Author
duongtu
View
217
Download
0
Embed Size (px)
1
Seminrio Internacional Fazendo Gnero 11 & 13th Womens Worlds Congress (Anais Eletrnicos),
Florianpolis, 2017, ISSN 2179-510X
MULHERES EM SITUAO DE VIOLNCIA DOMSTICA E FAMILIAR
SOB RISCO DE MORTE: REFLEXES SOBRE O PROCESSO DE
RUPTURA DO CICLO DE VIOLNCIA, EM TERESINA-PI
Ianara Silva Evangelista1
Resumo: A violncia domstica e familiar contra as mulheres um grave problema universal que
atinge milhares de mulheres, de diversas formas, sendo permeada por aspectos que conformam as
relaes entre os sexos e que propiciam para a mulher uma situao de vulnerabilidade ou risco de
violncia. O enfrentamento da violncia exige uma articulao entre os diversos segmentos da
sociedade, ou seja, dos poderes executivos, legislativos e judicirios, dos movimentos sociais e a
sociedade em geral. Muitas vezes quando o tema da violncia contra as mulheres abordado, fica
explcito o discurso da mulher como vtima de violncia, porm, o tema do empoderamento das
mulheres ainda no tomou sentido e significado para que elas possam romper o ciclo de violncia e,
consequentemente, encontrarem alternativas para a reconstruo e ressignificao de suas vidas. Esta
investigao se prope a compreender como essas mulheres que foram atendidas pela Casa Abrigo
Mulher Viva conseguiram romper com o ciclo de violncia, considerando que so processos
cclicos bem complexos, cheios de idas e vindas. Contudo, este trabalho tem como proposio
tambm dar "voz" a essas mulheres que foram silenciadas e que, finalmente, esto conseguindo
ressignificar suas vidas, deixando de ser aquelas de quem se fala e passam a ser aquelas que falam
por si mesmas, a partir de suas trajetrias de vidas, vivncias, percepes de mundo e, sobretudo,
perspectivas de futuro.
Palavras-chave: Gnero. Violncia Domstica. Ciclo de Violncia. Rota Crtica.
INTRODUO
O fenmeno da violncia domstica e familiar contra as mulheres, geralmente manifestado no
mbito privado, sempre me tocou provocando reflexes em torno da complexidade de interpretar os
seguintes questionamentos: Como diz que ama e bate? Como diz que ama e mata? Vem minha
memria, as denncias do movimento feminista, na dcada de 70, quando ecoaram o bordo quem
ama, no mata2, em aluso aos crimes que aconteciam com mulheres no mbito domstico.
Conforme dados do Mapa da Violncia 20153, um dado expressivo com relao ao local
onde ocorre a agresso, tendo em vista que o local mais frequente para o assassinato das mulheres
acontece em seus domiclios, enquanto 27,1% das mortes foram de mulheres, 10,1% das mortes foram
de homens. Entretanto, o local mais frequente de agresso para ambos os sexos a via pblica, onde
31,2% representa o feminino e 48,2% representa o masculino (WAISELFISZ, 2015).
1 Discente do Programa de Ps-Graduao em Sociologia (PPGS), Nvel Mestrado, da Universidade Federal do Piau
(UFPI), Teresina-PI, Brasil. E-mail para contato: [email protected] 2 Um caso emblemtico de violncia contra as mulheres, desse perodo, o caso Doca Street, que assassinou ngela
Diniz, onde a defesa alegou o crime ter sido cometido em nome da legtima defesa da honra e o jri absolveu. 3 Homicdio de Mulheres no Brasil, com os dados entre 2003 e 2013.
mailto:[email protected]
2
Seminrio Internacional Fazendo Gnero 11 & 13th Womens Worlds Congress (Anais Eletrnicos),
Florianpolis, 2017, ISSN 2179-510X
A violncia atinge as mulheres em grande parte do mundo e, no Piau, no diferente,
considerando os dados da pesquisa citada acima, o Estado do Piau teve 32 mortes em 2003 e, aps
10 anos, teve um salto para 47 homicdios. O aumento em nmeros absolutos foi de 46,9%. Enquanto
na capital, em 2003 foram 13 mulheres mortas e, em 2013 foram 24 mulheres assassinadas, ou seja,
entre 2003 e 2013, as mortes de mulheres aumentaram 84,6% (WAISELFISZ, 2015).
Esse dado coloca a capital em penltimo lugar, entre as capitais brasileiras com menos taxas
de homicdios de mulheres, mas no se pode deixar de considerar tambm que muitos casos de
assassinatos de mulheres no so registrados como feminicdio4, como bem diz Wnia Pasinato
(2011) sobre um dos maiores desafios para a realizao de pesquisas sobre as taxas das mortes de
mulheres a falta de informaes oficiais sobre essas mortes. As estatsticas da polcia e do
Judicirio no trazem [...] informaes sobre o sexo das vtimas, o que torna difcil isolar as mortes
de mulheres no conjunto de homicdios (p. 222).
O tema da violncia contra as mulheres, desde a graduao em Cincias Sociais, fez parte das
minhas leituras tericas e experincia emprica como pesquisadora, mas tambm como profissional,
atuando na gesto das polticas pblicas para as mulheres. Percebe-se que, na maioria das vezes,
quando o tema da violncia contra as mulheres abordado, fica evidente o discurso delas como
vtimas de violncia. Porm, o discurso de empoderamento e rompimento com o ciclo de violncia,
reconstruo e ressignificao de suas vidas ainda no to frequente.
Neste sentido, esta investigao apresenta a seguinte problemtica: como se d o processo de
ruptura da violncia domstica e familiar das mulheres que passaram pela rota crtica, particularmente
aquelas que fizeram o desligamento do servio de abrigamento, ou seja, por meio da Casa Abrigo
Mulher Viva, tendo em vista que as sujeitas da pesquisa so mulheres que conseguiram romper
com a violncia.
A referida pesquisa pretende trazer tona experincias de mulheres que estavam inseridas na
rota crtica do servio especializado e que conseguiram romper o ciclo da violncia, de forma a
aprofundar o debate sobre a violncia contra as mulheres a partir do agenciamento e empoderamento
feminino nessa trajetria, partindo do pressuposto de que as mulheres tambm detm micropoderes
nessas relaes violentas de gnero, deste modo, quando enfrentam e resistem, se empoderam na
busca pela ruptura do ciclo da violncia, haja vista que onde h poder, h tambm resistncia.
4 A partir de maro de 2015, a Lei 13.104/2015 alterou o Cdigo Penal Brasileiro e incluiu o feminicdio como
circunstncia qualificadora do crime de homicdio, sendo entendida quando a morte de uma mulher decorrente de
violncia domstica e familiar ou quando instigada por menosprezo ou discriminao condio de mulher. Disponvel
em: . Acesso em: 01 set. 2015
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13104.htm
3
Seminrio Internacional Fazendo Gnero 11 & 13th Womens Worlds Congress (Anais Eletrnicos),
Florianpolis, 2017, ISSN 2179-510X
VIOLNCIA DE GNERO
Nos estudos das Cincias Sociais e para o entendimento da violncia contra mulheres, o
gnero tem sido usado como categoria de anlise e fundamentado como construo social que uma
dada cultura estabelece em relao a homens e mulheres, ou como define Scott (1995), um
elemento constitutivo de relaes sociais baseadas nas diferenas percebidas entre os sexos e
tambm uma forma primria de dar significado s relaes de poder (SCOTT, 1995, p. 86), sendo,
portanto, um meio de decodificar o sentido e de compreender as relaes complexas entre diversas
formas de interao humana (SCOTT, 1995, p. 89).
Ressalta-se, porm, que o conceito de gnero amplo, e engloba tanto a violncia de homens
contra mulheres quanto a de mulheres contra homens (SAFFIOTI, 2004). A violncia de gnero pode
ser praticada por um homem contra outro, por uma mulher contra outra, no entanto, o vetor mais
amplamente difundido da violncia de gnero caminha no sentido homem contra mulher, tendo a
falocracia como caldo da cultura (SAFFIOTI, 2004, p. 71). As estatsticas demonstram que grande
parte cometida por homens contra mulheres (STREY, 2004). A violncia domstica costuma ser
empregada como sinnimo de violncia familiar e tambm de violncia de gnero.
A violncia contra a mulher uma manifestao das relaes de poder historicamente
desiguais entre mulheres e homens, que tem conduzido a dominao da mulher pelo homem,
discriminao do homem contra a mulher, provocando impedimentos contra o seu pleno
desenvolvimento (TAVARES e PEREIRA, 2007, p. 13). a violncia que incide, abrange e
acontece com as pessoas em funo do gnero ao qual pertencem. um produto histrico e social
(STREY, 2004). Trata-se de um problema mundial ligado ao poder, privilgios e controle masculinos.
De acordo com Bourdieu, as relaes de gnero so relaes de poder, tendo em vista que, o
princpio masculino tomado como medida de todas as coisas (BOURDIEU, 2011, p. 23). Isto , a
forma em que a sociedade est organizada, por meio da diviso dos gneros relacionais onde as
diferenas visveis entre os rgos sexuais masculino e feminino so uma construo social que
encontra seu princpio nos princpios de diviso da razo androcntrica, ela prpria fundamentada na
diviso dos estatutos sociais atribudos ao homem e mulher" (BOURDIEU, 2011, p. 24) que tambm
legitima as relaes de dominao por meio do corpo e da linguagem.
De tal modo, a violncia contra as mulheres exige aes articuladas e integradas para que seja
garantida a execuo de aes preventivas, da assistncia e de combate mais eficazes. Logo, as
mulheres tm conseguido conquistar e garantir seus direitos, por meio de orientaes da Rede de
4
Seminrio Internacional Fazendo Gnero 11 & 13th Womens Worlds Congress (Anais Eletrnicos),
Florianpolis, 2017, ISSN 2179-510X
Atendimento, das suas relaes interpessoais que as encorajaram a quebrar o silncio e a denunciar
para sair do ciclo da violncia.
Entretanto, os servios institucionais especializados que eram para lhes d segurana e
proteo, possuem infraestrutura inadequada, despreparo no atendimento, ausncia de profissionais
capacitados e qualificados para lidar com os casos de violncia domstica e familiar, sendo que,
reproduzem algumas atitudes e prticas discriminatrias (MENEGHEL et al, 2011; SAGOT, 2000;
SILVEIRA, 2006; BONETTI, PINHEIRO e FERREIRA, 2016).
CICLO DE VIOLNCIA: ENTRE IDAS E VINDAS
A teoria do ciclo de violncia enunciada pela psicloga americana e feminista Lenore
Walker, para explicar como acontece a dinmica da violncia nas relaes conjugais, as dificuldades
das mulheres para romper com essa relao violenta e como essa violncia produzida e reproduzida
(ROCHA, 2007).
Segundo Walker, o ciclo de violncia constitudo de trs fases: 1) a construo da tenso no
relacionamento: caracterizada pelos xingamentos, injrias, ameaas, insultos, humilhao,
provocaes mtuas; 2) a exploso da violncia descontrole e destruio: o agressor passa a agredir
fisicamente a vtima; 3) a lua-de-mel arrependimento do(a) agressor(a): o agressor se arrepende do
que fez, diz que que ama, pede desculpa, diz que no vai mais agredi-la, as promessas so mtuas,
ocorrendo assim, uma idealizao do parceiro e a negao da vivncia de violncia (SOARES, 2005).
Este ciclo se caracteriza pela sua continuidade, tornando-se repetitivo, ou seja, a sua repetio
sucessiva durante longos meses e/ou anos, podendo ser menores as fases de tenso e arrependimento,
porm, mais intenso com a fase violenta, com agresses fsicas rotineiras, podendo terminar em
uma leso fsica grave ou feminicdio.
Neste sentido, muitas so as dificuldades e limitaes para as mulheres romperem com o ciclo
de violncia, considerando que elas tm uma relao afetiva e emocional com o agressor; medo de
sofrer uma violncia mais grave; vergonha do que a sociedade vai pensar ou dizer; medo de prejudicar
o agressor e os/as filhos/as; no querem que o pai de seus/suas filhos/as v preso; se sentem culpadas
e/ou responsveis pelas violncias que sofrem; carregam um sentimento de fracasso e culpa na
escolha do parceiro idealizado; no possuem condies financeiras para mudar o rumo de sua vida;
sentem, perdem a identidade, a autoestima.
Na busca de ajuda para a ruptura do ciclo de violncia, a mulher quando procura os servios
institucionais especializados, geralmente, o seu primeiro acesso se d por meio do registro do boletim
5
Seminrio Internacional Fazendo Gnero 11 & 13th Womens Worlds Congress (Anais Eletrnicos),
Florianpolis, 2017, ISSN 2179-510X
de ocorrncia numa Delegacia Especializada de Atendimento Mulher buscando, assim,
resolutividade para o problema e, na maioria das vezes, ela se depara com a construo do processo
da rota crtica.
Em A rota crtica das mulheres afetadas pela violncia intrafamiliar na Amrica Latina5,
Montserrat Sagot (2000)6 busca compreender o processo da rota crtica seguida pelas mulheres
maiores de 15 anos afetadas pela violncia intrafamiliar e quais os fatores que influenciavam esse
processo. Nesta pesquisa, Sagot conceitua a rota crtica afirmando que
[...] es un proceso que se construye a partir de la secuencia de decisiones tomadas y acciones
ejecutadas por las mujeres afectadas por la violencia intrafamiliar y las respuestas
encontradas en su bsqueda de soluciones. Este es un proceso iterativo constituido tanto por
los factores impulsores e inhibidores relacionados con las mujeres afectadas y las acciones
emprendidas por stas, como por la respuesta social encontrada, lo que a su vez se convierte
en una parte determinante de la ruta crtica. En ese sentido, con el concepto de ruta crtica se
reconstruye la lgica de las decisiones, acciones y reacciones de las mujeres afectadas, as
como la de los factores que intervienen en ese proceso. (SAGOT, 2000, p.89)
Em outras palavras, a rota crtica entendida como um complexo emaranhado de atitudes e
decises tomadas pelas mulheres em situao de violncia e as respostas encontradas na busca por
apoio. O caminho percorrido desde o episdio da violncia at a procura pela ajuda institucional
muito extenso, sendo influenciado por vrios fatores impulsionadores e inibidores (internos e
externos) para o incio de uma rota de superao e rompimento o momento em que essas mulheres
decidem romper com o silncio em relao a situao de violncia domstica e familiar vivenciada.
Os estudos sobre o atendimento nas instituies especializadas tm mostrado que quando a
denncia chega nos servios especializados (ou no-especializados) contra a violncia domstica e
familiar contra a mulher, esses servios nem sempre esto preparados para o atendimento, seja no
tocante a escuta no qualificada dos(as) profissionais e/ou na precariedade estrutural fazendo com
que sofram uma revitimizao da violncia (SAGOT, 2000; BRUHN & LARA, 2016; SILVEIRA,
2006).
De acordo com Dutra, Prates, Nakamura e Vilela (2013), os estudos sobre as rotas percorridas
pelas mulheres, em busca de sair do ciclo de violncia, identificam muitas dificuldades nesse
5 Texto original em espanhol: La ruta crtica de las mujeres afectadas por la violencia intrafamiliar em Amrica Latina
(SAGOT, 2000). 6 um estudo pioneiro, realizado na dcada de 1980, que objetivou investigar o trajeto percorrido pelas mulheres para
romper com a violncia em dez pases latino-americanos, que so: Belice, Bolvia, Costa Rica, Equador, El Salvador,
Guatemala, Honduras, Nicargua, Panam e Per. As entrevistas foram realizadas nas organizaes governamentais
(sade, jurdico-legal e educativo) e nas organizaes no-governamentais (organizaes das comunidades de bases, ONG
de Mulheres e Instituies da Igreja). A seleo das localidades contemplou uma grande diversidade em termos de rea
geogrfica, cultural, idioma e caractersticas scio-demogrficas. A caracterstica em comum que une todas essas
localidades que eles definiram a reforma para a sade em todos os pases.
6
Seminrio Internacional Fazendo Gnero 11 & 13th Womens Worlds Congress (Anais Eletrnicos),
Florianpolis, 2017, ISSN 2179-510X
rompimento tais como, a falta de apoio, a revitimizaco e a atitude preconceituosa e ineficiente por
parte das pessoas que deveriam acolh-las, alm dos seus sentimentos de vergonha, culpa e presses.
Dentre as situaes que dificultam o rompimento, esto o medo, a culpa, a vergonha, as
presses familiares, as limitaes materiais e a ineficcia institucional, compreendendo as
atitudes negativas dos operadores, a burocracia, a falta de orientao, a revitimizao.
(MENEGHEL et al., 2011, p. 749)
Assim, se percebe as falhas na elaborao e formulao dessas polticas pblicas para
mulheres e na criao de propostas que as fortaleam efetivamente para a superao da violncia
domstica e familiar. Entretanto, mesmo com essas limitaes, muitas mulheres conseguiram romper
com a violncia e reconstruram suas vidas, livres das agresses, seja por meio de orientao
institucional (Servios da Rede Especializada), ou por meio de suas relaes interpessoais, a exemplo
dos familiares, amigos/as, vizinhos/as, etc.
PERCURSO METODOLGICO
Considerando que esta investigao tem como objetivo geral compreender como se processa
a ruptura das mulheres em relao a violncia na trajetria percorrida na rota crtica e que se pretende
apreender a produo de sentido dos seus discursos, com a finalidade de saber sobre os fatores de
influncia e inibio e as estratgias utilizadas por elas nessa trajetria, a metodologia , ento, de
natureza qualitativa, que consiste em descries detalhadas de situaes com o objetivo de
compreender os indivduos em seus prprios termos (GOLDENBERG, 2011, p. 53).
O mtodo qualitativo fornece uma compreenso profunda de certos fenmenos sociais
apoiados no pressuposto da maior relevncia do aspecto subjetivo da ao social face configurao
das estruturas societais (HAGUETTE, 2000, p. 59). Visa abordar o mundo 'l fora' (e no em
contextos especializados de pesquisa, como os laboratrios) e entender, descrever e, s vezes, explicar
os fenmenos sociais de dentro de diversas maneiras diferentes" (ANGROSINO, 2009, p. 08).
importante situar que nessa pesquisa me coloco na posio de feminista embasada numa
epistemologia feminista ou num projeto feminista de cincia, compreendendo a necessidade de uma
teoria feminista do conhecimento entendendo que no h dvidas de que o modo feminista de pensar
rompe com os modelos hierrquicos de funcionamento da cincia e com vrios dos pressupostos da
pesquisa cientfica (RAGO, 1998, p. 06).
Neste sentido, reitero que nessa investigao considerarei o que Bourdieu (2015) chamou de
objetivao e no objetividade no sentido integral e puro do termo, visto que h por parte dessa
pesquisadora uma inteno de desconstruo do gnero, um interesse epistemolgico e, sobretudo,
uma posio e prtica poltico-cientfica marcada com a inteno de dar voz s mulheres que foram
7
Seminrio Internacional Fazendo Gnero 11 & 13th Womens Worlds Congress (Anais Eletrnicos),
Florianpolis, 2017, ISSN 2179-510X
silenciadas no decorrer da histria e so silenciadas todos os dias por viverem situaes de violncia
domstica e familiar. Ao modo de Rago,
na luta pela visibilidade da questo feminina, pela conquista e ampliao dos seus direitos
especficos, pelo fortalecimento da identidade da mulher, que nasce um contradiscurso
feminista e que se constitui um campo feminista do conhecimento. a partir de uma luta
poltica que nasce uma linguagem feminista. (RAGO, 1998, p. 05)
H que se ressaltar que a pesquisa bibliogrfica sobre o tema em discusso, compreender
todo o percurso de investigao e auxiliar no entendimento dos principais contedos tericos e
metodolgicos, em seus conceitos e categorias analticas abordadas, a saber, feminismo, gnero,
violncia de gnero, polticas para mulheres em situao de violncia, rota crtica, com o objetivo de
fundamentar e tornar consistente esse trabalho.
A operacionalizao desta pesquisa est dividida em trs etapas, a primeira consiste na
realizao de um levantamento de informaes sobre o campo de pesquisa, concebido como lugar
efetivo do trabalho dos pesquisadores, essencialmente o lugar dinmico e dialtico no qual se
elabora uma pratica cientfica que constri objetos de conhecimento (BRUYNE; HERMAN;
SCHOUTHEETE, 1977, p. 28). O portal de entrada dessa pesquisadora em campo para produo de
dados ser a Casa Abrigo Mulher Viva, localizada em Teresina-PI, onde atravs do intermdio
dessa instituio irei identificar 10 (dez) mulheres, maiores de 18 anos, que foram atendidas pela Casa
Abrigo Mulher Viva, no intervalo de tempo de 2012 a 2016, que j se desligaram do servio de
abrigamento e que tenham disponibilidade de narrar suas trajetrias na busca pela superao da
violncia domstica e familiar.
Na segunda etapa, prevista para ser realizada aps o contato e informaes obtidas na Casa
Abrigo, iniciarei junto as participantes da pesquisa (mulheres que passaram pelo servio de
abrigamento), entrevistas individuais em profundidade (MINAYO, 2011; GASKELL, 2002), que
sero orientadas por um roteiro de questes semi-estruturadas, considerando que j se tem
conhecimento sobre o assunto e sobre certas questes que se quer investigar em campo.
Utilizarei a tcnica da entrevista, considerando ser essa a mais adequada para ser aplicada
nesse estudo, visto que permite captar em maiores detalhes o contedo das falas das entrevistadas.
Ter optado pelo tipo semiestruturado visa possibilitar certa flexibilidade do contedo dos relatos, por
parte das entrevistadas como dessa entrevistadora, que pode vir a considerar e inserir algumas falas
que no esto diretamente relacionadas ao assunto investigado, mas que julgar importantes para
anlise. Ir ao campo com certa flexibilidade no nvel de estruturao, permite tambm certo
detalhamento do contedo das falas, no que se refere as questes levantadas, de outro modo
conseguir detalhes muito mais ricos a respeito de experincias pessoais, decises e sequncia das
8
Seminrio Internacional Fazendo Gnero 11 & 13th Womens Worlds Congress (Anais Eletrnicos),
Florianpolis, 2017, ISSN 2179-510X
aes, com perguntas indagadoras a motivaes, em um contexto de informao detalhada sobre
circunstncias particulares da pessoa (GASKELL, 2002, p 78) onde a pesquisadora deve ter em
mente que cada questo precisa estar relacionada aos objetivos de seu estudo (GOLDENBERG,
2011, p. 86).
Farei uso tambm da tcnica da observao participante em dois momentos. O primeiro
ocorrer a partir da conversa com funcionrias da Casa Abrigo (Coordenadora e uma Educadora
Social) a respeito do processo de abrigamento das mulheres, oportunidade em que se observar a
dinmica desse contexto institucional, sua estrutura, funcionamento e atividades direcionadas s
abrigadas. O segundo momento de observao, ser realizado quando da realizao das entrevistas
com as referidas mulheres, a fim de perceber alm das suas falas outros elementos que possam
reforar e/ou complementar os seus discursos e que possam estar presentes na postura corporal,
impostao da voz, gestos, smbolos, enfim, auxiliando para uma maior compreenso e sentido dos
discursos.
Dessa maneira, a observao se resume a uma importante tcnica de coleta de dados,
empreendida em situaes especiais e cujo sucesso depende de certos requisitos que a distingue das
tcnicas convencionais de coleta de dados, tais como o questionrio e a entrevista (HAGUETTE,
2000, p. 69). De acordo com Minayo (2011), a observao participante pode ser definida tambm
como um processo pelo qual um pesquisador se coloca como observador de uma situao social,
com a finalidade de realizar uma investigao cientfica (MINAYO, 2011, p. 70), num sentido
prtico. Farei uso do dirio de campo em todo o processo de pesquisa [...], anotando as prprias
impresses, as mudanas acontecidas, os obstculos e as surpresas do processo de pesquisa
(TERRAGNI, 2005, p. 150).
A terceira etapa desta pesquisa, inclui o trabalho ps-campo, ou seja, a transcrio e
categorizao das falas das entrevistadas visando a anlise ou produo de dados. A transcrio ser
realizada na ntegra, tomando notas no dirio de campo das ideias que vierem mente em termos dos
provveis indicadores, categorias e indcios de provveis anlises e resultados. O tratamento analtico
utilizado na produo de dados ser realizado por meio da anlise de discurso, abordagem terico-
metodolgica da produo de sentidos das prticas discursivas sobre o processo de rompimento do
ciclo de violncia pelas mulheres.
Assim, para compreender as prticas discursivas, considerando as permanncias e as rupturas
no ciclo de vida vivida, utilizarei a tcnica da construo de mapas de associao de ideias que tem
como objetivo sistematizar o processo de anlises das prticas discursivas em busca dos aspectos
9
Seminrio Internacional Fazendo Gnero 11 & 13th Womens Worlds Congress (Anais Eletrnicos),
Florianpolis, 2017, ISSN 2179-510X
formais da construo lingustica [...] constituindo-se instrumentos de visualizao que tm um
duplo objetivo: dar subsdios ao processo de interpretao e facilitar a comunicao dos passos
subjacentes ao processo interpretativo (SPINK e LIMA, 2000, p. 107).
Partindo desse tratamento analtico, cada entrevista ser analisada individualmente,
organizada atravs de uma tabela com um nmero de colunas correspondente s categorias a serem
utilizadas [...] transferindo o contedo do texto para as colunas, respeitando a sequncia do dilogo
(SPINK e LIMA, 2000, p. 108). Com o quadro pronto, em efeito escada, farei a leitura vertical e
horizontal, construindo as formas discursivas num processo de interanimao, verificando e
refletindo sobre os objetivos da pesquisa. As anotaes do dirio de campo tambm so analisadas
juntamente com as informaes advindas das entrevistas no sentido de contraposio, confirmao
ou complementao das entrevistas.
Devido a relevncia social desta investigao, irei buscar atingir o mximo de benefcios, por
meio dos resultados da pesquisa, assim como, o mnimo de danos e riscos, utilizando procedimentos
que assegurem a confidencialidade e a privacidade de todas as informaes coletadas, tendo em vista
que esta investigao empregar tcnicas que no realiza nenhuma interveno, modificao
intencional ou que seja invasiva na realidade social dos indivduos que participam da pesquisa.
CONSIDERAES FINAIS
Diante do fenmeno da violncia domstica e familiar, vrias aes vm se desenvolvendo no
sentido de tornar visvel o tema da violncia contra as mulheres, tendo sido protagonizado pelo
Movimento de Mulheres e Movimento Feminista no Brasil e mundo afora, e as polticas existentes
no mbito do poder pblico fruto de toda essa mobilizao social. O percurso seguido pelas
mulheres para a garantia de direitos longo, no entanto, tambm longa a persistncia e luta das
mulheres na busca do reconhecimento de sua cidadania.
Acredita-se que essas mulheres que esto na rota crtica, possuem trajetrias complexas que
foram trilhadas nos mais diversos servios especializados e no-especializados, entretanto a escolha
por essas mulheres que fizeram parte do servio de abrigamento e atualmente se encontram
desligadas, deve-se ao fato desse servio estar supostamente no final da reta de rompimento das
mulheres em relao a violncia sofrida, ou seja, supostamente uma das portas de sada.
No entanto, mesmo com todas as limitaes, possvel perceber a partir das primeiras
imerses no campo de pesquisa que muitas mulheres conseguiram romper com a violncia e
reconstruram suas vidas, seja por meio de orientao institucional (Servios da Rede Especializada),
10
Seminrio Internacional Fazendo Gnero 11 & 13th Womens Worlds Congress (Anais Eletrnicos),
Florianpolis, 2017, ISSN 2179-510X
seja por meio de suas relaes interpessoais, como por exemplo, os familiares, amigos/as, vizinhos/as,
etc.
Mediante o exposto e considerando que este trabalho de investigao fruto do meu projeto
de pesquisa do Mestrado em Sociologia da Universidade Federal do Piau, infelizmente ainda no
possuo resultados, pois esta pesquisa est em andamento. Todavia, este trabalho se apresenta numa
perspectiva de expor algumas reflexes tericas sobre os estudos de gnero, violncia domstica e
familiar e, em especial, sobre as rotas crticas, os ciclos de violncia e sua ruptura.
Contudo, esta investigao tem como proposio tambm dar "voz" a essas mulheres que
foram silenciadas e que finalmente esto conseguindo ressignificar suas vidas, reconquistando suas
identidades, reconhecendo-se como protagonistas na retomada de seus caminhos. Assim, as mulheres
deixam de ser aquelas de quem se fala e passam a ser aquelas que falam por si mesmas, a partir de
suas trajetrias de vidas, vivncias, percepes de mundo e, sobretudo, perspectivas de futuro.
REFERNCIAS
ANGROSINO, Michael. Etnografia e observao participante. Porto Alegre: Artmed, 2009.
BONETTI, Alinne; PINHEIRO, Luana; FERREIRA, Pedro. Violncia contra as mulheres e direitos
humanos no Brasil: uma abordagem a partir do Ligue 180. Paper. Anais Fazendo Gnero 8
Corpo, Violncia e Poder. Florianpolis, 25-28/ago., p. 1-21, 2016.
BOURDIEU, Pierre. A dominao masculina. Traduo de Maria Helena Khner. 10 edio. Rio
de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.
__________. Ofcio do socilogo: metodologia da pesquisa na sociologia. Pierre Bourdieu, Jean-
Claude Chamboredon, Jean-Claude Passeron; traduo de Guilherme Joo de Freitas Teixeira. 8
ed. Petrpolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2015.
BRUHN, Marlia Meneghetti; LARA, Lutiane de. Rota crtica: a trajetria de uma mulher para
romper o ciclo da violncia domstica. Revista Polis e Psique, v. 6, n. 2, p. 70-86, 2016.
BRUYNE, P.; HERMAN, J.; SCHOUTHEETE, M. Dinmica da pesquisa em Cincias Sociais: os
polos da prtica metodolgica. Traduo de Ruth Joffly, prefcio de Jean Ladrire. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 1991.
DUTRA, Maria de Lourdes; PRATES, Paula Licursi; NAKAMURA, Eunice; & VILLELA, Wilza
Vieira. A configurao da rede social de mulheres em situao de violncia domstica. Cincia &
Sade Coletiva, 18(5). 2013. p. 1293-1304.
GASKELL, George. Entrevistas individuais e grupais. In.: BAUER, Margin W.; GASKELL,
George. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prtico. Petrpolis, RJ: Vozes,
2002, p. 64-89.
11
Seminrio Internacional Fazendo Gnero 11 & 13th Womens Worlds Congress (Anais Eletrnicos),
Florianpolis, 2017, ISSN 2179-510X
GOLDENBERG, Mirian. A arte de pesquisar: como fazer pesquisa qualitativa em cincias sociais.
12 Edio. Rio de Janeiro: Record, 2011.
HAGUETTE, Teresa Maria Frota. Metodologias qualitativas na sociologia. 7 Edio. Petrpolis,
Editora Vozes, 2000.
MENEGHEL, Stela Nazareth et al. Rotas crticas de mulheres em situao de violncia:
depoimentos de mulheres e operadores em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Caderno Sade
Pblica, Vol. 27, N 4 (2011), p. 743-752, 2011.
MINAYO, Maria Ceclia de Souza. Trabalho de campo: contexto de observao, interao e
descoberta. In: __________ (Org.). Pesquisa social: teoria, mtodo e criatividade. 30. ed.
Petrpolis, RJ: Vozes, 2011.
PASINATO, Wnia. Femicdios e as mortes de mulheres no Brasil. Cadernos Pag (37), jul-dez,
2011, p. 219-246.
RAGO, Margareth. Epistemologia feminista, gnero e histria. In: PEDRO, Joana M.; GROSSI,
Miriam (orgs). Masculino, Feminino, Plural: Gnero na Interdisciplinaridade. Florianpolis:
Editora Mulheres, 1998.
ROCHA, Lourdes de Maria Leito Nunes. Violncia conjugal: os difceis caminhos de ruptura. In:
Casas-abrigo: no enfrentamento da violncia de gnero. So Paulo: Veras Editora, 2007.
SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. Gnero, patriarcado, violncia. So Paulo: Editora Fundao
Perseu Abramo, 2004. (Coleo Brasil Urgente)
SAGOT, Montserrat. La ruta crtica de las mujeres afectadas por la violencia intrafamiliar en
Amrica Latina: estudios de caso de diez pases. Organizacin Panamericana de la Salud (OPAS) /
Programa Mujer, Salud y Desarrollo, 2000.
SCOTT, Joan Wallach. Gnero: uma categoria til de anlise histrica. Educao & Realidade.
Porto Alegre, vol. 20, n 2, jul./dez. 1995, pp. 71-99.
SILVEIRA, Lenira Politano. Servios de atendimento a mulheres vtimas de violncia. In: DINIZ,
G. S. Diniz; SILVEIRA, L. P.; & MIRIM, L. A. (Orgs.). Vinte e cinco anos de respostas brasileiras
em violncia contra a mulher (1980-2005): alcances e limites. So Paulo: Coletivo Feminista,
Sexualidade e Sade, 2006.
SOARES, Brbara. Enfrentando a violncia contra a Mulher. Secretaria Especial de Polticas para
as Mulheres. Presidncia da Repblica: Braslia, 2005.
SPINK, Mary Jane P.; LIMA, Helena. Rigor e visibilidade: a explicitao dos passos da
interpretao. In: SPINK, M. J. (Org.). Prticas discursivas e produo dos sentidos no cotidiano:
aproximaes tericas e metodolgicas. So Paulo: Cortez, 2000, p. 93-122.
STREY, Marlene Neves. Violncia de gnero: uma questo complexa e interminvel. In: STREY,
Marlene Neves; AZAMBUA, Mariana P. Ruwer de; JAEGER, Fernanda Pires (orgs.). Violncia,
Gnero e Polticas Pblicas. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004.
12
Seminrio Internacional Fazendo Gnero 11 & 13th Womens Worlds Congress (Anais Eletrnicos),
Florianpolis, 2017, ISSN 2179-510X
TAVARES, Fabrcio Andr e PEREIRA, Gislaine Cristina. Reflexos da dor: contextualizando a
situao das mulheres em situao de violncia domstica. Revista Virtual Textos & Contextos, n
8, dez. 2007.
TERRAGNI, Laura. A pesquisa de gnero. In: MELUCCI, Alberto. Por uma sociologia reflexiva:
pesquisa qualitativa e cultura. Traduo de Maria do Carmo Alves do Bonfim. Petrpolis, RJ:
Vozes, 2005.
WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violncia 2015: Homicdio de Mulheres no Brasil. Flacso,
ONU Mulheres, OPAS/OMS, Secretaria de Polticas para as Mulheres. 1 Edio, Braslia-DF,
2015.
Women in situations of domestic and family violence at risk of death: reflections on the process
of breaking the cycle of violence in teresina-pi
Abstract: Domestic and family violence against women is a serious universal problem that affects
thousands of women in a variety of ways. It is permeated by aspects that shape the relations between
the sexes and which provide women with a situation of vulnerability or risk of violence. The
confrontation of violence requires a link between the various segments of society, that is, the
executive, legislative and judicial branches, social movements and society in general. Often when the
theme of violence against women is addressed, the discourse of women as a victim of violence
becomes explicit, but the issue of women's empowerment has not yet made sense and meaning so that
they can break the cycle of violence and, consequently, find alternatives for the reconstruction and
resignification of their lives. This research intends to understand how these women who were treated
by Casa Abrigo "Mulher Viva" managed to break the cycle of violence, considering that they are very
complex cyclical processes, full of comings and goings. However, this work has as a proposal also to
give "voice" to these women who have been silenced and who, finally, are being able to resignify
their lives, being no longer those of whom one speaks and they become the ones that speak for
themselves, from of their trajectories of lives, experiences, perceptions of the world and, above all,
perspectives of the future.
Keywords: Gender, Domestic violence, Cycle of violence, Reconstruction.