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MUITO TEMPO… JUSTIÇA” - Anistia Internacional Brasil · Grupo Bhopal para Informação e Ação é fundado O governo da Índia exige que a Union Carbide pague US3.3 bilhões

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“30 ANOS É MUITO TEMPO…PARA SE FAZER JUSTIÇA”

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Conhecida no passado como a Cidade dos Lagos, Bhopal fez história como o local onde um dos maiores desastres industriais aconteceu.

Em 1984, um vazamento de gás tóxico na cidade, localizada no centro da Índia, matou e feriu dezenas de milhares de pessoas. Trinta anos mais tarde, a tragédia se transformou em uma contínua ridicularizarão dos direitos humanos.

O DESASTREEntre 2 e 3 de dezembro de 1984, em torno de 24 toneladas cúbicas de isocianato de metilo (MIC), um gás altamente volátil e mortífero, vazaram da fábrica de pesticida Union Carbide em Bhopal. Em três dias já havia em torno de 10.000 mil pessoas mortas.

Eles morreram em agonia, sufocando nos seus próprios fluidos corporais na medida em seus pulmões entravam em colapso. “Eu vi milhares de pessoas deitadas no chão”, diz o patologista Doutor D.K. Satpathy, ao se lembrar da cena ao correr para o hospital naquela noite fatídica. “Uns estavam grunhindo, outros sufocando, outros chorando.”

Mesmo assim, quando ele e outros médicos ligaram para a Union Carbide, desesperados por informação, representantes da empresa informaram que o gás não causaria nada mais do que uma irritação média e aconselharam as autoridades médicas a não dar um

“As pessoas perderam a paciência. Elas ainda lembram. Elas ainda choram e lamentam os membros de suas famílias mortos naquele dia. Elas sentem que, pelo menos agora, o nosso governo e a empresa devem escutar e tomar medidas pois 30 anos é muito tempo...para se fazer justiça.”Safreen Khan, 20 anos, cujos pais sobreviveram ao vazamento de gás de 1984 em Bhopal

medicamento que potencialmente poderia ter salvo vidas.

Em torno de meio milhão de pessoas foram expostas a níveis perigosos de toxinas. Muitos sofreram de doenças debilitantes ou ficaram inválidos para o resto da vida.

“Eu vomitava, tinha dores enormes no peito e irritação nos olhos,” diz Shahzadi Bi que ainda vive com a família nas imediações da fábrica. Os pulmões do marido dela foram severamente afetados e os médicos disseram a ele que seu coração está permanentemente danificado.

Até hoje, a Union Carbide se recusa a dividir informações importantes sobre a composição do gás e seu efeito em pessoas, informação vital para se fornecer um tratamento médico eficaz.

CRIME CORPORATIVOImediatamente após o vazamento, as autoridades da Índia prestaram queixa criminal contra a Union Carbide Limited (UCIL), sua empresa parente americana Union Carbide Corporation (UCC), o então Diretor Executivo (CEO) da UCC Warren Anderson, e oito funcionários indianos da UCIL.

Mais tarde, evidências iriam surgir que mostram que a UCC, a corporação no centro deste incidente, estava ciente dos problemas de segurança na planta em Bhopal anos antes do desastre em 1984.

Mesmo assim, a empresa continuou a manter enormes quantidades do altamente tóxico MIC, sem seguir os procedimentos corretos. A empresa também falhou em organizar um plano de emergência para avisar as comunidades locais sobre vazamentos, mesmo tendo um plano de emergência organizado para uma planta parecida em West Virginia, EUA.

Quando Warren Anderson chegou em Bhopal, em 7 Dezembro de 1984, ele foi preso na sua chegada. Após algumas horas, ele foi liberado sob a condição de que retornaria ao tribunal indiano para responder à acusação de homicídio culposo (não somando assassinato). Ele nunca retornou e faleceu em setembro de 2014, um fugitivo até o final.

Alguns anos após o desastre, a UCC vendeu seus títulos à UCIL. Se retirou de

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Bhopal, deixando para trás tanto o local da fábrica altamente contaminado quanto uma comunidade, já afetada, para lidar com a poluição.

Em 2010, 26 anos depois do desastre, sete funcionários da UCIL, todos de nacionalidade indiana, foram condenados por causar mortes por negligência criminosa. No entanto, a empresa parente da UCIL, UCC com base nos Estados Unidos, permanece fugitiva da justiça.

Em 2001, a UCC foi comprada por outra empresa americana, a Dow Chemical Company (Dow). Como proprietária de 100% da empresa, a Dow tem o poder de direção sobre a conduta da UCC, mesmo assim nada foi feito para assegurar que a sua subsidiária responda as acusações criminais contra ela.

Para marcar o 30° aniversário da tragédia em Bhopal, a Anistia Internacional convidou o premiado fotógrafo Raghu Rai para documentar os efeitos do vazamento de gás na população de Bhopal. Em 1984, Raghu testemunhou as terríveis consequências do vazamento. Esta nota contém uma mescla de fotografias recentes e de arquivo. Acima: A fábrica abandonada da Union Carbide lança a sua tóxica sombra sobre as comunidades de Bhopal, Dezembro 2001. O vazamento de gás e a contaminação de 1984 vindos da operação da fábrica continuam a danificar a saúde e as vidas dos habitantes de Bhopal. Capa: Shahzadi Bi, 60 anos, sobrevivente do vazamento de gás em Bhopal, em sua casa na Blue Moon Colony, alguns metros da fábrica abandonada da Union Carbide. A comunidade é uma das 22 que circundam a antiga fábrica.© Raghu Rai / Magnum

ABREVIAÇÕES

UCC – Union Carbide Corporation, com base nos EUA.

UCIL – Union Carbide India Limited; a UCC possui 50.9% dos títulos e controlava a UCIL na época do desastre.

Dow – The Dow Chemical Company. A UCC tem sido uma subsidiária completamente pertencente a Dow desde 2001.

Union Carbide – aqui usado para se referir ao grupo corporativo Union Carbide que inclui a UCC e UCIL .

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Aos 20 anos, Safreen Khan é a nova geração de ativismo. Muito nova para ter passado pela experiência do desastre em primeira mão, sua vida no entanto foi definida pelas consequências do desastre. Os pais dela foram sobreviventes do vazamento e ela continua a viver à sombra tóxica da fábrica.

Safreen primeiro ouviu sobre o desastre de 1984 e Union Carbide, a empresa responsável, quando ela estava na escola. “Eu tentei juntar mais informação perguntando para a minha mãe. Foi aí então que eu entendi que os problemas que a minha família estava passando começaram com o vazamento de gás.”

Interessada no que ela estava ouvindo, Safreen foi a mais reuniões. Ela viu seus pais fazerem uma greve de fome com outros manifestantes. Membro do Crianças contra Dow-Carbide desde 2008, Safreen tem exposto a batalha por justiça dos sobreviventes de Bhopal tão longe quanto os Estados Unidos e Reino Unido.

SAFREEN KHAN

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UMA FARSA CONTÍNUA Nos últimos 30 anos, mais de 20.000 pessoas morreram como resultado do vazamento. Dezenas de milhares destes expostos ao gás, continuam a viver com os efeitos que, em alguns casos, foram passados de uma geração para a outra.

Mulheres e meninas foram particularmente afetadas, com abortos frequentes, infertilidade e menstruação irregular. Tão amplos são estes efeitos que pesquisadores médicos têm feito referência a uma “epidemia de doenças ginecológicas”. “Mesmo assim”, diz Satinath “Sathyu” Sarangi, fundadora do Grupo Bhopal para Informação e Ação, “os problemas ginecológicos têm sido completamente ignorados.”

Mas não são somente para os sobreviventes do vazamento de gás, cujas vidas e saúde continuam a ser obscurecidos. Os habitantes de Bhopal continuam a

viver à sombra da antiga planta da Union Carbide. Muitos na comunidade local têm sofrido problemas de saúde parecidos àqueles dos que foram expostos ao gás, o que, de acordo com a população local, atribui-se a contínua contaminação ambiental deixada no local, quando este foi abandonado pela Union Carbide.

Esta contaminação, causada pela fábrica antes do vazamento de gás, envenenou a água que os habitantes locais foram obrigados a beber por décadas. Mesmo que recentemente defensores tenham garantido o fornecimento de água limpa para algumas das comunidades mais atingidas, ainda há um risco de que hoje muitos ainda não tenham outra escolha senão beber água poluída.

“Em muitos sentidos, hoje, a situação das vitimas é pior do que era na manhã do desastre,” diz Sathyu, que é também fundador Sambhavna Trust, que gerencia

uma clínica gratuita para os sobreviventes do vazamento.

“Existem cerca de 150,000 pessoas que estão lutando contra doenças crônicas,” ele aponta. “No mais, temos a próxima geração, na qual também encontramos as marcas dos venenos da Union Carbide. Ainda, acima de tudo, temos em torno de 40.000 pessoas vivendo próximas à fábrica que foram expostas a uma gama de químicas tóxicas e metais pesados. E ali, novamente, vemos uma gama de problemas de saúde.”

A experiência da filha de Shahzadi Bi, nascida após o desastre, é um entre muitos casos dentre a próxima geração citada pela comunidade. “A minha filha não podia ter filhos por quatro anos após o casamento dela,” ela conta. “Os médicos a disseram claramente que ‘já que você tem bebido esta água tóxica, você não poderá engravidar.’”

Abaixo: Pacientes na Clínica Sambhavana que oferece tratamento aos sobreviventes do vazamento de gás. Direita: Satinah “Sathya” Sarangi (em pé, centro) e Rachnu Dhingra (em pé ao lado dele) na Clínica Sambhavna.

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Satinath Sarangi (em pé, centro) – ou Sathyu, como prefere ser chamado – estava trabalhando em uma pequena vila acerca de 100km de Bhopal quando primeiro ouviu na rádio sobre o vazamento de gás. Na hora, não parecia algo muito sério.

Mesmo assim, ele achou que deveria ajudar. Um engenheiro formado, ele acreditava que o seu conhecimento científico seria útil. Então ele foi até Bhopal um dia após o vazamento. “ Eu vim até Bhopal preparado para ficar uma semana no máximo,” ele recorda. Ele nunca mais deixou o local.

Hoje, ele é o membro fundador do Grupo Bhopal para Informação e Ação e o Sambhavna Trust.

Nestes 30 anos, Sathyu tem sido fundamental para os sobreviventes do vazamento, seus filhos, e aqueles

afetados pela contaminação da água causada pelas operações da fábrica da Union Carbide.

“O desastre aconteceu principalmente porque o governo priorizou o investimento estrangeiro em detrimento da vida e saúde das pessoas comuns,” ele diz.

“Uma das coisas que me mantém inspirado é o espírito das pessoas que estão entre as mais pobres neste país. Ainda assim, elas estão desafiando poderes gigantescos: a segunda maior corporação química do mundo que possui o apoio do governo americano. E [eles] não só os enfrentam mas têm sido na verdade vitoriosos nestes anos e estão passando esta energia para as próximas gerações.”

SATINATH SARANGI

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2-3 Dezembro de 1984

3 Dezembro de 1984

7 Dezembro de 1984

1986

1986

1989

1992

1994

1996

2001

Maio de 2004

Janeiro de 2005

2006

2009

Junho 2010

2010

Julho 2013

Setembro 2014

Novembro 2014

Novembro 2014

2-3 Dezembro 2014

30 ANOS DE INJUSTIÇAGás tóxico vaza da fábrica de pesticida da Union Carbine, Bhopal

Acusações legais são feitas contra a UCIL, UCC, Warren Anderson CEO, e oito funcionários indianos da UCIL

Warren Anderson é preso; liberado três horas mais tarde

Grupo Bhopal para Informação e Ação é fundado

O governo da Índia exige que a Union Carbide pague US$3.3 bilhões em compensação

O governo da Índia concorda em receber US$470 milhões em compensação

O tribunal indiano declara Warren Anderson e UCC “fugitivos da justiça”

A UCC vende as ações da UCIL e deixa o mercado indiano

O Sambhavna Trust que oferece uma clínica gratuita para os sobreviventes é fundada por ativistas

A Dow adquire propriedade completa da UCC

O Supremo Tribunal da Índia exige que água potável seja fornecida as comunidades afetadas pela contaminação da fábrica da UCC. Nada acontece. Começam os protestos.

Após pedidos do Grupo Bhopal para Informação e Ação, o tribunal indiano expede carta de convocação à Dow, exigindo uma explicação da empresa do porquê ela não pediu a UCC para se apresentar mediante as acusações criminais. Ordens foram arquivadas por oito anos pelo tribunal a pedido da Dow.

Sobreviventes e ativistas marcham 700km a pé até Deli, exigindo água potável. O Primeiro Ministro aceita. Nada mais acontece.

Água potável chega a 14 comunidades. Após protestos, o acesso é estendido a mais oito comunidades em 2013.

Junho 2010 – 26 anos após as primeiras acusações criminais serem feitas, a UCIL e sete funcionários indianos são condenados. Os sete homens foram sentenciados a dois anos de cadeia e multados em US$2,200. A UCIL foi multada em US$11,000.

O governo apresenta petição curativa a Suprema Corte para permitir a renegociação do acordo de compensação de 1989, mas os dados do governo sobre as mortes e danos ainda são muito baixos.

O tribunal indiano reapresenta a convocação a Dow

Warren Anderson, ex CEO da UCC, falece

Nove anos após a convocação inicial foi enviada, a Dow ainda falha em comparecer perante o tribunal na Índia

Após uma greve de fome realizada por 5 mulheres sobreviventes, o governo indiano declara que irá revisar os dados com os números de mortos e feridos no desastre. Os sobreviventes consideram isto uma grande vitória.

30 anos desde o vazamento de gás; UCC ainda consegue evitar as acusações criminais, a limpeza da poluição ainda não foi feita, as comunidades locais continuam a sofrer os efeitos do vazamento e contaminação. Protestos em massa estão sendo esperados.

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Um homem carrega o corpo sem vida de sua esposa ao passar pela fábrica de pesticidas Union Carbide, a fonte do gás tóxico que a matou na noite anterior, 5 de dezembro de 1984. Entre 2 e 3 de dezembro de 1984, em torno de 25 toneladas cúbicas de isocianato de metilo (MIC), um gás altamente volátil e mortífero, vazaram da fábrica matando em torno de 10.000 pessoas dentro de três dias.

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Shahzadi Bi, 60 anos, vive em Blue Moon Colony, uma das 22 comunidades que circundam a antiga fábrica de pesticidas da Union Carbide. A área está flagelada por contaminação das águas, causada pelas químicas da fábrica abandonada.

“Eu sou vítima em ambos desastres: o vazamento de gás tóxico e a toxicidade da água para beber,” e la explica.

O desastre revirou as vidas dela e de sua família. “Todos temos sonhos,” ela diz. “Eu também tinha sonhos. Meu sonho era me tornar médica ou professora... Gostaria de dar uma boa educação para as nossas crianças...mas o vazamento de gás espatifou todos estes sonhos.”

Na noite do vazamento de gás, o Doutor DK Satpathy, patologista e ex chefe do Instituto Médico Legal, estava lidando com a emergência que se desdobrava no Hospital Hamidia.

Ele e seus colegas tinham dificuldades em encontrar um modo de tratar os pacientes que morriam em torno deles. A partir de 5 de dezembro, os médicos foram aconselhados a injetar nos pacientes tiossulfato de sódio, um antídoto conhecido para exposição ao cianeto. Porém este conselho, vindo do QG americano da Union Carbide, foi retirado em questão de dias e os médicos foram avisados a parar de usar o antídoto.

“Caso todas as vítimas… tivessem tomado aquela injeção os efeitos colaterais poderiam ter sido controlados,” diz o Dr. Satpathy. “Nenhum país deve fazer negócios perigosos e comprometer a saúde humana.”

SHAHZADI BI

DR D.K. SATPATHY

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A RESPOSTA DO GOVERNONão somente o governo indiano tem subestimado consistentemente o número de pessoas mortas ou feridas em consequência do vazamento, como também tem falhado em assegurar a limpeza dos dejetos poluentes deixados pela operação da Union Carbide. Além disso, o serviço de saúde pública fornecido pelo estado é inadequado e nunca houve um estudo adequado do impacto total do vazamento de gás e da contaminação ambiental na saúde das pessoas.

“Muito pouca iniciativa tem sido feita pelo governo para realmente documentar todos os efeitos desta exposição,” diz Rachna Dhingra do Grupo Bhopal para Informação e Ação. “E é por isso que estamos em uma situação tão triste hoje, no sentido de que não temos muita informação sobre os impactos crônicos e doenças relacionadas à exposição a este gás.”

“Porém [sobre] a questão da contaminação ainda é mais triste pois o governo não reconhece eles [as pessoas expostas a contaminação ambiental] como pessoas afetadas pelos venenos da Union Carbide. E por isso eles não tem direito a tratamento médico gratuito...

Então, é uma batalha que temos lutado faz muito tempo. E agora, recentemente, o Conselho Indiano de Pesquisas Médicas vai começar um projeto que irá enfocar nos efeitos para a saúde das pessoas que tem consumido água contaminada.”

O impacto do vazamento em mulheres tem sido completamente ignorado, de acordo com Rachna.

“A estrutura inteira de ajuda para vazamento de gás possui um hospital que atende a mulheres e este é o hospital de reprodução,” ela diz. “As instalações hospitalares são tão ruins que se uma mulher precisar de um exame de Papanicolau, ela não conseguirá ser atendida... Não há nada com foco na saúde da mulher face aos problemas relacionados à exposição.”

EUA – UM PARAÍSO SEGURO PARA O CRIME CORPORATIVO?Não foi somente o governo indiano que falhou com os sobreviventes da tragédia de Bhopal. O governo dos Estados Unidos é responsável por assegurar que empresas americanas, como UCC e Dow, sejam responsáveis por abusos dos direitos humanos em qualquer parte do mundo onde estes acontecerem. Mesmo assim, pouco foi feito para assegurar que a UCC responda pelas acusações criminais feitas contra ela. Na verdade, o governo tem agido como um paraíso seguro para a UCC, com a empresa efetivamente evitando a justiça, simplesmente por ser uma empresa com base nos Estados Unidos.

Os tribunais americanos repetidamente rejeitaram as tentativas dos sobreviventes de processar a UCC por danos. Isto mostra as sérias falhas no sistema legal dos Estados Unidos, que está desatualizado com os padrões internacionais, e pelas quais o governo precisa se responsabilizar.

Enquanto os Estados Unidos jamais apoiariam uma empresa estrangeira tentando evitar suas responsabilidades após causar danos à saúde e ao meio de vida em solo americano, parece que a atenção é menor quando a maré está na direção contrária.

Acima: Uma cremação em massa dos corpos das vítimas foi feita ao largo de covas comunais logo após o vazamento de gás, 5 dezembro de 1984.

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ATÉ

10.000 MORTOSEM

3 DIASNÚMERO TOTAL DE MORTOS

22.000

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SEM UMA COMPENSAÇÃO ADEQUADAA compensação irrisória paga aos sobreviventes do vazamento de gás está diretamente ligada a baixa estimativa geral, feita pelo governo da Índia, do número de pessoas que foram feridas ou morreram em consequência do desastre. Em 1986, o governo iniciou um processo de compensação contra a Union Carbide no valor de US$3.3 bilhões de dólares. Em um acordo fora dos tribunais, três anos mais tarde, o governo aceitou uma soma final de US$470 milhões de dólares. O governo não forneceu explicação alguma para a dramática redução, nem explicou a razão pela qual considerou esta soma aceitável.

Na medida em que o número de mortos e feridos aumentou nos anos que se seguiram, fica ainda mais clara a inadequação do pagamento feito pela Union Carbide. Tanto que agora o governo indiano foi até a Suprema Corte pedir uma compensação adicional da UCC. A Dow também foi apontada na petição do governo.

Ativistas de Bhopal têm feito um lobby duro para assegurar que o governo processe os números corretos de mortos e feridos e apresente uma quantia correta e justa. Em novembro de 2014, um grupo de sobreviventes alcançou uma importante vitória quando o governo indiano lhes disse que haveria uma revisão dos dados que foram submetidos à Suprema Corte, alinhando-se com a pesquisa médica e os dados hospitalares. Se o pedido for honrado, o governo estará dando um passo significativo na direção da revisão de uma injustiça histórica.

Rachna Dhingra (sentada, centro) largou o seu emprego em uma firma de consultoria em gerenciamento internacional nos Estados Unidos por Bhopal, em 2003, após se dar conta de que ela poderia fazer algo para ajudar aquelas comunidades. Ela permaneceu em Bhopal desde então e hoje ela é membro do Grupo Bhopal para Informação e Ação.

“As corporações não podem simplesmente chegar, matar, poluir e ir embora sem ter nenhuma responsabilidade,” ela diz. Na luta por responsabilidade, os ativistas precisam ser vigilantes.

“Da mesma forma que as corporações são bem equipadas em fazer lobby e ter seus advogados e espiões e em investigar os ativistas,” ela diz, “também temos de estar bem equipados para lidar com e expor as mentiras.”

RACHNA DHINGRA

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EM

3 DIAS

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Rampyari Bai é uma das mais persistentes sobreviventes de Bhopal. Agora com 90 anos, ela começou a batalha dela no início do desastre. Em 1984 ela estava vivendo com o filho e a esposa dele próximo a fábrica. A sua nora estava grávida de sete meses naquela noite e na medida em que os gases encheram o ar da noite, ela entrou em trabalho de parto. Ela e o bebê morreram lodo depois.

Rampyari desenvolveu câncer e sofre de falta de ar, mesmo assim continua a lutar por uma compensação justa. Ela diz que protestar a mantém viva. “Nunca irei deixar este objetivo de ir atrás dos governos,” ela diz. “Até o meu último suspiro irei lutar.”

RAMPYARI BAI

UMA BATALHA DO POVOAbandonados a tratamentos médicos de baixa qualidade e compensações irrisórias, os sobreviventes têm lutado por três décadas para que as corporações por detrás do desastre sejam levadas à justiça. Os esforços deles têm resultado em um aumento do número de vitórias, todas estas conseguidas através de determinação e paciência.

“Uma das coisas que conseguimos conquistar foi o fornecimento de água limpa para pelo menos 60.000 pessoas,” diz Rachna. “Não foi fácil porque o governo não aceita que existe uma contaminação.”

Ela também aponta o sucesso do movimento em parar “significativas quantidades de investimento que a Dow pretendia fazer” na Índia. Porém, maior que os sucessos tem sido a luta em si.

“Fomos capazes de manter o assunto vivo por 30 anos” diz Rachna com simplicidade. “Isto aconteceu porque as pessoas continuaram a lutar. Acho que uma das mais longas batalhas já travadas por pessoas neste país. Acho que é uma grande vitória.”

A luta de Bhopal por justiça tem sido amplamente liderada por mulheres.

Shahzadi Bi, Safreen Khan, Rachna Dhingra são somente três dentre muitas outras que estão na linha de frente desta batalha que já dura décadas e que também está cruzando gerações.

Rampyari Bai, 90 anos, é uma das sobreviventes mais persistentes da comunidade. A sua tenacidade a transformou em um modelo para as gerações mais novas de ativistas. “Fomos a protestos em muitos lugares e fizemos muitas passeatas,” ela diz “Atravessamos valas a nado, tivemos de correr da polícia quando estavam atrás de nós. Eu conto isso a todo mundo: minhas irmãs, irmãos, mães e filhas. Eles precisam aprender com os desafios. Eles devem ter a coragem e nunca dar um passo atrás na batalha.”

Mantendo a sua palavra, em 2011, Rampyari participou de uma ação de rua bem-sucedida contra a Dow. Ativistas bloquearam a passagem dos trens em Bhopal. “ [A polícia] nos batia com bastões mas estávamos fazendo uma manifestação pacífica, estávamos somente gritando palavras de ordem,” ela diz. “ Eles me espancaram tão violentamente que quatro pessoas me levantaram e me tiraram dali.”

Apesar do espancamento ter danificado a perna dela para sempre, a paixão de Rampyari’s permaneceu intocada.

“Eu não desistirei de cumprir meu papel de ir atrás dos governos” ela promete. “Irei lutar por justiça para as vitimas do gás... Continuarei lutando até o meu último suspiro.”

Para Rampyari e tantos outros colegas ativistas, o 30° aniversário pode ser a última chance de chamar atenção para as terríveis injustiças que os sobreviventes têm passado. Será que a Dow irá finalmente assumir responsabilidade, como dona da empresa, por ter destruído tantas vidas? Os Estados Unidos irão finalmente cumprir com seu papel e assegurar que isto aconteça? Agora é a hora do governo indiano se livrar do passado e estar a frente dos direitos das comunidades mais pobres e corrigir estas injustiças de uma vez por todas.

Contra-capa: Sobreviventes do vazamento de gás de 1984 em Bhopal protestam do lado de fora da residência do Ministro de Madhya Pradesh, exigindo compensação justa, setembro de 2014. Deixados em precárias condições médicas e compensações insignificantes, os sobreviventes tem lutado por três décadas para que as corporações por detrás do desastre sejam levadas a justiça em das mais longas batalhas de um grupo na Índia. ©Raghu Rai / Magnum Photos

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A Anistia Internacional apóia os sobreviventes e ativistas de Bhopal na campanha por justiça.

Juntos, pedimos ao governo da Índia para assegurar que os sobreviventes do vazamento de gás recebam a compensação que merecem e o tratamento médico que necessitam. Também pedimos ao governo que urgentemente limpe a área de Bhopal, fazendo com que as empresas responsáveis pela poluição cubram os custos.

Pedimos ao governo dos Estados Unidos para ajudar a resolver todas as questões pendentes, inclusive criando pressão política para assegurar que as empresas envolvidas paguem compensação adequada aos sobreviventes e cubram os custos de despoluição.

Também pedimos aos governos da Índia e dos Estados Unidos que se certifiquem de que a UCC e Dow cumpram com as ordens da justiça e se apresentem perante o tribunal.

Sua campanha tem sido resistente e poderosa, mas os sobreviventes e ativistas de Bhopal não podem realizar tudo sozinhos. Junte-se a nós, para o 30° aniversário, e ajude-nos a alcançar justiça após mais de uma década de desafios. Escreva uma carta, mude vidas em http://bit.ly/writebhopal

A Anistia Internacional é um movimento global de mais de 7 milhões de pessoas que realiza campanhas por um mundo onde todos possam ter seus direitos humanos respeitados.

A visão da Anistia Internacional é a de um mundo em que cada pessoa possa desfrutar de todos os direitos humanos consagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem e noutras normas internacionais de direitos humanos.

Somos independentes de qualquer governo, ideologia política, interesses econômicos ou religião e somos financiados principalmente pelos nossos membros e por donativos do público.

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Índex: ASA 20/035/2014, Português, Dezembro de 2014

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