos seus músculos a raiva dele.

Eu preferia ter pulado o baile do que ver Dylan se enfiando numa briga com um professor

alguns dias antes do fim das aulas.

- Vocês estão brincando não é? Isso não é hora para piadas. Vocês podem achar engraçado,

mas...

- Só pega as porcarias dos convites, Avery – disse a Sr.ª Sero.

Dylan e eu trocamos um olhar incrédulo. A Sr.ª Sero, que nunca perdia uma oportunidade de

acabar com os alunos, mesmo quando a infração era mínima, estava defendendo agente?

Quem diria?

- Eles estão... juntos, Edna! – disse Johnson, como se agente não estivesse na frente deles –

São dois garotos.

- Ah, pelo amor de Deus seu idiota antiquado. Acorda e vem para o século vinte e um, pode

ser? – disse ela pegando os convites e destacando os tickets.

Johnson não disse nada. Aparentemente ninguém discutia com a Sr.ª Sero, nem mesmo os

professores.

- Divirtam-se – disse ela sorridente.

- Obrigado, Sr.ª Sero – dissemos em uníssono.

- Deixa apara lá, Dylan – disse eu ao sentir que ele ainda não relaxara – Nós já entramos.

Vamos nos divertir.

- Eu sei, eu sei.- disse ele olhando para mim e sorrindo – Pronto?

Eu concordei com a cabeça.

- Como eu sempre estarei.

Estava escuro lá dentro, somente a luz bruxuleantes da velas iluminavam as mesas. Nossos

lugares eram com alguns outros membros do time e todos eles já sabiam de mim e de Dylan.

Pelo menos agente não se preocuparia com hostilidade na mesa.

Passamos embaixo do Arco do Triunfo, olhando da direita para a esquerda, procurando nossa

mesa. Dylan viu Kenny Silverman acenando para gente e me puxou na direção dele.

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Eu poderia sentir a atenção de quase todos na gente, à medida que avançávamos pelo lugar. A

música continuou tocando, alguns comiam, outros dançavam, mas eu sabia que estavam nos

olhando, esperando que fizéssemos algo gay, embora eu não houvesse a mínima idéia de qual

seria essa coisa.

Talvez eles achassem que viéssemos de Drag, terno rosa, que começaríamos a dar uns malhos

ou que subíssemos no palco e cantássemos “I Will Survive”.

- Uau, você estão lindos – disse Sheila Robbins, par de Kenny.

Eu sabia que ela tinha namorado Dylan e isso me deixou desconfortável, mas em nenhum

momento ela pareceu hostil e quando ela sorriu eu fiquei mais relaxado.

Logo nós estávamos comendo e conversando como se tivéssemos namorado a vida inteira e

não fossemos o primeiro casal gay a ir à um Baile da BJ Good High.

A banda começou a tocar algo lento e Dylan se levantou.

- Pronto? – disse ele estendendo a mão.

Dançar? Nós? De maneira nenhuma! Sem chance!

Um silêncio se espalhou pelo salão, ou pelo menos isso aconteceu na minha cabeça. Eu sentia

cada olho ali grudado na gente, então eu olhei para Dylan e ele sorriu.

Mas que inferno, agente só vive uma vez, pensei, pegando a mão dele e ficando de pé. Dylan

me levou atá a pista de dança, onde tocava uma versão ainda mais leve da música de Melissa

Etheridge “Come To My Window”.

Não houve dúvida sobre quem deveria guiar; Dylan segurou minha cintura e eu não me opus.

Minha mão direita se apoiou em seu ombro, nossas outras mãos se juntaram e nós

começamos a nos mover.

Nos perdemos dentro dos olhos um do outro e esquecemos que havia um ginásio cheio de

gente nos olhando. Só havia Dylan e eu e nesses preciosos minutos ninguém mais existia. Eu

não queria que a música acabasse, mas acabou e foi aí que eu percebi que ninguém mais tinha

vindo para a pista de dança.

Meu coração parou por um momento, mas as pessoas começaram a aplaudir e assoviar e eu

senti todo meu sangue ir para nas bochechas. Eu sabia que eu estava corando furiosamente,

mas eu também estava sorrindo.

Então a banda começou a tocar uma música rápida e furiosa. Eu não dançava, nunca

consegui... eu sou só cotovelos e joelhos numa pista de dança, totalmente descoordenado e

fora de controle. Um perigo para quem estava a minha volta, meu pescoço tendia a sumir

dentro dos meus ombros cada vez mais arcados, até que eu parecesse uma tartaruga pronta

para me enfiar dentro do casco.

Por sorte Dylan não pareceu se incomodar que eu o levasse de volta a mesa.

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Depois disso o tempo voou, nós dançávamos (com outros muitos casais, desta vez) quando a

música era lenta e sentávamos quando era rápida. Comemos, rimos e brindamos com ponche

de frutas. Foi uma das melhores noites da minha vida.

Eu senti inveja quando as cédulas para Rei e Rainha foram passadas. Eu tinha uma fantasia

secreta de que seriamos coroados Príncipe e Príncipe, igual a outros caras, de outras escolas

em estados diferentes, foram coroados a não muito tempo. Mas nós não fomos nomeados e

nem seriamos mesmo que fossemos um casal hétero; Dylan era um dos mais lindos da escola,

mas não era o mais popular por um motivo simples: ele não matinha uma postura de

intocável, não para as meninas; e agente sabe que quanto mais difícil, mais desejado, certo?

E eu... bom, eu era considerado normal.

A noite continuou voando tão rápido que de repente já eram meia-noite e todo mundo

começou a se despedir. Alguns de nós iríamos para uma espécie de festa pós-Baile de

Formatura, mas eu ainda estava triste porque tinha acabado.

Nós temos poucos Bailes de Formatura, eu lembrei de Dylan me dizendo, Poucos Bailes, poucos

pares e eu quero que você seja o meu.

Eu estava feliz por ele ter sido o meu e por nós termos enfrentado nossos medos e tivéssemos

ido juntos.

Não acho que eu já tivesse ficado tão orgulhoso de mim mesmo como fiquei naquela noite,

saindo do baile com um grupo de pessoas que nos aceitavam e com o garoto que eu amava

nos braços.

Eu sabia, então, que eu amava Dylan.

Talvez eu dissesse isso à ele, que eu o amava, talvez não. Não importava.

Tudo o que importava era que eu havia tido a noite mais perfeita da minha vida.

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Epílogo

O mundo mudou no ano em que eu completei dezessete anos, mas ninguém notou isso,

exceto eu.

Eu prendi incríveis lições naquele ano, coisas sobre a vida e sobre mim que eu carregaria para

sempre. Eu conheci um cara que eu amava de verdade e que amava também. Até quando esse

amor duraria, ninguém sabia, mas eu aproveitava cada momento que eu tinha com Dylan

enquanto eles duravam.

Dylan ganhou a bolsa para a Faculdade Estadual, mas eu não fui aceito lá. Eu tinha voltado

para os meus planos iniciais de fazer a faculdade local. Eu tinha conseguido 75% de Bolsa e

junto com a ajuda do Governo Federal seria mais que suficiente para o programa de dois anos.

Após isso eu poderia pegar meu Diploma e terminar meu Bacharelado na Estadual.

Dylan e eu fizemos planos de nos encontrarmos nos fins de semanas, sempre que possível,

quando as aulas começassem. Ele tinha o carro dele e eu tinha planos de comprar um logo. Eu

até peguei um emprego na lanchonete junto com a minha mãe e comecei a guardar cada

centavo para isso. De qualquer maneira nenhum de nós começaríamos a estudar antes do

meio do outono e ainda nem estávamos no fim da primavera. Nós ainda tínhamos um glorioso

tempo juntos.

Eu aprendi que as pessoas faziam más escolhas de vez em quando e que você não pode se

culpar por elas. Tudo o que um bom amigo pode fazer é tentar fazer essas pessoas mudarem

de idéia, e se não der certo, estar lá para juntar os cacos quando eles caírem.

Os pais de Billy o aceitaram de volta e começaram a participar de sessões de terapia familiar.

Ele está sob medicação e os sintomas desapareceram por enquanto. Sempre tem a

possibilidade do vírus mutar ou de se tornar AIDS e os remédios o deixam mal. A vida de Billy

não vai ser fácil e eu choro por dentro porque tudo isso foi extremamente desnecessário.

Ele nunca mais vai ser o mesmo, mas eu sempre serei seu amigo e estarei aqui para ele. Ele

sabe disso.

Eu aprendi que o mundo está cheio de pessoas boas e ruins e que as vezes não dá para dizer a

diferença até que seja tarde demais. Minha mãe e eu aprendemos essa lição com Doug e Billy

com Robbie.

Robbie se mudou para outra cidade e não deixou o novo endereço. Eu com certeza não estava

triste por ele ter sumido, mas Billy chorou. Eu acho que ele ainda mantém uma esperança

infantil de que Robbie possa mudar de idéia sobre o relacionamento dos dois. O amor é cego,

como dizem, e no caso de Billy é cego, mudo e surdo. Eu não acho que ele tenha entendido

que Robbie o usou. As vezes eu duvido que um dia ele vá perceber isso.

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Minha mãe abriu mesmo o pedido de divórcio, embora Doug continue na cidade e nós o

vemos de vez em quando. Ele tentou voltar uma vez e eu fiquei feliz e orgulhoso quando ela

bateu a porta na cara dele e chamou a policia. Ele passou alguns dias na cadeia por quebrar a

ordem de restrição e não voltou mais.

Minha mãe tranca as portas, mesmo durante o dia, quando estamos em casa. Ela tem medo

que Doug fique bêbado e venha nos encher. Eu não acho que ele vá fazer isso. Doug provou o

gosto da cadeia e eu não acho que ele tenha gostado muito. De qualquer maneira é melhor

prevenir do que remediar, eu acho.

Eu percebi que eu tinha entendido tudo errado, o mundo não tinha mudado no momento em

que eu completei dezessete anos.

Eu mudei.

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Nota do Autor.

Enquanto avanços médicos são feitos a cada momento, o fato é que o HIV e a AIDS ainda são

incuráveis e preveníveis

Para mais informações sobre HIV e AIDS e a prevenção de ambos, visite o site

http://www.aids.gov.br/ ou um grupo de sua cidade.

Para informações sobre os Caçadores de Pragas (Bug Chasers) eu recomendo o documentário

“O Presente” de Louise Hogarth.

Seja prevenido, seja inteligente, seja feliz.

Dakota Chase.