Multilinguismo - Eduardo Guimarães

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  • 7/24/2019 Multilinguismo - Eduardo Guimares

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    Eduardo Guimares

    Multilingismo,

    divises da lngua e

    ensino no Brasil

    Linguag

    emeletramento

    emfoco

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    Eduardo Guimares

    Doutor em Letras pela USP

    Professor Titular de Semntica do Departamento de

    Lingstica do IEL/Unicamp

    Multilingismo,

    divises da lngua eensino no Brasil

    Linguagem e letramento em foco

    Lngua portuguesa

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    MINISTRIO DA EDUCAO

    Presidente: LUIS INCIO LULA DA SILVA

    Ministro da Educao: TARSO GENRO

    Secretrio de Educao Bsica: FRANCISCO DAS CHAGAS FERNANDES

    Diretora do Departamento de Polticas da Educao

    Infantil e Ensino Fundamental: JEANETE BEAUCHAMP

    Coordenadora Geral de Poltica de Formao: LYDIA BECHARA

    Cefiel - Centro de Formao de Professores do Instituto de Estudos da Linguagem*

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    Coordenao da coleo: Angela B. Kleiman

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    Projeto grfico, edio de arte e diagramao: A+ comunicao

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    * O Cefiel integra a Rede Nacional de Centros de Formao Continuadado Ministrio da Educao.

    Impresso em setembro de 2005.

    Cefiel/IEL/Unicamp, 2005-2010

    proibida a reproduo desta obra sem a prvia autorizao dos detentores dos direitos.

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    Introduo/ 5

    Lnguas e espao de enunciao/ 8

    O espao de enunciao brasileiro/ 13

    Lnguas do Brasil, civilizao e cultura/ 16

    A diversidade do Portugus do Brasil/ 19

    Concluso/ 26

    Apndice I

    O Portugus como lngua nacional do Brasil Um parecer de eru-

    ditos/ 29

    Deslizamento enunciativo e performatividade / 29

    Argumentos para uma lngua nacional / 31Concluso / 37

    Apndice II

    Denominao do idioma nacional do Brasil O Parecer/ 39

    Breve retrospecto histrico / 40

    Consideraes lingsticas / 41

    Concluso / 44

    Bibliografia/ 45

    Sumrio

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    .5 .

    Introduo

    Como falantes do portugus no Brasil, e mesmo como profes-

    sores, estamos, de algum modo, envoltos numa certeza: o

    Brasil tem uma lngua: o portugus do Brasil. No estou dizendo

    que no saibamos que no Brasil existem diversos povos indge-

    nas que falam suas lnguas, que o Brasil um pas que recebeugrande quantidade de imigrantes que para c vieram com suas

    lnguas etc. O que estou dizendo que funcionamos, como falan-

    tes e como professores, como se o portugus fosse a lngua do

    Brasil, independentemente das condies com que o portugus

    do Brasil convive na histria e geografia brasileiras.

    O que pretendo neste texto discutir aspectos ligados ao por-

    tugus do Brasil, levando decisivamente em conta que este umpas multilnge.

    H um outro aspecto que funciona paralelamente a esse e

    que (em geral) tomado de uma maneira (s vezes) at mais

    automtica. Se considerarmos s a questo da lngua portugue-

    sa, tanto como falantes quanto como professores, funcionamos

    por algo que nos parece, agora sim, uma certeza: a lngua portu-

    guesa una e falada por todos os brasileiros como uma lngua

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    nica. a partir dessa certeza que, como professores, nos vemos

    na posio de corrigir o que escrevem nossos alunos, e o que ns

    mesmos escrevemos. O que estou dizendo no que no deva-

    mos interferir nos textos de nossos alunos. Estou, sim, dizen-do que essa atitude didaticopedaggica no deveria estar deter-

    minada por aquela certeza a que h pouco me referi. At porque

    o portugus no uma lngua una, como nenhuma lngua una.

    A lngua portuguesa, como qualquer outra, dividida de diversos

    modos.

    O objetivo deste texto discutir, a partir de uma posio his-

    trica, a questo da poltica das lnguas e propor, ao final, umadireo no sentido de termos elementos orientadores da ao do

    professor para que ele possa lidar adequadamente com esse con-

    junto de aspectos.

    Antes de passarmos frente, gostaria de lembrar que o que

    trato aqui como diviso da lngua tratado de outros modos, de um

    lado pela sociolingstica e de outro pela lings-

    tica histrica. A sociolingstica, de sua parte,

    considera que uma lngua varivel, ou seja, faz

    parte de qualquer lngua o que essa disciplina

    considera a variao das formas lingsticas.

    Essa variao determinada pelas diferenas

    sociais entre os diversos grupos sociais, caracte-

    rizados por aspectos como nvel de escolaridade,

    idade, sexo, condies econmicas e outros.

    Essas variaes podem tambm ser de carter

    regional. A lingstica histrica considera que

    uma lngua muda no tempo. Essa mudana no

    se d de modo homogneo, notadamente porque

    uma lngua convive com outras lnguas, em

    momentos diferentes e em lugares diferentes.Isso resulta em transformaes da lngua em direes diversas.

    .6 .

    Sociolingstica. Disciplinalingstica que tem como

    objeto o estudo da variao

    lingstica. Essa variao

    pode ser regional (no espa-

    o), social (entre grupos

    sociais diferentes), de gera-

    o (diferenas na lngua de

    falantes de idades diferen-

    tes), de gnero (diferenasna lngua de falantes de

    sexos diferentes). Um outro

    aspecto tambm considera-

    do o que se costuma cha-

    mar de variao estilstica,

    como a que h entre a lin-

    guagem oral e a linguagem

    escrita, por exemplo.

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    Diante de aspectos como os tratados na

    forma anteriormente colocada, tomamos uma

    posio que dela se diferencia. Para minha posi-

    o, segundo a qual uma lngua se divide, ouseja, sempre dividida, esta no-homogeneida-

    de da lngua pode ser tratada enunciativamente, como veremos a

    seguir, e esse tratamento enunciativo, por sua vez, necessaria-

    mente poltico. Ou seja, o que esta posio considera que os

    aspectos polticos envolvidos no so acrescidos lngua por

    razes sociais. Para minha posio, o que de social determina

    esse funcionamento das lnguas parte do prprio funcionamen-to. Em outras palavras, as lnguas funcionam politicamente e isso

    as divide. Para melhor colocao desses aspectos, passemos

    caracterizao do que chamo espao de enunciao.

    .7 .

    Lingstica histrica. Disci-

    plina lingstica que se

    ocupa das mudanas que

    sofrem as lnguas no decor-rer do tempo.

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    . 8 .

    Lnguas e espao de enunciao

    Inicialmente o espao de enunciao pode ser definido como o

    espao de relaes entre lnguas diversas e seus falantes.

    Enquanto falantes, estamos todos, no dia-a-dia, afetados pela

    linguagem. Falando (e escrevendo), nos comunicamos com pes-

    soas, seja nas relaes pessoais ou nas relaes profissionais; fala-

    mos das coisas que nos cercam, pelos mais diversos interesses; dis-

    cutimos assuntos pessoais, pblicos e polticos, tentando convencer

    nossos interlocutores de nossas posies; relacionamo-nos afetiva-

    mente; refletimos sobre as mais variadas coisas; fazemos literatura

    e tantas outras coisas... Toda essa diversidade de funcionamento

    das lnguas tem sido, no decorrer da histria da humanidade, tratada

    de modo normativo, filosfico, cientfico, mstico.

    Um aspecto histrico do funcionamento das lnguas que elas

    funcionam sempre em relao a outras lnguas. Por outro lado, as

    lnguas so sempre divididas e por isso que se tornam, histori-

    camente, outras.

    No Brasil o conhecimento sobre a lngua portuguesa teve um

    papel muito particular na segunda metade do sculo XIX. Naquelemomento, e principalmente na dcada de 1880, como parte de um

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    movimento intelectual que procurava constituir o pensamento bra-

    sileiro afastando-o da influncia nica de Portugal, os estudos

    sobre o portugus no Brasil fizeram parte de um movimento que

    procurou estabelecer a diferena entre o portugus do Brasil e o dePortugal e teve, assim, papel decisivo na constituio da naciona-

    lidade brasileira. Esses estudos tomaram a

    forma especfica de gramticas e dicionrios

    brasileiros e, na forma de um conhecimento des-

    critivo e normativo, fizeram parte da constituio

    de nosso imaginrio de lngua nacional para o

    Brasil. Em outras palavras, as gramticas e dicio-nrios brasileiros produzidos por brasileiros,

    mesmo que no marcassem diferenas especficas entre o portu-

    gus do Brasil e o de Portugal, funcionaram como uma forma de a

    recm-constituda nao brasileira se apropriar de uma lngua

    como sua e demonstrar conhecimento sobre ela, independente-

    mente do que os gramticos portugueses dela falavam. Isso

    marcado, naquele momento, por uma crtica generalizada dos gra-

    mticos brasileiros ao pensamento dominante aqui por influncia

    de Portugal, representado principalmente pela Gramtica Filosfica

    de Jernimo Soares Barbosa.

    As lnguas so afetadas, no seu funcionamento, por condies

    histricas especficas. Um aspecto fundamental nessas condies

    que elas funcionam sempre em relao a outras lnguas. E elas

    se dividem sempre e por isso que se tornam, historicamente,

    outras. Em outras palavras, pelo fato de funcionarem sempre em

    relao com outras lnguas, as lnguas se modificam, tornando-se

    outras em dois sentidos, pelo menos: ou se tornam outras lnguas,

    como o que ocorreu, por exemplo, com o latim, que acabou por se

    transformar nas diversas lnguas latinas, como o portugus, o

    espanhol etc., ou se tornam outras porque, mesmo sendo ainda amesma lngua (o portugus, por exemplo), j no so exatamente

    . 9 .

    Veja, sobre esse assun-

    to, entre outros, Gui-

    mares e Orlandi (orgs.),

    (1996); Orlandi (org.),

    (2001); Orlandi e Guimares

    (orgs.), (2002); Orlandi,(2002) e Guimares (2004).

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    a mesma, porque dividiram suas formas, suas expresses, seus

    modos de dizer de um modo no existente at um certo momen-

    to. Podemos, por exemplo, pensar em situaes muito particulares

    para exemplificar isso. Consideremos o fato de que na histria daformao da cidade de Londrina, no norte do Paran, pessoas de

    diversas regies do Brasil passaram a conviver cotidianamente

    num mesmo lugar. Isso, por si, pode levar a existir naquela regio

    uma nova diviso do portugus at ento inexistente. Assim, o por-

    tugus do Brasil, que j era dividido pelas diferenas nas diversas

    regies do pas, passa a ter uma nova diviso. E em virtude dessa

    nova diviso, o portugus do Brasil, mesmo sendo ainda o portu-gus do Brasil, passa a ser outro, passa a ser diferente.

    Isso mostra a necessidade de considerar os aspectos sociais

    prprios do funcionamento das lnguas. Para tratar deste aspec-

    to, vou apresentar o conceito de espao de enunciao. Para

    mim, as lnguas funcionam segundo o modo de

    distribuio para seus falantes, ou seja, lnguas

    no so objetos abstratos que um conjunto de

    pessoas em algum momento decide usar. Ao

    contrrio, so objetos histricos e, enquanto tais, esto relacio-

    nadas queles que as falam. No haveria lngua portuguesa sem

    falantes dessa lngua. Por sua vez, a existncia das pessoas

    est sempre relacionada ao fato de que elas falam tal lngua e

    de tal modo. O espao de enunciao o lugar da atribuio das

    lnguas para seus falantes. E cada espao de enunciao tem

    uma regulao histrica especfica, ou seja, distribui as lnguas

    que estejam em relao em condies histricas especficas, de

    um modo particular.

    Com esse tipo de considerao, colocamos no centro de inte-

    resse um aspecto fundamental do funcionamento das lnguas:

    elas esto constitutivamente ligadas ao processo de identificaosocial dos grupos humanos, ou seja, como disse anteriormente, as

    . 10 .

    Sobre o conceito de

    espao de enuncia-

    o, veja tambm Guima-

    res (2002).

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    lnguas no so abstratas e as pessoas sempre falam uma lngua

    e de um certo modo. Em outras palavras, as pessoas no falam

    uma lngua sempre do mesmo modo. E essas diferenas entre

    como as lnguas constituem seus falantes fazem parte do proces-so social de identificao dos sujeitos. importante considerar

    aqui que esse processo de identificao aponta para o fato de que

    as identidades so, elas tambm, histricas e no podem se redu-

    zir a uma marca de origem que deve ser mantida necessariamen-

    te para sempre.

    Tal como fiz em Guimares, 2005, para falar dessa distribui-

    o das lnguas para seus falantes, vou considerar aqui algumascategorias normalmente usadas de modo tcito e no-definido

    (como se fossem evidentes para todos e do mesmo modo). Vou

    apresentar cada uma das categorias e dar a elas uma definio

    provisria, cuja compreenso pode ser desenvolvida melhor em

    outra ocasio.

    P Lngua materna: a lngua cujos falantes a praticam pelo fatode a sociedade em que nascem a praticar; nessa medida ela

    , em geral, a lngua que se apresenta como primeira para

    seus falantes.

    P Lngua franca: aquela que praticada por grupos de falan-

    tes de lnguas maternas diferentes, e que so falantes dessa

    lngua para o intercurso comum.

    P Lngua nacional: a lngua de um povo, enquanto lngua que

    o caracteriza, que d a seus falantes uma relao de perten-

    cimento a esse povo.

    P Lngua oficial: a lngua de um Estado, aquela que obriga-

    tria nas aes formais do Estado, nos seus atos legais.

    Pode-se ver que as duas primeiras categorias lngua mater-na e lngua franca tratam das relaes cotidianas entre falan-

    . 11 .

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    tes; as duas seguintes lngua nacional e lngua oficial , de

    suas relaes imaginrias (ideolgicas) e institucionais.

    Relativamente s definies acima, o espao de enunciao

    o modo de distribuir as lnguas que esto em relao. Ou seja, aquesto qual o lugar da lngua materna para seus falantes, ou

    o da lngua nacional, assim como o da lngua oficial. E essa distri-

    buio sempre marcada por uma desigualdade politicamente

    construda, ou seja, a distribuio dessas lnguas para seus falan-

    tes constitui uma hierarquia entre elas e atribui um sentido para

    essa hierarquia. Se temos, por exemplo, num determinado espao

    de enunciao, diversas lnguas maternas e uma lngua oficial,elas tomam seus falantes cada uma a seu modo. No caso do

    Brasil, por exemplo, uma tribo indgena em que a lngua do cotidia-

    no a lngua indgena, essa ser a lngua materna e a lngua ofi-

    cial ser o portugus. E esses ndios, enquanto falantes, tero

    com a lngua indgena uma relao e com o portugus, outra.

    . 12 .

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    . 13 .

    O espao de enunciao

    brasileiro

    Oespao de enunciao do Brasil tem suas particularidades.

    Nele funcionam o portugus lngua oficial e nacional as

    lnguas indgenas e as lnguas de imigrao (para os efeitos destaexposio, vou desconsiderar a questo especfica das lnguas de

    fronteira e o funcionamento localizado do que permaneceu das

    lnguas africanas). Esse espao se constituiu como resultado de

    histrias muito particulares que produzem diferenas importan-

    tes. Temos, no caso do Brasil, a histria da rela-

    o entre o portugus e as lnguas indgenas,

    da relao entre o portugus e as lnguas africa-nas, e da relao entre o portugus e as lnguas

    de imigrao.

    Historicamente podemos considerar que no perodo que vai de

    1532, incio efetivo da colonizao portuguesa do Brasil, at

    1654 (sada dos holandeses), o espao de enunciao brasileiro

    era constitudo pelas lnguas indgenas, pelo portugus (lngua ofi-

    cial do Estado portugus), pelas lnguas africanas dos escravos,

    Esta questo tem si-

    do objeto de ateno

    da Enciclopdia das lnguas

    do Brasil:

    www.labeurb.unicamp.br/elb

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    pelo holands (lngua da colnia holandesa no Nordeste) e pelas

    lnguas gerais (de base tupi). Estas ltimas eram lnguas francas,

    ou seja, lnguas que eram praticadas entre povos cujas lnguas

    maternas eram outras. As lnguas gerais eram praticadas entreindgenas e portugueses, entre povos indgenas de lnguas dife-

    rentes etc.

    Com a sada dos holandeses o espao de enunciao se modi-

    fica, pois desaparece uma lngua europia de colonizao, o holan-

    ds. Ao mesmo tempo, Portugal comea a desenvolver aes

    muito especficas para impor o portugus como a lngua dominan-

    te no Brasil. O prprio processo de colonizao, com a vinda parao Brasil de um nmero crescente de portugueses, parte desse

    processo. Ao lado disso, h aes normativas, como aquela esta-

    belecida pelo Marqus de Pombal, atravs do Diretrio dos ndios

    (de 1757), que proibia o uso de lnguas indgenas portanto, as

    lnguas gerais em territrio brasileiro. Isso levou ao declnio das

    lnguas gerais, e o portugus, que j era, desde o incio, a lngua

    oficial, passou a ser a mais falada no Brasil.

    Uma nova mudana do espao de enunciao brasileiro se con-

    solida com a vinda da Famlia Real para o Brasil. Com ela vieram

    para o Rio de Janeiro aproximadamente 15.000 portugueses. A

    isso se acresce o fato de o Brasil ter passado a ser a sede do

    Imprio Portugus, o que deu lngua portuguesa um elemento de

    poder muito particular. O portugus tornou-se, ento, a lngua da

    capital do Imprio, e o Rio de Janeiro teve um aumento significati-

    vo de falantes portugueses vindos com o Rei. Alm disso, como

    sabemos, nessa ocasio foram criadas duas instituies culturais

    decisivas para o Brasil: a Biblioteca Nacional e a Imprensa, que

    ser, oficialmente, em lngua portuguesa.

    A partir da independncia do Brasil, se d ainda um novo qua-

    dro. De um lado, a lngua oficial do Estado portugus (o Brasil atento era colnia de Portugal), enquanto lngua mais falada do

    . 14 .

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    Brasil, assume o carter de lngua nacional do Brasil. No prprio

    parlamento brasileiro, decide-se que o ensino da lngua deve ser

    no Brasil atravs do uso da gramtica da lngua nacional. Utiliza-

    se o nome lngua nacional como forma de no nomear a lnguada nova Nao pelo nome do antigo colonizador. Esse fato espe-

    cialmente importante porque uma das formas fundamentais de

    indicao de pertencimento de um povo a uma nao era, segun-

    do as posies do sculo XIX, a relao desse povo com sua ln-

    gua. Havia uma relao imaginria, que hoje permanece, mas j

    abrandada, constitutiva da nacionalidade: um povo / uma nao /

    uma lngua. Assim, a partir da Independncia do Brasil, em 1822,a nova nao buscava marcar sua identidade poltica especfica. E

    segundo a relao povo / nao / lngua, a Nao Brasileira deve-

    ria ter uma lngua que fosse sua e que fizesse parte do que a iden-

    tificasse. nessas condies que se pe a discusso da especi-

    ficidade da lngua do Brasil e que se passa a falar em Lngua

    Nacional, como o nome da lngua da Nao

    Brasileira. Essa era uma forma de contornar, no

    processo de nomeao, o embate entre dois ou-

    tros nomes: Lngua Portuguesa, de um lado, e

    Lngua Brasileira, de outro.

    Assim, o portugus do Brasil passa a ser no

    s a lngua oficial, mas tambm a lngua nacio-

    nal. E, como tal, manter relaes, freqente-

    mente conflituosas, com as lnguas indgenas e

    tambm a partir do momento em que cres-

    cem as imigraes para o Brasil com as ln-

    guas dos imigrantes.

    . 15 .

    Sobre o debate emtorno dos nomes da

    lngua do Brasil, veja Dias

    (1996).

    Sobre este assunto,

    veja tambm o volume

    Lnguas estrangeiras noBrasil.Histria e histrias, de

    Carmen Zink Bolognini, nio

    de Oliveira e Simone

    Hashiguti, nesta coleo.

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    . 16 .

    Lnguas do Brasil,

    civilizao e cultura

    Na histria das Constituies brasileiras a questo da lngua

    nacional aparece pela primeira vez na Constituio de 1946,

    que estabelece a obrigao do governo de constituir uma comis-

    so de especialistas que decidisse sobre o nome da lngua nacio-nal (veja Apndice II, no final deste livro). Essa comisso termina

    seu parecer concluindo que O idioma nacional do Brasil a

    Lngua Portuguesa (Silveira, 1960: 293). Essa concluso, tal

    como mostrei em Guimares (2000), sustenta-se decisivamente

    no argumento de que termos como lngua o portugus garante que

    somos um povo civilizado:

    Essa denominao, alm de corresponder verdade dos fatos, tem

    a vantagem de lembrar, em duas palavras Lngua Portuguesa ,

    a histria da nossa origem e a base fundamental de nossa formao

    de povo civilizado.

    Silveira, 1960: 293.

    Um outro aspecto correlacionado, que poderia ser citado, que

    o Parecer tambm usa, no corpo do texto, a favor do nome LnguaPortuguesa, o argumento de que os instrumentos de gramatizao

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    (gramticas, dicionrios, descries) tomam a

    lngua portuguesa do Brasil e a de Portugal como

    a mesma, concluindo, a partir disso, que ela a

    mesma. Esse modo de argumentar mostracomo, na histria da gramatizao, os instru-

    mentos lingsticos, como gramticas e dicion-

    rios, so tomados como partes constitutivas da

    lngua. Gramticas e dicionrios no s falam

    sobre a lngua, descrevendo-a, normatizando-a, mas tambm pas-

    sam a fazer parte de seu prprio funcionamento.

    Vemos, assim, formulada a relao entre o portugus, o Brasile o valor da civilizao, que a aparece no seu sentido de valor

    nico para o desenvolvimento da histria do homem. O Parecer

    conclui que o nome da lngua nacional do Brasil Lngua

    Portuguesa, a partir do carter civilizado da lngua portuguesa.

    Isso ope o portugus s demais lnguas brasileiras (refiro-me s

    lnguas indgenas), lanadas, por oposio, na categoria de lnguas

    de povos primitivos. interessante observar como esse Parecer

    mobiliza a categoria do civilizado tal como o pen-

    samento de diversos lingistas brasileiros da

    poca, como Silva Neto, Lima Coutinho, Silveira

    Bueno e outros.

    Se continuamos na observao das constituies brasileiras,

    veremos que a Constituio de 1988 traz uma novidade: pela primei-

    ra vez se formula a questo da lngua oficial do Estado e tambm

    pela primeira vez se formula a questo das lnguas indgenas. A for-

    mulao sobre a lngua oficial se d no Ttulo II (Dos Direitos e

    Garantias Fundamentais), no seu Captulo III (Da Nacionalidade).

    O artigo 13 diz: A lngua portuguesa o idioma oficial da Repblica

    Federativa do Brasil. Assim a lngua portuguesa formulada como

    lngua oficial e significada como lngua nacional, mantendo o efeitode sobreposio de lngua oficial e lngua nacional.

    . 17 .

    Gramatizao. Processo

    que se caracteriza pelo

    desenvolvimento de duas

    tecnologias (instrumentosgramaticais): a gramtica e

    o dicionrio. Sobre esse

    conceito, veja tambm

    Auroux (1994).

    Veja tambm, sobre

    esse assunto, Gui-

    mares (2004a).

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    A formulao sobre as lnguas indgenas se d no Ttulo VIII

    (Da Ordem Social), no Captulo VIII (Dos ndios). No artigo 231

    o Estado reconhece aos ndios sua organizao, costumes, ln-

    guas, crenas e tradies.Aqui vemos como a questo das lnguas ind-

    genas se formula como uma questo relativa

    cultura (no sentido antropolgico) dos ndios. Se

    a lngua portuguesa uma lngua civilizada, as

    lnguas indgenas so lnguas de cultura. O efei-

    to de lngua primitiva no se desfaz.

    Dessa maneira, o modo como se qualificam,ou seja, como se predicam as lnguas na hist-

    ria constitucional consolida formalmente o car-

    ter primitivo das lnguas indgenas, e assim reitera o modo de

    distribuio dessas lnguas no espao de enunciao brasileiro.

    . 18 .

    Veja tambm, nesta

    coleo, os volumes

    O ndio, a leitura e a escrita.

    O que est em jogo?, de

    Marilda do Couto Cavalcanti

    e Terezinha de Jesus M.

    Maher, e Lnguas indgenas

    precisam de escritores? Co-

    mo form-los?, de Wilmar da

    Rocha DAngelis.

  • 7/24/2019 Multilinguismo - Eduardo Guimares

    20/49

    . 19 .

    A diversidade do portugusdo Brasil

    necessrio considerar uma outra diviso prpria do espao deenunciao brasileiro: uma lngua, ao funcionar, se divide emdecorrncia de sua relao com seus falantes. No espao deenunciao, os falantes no so tomados enquanto indivduos psi-

    cologicamente. O falante no um indivduo que escolhe sua ln-

    gua. Os falantes so caracterizados histrico-socialmente pelo

    modo como so tomados pelas lnguas e suas divises, e que

    nesta medida se distinguem lingisticamente. Consideremos a ln-

    gua portuguesa do Brasil desse ponto de vista.

    Enquanto lngua do Estado e lngua nacional, o portugus dispede instrumentos especficos de organizao do espao de enuncia-

    o: a Escola, a gramtica e o dicionrio. A estes se junta de manei-

    ra decisiva, hoje, a mdia. Essas instrumentaes da lngua traba-

    lham incessantemente sua diviso entre o correto e o errado. E o

    que essa distribuio desigual faz com os falantes? Produz duas

    ordens de diviso social da lngua no seu funcionamento: de um

    lado uma diviso vertical e, de outro, uma diviso horizontal.

  • 7/24/2019 Multilinguismo - Eduardo Guimares

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    A diviso vertical produz uma distino entre duas variedades

    da lngua (que vou aqui chamar de registros): o registro formal e o

    registro coloquial, sendo, especialmente este segundo, subdividi-

    do de diversos modos. O primeiro a lngua escrita dos documen-tos oficiais, dos textos da mdia, da cincia, da literatura e de ou-

    tros gneros correlatos. O segundo a lngua praticada no dia-a-

    dia e tem divises muito variadas. Podemos considerar, de acordo

    com as descries geralmente feitas pelos lingistas, duas subdi-

    vises: a lngua coloquial de pessoas de alta escolaridade e a ln-

    gua coloquial de pessoas de pouca escolaridade. a diferena

    entre, por exemplo, a lngua coloquial de estudantes universitrios,professores, profissionais liberais etc. e a lngua coloquial de pes-

    soas de pouca escolaridade, comum na periferia das cidades, nas

    regies rurais etc.

    A diviso horizontal produz uma distino entre variedades que

    em geral so chamadas de dialetos ou de falares. No Brasil no

    h ainda, a partir dos estudos mais recentes da lingstica, uma

    descrio global dessas diferentes divises. Por isso, vou usar

    aqui a classificao dos falares de Antenor Nascentes, correndo

    os riscos relacionados s imprecises nela contidas. Para

    Nascentes, h no Brasil sete falares: amaznico, nordestino, baia-

    no, mineiro, fluminense, sulista e incaracterstico.

    A apresentao dessas divises da lngua levaria a pensar que

    elas funcionam em igualdade de condies em uma sociedade

    especfica. Mas no esse o caso. Essas divises da lngua so

    atribudas a seus falantes politicamente. A distribuio no de

    igualdade. O que se tem no algo como:

    DIVISO 1 DIVISO 2 ... DIVISO n

    (O sinal significa corresponde.)

    . 20 .

  • 7/24/2019 Multilinguismo - Eduardo Guimares

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    Para avanar nesta reflexo, a primeira coisa a considerar

    que a diviso que chamei de vertical afetada por uma relao

    hierarquizada. Ela divide a lngua de tal modo que suas divises

    hierarquicamente mais baixas so qualificadas como no-perten-centes lngua. O registro formal passa a ser normativamente

    considerado a lngua, e as demais divises da lngua so significa-

    das como erradas (ou seja, como fora da lngua). As instru-

    mentaes da lngua, como gramticas e dicionrios, e as institui-

    es reguladoras, como a Escola e a Mdia, tm nisso papel deci-

    sivo. Tem-se algo como:

    REGISTRO FORMAL

    REGISTROS COLOQUIAIS

    (O sinal significa superior a.)

    E as diversas lnguas do cotidiano so hierarquizadas entre si,

    levando a uma valorao que podemos representar como:

    REGISTRO FORMAL

    REGISTROS COLOQUIAIS

    DE PESSOAS ESCOLARIZADAS

    REGISTROS COLOQUIAIS DE PESSOAS

    NO-ESCOLARIZADAS

    Assim se constitui socialmente a idia (o imaginrio) do que o

    certo e uma hierarquia de gravidade maior ou menor do erro. O regis-

    . 21 .

  • 7/24/2019 Multilinguismo - Eduardo Guimares

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    tro formal significado como correto e passa a ser tomado como a

    norma reguladora da lngua, passa a ser ele mesmo a lngua.

    Por outro lado, as divises horizontais so tambm politica-

    mente hierarquizadas entre si. E essa hierarquizao se tornamais especfica quando a diviso horizontal atravessada pela

    diviso vertical. Desse modo, certos falares regionais so signifi-

    cados s como lnguas coloquiais, e mais especificamente como

    lnguas coloquiais de pessoas no-escolarizadas. Ou seja, como

    se numa lngua regional (um falar) no houvesse a distino regis-

    tro formaregistro coloquial, e ela interpretada como se fosse

    uniforme e sempre errada. Se tomarmos como exemplo o casoda cidade de So Paulo especificamente a questo da relao

    dos falares do portugus que ali ocorrem em virtude da migrao

    interna que teve como destino essa cidade , poderamos obser-

    var que h, por exemplo, entre os falares regionais, algo como:

    FALAR DO SUL (Paulista)

    FALAR NORDESTINO FALAR BAIANO

    (O sinal significa superior a e o sinal significa corresponde.)

    Essa configurao da hierarquizao para o espao de enuncia-

    o, tomando como ponto de observao as divises das lnguasna cidade de So Paulo, se sustenta na observao do modo

    como, por exemplo, a Escola no aceita os diversos falares regio-

    nais, corrigindo-os a partir do falar paulista.

    Essa hierarquia que distribui politicamente as divises hori-

    zontais da lngua afetada pela primeira (a hierarquia dos regis-

    tros) e se produz como resultado que a lngua do Nordeste

    afastada do registro formal (como se no houvesse um modo for-mal de falar nordestino).

    . 22 .

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    A que isso leva? Leva a crer que, para os falantes desses fala-

    res no-includos, a lngua formal no a sua. No caso do exem-

    plo citado, a lngua formal a do sul (paulista). E todas as lnguas

    dos imigrantes nordestinos so assim significadas como erradas.Vai-se assim mais longe do que simplesmente a reduzir a lngua a

    seus registros coloquiais.

    Um outro exemplo, entre outros que podemos dar, o de uma

    regio do Mato Grosso onde podemos encontrar o falar cuiabano,

    que no apareceu na classificao dos falares de Antenor

    Nascentes e que prprio de uma regio que fica no extremo-

    norte da regio em que se encontra o falar sulista, e na fronteiracom a regio do falar incaracterstico, da classificao daquele

    autor. Essa regio recebeu, nos ltimos 30 anos pelo menos, um

    grande afluxo de imigrantes de outras regies do Brasil, notada-

    mente do Sul, do Sudeste e do Nordeste. Para essa regio, levan-

    do em conta tambm o modo como a Escola no aceita o falar

    cuiabano, tratando-o como erro, como fala de bugre, o que

    podemos encontrar o que representamos no quadro a seguir:

    FALARES DO SUL (GACHO PAULISTA) FALAR

    FLUMINENSE FALAR MINEIRO FALAR

    NORDESTINO

    FALAR CUIABANO

    Assim encontramos dois modos de funcionamento de falares

    de uma certa regio relativamente aos de outras regies que

    com ele convivem em virtude de relaes entre lnguas que a his-

    tria propicia.No caso de So Paulo, o falar local tomado como hierarqui-

    . 23 .

  • 7/24/2019 Multilinguismo - Eduardo Guimares

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    camente superior. Contrariamente a esse caso, quanto ao falar

    cuiabano, o falar local da regio correspondente do Mato Grosso

    tomado como hierarquicamente inferior e, assim, errado.

    Essa diviso, que elege um falar (ou falares) em detrimento deoutro ou outros, assume maior gravidade se observamos que a

    hierarquia traz consigo, alm da sobreposio da lngua oficial e da

    lngua nacional, a sobreposio destas lngua materna (os fala-

    res especficos politicamente excludos: o nordestino e o baiano

    no caso de So Paulo, e o cuiabano no caso de Mato Grosso). Com

    essa sobreposio, o portugus no s a lngua nacional e ofi-

    cial, mas tambm a lngua materna de todos os brasileiros.Desse modo, se um falar regional identificado com o registro

    coloquial do portugus, ento essa lngua regional (toda ela) est

    fora da lngua nacional e da lngua oficial. E, ao mesmo tempo,

    sendo a lngua materna de seus falantes, no a lngua materna

    deles enquanto brasileiros ( como se eles nunca falassem certo

    ou, pior, como se nunca falassem).

    A isso se acrescenta um outro fato de ordem poltica: a distin-

    o escrito/oral se sobrepe tambm lngua oficial/lngua nacio-

    nal. Essa sobreposio identifica lngua oficial e nacional com ln-

    gua escrita, identificando, ao mesmo tempo, lngua oral com regis-

    tro coloquial. E, mais que isso, a diviso vertical formal, com os

    parmetros do escrito, de um falar regional privilegiado (do sul, ou

    fluminense, por exemplo), politicamente significada como a ln-

    gua. Ou seja, o registro formal da lngua identificado com a ln-

    gua escrita de um falar regional politicamente privilegiado, que

    assim passa a ser visto como lngua nacional e de todos.

    O efeito final na construo da representao do certo contra

    o errado se d pela naturalizao de todas essas configuraes

    polticas no espao de enunciao. O que chamo aqui de naturali-

    zao o fato de que, medida que essas sobreposies e hie-rarquizaes operam, elas passam a ser vistas como prprias da

    . 24 .

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    lngua, ou seja, como da lngua enquanto objeto que recebemos tal

    como , em virtude de sua natureza (uma pedra uma pedra, uma

    rvore uma rvore, uma lngua uma lngua). Assim, a distribui-

    o poltica das lnguas para seus falantes, que histrica, tomada como natural e instala-se a norma como algo da nature-

    za. A lngua se aproxima do biologicamente dado.

    Compreender o carter poltico do espao de enunciao

    parte de um processo para se saber como mudar/afetar nosso

    espao de enunciao refazendo-o.

    . 25 .

  • 7/24/2019 Multilinguismo - Eduardo Guimares

    27/49

    . 26 .

    Concluso

    Oespao de enunciao brasileiro se caracteriza por uma

    sobreposio muito particular entre lngua oficial, lngua

    nacional e lngua materna. Acresce-se a essa sobreposio uma

    outra, a do escrito sobre a lngua do Estado (oficial). Desse modo

    no resta nem s lnguas indgenas, nem s divises regionais do

    portugus a condio de lngua materna para seus falantes

    enquanto brasileiros.

    A histria das relaes de lnguas no Brasil organizou o espaode lnguas brasileiro a partir do valor da civilizao que determina

    a lngua oficial e nacional. E, nessa medida, o valor da civilizao

    predica (caracteriza) positivamente o registro formal dos falares

    prestigiados. Em contrapartida, tudo o que no entra no predicado

    de civilizado primitivo. E o primitivo predica, por serem excludas

    do que se considera civilizado, as divises no prestigiadas do por-

    tugus e as lnguas indgenas e africanas. Poderia dizer que temosrelaes como as que seguem:

  • 7/24/2019 Multilinguismo - Eduardo Guimares

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    (O sinal significa determina; significa corresponde e a barra hori-zontal de separao significa em oposio a.)

    Isso significa que as lnguas indgenas, os registros e os

    falares pouco valorizados so lnguas maternas, mas alm de sig-

    nificados como errados, no so vistos como lngua materna de

    brasileiros (ou seja, para ser brasileiro preciso falar certo

    segundo todo esse processo ideolgico e poltico de distribuio

    das lnguas). So tambm significados como lnguas de cultura por

    oposio s lnguas civilizadas. Esses registros e falares pouco

    valorizados so, assim, significados como primitivos. Enquanto ln-

    guas de cultura, so lnguas de identidades locais (disso resulta

    sua interpretao como exticas) e no de identificao com a

    nao, com o povo brasileiro.

    Por isso que consideramos que um trabalho fundamentalpara o quadro das lnguas do Brasil seria desfazer essa

    sobreposio. Assim, distinguir-se-ia, de um lado, lngua materna

    de lngua nacional e lngua oficial, e, de outro, lngua escrita de ln-

    gua coloquial. Com isso possvel descartar o normativo e o con-

    ceito de certo e errado, assim como no separar os falantes

    dessas lnguas de sua brasilidade. E mais importante que isso

    desfazer essa sobreposio faria desaparecer a distino entrecivilizao (valor nico) e cultura (valores relativos).

    . 27 .

    civilizao

    lngua materna

    Lnguaoficial

    lnguanacional

    lnguaportuguesa

    lnguasde imigrao

    Registros coloquiais de pessoas de pouca escolaridade falares regionais pouco valorizados lnguas indgenas

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    Acredito que a determinao da lngua por-

    tuguesa como lngua civilizada no espao de ln-

    guas do Brasil tem sido determinante no modo

    de se sustentarem posies normativas muitoduras nas instituies que lidam com a lngua,

    como a Escola e a Mdia. Alm da noo de erro,

    d-se que as lnguas indgenas, os registros e

    falares no-legitimados ficam fortemente afeta-

    dos pelo sentido do primitivo, do grosseiro, do selvagem (ou do

    extico), por exemplo.

    Note-se ainda como o conceito de civilizao como valor nico,ao substituir, nas relaes entre as sociedades humanas, o de co-

    lonizao, conseguiu uma extraordinria forma de sobrevida no

    modo de estabelecer relaes de supremacia entre grupos so-

    ciais, povos, naes, pases etc.

    Ao mesmo tempo, com esse tipo de deslocamento poltico, a

    questo das lnguas de imigrao no seria uma ameaa contra o

    Estado, j que a lngua materna, ou mesmo a lngua nacional, no

    se sobreporia lngua oficial. E elas no estariam distanciadas,

    como civilizadas, das lnguas e falares e registros primitivos.

    Como resduo interessante desse deslocamento teramos ainda

    uma ao de poltica de lnguas no Brasil contra a possibilidade de

    estabelecimento de uma lngua franca global, como se pretende

    com o ingls. O ingls apareceria como mais uma lngua, ao lado

    das lnguas do Brasil e de outras lnguas de outras naes. E no

    se trata de produzir regulaes sobre as lnguas, mas de produzir

    uma reorganizao no modo de distribuir as lnguas para seus

    falantes no espao de enunciao brasileiro.

    . 28 .

    Veja tambm, a esse

    respeito, as obras O

    ndio, a leitura e a escrita. O

    que est em jogo? e Lnguasindgenas precisam de escri-

    tores? Como form-los?,des-

    ta coleo, j recomenda-

    das anteriormente.

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    30/49

    .29 .

    O PORTUGUS COMO LNGUA NACIONAL DO BRASIL

    UM PARECER DE ERUDITOS

    Este texto retoma, com modificaes, parte de Lngua de

    civilizao e lnguas de cultura. A Lngua Nacional do Brasil,

    de Eduardo Guimares, publicado em Os discursos do desco-

    brimento, organizado por Barros, D. L. P. (2000) e publicadopela Edusp.

    A questo da Lngua Nacional aparece na Constituio de

    1946, atravs da determinao, feita no artigo 35 doAto das Dis-

    posies Constitucionais Transitrias, que diz:

    O Governo nomear comisso de professores, escritores e jornalistas,

    que opine sobre a denominao do idioma nacional.

    Na medida em que esse Parecer acabou por

    decidir que o nome da Lngua Nacional do Brasil

    Lngua Portuguesa, de grande importncia

    que o analisemos. Para esta anlise vou consi-

    derar dois aspectos: primeiro, o funcionamento

    performativo do texto, que , para mim, histri-co; em seguida, a construo dos argumentos

    para a concluso que o Parecer sustenta.

    Deslizamento enunciativo e performatividade

    Antes de mais nada, definamos o que performatividade.

    Consideramos que a performatividade de uma enunciao a

    ao que ela realiza de estabelecer relaes especficas entre

    Cito aqui o Parecer a

    partir de Lies de

    Portugus, de Souza da Sil-

    veira, que o incluiu como

    apndice a partir de sua 5

    edio, em 1950. Veja o

    documento, na ntegra, noApndice II, no final deste

    volume.

    Apndice I

  • 7/24/2019 Multilinguismo - Eduardo Guimares

    31/49

    .30 .

    seus interlocutores. No nosso caso, temos como performativida-

    de o estabelecimento de uma nomeao, de um batismo, dira-

    mos. Ou seja, o Parecer corresponde a algo como A comisso

    designada pelo Governo, por determinao da Constituinte,nomeia (batiza) oficialmente o idioma nacional do Brasil de Lngua

    Portuguesa, em virtude das razes que ela prpria apresenta.

    Observemos tambm que essa nomeao se d sob o modo da

    afirmao do reconhecimento de uma realidade existente.

    nessa medida que o Parecer resulta em que, se antes poderia

    haver uma discusso sobre o nome da lngua do Brasil, a partir

    de ento essa discusso no ter mais lugar, do ponto de vistajurdico, oficial, do Estado.

    Pela prpria forma como parafraseamos acima a performativi-

    dade do Parecer, vemos que ela apresenta uma complexidade

    muito particular. E essa complexidade cresce se observamos

    ainda outros aspectos envolvidos na enunciao do documento.

    Ele formulado por um fillogo, Souza da Silveira, que o relator

    da comisso, e aprovado tornado, portanto, texto a ser envia-

    do ao Governo brasileiro por uma Comisso que inclua cinco

    membros da Academia Brasileira de Letras, quatro membros da

    Academia Brasileira de Filologia, um General (Inspetor Geral do

    Ensino Militar), dois Reitores de universidade, o Presidente da

    Associao Brasileira de Imprensa e dois Deputados.

    Vemos, ento, que o acontecimento enunciativo desse texto se

    movimenta do lugar do especialista (fillogo) para o lugar do

    campo do saber e do ensino (Comisso). E esse deslizamento

    constitutivo da performatividade do texto, ou seja, da nomeao

    que ele realiza.

    H um segundo movimento nesse acontecimento enunciativo:

    da formulao do relator fillogo consta um endereamento do

    texto ao Ministro da Educao, ou seja, no plano da formulaotcnica inicial est marcado o lugar do Governo, destinatrio do

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    .31 .

    Parecer por ter sido o constituidor da Comisso, que assim

    marca, desde o incio, o lugar da comunidade de saber do Brasil

    (pela via da Comisso) como instncia enunciativa. O texto s se

    enderea ao Ministro enquanto texto da Comisso, e noenquanto texto do fillogo.

    H, ainda, um outro deslizamento: a garantia performativa da

    aprovao da Comisso, ou seja, o lugar de legitimao de sua

    performatividade, uma deciso da Constituinte brasileira de

    1946. Deciso que, mesmo se dando (ou talvez por isso) nas dis-

    posies transitrias, transforma em permanente a deciso da

    Comisso, ou seja, a deciso da Comisso a deciso daConstituinte, do Estado.

    Mas a Constituinte, para realizar sua determinao, fez deslizar

    para o Governo (o Presidente da Repblica e o Ministro da

    Educao) o poder para constituir a Comisso Especial. Desse

    modo, desliza para o Poder Executivo a formao da Comisso que

    decidir sobre a questo. A deciso que , por todos esses mean-

    dros, da Constituinte, o enquanto passa pelo Governo, ou seja,

    enquanto o Executivo toma parte crucial na formulao da deciso

    constituinte. E tanto mais importante esse aspecto se conside-

    ramos que est em questo indicar pessoas tomadas como pre-

    paradas por suas qualidades intelectuais e, assim, capazes de

    decidir sem engano sobre uma questo de identidade nacional.

    Argumentos para uma lngua nacional

    Como segunda parte de nossa anlise, passemos constru-

    o da argumentao do texto.

    A organizao geral do texto do Parecer se d como a apresen-

    tao de dois grupos de argumentos que sustentam uma conclu-

    so. H duas partes, chamadas Breve Retrospecto Histrico e

    Consideraes Lingsticas, que levam ltima parte,Concluso. Usando aqui a noo de escala argumentativa de

  • 7/24/2019 Multilinguismo - Eduardo Guimares

    33/49

    .32 .

    Ducrot (1983), como recurso de representao para nossa anli-

    se, diria que o texto tem a seguinte organizao argumentativa:

    (1) Concluso

    Consideraes lingsticas

    Breve retrospecto histrico

    E qual a concluso do Parecer? O nome do idioma nacional

    do Brasil Lngua Portuguesa (Silveira, 1960: 293).

    E como se constituem esses argumentos? Que predicaes,

    que caractersticas determinam Lngua Portuguesa?

    Tomemos o primeiro grupo de argumentos. Breve Retrospecto

    Histrico inclui:

    a) o Brasil foi descoberto por Portugal e a Lngua Portuguesa

    foi se propagando no Brasil;

    b) no contato com as lnguas indgenas, a Lngua Portuguesa,

    como instrumento de uma civilizao, se imps;

    c) a Literatura Brasileira em Lngua Portuguesa;d) mesmo alguns grandes autores que no se pautavam pelo

    bom tipo lingstico, acabaram por acompanh-lo;

    e) os brasileiros pensam, monologam, conversam (no lar, na

    rua, na escola, na imprensa, na tribuna etc.) em Lngua

    Portuguesa.

    A primeira grande questo que basicamen-te todos esses argumentos so, em certa medi-

    da, parfrase de Falava-se e escrevia-se e fala-

    se e escreve-se no Brasil a Lngua Portuguesa,

    que argumento para a concluso o Idioma

    Nacional do Brasil a Lngua Portuguesa. E o

    que faz com que a concluso no seja aqui, sim-

    plesmente, parfrase completa do argumento?Ou melhor: que diferena sustentada pelo argu-

    Sobre minha concep-

    o de argumentao

    e funcionamento da orienta-

    o argumentativa, veja

    Guimares (1995).

    Parfrase. Relao entre

    enunciados que se caracte-

    riza por uma semelhana de

    sentidos entre eles.

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    34/49

    .33 .

    mento? A diferena o predicado que atribui nacionalidade brasi-

    leira (no Brasil) para a Lngua Portuguesa.

    Essa atribuio de nacionalidade brasileira se d no por uma

    relao de predicao ou determinao especfica. No h, porexemplo, uma frase como A lngua portuguesa tem nacionalida-

    de brasileira. De um certo modo pode-se ver como a ordenao

    dos argumentos apresenta o argumento e, indicado acima, como

    decisivo, j que ele o ltimo a ser apresentado pelo acrscimo,

    sem marcao especial, de pargrafos que formulam tais argu-

    mentos. Para melhor analis-lo, tomemo-lo na forma como foi

    enunciado no Parecer: a lngua portuguesa aquela em que ns, brasileiros, pensamos;

    em que monologamos; em que conversamos; que usamos no lar, na

    rua, na escola, no teatro, na imprensa, na tribuna; com que nos inter-

    pela, na praa pblica, o transeunte desconhecido que nos pede

    uma informao; , por assim dizer, a nossa lngua de todos os

    momentos e de todos os lugares.

    Pode-se observar que esse argumento construdo por umaconjuno (uma reunio por adio) de afirmaes em que a ln-

    gua portuguesa aparece como instrumento de pensamento,

    de monlogo, de conversa de todos os brasileiros, nos quais o

    autor se inclui pelo ns de em que ns, brasileiros. E mais

    que isso, essa lngua em que pensamos etc. a nossa lngua.

    Ou seja, a Lngua Portuguesa a nossa lngua (dos brasileiros).

    D especial fora a essa posse da lngua o fato de, depois de

    uma longa conjuno de afirmaes sobre a lngua, aparecer o

    ltimo enunciado introduzido por por assim dizer, que afirma

    a posse da lngua pelos brasileiros. Assim o enunciado que fina-

    liza o argumento e afirma a posse reescreve, como um resumo,

    tudo o que se disse antes. Desse modo ele d a tudo o que se

    disse antes no argumento o sentido da posse da lngua pelosbrasileiros. A lngua portuguesa ganha a nacionalidade daque-

  • 7/24/2019 Multilinguismo - Eduardo Guimares

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    .34 .

    les que a falam: os brasileiros. Atribui-se a ela a nacionalidade

    brasileira.

    Mas h outros aspectos ainda a considerar. Os argumentos a

    e b, citados, introduzem uma predicao especial para LnguaPortuguesa: ela um instrumento de civilizao superior. Essa pre-

    dicao se apresenta como um rememorado em Assim, o portu-

    gus, expresso de uma civilizao mais adiantada, triunfou sobre

    o Tupi. Voltarei a isso posteriormente.

    O argumento d coloca um modelo de vernaculidade purista para

    o Portugus (de Portugal). Ou seja, no Brasil, apesar das tendn-

    cias de mudana, no houve mudanas importantes, decisivas.Tomemos agora o segundo conjunto de argumentos

    (Consideraes Lingsticas). Temos a includo que:

    a) os brasileiros iam se formar em Portugal;

    b) os grandes poetas picos brasileiros escreviam em excelen-

    te Lngua Portuguesa com os olhos voltados para os monu-

    mentos literrios de Portugal;c) os estudos lingsticos mostram que a lngua nacional a

    Lngua Portuguesa com pequenas diferenas (pronncia bra-

    sileira, pequenas divergncias silbicas, vocabulrio enri-

    quecido por palavras indgenas e africanas);

    d) quando se desconhece uma palavra de um autor portugus,

    tal como de um brasileiro, se recorre a um dicionrio mono-

    lnge e no a um dicionrio bilnge;

    e) os lingistas, nos estudos de geografia lingstica, incluem

    a lngua do Brasil no domnio Portugus.

    O primeiro aspecto a observar que os argumentos a e b con-

    tinuam a argumentao do primeiro conjunto de argumentos

    (Breve Retrospecto Histrico). O argumento c diz que as descri-

    es mostram que a lngua do Brasil a mesma de Portugal com

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    .35 .

    variaes, mas esse argumento no apresenta uma descrio;

    conta-a, simplesmente, ou seja, toma um discurso da filologia em

    bloco como homogneo e como demonstrador da semelhana da

    lngua no Brasil e em Portugal.Os argumentos d e e trazem uma novidade como procedi-

    mento argumentativo. Os instrumentos de gramatizao (dicio-

    nrios, gramticas, descries) tomam a lngua como a mesma,

    portanto ela a mesma (poderamos dizer que o argumento b

    tem tambm essa caracterstica). Aqui est

    consignada uma questo importante para a

    histria da gramatizao: como os instrumen-tos so tomados como parte, como constituti-

    vos da lngua. Como diria Auroux (1994), pr-

    teses dessas lnguas. Esses instrumentos (gramticas e dicio-

    nrios), so extenses da memria, que funcionam como regu-

    ladores de nosso uso da lngua.

    Aqui a construo argumentativa parece ter uma complexidade

    diferente:

    (2) A lngua a mesma (no Brasil e em Portugal)

    Eu afirmo que

    Assim o argumento de descrio lingstica que aqui aparece

    s a afirmao de que ela existe e funciona de um certo modo. E

    isso dado como descrio suficiente da lngua para da concluir

    algo. E essa argumentao que argumento para a Concluso

    do Parecer. Concluso que, em um primeiro passo, o Idioma

    Nacional do Brasil a Lngua Portuguesa. Podemos, ento, dizer

    que a seguinte a argumentao global do Parecer:

    Sobre esta questo,

    relativamente Lngua

    Portuguesa no Brasil, veja

    Guimares (1996) e Orlandi

    e Guimares (1998).

    fillogosdialetlogosdicionaristas

    dizem que a lngua(no Brasil e emPortugal) a mesma.

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    .36 .

    (3) A denominao do idioma nacional do Brasil deve ser LnguaPortuguesa

    O idioma nacional do Brasil a Lngua Portuguesa

    A Lngua no Brasil e em Portugal a mesma

    Eu afirmo que fillogos, dialetlogos, dicionaris-tas dizem que a lngua no Brasil e em Portugal a mesma.

    Falava-se e escrevia-se e fala-se e escreve-se noBrasil a Lngua Portuguesa.

    Analisemos agora, com mais detalhes, a concluso do Parecer.Ela tem trs enunciados. O primeiro diz que vista do que ficaexposto a comisso reconhece e proclama a seguinte verdade: OIdioma Nacional do Brasil a Lngua Portuguesa. O segundo dizque isso leva conseqncia de que o nome do idioma deve serLngua Portuguesa. Ou seja, a concluso final, atendendo deter-

    minao constitucional, , como vimos em (3):(3a) A denominao do idioma nacional do Brasil deve ser Lngua

    Portuguesa.

    O idioma nacional do Brasil a Lngua Portuguesa.

    Interessante ainda a ltima enunciao da Concluso, ouseja, do Parecer:

    Essa denominao, alm de corresponder verdade dos fatos, tem a

    vantagem de lembrar, em duas palavras Lngua Portuguesa , a his-

    tria da nossa origem e a base fundamental de nossa formao de povo

    civilizado (Silveira, 1960: 293).

    Essa afirmao retoma como ltima coisa a dizer uma dasdeterminaes do Argumento Histrico: a Lngua Portuguesa se

    imps no Brasil por ser instrumento de civilizao superior s ln-guas indgenas. Assim se tem no Parecer uma argumentao late-

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    .37 .

    ral quela que se mostra como constituidora da organizao dotexto. Essa argumentao lateral a seguinte:

    (4) O nome do idioma nacional do Brasil Lngua Portuguesa.

    Nomear a Lngua Nacional de LnguaPortuguesa tem a vantagem de lembrar aHistria do Brasil como a de um povo civilizado.

    A Lngua Portuguesa se imps no Brasil por serinstrumento de civilizao superior s lnguasindgenas

    ... que assume neste jogo argumentativo (marcado pelo alm deser... tem...) a fora no s de uma argumentao no texto, masda indicao de uma razo decisiva para os brasileiros se identifi-carem enquanto falantes da Lngua Portuguesa, ou seja enquantopovo civilizado.

    Se podemos, pela mobilizao deste recorte que significa, emmomentos distintos do texto, o aspecto civilizatrio, estabeleceressa relao argumentativa, podemos tambm ver como estaargumentao paralela aparece, no quadro da argumentao glo-bal do texto, no s como um argumento, mas como o argumentodecisivo, que tem, inclusive, a caracterstica de independer daargumentao produzida pelos argumentos do Breve Histrico e daDescrio Lingstica.

    nesta medida que a Constituio de 1946 mantm na mem-ria brasileira o sentido de que no Brasil se fala uma s lngua, isto

    , que enquanto povo civilizado o povo brasileiro s fala uma lngua.

    Concluso

    A anlise que acabamos de fazer apresenta uma compreensoa respeito de um documento que teve papel decisivo na questodas polticas lingsticas no Brasil. Especificamente resolve um

    problema de nomeao do idioma, e assim se estabelece o modocomo os prprios brasileiros devem se referir a um dos elementos

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    .38 .

    culturais decisivos na constituio da sua nacionalidade, ou seja,no processo de identificao social dos indivduos.

    Pode-se observar como o texto do Parecer no faz efetivamen-

    te uma descrio da lngua do Brasil. O que o Parecer faz pro-duzir uma argumentao constituda, fortemente, por uma narra-o. Em outras palavras, conta coisas sobre a histria da lngua edo estudo da lngua no Brasil e apresenta essa narrao como adescrio das caractersticas dessa lngua. Essa operao narrati-va que constitui a argumentao aparece, assim, como o proces-so pelo qual o saber transformado em argumento para umatomada de deciso no plano do Estado. E isso est diretamenterelacionado com o que tratamos acima como o modo de constitui-o da performatividade do Parecer.

    Para terminar esta anlise, interessante relacionar a perfor-matividade do texto do Parecer com sua construo argumentati-va. At porque isso pode nos levar a refletir sobre as relaes doconhecimento e do funcionamento do Estado e, muito especifica-mente, pode nos levar a refletir sobre as relaes do conhecimen-

    to sobre a lngua e o Estado.Como vimos, a constituio da performatividade do Parecer (a

    nomeao do idioma nacional como Lngua Portuguesa) faz desli-zar o que se apresenta (a narrao, pelo locutor do Parecer, dadescrio de uma lngua) como uma descrio cientfica objetiva.Ou seja, narrar uma descrio feita antes e em outro lugar apare-ce como a prpria descrio. E essa narrao passa a significar

    uma tomada de deciso constitucional. O argumento de um campode saber , assim, no mais um argumento de saber, mas asrazes de uma deciso que constitui um Estado, uma Nao.

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    .39 .

    DENOMINAO DO IDIOMA NACIONAL DO BRASIL

    Para cumprir o art. 35 das disposies transitrias da Consti-

    tuio de 18 de setembro de 1946, o qual determina: O Governo

    nomear comisso de professores, escritores e jornalistas, que

    opine sobre a denominao do idioma nacional, foi constituda a

    seguinte comisso:

    Embaixador Jos Carlosde Macedo Soares

    Dr. Cludio de SousaDr. Afonso de TaunayProfessor Pedro CalmonDr. Levi Carneiro

    Professor Sousa da Silveira

    Pe. Augusto MagneProfessor Clvis MonteiroProfessor Jlio Nogueira

    Gal. Fortes de Oliveira, Inspetor Geral do Ensino Militar

    Professor Incio Manuel Azevedo do Amaral, Reitor daUniversidade do Brasil

    Pe. Leonel Franca, Reitor da Universidade CatlicaDr. Hebert Moses, Presidente da Associao Brasileira de

    Imprensa

    Dr. Gustavo Capanema, ex-Ministro da EducaoDr. Gilberto Freire

    A Comisso elegeu para seu presidente o Embaixador Macedo

    Soares, para vice-presidente o Dr. Cludio de Sousa e para relatoro Professor Sousa da Silveira.

    da Academiade Filologia

    da Academiade Letras

    DeputadosFederais

    Apndice II

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    .40 .

    O Professor Sousa da Silveira apresentou o seguinte relatrio

    aprovado unanimemente pela Comisso, ao Ministro da Educao,

    que ento era o Professor Ernesto de Sousa Campos:

    Sr. Ministro:A Comisso, designada por V. Ex., com a aprovao do Sr.

    Presidente da Repblica, para cumprir a determinao contida no

    art. 35 do Ato das Disposies Transitrias, apenso

    Constituio dos Estados Unidos do Brasil promulgada em 18 de

    setembro do corrente ano, tem a honra de trazer ao conhecimen-

    to de V. Ex o resultado dos seus trabalhos.

    BREVE RETROSPECTO HISTRICO

    Descoberto o Brasil pelos portugueses em 1500, tomada

    posse da terra em nome do Rei de Portugal, e iniciada anos depois

    a colonizao, a lngua portuguesa foi trazida para c, e pouco a

    pouco se foi propagando.

    Encontrou-se, como era natural, com a lngua dos ndios; e,

    durante algum tempo, foi mesmo o tupi falado em maior proporo

    do que o portugus.

    No tardou, porm, que se verificasse um princpio lingstico

    que se tem reconhecido como verdadeiro: postas em contato duas

    lnguas, um instrumento de uma civilizao muito superior civili-

    zao a que a outra serve, esta cede o seu terreno primeira.Assim, o portugus, expresso de uma civilizao mais adiantada,

    triunfou sobre o tupi.

    Desde os primeiros tempos da nossa histria, j apareciam,

    escritas em portugus, obras relativas ao Brasil; e toda a nossa lite-

    ratura, de ento para c, tem sido vazada em lngua portuguesa.

    Os nossos mais altos escritores, uns com maior, outros com

    menor apuro estilstico, estes aproximando-se mais, aqueles

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    .41 .

    menos, do padro ideal da lngua literria, todos escreveram em

    portugus. Assim o fizeram Jos Bonifcio, Joo Francisco Lisboa,

    Odorico Mendes, Gonalves Dias, lvares de Azevedo, Casimiro de

    Abreu, Castro Alves, Fagundes Varela, Gonalves de Magalhes,Porto-Alegre, Manuel Antnio de Almeida, Alencar, Macedo,

    Machado de Assis, Alusio Azevedo, Joaquim Nabuco, Eduardo

    Prado, Rui Barbosa, Taunay, Afonso Arinos, Euclides da Cunha,

    Raul Pompia, Joo Ribeiro, Olavo Bilac, Alberto de Oliveira,

    Raimundo Correia, Vicente de Carvalho, etc., etc.

    A prpria literatura nossa regional exprime-se numa lngua que,

    apesar de tudo, no deixa de ser a portuguesa; e o falar dialetalda nossa gente inculta , na essncia, lngua portuguesa.

    Alguns dos grandes escritores brasileiros, como Rui Barbosa,

    Joo Ribeiro e Raimundo Correia, que no princpio da sua carreira

    literria, embora escrevessem em portugus, se afastavam um

    pouco do bom tipo lingstico, esforaram-se depois por acompa-

    nh-lo de mais perto, e conseguiram tornar-se modelos da mais

    formosa vernaculidade.

    a lngua portuguesa aquela em que ns, brasileiros, pensa-

    mos; em que monologamos; em que conversamos; que usamos

    no lar, na rua, na escola, no teatro, na imprensa, na tribuna; com

    que nos interpela, na praa pblica, o transeunte desconhecido

    que nos pede uma informao; , por assim dizer, a nossa lngua

    de todos os momentos e de todos os lugares.

    CONSIDERAES LINGSTICAS

    inteiramente falso dizer-se que, assim como do latim vulgar

    transplantado para o ocidente da Pennsula Ibrica resultou o idio-

    ma portugus, assim do portugus trazido para o Brasil resultou a

    lngua brasileira.

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    .42 .

    Proceder desse modo comparar fatos diversos, e a concluso

    a que se chega percorrendo semelhante caminho ser, forosa-

    mente, errada.

    O latim vulgar levado para o ocidente da Pennsula Ibrica eadotado por lngua prpria pelas populaes que l habitavam

    de civilizao inferior dos romanos , esteve longo tempo sem

    escrever-se; e, depois da queda do Imprio Romano do ocidente,

    ficou entregue ao das foras naturais de evoluo e diferencia-

    o; quando, mais tarde, foi adotado como lngua escrita, estava

    muitssimo diversificado do padro latino da lngua clssica, con-

    servado nas obras dos grandes escritores romanos e imitadopelos escritores do Baixo Latim.

    Comparado esse latim vulgar evolvido com o antigo latim dos

    documentos, literrios ou no, ele apresenta diferenas de estru-

    tura fontica, de morfologia e de sintaxe, que constituem caracte-

    rsticas suficientes para torn-lo uma nova lngua, independente do

    latim, embora dele derivada.

    Com o portugus transplantado para o Brasil outros, bem outros

    so os fatos. Nunca ficou em abandono igual ao do latim vulgar na

    Pennsula Ibrica; ao contrrio, esteve sempre em contato com o da

    Metrpole, onde a literatura atingiu alto cume no sculo XVI e conti-

    nuou seu desenvolvimento florescente at os nossos dias. Frei

    Vicente do Salvador, nascido no Brasil, escrevia em portugus a sua

    Histria do Brasil; o Padre Antnio Vieira pregava no Brasil muitos dos

    seus Sermes; Morais, nascido no Brasil, compunha o seu Dicionrio

    da Lngua Portuguesa; brasileiros iam a Portugal e formavam-se na

    Universidade de Coimbra; D. Joo VI, com a sua corte, veio para o Rio

    de Janeiro e aqui permaneceu por mais de uma dcada. Os nossos

    grandes poetas picos Santa Rita Duro e Baslio da Gama; outros

    ilustres poetas nossos, como Cludio Manuel, Alvarenga Peixoto,

    etc., escreviam em excelente lngua portuguesa, com os olhos sem-pre voltados para os monumentos literrios de Portugal.

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    .43 .

    Os estudos lingsticos, srios e imparciais, aplicados ao

    Brasil, fazem-nos concluir que a nossa lngua nacional a lngua

    portuguesa, com pronncia nossa, algumas leves divergncias sin-

    tticas em relao ao idioma atual de alm-mar, e o vocabulrioenriquecido por elementos indgenas e africanos e pelas criaes

    e adoes realizadas em nosso meio.

    Ainda mais: esses estudos, proporo que se ampliam e se

    aprofundam, reduzem a lista dos brasileirismos, mostrando que

    alguns deles existem em dialetos portugueses (parecendo que de

    Portugal nos vieram) e que se outros podem ser admitidos como

    inovaes nossas, podem tambm considerar-se relquias brasilei-ras de arcasmos portugueses.

    As palavras brasileiras so iguais s portuguesas na sua com-

    posio fontica, apenas diferindo na pronncia; os nomes de

    nmeros so os mesmos em Portugal e no Brasil; as conjugaes

    so as mesmas, num e noutro pas; as mesmas so tambm as

    palavras gramaticais: os pronomes (pessoais, possessivos,

    demonstrativos, relativos, interrogativos, indefinidos), os artigos,

    os advrbios (de tempo, modo, quantidade, lugar, afirmao, nega-

    o), e as preposies e as conjunes. Em geral o mesmo

    gnero gramatical, c e l. So as mesmas as regras de formao

    do plural, o mesmo sistema de graus de substantivos e adjetivos;

    os mesmos os preceitos das concordncias nominal e verbal;

    quase na totalidade dos casos a mesma a regncia dos comple-

    mentos dos nomes e dos verbos; o mesmo o emprego de modos

    e tempos, e a mesma a estrutura geral do perodo quanto suces-

    so das oraes e ligao de umas com as outras.

    Lemos e compreendemos to bem uma pgina de Ea de

    Queirs, quanto uma de Machado de Assis; e, quando, em escri-

    tos de autor brasileiro ou portugus, desconhecemos o significa-

    do de qualquer palavra, recorremos, salvo tratando-se de algumtermos muito restritamente regionalista, a um dicionrio da

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    .44 .

    Lngua Portuguesa; nunca o brasileiro, para ler, compreendendo,

    um jornal ou livro portugus, precisou aprender previamente a

    lngua de Portugal como se aprende uma lngua estrangeira; no

    h dicionrio portugusbrasileiro, nem brasileiroportugus, co-mo h, por exemplo, dicionrio portugusespanhol e espa-

    nholportugus; a gramtica da lngua nacional do Brasil a

    mesma gramtica portuguesa.

    Afirmaes idnticas a essas que acabamos de fazer no te-

    riam lugar se comparssemos o portugus com o espanhol, no

    obstante serem lnguas romnicas parecidssimas uma com a

    outra: que espanhol e portugus so lnguas diversas, ao passoque a mesma lngua a que se fala e escreve no Brasil e a que se

    fala e escreve em Portugal.

    Quando os lingistas tratam da geografia das lnguas romnicas,

    incluem a lngua do Brasil no domnio do portugus; e nas estatsti-

    cas relativas ao nmero de pessoas que falam as grandes lnguas

    do globo, o povo brasileiro figura entre os de lngua portuguesa.

    CONCLUSO

    vista do que fica exposto, a Comisso reconhece e proclama

    esta verdade: o idioma nacional do Brasil a Lngua Portuguesa.

    E, em conseqncia, opina que a denominao do idioma nacio-

    nal do Brasil continue a ser: Lngua Portuguesa.

    Essa denominao, alm de corresponder verdade dos fatos,tem a vantagem de lembrar, em duas palavras Lngua

    Portuguesa , a histria da nossa origem e a base fundamental

    de nossa formao de povo civilizado.

    Rio de Janeiro, 15 de outubro de 1946.

    SOUSA DA SILVEIRA, relator.

    Fonte: SILVEIRA, S. da. Lies de portugus. Riode Janeiro: Livros de Portugal, 1960.

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