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MUNDO DO TRABALHO E OLT Osvaldo Bertolino I - O que é o trabalho? Há algum tempo existia uma anedota segundo a qual o problema da agricultura brasileira seria resolvido se o governo fornecesse para cada fazendeiro um trator e um casal de japoneses. Mais do que uma simples brincadeira, o tom jocoso propagava a imagem irreal do brasileiro como um ser de capacidade para o trabalho inferior à de outros povos. A comparação que se fazia entre brasileiros e japoneses, partindo de uma explicação segundo a qual o problema cultural é a causa da nossa suposta inferioridade no que se refere à qualidade e produtividade do trabalho, era preconceituosa. Na verdade nós trabalhamos mais do que os japoneses, os americanos, os franceses, os alemães e outros povos. Nossa jornada de trabalho semanal é uma das mais extensas do mundo. Mas o que explica o rápido crescimento econômico do Japão no período pós-guerra? Vários fatores. Um deles, contudo, chama a atenção. Entre 1960 e 1975, a produtividade naquele país evoluiu a um ritmo de 8% ao ano. Essa notável evolução despertou no mundo todo uma curiosidade a respeito das técnicas japonesas de organização do trabalho. Vários países começaram a importar seus métodos de gerenciamento. O Brasil foi um deles. Entretanto, uma das partes mais fundamentais do modelo japonês não pôde ser importada pelo simples motivo de que a economia brasileira é bem diferente da japonesa. Lá boa parte dos trabalhadores contava com estabilidade no emprego e recebia bônus anuais que chegavam a representar de quatro a seis salários mensais. Embora as tentativas de implantação das técnicas japonesas ainda sejam recentes no Brasil, já é possível detectar uma certa falta de fôlego das empresas em convencer os trabalhadores de que o aumento da qualidade e da produtividade é um bom negócio para eles. Problema cultural? Não. Como convencê-los disso se os salários estão arrochados, o desemprego é uma ameaça constante e 187

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MUNDO DO TRABALHO E OLT

Osvaldo Bertolino

I - O que é o trabalho?

Há algum tempo existia uma anedota segundo a qual o problema da agricultura brasileira seria resolvido se o governo fornecesse para cada fazendeiro um trator e um casal de japoneses. Mais do que uma simples brincadeira, o tom jocoso propagava a imagem irreal do brasileiro como um ser de capacidade para o trabalho inferior à de outros povos. A comparação que se fazia entre brasileiros e japoneses, partindo de uma explicação segundo a qual o problema cultural é a causa da nossa suposta inferioridade no que se refere à qualidade e produtividade do trabalho, era preconceituosa. Na verdade nós trabalhamos mais do que os japoneses, os americanos, os franceses, os alemães e outros povos. Nossa jornada de trabalho semanal é uma das mais extensas do mundo.

Mas o que explica o rápido crescimento econômico do Japão no período pós-guerra? Vários fatores. Um deles, contudo, chama a atenção. Entre 1960 e 1975, a produtividade naquele país evoluiu a um ritmo de 8% ao ano. Essa notável evolução despertou no mundo todo uma curiosidade a respeito das técnicas japonesas de organização do trabalho. Vários países começaram a importar seus métodos de gerenciamento. O Brasil foi um deles. Entretanto, uma das partes mais fundamentais do modelo japonês não pôde ser importada pelo simples motivo de que a economia brasileira é bem diferente da japonesa. Lá boa parte dos trabalhadores contava com estabilidade no emprego e recebia bônus anuais que chegavam a representar de quatro a seis salários mensais.

Embora as tentativas de implantação das técnicas japonesas ainda sejam recentes no Brasil, já é possível detectar uma certa falta de fôlego das empresas em convencer os trabalhadores de que o aumento da qualidade e da produtividade é um bom negócio para eles. Problema cultural? Não. Como convencê-los disso se os salários estão arrochados, o desemprego é uma ameaça constante e o despotismo campeia nos locais de trabalho? Está cada vez mais difícil acreditar nas promessas de recompensas pela dedicação no trabalho. A imagem do trabalhador como um sujeito feliz que vê televisão comendo frango assado no micro-ondas é cada vez mais uma miragem. A prometida “revolução silenciosa” que iria levar à valorização do trabalho não está acontecendo. Falou-se até no surgimento de uma nova ética do trabalho no País. Um exagero.

Tudo isso nada tem a ver com o comportamento cultural do brasileiro. É outra a explicação que está levando os trabalhadores a olharem com desconfiança para essas técnicas. Mesmo no Japão elas já não são vistas com tanto entusiasmo. A rigor a explicação está na origem da produção capitalista. Ocorre que no outro lado do processo de trabalho está o capital. É nessa face da moeda que repousa a responsabilidade pelo estigma de que o trabalho é algo enfadonho e estranho ao homem. Karl Marx, que analisou esse problema em sua obra “O Capital”, diz: “Como

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legislador privado, o capitalista formula seu código de fábrica, caricatura da regulação social, um sistema de punições sobre os salários com o qual o contramestre faz o papel do antigo condutor de escravos”.

Na verdade o trabalho é um companheiro inseparável do homem. A vida não seria possível sem que as necessidades de alimentos, roupas, moradia, defesa contra os elementos hostis da natureza, etc. sejam atendidas. Nem todos esses bens vitais para o homem se encontram na natureza de forma acabada. Para obtê-los é necessário trabalhar. O significado histórico do trabalho foi brilhantemente analisado por Friedrich Engels no seu artigo “O Papel do Trabalho na Transformação do Macaco em Homem”, de 1876. “A natureza proporciona os materiais que o trabalho transforma em riquezas”, escreveu. “Mas o trabalho é muito mais do que isso: é o fundamento da vida humana.” Engels esclarece que a formação do homem e da comunidade primitiva aconteceu na medida em que se formava o próprio trabalho humano como processo que gasta uma quantidade de energia física, nervosa e mental para se criar os produtos necessários à sua existência.

Para satisfazer as necessidades vitais, o homem foi obrigado a aperfeiçoar constantemente os instrumentos e os hábitos de trabalho. “O próprio trabalho foi se diversificando, aperfeiçoando-se a cada geração e estendendo-se a novas atividades”, disse Engels. “A agricultura surgiu como alternativa para a caça e a pesca, e mais tarde surgiram a fiação e a tecelagem, a manipulação de metais, a olaria e a navegação.” Em “O Capital”, Marx diz: “O trabalho é, antes de tudo, um ato que se passa entre o homem e a natureza.”

Com o desenvolvimento do trabalho, apareceram novas relações sociais, o comércio, as profissões, as artes e as ciências. Vieram depois o direito, a política e a religião. “Porém, se o homem levou milhares de anos para aprender, de certa forma, a prever as remotas conseqüências naturais relativas aos processos produtivos, mais tempo levou para aprender a calcular as longínquas conseqüências sociais desses mesmos atos”, disse Engels. “Os árabes, quando descobriram a forma de destilar o álcool, não poderiam nem de longe imaginar que estavam forjando uma das principais armas de extermínio da população indígena no continente americano. Mal sabia Colombo, ao descobrir a América, que estava fazendo ressurgir a escravidão, extinta há muito na Europa, além de estar estabelecendo novamente as bases para o tráfico de negros.”

II - A Primeira Revolução Industrial

De fato, a evolução dos instrumentos e dos hábitos de trabalho provocou muitas mudanças sem que o homem pudesse ter a dimensão do seu alcance. Ao inventar a máquina a vapor dos séculos XVII e XVIII, o homem não suspeitava que estava criando um instrumento mais poderoso do que qualquer outro e que iria subverter as condições sociais em todo o mundo. “Quando James Watt anuncia em 1735 sua máquina de fiar e, com ela, a revolução industrial do século XVIII, ele nada fala disso, mas simplesmente de uma máquina para ‘fiar sem dedos’”, disse Marx. Antes o artesão produzia as mercadorias e o freguês vinha ao seu local de trabalho fazer a encomenda. Willian Petty, famoso economista do século XVII, analisando as mudanças que já estavam ocorrendo nas relações sociais, disse: “A fabricação da roupa deve ficar mais barata quando um

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compõe as fibras, outro fia, outro tece, outro puxa, outro alinha, outro passa e empacota, do que quando todas as operações mencionadas são canhestramente executadas por uma só mão.”

O pessoal ligado às corporações de artesãos reagiu às mudanças. Consta que a Corporação de Mecânicos de Glasgow, na Escócia, tentou proibir James Watt de continuar suas experiências sobre a máquina a vapor. Entretanto, do século XVI ao XVIII os artesãos independentes da Idade Média desapareceram e em seu lugar surgiram os assalariados que cada vez mais dependiam do capitalista. Desapareciam, assim, as fases primitivas da organização industrial que começou com o sistema familiar. Nesse sistema, os membros de uma família produziam artigos para seu consumo e não para atender o mercado. Era o princípio da Idade Média. Mais tarde surgiu o sistema de corporações, no qual os trabalhadores eram donos tanto da matéria-prima quanto dos instrumentos de trabalho. Esse sistema se transformou em produção destinada ao mercado maior - com a diferença de que o artesão, embora ainda proprietário dos instrumentos de trabalho, dependia de um empreendedor que surgiu entre ele e o consumidor. Assim, o artesão passou a ser um tarefeiro assalariado.

Nascia o sistema fabril, cuja produção para um mercado cada vez maior era realizada fora de casa, nos edifícios do capitalista e sob sua rigorosa supervisão. Os trabalhadores perderam completamente sua independência. Não possuíam mais a matéria-prima nem os instrumentos de trabalho, como ocorria no sistema de corporações. A habilidade deixou de ser tão importante como antes devido ao uso das máquinas. O capital passou a comandar toda atividade industrial. “Um número de operários bastante considerável sob o comando de um mesmo capitalista, esse é o ponto de partida natural da produção capitalista”, disse Marx. “O operário vende ao capital sua força de trabalho por lhe faltar os meios materiais de produção.”

Por trás dessa transformação radical da sociedade estava a máquina a vapor. Ela foi inventada no fim do século XVI, mas só serviu como ponto de partida para a revolução industrial e como meio de trabalho no fim do século XVIII. As tentativas iniciais de colocar em movimento a nova invenção foram frustradas porque o mecanismo de transmissão tornava a força motriz da água insuficiente. Foi Watt quem desenvolveu um motor que adquiriu forma independente da força humana. “A ciência em geral nada custa ao capitalista, o que não o impede de explorá-la”, disse Marx ao analisar esse processo.

Ficou demonstrado que o ponto de partida da grande indústria capitalista é o meio de trabalho, ou seja, a máquina. Tornando supérflua a força muscular, a máquina permite empregar trabalhadores sem grande força física. “Quando o capital se apropriou da máquina, sua conclamação foi: ao trabalho, mulheres e crianças”, disse Marx. “O operário agora vende mulher e filhos: transformou-se em mercador de escravos.”

A luta entre o assalariado e o capitalista data das próprias origens da economia capitalista. No princípio, o trabalhador só atacava o “meio de trabalho” - as máquinas - expressando sua revolta no objeto que ele via como a encarnação técnica do capital. É conhecido o movimento liderado pelo operário inglês Ned Ludd, que arrastava a maquinaria para a praça do mercado para julgá-la se era útil ao ou não ao homem. “Foi preciso tempo e experiência para que os operários tendo aprendido a distinguir entre máquina e seu emprego capitalista, dirigissem seus ataques não contra seu meio material de produção (as máquinas), mas contra seu modo social de exploração (o capitalismo)”, disse Marx. Desde então, os trabalhadores partiram para a luta e

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conquistaram muitas proteções sociais contra a exploração assalariada e em alguns países até depuseram o domínio despótico do capital.

Mas até se chegar a essa conclusão, os sofrimentos das classes sociais de menor renda foram dramáticos. A mecanização agrícola proporcionou um forte motivo para o êxodo de trabalhadores rumo às cidades. A população, alijada das atividades agrícolas, engrossava as fileiras dos que não tinham mais nada a oferecer - senão a sua força de trabalho. Estavam, assim, criadas as condições para a diminuição dos salários reais, prolongamentos das jornadas de trabalho para até 18 horas diárias, grande número de desempregados e a precarização das moradias - o que facilitava enormemente o aparecimento de epidemias como as de cólera e de tifo. O Parlamento Britânico chegou a aprovar a “Lei dos Pobres”, segundo a qual um pobre poderia ser enviado a uma “casa de trabalho”, onde receberia o indispensável para não morrer de fome.

Foi nesse período que o economista e sacerdote inglês Thomas Malthus escreveu o seu conhecido “Ensaio da População”, no qual afirma que a população, se não fosse controlada, cresceria em progressão geométrica (de razão 2 a cada 25 anos) 1 : 2 : 4 : 8 : 16 : 32 :... Enquanto isso, “a produção de alimentos da Grã-Bretanha poderia ser aumentada a cada 25 anos por uma quantidade de subsistência igual à que ela atualmente produz”. Ou seja, estaria crescendo em progressão aritmética de razão 1 (1 : 2 : 3 : 4 : 5 :...). As estatísticas não confirmaram as idéias de Malthus, tanto sobre a taxa de crescimento da população quanto sobre a produção de alimentos. Os progressos científicos importantes como as descobertas de adubos químicos e de grãos híbridos, além de técnicas mais refinadas de cultivo e tratamento do solo, permitiram um grande aumento da produtividade agrícola. Já o aumento da população não ocorreu como previa Malthus devido à utilização de métodos anticoncepcionais.

Se acontecesse o que Malthus disse, em exercício de fácil resolução verificaríamos que em um século a população estaria multiplicada por 16 (a evolução estaria ocorrendo em progressão geométrica: 1 : 2 : 4 : 8 : 16 :...), enquanto a produção de alimentos seria apenas cinco vezes maior (1 : 2 : 3 : 4 : 5 :...). Se havia alimentos apenas o suficiente para alimentar toda a população, sem nenhum excedente, ao fim de um século apenas cinco em cada 16 pessoas encontrariam alimentação.

Malthus se posicionou contra a “Lei dos Pobres” porque entendia que ela “estimulava casamentos entre pessoas que não estavam preparadas para a constituição de famílias”. Na sua opinião, o resultado natural dessa tendência seria a miséria, a fome e a morte. Em decorrência “das condições insalubres das moradias e dos locais de trabalho, epidemias e pestes teriam curso livre entre os infelizes - se eles não morressem antes em alguma guerra”. Esses fatores constituíam o que Malthus denominava de “freios positivos” do crescimento populacional. Embora pareça loucura, essas idéias tiveram uma repercussão séria na época.

III - O mundo do trabalho

Entender o mundo do trabalho no capitalismo, como disse Marx, levou tempo. Mas o próprio Marx deu contribuições insubstituíveis para essa compreensão. Segundo sua teoria, o processo de trabalho compreende três elementos fundamentais. O primeiro é o trabalho como processo racional do homem. O segundo são os instrumentos de

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trabalho, denominados também meios de trabalho, com a ajuda dos quais o homem atua sobre a natureza. Com os meios de trabalho o homem reforça os órgãos de seu corpo. Por exemplo, sem o microscópio é impossível ver a estrutura das células. Os edifícios, os meios de transporte, as estradas, etc. também são meios de trabalho. A terra, como o lugar em que se realiza o processo de trabalho, como portadora das propriedades naturais utilizadas na produção agrícola e como depósito dos minerais, também faz parte dos meios de trabalho.

Vejamos alguns dados que permitem, pelo menos aproximadamente, analisar a evolução dos auxiliares do homem no processo de trabalho. Há cem anos os gastos energéticos do próprio trabalho - a força humana - constituíam 15% dos gastos totais com a produção. A força animal participava com 79% e as máquinas apenas 6%. Atualmente, a força humana diminuiu para 3%, a força animal diminuiu para 1% e a das máquinas aumentou para 96%.

O terceiro elemento do processo de produção é o objeto do trabalho, ou seja, os materiais. Alguns são oferecidos diretamente pela natureza, como o petróleo, os minerais e as florestas, e são chamados de objetos de trabalho primários. Outros exigem uma preparação antes de serem utilizados, como o refinamento do petróleo e de outros minerais e o beneficiamento de certos produtos agrícolas, e são chamados de objetos secundários. No começo da produção social, os objetos de trabalho primários eram predominantes. Atualmente, os objetos criados artificialmente, como as fibras sintéticas e as matérias plásticas, já predominam.

Os objetos e os meios de trabalho, com a ajuda dos quais o homem produz os bens necessários, no seu conjunto constituem os meios de produção. Embora eles desempenhem um papel fundamental no processo de trabalho, são mortos sem o trabalho do homem. Para que os meios de produção possam produzir os bens necessários, é preciso que o homem atue sobre eles. É necessário que os meios de produção se unam à força de trabalho.

Os meios de produção e a força de trabalho constituem as forças produtivas da sociedade. O papel determinante na composição das forças produtivas cabe ao homem. Ele utiliza e cria os meios de produção. No processo de produção, os homens inevitavelmente entram em contato uns com os outros. As fábricas de automóveis são um bom exemplo. Elas estão ligadas a numerosas empresas fornecedoras. Ou seja, o trabalho tem um caráter social. A produção é sempre “produção social” e o trabalho é sempre trabalho social.

No processo de produção, distribuição, troca e consumo das mercadorias surgem determinadas relações sociais entre os homens, independentemente de suas vontades e consciência. Essas relações sociais são denominadas relações de produção. E elas dependem diretamente da forma de propriedade dos meios de produção. A propriedade dos meios de produção vai determinar a situação concreta de cada pessoa no sistema de relações de produção. A situação do proprietário da terra ou de qualquer outra propriedade privada dos meios de produção (fábricas, empresas, oficinas, bancos, etc.), diferencia-se essencialmente da situação do trabalhador. Existindo a propriedade privada dos meios de produção, uma minoria insignificante da sociedade possui as riquezas naturais - enquanto a maioria é privada desses meios.

Na história da sociedade humana houve diversas formas de propriedade privada, basicamente dividas em três etapas históricas: a escravagista, a feudal e a capitalista. As relações de produção da comunidade primitiva caracterizavam-se pela propriedade

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social dos meios de produção primitivos. Já as relações de produção escravagista eram caracterizadas pelo fato de os meios de trabalho e o próprio trabalhador (o escravo) serem propriedades de um senhor. Para o escravagista, tanto os meios de trabalho quanto o trabalhador (o escravo) eram igualmente objetos de sua propriedade - eram coisas suas. As relações de produção no feudalismo, baseadas na grande propriedade fundiária, eram relações de exploração dos camponeses pelo proprietário da terra, o senhor feudal. Os camponeses eram obrigados a trabalhar gratuitamente as terras do senhor feudal e a pagar-lhe regularmente tributos e rendas.

As relações de trabalho capitalistas baseiam-se na propriedade privada sobre os meios de produção. No capitalismo a força de trabalho é livre, mas desprovida dos meios de produção. Por isso, o trabalhador é obrigado a vender sua força de trabalho ao capitalista para obter a sua subsistência. O trabalhador juridicamente livre surgiu com a abolição da servidão feudal. Mas os métodos para obrigá-lo a trabalhar para o capital foram terrivelmente cruéis. Foram criadas leis sangrentas para os camponeses e artesãos. Para quem saísse do trabalho antes da autorização do capitalista eram previstos encarceramento e chicotadas. Em caso de reincidência, dizia uma lei da Grã-Bretanha, o trabalhador deveria ser amarrado atrás de um carroção e arrastado até “o sangue correr do seu corpo”. Era previsto também que se alguém se recusasse a trabalhar deveria ser marcado com fogo, condenado a ser escravo e até executado. Assim foi criada a disciplina do trabalho assalariado.

No capitalismo, ao mesmo tempo em que o trabalhador obtém a sua subsistência no processo de trabalho, ele está produzindo mercadorias - a célula econômica do sistema. A mercadoria, antes de tudo, é um objeto material, criado pelo trabalho humano que, por si mesmo, não é mercadoria. Ele é transformado em mercadoria através do trabalho humano que o produz para a compra e a venda. Uma fruta colhida no pomar, por exemplo, não é mercadoria. No entanto, se ela é produzida para o comércio, o trabalho humano realizado naquele objeto, a fruta, o transforma em mercadoria. No capitalismo, além do produto do trabalho a força de trabalho também é mercadoria.

É necessário aqui distinguir a força de trabalho do trabalho. A força de trabalho é a capacidade para o trabalho do trabalhador. O trabalho é o que se gasta da força de trabalho no processo de produção. É a força de trabalho que o capitalista compra do trabalhador. É ela que vai realizar o trabalho necessário para a produção das mercadorias. Contratado o trabalhador, o capitalista vai obrigá-lo a usar o máximo da sua força de trabalho - as capacidades físicas e intelectuais - na empresa.

Para criar uma empresa, o capitalista adianta o capital sob a forma de uma determinada soma em dinheiro. Ele divide essa soma em duas partes: a primeira é gasta com a compra dos meios de produção (instalações, máquinas, materiais, etc.) e é denominada capital constante. A outra parte do capital adiantado é utilizada para contratar o trabalhador e é denominada capital variável. O capital constante divide-se em duas partes: uma para a compra dos meios de trabalho (máquinas, meios de transportes, edifícios, etc.) e outra para a compra dos objetos de trabalho (materiais, combustíveis, energia elétrica, etc.). O capitalista compra máquinas cada vez mais complexas e modernas e por isso mais caras, aumentando o seu capital constante. Já o capital variável aumenta mais lentamente ou mesmo chega a diminuir, como ocorre na atualidade com os trabalhadores sendo substituídos por máquinas. Essas duas formas de o capitalista adiantar o capital são denominadas estrutura do capital ou composição orgânica do capital. É assim que ele é composto para girar a produção.

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Na empresa capitalista, o trabalhador cria produtos com os meios de produção pertencentes ao capitalista. Conseqüentemente, a produção é do capitalista. Ao se apropriar da produção, o capitalista está se apropriando de um resultado do processo de trabalho pelo qual ele não pagou um centavo. Imagine uma fábrica de camisas na qual o trabalhador recebe 2 dólares de salário por dia. Digamos que em uma hora de trabalho ele fez 3 camisas que são vendidas no mercado a 1 dólar. Na segunda hora ele fez igualmente 3 camisas. Em duas horas de trabalho ele fez 6 camisas e o capitalista faturou 2 dólares. Esse valor é igual ao salário diário do trabalhador em questão. Ou seja, em duas horas de trabalho ele criou um valor equivalente ao gasto pelo capitalista com a força de trabalho. Essas duas horas constituem para o trabalhador o tempo necessário. Ao vender as 6 camisas, o capitalista recebe os 2 dólares que pagou ao trabalhador sob a forma de salário. Isso compensará o capitalista do gasto que ele teve com o capital variável, a compra da força de trabalho. Ele não ganha e nem perde um centavo.

Mas ao organizar a produção, o capitalista quer obter lucro e enriquecer. Para isso ele não limita a jornada de trabalho ao tempo necessário, ou seja, ele não pára o trabalho depois de duas horas. Utilizando o padrão de 8 horas diárias de trabalho, teremos um tempo excedente de 6 horas diárias. Esse tempo é denominado de tempo de trabalho suplementar, ou seja, o tempo de trabalho acima do trabalho necessário. Assim, o dia de trabalho do assalariado possui duas partes: uma é o tempo necessário e a outra é o tempo suplementar.

No tempo de trabalho suplementar o trabalhador cria o que é denominado de mais-valia - o lucro do capitalista. Utilizando o exemplo da fábrica de camisas, no final do dia o trabalhador produziu 24 camisas (3 camisas por hora x 8 horas de trabalho) e um valor de 8 dólares (1 dólar por hora x 8 horas trabalhada). Descontado o salário do trabalhador, de 2 dólares, sobra para o capitalista 6 dólares - o lucro, ou a mais-valia - sem lhe custar um centavo. O resultado do trabalho não pago é a fonte de enriquecimento do capitalista.

A produção também se divide em duas partes: uma é consumida pelo produtor direto, o trabalhador, e outra pelo portador da mais-valia, o capitalista. A parte do capitalista é denominada de sobreproduto. A produção e a apropriação da mais-valia é a essência da exploração capitalista. As relações monetárias, mercantis e jurídicas existentes na sociedade capitalista mascaram a exploração e levam muitos a acreditar que o assalariado é tão livre e igual em direitos quanto o capitalista. Os dois trocam voluntariamente os equivalentes (força de trabalho versus salário), os dois são pessoalmente livres. Realmente, a exploração não está ligada à violação da equivalência na compra da força de trabalho e dos meios de produção. Ela se deve, como já vimos, ao fato de o capitalista comprar uma mercadoria especial, a força de trabalho, e, ao usá-la, obrigar o trabalhador a criar gratuitamente um novo valor. Portanto, por trás da igualdade jurídica na troca da força de trabalho pelo salário está a mais franca desigualdade econômica.

A mais-valia é criada pelo capital variável (a força de trabalho). O capital constante (instalações, máquinas, materiais, etc.) não aumenta seu valor no processo de produção. Ele é uma premissa, mas só o capital variável cria a mais-valia. Assim, o aumento do grau de exploração faz com que o assalariado trabalhe cada vez mais para o capitalista e cada vez menos para si.

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O capital procura aumentar constantemente a parte do sobretrabalho. Para aumentar a mais-valia, o capitalista aplica meios e métodos brutais. O primeiro e mais simples é o de prolongar a jornada de trabalho. O resultado é o aumento do sobretrabalho. Quanto maior for o sobretrabalho, maior é a mais-valia. O prolongamento da jornada de trabalho provoca o aumento absoluto do gasto da força de trabalho. A mais-valia produzida por esse meio é denominada de mais-valia absoluta. Esse método foi muito utilizado no começo do capitalismo. Mas perdeu fôlego diante da tomada de consciência e da luta dos trabalhadores. Hoje em dia ele ameaça voltar com força.

Mas a mais-valia absoluta tem um limite intransponível: o fim do dia de trabalho. Veja esse exemplo:

A——C———D————————B

A letra A indica o início e a letra B indica o fim da jornada de trabalho, o limite que não se pode ultrapassar. A parte que vai de A a D é a que o trabalhador produz o valor do salário recebido (o tempo necessário). O trecho de D a B é a parte da jornada de trabalho em que o trabalhador produz mais-valia (o sobretrabalho). O sobretrabalho absoluto encontra seu limite em B - o obstáculo intransponível, o fim da jornada de trabalho.

Aí o capitalista utiliza outro método para que a mais-valia seja aumentada. Ele consiste na redução do tempo de trabalho necessário, através do aumento da produtividade do trabalho. Existem duas formas básicas de aumentar a produtividade: uma é a que intensifica o ritmo de trabalho (as novas técnicas de gerenciamento, por exemplo) e outra é a que introduz máquinas modernas e tecnologias novas. Assim, como o tempo de trabalho necessário termina em D, o capitalista o reduz para C. O tempo de trabalho necessário é reduzido e o sobretrabalho é aumentado. Essa forma de aumentar a mais-valia é denominada de mais-valia relativa.

IV - O desenvolvimento da Primeira Revolução Industrial

O aumento da produtividade sempre foi perseguido pelos capitalistas. O capitalismo conhece três etapas históricas fundamentais do desenvolvimento industrial para a elevação da produtividade: a cooperação simples nas oficinas capitalistas nas quais o processo de trabalho realizava-se ainda com a técnica do artesão, a manufatura em que ainda predominava a técnica artesanal, mas já com a divisão do trabalho, e a grande indústria baseada no sistema de máquinas.

Nas oficinas capitalistas o processo de trabalho diferenciava do das oficinas dos artesãos porque antes eles eram proprietários e produtor - e agora trabalham para o capitalista. Essa primeira etapa do desenvolvimento da produção capitalista é denominada cooperação simples do trabalho. A segunda etapa difere da primeira pelo fato de que o trabalho coletivo de muitos assalariados inclui além da cooperação simples a divisão do trabalho entre os operários. Essa segunda etapa do desenvolvimento da produção capitalista é denominada de período manufatureiro do capitalismo. A manufatura é uma empresa cuja produção se baseia na divisão do trabalho e na técnica artesanal. Existiam dois tipos básicos de empresas manufatureiras: uma que reunia

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artesãos de uma mesma especialidade incumbidos de executar cada um uma determinada operação, e outra que reunia artesãos de diferentes profissões - que participavam sucessivamente na criação do produto.

O artesão que fabricava a mercadoria do começo ao fim se converteu em operário parcial. Ele agora fabrica apenas uma parte do produto. A manufatura aumentou consideravelmente a produção capitalista. Mas numa determinada etapa do seu desenvolvimento, a manufatura, baseada na técnica artesanal, entrou em conflito com as necessidades da crescente produção capitalista e do mercado.

A manufatura criou as condições para a passagem à terceira etapa do desenvolvimento do capitalismo: a grande indústria mecânica. A manufatura foi substituída pela fábrica, uma empresa industrial baseada no uso de um sistema de máquinas. A divisão do trabalho na manufatura e na fábrica realiza-se de maneira diferente. Na manufatura a base da divisão do trabalho é o operário parcial e o seu instrumento de trabalho. Na fábrica, nas palavras de Marx, “o esqueleto da produção é constituído pela cooperação das máquinas”. A fábrica capitalista é uma nova fase da exploração da mão-de-obra assalariada. O uso das máquinas permitiu incorporar na produção mulheres e crianças e também formou o exército industrial de reserva, os desempregados. A multiplicação das máquinas a vapor proporcionou fantásticos ganhos de produtividade.

V - A Segunda Revolução Industrial

A substituição das máquinas a vapor por outras movidas a eletricidade e a óleo diesel, denominada Segunda Revolução Industrial, que aconteceu entre as últimas décadas do século passado e as primeiras décadas deste século, correspondeu a outro salto espetacular da produtividade. Até a década de 20, a associação entre desenvolvimento tecnológico e desemprego em massa era algo que faltava ser provado na prática. Sempre havia explicações que, bem ou mal, acabavam convencendo boa parte dos trabalhadores. Entretanto, foi nos Estados Unidos, um país que vinha ostentando alta produtividade com a Segunda Revolução Industrial, que a bomba estourou. Uma reestruturação fundamental do trabalho e uma avalanche de novas tecnologias de racionalização produtiva estavam alterando o cenário econômico.

A linha de montagem da Ford mudou radicalmente o modo como as empresas produziam bens e serviços. O motor de combustão interna e o automóvel estavam acelerando o ritmo do transporte. A eletricidade forneceu energia barata e abundante para impulsionar o processo produtivo. A produtividade aumentava continuamente desde a virada do século. Em 1904, eram necessárias 1.300 horas/homem para construir um carro. Em 1932 era possível construí-lo com menos de 19 horas. Aumentos de produtividade semelhantes foram alcançados em várias outras indústrias.

Entre 1920 e 1927, a produtividade na indústria americana aumentou em 40%. Na manufatura, a produção homem/hora aumentou numa surpreendente taxa de 5,6% ao ano, entre 1919 e 1929. Ao mesmo tempo, mais de 2,5 milhões de empregos desapareceram. Só no setor de manufatura foram demitidos mais de 825 mil operários. Em 1925, a Comissão do Senado para Educação e Trabalho realizou estudos sobre o crescente número de trabalhadores que estavam sendo demitidos em função das novas tecnologias e do aumento da produtividade. A Comissão concluiu que a maioria dos

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trabalhadores que perdiam o emprego em função de “aperfeiçoamentos tecnológicos” continuava desempregada por um período prolongado e, quando eles encontravam emprego, geralmente era numa faixa salarial inferior.

Como na década de 20 a produtividade subia aceleradamente e um grande número de trabalhadores fora demitido, as vendas caíram dramaticamente. A imprensa começou a noticiar “boicotes dos compradores” e “mercados limitados”. Com excesso de produção e falta de compradores, os capitalistas começaram a canalizar seus recursos de propaganda para a recuperação do público consumidor. A Associação Nacional de Fabricantes conclamou o público a “terminar o boicote de compradores”. Em Nova York, empresários organizaram o Prosperity Bureau (Departamento da Prosperidade), exortando os consumidores a “comprar agora” e a “fazer o dinheiro circular novamente”, lembrando o público que “suas compras mantêm a América empregada”.

As câmaras de comércio locais abraçaram a causa e espalharam a mensagem em todo o país. Os capitalistas esperavam que, convencendo os que ainda trabalhavam a comprar mais e economizar menos, poderiam esvaziar seus armazéns e prateleiras e manter a economia americana em movimento. A cruzada para transformar os trabalhadores americanos em consumidores de “massa” ficou conhecida como “o evangelho do consumo”.

Com o crescente número de trabalhadores que estavam sendo dispensados pelas novas tecnologias e com o elevado nível de produção, os capitalistas procuravam desesperadamente novas maneiras de redirecionar a psicologia dos trabalhadores para “o evangelho do consumo”. Charles Kettering, da General Motors, estava entre os primeiros a pregar o novo “evangelho do consumo”. A GM já havia começado a introduzir modificações nos modelos de seus automóveis e lançara uma campanha vigorosa com a finalidade de deixar os consumidores descontentes com o carro que já possuíam. “A chave para a prosperidade econômica é a criação organizada da insatisfação”, disse Kettering. O marketing, que até então havia desempenhado um papel secundário nos negócios, assumiu nova importância.

Da noite para o dia, a cultura do produtor transformava-se na cultura do consumidor. “Os luxos dos prósperos precisam ser transformados em necessidades das classes mais pobres”, disse a economista Hazel Kyrk. Segundo ela, a superprodução e o desemprego tecnológico podiam ser amenizados e até mesmo eliminados se os trabalhadores fossem conscientizados para o “consumo dinâmico do supérfluo”.

Muitas empresas procuraram novas maneiras de redirecionar seus produtos para aumentar as vendas. Embalagens e marcas foram adotadas. (Até então, a maioria dos armazéns vendia gêneros de primeira necessidade, como açúcar, vinagre, farinha, pregos e alfinetes, sem marca ou etiqueta, em barris e a granel.) A Coca-Cola, que originalmente era comercializada como remédio contra dor-de-cabeça, passou a ser apresentada como refrigerante popular. Asa Candler, que comprou a patente de processamento de um farmacêutico de Atlanta, argumentava que “o sofredor crônico talvez tenha uma dor de cabeça por semana. Muitas pessoas têm apenas uma vez por ano. Entretanto, há um mal terrível que aflige todos com sofrimento diário e que durante seis ou oito meses do ano pode ser tratado e aliviado, apenas para surgir novamente em menos de uma hora; esse mal é a sede”. A compra a crédito foi adotada, a moradia no subúrbio - projetada para imitar a tranqüila vida campestre dos ricos e famosos - foi estimulada e brindes foram distribuídos.

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Em 1929, a psicologia de massa do consumismo havia se apossado da América. As tradicionais virtudes americanas da simplicidade e do auto sacrifício estavam desaparecendo. Naquele ano, a Comissão das Mudanças Econômicas Recentes do Presidente Herbert Hoover publicou um relatório sobre a profunda mudança na psicologia humana que havia ocorrido em menos de uma década. O relatório terminava com uma entusiástica previsão sobre o que esperava a América: “A pesquisa provou de forma conclusiva o que teoricamente há muito já se sabia ser verdadeiro: que desejos são insaciáveis; que um desejo satisfeito dá lugar a outro. A conclusão é que economicamente temos um campo sem fronteiras diante de nós; que existem novos desejos que abrirão caminhos intermináveis para outros novos desejos tão rapidamente quanto são satisfeitos. Com a propaganda e outros dispositivos promocionais, criou-se um impulso mensurável na produção. Quer nos parecer que podemos prosseguir com atividade crescente. Nossa situação é favorável, nosso momento é extraordinário.”

Apenas poucos meses depois o mercado de ações quebrou - o crash da Bolsa de Nova York -, mergulhando o mundo na mais sinistra depressão da era moderna. A Comissão Hoover e os capitalistas estavam obstinados pela idéia de que a oferta cria a demanda. Não foram capazes de ver os verdadeiros motivos que estavam levando a economia mundial para a depressão. Para compensar o crescente desemprego tecnológico, os capitalistas investiram milhões de dólares em propaganda e campanhas publicitárias, na esperança de convencer os trabalhadores empregados a participar ainda mais do consumo.

O que eles não perceberam é que a renda dos assalariados não crescia com rapidez suficiente para acompanhar os aumentos da produtividade e da produção. Os capitalistas preferiram embolsar o lucro extra total obtido com o aumento da produtividade a transferir uma parte para os trabalhadores na forma de aumentos salariais. Henry Ford sugeriu que os trabalhadores fossem suficientemente pagos para que pudessem comprar os produtos que produziam nas empresas. Se não, dizia ele, “quem vai comprar meus carros?” Seus pares preferiram ignorar o conselho.

Os capitalistas estavam convencidos de que poderiam colher lucros inesperados, reduzir salários e ainda forçar o consumo. Eles não compreenderam que seu sucesso era a raiz da crescente crise econômica. Ao dispensar trabalhadores, as empresas aumentavam a produtividade à custas de números cada vez maiores de trabalhadores desempregados e subempregados. O sistema econômico parecia preso a uma terrível e irônica contradição da qual aparentemente não havia como escapar. Sem saída para a depressão que se agravava, muitas empresas continuaram reduzindo custos através da substituição de trabalhadores por máquinas, esperando impulsionar a produtividade. Somente colocavam lenha na fogueira.

Em plena depressão, o economista britânico John Maynard Keynes publicou um livro “Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda”, que iria alterar fundamentalmente o modo como os governos regulariam a política econômica. Numa passagem profética, ele advertia seus leitores para um novo e perigoso fenômeno cujo impacto poderia ser aprofundado nos anos seguintes: “Estamos sendo acometidos de uma nova doença da qual alguns leitores talvez ainda não tenham ouvido falar, mas sobre a qual ouvirão falar muito nos próximos anos - o ‘desemprego tecnológico’. Isso significa desemprego como resultado da nossa descoberta de meios de economizar a mão-de-obra, superando a velocidade com que podemos encontrar novos usos para ela.”

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Na década de 30, outros economistas disseram que a produtividade, resultado das tecnologias poupadoras de mão-de-obra, estava apenas exacerbando as dificuldades da situação econômica. Os trabalhadores começaram a se organizarem e começaram a reivindicar redução na semana de trabalho como uma justa solução para a crise - argumentando que eles tinham o direito de compartilhar os ganhos de produtividade decorrentes das novas tecnologias.

O desemprego não parava de crescer. Em 1929, pouco mais de um milhão de pessoas estavam desempregadas. Em dezembro de 1931, eram mais de dez milhões de americanos sem trabalho. Seis meses depois, em junho de 1932, o número de desempregados havia crescido para 13 milhões. O desemprego atingiu seu ponto máximo, com mais de 15 milhões de desempregados, no auge da depressão, em março de 1933.

Um crescente número de economistas dizia que a causa da depressão era a revolução tecnológica dos anos 20, que havia aumentado a produtividade e a produção mais rapidamente do que a demanda por bens e serviços. As advertências de Friedrich Engels feitas mais de meio século antes estavam sendo cumpridas. Em seu livro “Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico”, ele escreveu: “O crescente aperfeiçoamento da maquinaria moderna é transformado em lei compulsória que força cada capitalista a aperfeiçoar sempre suas máquinas e a aumentar sempre a sua força produtiva. (...) Mas a ampliação dos mercados não consegue acompanhar a ampliação da produção. (...) A colisão torna-se inevitável.”

As opiniões de Engels foram incorporadas por muitos economistas e engenheiros da época. Dexter Kimball, reitor da Faculdade de Engenharia da Universidade de Cornell, escreveu: “Pela primeira vez uma nova e aguda questão é levantada a respeito de nossos métodos e equipamentos industriais, e o medo é extremado em termos de que nosso equipamento industrial seja tão eficiente que a superprodução permanente tenha ocorrido e, conseqüentemente, o desemprego tecnológico tenha-se tornado um fator permanente.”

Os trabalhadores optaram pela luta que buscava a combinação dos ganhos de produtividade com aumento nos salários e, principalmente, redução nas horas trabalhadas. Mas a histórica central sindical americana AFL-CIO, pelega por natureza, não se empenhou em levar essa luta adiante. O historiador Benjamim Hunnicutt diz que na Convenção da AFL-CIO de 1929 o relatório final do Conselho Executivo sobre a redução da jornada de trabalho “não mencionou desemprego ou aumentos salariais, apresentando, isso sim, extensa exaltação do lazer do trabalhador, descrevendo-o como necessário para o desenvolvimento harmonioso do corpo, da mente e do espírito; a riqueza da vida; o progresso social e a própria civilização”.

Em 1932, a AFL-CIO mudou o discurso. Seus líderes viam o desemprego tecnológico, segundo Hunnicutt, como “resultado natural da maior eficiência, dos lucros econômicos e de mercados limitados”. Defendiam a redução da jornada, mas pouco foi feito para concretizá-la. Mas a causa era justa e tinha simpatizantes. O famoso matemático e filósofo inglês Bertrand Russel defendeu a redução da jornada com o seguinte argumento: “Não deveria haver oito horas diárias para alguns e zero para outros, mas quatro horas diárias para todos.”

Em 1932, o Conselho Executivo da AFL-CIO, reunido em Atlantic City, redigiu um documento em que apelava ao presidente Hoover para convocar uma “conferência com líderes empresariais e trabalhistas com a finalidade de implementar uma semana de

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trabalho de 30 horas para criar oportunidades de trabalho para milhões de homens e mulheres inativos.” Alguns empresários aderiram à campanha e cortaram a jornada, reduzindo-a para 30 horas semanais.

Em 31 de dezembro de 1932, o senador Hugo Black apresentou um projeto de lei no Senado requerendo a semana de trabalho de 30 horas como “o único método prático e viável para administrar o emprego”. Black dirigiu-se ao país pelo rádio, conclamando a população a apoiar o projeto. Ele previu que sua aprovação levaria à imediata readmissão de mais de 6,5 milhões de desempregados.

Para surpresa do país, o Senado aprovou o projeto de lei de Black em fevereiro de 1933. A aprovação entusiasmou o público e estremeceu Wall Street. O projeto foi enviado imediatamente para a Câmara dos Deputados, onde William Connery, presidente da Comissão do Trabalho, previu sua rápida aprovação. Aprovado na Comissão, o projeto seguiu tramitando como se a jornada semanal de 30 horas fosse algo já garantido. Os trabalhadores americanos achavam que estavam perto de serem os primeiros do mundo a trabalhar 30 horas na semana.

Entretanto, o entusiasmo deles estava com as horas contadas. O presidente Roosevelt, eleito há poucos meses, juntamente com os líderes capitalistas, imediatamente tomou providências para acabar com o projeto. O presidente disse que a redução da jornada em longo prazo iria reduzir o ritmo de crescimento da economia e afetar a competitividade internacional dos Estados Unidos.

Roosevelt convenceu a Câmara a afundar o projeto em troca da aprovação da Lei de Recuperação da Indústria Nacional, que ficou conhecida como NIRA (National Industries Recuperation Act). A AFL-CIO capitulou porque a NIRA garantia aos trabalhadores o direito de se organizarem e negociarem coletivamente (o Contrato Coletivo de Trabalho), uma reivindicação antiga da central. A redução da jornada foi trocada pelo Contrato Coletivo de Trabalho. A NIRA, por sua vez, fazia o país assumir o compromisso de empregar milhões de trabalhadores num programa de expansão de obras públicas. “Nosso objetivo é criar empregos tão rapidamente quanto pudermos”, disse Roosevelt.

Em 1935, o presidente americano lançou um esforço ainda mais ambicioso de criação de empregos: o Programa para o Progresso do Trabalho. A idéia era utilizar mais mão-de-obra do que materiais e máquinas e fazer com que o maior número possível de trabalhadores fosse empregado. Dando maior ênfase ao trabalho não qualificado e semiqualificado e deliberadamente desprezando grandes investimentos de capital, Roosevelt esperava colocar dinheiro diretamente nas mãos dos trabalhadores na esperança de que isso estimulasse a economia.

Mesmo com todos esses mecanismos, os Estados Unidos chegaram em 1940 com 15% de desempregados. Em 1937, Roosevelt discursou durante uma sessão especial do Congresso convocada para tratar do agravamento do desemprego e disse que se arrependeu de não ter apoiado o Projeto de Lei do senador Black. Ele então fez uma pergunta aos presentes que vale muito para os dia de hoje. “O que o país realmente ganha se encorajarmos o empresariado a ampliar a capacidade de produção da indústria americana e se não fizermos nada para que os rendimentos da nossa população trabalhadora efetivamente aumentem para criar mercados e absorver a produção aumentada?”

A crise americana havia desencadeado a crise econômica em todo o globo. Foi somente a Segunda Guerra Mundial, encerrada em 1945, que salvou a economia

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americana. A economia de guerra continuou mesmo depois do dia da vitória contra o Japão - na forma de um vasto complexo industrial-militar, um labirinto de empreendimentos financiados pelo Pentágono que vieram a dominar a economia americana. Mesmo assim, o desenvolvimento da tecnologia marcou os anos 50 e 60, com o avanço da automação ameaçando os empregos. A Guerra Fria e a Guerra do Vietnã aceleraram o fluxo de dólares do governo para a indústria militar, assegurando a expansão da economia e empregos para muitos que, de outra forma, poderiam ter sido demitidos como resultado do uso de novas tecnologias. Em meados dos anos 70, quase 20% de todos os trabalhadores americanos estavam empregados no setor público, número que fazia do governo o maior empregador dos Estados Unidos.

Esse tumultuado período de desenvolvimento da produção capitalista, marcado por duas guerras mundiais, trás como símbolos principais as máquinas cada vez mais modernas e o uso racional do tempo de trabalho. Nos primórdios da Segunda Revolução Industrial dizia-se que o desenvolvimento da maquinaria traria um futuro sem trabalho, de enorme abundância de materiais e tempo livre sem limite. Eficiência passou a significar o máximo de rendimento no menor tempo possível, despendendo a menor quantidade de energia, trabalho e capital no processo produtivo. O principal responsável pela popularização do conceito de eficiência foi o engenheiro americano Frederick Taylor. Seu livro “Princípios da administração científica”, publicado em 1895, tornou-se a referência padrão para organizar o local de trabalho - e seus métodos não demoraram a ser empregados para organizar a sociedade.

Usando um cronômetro, Taylor dividiu a tarefa de cada trabalhador nos menores componentes operacionais visivelmente identificáveis e mediu cada um para apurar o melhor tempo atingível sob condições de desempenho ótimas. Seus estudos aferiram o desempenho de trabalhadores em frações de segundo. Calculando os tempos médios e os melhores atingidos em cada componente da tarefa do trabalhador, Taylor pode fazer recomendações sobre como mudar aspectos mínimos de desempenho para economizar segundos preciosos e, até mesmo, milessegundos.

O taylorismo é um sistema criado para reforçar o domínio do capital sobre os trabalhadores. Ele foi contestado pelos operários desde o seu início porque, além de aumentar a exploração assalariada, desqualificava o trabalho - a repetição de movimentos simples empobrece o conteúdo das tarefas executadas. Mas o taylorismo revelou-se um grande impulsionador da produção capitalista. Até hoje ele é um componente indispensável nas linhas de produção das grandes fábricas.

De qualquer forma, o taylorismo foi considerado uma aquisição científica do processo produtivo. Lênin, o chefe da revolução socialista de 1917 na Rússia, em seu artigo “As Tarefas Imediatas do Poder Soviético”, no item em trata do aumento da produtividade do trabalho, diz: “Deve ser colocada na ordem do dia o aproveitamento do muito que há de científico e progressista no sistema taylorista, observando a proporção entre o salário e o resultado geral da produção. (...) É preciso organizar na Rússia o estudo e o ensinamento do sistema de Taylor.” Lênin estava falando, é claro, da organização do trabalho socialista.

O taylorismo como instrumento para aumentar a produtividade e a exploração assalariada ganhou o considerável reforço de outro conceito de organização do trabalho também muito conhecido: o fordismo. A linha de montagem movida a volante magnético implantada por Henry Ford em 1913 foi descrita por ele mesmo dessa maneira: “Cada peça a ser trabalhada na oficina move-se. Pode ser movida em ganchos presos a

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correntes erguidas, chegando para a montagem na ordem exata em que as partes são necessárias. Pode deslocar-se sobre uma esteira mecânica ou mover-se pela força da gravidade. Mas o importante é que não é preciso levantar nem conduzir em veículos coisa alguma além das ferramentas.” A síntese do fordismo está em outra frase de Ford. “A idéia é que o homem precisa ter cada segundo necessário, mas não um único segundo desnecessário.”

A linha de montagem implantada por Ford foi aclamada com um entusiasmo que beirava a adulação. A euforia tecnológica naqueles anos era intensa. Mas logo o fordismo passou a enfrentar contestações. Charles Chaplin, no filme “Tempos Modernos”, retratou o homenzinho esmagado pela linha de montagem. Aldous Huxley, no livro “O Admirável Mundo Novo”, imaginou um futuro no qual os homens eram tolhidos pela coerção e desnorteados por uma nova religião - o fordismo. No período em que o fordismo se afirmava na Europa, nos anos 20 e 30, Antônio Gramsci, fundador do Partido Comunista Italiano, em seu livro “O Americanismo e o Fordismo”, disse: “Será que o tipo Ford de indústria e a organização fordista do trabalho e da produção são ‘racionais’? Por outras palavras: será possível, usando das pressões materiais e morais da sociedade e do Estado, que se obrigue os operários em massa a suportar pacientemente um processo de transformação psicofísica a fim de que o tipo médio de operário Ford se torne no tipo médio do operário moderno? Ou será que isso é impossível, porque acarreta a degenerescência física e a degradação do gênero humano, acompanhadas da exterminação de toda e qualquer força operária?”

Para Ford, a idéia de os operários fazerem qualquer questionamento era inadmissível. Algumas medidas adotadas por Roosevelt no sentido de dar representatividade sindical aos trabalhadores deixaram Ford furioso.

“Nunca reconheceremos qualquer sindicato. As organizações sindicais de trabalhadores são a pior coisa que já apareceu no mundo, porque tiram a independência do homem”, disse. Mas muitos operários estavam ávidos para perder a “independência” que tinham na Ford. A fábrica funcionava sob um regime despótico. Um ex-pugilista da Marinha tinha a função de manter a disciplina da força de trabalho e impedir a sindicalização. O ex-pugilista treinou os 3.500 homens que faziam a segurança privada da fábrica. Eles policiavam os portões, infiltrava-se nos grupos de ativistas sindicais que apareciam e disfarçavam-se de operários para espionar a linha de produção. “Henry Ford emprega alguns dos piores gângsteres de nossa cidade”, disse na ocasião o prefeito de Detroit, Frank Murphy.

Os operários não podiam conversar ou confraternizar com os colegas de trabalho na hora do almoço porque sempre havia a suspeita de espiões. Era normal ver um operário agachado, carrancudo e reservado, mastigando sua comida no mais completo isolamento. Houve uma época em que a “fordização da face”, segundo a qual ninguém estava autorizado a falar, era regra entre todos. Um operário foi demitido por ter cometido a infração de rir com os colegas e “atrasar a linha de produção por talvez meio minuto”, segundo relato de um ex-trabalhador da Ford.

VI - A Terceira Revolução Industrial O sistema taylorista-fordista hoje em dia está sendo considerado historicamente

superado por outras modalidades de organização do trabalho mais adequadas à

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Terceira Revolução Industrial iniciada imediatamente após a Segunda Guerra Mundial. Somente agora o mundo está sentindo o impacto da nova organização da atividade econômica. Robôs com controle numérico, computadores e softwares avançados estão invadindo os domínios da mente. Adequadamente programadas, essas novas “máquinas inteligentes” são capazes de realizar funções conceituais, gerenciais e administrativas. São capazes de coordenar o fluxo da produção desde a extração da matéria-prima ao marketing e à distribuição do produto final. O cientista da computação Edward Fredkin diz: “O evento um é a criação do universo, o evento dois é o surgimento da vida e o evento três é o aparecimento da inteligência artificial”.

O termo “inteligência artificial” foi cunhado na “Primeira Conferência de Inteligência Artificial”, realizada nos Estados Unidos em 1956. Alguns cientistas e filósofos discordam desse termo. Seja como for, o fato é que os computadores estão assumindo tarefas cada vez mais complexas e, no processo, mudando fundamentalmente os conceitos de individualidade e de sociedade.

Os cientistas da computação são unânimes em afirmar que um dia, no próximo século, essa poderosa força tecnológica será capaz de superar o raciocínio da mente humana média. Recentemente o governo japonês lançou um projeto de pesquisa com duração prevista de dez anos para o desenvolvimento de computadores que possam imitar as mais sutis funções do cérebro humano. O ambicioso empreendimento, que foi batizado de “Programa do Mundo Real”, vai tentar desenvolver o que os japoneses denominam “Processamento Flexível da Informação”, ou “Soft Logic”, o tipo de pensamento intuitivo que as pessoas usam ao tomar decisões. Usando novos computadores equipados com possantes processamentos paralelos, redes neurais e sinais óticos, os japoneses esperam criar uma nova geração de máquinas inteligentes capazes de ler textos, compreender uma conversação complexa, interpretar gestos e expressões faciais e até mesmo prever comportamentos.

Máquinas inteligentes equipadas com um sistema de reconhecimento rudimentar de voz já existem. Empresas americanas desenvolveram computadores com vocabulário de até 30 mil palavras, que podem reconhecer a linguagem trivial, manter conversações sem sentido, solicitar informações adicionais para tomar decisões, fazer recomendações e responder perguntas.

Atualmente existem mais de cem milhões de computadores no mundo. As empresas de computação prevêem que mais de um bilhão existirão até a virada do século. Os cientistas acreditam numa nova geração de computadores tão humanos em seu comportamento e em sua inteligência que serão considerados mais como companheiros e colegas do que como auxiliares mecânicos. Daqui a um certo tempo eles acreditam que será possível criar imagens em tamanho natural de seres humanos, geradas por computador, capazes de interagir com seres humanos em tempo e espaço reais.

O sonho de criar uma máquina que substitua seres humanos é antigo. No início da era industrial, quando as noções sobre os princípios do mecanismo cativaram as imaginações, a construção de máquinas tornou-se popular em toda a Europa. A primeira máquina de calcular automática foi inventada por Blaise Pascal em 1642. Rapidamente a invenção tornou-se o assunto da Europa. Pascal, cometendo um exagero compreensível para a época, comentou: “A máquina aritmética produz efeitos que mais se parecem com pensamentos do que com todas as ações de animais.” Gottfried

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Wilhelm Leibniz ampliou o feito de Pascal ao acrescentar a multiplicação ao repertório da máquina de calcular.

Em 1821, Charles Babbage escreveu um trabalho intitulado “Observações sobre a Aplicação da Máquina às Tabelas de Computação Matemática”, que é considerado o primeiro trabalho teórico sobre a moderna computação. Mais tarde Babbage concebeu um novo tipo de máquina, uma Máquina Analítica, que podia ser programada para resolver problemas lógicos ou computacionais. As máquinas de Babbage nunca foram totalmente operacionalizadas porque ainda não existia tecnologia para isso. Mas sua visão das principais características da moderna computação é admirável. Babagge incluiu cartões perfurados no seu projeto e até mesmo uma impressora - isso 50 anos antes das invenções da composição tipográfica e da máquina de escrever. Em suas invenções ele chegou a incluir uma unidade de armazenamento para guardar programas e desenvolveu uma linguagem de máquina não muito diferente das usadas atualmente nos computadores modernos.

A primeira máquina de calcular moderna completamente operável foi inventada no final do século XIX pelo americano William Burroughs. Em 1890, o Departamento Americano de Recenseamento promoveu um concurso para encontrar novas maneiras de tabular o censo nacional. Naquela época o país tornara-se tão grande e sua demografia tão difícil de administrar que foram necessários sete ou oito anos apenas para tabular os dados do recenseamento anterior. O vencedor do concurso foi o engenheiro Herman Hollerith. O jovem inventor usou cartões perfurados semelhantes àqueles imaginados por Babbage. Ele também criou uma máquina perfuradora para codificar a informação e uma leitora de cartões denominada “prensa de pinos”. A máquina de informação eletromecânica de Hollerith concluiu o recenseamento de 1890 em menos de dois anos e meio. O inventor montou sua própria empresa, a Tabulating Machine Company, para comercializar a máquina. Em 1924, o nome da empresa foi mudado para International Business Machine, ou IBM.

O primeiro computador digital programável foi inventado em 1941 pelo engenheiro civil alemão Konrad Zuse. Sua máquina fora projetada para facilitar a tarefa dos engenheiros civis com seus cálculos. Nessa mesma época, o serviço secreto britânico inventou seu próprio computador - um modelo não programável - para ajudá-lo a decodificar as mensagens militares dos alemães. A máquina, denominada Robinson, tornou-se a peça principal de uma gigantesca operação de coleta de informações secretas que envolviam mais de dez mil pessoas. A “Super Equipe”, como era chamada, decifrou com êxito os códigos alemães, dando para as Forças Aliadas informações vitais sobre planos estratégicos e movimentações das tropas inimigas durante a guerra.

Em 1944, cientistas americanos inventaram um computador programável, o Mark I. A máquina tinha mais de 15 metros de comprimento por 2,5 de altura. Foi apelidada de “o monstro” pelos seus inventores. Dois anos depois, outros cientistas também americanos desenvolveram outra máquina ainda mais avançada: o Eletric Numeral Integrator and Computer, ou ENIAC. Embora complexa e desengonçada, a máquina era a maravilha da moderna tecnologia. Ela tinha 12 metros de comprimento, mais de seis metros de altura e pesava mais de 30 toneladas. Dizia-se que a máquina era tão potente que as luzes da Filadélfia enfraqueceram quando seus criadores a ligaram pela primeira vez. Em 1951, seis computadores eletrônicos estavam em operação. Quando a rede de televisão CBS usou os computadores para prognosticar, com sucesso, a esmagadora

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vitória do presidente Eisenhower, os americanos tomaram conhecimento da nova estranha máquina.

O surgimento do computador programável na década de 40 mostrou-se oportuno. A indústria já estava envolvida numa reestruturação radical das operações. Em abril de 1947, Victor Del Harder, vice-presidente da Ford, criou um “Departamento de Automação”. Era a primeira vez que se usava o termo “automação”. Harder não havia previsto o desenvolvimento da indústria do computador - que em breve faria da automação sinônimo de computação. O “Departamento de Automação” foi criado para aumentar o uso das tecnologias existentes, como a hidráulica, a eletromecânica e a pneumática. A intenção era acelerar as operações e melhorar a produtividade na linha de montagem.

Começava-se a falar da “fábrica automática”. Apenas seis meses antes da criação do “Departamento de Automação” da Ford, a revista americana “Fortune” anunciava que a “ameaça de máquinas operadas sem trabalhadores está mais próxima do que nunca”. Essa “ameaça” tornou-se realidade no início da década de 60, com a introdução do computador na fábrica. As novas máquinas “pensantes” eram capazes de administrar uma quantidade muito maior de tarefas do que poderia imaginar Del Harder, da Ford. A máquina de Controle Numérico armazena num programa de computador instruções sobre como uma peça deveria ser laminada, torneada, soldada, parafusada e pintada. O programa do computador instrui a ferramenta sobre como fabricar uma peça e instrui robôs da linha de montagem a modelarem ou a montarem peças de um produto. Pouco depois da primeira demonstração do Controle Numérico, um capitalista americano declarou: “Isso marca a nossa emancipação dos trabalhadores humanos.”

A afirmação de que o Controle Numérico “emancipava” os capitalistas dos trabalhadores humanos só podia partir de quem era adepto dos métodos que controlavam os gigantescos empreendimentos industriais organizados em rígidas linhas hierárquicas - com uma estrutura de comando partindo da alta direção e descendo até o chão da fábrica. No mais estrito estilo de Taylor, na indústria automobilística, por exemplo, os operários que montavam os carros não tinham qualquer tipo de conhecimento especializado e lhes era negado o controle independente da produção. Esse sistema disseminou-se pelo mundo como a melhor maneira de organizar o trabalho. Enquanto o sistema taylorista-fordista desfrutava de um sucesso irrestrito entre os capitalistas, uma empresa automobilística japonesa, lutando para recuperar-se da Segunda Guerra mundial, experimentava uma nova organização da produção. Essa empresa era a Toyota.

VII - O Toyotismo

O sindicalista japonês Bem Watanabe disse recentemente que quando chegou nos Estados Unidos ficou surpreso com a idéia que os trabalhadores americanos tinham das relações de trabalho no Japão. Elas eram vistas como uma combinação de eficiência, estabilidade vitalícia no emprego e harmonia social entre capital e trabalho. Boa parte dessa imagem foi criada com a publicação do livro “A Máquina que Mudou o Mundo”, que aumentou a reputação do sistema Toyota - caracterizado como “produção enxuta”. Trata-se, porém, de informações de caráter ideológico. Vamos ver como funciona o toyotismo.

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O conceito de aumento da qualidade foi introduzido nos Estados Unidos no final dos anos 30 pelo estudioso americano Edward Deming. (Esse conceito é interessante também para os trabalhadores porque ele está ligado com a melhoria das condições de trabalho e com a satisfação de realizar um bom trabalho.) Deming recomendava a criação de Círculos de Controle de Qualidade, os CCQs, que foram desenvolvidos no Japão por gerentes de empresas, a partir dos anos 50, principalmente na Toyota. Com o toyotismo a produção é controlada por grupos de trabalhadores e a empresa investe muito em treinamento, participação e sugestões para melhorar a qualidade e a produtividade.

Uma pesquisa recente indica que 76% dos trabalhadores japoneses participam dos CCQs. A Toyota trabalha com grupos de cerca de 8 trabalhadores. Se apenas um não executa sua tarefa satisfatoriamente, todo o grupo é prejudicado com a perda de abonos e de outros benefícios. A estrutura salarial é diretamente ligada aos grupos de trabalho. A cada seis meses é feita uma avaliação dos grupos e, a partir do resultado, decide-se o adicional salarial que cada um receberá. Através desse sistema, os trabalhadores têm um adicional sobre o salário de aproximadamente 20% ao ano. Todos os trabalhadores da montadora participam de um determinado grupo. O grupo garante o papel que antes era da chefia. Os trabalhadores vão acumulando uma série de qualificações e aumentos salariais.

O ponto forte do toyotismo é o “Just-in-time” (produção sem estoques). A Toyota concentra sua fábrica e seus fornecedores num mesmo local e exerce o controle sobre as empresas que prestam serviços terceirizados. O sistema “just-in-time” está altamente ligado ao conjunto do complexo automobilístico, que reflete a estrutura da indústria no Japão, denominada Keiretsu. Na Toyota o Keiretsu é a estrutura que utiliza uma pirâmide de fornecedores. No cume da pirâmide fica a montadora. No primeiro nível abaixo estão as fábricas que produzem componentes estratégicos, como motores e caixas de câmbio. Nos níveis inferiores ficam os demais fornecedores. Através do sistema keiretsu, a Toyota garante o controle dos fornecedores, sem manter nenhum contato com essas empresas.

Para entender os motivos que levaram à adoção do toyotismo em larga escala no Japão, é preciso resgatar o processo histórico que levou mais de 20 anos para configurá-lo como método de organização do trabalho alternativo ao sistema taylorista-fordista. No final da Segunda Guerra Mundial, quase todo o parque industrial japonês estava destruído por bombardeios e, a partir daí, o exército americano iniciou a reconstrução do país. As autoridades americanas responsáveis por essa tarefa pertenciam ao grupo do Partido Democrata ligado ao projeto progressista New Deal, que o presidente Roosevelt implantara nos Estados Unidos.

A primeira grande mudança foi a realização da reforma agrária, que acabou com o latifúndio predominante. A segunda foi a reforma educacional, através da qual universidades foram abertas a todas as camadas sociais - possibilitando às empresas o aproveitamento da qualificação da mão-de-obra. Foi instituída também uma lei antimonopolista que destruiu os grandes conglomerados econômicos, apoiadores da ditadura militar e da economia de guerra. O último ponto, que também teve importância relevante, foi a drástica mudança na legislação trabalhista para permitir mais liberdade e autonomia sindical.

Com a guerra fria, a política das autoridades americanas mudou rapidamente. Na Ásia dois fatos foram utilizados pelos Estados Unidos para intensificar sua agressividade

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contra os trabalhadores no Japão: a revolução socialista na China em 1949 e a guerra da Coréia, que começou em 1950. Com o avanço das tropas comunistas na Coréia e com o poder socialista na China, o principal objetivo dos Estados Unidos passou a ser a construção de uma base militar anticomunista no Oriente. Para isso escolheram o Japão. Essa decisão estratégica levou também a uma reorientação quanto à política interna - o combate ao perigo comunista era prioridade absoluta.

A corrente majoritária nos sindicatos era o Partido Comunista. O exército americano interveio para destituir os comunistas dos sindicatos, que passaram a ser dirigidos por pelegos. Os empresários apoiaram a intervenção e aproveitaram para começar a reestruturar as fábricas. Essa reestruturação baseava-se ao mesmo tempo na repressão e numa nova colaboração das classes, arrancada com a substituição dos dirigentes sindicais e com algumas concessões aos trabalhadores. Os Estados Unidos se aproveitaram das guerras na Coréia e no Vietnã para ajudar a impulsionar a economia e o anticomunismo no Japão.

Foi importante para essa política a fundação, em 1955, do JPC (Centro de Produtividade Japonês), uma entidade tripartite da qual participavam empresários, governo e sindicatos. Para convencer os sindicatos a participar, o governo e os empresários anunciaram concessões que seriam associadas ao crescimento econômico. A primeira foi a divisão do aumento do lucro. A segunda foi a decisão de que nenhuma inovação seria implantada sem que os sindicatos fossem consultados. A terceira foi a garantia de estabilidade no emprego. A partir daí, a economia japonesa teve um crescimento contínuo - fator importante para sustentar a implementação dos compromissos assumidos.

O sistema de emprego vitalício começou em 1961. Para obter dos trabalhadores o compromisso com o aumento da qualidade e da produtividade, os empresários ofereceram essa vantagem. No início ninguém acreditava na estabilidade, que só passou a ser implantada de fato em 1965. No entanto, essa prática foi adotada apenas nas grandes empresas, atingindo aproximadamente 30% dos trabalhadores japoneses. Essa experiência hoje está em crise e o Japão começa a rever a estabilidade no emprego.

As contradições da economia mundiais arrastaram o Japão para um período de dificuldades. O país está atolado num declínio econômico que já dura vários anos. A própria Toyota está em crise, perdendo espaços para seus concorrentes americanos. Como se isso não bastasse, a montadora se vê diante de um dilema político porque se comprometeu a produzir pelo menos três milhões de veículos por ano no Japão para preservar os empregos no país e jurou publicamente produzir muito mais carros no exterior, com mais componentes fabricados fora do Japão, com o intuito de reduzir as tensões comerciais. A Toyota não está conseguindo conciliar essas duas promessas conflitantes. Fala-se até que Detroit afastou para sempre o seu velho algoz.

A recente polêmica a respeito da Convenção 158 da OIT tem estrita relação com o sistema de estabilidade no emprego adotado no Japão. Lá a demissão injustificada é proibida. Quando não há justa causa, a Justiça manda reintegrar o funcionário. Mesmo quando há razões econômicas, as empresas procuram aproveitar os trabalhadores que seriam demitidos em outras atividades. Mas no Japão há escassez de mão-de-obra. Tanto que os dekasseguis (estrangeiros que trabalham no Japão), chegam a enfrentar mais de 12 horas de trabalho por dia. Recentemente esteve no Brasil Toshio Yamaguchi, professor emérito da Universidade de Tóquio e membro da Comissão de

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Peritos da OIT, a convite da USP, para falar sobre a Convenção 158. Yamaguchi disse que o sistema japonês hoje começa a ser questionado. “O sistema vigente trouxe uma certa rigidez à política de administração de pessoal”, disse. Mas no Japão a situação de desemprego e ataques aos direitos trabalhistas, um fenômeno deste período neoliberal da economia mundial, ainda não chegou aos níveis de outros países.

VIII - A crise conceitual do emprego

Recentemente a CUT recebeu folhetos de propaganda de alguns países convidando os grupos estrangeiros a investirem, oferecendo como vantagem a situação na qual vivem os trabalhadores. Veja o que dizem. Da República Dominicana: “Trabalhando para fazer seu negócio andar. Cinqüenta e seis centavos de dólar a hora é apenas uma das razões.” De Honduras: “Você quer cortar seus custos com mão-de-obra? Corte aqui. Mão-de-obra altamente produtiva e custos competitivos.” De Bangladesh: “Bangladesh oferece a mais produtiva e barata força de trabalho. A lei proíbe a formação de sindicatos e as greves são ilegais.”

As empresas estão mudando a base de suas operações para tirar vantagens da mão-de-obra barata. Isso explica a monumental cruzada mundial pela eliminação dos direitos trabalhistas. O aumento da extração da mais-valia, tanto a absoluta quanto a relativa, é a nova meta das empresas. Na Europa o Estado de Bem Estar Social está sendo desmontado, principalmente pela ameaça das empresas de deixar o Continente e irem se instalar no Terceiro Mundo. A “flexibilização do mercado de trabalho” passou a ser uma bandeira dos governos e dos empresários. Na verdade, “flexibilização” é uma forma de dizer que os salários e os diretos trabalhistas serão reduzidos com uma palavra menos dura. A “flexibilização” é só para baixo. Quando as empresas estiverem mal das pernas, têm o direito de reduzir os salários. Mas, quando nadarem em lucro, não precisam dividi-los com seus trabalhadores.

Um bom exemplo dessa malandragem foi o anteprojeto do governo brasileiro apresentado às centrais sindicais dia 13 de novembro de 1996. A proposta define como deve ser a demissão coletiva por motivos tecnológicos e causou a greve de fome de Vicentinho em frente ao Palácio do Planalto. “Estamos muito indignados com essa decisão, que é um vexame internacional”, disse o presidente da CUT. Pode não ser um vexame internacional porque em outras partes do mundo a situação é tão preocupante quanto aqui. Mas é uma selvageria. O anteprojeto prevê dispensa de pelo menos dez trabalhadores por motivos tecnológicos em fábricas com até 100 empregados, 40 nas com mais de 300, 65 nas com mais de 500 e 75 nas com mais de mil trabalhadores.

A resposta imediata e lógica dos trabalhadores às inovações tecnológicas e aos novos métodos gerenciais é a reivindicação da redução da jornada de trabalho - para reduzir o desemprego - e aumentos reais de salários com base nos índices de produtividade.

A produtividade do trabalho no Brasil aumentou 49,5% entre 1990 e 1995. É uma das mais altas do mundo. Em compensação, nossa jornada de trabalho também é uma das mais altas do planeta - sem contar as horas extras e o trabalho precário. No entanto, o governo e o patronato querem a “flexibilização” para aumentar a mais-valia absoluta e relativa. (Na Argentina, o presidente Menem vem utilizando os seus superpoderes para implantar a “flexibilização” por decreto, o que tem levado a país a realizar sucessivas

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greves. Na Coréia do Sul ocorreu o mesmo e os trabalhadores, além de realizar greve geral, partiram para o confronto físico com a polícia nas ruas.)

O desemprego não terá solução se os trabalhadores deixarem os fatos seguirem sua inclinação natural. Ele não é um fenômeno cíclico, a curva subindo ou descendo, como os índices das bolsas de valores. Tampouco é conjuntural ou passageiro. É estrutural. É preciso decretar guerra contra esse fenômeno. Não se pode mais engolir os índices da economia divulgados todas as noites pela televisão. A taxa de desemprego nos Estados Unidos, por exemplo, é utilizada para justificar a vantagem do modelo americano de relações de trabalho, mais “flexível”, em relação ao europeu, mais regulamentado. Na verdade, o desemprego americano é tão alto quanto o do resto do mundo. O governo divulga que o índice de desemprego gira em torno de 5%. Não é verdade. Esse percentual exclui aqueles que desistiram de procurar trabalho e aqueles que tinham emprego permanente e que agora trabalham em tempo parcial, ganhando menos. Com esse contingente, a taxa de desemprego nos Estados Unidos chega a 12% ou mais. É muito alto.

A economia mundial é apresentada como se estivéssemos entrando numa nova “era de ouro”, semelhante aos 40 anos que antecederam à Primeira Guerra Mundial ou aos “30 gloriosos anos” posteriores à Segunda Guerra Mundial. Dizem que os dois fatores que caracterizam os períodos de expansão do capitalismo estão presentes agora: abertura de novas fronteiras de investimentos e consumo (principalmente a China, o Leste Europeu e a América Latina) e a reestruturação produtiva, com a inovação tecnológica. O uso da informática e da biotecnologia estaria inaugurando novas possibilidades de negócios. De fato, os ganhos de produtividades tanto nos setores da economia urbana quanto rural estão evoluindo a um ritmo fantástico. Mas é um novo ciclo carregado de contradições. Como se comportará a China? E o Leste Europeu? E a América Latina? Além disso, o presidente do banco central americano, Alan Greenspan, lançou uma advertência recentemente: “A História está cheia de visões de novas eras que, no final, mostraram ser apenas miragem”. De fato, 1929 é muito recente historicamente para se acreditar em tais profecias.

A diferença fundamental da crise de desemprego atual em relação às anteriores é o caráter conceitual do emprego. FHC disse recentemente que “a economia globalizada cria pessoas dispensáveis no processo produtivo, que são inempregáveis”. É uma das poucas constatações de FHC com a qual pode-se concordar integralmente. As mudanças são tão radicais que a sociedade começa a reagir com perplexidade e medo. Uma recente pesquisa no Brasil revelou que mais de 65% das pessoas não se sentem seguras no emprego. Nos Estados Unidos, outra pesquisa revelou que 78% da população acham que a segurança no emprego acabou. Para 67% o sonho americano está ficando fora de alcance.

A sonhada nova “era de ouro” do capitalismo pode terminar mal. Fora do sonho dos capitalistas existem, até agora, um bilhão de desempregados, milhões de famintos e um exército de miseráveis. Todos batendo às portas da “era de ouro”. Quanto tempo essa era pode durar, se é que ela vai ao menos começar, não há como saber. Não se trata de uma questão sobre a qual pode-se fazer uma teoria.

Para enfrentar essa dura realidade que também castiga os trabalhadores brasileiros, é necessário um sindicalismo cada vez mais politizado e de classe, para que os trabalhadores possam alcançar uma profunda consciência das mudanças

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econômicas e políticas das quais a humanidade precisa, rumo a uma sociedade mais justa, igualitária e humana – uma sociedade socialista.

OLT - ORGANIZAÇÃO NOS LOCAIS DE TRABALHO

Pascoal Carneiro

O objetivo deste texto é retomar o importante debate sobre a organização dos trabalhadores e fortalecimento dos sindicatos e definir as características básicas da OLT que queremos construir, é importante salientar que não existe receita pronta e acabada de como construir as OLT, assim temos muito a aprender e para isto é necessário socializar as experiências existentes e ter uma orientação precisa para que se aproveite os espaços nas empresas.

São várias formas de organizações, devemos estuda-las com profundidade neste momento em que estamos iniciando uma nova fase na CSC. Existem muitas experiências e cada uma, a sua maneira, foi sendo conquistada e construída com a luta dos trabalhadores, o que representa importante conquista e amadurecimento de consciência.

Das formas de organizações existentes podemos relacionar a estrutura de base dos sindicatos dos trabalhadores em educação, as comissões sindicais de base existente nos metalúrgicos, os delegados sindicais, as comissões de fábrica, as CIPA’s, as comissões de saúde, as comissões de garagem dos condutores de São Paulo, as comissões de negociação, as comissões de PLR - participação nos lucros e resultados, – as duas últimas conseguem informações importantes sobre a produção de matéria prima e clientes das empresas. Todas essas organizações cumprem importância fundamental, na disputa e na luta de classe no local de trabalho.

Ocorre que estas experiências representam um pequeno universo no mundo do trabalho e os sindicatos não têm se dedicado e colocado como prioridade na ação sindical a construção de OLT.

Tal fato deve-se à falta de compreensão por parte da maioria dos dirigentes sindicais da potencialidade e importância estratégica e revolucionária da organização no local de trabalho. Este é um ponto frágil da estrutura sindical, o que é muito grave porque a contradição entre o capital e o trabalho é muito mais sentida dentro das empresas, a OLT é uma ferramenta fundamental e decisiva tanto para as lutas imediatas como campanha salarial, melhorias das condições de trabalho e das reivindicações sociais e trabalhistas como para a luta estratégica rumo ao socialismo.

É preciso compreender que o local de trabalho sempre foi e continua sendo o espaço sagrado do capital, não há democracia. Por mais que a sociedade tenha avanços democráticos esses não passam do portão das empresas, porque lá quem

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manda é o capital, onde se perpetua a exploração de uma classe sobre a outra e onde os trabalhadores não têm direito de pensar, só o de produzir.

Os capitalistas têm política para os trabalhadores no local de trabalho, e não é mais a repreensão pura e simples, existe a repreensão, mas, eles lançam mão de outros mecanismos de controle e exploração como o CCQ - círculos de controle de qualidade, CQT - centro estatístico de produção, célula ou time e outros. Os RH são usados para ganhar os trabalhadores para sua visão de empresa e de sociedade.

Fazendo um breve relato das três revoluções industriais do capitalismo podemos entender melhor essa disputa:

Primeira revolução industrial 1780 - doutrina do liberalismo.

Indústria têxtil, máquina de fiar a vapor, produção fabril, trabalho semi-artesanal qualificado (pesado, poroso e insalubre).

Os trabalhadores tinham controle sobre o processo produtivo, foi um período de perplexidade para os trabalhadores, quebra de máquinas, cooperativismo e surgimento dos primeiros sindicatos.

Segunda revolução industrial 1913 - doutrina do liberalismo até 1930 e depois keynesianismo.

Industria automobilística, eletricidade, aço, eletroeletrônica, motor a explosão, petróleo e petroquímica, produção em série, linha de montagem, rigidez e trabalho especializado, fragmentado não qualificado, intenso, rotineiro, insalubre e hierarquizado.

Neste período os sindicatos obtiveram importantes conquistas como, contrato coletivo, jornada de trabalho regulamentada, previdência e salário.

Terceira revolução industrial 1975 – doutrina do neoliberalismo.

Indústria automobilística e eletroeletrônica, informática, máquinas cnc, robôs, sistemas interligados, telecomunicações, biotecnologia, produção flexível, ilha de produção, just in time, qualidade total, produção enxuta, trabalho polivalente, integrado, em equipe, intensificado, flexível, estressante e menos hierarquizado. Neste período os sindicatos não conseguiram avanços, houve retrocesso nas conquistas, dessindicalização, fragmentação e uma tendência a parcerias.

O sistema fordista entra em crise, no final dos anos 60 e foi substituído pelo toyotismo, este permite maior exploração dos trabalhadores, intensificando o ritmo de trabalho, reduz os tempos mortos, o operário ocupa novas tarefas, como controle de qualidade e manutenção corretiva das máquinas, reduz salário, degrada a proteção social, apóia-se na terceirização, divide os trabalhadores, uns tem emprego permanente, outros temporários, uns são chefes de equipes, outros simples membros e todos são divididos em times, é como se fossem várias pequenas empresas no interior da própria empresa, e com isso cada um fiscaliza o outro, o que aumenta as contradições de cada um reduzindo assim a capacidade coletiva dos operários.

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A passagem do fordismo para o toyotismo é a forma sofisticada da exploração capitalista e é, de certa forma, aceita pelos trabalhadores. Essas mudanças no mundo do trabalho atingiram também o movimento sindical fazendo-o recuar em sua limitada ação em defesa da classe operária, forçados a assumir uma ação defensiva e gradativamente, a abandonar seus traços anti-capitalistas.

O sindicalismo é de confronto com o capitalismo e de colaboração de classe.Hoje o movimento sindical é hegemonizado por basicamente duas visões que se

distanciam da luta de classe. Uma de parceria com forte dimensão política ideológica capitalista é o braço sindical do neoliberalismo, da preservação do atual ordenamento político em sintonia com o capital globalizado que submete sua estrutura e sua base ao ideário patronal e neoliberal; Outra de perfil social democrata, o chamado sindicalismo participativo, propositivo, que traz no seu discurso um apelo a negociação, das câmaras setoriais, e tentam dialogar em fóruns apropriados aos programas econômicos para gerir pelo capital sua crise.

É o chamado sindicato cidadão que mantém o capitalismo intocável, chama de modernização e para tal não pode Ter mobilização, acomodar-se dentro desta ordem política. É necessário substituir tudo isso por outro modelo que priorize a prática combativa e de resistência, que possua horizontes fundados em valores socialistas e de uma conduta emancipada que acredita que a negociação com o capital deve se basear na mobilização da classe e no controle social da produção.

Para construir e consolidar uma organização sindical fundada nos princípios éticos, na mobilização e na defesa do socialismo é necessário estar voltado para a formação de classe.

No entanto não podemos confundir comissões por local de trabalho, com organização de base dos sindicatos. É muito importante a presença do sindicato na base, no local de trabalho e isto pode ser feito através da manutenção do diretor sindical exercendo a sua função no seu local de trabalho, através da comissão sindical de base, ou ainda através de delegado sindical, ou representante sindical nas empresas, como também pode ser parte do sindicato nos estatutos do sindicato para prever a eleição de delegado sindical nas empresas e a composição, pôr estes, de um conselho diretivo da entidade. Para isso deve se estudar como usar as brechas legais existentes na constituição federal que permite essa margem de manobra. Esses delegados ou representantes sindicais serão eleitos pelos associados do sindicato empregados na empresa.

A partir daí o sindicato tem como organizar toda categoria pôr local de trabalho, prepará-la incentivando os trabalhadores para constituir comissões de fabrica (OLT). A OLT não se confunde com a estrutura do sindicato, ela é autônoma em relação á entidade sindical, porque representa todos os trabalhadores da empresa, associados ou não ao sindicato, e está submetida á instância de decisão de todos os trabalhadores da empresa.

No entanto a OLT deve estabelecer forma que julgar mais conveniente, relação com o sindicato, porque é no sindicato que se realiza a unidade dos trabalhadores de todas as empresas, para lutar pêlos interesses comuns, a OLT deve buscar meios de interferir nos rumos do sindicato buscando educar conscientizar e incentivar os trabalhadores a participarem e a tomarem nas suas mãos os destinos da sua entidade sindical.

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A depender da mobilização da categoria a OLT pode ser reconhecida pela empresa, na negociação coletiva com o sindicato, e Ter estatutos e regimento interno, neste caso deve ser previsto uma sala equipada para o devido funcionamento reuniões e plantões de seus membros na própria empresa. Caso não tenha mobilização suficiente para o reconhecimento pôr parte da empresa da OLT, essa pode ser clandestina, neste caso as reuniões deve acontecer no sindicato que deve garantir o seu pleno funcionamento e sigilo de seus membros.

Por outro lado o sindicato deve encontrar formas para estabelecer relações com as organizações existentes na sua base, entre elas, a OLT. Esta relação é diferente da relação individual com o sócio para quem esta voltada a organização do sindicato enquanto a relação com a OLT deve ser uma relação política que busque tanto apoiar e assistir a OLT como estabelecer uma sintonia entre as diversas OLT existentes na base do sindicato e no ramo.

É preciso encontrar fóruns que permitam estabelecer consulta e discussão com todas as OLT existentes, isso vai possibilitar à diretoria do sindicato estar mais sintonizada com a categoria no interior das empresas, o que tende a evitar erros e potencializar melhor a luta e a unidade da classe, sejam em campanha salarial ou em outras frente.

A OLT deve ser uma instância de organização e representação política de todos os trabalhadores no local de trabalho e seus membros devem ser eleitos democraticamente por todos os trabalhadores daquela empresa, sócios e não sócios do sindicato, para que seja unitária. Esta eleição deve ser fiscalizada, apurada e o resultado proclamado pelo sindicato ou por uma comissão de trabalhadores eleitos em assembléia para este fim; deve ser garantido que todos os trabalhadores da empresa possam votar e ser votados e assegurado aos candidatos para OLT estabilidade temporária durante o processo eleitoral, desde a inscrição até um período posterior ao término dela para os não eleitos (sugerimos pelo menos 90 dias) e para os eleitos estabilidade extensiva durante todo o mandato em um período posterior a ele (sugerimos pelo menos um ano após o término do mandato), assegurando-se também o direito de reeleição.

Para que possa exercer suas funções de organizar, conscientizar e orientar os trabalhadores a OLT deve dispor de uma sala apropriada para reuniões, com estrutura (computador, telefone, mesas, cadeiras, arquivos, etc.) e os membros devem dispor de um tempo livre dentro do seu horário normal de trabalho para fazer visitas as áreas, conversar com os trabalhadores, fazer levantamento dos problemas e negociar com a empresa assuntos como: sistema de benefícios dos trabalhadores, horários, jornada de trabalho e suas compensações, sistema de desenvolvimento de pessoal, assistência médica, segurança no trabalho, alimentação, transporte e fiscalização do acordo coletivo ou convenção coletiva.

Outro trabalho é fazer o mapeamento da empresa e ter sempre um quadro com informações como: qual a produção da empresa, matéria prima, fornecedores, produto acabado, principais clientes, organização do processo produtivo, número de trabalhadores, quantos são sindicalizados, o capital social, o fluxo produtivo, processo de trabalho, layout da fábrica, meios de trabalho, trabalho vivo, trabalho morto, tecnologia, média salarial, seleção, treinamento e qualificação profissional e o que achar importante para uma negociação.

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É importante ressaltar todas as dificuldades que temos. Os patrões vêem os membros da OLT como um obstáculo ao seu poder absoluto na empresa e ao sistema tradicional de gerenciamento autoritário das chefias. Assim nos deparamos com um horizonte de enfrentamento entre a classe trabalhadora e a classe patronal na implantação da OLT que precisará de determinação e mobilização.

Os trabalhadores não são propriedade do patrão, a força de trabalho é parte fundamental do processo produtivo agregando valor ao produto e, portanto, tem o direito de organizar-se.

O próprio movimento sindical pode significar um inimigo potencial da OLT a medida em que não têm a mesma sintonia política e de ação, como pode ocorrer se o representante da OLT é pelego e o sindicato combativo ou quando ocorre o inverso. A OLT representa de fato um avanço para a classe trabalhadora e um organismo fundamental na construção de um sindicalismo forte, combativo e classista, no entanto encontramos em nosso próprio campo desinteresse de nossos sindicalistas, seja por falta de compreensão ou por não priorizá-la.

É preciso que cada dirigente sindical se conscientize da importância da OLT e de sua implantação, divulgando e sensibilizando seus pares.

O importante é que a direção do sindicato desenvolva e incentive atividade que impulsione os trabalhadores a se organizarem no seu local de trabalho para que seja um elo de ligação com o sindicato.

Existem varias formas de organização no local de trabalho possíveis (já citadas). É importante influenciar nessa construção para que essas organizações surjam unitárias, democráticas e de luta.

Gostaria de destacar alguns tipos de organização que se assemelham à OLT, como a CIPA (comissão interna de prevenção de acidentes) que é regulamentada em lei, seus membros têm estabilidade no emprego e é obrigado sua existência em todas as empresas, privada, públicas, sociedade de economia mista, órgãos da administração direta e indireta, instituições beneficentes, associações recreativas, cooperativas e qualquer outra instituição que tenha empregados. A CIPA é composta por representantes dos trabalhadores e dos patrões e a quantidade de membros é determinada de acordo com o número de funcionários da empresa e do grau de risco estabelecido na Nr5. Os representantes dos trabalhadores titulares e suplentes são eleitos em escrutínio secreto por todos os trabalhadores independentemente de filiação sindical, já os representantes dos patrões são por eles designados. O mandato dos membros eleitos têm duração de um ano, sendo permitido uma reeleição. É assegurada a estabilidade no emprego durante o mandato e mais um ano após o termino.

Empossada a CIPA, a empresa fica obrigada a protocolar cópia das atas de eleição e de posse juntamente com o calendário anual de reuniões ordinárias na DRT (delegacia regional do trabalho).

A CIPA tem várias atribuições, identificar os riscos do processo de trabalho, elaborar um plano de trabalho que aborde os problemas de segurança e saúde no trabalho, propor a paralisação de máquinas ou setor onde considere haver riscos grave e eminente à segurança e saúde do trabalhador, requisitar cópias das CAT (comunicado de acidente do trabalho) emitidas pela empresa, divulgar entre os trabalhadores informações sobre o local de trabalho, elaborar o mapa de riscos entre outras atribuições. Dentre todas as atribuições, o mapa de risco adquire importância fundamental para os trabalhadores e o sindicato, é a representação gráfica de todo o

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processo produtivo da empresa onde se registra os fatores de risco a que os trabalhadores estão submetidos, direta ou indiretamente.

Os grupos de fatores de risco podem ser assim agrupados:FÍSICOS: iluminação, ruído, vibrações, umidade, calor, frio, ventilação, pressões

anormais e radiações.QUÍMICOS: poeira, fumos, gases, névoas, neblina, vapores, substancias

compostas ou produtos químicos.BIOSSANITÁRIOS: vírus, bactérias, protozoários, fungos, bacilos, parasitas,

animais, refeitórios, bebedouros, banheiros, vestuários, caixa d’água, estocagem, lixo e esgoto.

PSICOLÓGICOS: pausas, atenção, monotonia, concentração, repetitividade, responsabilidade, jornada, horas-extras, pressão da chefia, acumulo de tarefas, trabalho noturno e trabalho em turno.

ERGONÔMICOS: esforço físico ou muscular, posturas corporais, movimentos repetitivos, arranjo do ambiente e ritmo de trabalho.

SEGURANÇA: equipamentos, máquinas, ferramentas, instalações elétricas, pisos, elevadores, inflamáveis, explosivos, sinalização, locomoção de material e produtos, empilhamento e edificações.

SOCIAIS: alimentação, lazer, moradia, transporte, educação, creche, assistência à saúde e saneamento.

AMBIENTAIS: rejeitos sólidos, resíduos líquidos, reservatórios, dutos, transporte de produtos e materiais.

No mapa de risco todos esses grupos de fatores são caracterizados por cores. Há uma cor diferente para cada tipo de risco.

Vale ressaltar que a ação da CIPA não é simplesmente a colocação de códigos de cores no mapa de risco, mas fundamentalmente a mobilização e conscientização dos trabalhadores.

Aproveitamos pouco ou quase nada, o potencial para a luta que tem a CIPA dentro de sua área de ação que, mesmo limitada, pode ser bem utilizada como um instrumento de luta e conscientização.

É necessário um trabalho planejado do sindicato para interferir nas eleições das CIPA’s, para eleger os trabalhadores mais atuantes e que tenham militância. A partir daí o sindicato deve dar apoio e formação para que esses companheiros possam desenvolver, de melhor modo, suas atividades dentro da empresa.

É bom lembrar que as mudanças ocorridas no mundo do trabalho como a terceirização, novas tecnologias, novas formas de gerenciamento, aceleração e intensificação no ritmo de trabalho, nos obrigam a repensar a CIPA e a ação sindical dentro desta nova realidade, pois há novos tipos de exposição, física ou psicológica, que sequer conhecemos ou podemos avaliar sua conseqüência.

Assim devemos desenvolver meios para acompanhar a nova realidade do mundo do trabalho, melhorar as condições do local de trabalho e do meio ambiente, promover a participação dos trabalhadores como sujeitos privilegiados e capazes de contribuir com seus conhecimentos na superação das condições agressivas à saúde no local de trabalho.

Em algumas empresas existe a comissão de saúde que tem mais poder que a CIPA, porém não é regulamentada em lei, é fruto da mobilização e conquista na convenção coletiva de trabalho.

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Existem também as comissões de PLR, comissão de negociação ou grupos clandestinos de trabalhadores que surgem pela necessidade concreta da luta. Foi muito usado pelos operários para formar chapas na disputa em eleições de sindicatos pelegos. São clandestinas para fugir da repressão e em muito se parecem com uma OLT atuante.

Organização no local de trabalho

COMO É HOJE

A Constituição Federal prevê apenas “um representante” dos empregados. Está no art. 11º da Constituição Federal: “Nas empresas de mais de duzentos empregados, é assegurada a eleição de um representante destes com a finalidade exclusiva de promover-lhes o entendimento direto com os empregadores”.

COMO PROPOMOS QUE FIQUE

A Constituição Federal deve garantir o direito à organização dos trabalhadores no local de trabalho sem vinculação orgânica com os sindicatos e centrais.A legislação deve regulamentar a aplicação desse direito.Os sindicatos/centrais devem ter o papel de organizar/fiscalizar as eleições para a comissão.A Comissão de Representantes é peça chave na definição do “sindicato mais representativo” por sua vez figura principal da negociação coletiva.

FORMA JURÍDICA DA PROPOSTA

Nova redação do art. 11º da Constituição Federal:“Aos trabalhadores é garantida a organização no local de trabalho. Parágrafo único -É assegurada proteção eficaz contra todo ato que possa prejudicá-los, incluída ademissão por razões de sua condição de representantes dos trabalhadores, de suas atividades como tais, de sua filiação ao sindicato, ou sua participação em atividade sindical.”

Redação da proposta de “Legislação de Transição”:

“Art. 4º - Aos trabalhadores da esfera privada e servidores públicos da administração pública, direta ou indireta, em qualquer nível, é assegurada a eleição de representantes por local de trabalho para a formação de Comissão de Representantes, à qual competirá o encaminhamento e solução das questões do local de trabalho.”Parágrafo 1º. - Para as empresas de até cinqüenta trabalhadores haverá no mínimo um representante dos trabalhadores e nas que empreguem número superior a esse, será eleita uma Comissão de Representantes, na proporção de um representante para cada cinqüenta empregados, até um máximo de vinte membros;Parágrafo 2º - As eleições dos integrantes da Comissão de Representantes de

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trabalhadores nos locais de trabalho serão por voto universal, direto e secreto, e oprocesso eleitoral será coordenado pelo sindicato mais representativo dostrabalhadores da empresa ou pela entidade mais representativa em qualquer grau, em conjunto com os atuais representantes dos empregados e demais seções sindicais;Parágrafo 3º - Os candidatos se inscreverão através de listas, a qual deverá apontar o sindicato e/ou entidade de qualquer grau, que representará os trabalhadores nos contratos coletivos, e serão eleitos na proporção da porcentagem dos votos obtidas respeitada a ordem dos inscritos nas respectivas listas;Parágrafo 4º- Fica garantido o acesso ao local da coleta de votos aos candidatos,fiscais das listas inscritas, bem, como a qualquer entidade que tenha interesse emacompanhar o processo eleitoral, desde que manifeste-se previamente junto a Comissão de Representantes;Parágrafo 5º - O representante do local de trabalho será eleito para um mandato de três anos;Parágrafo 6º - As empresas ficam obrigadas a disponibilizar condições materiais efísicas para a realização do processo eleitoral e o fiel cumprimento dessas disposições legais, bem como facilitar o acesso dos trabalhadores às urnas, resguardando o bom desempenho das atividades da empresa.Parágrafo 7º - Para a eleição dos representantes na forma deste artigo considerar-se-á, no cômputo dos trabalhadores e servidores a serem representados, aqueles que trabalhem no estabelecimento ou conjunto de estabelecimentos interligados ou complementares numa mesma localidade, empregados da empresa ou dos seus prestadores de serviços terceirizados.Parágrafo 8º - Cabe ao Conselho Nacional do Trabalho, com auxílio dos órgãoscompetentes do Ministério do Trabalho, cumprir e fazer cumprir as normas derepresentação no local de trabalho em todos os estabelecimentos e órgãosadministrativos no território nacional, devendo ainda, ser informado a respeito daseleições de renovação da representação e seus resultados, pelo sindicato maisrepresentativo bem como pela representação já constituída, quando houver”

Seção sindical no local de trabalho

COMO É HOJE

A legislação atual não reconhece o direito dos sindicatos organizarem seus filiados nos locais de trabalho.

COMO PROPOMOS QUE FIQUE

A legislação deve reconhecer e regulamentar o direito dos sindicatos se organizarem nos locais de trabalho.

FORMA JURÍDICA DA PROPOSTA

Redação da proposta de “Legislação de Transição”:

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“Art. 3º - É assegurado aos sindicatos de trabalhadores do setor privado e daAdministração Pública, direta e indireta, em qualquer nível, a constituição de seções sindicais nos locais de trabalho entre seus associados, respeitando os critérios legais e estatutários mínimos.Parágrafo 1º- Em empresas de até cinqüenta associados será eleito no mínimo um representante sindical;Parágrafo 2º- Nas empresas acima de cinqüenta filiados será eleito um representante para cada duzentos, até um máximo de dez, que constituirão a seção sindical no local de trabalho;Parágrafo 3º - Os representantes eleitos para as seções sindicais de que trata este artigo, terão um mandato de três anos."

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