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 Viragem de século no MoMA e na Tate “Modern Starts” Expresso Revista de 12-02-2000, pp 70 - 79 Mudar de século O Museu de Arte Moderna de Nova Iorque apresenta uma revisão do século XX em três exposições sucessivas que decorrerão até Fevereiro de 2001. O projecto é gigantesco e irreverente: recorre apenas à sua colecção, associa todas as disciplinas artísticas, tem início em 1880 mas já inclui obras que vêm até ao presente e, acima de tudo, troca a ordem cronológica pela organização temática. Primeiro episódio: «Modern Starts»  John Eldereld, responsável pela primeira parte do projecto “MoMA  2000”, procurou fazer de uma história conhecida um território de surpresas. Pessoas, Lugares e Coisas são as etapas do percurso REVER o que foi a arte do século XX, quando este se tornou o «século passado», pode não ser a mera celebração de uma efeméride e a ilustração de uma história já muitas vezes contada. A oportunidade servirá para reconsiderar um percurso que, com um ritmo de mudança até aí desconhecido, alterou profundamente os cânones da criação artística, explorou novos meios de criação (da colagem ao vídeo e à manipulação digital das imagens) e substituiu, até mesmo na fase da aprendizagem, o antigo primado da mestria técnica pelo culto da inovação. Havendo algum rigor intelectual, essa reavaliação do passado recente não deixará de enfrentar a questão da prolongada incompreensão de grande parte do público face à arte moderna ou os problemas levantados por intervenções críticas que puseram em causa o destino mais visível da arte do século XX, especialmente a partir do momento, pelos anos 60, em que o que era subversão de normas passou a ser arte ocial. 1

Mudar de século no MoMA e na Tate

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As exposições da viragem do Milénio, no MoMA, e a inauguração da Tate Modern

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Viragem de século no MoMA e na Tate

“Modern Starts”Expresso Revista de 12-02-2000, pp 70 - 79

Mudar de séculoO Museu de Arte Moderna de Nova Iorque apresenta uma revisão doséculo XX em três exposições sucessivas que decorrerão até Fevereirode 2001. O projecto é gigantesco e irreverente: recorre apenas à suacolecção, associa todas as disciplinas artísticas, tem início em 1880mas já inclui obras que vêm até ao presente e, acima de tudo, troca aordem cronológica pela organização temática. Primeiro episódio:«Modern Starts»

 John Elderfield, responsável pela primeira parte do projecto “MoMA  2000”, procurou fazer de uma história conhecida um território desurpresas. Pessoas, Lugares e Coisas são as etapas do percurso

REVER o que foi a arte do século XX, quando este se tornou o «séculopassado», pode não ser a mera celebração de uma efeméride e a ilustração deuma história já muitas vezes contada. A oportunidade servirá para reconsiderar

um percurso que, com um ritmo de mudança até aí desconhecido, alterouprofundamente os cânones da criação artística, explorou novos meios de criação(da colagem ao vídeo e à manipulação digital das imagens) e substituiu, atémesmo na fase da aprendizagem, o antigo primado da mestria técnica pelo cultoda inovação. Havendo algum rigor intelectual, essa reavaliação do passadorecente não deixará de enfrentar a questão da prolongada incompreensão degrande parte do público face à arte moderna ou os problemas levantados porintervenções críticas que puseram em causa o destino mais visível da arte doséculo XX, especialmente a partir do momento, pelos anos 60, em que o que erasubversão de normas passou a ser arte oficial.

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A mudança de século tem dado lugar a antologias com centenas de obras, comose fez em Berlim já em 97, ou a balanços sectoriais, como o «AmericanCentury» no Whitney Museum. O projecto mais vasto é o que o Museu de ArteModerna de Nova Iorque (o MoMA) está a levar a cabo em três mega-exposições que se prolongarão até Fevereiro de 2001. Para tanto recorre apenasàs suas colecções e põe em jogo todos os campos das artes visuais, associando apintura e escultura à fotografia, ao «design», à arquitectura e ao cinema. Poroutro lado, faz começar a revisão em 1880, data que corresponde ao início doseu acervo e permite ultrapassar o limiar arbitrário fixado em 1900 paracartografar, através do que já antes era procura ou afirmação de modernidade, asdiferentes direcções que concorrem entre si nas primeiras décadas da artemoderna.

Tem de dizer-se que o MoMA é, quanto à arte do século XX, o mais importantemuseu do mundo, e que nenhum outro poderia programar uma revisão credívelsem recorrer a empréstimos de obras alheias. Fundado em 1929, em plenaDepressão, por três senhoras descontentes com o conservadorismo americano, o

museu depressa viria a assumir uma importância decisiva, à escala internacional,no reconhecimento das vanguardas das primeiras décadas, tanto mais que sobrea Europa se abatia a censura dos regimes ditatoriais. Duas exposições que Alfred

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H. Barr, o seu primeiro director,organizou em 1936 - «Cubismo e ArteAbstracta» e «Arte Fantástica, Dada,Surrealismo» - foram etapas essenciaisdessa dinâmica, que se acentuou comos exílios de artistas europeus duranteo nazismo e a II Guerra, bem como,terminado o conflito, com a crescenteimportância de Nova Iorque comocentro artístico mundial, concorrendocom Paris e substituindo-se-lhe nosanos 60.

Barr adoptara para o MoMA ummodelo inédito, com a criação dedepartamentos dedicados àarquitectura, ao cinema (a «Film

Library», em 1935), depois ao «design» (então designado Arte Industrial - amostra «Machine Art» dirigida pelo arquitecto Philip Johnson logo em 32 éoutro marco decisivo), à fotografia (em 40). Curiosamente, esse plano entãoaudacioso, que se interessava pelas Belas-Artes («fine arts») e pelas artes

aplicadas, incluindo a arte comercial e popular, teve origem nos seus estudossobre a Idade Média. Barr só deixou o MoMA em 1967, continuando a ser umafigura de referência, mas outros directores de departamentos, como WilliamRubin na pintura ou Beaumont Newhall, Edward Steichen e John Szarkowski nafotografia, ficaram também associados à história da arte do séc. XX. Essanotoriedade não tem paralelo noutros museus e colocou o MoMA no centro demuitas polémicas. Acusaram-no de ser um museu narcisista e autoritário, paraalguns foi a ponta de lança de imperialismo artístico norte-americano, masoutros denunciam-lhe a dependência face à cultura europeia, e ora é visto comoconservador ora como o baluarte dos vanguardismos, minando a dignidade daarte com a atenção que presta aos objectos de consumo e produções vernáculas.

Esta digressão histórica justifica-se porque o actual ciclo de retrospectivas, quetem o título genérico «MoMA 2000» e é apontado como o seu mais ambiciosoprojecto de sempre, faz coincidir a revisão do século com o reexame dascolecções e das estratégias que foram sendo adoptadas para as apresentar aopúblico, com o pretexto suplementar de encerrar para obras em 2001 para uma

substancial ampliação das instalações.

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O primeiro capítulo, «ModernStarts» (começos modernos), prolonga-se até1920 e será seguido por outras abordagens de períodos sucessivos de 40 anos,«Making Choices» e «Open Ends». John Elderfield, especialista em Matisse eBonnard, «curator in chief at large», à frente de uma vasta equipa, foi oresponsável pela exposição e pelo livro que a acompanha - não é um catálogo,mas um guia das artes visuais deste período, com ensaios sobre todas as secçõesda exposição e outros que desenvolvem temas aí apenas esboçados, como «Aconquista do ar» ou a paisagem americana nos primeiros westerns.

É uma exposição deliberadamente não convencional, inesperada na concepçãoglobal e nos capítulos em que se divide, surpreendente nas comparações entreobras que vai propondo, e sem dúvida polémica. Por inúmeras razões. Porexemplo, por desrespeitar as fronteiras entre disciplinas artísticas e as balizas

cronológicas predefinidas, incluindo instalações vídeo dos anos 80 e 90 (de BillViola e Gary Hill) ou fotografias que datam dos primórdios da sua invenção, porvolta de 1840. No primeiro caso trata-se de mostrar como idênticos temascontinuam a interessar os artistas para além das revoluções estéticas e dosurgimento de novos «media» (a observação do mundo ou a representação docorpo); o segundo exemplo surge num núcleo dedicado à alternativa entre a posee o instantâneo furtivo ao longo da história da fotografia, e da história do retratoem particular, até aos dias de hoje.

A aposta mais decisiva, porém, reside no facto de se ter abandonado a previsívelsequência cronológica, através de estilos, movimentos, artistas individuais,gerações ou grupos nacionais, em favor de uma organização temática.«ModernStarts» inclui três exposições autónomas, «People», «Places» e«Things» (pessoas, lugares e coisas), mostradas em pisos diferentes, sendoainda as duas primeiras constituídas por sete e por seis mostras independentes,também temáticas, entre as quais a circulação é aleatória.

Em vez de sintetizar as primeiras décadas da arte moderna através de umanarrativa centrada na especulação formal, seguindo a habitual tipologia linear(fauvismo, cubismo, futurismo, abstracção, etc.), o que tantas vezes significasubstituir a interrogação visual das obras por fórmulas classificativas,«ModernStarts» oferece ao espectador múltiplas pistas, convidando-o a entenderque existem diferentes narrativas possíveis que se entrecruzam num mesmotempo histórico. Trata-se de fazer do observador o agente das suas própriasdecisões críticas - catálogo, guias das secções, tabelas com textos elucidativos

orientam-no na viagem, que, com mais de 450 objectos, não se esgotará numavisita única.

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«People», que explora aspectos formais darepresentação da figura humana e atransformação das suas potencialidadesexpressivas, inclui, por exemplo, umaexposição intitulada «Actores, Bailarinos e

Banhistas». Ao destacar o interesse dos artistas por personagens em que sereflectem as mudanças da vida moderna, também se sublinha como o processo

da representação se distancia de um propósito ilustrativo de poses convencionaisou alegóricas predefinidas para investigar os efeitos expressivos que decorremda própria composição figurativa sem que nesta se reconheça um conteúdonarrativo evidente.

Num grande Banhista de Cézanne (1885) está presente a tradição do nuacadémico e uma radical meditação sobre a prática ilusionista da pintura, ondeesta se auto-identifica como superfície pintada (a pintura como registo do

processo de pintar); também é possível associá-lo a idílicos mitos arcádicos ou àprojecção de memórias juvenis do pintor. O quadro é exibido, com algumescândalo, ao lado de uma fotografia de dimensões quase iguais mostrando um

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banhista adolescente e inseguro retratado pela holandesa Rineke Dijkstra(Odessa, Ucrânia, 4 de Agosto de 1993). Toda uma página do catálogo édedicada à comparação das duas obras, passando pelos temas da exibição docorpo e do colapso da URSS.

Ainda na secção «People», outra sala reúne gravuras do pintor belga JamesEnsor e de José Guadalupe Posada, artista popular mexicano. Forampraticamente contemporâneos mas nunca se poderiam ter conhecido e ambosdesenvolveram, através do realismo grotesco e de um simbolismo fantástico,povoado por esqueletos, demónios e máscaras, produções de forte sentido críticosobre o seu tempo em que está muito presente o tema da morte.

Alguma crítica reagiu com violência. Disse-se que se aplicou ao museu o

princípio do «zapping» televisivo (a comparação com navegar na Internet seriamais legítima). O   New Yorker falou de museologia «pop» e iconoclasta etambém de «misturada pós-modernista». Para um crítico do New York Times, amontagem «não tem pés nem cabeça»: «arbitrariedade chocante», «incrívelmisoginia» e «francofilia esmagadora», por causa da «ubiquidade» das obras deCézanne, Matisse e Picasso... Há opiniões contrárias. «ModernStarts» é o maisempolgante dos projectos, a mais estimulante das exposições.

John Elderfield diz que pretendeu «fazer de uma história bem conhecida

um território de surpresas», procurando repor as obras num todo aindanão organizado, como que antes de a história ter ordenado e descrito osestilos ou movimentos e consagrado alguns nomes. Se não é possíveldevolver as obras à sua frescura original, trata-se de propor a ficção de queas genealogias ainda não foram criadas, de modo a entender o modernoantes do seu futuro. Elderfield recusa a ideia de que o moderno é algo quese explica contando a sua árvore genealógica e afirma: «Todas as histórias

são escritas para ajudar a ordenar, arrumar e explicar as sensações.

Mas a arte trata de imagens e não de explicações».Outro tópico que orienta a exposição é a reflexão sobre o efeito da distância ecompressão de um tempo que agora se vê como um grande período de transição(ou, para alguns, de revolução) mas com que já não coincidem as apreciaçõesapocalípticas dos seus contemporâneos. Herbert Reed, historiador modernista,dizia em 1930 que as mudanças eram mais do que revolucionárias, eramcatastróficas, implicando um «corte abrupto com toda a tradição». VirginiaWoolf escreveu que por volta de Dezembro de 1910 a «natureza humana

mudou». Para o observador actual, porém, é tão visível a mudança em direcçãoao futuro como a continuidade com o passado.

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As obras mais radicais coexistem com outras mais conservadoras que, para alémda sua qualidade própria, também podem sustentar inovações posteriores. Adialéctica inovação-conservação reconhece-se nas mesmas obras, atravessa aprodução dos mesmos artistas, está presente nos períodos mais radicais. OsAgapantos de Monet (1918-25) não se consideravam inovadores no seu tempomas vieram a impressionar os artistas abstractos dos anos 40-50; os painéisabstractos de Kandinsky conhecidos como As Quatro Estações (1914)recusavam a descrição objectiva, mas ao jogo das cores em liberdade podiaatribuir-se um carácter simbólico ou abstracto-representativo. Foram pintadospara decorar o «hall» de uma residência, o qual é reconstituído no meio de«Moments and Seasons», dedicada a paisagens épicas.

«Places», que aborda a representação de lugares reais e imaginários, é

atravessada pela interrogação de uma linha de fractura entre campo e cidade. Ointeresse pela paisagem natural tem uma presença dominante em quase todo esteperíodo, e pode ser pensado como uma fuga às rápidas transformações da vidaurbana, facilitada pelo incremento dos transportes. «Changing Visions: French

Landscape 1880-1920» é um grande núcleo sobre o que vai mudando napercepção e descrição da paisagem, acompanhado por documentação fotográficasobre os lugares representados: Giverny e Monet, a Provença e Cézanne ou VanGogh, Coulioure e os Fauves, Horta de Ebro e Picasso, Marrocos e Matisse, etc.

«Landscape as Retreat» vai do escapismo simbolista de Gauguin aoexpressionismo de Nolde, mostrando apenas gravuras em madeira.

Passando à cidade, mostra-se como os interiores Arte Nova de Hector Guimardprocuram trazer as formas orgânicas da natureza para o espaço citadino e noutronúcleo explora-se o ritmo da industrialização através da fotografia vernacular,sem estatuto artístico («Rise the Modern World») - Atget é o mais representadodos fotógrafos, em várias secções. Em «Unreal City», com Chirico, Mondrian,Delaunay, Duchamp, Matisse, etc., a descrição da cidade ao tempo da 1 Guerra

caracteriza-a como um espaço inquietante, caótico, estilhaçado por estranhas justaposições.

Entretanto, em «People», outras secções exploram as maneiras de representar osgestos humanos, a postura corporal e a expressão facial com vista a caracterizarhumores e emoções («The Language of the Body») ou são dedicadas a mostrarcomo as formas do corpo são elementos da composição pictural, com ou semcarácter narrativo, usando a deformação e fragmentação da silhueta, a abstracção

de volumes, a relação figura-fundo («Composing the Figure» e «With theFigure»). A escultura ocupa duas secções, sobre a procura da expressão através

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de séries (Rodin e Matisse), e sobre a escala e o espaço na figuraçãomonumental de Maillol, Lehmbruck, etc.

A escolha dos temas ou assuntos («subject matter») como estratégia pararepensar o século não foi inventada «a priori», e o próprio catálogo conta como

se partiu da revisão do acervo do museu para chegar à compartimentação emtrês períodos cronológicos e nas três secções de «ModernStarts», quecorrespondem em larga medida aos géneros tradicionais do retrato, paisagem enatureza-morta. Não porque tenham continuado como géneros canónicos masporque foi do seu interior que os artistas partiram para as grandestransformações da arte moderna, e porque os temas genéricos continuaram aconstituir como que uma resistência à mudança.

Esteve prevista uma quarta secção dedicada à abstracção, que foi«descoberta» neste período, mas acabou por optar-se pela inclusão de obrasabstractas em todas as secções, especialmente em «Places» e «Things».Porque ela emergiu das representações da figura, paisagem e natureza-morta, e a sua compreensão é assim mais acessível, mas também porque acriação da arte abstracta se inscreveu no contexto do interesse modernistapelos objectos (das inovações do «design» à colagem cubista e ao «quadro-objecto»), e porque a lógica de construção dos três núcleos temáticos exigiaa sua presença.

Uma das entradas de «People» aproxima O Rio de Maillol, de 1939-43 masconcebida nos anos 10, de um quadro abstracto de Barnett Newman, Vir

Heroicus Sublimis, de 1950-51. O Rio é a representação clássica de um corpode mulher, ainda que o título a associe à energia da natureza (antes, a esculturafoi pensada como monumento pacifista). A pintura de Newman, onde estreitasfaixas verticais interrompem um longo campo de cor vermelha, pode ser vistacomo uma meditação sobre a condição humana. É um dos exemplos mais fortes

das liberdades usadas na montagem e também da lógica afinal muito didácticaque guia o itinerário do visitante: tradição e inovação, figuração e abstracção,sensualidade e ascetismo, masculino e feminino, etc.

«Things» é um percurso único mas multidireccional sobre objectos erepresentações de objectos, onde a pintura convive com obras gráficas epublicidade, peças de decoração ou «design» industrial, mobiliário e fragmentosarquitectónicos. Aí se segue da natureza-morta, como uma tradição queentretanto pode abandonar os seus conteúdos alegóricos, para a desconstrução

cubista, até à quase indistinção dos objectos representados, até à apropriação dosobjectos reais pela colagem (Picasso e Schwitters) ou à exposição do objecto

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corrente como arte (Duchamp). Numa mesma vitrina estão esculturas (umaconstrução dinâmica de Moholy-Nagy, 1921), peças de «design» (o rolamentode esferas de Sven Wingquist, 1929), objectos dadaístas e já surrealistas.

A entrada neste espaço faz-se por uma sequência dos magníficos cartazes

litográficos de Lucian Bernhard (1908-14), que associam a representação deobjectos de recente invenção (vela de automóvel ou lâmpada eléctrica) à palavra(a marca), com um impacto visual que antecipa a melhor arte Pop. Logo depoiso visitante vê uma pequena monotipia de Matisse, Frutos num Prato

Marroquino, de 1914-15, que certamente o levará a interrogar-se sobre adistinta relação estética que estabelece com os cartazes e com este traçado lineare incerto (e se os trabalhos de Bernhard são notáveis, a monotipia é um encontroperturbante). Matisse dá passagem às naturezas-mortas. Há depois um núcleo de

dez cadeiras, objecto arquetípico do «design» moderno, em permanentereinvenção. Outra bifurcação a partir dos cartazes explora a palavra comoobjecto: a palavra nas composições cubistas, a palavra em liberdade dosfuturistas, etc.

Entretanto, numa primeira sala que serve de preâmbulo geral, uma outraconjunção de obras reúne exemplos que transcendem todas as classificações: oAtelier Vermelho de Matisse (1911), a Composição Suprematista: Branco

sobre Branco de Malevitch (1918) e um vaso decorativo cúbico de KolomonMoser (1902). É mais uma demonstração de que a exposição quer ser umquestionamento e não se pretende definitiva. Elderfield diz que não propõenenhuma definição única do moderno e que este recusa o consenso sobre umestilo ou uma tipologia prevalecente - se ele existisse, a modernidade negar-se-iaa si mesmo e deixaria de ser moderna.

O capítulo seguinte, «Making Choices», apresentou-se de 16 de Março a 12 de Setembro.«Open Ends» iniciou-se em Setembro. Depois, o MoMA encerrou para a ampliação dasinstalações, a cargo do japonês Yoshio Taniguchi, e reabriu em 2004.

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“Elderfield has worked in Painting & Sculpture for years, under the directorships of both WilliamRubin (1973-88) and Kirk Varnedoe (1988-2000). Yet Elderfield’s final show in the old building,

 Modern Starts (2000), was cause for concern: a post-historical hodgepodge of disparate worksplaced together in lookalike groupings under such generic titles as ‘People’, ‘Places’ and ‘Things’,it was a critical bust. Such thematicism was at odds with the principal motives of Modernist art – itsattack on meaning, its commitment to abstraction, its rigour about its own development. TateModern, which opened a little later, also took the thematic route, but its sketchier collection mademix-and-match a plausible default; not so at MoMA. In retrospect, however, Modern Starts seems acalculated move by Elderfield to air out the collection and to break with the presentations of Rubin

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and Varnedoe. For Rubin the first concern was stylistic coherence, and after the last redesign in1984 by Cesar Pelli, he mostly alternated masters with movements: Picasso with Cubism, Matissewith Fauvism, and so on. Under the pressure of Postmodernist art, Varnedoe brought in more Dada(especially Duchamp) and Surrealism in his hang of 1996; though less rigorous stylistically, hisversion was more stringent chronologically. In fact he sometimes broke up the isms in order to

 juxtapose different works of the same moment.” in “It’s Modern but is it contemporary?” Hal

Foster at the new MoMA: london review of books/ 16 December 2004

Hilton Kramer: “MoMA’s Modern Starts Slights Abstract Art”, 1/17/00, The New York Observer/

“MoMA: What's in a Name?” Arthur C. Danto, June 29, 2000 http://www.thenation.com/article/moma-whats-name

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Expresso Cartaz, 01 Abril 2000, pág. 8 (2) - notícia

O MoMA revê o século XX

O Museu de Nova Iorque apresenta o segundo capítulo do seu orjecto derevisão global da arte moderna.

“Making Choices” inclui exposições intituladas “Walker Evas &Companhia”, “Arte Moderna contra o Modernismo” ou “O Sonho daUtopia/A Utopia do Sonho”, e galerias individuais para Arp, Morandi, Man

 Ray, Louis Kahn e Harry Callahan

Walker Evans está no centro da exposição do MoMA e tem em paralelo umaretrospectiva no Metropolitan Museum

DEPOIS de «Modern Starts», «Making Choices» é a segunda parte da granderevisão da arte do século XX que o Museu de Arte Moderna de Nova Iorqueempreendeu por ocasião da mudança de século e de milénio. É constituída porum total de 24 exposições de dimensões variáveis e quase sempre autónomasentre si que vão ocupar a totalidade dos três pisos superiores do museu (as

primeiras 11 abriram a 16 de Março e ontem acrescentaram-se-lhes mais três,inaugurando-se só a 30 de Abril as dez restantes. Como as datas de encerramento

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também não são coincidentes, só entre 1 de Maio e 26 de Julho é que todos os núcleospoderão ser visitados em simultâneo).

O fotógrafo norte-americano Walker Evans tem um lugar central na exposiçãodo MoMA, ao mesmo tempo que o Metropolitan Museum lhe dedica uma

extensa retrospectiva. Através de 175 provas «vintage», a sua obra é revista noMet desde o final dos anos 20, ao tempo da Depressão e da colaboração com aFarm Security Administration, até aos «polaroids» da década de 70, passandopelos retratos furtivos no metro de Nova Iorque. Dois livros acompanham amostra, uma monografia da autoria dos comissários Maria Morris Hambourg eJeff L. Rosenheim, e uma antologia de escritos, correspondência e negativosoriundos dos Walker Evans Archives.

No âmbito do programa «MoMA 2000», o primeiro capítulo abrangeu o períodode 1880 a 1920, sob a direcção de John Elderfield, e procurou ensaiar, através daconsideração de três tópicos essenciais - pessoas, lugares e coisas - uma visão deconjunto sobre os inícios da arte moderna, focando o que nesta existiu decontinuidade e mudança.

A segunda parte (referente a um período também de 40 anos que vai até 1960)está a cargo de uma equipa encabeçada por Peter Galassi, director dodepartamento de fotografia do Museu, que optou por reflectir a diversidade e

complexidade do panorama artístico através da abordagem de temasindependentes, de revisões propriamente cronológicas, que sublinham adiversidade sincrónica das manifestações, e ainda de núcleos mais pequenosdedicados isoladamente a alguns artistas ou a disciplinas.

Num período marcado por grandes convulsões sociais e políticas comimplicações directas no debate artístico, o título genérico reflecte a existência dediferentes opções, filosofias e tradições que simultaneamente competiam entresi, obrigando os artistas a «fazer escolhas».

A exposição é acompanhada pela edição de três livros-catálogos de idênticasdimensões, que estabelecem as linhas determinantes de todo o projecto.Making Choices: 1929, 1939, 1948, 1955, da autoria de Peter Galassi, RobertStorr e Anne Umland, pretende ser uma exploração da multiplicidade vital daarte moderna através da focagem comparativa das obras produzidas nessasquatro datas.Walker Evans & Company, que é também o título de um dos núcleos

principais, é escrito por Peter Galassi. O volume sublinha o carácter seminal daobra fotográfica de Walker Evans, que foi um dos pilares da tradiçãodocumentarista - com a recusa da «artisticidade» e do artifício da arte fotográfica

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do seu tempo, o interesse pela cultura popular e vernacular americana, a opçãopela descrição austera e exacta da realidade - mas cuja ressonância se estendeu aoutras áreas da criação artística, podendo ser apontado como um precursor dorealismo da arte Pop. São reproduzidas mais de 300 obras de cem artistas,incluindo pinturas e esculturas de todo o século, para além dos limites do espaçoe tempo da exposição.Por último, Modern Art Despite Modernism, da autoria de Robert Storr e emconjunção com outro grande núcleo homónimo, apresenta uma visão heterodoxado curso da arte moderna, documentando o facto de a evolução do modernismovanguardista ter sido sempre acompanhada, contestada e complexificada poroutras expressões alternativas. Exposição e livro abordam os artistas que, emépocas sucessivas, se desviaram e questionaram o «mainstream» modernista,traçando o desenvolvimento do que chamam a anti-vanguarda, desde a sua

primeira aparição sob a designação de «retorno à ordem» na arte europeia que sesegue à I Guerra até à reemergência internacional da figuração nos anos 80. Namontagem tomam lugar obras que o próprio MoMA considerou sempre comotangenciais ou distintas das suas orientações predominantes, e o livro aborda asquestões da mudança das noções de gosto e da recepção da arte de vanguarda,analisando o papel chave desempenhado pelo Museu.

Este percurso «contra o modernismo» tem início com Picasso, Matisse e

Balthus, em Paris, com os artistas da Nova Objectividade alemã como Otto Dixe Max Beckmann, ou os ingleses Gwen John e Walter Sickert; prossegue com osmexicanos Frida Kahlo, Rivera e Siqueiros, com norte-americanos como PaulCadmus, Georgia O'Keeffe, Charles Sheeler, Tchelitchew e Andrew Wyeth;renova-se no pós-guerra com Giacometti, Bacon e Lucien Freud, depois comLarry Rivers, Pearlstein e Alex Katz, com David Hockney e com os «pós-modernistas» Philip Guston e Gerhard Richter, em oposição às orientações ditasexperimentais e conceptuais. O conflito em torno do estatuto da figuração éespecificamente abordado e um sector é dedicado à importância do desenho dafigura e do desenho linear de contorno para os artistas anti-vanguardistas, sob otítulo «Drawing Lessons», onde, além de nomes já citados se incluem Dubuffet,Goncharova, Peter Blake e Andy Warhol.

Entre as outras exposições já inauguradas inclui-se «The Dream of Utopia/ Utopia of Dreams», que explora o confronto entre duas divergentes concepçõesartísticas de utopia, uma racional, outra anti-racional, que após a I Guerraprocuraram refazer ou re-imaginar o mundo: a abstracção pura defendida por

artistas como Mondrian e Malevitch, e o surrealismo teorizado por Breton.«War», distribuída por várias galerias, examina a resposta dos artistas à guerra eà violência, acrescentando às imagens sugeridas pelos dois maiores conflitos

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mundiais os temas da guerra civil, da luta de classes, dos conflitos coloniais e daguerra fria, até às fotografias do massacre de My Lai e do extermíniocambojano.

Outros núcleos são dedicados ao mobiliário e à arquitectura que corporizaram os

ideais de espaço doméstico na sequência da I Guerra (a continuar em «Modern  Living 2»), e ao design gráfico e à fotografia dos anos 20-30, enquanto «ParisSalon» é uma primeira selecção cronológica que dará lugar, a seguir, aocontexto do segundo pós-guerra e ao confronto com o «New York Salon», dandoconta da partilha do centro mundial da arte desde as vésperas da II Guerra. Osúnicos núcleos monográficos são dedicados a Hans Arp, às gravuras de Morandi,às fotografias de Man Ray e ao arquitecto norte-americano Louis I. Kahn.

O conjunto de exposições a abrir no final de Abril inclui três núcleos dedicadosespecialmente à fotografia: «O Observador: Cartier-Bresson depois daGuerra», «O Motivo Ideal: Stieglitz, Weston, Adams e Callahan» e outro aindaconsagrado individualmente a Harry Callahan.Outras mostras anunciam-se sob os títulos «Anatomicamente Incorrecto»,abordando a distorção da representação do corpo entre os artistas surrealistas ecomparando-a com outros exemplos da actualidade; «Useless Science», umainvestigação sobre o tema da pseudo-ciência (presente nas obras de arte quesimulam ou imitam os métodos científicos) e também sobre o absurdo comoconceito filosófico, literário e artístico; ou ainda «Seing Double», «The

 Rhetoric of Persuasion», «The Marriage of Reason and Squalor» (a razão e asordidez) ou «How Simple Can Your Get?».

O capítulo final de «MOMA 2000», com que se encerra a revisão do século, teráinício em Setembro sob o título «Open Ends» e a respectiva direcção foiconfiada a Kirk Varnedoe, chefe do departamento de pintura e escultura doMuseu.

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MoMA, “Making Choices”

Moderno  pluralExpresso Revista de 03 Junho 2000, pp. 81-86 (3)

  A revisão do século XX com que o Museu de Arte Moderna de Nova  Iorque assinala a passagem do milénio prossegue com «MakingChoices»: 24 exposições sobre os anos 1920-1960 exploram osconfrontos vanguardistas e a oposição antimodernista

Em 1935, Hitler atacou violentamente a arte moderna no congresso do PartidoNacional-Socialista. Judeus ou não, cada vez mais artistas tomavam o caminhodo exílio, quase sempre americano. A «limpeza» dos museus começa em 36; noano seguinte abre a exposição de arte alemã defendida pelo regime nazi,contraposta à de «arte degenerada», que percorrerá a Alemanha até 1941. Muitasobras que escapam à fogueira irão ter a colecções norte-americanas - ao MoMA,

por exemplo. Na URSS, o comité central institui em 36 o controle sobre as artes.As vanguardas são acusadas de esquerdismo e formalismo, ou, segundoEstaline, de «sabotagem, diversão e espionagem». O realismo socialista impõe-se com purgas e deportações.

Igualmente em 1936, o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque apresentou duasgrandes exposições que fizeram história. «Cubismo e Arte Abstracta» e «ArteFantástica, Dadá, Surrealismo» defendiam a arte europeia contra o isolamentocultural norte-americano e tomavam o partido da liberdade artística contra os

totalitarismos. O propósito de Alfred Barr, o seu director-fundador, de ilustrar«alguns dos principais movimentos da arte moderna de um modo global,objectivo e histórico» iria orientar o programa modernista do museu e torná-loum paradigma a seguir, quando, passada a II Guerra, a Europa começa areconstruir-se.

Em Paris, a Exposição Internacional das Artes e das Técnicas de 1937, com 31milhões de visitantes, associava na mesma celebração da «vida moderna» as

novas tecnologias e a «arte independente», mas o clima vanguardista dasprimeiras décadas do século desvanecera-se e Guernica indicava o curso dosacontecimentos. A arte moderna que se refugiou e floresceu em Nova Iorque iria

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constituir, com o nome de expressionismo abstracto e sob a égide domodernismo formalista do crítico Clement Greenberg (depois da despolitizaçãoforçada pela «caça às bruxas»), uma das armas culturais da Guerra Fria, a par damiragem da «american way of life». Já na era da Pop, o prémio da Bienal deVeneza para Rauschenberg, em 1964, levou Paris a tomar consciência de quenão voltara a ser o centro do mundo artístico.

«Making Choices» é o segundo capítulo (1920-1960) de um imenso projecto

que o MoMA está a levar a cabo por ocasião da viragem do milénio, fazendo aolongo de 18 meses uma revisão do curso da arte desde 1880 até ao presente, quetambém é em grande parte a da sua própria história e influência. Do mesmopasso, o museu reexamina o seu imenso acervo e os modos que usou ao longodo tempo para o apresentar, com vista a preparar a montagem das suas futurasinstalações, que reabrirão muito ampliadas em 2004. «MoMA 2000» tem sidoreconhecido (e discutido) como o seu mais ambicioso projecto de sempre.

Construído como uma constelação de 24 exposições com diferentes programas,

temas e dimensões, reúne às obras emblemáticas habitualmente expostas muitasoutras retiradas das reservas e raramente ou nunca mostradas. Não visaestabelecer uma síntese definitiva e põe mesmo em causa a ideia de que exista«um modo global, objectivo e histórico» de apresentar a arte moderna. A ideiacentral é a de que nenhuma panorâmica unificada e linear poderia abarcar a artedeste período histórico tão conturbado sem esconder a sua essencial diversidade.

A primeira secção do programa «MoMA 2000» chamou-se

«ModernStarts» (1880-1920) e estruturava-se em três conjuntos temáticos -«Things», «People» e «Places», em conformidade com os géneros tradicionaisda natureza-morta, do retrato e da paisagem -, através dos quais se avaliavam

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mudanças e continuidades características das primeiras décadas da arte moderna.Pondo de parte o discurso cronológico linear do modernismo determinista e aarrumação por movimentos ou tendências, a extraordinária montagem dirigidapor John Elderfield explorava justaposições de obras (e cruzamentos com obrasrecentes) que iluminavam quer a definição de novas problemáticas artísticascolectivas quer a individualidade irredutível dos artistas maiores.

A segunda etapa é ainda menos marcada por qualquer lógica globalizante,sublinhando que a maturação das propostas originais da arte moderna deuorigem a direcções de expressão ou experimentação divergentes e a programasteóricos contemporâneos e contraditórios entre si (modernismos de diferentesconvicções), ao mesmo tempo que os ímpetos inovadores e de ruptura com atradição foram sempre acompanhados por rejeições do vanguardismo

(classificadas como antimodernismos), que também integram a arte moderna. Sea primeira parte pôs em destaque os nomes fulcrais da modernidade clássicaeuropeia, numa montagem fortemente selectiva (Cézanne, Rodin, Picasso,Matisse, Giorgio de Chirico, etc), o novo capítulo é mais disperso no número ena origem dos artistas, mais interessado em sinalizar direcções, conjunturas,interesses e oposições.

O menor recuo cronológico pode justificar esta estratégia, mas também estãopresentes orientações que se pretendem anti-autoritárias e anti-elitistas, visandosuster a procura de um possível cânone ou panteão com o pluralismo doscritérios valorativos, orientados por opções ligadas à apreciação da artecontemporânea e pela interrogação sobre se da idade moderna já se passou(quando?) à era pós-moderna. À sua frente está Peter Galassi, o director doDepartamento de Fotografia do MoMA, sucessor de John Szarkowski.

O título proposto significa que em cada momento os artistas escolheram o seucaminho entre direcções diferentes e concorrentes entre si, identicamente válidase integráveis sob a qualificação de modernas. Por um lado, existem programasrenovadores e imperativos com orientações opostas - por exemplo, o rigor idealda abstracção geométrica e, num pólo oposto, o surrealismo, com o apelo àexpressão poética do irracional (é esse o duplo tema da exposição «O Sonho daUtopia/A Utopia do Sonho»); por outro lado, o radicalismo vanguardista éconstantemente questionado ou negado por artistas, conjunturas e movimentosinteressados em reatar com tradições postas em causa, ou recusando algumas

rupturas formais como becos sem saída - essas tendências, apelidadas de

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conservadoras embora possam estar associadas a posições de esquerda, são ofulcro da mostra «Arte Moderna apesar do Modernismo».

Sem ter um sentido cronológico estrito, até porque vários núcleos incluem obrasque vêm até ao presente, a distribuição das exposições ao longo dos três pisos do

MoMA estabelece uma subtil orientação evolutiva que vai da abordagem deépocas passadas e movimentos datados, como o surrealismo e osconstrutivismos, no primeiro piso, a sectores temáticos menos historicamentesituados, cujas problemáticas estão presentes na arte do fim do milénio.

No primeiro andar estão, por exemplo, o núcleo «Guerra» (denúncias etestemunhos, de 1914 até hoje) e a continuidade da pintura figurativa ditaantimodernista, que predominou entre os dois conflitos mundiais. No piso

acima, encontram-se montagens intituladas «A Retórica da Persuasão», sobre aarte de intenção política (revoluções mexicana e soviética, a Depressãoamericana dos anos 30, a Guerra de Espanha, etc.); e «AnatomicamenteIncorrecto», investigando a deformação do corpo de inspiração surrealista, atéao presente de Cindy Sherman e Kiki Smith. No mesmo andar contrapõem-se o«Salão Paris» e «Salão Nova Iorque», traçando panoramas concorrentes após aII Guerra, questionando a lógica das escolas nacionais e a transferência docentro artístico para a América.

Ao lado, «Seeing Double» (visão dupla) é um dos núcleos essenciais do projectoe explora a importância das transparências e reflexos, sobreposições e

 justaposições de imagens, que explodem na moderna arquitectura do vidro, comMies van der Rohe, e nas fotografias de Atget (um pólo racional, outroirracional). Peter Galassi identifica essas novas visões múltiplas, aceleradas efragmentárias como uma invenção decisiva da arte do séc. XX, associada eparalela ao cubismo e à invenção da colagem mas não redutível a uma mesmalógica formal. Essa exposição tem uma forte presença da fotografia, através de

Lee Friedlander, Ray Metzker, Harry Callahan (as múltiplas exposiçõessobrepostas), etc., e destaca a sequência da mesma problemática nas obras deJasper Johns e Rauschenberg, no final dos anos 50, que transcendem a oposiçãoentre representação e abstracção. Neste sector, é uma boa surpresa o encontrocom uma monotipia de René Bertholo (1961).

No último piso, as exposições têm um carácter problematizador mais alargado,cronologicamente menos definido. «Ciência Inútil» (Useless Science) percorreos temas da pseudociência e do absurdo, desde as experiências ópticas de

Duchamp (1925) até às recentes realizações fílmicas de Matthew Barney queassociam práticas desportivas e mutantes sexuais, passando pelos objectos

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cinéticos de Calder, Tinguely e Pol Bury, as experiências literárias do Colégio dePatafísica, os veículos de Panamarenko, etc.

«O Cru e o Cosido» (The Raw and the Cooked) conjuga obras de amadores,loucos ou ingénuos com as de artistas que se interessaram pela «outsider art»,

como Max Ernst e Paul Klee, Dubuffet, Louise Bougeois e outros. «OCasamento da Razão e do Sórdido» («squalor») reúne «interacções simbólicasde oposições imprevisíveis»: ordem e acaso, geométrico e visceral, contrastes demateriais, antagonismos culturais (a América Latina tem um espaço alargadonum núcleo comissariado pelo brasileiro Paulo Herkenhoff).

Na constelação de exposições do MoMA cabem cinco individuais: fotografias de

Man Ray (anos 20 e 30) e Cartier Bresson (do segundo pós-guerra); Hans Arp,artista dadá, depois associado tanto ao surrealismo como aos construtivismoscom a mesma liberdade poética («Art Is Arp», uma fórmula de Duchamp);gravuras de Morandi, que passou rapidamente pelo cubismo, futurismo e pinturametafísica italiana, e seguiu uma carreira solitária de pintor de naturezas-mortase paisagens de aparente tradicionalismo); os «monumentos modernos» doarquitecto norte-americano Louis I. Kahn (1901-74). Destacam-se, a partir de1955, os projectos para grandes edifícios de formas maciças, inspirados no

Coliseu de Roma ou em castelos medievais, que visavam defender-se da invasãodo automóvel e assegurar aos centros urbanos uma monumentalidade humana esimbólica, opondo a primazia da expressão plástica ao funcionalismo dominante(em Portugal, Raul Hestnes Ferreira e Manuel Vicente foram seus discípulos).

A estes cinco núcleos que destacam obras singulares e percursos irredutíveis,acrescentam-se mais cinco nomes referidos nos títulos de outras exposições,todos fotógrafos. «Walker Evans & Company» é um dos capítulos maisimportantes de «Making Choices» e merece adiante referência detalhada; umaoutra orientação da fotografia é protagonizada, em torno da ideia de «MotivoIdeal», por Alfred Stieglitz, Edward Weston, Ansel Adams e Callahan.Representam a linha que integra a fotografia nas «belas-artes» (fine arts),passando do picturialismo à estética «straight» dos anos 20, depois aopaisagismo sublime de Adams e à abstracção de Callahan.

Entretanto, dois núcleos são dedicados ao design («Modern Living»). Um foca aambição reformadora dos programas idealistas ou racionalistas que se

manifestam com o construtivismo russo, o de Stijl holandês (de Mondrian eTheo van Doesburg) e a Bauhaus, nos anos 20-30; outro, mais pragmático eligado à expansão consumista do pós-guerra, com os designers escandinavos e

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norte-americanos (Alvar Aalto e Charles e Ray Elmes, por exemplo). «Gráfico-fotográfico» é outro núcleo associado ao clima experimental e utopista dos anos20-30 (Rodchenko, Moholy-Nagy, etc), referente à revolução das formas dacomunicação visual na edição, propaganda ou publicidade. No piso acima,«Home Movies» dá conta da vulgarização das câmaras de 8 milímetros e dacontaminação entre o seu uso doméstico e artístico.

O itinerário museológico tradicional através da representação dos grandesartistas e das suas obras-primas é sintetizado brevemente nos «Salões» Paris eNova Iorque. «How Simple Can You Get?» é um percurso pela simplificaçãoradical da pintura, com Barnett Newman, Jasper Johns, Kelly e Ryman, ou Kleine Manzoni, na Europa. As obras tardias de Picasso e Matisse são ignoradas, aimportância dos mexicanos Rivera e Siqueiros é bem sublinhada, De Kooning

está escassamente presente, Kokoschka ausente apesar da importância queAlfred Barr lhe atribuía. A exposição parece globalmente aspirada para o finaldo seu prazo cronológico, pelas mutações que se desenham ao longo dos anos50, com Rauschenberg, Dubuffet e Louise Borgeois expostos em várias secções.

Em vez de um catálogo que sintetize e registe todo o projecto, três edições, maislivros que catálogos, com ensaios e antologias de imagens (muitas mais que as

obras expostas), exploram aspectos sectoriais. Making Choices: 1929, 1939, 1948, 1955 é a sequência de quatro panoramas demonstrativos da pluralidade dedirecções seguidas pelos artistas nas quatro datas-chave referidas no título,associando cinema, arquitectura e design.

Walker Evans & Company, da autoria de Peter Galassi, prolonga uma dasexposições mais fortes do conjunto, reconhecendo à fotografia uma participaçãodecisiva no período em causa e afirmando que Walker Evans (1903-75) écertamente o artista americano mais importante e influente do século. À sua obraparece atribuir-se o papel que alguns associam a Duchamp, por uma recusa daartisticidade que é mais moderna e produtiva do que o silêncio «dandy» dosegundo.

Com o seu inventário da arquitectura, iconografia e artefactos da tradiçãovernácula americana, bem como pela atenção austera aos símbolos do presente(publicidade, cultura do automóvel e do cinema), o estilo aparentementeimpessoal de Evans tem um lugar central no alargamento das possibilidades da

fotografia como arte, estabelecendo a eficácia da percepção inteligente e adescrição fotográfica como veículo da poesia visual. Associando-o a outrosprojectos cartográficos como os de Atget e August Sander, identificando-o como

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protagonista da tradição documental que se afirma nos anos da Depressão, PeterGalassi coloca-o no centro de uma longa sequência que inclui a Pop, muitafotografia actual e até alguma pintura de observação, como a de RackstrawDownes.

Modern Art despite Modernism, da autoria de Robert Storr, é dedicado àsexpressões alternativas que acompanharam e contestaram os modernismosprogramáticos, com a intenção de «atrasar o relógio» ou reorientar o supostosentido do progresso. É um vasto panorama cronológico e geográfico que toma oestatuto da figuração como central no conflito entre modernistas eantimodernistas, embora, para além da abstracção e do formalismo, estejamtambém em causa apreciações relativas ao «metier», à competência ouqualidades da pintura dita convencional: Escola de Paris, surrealismo, pintura

metafísica e «valores plásticos» (Itália), nova objectividade e figuração alemã,neo-romantismo, figurações britânica e latino-americana, realismo da era daDepressão e a «Cena Americana», figurações do pós-guerra europeu e nasAméricas (Fairfield Porter, Pearlstein, Katz e Larry Rivers), ...pós-modernismo.

O panorama é valioso, mas sempre que se isolam os vectores realistas e atradição da pintura torna-se óbvia a falta das direcções contrárias com que essesartistas dialogam, como se a um tabuleiro de xadrez faltassem as pedras brancas,ou pretas. Dois subnúcleos intitulados «Lição de Desenho» focam apermanência (a necessidade) do desenho de observação e de contorno linear.

De Picasso e Balthus, desde os anos 10-30, até Philip Guston e Gerhard Richter,nos anos 60-70, a que Storr já chama pós-modernos, por entre «verdadeirosreaccionários e excêntricos inesperados, a arte moderna antimodernista foi umaoposição heterogénea - não um estilo ou escola consistente, mas um impulsoimprevisível e um desafio às opiniões estabelecidas e ao gostoconsensual» (sempre que o «mainstream» é o vanguardismo).

O ensaio abre com Fernando Pessoa - «Nasce um Deus. Outros morrem. Averdade/ Nem veio nem se foi: o Erro mudou», «Natal», 1922 - e a últimapalavra é dada a Picasso, «certamente o maior modernista do século eincontestavelmente o maior antimodernista»: «Para mim não há passado nemfuturo em arte. Se uma obra de arte não pode viver sempre no presente, é inútilperder tempo com ela. A arte não evolui por si mesma, são as ideias das pessoasque mudam, e com elas os seus modos de expressão. Variação não significaevolução» (1923).

A conclusão é optimista: «O século XX chega ao fim numa explosão de caóticafecundidade», mas a passagem à idade pós-moderna fica por confirmar. A partir

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de Outubro, o MoMA apresenta o último capítulo, «Open Ends», dirigido porKirk Vernadoe, o director do Departamento de Pintura e Escultura que sucedeu aWilliam Rubin.

Bertholo no MoMA

Expresso Cartaz de 27 Maio 2000, pág. 3 (4)

 A exposição sobre a arte dos anos 1920-60 (Making Choices) inclui obrasde René Bertholo e Vieira da Silva

A OCORRÊNCIA de exposições de artistas portugueses no estrangeiro deixou

de merecer referência regular, e seria demasiado provinciano acompanhar umacirculação que decorre da normal integração num mercado alargado. Há casosdiferentes. É o que sucede com a presença de uma obra de René Bertholo naexposição «Making Choices», o segundo capítulo do projecto com que o Museude Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA) está a proceder a um exaustivoreexame do curso seguido pela arte internacional entre 1880 e o final do século,reavaliando também as suas imensas colecções próprias na perspectiva da futuraampliação das instalações.

«Making Choices» diz respeito ao período entre 1920 e 1960, e René Bertholoestá representado com uma monotipia (  Monotype with typographical ink on

 paper ) datada de 1961, idêntica a duas outras obras que se encontram expostasna mostra antológica que o Museu de Serralves lhe dedica. Identificada comoSem Título (embora se possa ter intitulado «Ils sont expulsés», conforme sepode ler no seu bordo inferior), surge referida na respectiva tabela como«gift» (oferta) de John S. Newbarry - é habitual no mundo anglo-saxónico queos museus associem os seus mecenas à compra das obras.

O trabalho foi adquirido pelo MoMA no início dos anos 60 a Max Clarac-Sérou,que dirigia a Galerie du Dragon, onde o artista fez a sua primeira exposição emParis, em 1963, e voltou a expor em 1981. Em Nova Iorque, René Bertholoexpôs em 1965 numa mostra de grupo na Lefebre Gallery («Start»), integrandoem 1968 uma importante mostra oficial e itinerante de pintura francesa, de 1900a 1967, apresentada no Metropolitan Museum, também com passagem porWashington, Boston, Chicago e San Francisco.

A monotipia de Bertholo (em que usa um processo de trabalho gráfico de queresulta a impressão de uma prova única) foi incluída numa das secções

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principais da mostra panorâmica, apresentada sob o título «Seeing Double»,comissariada por Peter Galassi, «chief-curator» do Departamento de Fotografiae responsável pela coordenação geral de «Making Choices», com a colaboraçãode Robert Storr e Anne Umland. Ao lado encontra-se uma pintura de Picabia, dafase das transparências ou representações sobrepostas.

A vasta galeria é dedicada à exploração dos diferentes modos de visãoproporcionados pela cidade moderna, em especial pela transparência e osreflexos do vidro, e pela aceleração das deslocações, que correspondem àfragmentação do cubismo e a outras experiências contemporâneas, divergindode uma concepção que identifica o quadro como uma janela transparente pelaqual se vêem sem obstrução as coisas do mundo tangível.O exercício interpretativo valoriza a arquitectura de Mies van der Rohe, na qual

o vidro é uma pele que revela a respectiva estrutura racional, tomando-o comoum pólo ideal de perfeita claridade e racionalidade, o qual se exemplifica depoiscom a escultura de Sol LeWitt e Anthony Caro, por exemplo. Num outro pólooposto é apontado Atget, cujas fotografias de montras parisienses inscrevemsobreposições de vistas interiores e exteriores; Lee Friedlander interessou-setambém pelos reflexos das janelas, e as justaposições e sobreposições marcamigualmente o trabalho de Rauschenberg e Sigmar Polke. As grelhas de imagensrepetidas de Ray Metzker, as múltiplas exposições de Harry Callaham, os

labirintos picturais de Pollock podem inscrever-se na mesma pista.É o que também acontece com os trabalhos dos inícios dos anos 60 de RenéBertholo, onde o desenho, que surge como emaranhado de linhas (garatujas),figuras miniaturais (caras reconhecíveis e objectos não identificáveis), esquemasgráficos (notações geométricas, cortes axiais) e escrita (legível ou não), é umdepósito sem princípio nem fim de gestos, referências e ideias, numespalhamento livre para lá da oposição entre abstracção e figuração, que iriaevoluir para as suas posteriores acumulações de imagens. Sabendo-se que após o

regresso a Portugal, no início dos anos 80, a obra de Bertholo não contou comqualquer dinâmica de projecção internacional, a escolha da sua obra surge comoum reconhecimento independente e espontâneo da relevância do seu trabalho.

Além de Bertholo, só Vieira da Silva está presente com uma tela, A Cidade, de1950-51, numa outra mostra sectorial intitulada «Salão Paris» e referente àprodução do segundo pós-guerra, na companhia de Giacometti, Soulages,Braque, Vasarely, Manessier, Dubuffet, Wols, de Stael e outros.

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Tate Modern - inauguração

Tate puzzleExpresso / Revista de 27 Maio 2000, pp. 80-87

  É o mais recente museu da era do turismo de massas e do «art marketing». A transformação da antiga central eléctrica é excelentearquitectura, e a montagem das obras de arte na Tate Modern

 propõe uma revolução, trocando a história modernista por percursostemáticos concorrentes. Com ganhos e perdas a discutir 

O Guggenheim de Bilbau foi a atracção do fim da década (inaugurou-se em1997), 2000 é o ano da Tate Modern. A capital basca revitalizou-se e é umdestino turístico imensamente lucrativo; Londres já estava no mapa, mas ganhouum poderoso emblema de modernidade para entrar no novo milénio. Mais queum museu, a «new» Tate é um instrumento da «social engineering» com que oNew Labour está a mudar a Old England. A economia dos lazeres toma o lugar

das extintas actividades produtivas e das que a globalização deslocalizou para oscontinentes de mão-de-obra barata. A criatividade é só uma, das novastecnologias da informação à invenção artística, e, na pior das hipóteses, aexpansão da nova classe dos artistas, a única em crescimento, significará umsubemprego de massas que é socialmente mais integrável.

A arte está na moda e movimenta multidões, quando as obras são chamadas apreencher novos projectos arquitectónicos suficientemente grandiosos paraalterarem a configuração das cidades. Há muito que as catedrais foramsubstituídas pelos museus como pólos do reordenamento urbano; asperegrinações deram lugar à transumância dos turistas e as cidades concorrementre si erguendo galerias sempre maiores. Se nos lembrarmos das exposiçõesuniversais do séc. XIX, do Crystal Palace, dos Grand e Petit Palais ou daBarcelona modernista, veremos que a novidade é menor do que parece, e a arteentão contemporânea também atraía milhões de curiosos. Com o séc. XX vieramas guerras modernas que arrasaram a Europa, e as vanguardas libertadorasdistanciaram a arte do seu público de massas - o ciclo bélico e artístico parece

fechar-se (a vanguarda era um destacamento militar avançado). Algumas menteslevianas dirão que se entrou na pós-história.

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A Tate Modern ultrapassou o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque e oCentro Beaubourg - não em importância das colecções mas pela dimensão dosedifícios. Situada na deprimida margem sul do Tamisa, frente à catedral de S.Paulo, deverá atrair dois ou três milhões de visitantes por ano, 30% vindos doestrangeiro (o governo prometeu pagar seis milhões de libras/ano - metade doorçamento previsto, £12m, perto de quatro milhões de contos - para assegurar agratuitidade dos acessos); trará benefícios económicos directos para a cidadecalculados entre 50 a 90 milhões de libras anuais (como custou 134,5 milhões, oequivalente a 44,6 milhões de contos, poderá dizer-se que se paga em doisanos); ajudará a criar 2400 novos empregos na capital; servirá de «catalisador daregeneração de uma área chave do centro de Londres, encorajando oinvestimento público e privado e projectando ('highlighting') o Southwark comoum aprazível lugar para viver e trabalhar». São dados do dossier de imprensa,

mais abundante em informação sócio-económica (extraída do relatórioMcKinsey, de 1994) do que artística. (“Tate Modern is ten on 12 May 2010. Over 45million visitors have passed through the gallery’s doors since it first opened to the public tenyears ago. Tate Modern is the world’s most visited gallery of modern art and is one of the

UK’s top three free tourist attractions.” - pressoffice )

Do Millenium Dome ao Millenium Pier, com o novo miradouro da rodagigante, os equipamentos da margem sul passaram a concorrer com ostradicionais roteiros da Torre de Londres ao render da guarda em Buckingham

Pallace, e oferecem «entertainement» e artes em doses inimagináveis. Aocomplexo cultural do South Bank acrescentaram-se o Museu do Design, o«Museum Of» (!), galerias, lojas de design e esplanadas, a reconstrução doGlobe Theatre de Shakespeare e, a coroar o circuito, a nova Tate Modern.

Para a instalar readaptou-se a imensa central eléctrica projectada em 1947 porSir Giles Gilbert Scott, que foi também o designer das cabines telefónicasvermelhas de Londres. A Bankside Power Station apenas funcionou de 1963 a

81, sendo então condenada pelas preocupações ecológicas, mas foi poupada àdemolição pela nova ideologia conservacionista. Uma jovem e então poucoconhecida equipa de arquitectos suíços, Herzog & de Meuron, ganhou em 1995o concurso para a transformação do edifício, ao apresentar o projecto maispragmático e minimalista, que conservava toda a sua carcaça monolítica e autilizava como uma caixa vazia. Entretanto, quanto à colecção exposta, a TateModern também não é exactamente um novo museu, uma vez que foi destinadaa acolher o acervo internacional de arte moderna e contemporânea, todo o séculoXX e o que se lhe seguir (incluindo os artistas britânicos que foremconsiderados internacionais), da antiga Tate Gallery, passando esta, rebaptizadaTate Britain, a exibir só arte britânica do séc. XVI ao presente. É óbvio que

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haverá com esta distribuição de britânicos pelos dois lugares insondáveisquestões de partilhas e polémicas localizações.

Fundada em 1897 por Henry Tate, um industrial do açúcar que ofereceu à naçãoa sua colecção e a galeria de Millbank, a Tate tornou-se uma família de museus

dirigida pelos respectivos «trustees» como uma instituição independente, dotadade fundos públicos anuais votados no Parlamento. Além das duas sedeslondrinas, também conta com extensões em Liverpool, inaugurada em 1988, eem St. Ives, na Cornualha, desde 93, sendo todos os museus sustentados poruma mesma colecção e dependentes da direcção global de Nicholas Serota, ohomem (agora Sir) que foi responsável pela enorme dinamização da velha Tateao longo dos anos 90. De 85 a 96 o número de visitantes passou de um a 2,4milhões, forçando-a por vezes a fechar as portas, e da sua vasta colecção,

sempre em crescimento, apenas cerca de 15% podia ser exibida.

Em 1992, os «trustees» anunciaram a intenção de desdobrar o museu; em 95 (ascoisas fazem-se com tempo...), a Comissão do Milénio atribuiu-lhe 50 milhõesde libras e chamou-lhe um «landmark project». A Lotaria contribuiu com £ 56,2milhões, a Agência Governamental para a Regeneração Urbana (EnglishPartnerships) com £12m, o Arts Council Lottery Found com £6,2m e houveoutras doações de fontes públicas, de privados e «charities». Foi respeitado ocusto previsto de 134,5 milhões (mais um terço do preço do Guggenheim deFrank Gehry em Bilbau) e a data de inauguração cumprida. Só a abertura daPonte do Milénio, desenhada por Norman Foster e o escultor Anthony Caro, aprimeira a cruzar o Tamisa no centro de Londres desde há um século, ficouadiada por um mês.

Da central eléctrica restam as imensas paredes de tijolo amarelado sujo,ritmicamente rasgadas por frestas verticais e animadas por sóbrios relevos aindaArt Déco. A antiga chaminé central de 93 metros foi elevada com um cubo em

vidro, branco e luminoso. Retirada toda a maquinaria e escavado o antigopavimento, o hall das turbinas é agora uma larga rua coberta de 155 metros deextensão e 35 metros de altura que ocupa a metade sul do edifício, atravessadapor uma breve mezzanine; na outra metade, elevam-se cinco pisos totalmentenovos, com amplas zonas envidraçadas sobre esse vão interior, enquanto, dolado oposto, há janelas e terraços com vistas para o centro de Londres. O uso doferro, do vidro e da madeira, contrastando a branco e preto com a carcaça detijolo, é de uma sóbria elegância irresistível, e a luz torna-se um poderoso

material construtivo.

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Três daqueles cinco pisos, atravessados por escadas rolantes interiores, estãoreservados a área de exposições (14 mil metros quadrados, num total de 34 milde espaço utilizável), contando com 80 galerias de dimensões variáveis, com umbelo soalho de madeira que se deixou mal afagada, iluminadas quase sempre porluz natural corrigida por fontes suplementares. Como o pé-direito é elevado,todos os equipamentos de ventilação, segurança e iluminação foram integradosno tecto ou sob o pavimento, assegurando um espaço inteiramente liso e limpo(mas as grelhas de ferro do chão, para climatização, interferem com oespalhamento de algumas instalações e com obras minimalistas). No piso térreoinstalou-se uma enorme loja-livraria - «Tate defines the modern art of shopping»- e no cimo da central ergue-se a todo o comprimento (e metade da largura) umagaleria envidraçada que acrescenta dois andares aos cinco pisos internos, comum restaurante panorâmico e zonas de acesso restrito. Brilhantemente iluminada

à noite, esta caixa de vidro dá uma nova força emblemática ao edifício,projectando-o a longa distância.

Em termos arquitectónicos e também quanto à desejada configuração da TateModern como museu anti-elitista e de massas, a comparação com o CentroPompidou é determinante. Este é um museu que parece uma fábrica, aquela umedifício industrial convertido em equipamento museológico. Nos dois casos, oespaço público exterior prolonga-se para dentro do edifício, desenhando um

acesso democratizado ao museu, utilizável como praça coberta e comomiradouro sobre a cidade.

Em Paris, o Fórum, cuja frequência ociosa se tornou um complexo problema degestão, dá passagem para as escadas rolantes exteriores e para os terraços, masos espaços expositivos são preservados dessa circulação intensa (a procura dosespaços livres é incomparavelmente superior ao número de visitantes dasexposições, aliás pagas). Em Londres, as escadas rolantes que dão acesso àsvarandas, miradouros, restaurante e bares atravessam o centro do museu, sendo

as galerias de acesso gratuito (excepto no andar intermédio da mostratemporária, quase deserto). Com a multidão em movimento, carregada demochilas e guiando carros de bebé, todo o museu e também as galerias são umsorvedouro de gente, um vertiginoso lugar de lazer e passagem. A referênciadeixa então de ser Beaubourg para se impor a comparação com a arquitecturados centros comerciais. Não se espera que a frequência abrande após a primeiravaga de curiosos; o objectivo é mesmo atrair público aos milhões. Falar-se-á dedemocratização da arte, mas as condições de visibilidade das obras de arte,

apesar de as galerias serem perfeitas, são drasticamente reduzidas - há vidros emtodos os quadros e as esculturas e instalações são cercadas por cordões. O

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interesse pela arte passou para a alçada da política cultural, mas já é aengenharia social que domina. É o tempo do pós-museu.

E que expõe a Tate Modern? A resposta não é fácil. Ignoremos as vozes maiscatastrofistas ou reaccionárias e socorramo-nos de um excerto de MartinGayford no The Spectator: «Depois de vaguear por largo tempo, encontrei outrocrítico de bloco de apontamentos na mão. Confessou-me que já lá andava háquatro horas e não lhe parecia ter feito grandes progressos. Há demasiado paraabsorver. Este lugar engole-nos.» O problema não reside só no gigantismo doespaço e no trânsito intenso.

Um museu de 56 galerias (mais 25 da mostra temporária no piso intermédio,

«Between Cinema and a Hard Place», só de obras recentes, mas bem menosvivas que as instalações multimédia de «Sonic Boom», na Hayward Gallery)não se digere numa só visita. Mas neste caso é preciso ter em conta que aconcepção tradicional dos itinerários museológicos, ordenados pela cronologia esegmentados em movimentos e tendências ou escolas, deu lugar a quatrosequências fragmentárias e mais ou menos aleatórias de exposições temáticas,intercaladas com espaços isoladas para alguns artistas, sós ou aos pares. Na TateModern, tal como acontece na nova montagem da Tate Britain - e quanto a esta a

polémica pública tem uma extrema virulência -, o historiador-conservador deu avez ao comissário («curator»), a cronologia deu lugar ao «puzzle», à colagem(ela foi, com o cubismo, a mais decisiva invenção artística do séc. XX) ou, se sequiser, ao «zapping».

É uma revolução. Como sempre acontece, traz aspectos positivos e perdasirreparáveis. Mas ela não acontece por acaso. Por um lado, muito pragmático,uma montagem cronológica tornaria gritantes as carências da colecção quanto aalguns segmentos históricos e ao número de obras-primas (um velho conceitoque resiste, estabelecendo a clara vantagem do MoMA e do Beaubourg). Poroutro lado, teórico, a ideia de que a arte moderna, desde Manet e osimpressionistas, era um percurso linear de inovações e rupturas irreversíveis,percorrido por ismos sucessivamente mais radicalizados, tornara-seinsustentável. Por exemplo, não só a pintura resistiu às suas sucessivas mortesanunciadas, como a supostamente inadmissível representação da aparênciaobservável do mundo continuou a interessar, depois da fotografia e da arteabstracta, artistas inquestionavelmente de primeiro plano. A grandeza paralela de

Pollock e Hooper (ausente da Tate Modern) não podia continuar por mais tempoa ser negada; os percursos solitários e de longa duração concorrem com a

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sucessão rápida e mais mediatizável das etiquetas colectivas. As obras tardias deMonet ou de Picasso não tinham deixado de ser admiráveis, embora já nãofossem «revolucionárias». No fim do século, contra todos os interditos, hágrandes artistas realistas ou narrativos como Balthus (ausente), Lucien Freud,Hockney, Kitaj e Paula Rego (os dois últimos só mostrados na Tate Britain).

A vulgata do progresso estilístico, que subordinava a pluralidade das situaçõesmodernas concorrentes entre si, bem como os itinerários pessoais, à ideologia deum modernismo linear e finalista que ia enterrando sucessivas convençõesdescartáveis, moldada pelo rolo compressor da história das formas e dosprogramas estéticos - do cubismo à abstracção, a redução à forma «pura» e àessência do «medium», até à desmaterialização das obras, à acção, ao conceitoou à apropriação indiferente - esgotou a sua credibilidade. E, à falta de interesse

do público, nunca poderia sustentar um projecto de museu de massas como este.Para alguns, como acontece no programa de revisão do século que o MoMA estáa levar a cabo, e também sucedia em excelentes montagens temáticas da anteriorTate Gallery, urge reexaminar as dinâmicas sobrepostas e contraditórias que omodernismo formalista e as suas degenerescências ocultavam. Para outros, trata-se só de adoptar uma última moda «curatorial», em mais uma cambalhotacrítica, a coberto de um vago rótulo pós-moderno.

O que acontece na «new» Tate, dirigida por Lars Nittve (vindo do Louisiana,excelente museu da Dinamarca), não é a reconsideração séria do curso da artemoderna e/ou contemporânea. É a apressada substituição da lógica das rupturase tendências pela afirmação simplista da continuidade dos conteúdos; a troca doevolucionismo histórico linear, antes consagrado como inevitável, por um«puzzle» entregue à arbitrariedade imaginativa dos comissários. A montagemrecupera a antiga classificação dos géneros da pintura e estrutura-se a partir dapaisagem, da natureza-morta, do nu e da pintura de história. Estabeleceram-se quatro itinerários distintos (quatro «estórias» paralelas), que são por sua vez

constituídos por sequências de galerias subtemáticas, onde a (des)arrumação dasobras, que com frequência poderiam «ilustrar» quaisquer outros tópicos, se fazatravés de justaposições tantas vezes acidentais e anedóticas (às vezesbrilhantes). Entretanto, a desordem a-cronológica dos objectos - e a novaideologia da acessibilidade da arte, à custa de explicações redutoras - impõe àcolagem curatorial uma constante «assistência textual» e nesta impera umainsuportável ressonância do dialecto dos guetos do esquerdismo universitário aoserviço do «art marketing». Os textos explicativos de cada sala (sempre

assinados - outra inovação, que se justifica) e os das tabelas das obrasmacaqueiam com o formulário politicamente correcto dos «culture studies» aspiores memórias do realismo socialista e da revolução cultural. Exagero crítico?

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Claro que há na Tate Modern obras, disposições espaciais, sequências de salas,de notável qualidade e evidente inteligência.

Justapor um painel de nenúfares de Monet a um círculo de pedras de RichardLong proporciona especulações eruditas, mas o espectador julgará reconhecer

que se trata de dois modos de representar a natureza (Long recolhe materiais e éa acção que importa, repetindo práticas arcaicas de relação ritual com apaisagem). Reunir uma natureza-morta de Cézanne e um relevo construído dePicasso a um «tapete» de Carl André e aos sólidos geométricos de Sol LeWitt,numa sala intitulada «O Desejo da Ordem», a abrir o itinerário «Natureza-

morta/Objecto/Vida Real», é subordinar os primeiros a um programa formalescolar e a uma dimensão metafísica que não favorecem o entendimento dasobras. Fazer suceder a uma sala dedicada às próteses e adereços das acções de

Rebecca Horn, tristemente inanimados, a janela de um cubículo com umabailarina de Degas (de bronze e rendas) é uma anedota. Na mesma secção «Nu/ 

Acção/Corpo», opor os quatro estados sucessivos do Nu de Costas de Matisse(esculturas de 1913 a 1931), onde a reconsideração dos volumes avança parauma economia formal que intensifica a presença do corpo, com os guachescinzentos voluntariamente indiferentes e vagamente pornográficos de MarleneDumas não é mais do que um equívoco penoso para ambos. Quase todas asreportagens, mesmo as mais benévolas, sumariam estes e outros acidentes de

montagem.A estratégia é a do duche escocês: a sucessão brusca de objectos quetransportam pesquisas e inquietações diversíssimas, sugerindo que se trata,afinal, de variações sobre os mesmos temas. Quase sempre reduzindo acomplexidade de cada obra a um vector único e a uma chave redutora. Mas hásequências produtivas como a que conduz da sala «Vida Moderna», comnaturezas-mortas e colagens cubistas e «merz», de Schwitters, à projecção dofilme Ballet Mecânico, de Léger, 1924, e depois à galeria que inclui Strand,

Man Ray e Moholy-Nagy (fotogramas), Atget, Weston, Renger-Patzsche,Kertesz, conjugando abstracções e realismos fotográficos, a que se seguemcenas de intimidade doméstica («Vidas Íntimas») pintadas por Vuillard,Bonnard, Dérain e também a «desfiguração» dos actuais Auerbach e Hodgkin.Novo ziguezague, Duchamp e Picabia...

Há justaposições eficazes como a de Giacometti com as zonas de cor do místicoBarnett Newman; desafios estimulantes como a inclusão dos minimalistas no

itinerário do nu («The Perceiving Body», a relação com o espaço e a escala éuma experiência corporal); galerias ricas e divertidas como a dos «ObjectosSubversivos», de origens dadá-surrealista e outras (muitos são metamorfoses de

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corpos, mas surgem na continuidade da natureza-morta); há a capelaobscurecida de Rothko e uma individual surpreendente com as esculturasconstruídas e estereométricas de Naum Gabo, de 1915 aos anos 40, que partemde uma inicial base figurativa mas são mostradas no percurso «História/ 

Memória/Sociedade» (entre uma sala que confronta abstraccionismos erealismos sociais do primeiro pós-guerra e logo outra ocupada pelos neons deDan Flavin, anos 60-70). Entretanto, ao contrário do que se poderia esperar, arepresentação das jovens vedetas da «BritArt», os YBA (young british artists), émanifestamente escassa. E até são velhos mestres como Stanley Spencer eDavid Bomberg, ou Bacon e Patrick Caulfield que surgem valorizados.

O espectador empenhado terá um trabalho insano a entender as intenções doscomissários e depois a livrar-se delas para poder relacionar-se com as obras e os

artistas, para os situar nos respectivos tempos históricos e, quando tal é possível,apreciar como resistem à cronologia, transcendem a expressão dos modelos egostos conjunturais, permanecem contemporâneos - frescos e activos. Ovisitante despreocupado é arrastado pelo fluxo da multidão, deter-se-á diante deuma ou outra curiosidade avulsa e talvez acredite que, através da continuidadedos temas, tudo se equivale. Quanto à Tate Modern, após a benéfica implosão dovanguardismo formalista, a confusão criada pela moda dos temas, pré e pós-modernistas, dará certamente lugar a uma mais feliz reinvenção das funções do

museu, que não se quer templo nem feira.No hall das turbinas foram instaladas quatro enormes esculturas de LouiseBourgeois. Três são torres metálicas que sugerem observatórios, a cujasplataformas se trepa por escadas em caracol. Sobe-se sozinho ou aos pares, e

  junto a cada uma está um guarda que disciplina a fila dos curiosos. Há umaironia perversa nestes locais de observação solitária erguidos num espaçodestinado à circulação de grandes massas e que são, afinal, miradouros inúteisperante a multiplicidade das janelas sobre o mesmo espaço. Sobre a mezzanine,

uma imensa aranha de bronze é uma presença que alguns verão comoameaçadora e repulsiva; é um emblema pessoal da artista e uma figura de íntimaressonância afectiva associada à memória da mãe e à antiga actividade familiarde restauro de tapeçarias. A escultora franco-americana de 88 anos é «difícil declassificar», diz o manual. Como acontece aos grandes artistas, as obras escapampor entre as malhas dos reducionismos palavrosos que servem de explicaçõespara o «puzzle» exposto na estreia da Tate Modern.

www.tate.org.ukPublicações:«Tate Modern, The Handbook» (o edifício, a concepção da montagem, 100

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artistas de A a Z), 248 págs., £16.99;Revista «Tate» (special issue), «Modern Art in a New Light», £3,5;Nicholas Serota, «Experience or Interpretation. The Dilemma of Museums of Modern Art», Thames & Hudson, 64 págs., £7,95

Expresso Cartaz de 04 Março 2000, pág. 5 (1)

As Tates do Milénio

  A centenária Tate Gallery de Londres divide-se em dois museus: aTate Britain e a Tate Modern

DEPOIS do polémico Millennium Dome, a Primavera de Londres vai trazer adivisão da centenária Tate Gallery em dois museus separados pelas margens doTamisa. A Tate original, em Milbank, passa a designar-se Tate Britain e dedicar-se-á apenas à arte britânica, desde 1500 até à actualidade. Quase em frente fica aantiga Bankside Power Station, em Southwark, totalmente remodelada para darlugar à Tate Modern, que irá acolher a colecção internacional, com início em1900, e tem a ambição de se situar entre os três ou quatro maiores museus dearte moderna, em concorrência com o MoMA de Nova Iorque e o Centro

Pompidou.A abertura ao público da Tate Britain está marcada para o dia 24, mas já naquarta-feira, dia 9, aí se poderá visitar a exposição comemorativa dos cem anosda morte de John Ruskin. A Tate Modern, onde se verão igualmente artistasbritânicos dos sécs. XX e XXI, tem a inauguração marcada para 12 de Maio.Uma ponte pedonal desenhada pelo arquitecto Norman Foster e o escultorAnthony Caro, a primeira nova ponte construída no centro de Londres desde1894, liga as duas margens, diante da St. Paul's Cathedral. À frente da Tate

Britain mantém-se o anterior director, Nicholas Serota - Serota é, aliás, odirector geral de toda o complexo Tate - e para a Tate Modern foi designado, jáem 98, o sueco Lars Nittve, então director do Museu Louisiana, de Copenhaga,um dos mais influentes museus de arte moderna. (Vicente Todolí dirigiu depis aTate Modern entre 2003 e 2010.)

O programa de expansão da Tate Gallery, que desde 1950 mais do que duplicouo número de obras nas suas colecções e já ultrapassara os dois milhões de

visitantes anuais, tinha-se iniciado com a abertura da Tate Liverpool em 1988 eda Tate St. Ives em 1993. Irá ainda prosseguir, na antiga «sede», com umasegunda fase de ampliação a inaugurar em 2001, aumentando 35 por cento a sua

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área de galerias. Os custos das obras na Tate Britain elevam-se a 32,3 milhões delibras assegurados por fundos privados e públicos, sendo 18,75 milhõesoriundos da Lotaria inglesa. A Tate Modern ficará por 134 milhões, com 50milhões da Comissão do Milénio e 6,2 milhões do Art's Council tambémassegurados pela Lotaria, mais investimentos substanciais da agênciagovernamental para a reabilitação urbana e da autoridade local, além decontribuições individuais, fundações e «charities». Calcula-se que só o novomuseu trará entre 50 a 90 milhões de libras de benefícios económicos directospara Londres e ajudará a criar 2400 novos empregos.

A estrutura e a imponente chaminé da central eléctrica projectada por GilesGilbert Scott, que foi também o designer das cabines telefónicas vermelhas,foram conservadas pela dupla de arquitectos suíços Herzog & de Meuron,

vencedora do concurso internacional para a Tate Modern. Em toda a extensão doedifício, uma caixa de vidro acrescenta-lhe dois pisos, ganhando luz natural paraas galerias superiores e uma vista panorâmica sobre Londres, para além de,iluminada à noite, assegurar uma imagem forte do museu, bem visível junto aoTamisa. As galerias distribuem-se por três pisos, com 14 mil metros quadrados,no total de área construída de 34 mil m2.

Entretanto, a primeira montagem da Tate Gallery of British Art, abreviadamenteTate Britain, vai trazer uma revolução às normas habituais da museologia.Apesar de expor obras que vão do séc. XVI até ao XX, a disposição cronológicaconvencional será abandonada a favor de um itinerário estruturado por temas-chave da arte britânica e da arte em geral, onde será possível encontrarinesperadas aproximações entre peças muito distanciadas no tempo e tambémentre diferentes «media» - por exemplo, colocando em conjunção um retratistado séc. XVIII como Reynolds e obras de Paula Rego, ou o pré-rafaelita JohnEverett Millais diante de uma escultura de Henry Moore, para além de ostrabalhos sobre papel se integrarem na sequência da montagem. Os quatro

grandes temas que estabelecem o itinerário inaugural traduzem a adopção denovas leituras sobre a arte que se distanciam do predomínio das concepçõesformalistas e evolucionistas dominantes ao longo do séc. XX, tal como sucedena exposição de balanço dos últimos cem anos apresentada pelo MoMA. Aliás, aprópria lógica fundadora dos dois novos museus é contrária quer à tendênciapara separar a história e o presente em diferentes instituições (isolando o períodomoderno do passado e afastando depois o moderno do contemporâneo) quer àdissolução dos panoramas nacionais no todo internacional, opções que têm

predominado em países periféricos.

A nova Tate Modern

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Na nova montagem da Tate, o tema «Família e Sociedade» assinala como apintura britânica, em consequência da Reforma, se reorienta desde o séc. XVIdos temas religiosos para o retrato e as cenas domésticas, seguindo até àprodução de artistas recentes ou actuais como Bacon (secção sobre o retrato),Richard Hamilton («Home Life») e Gilbert & George («The City»).«Literatura e Fantasia» pretende rever a atitude do séc. XX que tomou oqualificativo de «literário», quando aplicado às artes visuais, como umargumento de desvalorização, reapreciando a importância das relações entrepalavras e imagens, em três secções intituladas «A inspiração daliteratura» (com Fuseli e Kitaj), «Arte Fantástica» e «Visões», de William Blakea Stanley Spencer e outros.

«Home and Abroad» é uma abordagem da tradição britânica da paisagem,

incluindo a representações do território nacional e do estrangeiro e ainda«Imagens de Guerra», desde o séc. XVIII às duas guerras mundiais. Por último,«Artistas e Modelos» inclui retratos e auto-retratos de artistas e também umagaleria de nus, incluindo Lucian Freud. A montagem conta também,pontualmente, com espaços dedicados aos artistas britânicos de maior projecção(«British Artists in Focus»), abrindo com Constable, Hogarth, Gainsborough,Blake e Hockney. Por último, haverá ainda salas especialmente dedicadas àexibição de aquisições dos últimos dez anos, de clássicos e de contemporâneos,

como Damien Hirst.Entretanto, a primeira grande exposição temporária da Tate Britain é dedicada aJohn Ruskin (1819-1900), considerado o maior crítico de arte, da cultura e dasociedade da Grã-Bretanha, o primeiro a estabelecer a sua reputação fazendo adefesa de artistas seus contemporâneos. «Ruskin, Turner e os Pré-Rafaelitas»inclui obras de Millais, Holman Hunt, Rossetti, Burne-Jones e do próprioRuskin.

À data da inauguração oficial, a Tate exibirá também um conjunto de novasobras de Mona Hatoum (nascida em Beirute, em 1952) e a exposição «PaisagemRomântica: a Escola Norueguesa de Pintores, 1803-1833». A 6 de Julho, «NewBritish Art 2000» inaugurará uma série de exposições que se realizarão de trêsem três anos, sendo cada edição seleccionada em torno de uma ideia central,com a inclusão de artistas de várias gerações. Comissariada por Charles Esche eVirginia Button, contará com a presença de 20 artistas e anuncia-se como amaior exposição de arte contemporânea desde sempre realizada na Tate. A

seguir, William Blake, a 9 Novembro, e ainda o sempre polémico Prémio Turneratribuído a jovens artistas.

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Entretanto, abrirá a Tate Modern, com a sua colecção organizada também pornúcleos temáticos, sem ordenação cronológica, incluindo salas monográficas edocumentais, que procurarão explorar o contexto histórico e artístico de algumasobras individuais mais determinantes. Será mostrada a colecção de fotografiados anos 1920 e 1930 do Victoria e Albert Museum, em resultado de um acordoestabelecido entre as duas instituições, uma exposição sobre os arquitectosHerzog & de Meuron e uma obra inédita de Louise Bourgeois, de muito vastasdimensões, realizada com o patrocínio da Unilever, a inaugurar um programaanual de encomendas para o «Turbine Hall» da antiga central.

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Tate Britain, a crítica de David Sylvester

Expresso Cartaz de 03-06-2000 , pág. 8 (3)

Polémica na Tate Britain

Um museu ao serviço da “destradicionalização” da sociedade inglesa. Experiência, moda, missão política ou desastre?

David Sylvester disparou forte contra a nova Tate Britain. É um dos maisrespeitados críticos e organizadores de exposições - foi, por exemplo, o autor deum volume de diálogos com Francis Bacon. Num artigo publicado a 18 de Maiona   London Review of Books, exige a imediata reposição da montagemtradicional da colecção de arte britânica, substituindo a exposição que a TateGallery rebaptizada apresenta como um exercício experimental com a duraçãode um ano.

É o «Massacre em Millbank» (título do artigo), a «débacle». Todas as pessoasque ouviu declaram-se «repelidas, baralhadas, furiosas, desamparadas,horrorizadas». Refere um fleumático «trustee» da Tate que se escondeenvergonhado. Aplaude a diatribe do reaccionário Waldemar Januszczak noSunday Times Magazine: «exercício de arrogância e extravagante mascarada».Acusa o «curatorial staff», entretanto renovado, de desprezar essas autorizadas edesesperadas opiniões – só lhes interessam as criancinhas das escolas e osturistas. A pretexto de acção educativa e de alargar o «acesso», «é agora um

dado adquirido que os museus se devem esforçar por nos ajudar a pensar quecompreendemos a arte, em vez de ajudarem a responder-lhe visceralmente».

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Em causa está o facto de a anterior montagem ter sido trocada pela fórmula dosnúcleos temáticos e das associações visuais, com a justaposição eclética eocasional de obras cujas datas se distribuem por cinco séculos. Usandoexpressões de um gosto talvez antiquado (deleite e emoção, festa para o olhar,«enjoy»), diz que os alinhamentos que puseram de parte os critérios da históriada arte e do modernismo (formalista) significam o mesmo que oferecer nomesmo prato «roast beef» e peixe grelhado.

«As obras não são reunidas por possuirem alguma comunhão de estilo,data ou lugar de produção, mas porque representam pessoas que tomamchá, estão nuas ou passeiam nas ruas». Mas, acusa Sylvester, «acronologia não é uma ferramenta interpretativa da história da arte que

  possa ser usada num momento e deitada fora noutro. É uma realidadeobjectiva, inscrita no fabrico da obra e na consciência do artista.» Conclui: «Os “curators” só se interessam pelos seus direitos territoriais.

 Estão na moda os mini-ensaios em prosa indiferente (assinada), impressosnum cartão branco tão grande como a pintura ao lado. É o texto quedomina o olhar; o quadro – por hipótese, uma obra prima de Stubbs –dilui-se.»

Em Millbank, a anterior montagem reservava a metade esquerda do edifício paraa história mais recuada da arte inglesa e o lado direito traçava o percurso damodernidade em salas quase sempre distintas para a arte europeia e a artebritânica, traduzindo assim a relativa independência e excentricidade destaúltima (Impressionismo em França e Grã-Bretanha; Vanguarda europeia,1905-25; Modernismo na G.B., 1905-20; Stanley Spencer e a arte britânicatradicional, etc).Nos últimos anos, sob a direcção de Nicholas Serota, que cedeu o lugar aStephan Deuchar - mas subindo à categoria de director geral das Tates -, a

colecção permanente passara a incluir uma rotação sazonal de algumas salas,trazendo obras menos vistas das reservas, organizando núcleos temáticos(«Pessoas e lugares: A tradição narrativa na arte britânica» do séc. XX foi umexcelente exemplo), propondo conjunções de pares de artistas sob o título«Ligações Perigosas», eventualmente de épocas diferentes (Gainsborouh eHockney; Fuseli e Bacon; o casal Barbara Hepworth e Ben Nicholson). Afórmula resultava e a convivência entre notáveis mostras históricas e o semprepolémico Prémio Turner para jovens artistas assegurava à Tate um imenso êxito

de público.

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A mudança é radical. Com a transferência para a Tate Modern da arteinternacional (mas com a admissão de estrangeiros que pintaram em Inglaterra,como Van Dyck e André Derain, e, em especial, de artistas oriundos do antigoimpério – arte «made in Britain»), acabou a cronologia e também a tradicionalsequenciação por movimentos e escolas. Acabou também a intenção de traçarum panorama continuado, evolutivo e forçosamente selectivo, onde amodernidade era revista através das suas rupturas e margens, movimentos efiguras isoladas. A narrativa histórica, que na Tate Gallery já não era o evolucionismo modernistacanónico, deu lugar a quatro itinerários temáticos com a aparência de mostrastemporárias, regressando-se em grande medida aos géneros académicos: retrato,paisagem, pintura de história e, em parte, pintura de género (a substituir aqui a

natureza-morta). As quatro secções organizam-se em salas por assuntos, a que seagregam também espaços destinados a um só artista. «Público & Privado» inclui o retrato, cenas domésticas («Home Life») e cenas urbanas («City Life»),mais uma sala dedicada a Gainsborough; «Artistas & Modelos» reune o nu,«pintores em foco» (auto-retratos, retratos de artistas e vistas de atelier) e umasala Hockney; «Literatura & Fantasia» junta imagens da identidade britânica(sala «Roast Beef»), arte visionária, «Palavra e Imagem», sala William Blake; e«Home & Abroad» alinha «The Land» (paisagens britânicas), «artistas no

estrangeiro», a Guerra, a sala Ben Nicholson (forçando uma interpretaçãopaisagística da sua produção abstracta), ainda com passagem para as galeriaspermanentes dos clássicos rivais Constable e Turner. Em Julho, Walter Sickertsucede a Gainsborough; Hogarth a Blake; Whrigh of Derby a Ben Nicholson;Hockney continua.

Para lá das galerias individuais, a única sala consistente é a dedicada à guerra(D. Sylvester também acha), porque se trata de um tema concreto e relevante porsi mesmo; nos outros casos, devido à extensão do tempo histórico representado,

as conjunções podem ter momentos curiosos mas são em geral arbitárias – é anova arte da «colagem curatorial», que no MoMA, aplicada a períodos de 40anos, é mais do que uma moda. A crítica conservadora veio dizer que ficaprovado que os modernos não resistem à vizinhança dos clássicos («TateBritain’s Foolish Rehang», na capa da  Art Review). Com a desvalorização dascaracterizações formais – o anti-formalismo é de regra - , o espectador entenderáuma única coisa: que os mesmos temas e géneros (tratados à antiga ou àmoderna, em abstracto ou figurativo...) continuaram ao longo do tempo. A

leitura dos textos «ensinará» que as diferenças estilísticas da pintura se explicampelas conjunturas sociais, pelas convenções em vigor e, quanto às obras maisrecentes, aliás escassas, pelas intenções «críticas» dos artistas.

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Barbara Hepwarth ou Paolozzi não estão representados na exposição. DavidBomberg (1890-1957), Paul Nash (1889-1946) e Michael Andrews (1928-95)surgem justamente destacados. Moore tem uma obra na Tate Modern, onde Caroe Auerbach têm salas próprias, mas todos estão ausentes na Tate Britain, talvezpor não caberem nos assuntos propostos. Para quem se dirige ao museu paraconhecer a arte britânica, a explicação é pouco satisfatória. A procura daautonomia da arte e do objecto específico, a especulação sobre as formas e asemoções despidas de tradução representativa, que dominaram grande parte domodernismo, são varridas do mapa pós-moderno. Mas está presente um grandenúmero de pintores figurativos de reduzida notoriedade que dão ao conjuntouma aparência monótona e conservadora. Tratar-se-á de recusar o critério anti-democrático que nos museus «tradicionais» impõe a escolha (elitista) das obrase dos artistas mais destacados – adivinha-se um critério de quotas que, além de

mulheres, negros e indianos, assegura lugares a artistas medianos.

A montagem é acompanhada pela edição de um guia intitulado Representing

Britain 1500-2000, marcando a diferença com o sublinhado do «re» inicial (144pág., £9.99). Cem reproduções de obras da colecção sucedem-se por ordemcronológica da sua realização e não por tendências ou datas de nascimento dosautores - o resultado sequencial faz desvanecer, até aos anos 90, o habitual«progressismo» da história da arte modernista. Hogarth, Stubbs, Gainsborough,

Turner, Blake, Constable, Millais, Rossetti têm presenças repetidas, tal como,para o séc. XX., só acontece com Stanley Spencer (1891-1959), Jacob Epstein(1880-1959) e David Hockney. Os anos Tatcher surgem com Richard Deacon,Kitaj (que «celebrou a excentricidade e individualismo da arte figurativabritânica do pós-guerra») e Paula Rego (A Dança, 1988). A última década érepresentada por obras a que se atribuem propósitos de desmontagem dasconvenções, «explorando temas de moralidade, sexualidade e verdade»: DamianHirst, Simon Patterson (um mapa do metro com nomes de celebridadades«satiriza a natureza arbitrária dos nossos valores sobre autoridade e saber»),Gilliam Wearing, Mat Collishaw e Chris Ofili. Só o penúltimo integra amontagem da Tate, com a imagem filmada de um carvalho (emblema real einglês) projectada  dentro de um caixilho de negativos fotográficos do séc. XIX

  – Collishaw «joga com as associações simbólicas tradicionais, chamando aatenção para os modos como a nossa percepção da natureza é mediada pelacultura». Os artistas cumprem exercícios escolares.

Dois tópicos são centrais nos vários textos. A subordinação da arte à «história

social» e ao discurso antropológico, para reduzir as obras à expressão do gosto edos interesses das classes elevadas (retrato/identidade social; paisagem/propriedade, etc), sublinhando-se por diversas vezes que não foram

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coleccionados os objectos representativos das classes desfavorecidas – trata-sede atribuir à arte uma estrita condição classista. Em segundo lugar, a luta contrao «mito» da «britanicidade» da arte britânica, a denúncia de uma histórianacional que «privilegiou a projecção de alguns talentos cuja característicaprimária parecia ser a sua alienação em relação ao “mainstream” do modernismocontinental, incluindo Stanley Spencer, Bacon e Freud».

O museu é posto ao serviço da destradicionalização acelerada da sociedadebritânica (será como a Câmara dos Lordes uma aristocrática relíquia?). Aestratégia populista de dar prioridade às audiências e ao «acesso» foi anunciadoem Janeiro último pelo governo Blair (a política do New Labour é uma «socialengeneering» globalizante). «Deixem os nossos museus em paz», titula oSpectator. A polémica vai continuar.

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