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MUNDO Geografia e Política Internacional ANO 3 N º 5 SETEMBRO 1995 Tiragem da 1 a edição: 37.000 exemplares Crise do “eixo” Japão - EUA ‘‘You drive us wild, we drive you crazy’’ -é pou- co provável que a banda ‘‘Kiss’’ houvesse imaginado que o seu hit dos anos 70 pudesse descrever as atuais relações entre Washington e Tóquio. As duas potên- cias travam uma ‘‘queda-de-braço’’ cujo resultado definirá as tendências da economia global nos pró- ximos anos. Há duas décadas, a Bacia do Pacífico torna- va-se o novo ‘‘eixo’’ da economia mundial, tendo como pilares EUA e Japão. O iene (moeda japonesa) barato e um mercado americano ávido criaram as condições para o ‘‘boom’’ nipônico de exportações, abarrotando de dólares os bancos do Japão. A festa acabou em 1991. Para combater a recessão e o défi- cit comercial, Washington desvalorizou o dólar, a fim de aquecer sua economia e reativar suas exportações. Como resultado, o iene ficou muito mais caro. Em 1985, um dólar comprava 230 ienes; em 1994, com- prava apenas 100. Para o Japão, o super iene signifi- ca uma prolongada recessão, com queda das expor- tações e mercado interno em crise. O ‘‘eixo’’ consolidado nos anos 80 já não exis- te. Sucumbiu às necessidades de estabilização da eco- nomia americana. Agora, a ameaça da guerra comer- cial pesa como nunca sobre os gigantes da economia global. Págs. 6-8 “...os intaliano aqui nom manda nada...” fim de uma era Em memória de Florestan Fernandes pág. 2 Conferência da ONU sobre a mulher pág. 3 Máfias controlam US$ 750 bilhões pág. 4 Quebec faz plebiscito separatista pág. 5 O Meio e o Homem: rios, fontes de tensão pág. 11 Mais do que nunca, radicais judeus e palestinos ameaçam levar ao impasse os acordos entre Israel e a OLP, celebrados em setembro de 1993, escreve Newton Carlos, à pág. 9. O jornalista Jayme Brener, que entrevistou, em setembro, o chanceler israelense Shimon Peres, e o presidente da Autoridade Palestina, Iasser Arafat, conta suas impressões no Diário de Viagem, à pág. 10 Israel - Palestina: a paz por um triz Greenpeace Teste em Mururoa Desprezando a opinião pública mundial, Paris realizou, dia 5 de setembro, o primeiro teste nuclear no atol de Mururoa. Pág. 11 (v. também o Editorial, à pág. 3) Texto & Cultura Fachada da igreja da Achiropita no Bexiga, um dos mais tradicionais bairros ‘‘intalianos’’ de SP Muito humor e anarquismo marcam a influência exercida pelos imigrantes italianos na cultura brasileira, principalmente em São Paulo -da sátira mordaz de Juó Bananére ao lirismo de Adoniran Barbosa, passando pela crônica modernista e ‘‘jornalística’’ de António de Alcântara Machado. Na busca de sua identidade, eles colocaram questões importantes para uma reflexão sobre a formação da nacionalidade brasileira.

MUNDO GPI.A 05/95clubemundo.com.br/pages/pdf/1995/mundo0595.pdf · 2010-02-28 · entre Israel e a OLP, ... italianos na cultura brasileira, principalmente em São Paulo -da sátira

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M U N D OGeografia e Política Internacional

ANO 3 • Nº 5 • SETEMBRO 1995Tiragem da 1a edição: 37.000 exemplares

Crise do “eixo” Japão - EUA

‘‘You drive us wild, we drive you crazy’’ -é pou-co provável que a banda ‘‘Kiss’’ houvesse imaginadoque o seu hit dos anos 70 pudesse descrever as atuaisrelações entre Washington e Tóquio. As duas potên-cias travam uma ‘‘queda-de-braço’’ cujo resultadodefinirá as tendências da economia global nos pró-ximos anos.

Há duas décadas, a Bacia do Pacífico torna-va-se o novo ‘‘eixo’’ da economia mundial, tendocomo pilares EUA e Japão. O iene (moeda japonesa)barato e um mercado americano ávido criaram ascondições para o ‘‘boom’’ nipônico de exportações,abarrotando de dólares os bancos do Japão. A festaacabou em 1991. Para combater a recessão e o défi-cit comercial, Washington desvalorizou o dólar, a fimde aquecer sua economia e reativar suas exportações.Como resultado, o iene ficou muito mais caro. Em1985, um dólar comprava 230 ienes; em 1994, com-prava apenas 100. Para o Japão, o super iene signifi-ca uma prolongada recessão, com queda das expor-tações e mercado interno em crise.

O ‘‘eixo’’ consolidado nos anos 80 já não exis-te. Sucumbiu às necessidades de estabilização da eco-nomia americana. Agora, a ameaça da guerra comer-cial pesa como nunca sobre os gigantes da economiaglobal.

Págs. 6-8

“...osintalianoaquinommandanada...”

fim de uma era

■ Em memória de Florestan Fernandes

pág. 2

■ Conferência da ONU sobre a mulher

pág. 3

■ Máfias controlam US$ 750 bilhões

pág. 4

■ Quebec faz plebiscito separatista

pág. 5

■ O Meio e o Homem: rios, fontes de tensão

pág. 11

Mais do que nunca, radicais judeus e palestinos ameaçam levar ao impasse os acordosentre Israel e a OLP, celebrados em setembro de 1993, escreve Newton Carlos, à pág. 9.O jornalista Jayme Brener, que entrevistou, em setembro, o chanceler israelense ShimonPeres, e o presidente da Autoridade Palestina, Iasser Arafat, conta suas impressões noDiário de Viagem, à pág. 10

Israel - Palestina:

a paz por um triz

Greenpeace

Teste em Mururoa

Desprezando a opinião públicamundial, Paris realizou, dia 5de setembro, o primeiro testenuclear no atol de Mururoa.

Pág. 11

(v. também o Editorial, à pág. 3)

Texto & Cultura

Fachada da igreja da Achiropita no Bexiga, um dos maistradicionais bairros ‘‘intalianos’’ de SP

Muito humor e anarquismo marcam a influência exercida pelos imigrantesitalianos na cultura brasileira, principalmente em São Paulo -da sátira mordaz deJuó Bananére ao lirismo de Adoniran Barbosa, passando pela crônica modernistae ‘‘jornalística’’ de António de Alcântara Machado. Na busca de sua identidade,eles colocaram questões importantes para uma reflexão sobre a formação danacionalidade brasileira.

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sem

fron

teira

sEsta seção acolherá cartas de

alunos e professores contendoopiniões e críticas não apenas a

respeito dos assuntos tratados noboletim, mas também sugestões

sobre sua forma e conteúdo.Só serão aceitas cartas portando o

nome completo, endereçotelefone e identidade (RG) do

remetente.A redação reserva-se o direito de

não publicar cartas, assim como ode editá-las para sua eventual

publicação.

Meu nome é Lucimara. Faço cursinho preparatório para o Vesti-bular. Meu colégio passou a assinar Mundo no início deste ano.Ainda não tinha visto nada igual a Mundo. A maneira como sãoapresentadas as problemáticas do mundo atual é de fácil enten-dimento para nós, jovens vestibulandos acostumados a acharcomplicadas as guerras civis, as crises econômicas, a rivalidadeentre grupos étnicos, a globalização, a informatização, os regi-mes políticos, a desintegração de territórios e tudo o mais (...)Outra coisa que me deixou mais interessada em mundo é oencarte Texto & Cultura. Sempre procurei matérias curtas e defácil entendimento que falassem dos movimentos culturais bra-sileiros, como o Cinema Novo, a Tropicália, a Semana de 1922.Gostei muito das que encontrei em T&C de março e abril. Con-tinuem se preocupando com a ‘‘cara’’ do jornal, a forma comosão dispostas as notícias, as manchetes, as ilustrações, os mapas,as cores... pra que ele seja um atrativo que provoque a leitura denós, vestibulandos que, em geral, estamos cansados de tantoestudar. Gostaria de fazer uma sugestão de um tema a ser trata-do por T&C: a evolução da literatura através dos tempos; comoas escolas literárias se desenvolveram em cada contexto históricoem que estavam inseridas; como alguns temas tratados há tantotempo preservam sua atualidade psicológica, social e política; ecomo os autores de uma escola fazem citações ou paródias deautores de outras escolas em intertextualidades diversas. Agra-deço a atenção, e faço votos de que o mundo -assim como Mun-do- tenda sempre a melhorar.(Lucimara Anselmo Pereira dos Santos, Itajubá-MG)

Assine: Boletim MUNDO

MUNDOFuvest recomenda:‘‘fique ligado no mundo’’

‘‘O vestibular da Fuvest contempla ocotidiano, o dia-a-dia. Este ano, por exemplo,temos o aniversário da bomba de Hiroshima eNagasáki. Certamente poderá suscitar questõesem geografia, física, química, matemática,história e até em português. É muitoimportante que o aluno esteja “ligadão”, nãodeixe de assistir aos filmes do momento, lerjornais e revistas.’’

‘‘A maior média em Geografia foi obtida poralunos de Medicina. Com certeza, não vamoster, a partir deste Vestibular, médicos que nãosaibam identificar a Bósnia, ou que nãoconsigam localizar os Alpes suíços no mapa. OVestibular começa a atender requisitospedagógicos e sociais como nunca antes.’’

(Atílio Vanin, vice-diretor da Fundação Fuvest, OEstado de S. Paulo, 21.ago.95, pág. A11)

Para maiores informações, ligue:São Paulo: (011) 211-9640Ribeirão Preto: (016) 634-8320

Quer mais razões para assinar Mundo?

José Arbex Jr.Editor Geral de Mundo

A morte do sociólogo marxista FlorestanFernandes, conseqüência do mau funcionamento de seufígado, abre um vácuo no Brasil, em muitos sentidos.De origem humilde, Florestan começou a trabalhar aosseis anos, razão pela qual foi obrigado a concluir o Se-gundo Grau no curso de madureza. Bacharelou-se emCiências Sociais, em 1943, pela Faculdade de Filosofia,Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, douto-rando-se em 1951 e sagrando-se livre-docente alguns anosdepois.

Como intelectual, Florestan teve um peso decisi-vo na elaboração de um pensamento crítico nacional,com mais de 50 livros escritos, enfocando, particular-mente, o problema do desenvolvimento econômico naAmérica Latina. Como professor da USP, formou váriasgerações de alunos, entre os quais o presidente Fernando

Florestan Fernandes(22.jul.1920 - 10.ago.1995)

Henrique Cardoso. Como militante do PT, foi duas ve-zes deputado federal (entre 1987-91 e 1991-95), mar-cando suas gestões pela tentativa de dar voz e visibilida-de aos setores mais pobres e marginalizados da socieda-de. Como revolucionário, sempre se manteve fiel aosprincípios do marxismo, razão pela qual foi perseguidopela ditadura e impedido de lecionar na USP durante os‘‘anos de chumbo’’. Como ser humano, deixa um exem-plo ímpar de dignidade e retidão de caráter -qualidadesraras nos dias atuais, em que a lógica do ‘‘neoliberalismo’’e a crise das ideologias parecem justificar qualquer espé-cie de falcatrua e descompromisso com a ética.

Em sua última entrevista, concedida à Folha deS.Paulo e divulgada em 20 de agosto, Florestan reafir-ma suas convicções socialistas, denuncia as injustiças emazelas da ‘‘globalização’’ da economia, e analisa a per-plexidade das ‘‘esquerdas’’. Provocado pelo jornalista, oprofessor não quis comentar o governo de seu ex-alunoFHC, ‘‘para não magoar nem a ele e nem a mim mes-mo’’. Ao contrário do presidente, Florestan nunca pediuque ‘‘esquecessem’’ aquilo que ele havia escrito até àsvésperas do acesso ao poder.

O Brasil perdeu um homem honrado.

MUNDO no Vestibular

1) Leia o seguinte texto:“Ilha situada na porção norte-noroeste de um dos continentes do mundo, localizado totalmente no hemisfério norte. Essa ilhaestá dividida politicamente em duas partes. A porção meridional constitui um país independente onde a maioria das pessoas,cerca de 93%, praticam o catolicismo. A porção setentrional, tem maioria de protestantes, mas os católicos representam umaminoria expressiva da população. Justamente a porção setentrional da ilha, conhecida por muitos como Ulster, vem assistindohá algum tempo um conflito entre essas duas comunidades religiosas. Os católicos pretendem que essa parte da ilha se junteà porção sul, mas os protestantes pretendem continuar ligados, como há séculos, a uma antiga grande potência colonial.Alguns católicos optaram pela luta armada para fazer valer seus ideais. Criaram uma organização, cuja sigla é IRA, ecometeram uma série de atentados. Em 1994, essa organização renunciou ao uso da força e preferiu o caminho das negoci-ações.”Assinale a alternativa que contenha nomes implicitamente sugeridos no texto:a) Coréia, Coréia do Sul, Coréia do Norte e Japão b) Indochina, Vietnã do Norte, Vietnã do Sul e EUA c) China,Taiwan, Hong Kong e Grã-Bretanha d) Irlanda, Eire, Irlanda do Norte e Grã-Bretanha e) Caxemira, Índia,Paquistão e Grã-Bretanha

2) Leia atentamente as frases abaixo:I - É habitada majoritariamente por armênios, mas situada dentro do território do Azerbaijão. Há algum tempo,armênios e azerbaijanos estão envolvidos na luta pela posse dessa região II - Política econômica colocada em práticapor Gorbatchov, cujo objetivo era promover uma verdadeira transformação na sociedade soviética III - Regiãomontanhosa localizada entre os mares Negro e Cáspio, onde se situam a Armênia, a Geórgia e a Chechênia.Os nomes correspondentes às três descrições são respectivamente:a) Geórgia, glasnost e região báltica b) Urais, perestróica e Ásia Central c) Cáucaso, glasnost e Sibériad) Nagorno-Karabakh, perestróica e Cáucaso e) Ucrânia, glasnost e Sibéria.

3) O texto a seguir, descreve algumas características de um país localizado na América Latina. Você deve descobrir,através da leitura atenta da descrição abaixo e de seus conhecimentos sobre a região, qual é esse país:“É banhado na parte ocidental por um oceano. Em sua parte setentrional é cortado pelo trópico de Capricórnio. Suapopulação está assim distribuída: na parte norte, estão apenas 10% da população, em virtude principalmente de suascondições naturais (é uma área desértica); na parte central, onde situa-se a capital e centro econômico do país, a agriculturase beneficia pelas chuvas que caem quase exclusivamente durante o inverno. Na porção meridional, onde as precipitações sãopraticamente constantes ao longo do ano, estão cerca de 30% da população total, onde é expressivo o número de descendentesde imigrantes europeus.”O país descrito é:a) o Chile b) a Argentina c) o Brasil d) o México e) o Uruguai.

4) O texto a seguir foi adaptado da publicação Carta Internacional nº 30 (agosto de 1995), editada pelo Núcleo dePolítica Comparada da USP e escrito por Margarita Martin.“O quinqüagésimo aniversário deste importante evento político ressuscitou o debate sobre a operação militar individual maisterrível do chamado mundo civilizado. Ao mesmo tempo, depois de vinte anos do término deste conflito, concretizou-se orestabelecimento das relações diplomáticas entre a superpotência e um país do sudeste asiático que pretende sanar de vez amal-cicratizada ferida causada pelo conflito mais divisivo e traumático dos EUA neste século.”Os dois fatos descritos no texto acima referem-se:a) ao ataque de Pearl Harbour e à Guerra da Coréia b) às bombas sobre Hiroshima e Nagasaki e à Guerra do Vietnãc) à invasão da Normandia (Dia D) e à Guerra da Coréia d) à invasão do Afeganistão e à Guerra do Vietnã e) àcrise dos mísseis cubanos e à Guerra do Golfo.

Respostas:1) d 2) d 3) a 4) b

Mundo errou.Na edição de agosto (nº 4), afirmamos, à pàgina 7, na seção de respostas da coluna Mundo no Vestibular (ítem 4 a),que: “A França quer realizar este teste nuclear [em Mururoa] na atmosfera, diferentemente daquele realizado pela Chinaem seu próprio território, em maio de 1995, que foi subterrâneo.” Esta afirmação é incorreta. Os testes francesestambém são subterrâneos, e realizados a mil metros de profundidade, no interior do atol de Mururoa. O grandeperigo dos atuais testes consiste no fato de que o atol apresenta graves fissuras na sua estrutura, o que possibilitavazamento radiativo, com a conseqüente contaminação das águas e da atmosfera.

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3E D I T O R I A L

E X P E D I E N T E

Conferência da ONU sobre a Mulher

MUNDO - Geografia e Política Internacional é uma publicação de Pangea - Edição e Comercialização

de Material Didático LTDA.

Redação: José Arbex Jr. (Editor Geral), Demétrio Magnoli (Geografia e Política Internacional), Nelson Bacic Olic (Cartografia), Paulo César de Carvalho (Texto & Cultura)Jornalista Responsável: José Arbex Jr. (MT 14.779)Diretor Comercial: Arquilau Moreira RomãoProjeto e editoração eletrônica: Wladimir SeniseEndereços: São Paulo: Rua Romeu Ferro, 501. CEP 05591-000 - Fone e Fax: (011) 211-9640Ribeirão Preto: Espaço Cultural Tantas Palavras - Rua Floriano Peixoto, 989 CEP 14.025-010 - Fone: (016) 634-8320 Fax: 623-5480.Belém: J.M.C. Morais, Av. Augusto Montenegro, conj. Morada do Sol, pr. Sol Nascente, aptº 403 - Belém (PA) CEP 66000-000 Fone: (091) 216-8018Colaboradores: Newton Carlos, J.B. Natali, Nicolau Sevcenko, Rabino Henry I. Sobel, Carlos A. Idoeta (Anistia

Internacional), Guilherme Fiuza (Greenpeace), Hassan El Emleh (Federação Palestina do Brasil).A Redação não se responsabiliza pela opinião ou informação veiculadas em matérias assinadas.

Assinaturas: Por razões técnicas, só oferecemos assinaturas coletivas para escolas conveniais. Pedidosdevem ser encaminhados aos endereços acima. Exemplares individuais podem ser obtidos nos seguintesendereços, em SP:• Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB), na Faculdade de Geografia da Universidade de SP (USP).• Banca de jornais Paulista 900, à Av. Paulista, 900.• Em Ribeirão Preto: na Sucursal (v. endereço acima)

Brasil é “campeão”de violência doméstica

oerente com sua tradição de paíscom a pior distribuição de renda, com maio-res índices de violência policial, prostituição ecriminalidade infantil, o Brasil porta, agora,mais um título: nos anos 90, foi o país quemais se destacou na prática de violência do-méstica contra a mulher. Apenas em dois anos,entre 1987 e 1988, foram cometidos 6 milcrimes contra mulheres, 400 dos quais homi-cídios praticados por maridos ou amantes. Estaé uma das conclusões do Relatório Global so-bre os Direitos Humanos da Mulher, elabora-do pela Human Rights Watch, organizaçãosedida nos Estados Unidos. O relatório foilançado dia 4 de setembro, na abertura daQuarta Conferência das Nações Unidas sobrea Mulher, em Pequim. Durante doze dias,delegações de 185 países debateram os prin-cipais problemas causados pela opressão e dis-criminação econômica baseadas no sexo.

Em geral, a situação no mundo é cala-mitosa para as mulheres. Há uma‘‘feminização’’ da pobreza -isto é, as mulheressão as maiores vítimas dos índices alarmantesde subnutrição, analfabetismo, desemprego ebaixos salários (v. o quadro). Apesar disso, nãohá consenso entre os governos sobre as medi-das a serem adotadas para corrigir essa situa-ção. Em princípio, todos concordam com aproclamação geral de que as injustiças devemser reparadas. Aqui, porém, apenas começamos problemas.

Os países ‘‘ricos’’ não aceitam os pe-didos de mais verbas para financiar programasmundiais de assistência social, educação e luta

contra o preconceito. Além disso, vetam a idéiade ampliar a ajuda às mulheres de imigrantespobres, que sofrem as maiores conseqüênciasda falta de higiene e moradia (por exemplo,na hora do parto ou do aborto), alimentaçãoprecária e discriminação trabalhista.

Os países mais conservadores e/oudominados por governos religiosos -como Irã,Cuba e China- não aceitam a noção deuniversalização dos direitos humanos, segun-do a fórmula proposta pela Anistia Internaci-onal -‘‘os direitos humanos são direitos damulher’’. Este princípio seria uma ‘‘afronta’’ àsoberania nacional, já que cada país teria odireito de decidir sobre seus próprios direitos,o que incluiria a forma de tratar as mulheres.E Vaticano e Islã condenam os direitosreprodutivos da mulher, aprovados na Confe-rência Internacional sobre População e Desen-volvimento, realizada em 1994, no Cairo. Oque está em questão neste ponto, entre outrascoisas, é o direito ao aborto.

Assim, a Conferência da Mulher re-produz aquilo que a ONU já transformou emrotina: interesses políticos e econômicos sesobrepõem ao fundamental, deixando a sen-sação de que nada foi resolvido. Mas o sim-ples fato de discutir a questão já mostra quenem tudo está perdido. É uma esperança -ain-da que tênue- para milhões de brasileiras quesão, diariamente, exploradas, humilhadas,espancadas e torturadas por maridos, que, ain-da por cima, têm a Lei a seu favor: o bárbaroprincípio de ‘‘defesa da honra’’ contra mulhe-res supostamente adúlteras.

C

A discriminação da mulher no mundo

■ As mulheres ocupam só 10% das cadeiras nos Parlamentos e 6% dos cargos oficiais,em média

■ São 70% dos 1,3 bilhão que vivem em estado de pobreza absoluta■ Ganham menos para fazer o mesmo tipo de trabalho■ Cerca de 1 milhão de meninas são forçadas a se prostituir a cada ano■ 2/3 dos analfabetos são mulheres■ As guerras civis no Haiti, na Bósnia e em Ruanda mostraram que o estupro de

mulheres tem sido utilizado como arma política■ Em todos os países, incluindo os ‘‘ricos’’, é comum a prática de abusos sexuais em

prisões femininas■ Em 20 países da África, Ásia e Oriente Médio pratica-se a mutilação dos órgãos

genitais femininos■ O tráfico de escravas é praticado no Brasil, Sudão, Tailândia, China e outros países■ A violência doméstica é a maior causa de ferimentos em mulheres no mundo, mas,

em geral, permanece impune; no Brasil, a figura jurídica da ‘‘defesa da honra’’ éutilizada para absolver maridos homicidas

(Fonte: Jornal da Tarde, 04.set.95, e relatório sobre os direitos da mulher da AnistiaInternacional, 1995)

Os testes nucleares franceses no atol de Mururoa, inicia-

dos em 1966, explicitam uma questão central: quando tanto se

fala no ‘‘globalismo’’- na instauração de uma ‘‘comunidade das

nações’’ em oposição à antiga divisão do mundo em blocos anta-

gônicos- e quando se celebra a informatização que prefigura vir-

tualmente a ‘‘aldeia global’’ imaginada por Marshall McLuhan nos

anos 60 -quando, enfim, um olhar distraído poderia concluir que

a humanidade supera os estreitos limites impostos pela lógica

do Estado-nação oitocentista-, a França revela -com sua face mais

colonialista, racista, preconceituosa, belicista e agressiva- a per-

sistência de uma perspectiva centrada na Razão de Estado e no

direito imperial.

O atol de Mururoa faz parte do arquipélago Tuamotu, na

Polinésia francesa, um conjunto de 130 ilhas com área total de

3.885 km2 e 190 mil habitantes, a maioria dos quais descenden-

tes de nativos. A capital, Papeete, fica na ilha de Tahiti, onde se

concentra metade da população. Tahiti tornou-se protetorado

francês em 1844, e as outras ilhas foram gradualmente anexa-

das. Em 1946, no quadro da reorganização geopolitica do pós-

Guerra, a região tornou-se território francês ultramarino com re-

presentação na Assembléia francesa.

Face às pressões contra os testes, Paris multiplicou decla-

rações patéticas, como a de que a França também é uma ‘‘nação

do Pacífico Sul’’ (sic). Eliminada a demagogia, a retórica se resu-

me a um só argumento: o território é francês, e ponto. Claro que

Paris também é território francês, mas os testes não são na civi-

lizada capital, apenas porque na civilizada perspectiva francesa a

população e o ecossistema da longínqüa e não civilizada Mururoa

não contam. A mesma perspectiva imperial norteou, por exem-

plo, os puritanos que massacraram os indígenas para ‘‘civilizar’’

o Oeste americano; ou os católicos portugueses e espanhóis que

destruíram maias, astecas, toltecas, tupis, guaranis e tantos ou-

tros povos, em nome de seus ideais ‘‘elevados’’; ou, ainda, os

brancos que instauraram o odioso apartheid na África do Sul.

Nesse sentido, a França não faz nada de ‘‘novo’’ em

Mururoa. Apenas se tornou -por incompetência e / ou excesso

de arrogância- a face mais visível da lógica da exclusão cultural,

arraigada no Ocidente, que reconhece legitimidade apenas àquilo

que encontra no espelho. É a mesma lógica que alimenta o pre-

conceito contra o Islã (‘‘fanático’’, ‘‘terrorista’’ etc.), as popula-

ções negras da África ou o imigrante nordestino que busca no

Sul do Brasil a sua subsistência. Eis, enfim, a questão: na era da

globalização, os testes de Mururoa são, de fato, a regra, não a

exceção.

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Máfias movimentam US$ 750 biPela primeira vez em tempos de re-

lativa paz, a ONU realizou duas conferên-cias -em Nápoles (novembro de 1994) eCairo (maio de 1995)- em menos de cincomeses para tratar de um mesmo assunto: ocrime internacional organizado. A ONUconcluiu que as máfias, baseadas em 23países, faturam, por ano, US$ 750 bilhões,ou 1,5 Produto Interno Bruto (PIB, somatotal das riquezas produzidas) do Brasil. Oseu principal motor seriam os US$ 200bilhões gerados pelos cartéis donarcotráfico.

A soma tem grande impacto nomercado financeiro, especialmente quan-do as novas tecnologias e as leis permitema movimentação de grandes somas com umsimples apertar de botão de computador.Se esse capital fosse subitamente retiradode circulação, bancos e bolsas de valoresiriam à falência, assim como importantescidades (como Miami, Boston e LosAngeles) e os ‘‘paraísos financeiros’’. Paísescomo a Colômbia teriam que declarar suainadimplência.

As principais máfias são a CosaNostra americana e siciliana, os cartéis co-lombianos, as máfias da Rússia, a Yakuzajaponesa e as Tríades de Hong Kong,Taiwan e sudeste asiático. Controlam umvasto espectro de atividades, da produção etráfico de drogas ao contrabando de armas,tecnologia e material usado na produçãode mísseis nucleares, passando pela vendade órgãos humanos e comércio de criançase escravas brancas. A Rússia é o país ondese faz mais visível a sua atividade. Segundoo Ministério do Interior russo, em 1994atuavam no país 3.500 grupos mafiosos,que controlavam 35% dos 2.300 bancoscomerciais e 2 mil empresas que fornecemserviços ao setor público.

O impacto do dinheiro do crimesobre as economias nacionais é facilmentevisível no caso dos ‘‘paraísos financeiros’’.Ali, as instituições bancárias não indagama origem do dinheiro, e garantem o seureinvestimento em indústrias, bolsas devalores e todo tipo de comércio legal. Esseprocesso, “lavagem de dinheiro sujo”, ali-menta uma parcela crescente da economiaformal. O Panamá, por exemplo, tornou-se ‘‘paraíso financeiro’’ após uma lei de si-gilo bancário de 1970. Em alguns meses,74 bancos (eram cinco, em 1960) capta-ram US$ 11 bilhões em depósitos. Outros“paraísos” são as ilhas Virgens (britânicas),as ilhas de Jersey, Guernsey e Sark, no Ca-

dente Collor, permitindo que capitais es-trangeiros comprassem títulos e ações nasbolsas do país. Em julho de 1992, os inves-timentos estrangeiros ultrapassavam os US$0,5 bilhão mensais. É improvável que asautoridades conheçam a origem real dessedinheiro.

A crescente facilidade para a movi-mentação de capitais é uma necessidadeimposta pela globalização da economia se-gundo a lógica neoliberal. É impossívelentender as atuais dimensões do crime semlevar em conta as tendências do mercadoglobal, e a infraestrutura tecnológica queas viabiliza. Ora, um componente funda-mental da globalização é o crescimento docapital especulativo. Os jogos financeiroscolocam em circulação eletrônica (via com-putador) bilhões de dólares que, em‘‘economês’’, formam “capital fictício” -di-nheiro que não tem correspondência nemem ouro nem em bens materiais. Ascorporações jogam com esse capital comose à mesa de pôquer: blefam, apostam, ar-riscam. É muito tênue, nesse nível, a fron-teira entre procedimentos legais e osmafiosos.

É um tipo de ambiente que favore-ce a proliferação de criminosos. Favorece,por exemplo, as jogadas envolvendo recep-tação de “dinheiro sujo” e seureinvestimento em ações e títulos legais. Omais grave, do ponto de vista do equilíbriopolítico mundial, é o fato de que as máfiasadquiriram o poder de desestabilizar eco-nomias inteiras, mediante o puro jogoespeculativo. Essa hipótese foi demonstra-da, por exemplo, durante a crise do Méxi-co, em que a fuga de grandes capitais emalgumas horas levou o pânico ao mercadomundial (v. Mundo nº 1). De certa forma,este é o preço que o neoliberalismo pagapelo divórcio que promove entre o capitale o seu significado social.

Livros:Narcotráfico -um jogo de poder nas

Américas, José Arbex Jr.,Moderna, SP, 1993

O Século do Crime, José Arbex Jr. eCláudio Júlio Tognoli,

Boitempo, SP, no prelo

SERVIÇO:

O século do crime

Na era da globalização, narcodólares têm o poder de desorganizara economia e preocupam a ONU

nal da Mancha, as Antilhas holandesas, asilhas Caimã, Bahamas, Bermudas, Malta,Chipre, Mônaco, Liechtenstein, Suíça,Gilbratar, Hong Kong e Cingapura.

As máfias têm muito maior liqüideze eficácia que suas concorrentes no merca-do financeiro -bancos e empresas legais.Não têm que prestar contas a acionistas,nem preocupações éticas com o Tesouropúblico, e lançam mão de qualquer expe-diente para conquistar vantagens. Seus lu-cros legais tendem a se multiplicar rapida-mente, de tal forma que os negócios de fa-chada dão aparência ‘‘limpa’’ a impériosclandestinos.

Os governos decidiram adotar me-didas preventivas à “lavagem” de dólares.Por exemplo, fiscalizar contas que atinjamdeterminada soma -em geral, US$ 10 mil-, checar a origem do dinheiro empregadoem grandes investimentos (como os imo-biliários), ou verificar se fulano ganhou, defato, na loteria, ou se teve a “ajuda” de“deus”, como no caso de deputados brasi-leiros que alegam ter vínculos com o Cria-dor. Mas esses métodos são de eficáciaquestionável, quando se trata das grandesfinanças. Talvez detectem o pequeno meli-ante, mas não os ‘‘chefões’’ -que, não raro,

são os políticos que fazem ou controlam aaplicação das leis.

A tradição de sigilo que cerca os ne-gócios financeiros favorece o florescimentodos vínculos entre máfias e bancos. É, ob-viamente, raro que os bancos permitam o“vazamento” de dados estabelecendo sua co-nexão com o crime. Uma dessas ocasiõesaconteceu em abril de 1991. O banqueirosaudita Gaith Pharaon, à época um dosquinze homens mais ricos do mundo, de-clarou, em Buenos Aires, que todos os gran-des bancos lavam narcodólares, incluindoos tradicionais, como o First Bank ofBoston e o Crédit Suisse. Pharaon se res-sentia de que apenas o seu Bank of Creditand Commerce International, estopim deum escândalo em 1992, era citado por seusvínculos com a máfia.

No Brasil, é impossível calcular comexatidão o impacto do dinheiro “sujo” nomercado formal. Uma das razões foiexplicitada pelo escândalo Collor-PC Fari-as: o governo não controla as atividadesbancárias, já que, como se viu, é muito fá-cil abrir contas ‘‘fantasmas”, tendo comotitulares pessoas de nome e CGCs falsos.O descontrole foi agravado pelas leis apro-vadas no início de 1992 pelo então presi-

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5

político claro sobre o futuro, algo mais concreto do que odesejo de se tornar independente. Como resultado, apro-ximadamente 60% da população rejeitou a idéia de sepa-ração.

O resultado do plebiscito não significou, em hipó-tese alguma, a resolução definitiva da questão quebecois.Ao contrário, as tentativas posteriores do governo centralem criar uma “sociedade distinta” para o Quebec fracassa-ram, ao mesmo tempo em que se acirraram as diferençasentre as províncias, especialmente com as do oeste (Albertae Colúmbia Britânica). O premiê da Colúmbia Britânicachegou a declarar que “existe um imenso ódio dos mora-dores de sua província contra aqueles que querem destruiro nosso grande país”. As províncias “ocidentais”, além dis-so, estão mais interessadas em aprofundar os seus laçoseconômicos com Estados Unidos e Bacia do Pacífico.

Quando o PQ venceu as eleições provinciais de1994, seus líderes prometeram um novo plebiscito paradefinir de vez a situação política de Quebec. As esperançasdos separatistas residem no eleitorado jovem, que, cadavez mais, se identificam com o Quebec e cada vez menoscom o Canadá. Os horizontes políticos do Canadá estãoobscurecidos por espessas nuvens de incertezas.

Separatismo no Quebec

Governo quebecois realiza consulta para resolver tensões seculares; separatistas querem criar novo país

Plebiscito pode dividir o Canadá

Desde então, e pelos anos seguintes, a FLQ reali-zou ações terroristas com atentados à bomba, assaltos àbancos e sequestros de personalidades políticas do país.Mas não conquistou o apoio da opinião pública, que,embora simpatizasse com a idéia do ‘‘Quebec livre’’, nãoaceitava a adoção de métodos violentos. Depois de umaintensa ação repressiva acompanhada de negociações como governo, a FLQ seria desmantelada, em 1970.

Talvez o maior emblema da luta separatistaquebecois tenha acontecido em 1967. Naquele ano, opresidente francês Charles De Gaulle, em visita à cidadede Montreal, concluiu seu discurso com as seguintes pala-vras: “Viva o Quebec livre! Viva o Canadá francês!’’ A de-claração ganhava maior importante em função da estaturapolítica de De Gaulle, um dirigente carismático e comenorme prestígio internacional. O separatismo quebecoisconquistava, assim, nova amplitude.

Em 1968, foi criado o Partido Quebecois (PQ), declaras tendências separatistas. Em 1969, sob o impacto decrescentes pressões políticas, o governo central decretou oOfficial Language Act, tornando o francês língua oficial.O Canadá passava a ser um país bilingue. Sete anos de-pois, o PQ chegava ao poder no Quebec; em 1980, con-vocou um plebiscito para definir o futuro da província emrelação ao Canadá. Mas o PQ não apresentava um projeto

O Canadá poderá mudar radicalmente suas feiçõesgeopolíticas, ainda este ano. Tudo depende do resultadode um plebiscito convocado para o segundo semestre de1995, cujo objetivo é o de saber se uma de suas províncias,a do Quebec, permanecerá unida ou se transformará numnovo país. Geograficamente, a província de Quebec temcerca de 10% de seu território sobre o vale do São Louren-ço e o restante sobre o verdadeiro “baú” de riquezas mine-rais que é o Escudo Canadense.

Nesta província, vivem mais de 7 milhões de pes-soas, aproximadamente um quarto da população do país(v. o mapa). O que distingue o Quebec das demais áreasdo Canadá, do ponto de vista humano, é que mais de 80%de seus habitantes são franco-canadenses, falam o francêse se consideram descendentes dos colonos que fundaram a‘‘Nova França’’, no século 16.

As linhas tortuosas da história fizeram com que osbritânicos assumissem o controle de Quebec em 1763, logoapós o fim da Guerra dos Sete Anos na Europa. Osquebecois (pronuncia-se quebecuá), como são chamadosos habitantes de origem francesa da província, nunca acei-taram essa situação. Como resultado, desde o século 18participaram de inúmeras revoltas, inicialmente contra odomínio britânico, posteriormente contra os canadensesde origem inglesa, que habitavam, principalmente, a pro-víncia de Ontário.

No século 19, ocorre a unificação do Canadá, coma incorporação das províncias atlânticas (Nova Escócia eNova Brunswick). Inicia-se, então, a expansão para o aci-dentado Oeste e para o gélido Norte. Em seguida, o Cana-dá torna-se independente e transforma-se numa federaçãode dez províncias e dois territórios. Continua, porém,mantendo estreitas relações com a Grã-Bretanha, na con-dição de participante da Comunidade Britânica das Na-ções.

No século 20, mais específicamente de 1944 a1959, o governo da província de Quebec foi exercido porgovernos ligados ao Partido Conservador. Em 1959, as elei-ções foram vencidas pelo Partido Liberal, que introduziuvárias reformas favoráveis aos cidadãos de origem france-sa. Apesar dessas reformas, o separatismo continuou vivo.

O principal estímulo aos sentimentos separatistasera um sistema que discriminava a maioria de origem fran-cesa. Dentro da província, os habitantes de língua inglesaeram considerados cidadãos ‘‘superiores”. Cerca de 75%dos empregos melhor remunerados pertenciam a essa mi-noria, enquanto que os franco-canadenses (50% da forçade trabalho) ocupavam 80% dos empregos pior remune-rados. O desemprego era maior que em outras provínciase, apenas 15% da indústria local pertencia a franco-cana-denses.

Nesse tenso contexto social foi criada, em 1963, aFrente de Libertação de Quebec (FLQ), uma organizaçãoradical que baseava suas idéias numa “luta anticolonialistano âmbito da revolta internacional contra os Estados Uni-dos”. A FLQ optou pela luta armada e guerrilha urbana.

CANADÁPop.: 29.362.000Sup.: 9.203.210

ManitobaPop.: 1.131.000Sup.: 547.704

SaskatchewanPop.: 1.016.000Sup.: 570.113

AlbertaPop.: 2.721.000Sup.: 638.233

Colúmbia-BritânicaPop.: 3.700.000Sup.: 892.677

Territ. do YukonPop.: 30.000Sup.: 531.844

Territs. do NoroestePop.: 105.000Sup.: 3.246.389

Terra NovaPop.: 580.000Sup.: 371.635

Ilha do Pr.EduardoPo.: 135.000Sup.: 5.660

Nova EscóciaPop.: 938.000Sup.: 52.841

Nova-BrunswickPop.: 760.000Sup.: 71.589

QuebecPop.: 7.293.000Sup.: 1.357.812

OntárioPop.: 10.992.000Sup.: 916.734

TER. DOYUKON

TERRTÓRIOS DONOROESTE

COLÚMBIABRITÂNICA

ALBERTA

SASK

ATCH

EWAN

MANITOBA

ONTÁRIO

TERRANOVA

TERRANOVA

QUEBEC

ILHA DOPRÍNCIPEEDUARDO

NOVAESCÓCIA

NOVABRUNSNICK

Boston

Nova York

Vancouver

ReginaMontreal

Quebec

Otawa

Toronto

Baia deHudson

Mar doLabrador

Mar deBaffin

OCEANO GLACIALÁRTICO

OCE

ANO

PAC

ÍFIC

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ALASCA

ESTADOS UNIDOS

(EUA)

GROENLÂNDIA(DIN.)

Círculo Polar Ártico

O CANADÁ “FRANCÊS” (QUEBEC) ÁREA ONDE ESTÁ CONCENTRADA CERCA DE 90% DA POPULAÇÃO CANADENSE

O CANADÁ E O SEPARATISMO DE QUEBEC

Can

adia

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irlin

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Vista panorâmica da capital separatista

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Estados Unidos x Japão: conflitos de interesses anunciam uma nova era

Queda-de-braço entre gigantes redefine economia global “You drive us wild,we drive you crazy”

MUNDO no Vestibular

Durante cem anos, o eixo da economia mundial re-pousou sobre o Atlântico Norte, o “mar interior” que conectaos Estados Unidos à Europa Ocidental. Há duas décadas,esse eixo se deslocou para a Bacia do Pacífico, puxado pelaexpansão industrial asiática. Os pilares sobre os quais se apóiao novo eixo são os Estados Unidos e o Japão. A parceriaentre as duas potências econômicas evoluiu no sentido daassimetria e do desequilíbrio. Essa é a fonte da crise que asassombra.

Nos anos 80, configurou-se a geometria das relaçõeseconômicas entre os Estados Unidos e o Japão. A estratégiacambial* [as expressões marcadas com * são explicadas no Glos-sário] de Ronald Reagan impulsionou os juros americanospara a estratosfera, supervalorizando o dólar. A expansão doconsumo interno teve como contrapartida o desabamentoda balança comercial* e, com ela, da conta-corrente*. NoJapão, tudo se passava ao inverso: a subvalorização cambialdo iene mantinha comprimido o consumo interno e ampli-ava as exportações. Os saldos comerciais multiplicavam-se,gerando superávit na conta-corrente (v. pág. 8).

É uma relação estranha. O desequilíbrio no comér-cio bilateral entre as duas potências econômicas reflete-sena imagem espelhada das balanças comerciais e das contas-correntes: nos últimos doze meses, os Estados Unidos acu-mularam déficits de mais de US$ 180 bilhões no comércioexterno e de mais de US$ 160 bilhões no total de transa-ções correntes, enquanto o Japão obtinha superávits de quaseUS$ 145 bilhões e mais de US$ 120 bilhões, respectiva-mente (v. o gráfico A).

Há dez anos, o rio de dinheiro que fluía para o Ja-pão, levado pelos saldos comerciais, gerava a maior bolhaespeculativa* do século: o capital abundante caçava umaárea limitada de terras para investimento, catapultando ospreços dos imóveis. A especulação imobiliária transbordoupara a Bolsa de Valores, alçando a patamares inéditos ospreços das ações. Os bancos concediam financiamentos eempréstimos, garantidos por imóveis ou açõessupervalorizados dos tomadores. O Japão parecia, como quepor encanto, ter se transformado em ouro. Na cirandaespeculativa, os japoneses justificavam o preço das ações pelopreço dos imóveis, acreditando que uma faceta do boomera uma base sólida para a outra.

Não era. O encanto se quebrou em 1990, quando oíndice Nikkei precipitou-se no abismo, caindo de 38.915pontos para a faixa dos 15.000 pontos em 1992. O valordos imóveis, preso ao das ações pela lógica da ciranda finan-

Os homens de Estado americanos são loquazes; os japoneses são pragmáticos. A América usa a força no exterior; o Japão é resolutamente insular. AAmérica é federal, plural, ama a livre escolha; o Japão é centralizado, homogêneo, ama o igualitarismo. Não surpreende que esse par bizarro tenha

construído uma aliança bizarra. Seu tratado de segurança assenta-se em que a América defenderá o Japão, mas o Japão nada fará para proteger a América.Suas relações econômicas são atormentadas pelo superávit comercial japonês e pelo superávit de queixas americanas a respeito dele.

(The Economist, 13.mai.95, pág. 35)

Newt Gingricht, o controvertido presidente da Câmara de Deputados, personifica a maré conservadora que avançasobre as instituições americanas. A viragem começou há um ano, quando as eleições parlamentares encerraram-se com umaderrota fragorosa do presidente Bill Clinton e do Partido Democrata. Uma legião de republicanos tomou de assalto as duascasas do Capitólio, brandindo uma plataforma política ultra-liberal e neo-isolacionista: o ‘‘Contrato com a América’’. O sonhoamericano é o alvo visado pela nova maioria que manda no Congresso.

O sonho americano nasceu com o New Deal, de Franklin Roosevelt, no ambiente depressivo dos anos 30. A quebra daBolsa de Nova Iorque tinha encerrado, com um golpe fulminante, a farra liberal e elitista dos loucos anos 20. O programa derecuperação de Roosevelt representava a inversão dos dogmas tradicionais. O Estado ingressava na arena econômica investindoem obras públicas, gerando empregos, redistribuindo a riqueza. As novas idéias intervencionistas evoluíram, nas décadas deprosperidade do pós-guerra, na direção do Welfare State: o Estado previdenciário, provedor de saúde e educação, aposentadoriae pensões, programas de renda e combate à pobreza. Ser americano era, quase certamente, ser de classe média. Carro e casaprópria, supermercados e fast-food, cinema e apple pie.

O New Deal foi a plataforma social sobre a qual se ergueu uma ampla coalizão política que reuniu a classe médiaurbana, os sindicatos, os agricultores do sul, os movimentos negros. O eixo da coalizão era o novo Partido Democrata, libertodo estigma de agrupamento de fazendeiros escravistas e nostálgicos do sul aristocrático. Nos anos 60, a coalizão democrataretomou impulso através do programa da Grande Sociedade, de Lyndon Johnson, que suprimiu a discriminação legal contra osnegros e abriu caminho para a difusão dos programas sociais de combate à pobreza.

O ciclo da grande coalizão do New Deal começou a se esgotar com a eleição de Ronald Reagan, em 1980. Nessa época,impostos e programas sociais sofreram a primeira ofensiva republicana. A reconcentração da renda e a redução dos salários dostrabalhadores menos qualificados refletiram-se no salto dos patamares de pobreza, que ultrapassaram os 10% da populaçãoempregada (v. o gráfico). A eleição de Clinton, em 1992, após doze anos de administrações republicanas, foi saudada como oreencontro da América com o New Deal. Ilusão: o assalto às cadeiras do Capitólio pelas hordas de Gingricht revela que aClinton parece estar reservada a função de presidir o naufrágio.

O ‘‘Contrato com a América’’ retoma e amplifica o programa liberal de Reagan. Entretanto, ironicamente, o espantalhoque legitima a nova plataforma ultra-liberal foi criada precisamente no reinado do velho Ronald: o gigantesco déficit orçamen-tário do governo, cavado pela redução dos impostos cobrados dos ricos. Contra a montanha de despesas sem receitas que seacumula todos os anos às portas do Tesouro, a nova maioria promete cortes impiedosos de gastos sociais. A meta, ambiciosa,

consiste em promover o equilíbrio do orçamento até 2002. Sem novos impostos.A ofensiva do equilíbrio orçamentário, ainda que dirigida contra virtualmente todos os gastos sociais públicos,

atinge em cheio os programas federais de saúde para os idosos (Medicare) e os pobres (Medicaid). Os cortes elevam-se avárias centenas de bilhões de dólares, distribuídos ao longo dos próximos sete anos. Os programas de garantia de rendamínima e integração social de populações marginalizadas parecem fadados à extinção pura e simples. Os centuriões doorçamento equilibrado marcham sobre um chão social cada vez mais instável: antes da longa tesoura do Capitólio entrar emfuncionamento, os índices de pobreza já atingiram níveis recordistas, aproximando-se da marca de 12% dos empregados.

No ano que vem, os americanos voltam às urnas para as presidenciais. Se a maioria republicana que manda noCapitólio conseguir, como se espera, tomar a Casa Branca, a reviravolta terá se completado. O sonho americano será entãoum capítulo encerrado na história da nação.

ceira*, despencou junto, provocando um terremoto em todoo sistema de empréstimos do arquipélago. Os devedores,empresas ou particulares, atingidos por perdas irrecuperáveisna Bolsa de Valores e pela desvalorização do patrimônioimobiliário, não podem honrar as suas dívidas. Os bancos,sentados sobre uma montanha de créditos podres que somaUS$ 460 bilhões (algo como o PIB do Brasil), conhecem aantecâmara do inferno. Os onze maiores bancos acabam depublicar balanços que registram baixas de resultados de 90%.

O Sumitomo Bank, maior estabelecimento do mundo,anunciou o primeiro balanço negativo desde a SegundaGuerra, com perdas de US$ 3 bilhões. O Tokyo KyowaCredit e o Anzen Credit Bank já abriram falência.

A crise é agravada pelo encerramento do ciclo histó-rico do iene subvalorizado, em função das novas estratégiaseconômicas americanas. O primeiro sinal da reviravolta foio chamado Acordo do Plaza, em 1986, pelo qual o G-7(grupo das sete maiores economias) se engajou na reorgani-

zação das taxas de câmbio. A economia americana não po-dia mais conviver com as taxas de juros estratosféricas deReagan, que provocavam endividamento insuportável doTesouro. A queda dos juros nos Estados Unidos condicionavauma redução da demanda por dólares, determinando a des-valorização do bilhete verde.

Em 1991, a recessão que se abateu sobre os EstadosUnidos precipitou o inevitável. As taxas de juros foram cor-tadas várias vezes, a fim de estimular a retomada de investi-

mentos e consumo. O novo movimento de desvalorizaçãodo dólar servia para reativar as exportações, na tentativa dereduzir os déficits da balança comercial. No Japão, o ienesofreu o impacto do enfraquecimento do dólar, assumindouma trajetória ascendente. Em 1985, o câmbio registravamais de 230 ienes por dólar; em 1991, atingia 130 ienes;em 1994, o iene ultrapassou a barreira psicológica dos 100por dólar e continuou a se valorizar (v. o gráfico B).

O Super Iene simboliza o fim de uma era. O cresci-mento japonês não pode mais prescindir do mercado inter-no e as empresas nipônicas têm que aprender a competir emcondições mais duras. A recessão prolongada que afeta a eco-nomia do arquipélago assinala essa dupla transição: a mortedo iene barato e a ruptura da bolha especulativa das finan-ças. O equilíbrio sobre o qual repousa o eixo assimétrico daeconomia mundial já não existe mais. O comércio entre osseus dois pilares terá que se readaptar às novas condições docâmbio e às necessidades de estabilização da conta-correnteamericana. A guerra comercial, essa ameaça permanente, pesacomo nunca sobre os gigantes da economia global.

‘‘Contrato com a América’’ encerra ciclo do New Deal

Obras sobre a economia e a política americanas:• História da Riqueza dos EUA (Nós, o Povo),

Leo Huberman, Brasiliense, SP, 1987• A Outra América, José Arbex Jr.,

Moderna, SP, 1993• A Formação dos Estados Unidos,

Nancy Priscilla S. Naro, Atual, SP, 1986Filmes em vídeo sobre a sociedade americana no

século XX:• Tempos Modernos, de Charlie Chaplin,

Continental, EUA, 1936• F.I.S.T., Norman Jewison, EUA, 1978

• Faça a Coisa Certa, Spike Lee, EUA, 1989

SERVIÇO:

Leia Mais sobre sobre as relações EUA-Japão à pág. 8

A longa marcha do super iene

Fonte: The Economist, 19 ago. 95, pág. 69.

Ienes

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-200,0Balança Comercial

Um jogo de soma zero

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Fonte: The Economist, 19 ago. 95, pág. 93.

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Abaixo da linha da pobreza

Fonte: The Economist, 08 jul. 95, pág. 32.

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Glossário

• Estratégia cambial: o câmbio é o valor da moeda ex-presso em outras moedas; a estratégia cambial deReagan implicava a valorização do dólar diante dasdemais moedas fortes.

• Balança comercial: saldo entre exportações e impor-tações de mercadorias.

• Conta corrente: saldo de todas as transações correntes,que inclui a balança comercial, as exportações e im-portações “invisíveis” (serviços) e os juros e rendasrecebidos e pagos ao exterior.

• Bolha especulativa: fenômeno da economia caracteri-zado pela expansão de preços de ativos (imóveis, apli-cações ou ações) ocasionado pelo movimento de ca-pitais excedentes.

• Ciranda financeira: movimento frenético de capitaisno circuito financeiro e imobiliário, desconectado deinvestimentos produtivos.

1) Sobre o subcontinente indiano, assinale a alternativacom informações INCORRETAS:a) é afetado pelas monções, e a estação mais chuvosacorresponde ao inverno b) é marcado por rivalidadesentre Índia e Paquistão, que se refletem na disputa pelaregião da Caxemira c) é marcado por importantesmovimentos separatistas, como aquele representado pelaminoria sikh da Índia, que pretende criar um paísindependente, separado do Estado hindu d) apresentarelevo variado, com a ocorrência de cordilheiras deformação geológica recente, planícies fluviais e planaltosantigos e) no Paquistão, os muçulmanos são maioria; naÍndia, apesar de minoritários (12%), correspondem aquase 100 milhões de pessoas

2) Muitos fatores podem colocar em risco o acordofirmado entre Israel e OLP em setembro de 1993.I - A ação de grupos palestinos radicais como o HamasII - A intolerância de grupos judaicos radicais III - Aexistência de colonos de origem israelense na Faixa deGaza e na Cisjordânia. Podem ser considerados fatoresde risco ao acordo:a) apenas o ítem I b) apenas o ítem II c) apenas o ítemIII d) apenas os ítens II e III e) todos os ítens

3) (Universidade Católica-BA) Economicamente, oCanadá é um país muito desenvolvido. Os recursosnaturais, vegetais e minerais são imensos e o colocam emdestacado papel no quadro das nações. No entanto, oCanadá apresenta como problema:a) as baixas densidades demográficas e grandes espaçosvazios, sobretudo no norte do país b) a grandeheterogeneidade étnica de sua população, dividida entrea maioria francesa e a minoria inglesa c) o fortecrescimento vegetativo que ameaça o elevado padrão devida d) as altas taxas de imigrantes latino-americanosque, por não se constituirem em mão-de-obraespecializada, criam subemprego nas áreas urbanas e) ofato de ser país de emigração e por isso apresentarconstante déficit de mão-de-obra.

4) (Fuvest) Com relação à Patagônia, apresente duascaracterísticas naturais e duas atividades importantes paraa economia argentina.

5) Em agosto de 1995 “comemorou-se” os 50 anos dolançamento das bombas atômicas sobre Hiroshima eNagasaki. Ainda hoje, discute-se se esse recurso deveriaou não ter sido utilizado. Washington afirma que nãohavia outra alternativa. Contudo, muitos argumentamque essa ação foi executada por motivações de carátergeopolítico. Responda:a) Em quais argumentos Washington se baseou paraafirmar que não haviam alternativas a não ser o uso dabomba A? b) Os que discordam baseiam-se em queanálises de natureza geopolítica?

R E S P O S T A S

1) a 2) d 3) a4) A Patagônia apresenta clima bastante seco ecorresponde em grande parte a planaltos de formaçãogeológica muito antiga. Do ponto de vista econômicodestacam-se o cultivo de frutas junto aos vales dos rios etambém a criação de gado ovino para a produção de lã. Étambém na Patagônia que estão as principais áreas deprodução de petróleo da Argentina.5a) O governo norte-americano argumenta que, se nãofossem jogadas as bombas, provavelmente haveria anecessidade de uma invasão do arquipélago japonês, comum número de baixas seria muito maior que as causadasem Hiroshima e Nagasaki. Só uma ação tão terrívelpoderia levar o Japão à rendição.5b) Os críticos argumentam que as bombas tinham outroalvo: “alertar” o governo da URSS de que ele não deveriater qualquer nova ambição territorial sobre o Japão. Poucoantes, a URSS já havia tomado o arquipélago das Curilase a metade sul da ilha de Sacalina que pertenciam ao Japão.

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8 O capitalismo nipônico, do berço à crise

“You drive us wild,we drive you crazy”

A crise japonesa assinala o esgotamento de um mo-delo de crescimento que nasceu junto com o capitalismonipônico. Esse modelo em desintegração combinou o Es-tado e a grande empresa, subordinou a concorrência ao pla-nejamento e sacrificou o consumo em nome da produção.

O Japão foi atirado ao mundo do comércio inter-nacional pelas embarcações de guerra do comodoro ame-ricano Matthew Perry, que em 1854 bombardearam osportos do arquipélago e abriram o mercado interno do paísaos produtos ocidentais. Essa operação de guerra econô-mica destruiu o equilíbrio político do Japão tradicional eprecipitou o fim da Era Tokugawa. No lugar do poderlocalista dos xoguns, instalou-se a autoridade centralizadorado imperador.

A Restauração Meiji, iniciada em 1868, propicioua modernização industrial e o nascimento de uma novapotência expansionista. Os zaibatsu -as empresasmonopolistas nipônicas organizadas em bases familiares-cresceram na estufa do Estado autoritário e militarista, for-necendo o aço e os navios, os tecidos e os canhões, os avi-ões e os produtos químicos para os sonhos de poder doimpério.

As bombas de Hiroshima e Nagasaki, há cinquentaanos, assinalaram a falência de um projeto e o ponto departida de outro. Na moldura bipolar da Guerra Fria, oJapão subordinou-se à geopolítica americana enquanto selançava à reconstrução da sua economia industrial. Wa-shington temia que o Japão, comprimido pela ‘‘pinça’’ for-mada pelos dois gigantes comunistas (União soviética eChina), acabasse não tendo outra alternativa senão apro-ximar-se dos inimigos estratégicos. Por essa razão, o finan-ciamento da reconstrução japonesa assumia um caráter deurgência para os Estados Unidos.

Reconstrução do pós-Guerra, realizada sob a égide estratégica de Washington, retomou a herança da empresafamiliar -os ‘‘zaibatsu’’-, disciplinou a sociedade e acumulou saldos comerciais, ameaçando, quatro décadasdepois, a hegemonia americana

Modelo associou Estadoà indústria

SERVIÇO:

Livros sobre a sociedade e a economia no Japão:• Um Retrato do Japão,

Osvaldo Peralva, Moderna, SP, 1991• Desenvolvimento Econômico do JapãoModerno, Takafusa Nakamura, Min. dos

Negócios Estrangeiros do Japão, 1985• EUA x Japão - Guerra à vista,

George Friedman e Meredith Lebard, NovaFronteira, Rio, 1993

Filmes em vídeo sobre o Japão e o Ocidente:• Sol Nascente, de Philip Kaufman,

EUA, 1993• Chuva Negra, de Ridley Scott, EUA, 1989

A conquista dos mercados externos apoiou-se napolítica cambial, seguida a ferro e fogo, de subvalorizaçãodo iene: os produtos japoneses deveriam ser baratos forado arquipélago e os produtos estrangeiros deveriam ser carosno mercado nipônico. Os mercados internacionais foraminvadidos por produtos made in Japan.

A balança de comércio com os Estados Unidos de-sequilibrou-se definitivamente para o lado do arquipélago.Os excedentes de exportações sobre importações garanti-am saldos comerciais monstruosos. As reservas de divisasem dólares empilharam-se nos cofres do Banco do Japão.O PIB nipônico saltava, em duas décadas, de um quintopara quase três quintos do PIB americano (v. o gráfico).

O “milagre japonês” conservou-se fiel às tradições.O lastro cultural budista e religioso, a disciplina no traba-lho e a figura do imperador formam um lado da moeda danova superpotência econômica. O outro lado con-substancia-se no planejamento econômico, centralizadopelo Miti (Ministério da Indústria e Comércio Exterior),que reflete a velha parceria entre o Estado e os conglome-rados empresariais. Há dez anos, essa parecia ser uma re-ceita de sucesso eterno. O novo século foi apresentado comoo início da “era japonesa” e, nos Estados Unidos, anuncia-va-se a iminência de um “Pearl Harbor econômico”.

A primeira grande oportunidade para isso veio coma Guerra entre a Coréia do Norte (comunista) e a do Sul,entre 1950 e 1953. O capital americano associou-se aoEstado japonês para estimular e fortalecer a indústrianipônica, através do ‘‘esforço de guerra’’-fabricação de aces-sórios e peças militares, roupas sintéticas e processamentode alimentos para os soldados americanos.

Nas décadas seguintes, a estratégia da reconstruçãojaponesa envolveu dois elementos principais: a formaçãode poupança interna e a conquista dos mercados externos.A capitalização dos conglomerados empresariais nutriu-sedo baixo custo da mão de obra e da canalização da pou-pança popular para o investimento privado. O Estado feza sua parte, comprimindo o consumo e facilitando o cré-dito para as empresas. O consumo comprimido transfor-mava-se em capital e o capital em tecnologia.

Nos anos 70, a siderurgia, a construção naval e aindústria têxtil deram lugar aos automóveis, eletrodomés-ticos e eletrônicos. O crescimento dos custos de produçãono arquipélago -provocados pelo aumento dos salários epelos choques de preços do petróleo- estimulava os inves-timentos no exterior: a indústria do arquipélago transbor-dava para os vizinhos da Bacia do Pacífico, contribuindopara o boom econômico dos “tigres asiáticos”.

1980

4000

3000

2000

1000

1970 1991

As superpotências econômicas

Japão

EUA

5000

6000

Fonte: O Mundo Hoje, 1993.

PIB

em

US$

bilh

ões

Reik

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Nos anos 80, os carros japoneses foram o maior emblema dapenetração nipônica no mercado americano.

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9Autoridade Palestina em crise

“Falcões” judeus e palestinosameaçam criar impasse regional

Demora do governo israelense em cumprir os acordos de setembro de 1993, entre Israel e a OLP,joga lenha na fogueira dos radicais dos dois lados; Iasser Arafat, presidente da Autoridade Palestina, enfrenta pressões políticas agravadas

pelo desemprego e miséria em Gaza e Jericó

Newton CarlosDa equipe de colaboradores

A Autoridade Palestina (AP) deve-ria cobrir toda Cisjordânia desde julho de1994, depois de instalada em maio em Gazae Jericó, não fossem protelações sucessivasno cumprimento de dispositivos da decla-ração assinada em setembro de 1993 pelaOrganização para a Libertação da Palesti-na (OLP) e o governo de Israel. Mas só emagosto deste ano, com vigência prevista parasetembro, foram negociadas algumas dasquestões envolvendo dois pontos cardeais:a retirada do Exército israelense e eleiçãodo Conselho de Autogoverno Palestino.

Já se sabe que parte da área rural daCisjordânia continuará ocupada, enquan-to 140 mil colonos judeus espalhados en-tre quase 500 cidades e aldeias palestinasse mostram dispostos a impedir que os acor-dos de paz sejam totalmenteimplementados antes de novembro de1996, quando haverá eleições em Israel.Esperança de que os trabalhistas sejam subs-tituídos no poder e a direita triunfante pro-mova um recuo geral. Mesmo que analis-tas como Hirsh Goodman, do “JerusalémPost’’, jornal antitrabalhista, digam que oacordo “é irreversível’’, ou que Moss Maoz,da Universidade Hebraica de Jerusalém,garanta que “o sonho de um Grande Israelestá agonizante’’, a idéia de resistência nãodescansa. Há casos de colonos que busca-ram terras e moradias mais baratas. A mai-oria, no entanto, é de sionistas religiososconvencidos de que pisam a terra bíblicade Israel e isso lhes dá direitos sagrados, nãorevogáveis pelos homens. A OLP repete atodo momento, em negociações difíceis,que eles não podem beneficiar-se de statusextra-territoriais e seus bolsões terão de sub-meter-se a leis palestinas.

Com Israel colocando a segurançaacima de tudo, e a OLP batendo na teclade que a essência dos acordos é a troca deterras pela paz, Iasser Arafat enfrenta difi-culdades em duas frentes: na mesa de ne-gociações e “internamente’’. As comemo-rações de maio em Gaza mostraram que ospalestinos estavam, no mínimo, desapon-tados com o “primeiro ano de paz’’. De-

semprego de 60% e nível de vida 10 vezesabaixo do dos israelenses. A Cisjordânia,mais próspera (15 vezes maior do que Gazae população 10 vezes menor), ajudaria amudar o quadro, mas a extensão da Auto-ridade Palestina continua emperrada. Vin-te mil policiais palestinos em dois enclaves(Gaza e Jericó) que, somados, mal dão 300km2, produzem a imagem de um Arafatsubmetido às pressões israelenses de segu-rança.

Em maio deste ano, a AP criou umaCorte de Segurança, e logo condenou a 15anos de prisão um militante do JihadIslâmico (guerra santa) acusado de execu-tar atentado em Israel. Como o premiêRabin insiste em que a AP “não faz o sufi-ciente para combater o terror anti-Israel’’,o El Qods, principal jornal árabe de Jeru-salém leste, escreveu que “a policia palesti-na passou a ser responsável pela segurançade cada israelense, mesmo que ele viva emIsrael”. O Davar, um dos maiores sindica-tos israelenses, ligado aos trabalhistas, dis-se que ‘‘embora a maioria dos atentadosterroristas não venha de Gaza, mas dos ter-ritórios ocupados por nós, Rabin quer queArafat faça verdadeira guerra contra os pa-lestinos, convencido de que só assim seráextirpado o extremismo islâmico’’.

Apesar disso, tanto no Hamas, cujosesquadrões fundamentais são tidos pura esimplesmente como terroristas, como no

Jihad Islâmico existem correntes “jovens epragmáticas’’, egressas da Intifada, dispos-tas a participar das eleições e ocupar umlugar no futuro quadro político. O Hamasé o segundo em peso, depois do Fatah, aorganização de Arafat. O primeiro sinalde distensão apareceu a 18 de maio, quan-do o Jihad admitiu que “a AP é uma reali-dade’’ e se dispôs ao diálogo para “evitar oespectro da divisão’’.

No Hamas e no Jihad acirrou-se odebate entre falcões e pombas. Mesmo paraestas, no entanto, não se deve abandonar aluta armada, “dimensão fundamental dasdoutrinas do Hamas e do Jihad e meio decombate eficiente às condições draconianasimpostas aos palestinos’’. Mas admitemacomodações. A Palestina com as frontei-ras do antigo mandato britânico poderiaficar para depois. Que os palestinos ganhemdireitos imediatos e totais sobre Gaza eCisjordânia. Constatações, como as feitaspelo Centro Palestino de Estudos e Pesqui-sas de Nablus, ajudam a arrefecer impulsosfundamentalistas. O Fatah aparece com49% de apoio entre palestinos, o Hamascom 12,4% e o Jihad com 2,1%. Aconteceque o próprio Arafat sabe que o demoradocumprimento dos acordos de paz funcionacomo elemento corrosivo, inclusive em seumovimento, onde três grupos dissidentes,conhecidos como os “Abus’’, vão em fren-te, dialogam entre si e formulam estratégi-

as de assédio ao dirigente máximo da OLPe “presidente’’ da AP, dupla função não acei-ta por muitos dirigentes palestinos de pri-meira linha. Para um dos “Abus’’, com ocontrole do maior campo palestino no Lí-bano, Arafat não passa de traidor o Gaza ébomba-relógio que “explodirá na casa doquisling da AP’’.

No ano passado as últimas forçasleais a Arafat no Líbano tentaram tomar ocampo de Ain Hilweth e não conseguiram.Ele é o quartel general do Munir Mikdah,autoproclamado guardião do principio bá-sico do Fatah, a “total libertação, só possí-vel por meio de luta armada’’. Os outrosdois “Abus “ são menos radicais, acham queArafat ainda não ultrapassou o ponto denão-retorno e haveria tempo de “resgatá-lo’’. Os três se encontraram em junho emBeirute, enquanto surgia novo grupo deoposição, a “Coalizão Nacional”, na qualpontifica um dos decanos da resistênciapalestina, Shafig al-Hout.

Embora Arafat seja “irreformável’’,não existe alternativa à OLP, admite ele.Mas como resgatá-la, pergunta, se ela é re-fém de Arafat em Gaza? “Um meio seriaforçá-lo a escolher entre a chefia da AP oua liderança da OLP’’, acrescenta. Talvez seconcentrem aí as maiores pressões sobreArafat, favorecidas pelas protelações inter-mináveis na aplicação dos acordos de paz.

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deus de todo o mundo só têm um Estado, e não deverãoabrir mão dele”. Sinal de que os árabes israelenses, mesmovotando e sendo votados, continuarão como cidadãos desegunda classe. Impressionante esse Peres, que dividiu, em1993, o Nobel da Paz com Arafat e com seu primeiro-ministro, Yitzhak Rabin. Aos 72 anos, Peres é um estadistado século 21. Não se entusiasma com a discussão sobre opresente do processo de paz. “O mundo está se dividindoem blocos. Não é hora mais de conversar sobre a relaçãoentre Israel e seus vizinhos árabes, mas sim entre a relaçãoentre o Oriente Médio e o futuro. Só temos uma saída: oMercado Comum.” Peres sai de seu escritório quaseespartano, cheio de fotos do amigo Hussein, o rei daJordânia, com muito medo de que uma enventual vitóriado partido de direita Likud nas eleições do próximo anobloqueie de vez o difícil processo de paz.

Israel foi cruelem três décadas de ocupação

Em seguida, fui para Gaza, sede do governo autô-nomo da OLP. A tiracolo, o experiente Moisés Rabinovitch,jornalista do Estadão, e o motorista Akran -generoso emárabe-, 15 filhos, 23 irmãos. Generoso às pampas. Gaza,uma das cidades mais velhas do mundo (tem uns 7 milanos) é um horror. Quase 1 milhão de pessoas esprimidasem vielas que não são arrumadas desde os anos 20. Esgo-tos a céu aberto. Israel foi cruel em três décadas de ocupa-ção. À porta de cada loja, sempre três ou quatro homenstocando café turco -sem coar- ou fumando narguilé. Não

há emprego, e quando ocorre algum ato terrorista em TelAviv ou Jerusalém, os israelenses fecham a fronteira. Re-sultado: os palestinos de Gaza não podem trabalhar -comopedreiros ou funcionários de hotéis- em Israel. A famíliapassa dificuldades.

A sede do governo palestino é um prédio sem gra-ça, estética de padaria, segurança zero, apesar das dezenasde homens bigodudos que circulam em dez (isso mesmo,dez) uniformes diferentes. Há até uma unidade deparaquedistas, apesar da inexistência da Força Aérea pales-tina. Eu e Rabinovitch conseguimos falar por 5 minutoscom Arafat, graças ao chanceler Lampreia. Arafat parecedoente: aos 66 anos, está pálido, balbucia às vezes. AbuAmar, ou o Velho, como Arafat é reconhecido, enfrenta

Diário de Viagem

Extremos do Oriente MédioA novidade chegou na segunda-feira, dia que cos-

tuma ser tranquilo na redação da revista IstoÉ: “Vocêvai para Israel”. A revista topara me mandar para lá, de-pois de confirmada uma entrevista com o chancelerShimon Peres, a qual eu vinha tentando obter nos últi-mos 18 meses. Um esforço justificado, já que Peres foi,talvez, o principal responsável israelense pelos esforçosde paz, que conduziram -em 1993- ao acordo entre seupaís e a OLP. Esperava, também, fazer outras matériasdurante os sete dias da viagem: uma entevista com IasserArafat, da OLP, outra com o chanceler brasileiro LuizFelipe Lampreia, que visitaria Israel, e uma conversacom Salomon Perel, personagem do filme ‘‘Europa, Eu-ropa’’, um judeu polonês que, por conta de incríveis aca-sos, passou a Segunda Guerra na Juventude Hitlerista. Euma visita a uma colônia de judeus radicais naCisjordânia. Com muitas idéias na cabeça e uma malinhaquase vazia na mão, embarquei. Ansioso, é claro. Nãovoltava a Israel desde os 17 anos, quando -ainda sionis-ta- ensaiara a emigração. Ensaio frustrado: não gosteidos israelenses e, principalmente, de como eles tratavamos palestinos sob ocupação.

Desembarque em Tel Aviv. O primeiro choquefoi com o enriquecimento da sociedade israelense. A vidafrugal, herança dos pioneiros sionistas, foi substituídapela ostentação de um país de Primeiro Mundo. Hotéisimpressionantes na orla marítima de Tel Aviv, quase to-das as pessoas têm carros (sempre os Subaru japoneses,que, sabe-se lá porquê, têm a preferência de 40% dosisraelenses). Até os Sabras, como são conhecidos os na-turais do país, parecem menos ásperos e arrogantes. Oque não mudou foi a segurança onipresente, na formados garotos que prestam três anos de serviço militar -asmulheres fazem dois anos. Em uma semana de hotel,em Jerusalém, vi duas ameaças de bomba. Uma era ver-dadeira, a polícia fez explodir dentro de uma campânula,o que fez o chão tremer. Ninguém nas ruas se alarmou.

‘‘Só temos uma saída:o Mercado Comum do Oriente Médio’’

(chanceler Shimon Peres)

A entrevista com Peres estava marcada para umdomingo (lá é dia útil), em Jeruslém. Tive tempo de en-contrar um velho amigo, o médico brasileiro FranciscoMoreno de Carvalho, que emigrou e dedica-se ao estu-do da relação entre a Medicina e Filosofia judaica. Paci-fista de carteirinha, Chico narrou os mais recentes deba-tes na sociedade israelense. O país, por exemplo, já temseu primeiro embaixador não judeu (muçulmano, envi-ado à representação na Finlândia) e muitos árabes estãofazendo serviço militar, obrigatório só para os judeus.Será que se trata de passos rumo ao fim do Estado judeusemiteocrático? Não -responde Shimon Peres. “Os ju-

Jayme Brener, 34 anos, é sociólogo, jornalista e editor de Brasil da revista IstoÉ. É autor de ‘‘Leste europeu - arevolução democrática’’, ‘‘Tragédia na Iugoslávia’’, ‘‘Ferida aberta -o Oriente Médio e a A Nova Ordem Mundial’’(todos pela Atual, SP) e ‘‘O mundo pós-Guerra Fria (Scipione, SP)

sua batalha mais difícil: construir um Estado a partir donada, prensado entre os israelenses -negociadoresduríssimos- e a oposição islâmica. De consolo, come-çam a surgir os primeiros prédios modernos na praia deGaza, que poderia ser uma das mais belas do mundo,mas está tomada por sujeira. Resta saber se os prédiosnão servirão apenas para alojar os burocratas da OLP,muitos deles conhecidos corruptos. Boa sorte, Abu Amar.

‘‘Árabe bom é árabe morto’’(extremista judia brasileira em Kdumin)

Próxima etapa: Kdumin, colônia de judeus ex-tremistas perto de Nablus, na Cisjordânia. Um choque.Sei lá, imaginava os 120 mil colonos instalados emtrailers, uma coisa meio improvisada... Bobagem. As casassão cinematográficas, muitas com piscina, em uma pai-sagem belíssima, bíblica, repleta de oliveiras. Não é àtoa, nem só por ideologia, que os colonos não queremsair. Para justificar sua permanência fazem uma saladaentre argumentos bíbilicos, políticos (“os palestinos de-vem ir para os países árabes”) e até “naturalistas”. Umabrasileira disse estar lá “para fugir à violência do Rio deJaneiro”. Quando perguntei o que faria se a área fizesseparte do acordo de autonomia palestina, ela não titu-beou: ‘‘A gente dá uns tiros e resolve tudo, porque vocêsabe, árabe bom é árabe morto”. Que coisa, seu...

O Chico explicou o imbroglio ideológico. “Elesmisturam o extremismo com a utopia do Homem Novo,presente tanto no fascismo quanto no comunismo, e que

orientou os pioneiros do sionismo,no início do século.” É o que tam-bém acha Salomon Perel, o simpá-tico e baixinho ex-comunista quepassou a Segunda Guerra nas filei-ras do nazismo. “Quando nós, os so-breviventes, chegamos da Europa,fomos recebidos em Israel com es-cárnio. Falávamos o ídiche, a línguavelha, e não o hebraico dos jovens.

Os próprios israelenses nos chamavam de sabonin, ossabõezinhos, acusando-nos de não termos resistido aHitler...’’

Emoções fortes para uma semana em Israel. Noúnico dia livre, um passeio pela Jerusalém antiga, umdos pontos mais bonitos e mágicos do planeta. Chegoao Muro das Lamentações, que tem, do lado oposto, aMesquita de Omar. De repente, vejo um grupinho dejudeus de preto, rezando aos berros junto à muralha.Que será isso? Me aproximo e percebo. Do outro ladodo muro, um grupo de muçulmanos também rezava aosberros. Os dois magotes de fiéis competiam para verquem molestava mais alto as inchadas orelhas de Deus.Um retrato ideal do Oriente Extremo, digo, Médio.

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O Meio e o Homem

Nelson Bacic Olic

Se você está interessado em participar do Greenpeace,ou simplesmente quer mais informações, anote:São Paulo - R. dos Pinheiros, 240 cj. 32 CEP 05422-000 - fone (011) 881-4940Rio - R. México, 21 cjs. 1301-2 CEP 20031-144 fones (021) 240-4476 e 262-7318.

Em 1971, doze canadenses ten-taram impedir um teste nuclear ameri-cano na costa do Alasca, rumando ao lo-cal a bordo de um pequeno barco. Nas-cia o Greenpeace e sua estratégia de “açãodireta’’. Hoje, o Greenpeace incorporaoutras formas de luta -pesquisa científi-ca, propostas nas áreas de legislação etecnologia, lobby político-, mas nãoabandona a essência: ousadia e confron-tação pacífica.

Quando uma equipe doGreenpeace embarca para uma missão -como o protesto contra os testes emMoruroa-, a expectativa é dissuadir o “inimigo’’ através da presença física nolocal. O Greenpeace se torna uma espé-cie de “olho do mundo’’ face ao absurdoque se quer evitar. Mas, o caráter paci-fista da missão não elimina o que cadaativista sabe, intimamente, que está emrisco: a sua própria vida.

Em julho, o mundo ouviu, atra-vés da rádio BBC, os gritos de desespe-ro de uma manifestante do Greenpeacea bordo do Rainbow Warrior. O navioinvadira a zona de exclusão do atol deMoruroa e estava sendo abordado vio-lentamente pela Marinha francesa. Aoperação militar incluiu o lançamentode bombas de gás lacrimogêneo numasituação em que não se tem para ondeescapar.

Ninguém se feriu com gravida-de. Mas o fato aumentou a indignaçãomundial contra a arrogância da políticanuclear francesa. Aquela ativista,Stephanie Mills, provavelmente tevemuitos pesadelos nas noites seguintes.Mas, o pesadelo maior é a ameaça queos testes nucleares representam para apaz. E quando o Rainbow Warrior le-vantou âncora para a sua nova viagem aMoruroa, não havia dúvidas: Stephanieestava a bordo.

Cara a caracom o perigo

Rios podem ser fontesde tensões e conflitos

Ao observar-se um mapa-mundi, percebe-se que muitas frontei-ras internacionais correspondem a riose que vários cursos d'água atravessamdois ou mais países. Os rios formadoresda Bacia Platina - Paraná, Paraguai eUruguai são, em parte de seus cursos,fronteiras entre países da América do Sul.O mesmo acontece com o rio Grande(EUA/México), ou com o São Louren-ço (EUA/Canadá). Outros rios, como oAmazonas, Reno, Nilo, e Danúbio, atra-vessam vários países.

O primeiro grupo de rios podeser chamado de rios fronteiriços e o se-gundo de rios sucessivos e, há aquelesque são ao mesmo tempo fronteiriços esucessivos (Paraná e Danúbio).

Devido à grande importânciadada pelos Estados ao conceito de sobe-rania territorial, inúmeras controvérsiasaconteceram entre países que possuemestes tipos de rios. Para tentar resolverlitígios envolvendo problemas dessa na-tureza, foram realizadas várias conferên-cias internacionais sobre o assunto.

As convenções internacionais,no caso dos rios sucessivos tentam de-senvolver a cooperação entre os paísesque compartilham cursos fluviais, espe-cialmente quando da realização de obrasde canalização, regularização de vazão ouqualquer forma de retenção de água(construção de barragens, por exemplo).Essas convenções tentam deixar claro osdireitos e as obrigações de cada paísquanto a utilização dos rios.

No Oriente Médio, formas deutilização de rios como o Jordão, o Ti-gre e o Eufrates, têm gerado problemas.O longo conflito entre Irã e Iraque(1980/88), teve como um de seus aspec-tos a posse pelo canal do Chat-el-Arab.Esses e outros fatos semelhantes, permi-tem concluir que, projetos geopolíticosde governantes e Estados, ignoram for-mas de cooperação, ampliam tensões epodem levar à dramaticas situações deconflito.

Greenpeace

França transforma atol em lixo

Rainbow Warrior, o navio do Greenpeace que tenta impedir os testes no atol de Mururoa

Conta uma antiga lenda japonesa que, certa vez, um homem descobriu um estra-nho buraco numa rua de sua cidade. Curioso, tentou em vão tocar o seu fundo. Debru-çou-se, e gritou: “Há alguém aí embaixo?’’. Não obtendo resposta, atirou objetos paracalcular a altura do buraco em função do tempo que levassem para bater no fundo. Mas,os objetos sumiam sem produzir ruído. A vizinhança e a cidade logo passaram a atirar alios seus dejetos. Meses depois, o homem postou-se diante do buraco e ali ficou, a refletirsobre a fama que a descoberta lhe trouxera. De repente, um gigantesco saco de lixo desa-bou sobre sua cabeça. Atônito, ouviu uma voz ecoar ao longe, como que vinda do céu:“Há alguém aí embaixo?’’.

A fábula tem um significado rico para o mundo atual. Se o problema do lixo épreocupante nas cidades, o do lixo nuclear é alarmante. O mundo ainda não encontrouuma solução para os resíduos radiativos. O buraco mágico da fábula é a representaçãoperfeita das próximas gerações -e do legado moral que estão recebendo, como se o futurofosse um buraco sem fundo.

Há vários depósitos no planeta onde este tipo de material é guardado em seguran-ça relativa e vulnerável a longo prazo. E há outros onde está depositado sem controle. Esteé o caso do atol de Moruroa, na Polinésia francesa, Pacífico Sul. Como resultado de 123testes nucleares subterrâneos, realizados pela França entre 1974-91, o núcleo do atol trans-formou-se em depósito de lixo radiativo, fora de qualquer especificação cientificamenteaceitável.

Segundo o governo francês, não há riscos de liberação da radiatividade para ooceano -e, conseqüentemente, para outras regiões. A contaminação radiativa -segundoParis- é uma característica dos testes atmosféricos (de superfície), abandonados em 1974por pressão de ambientalistas (particularmente, do Greenpeace). De fato, a contamina-ção atmosférica é imediata e de longo alcance. Cientistas constataram a presença de radi-ação na América do Sul poucas horas após a realização de testes nucleares no Pacífico Sul.Mas -apesar das restrições impostas pela França-, missões científicas já colheram evidên-cias de que os vazamentos ocorrem também nos testes subterrâneos.

Em outubro de 1990, cientistas do Greenpeace, a bordo do navio Rainbow Warrior,encontraram Césio-134 e Antimônio-125 em amostras de plâncton coletadas fora dazona de exclusão de 12 milhas do atol. Outras missões -como já foi lembrado peloGreenpeace neste boletim- constataram rachaduras na estrutura do atol, intensificandoriscos de vazamento nuclear. No início de agosto, mais de 70 cientistas de várias partes domundo, sob a coordenação de Paul Johnston, do laboratório do Greenpeace na Universi-dade de Exeter (Grã-Bretanha), enviaram um apelo ao presidente francês Jacques Chirac.O documento pede que os atóis de Moruroa e Fangataufa sejam liberados para a realiza-ção de um estudo de impacto ambiental, para que as reais conseqüências dos testes nucle-ares sejam medidas.

Guilherme Fiúza, é porta-voz do Greenpeace no Brasil

Guilherme FiúzaDa equipe de colaboradores

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Texto & Cultura

Encarte do Boletim Mundo Geografia e Política Internacional. Não pode ser vendido separadamente.

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ANO 3 • Nº 5 • SETEMBRO 1995Tiragem da 1a edição: 37.000 exemplares

M U N D OPaulistalianos

migna terratê parmeras...

odo este sangue de mil raças/ corre em minhas veias/ sou brasileiro/ mas do Brasil sem colarinho/ do Brasilnegro/ do Brasil índio -os versos do poeta e crítico modernista Sergio Milliet ilustram a preocupação dos artistas de1922 em escavar a nossa história, em desvendar a gênese do povo brasileiro. Basta da tradição lusitana e das novelas decavalaria; chega de dândis e afetações francesas: queremos a nossa gente, a nossa cor, a nossa raça; tapioca, feijoada,banana. O sangue brasileiro é batizado de mil especiarias: vieram as caravelas descobridoras e os navios negreiros; osíndios já estavam aqui. Os descobridores descobriram a sensualidade primitiva das peles vermelhas descobertas, quedescobriram o reluzente axé das peles negras de pantera-afro, que descobriram os descobridores, que não podiam serdescobertos pela Corte. Nesta ciranda étnica, muitas fornadas; nesta dança de raças, muitos “mamalucos”. E mamalucosconheceram outros mamalucos. Depois vieram os italianos, que cirandaram também. Na seqüência...

O negro violeiro cantou assim: Italiano grita/ Brasileiro fala/ Viva o Brasil/ E a bandeira da Itália -ao negro eao índio de Milliet, António de Alcântara Machado (morto há 60 anos) acrescentou o italiano. Brás, Bexiga e BarraFunda (1927) é um excepcional retrato modernista da São Paulo do início do século. Concebido como jornal -oescritor insiste em dizer que não é um livro-, as “pautas” contemplam episódios de rua, acontecimentos urbanos,quadros que descrevem o encontro do italiano com o brasileiro na metrópole que se anuncia. É “o órgão dos ítalo-brasileiros de São Paulo”. Sem maiores pretensões, com despojamento, afirma que “tenta fixar tão-somente algunsaspectos da vida trabalhadeira, íntima e cotidiana desses novos mestiços nacionais e nacionalistas” - “intalianinhos”como Gaetaninho, Lisetta e Carmela, pequenos mas épicos heróis do cotidiano paulistano; “mamalucos” comoGennarinho, órfão adotado por brasileiros e rebatizado de Januário (curiosa estratégia de “abrasileiramento”);“carcamanos” como Salvatore Melli, genro de brasileira, e o barbeiro Tranquillo Zampinetti, naturalizado... Cores enomes, ruas e bairros: a novelística urbana de Alcântara Machado narrada pelo historiador Nelson Schaposhnik, daUnesp (v. pág. 2).

Migna terra tê parmeras,/ Che ganta inzima o sabiá,/ As aves che stó aqui,/ Tambê tuttos sabi gorgeá -outroMachado envolvido com o tempero italiano na cultura de São Paulo, Alexandre Marcondes Machado, conhecidocomo Juó Bananére, satirizou o nacionalismo que vingava de lado a lado no início do século. Em seu único livro -LaDivina Increnca (1915)- faz uma paródia de Minha Terra, poema do nacionalismo romântico de Gonçalves Dias(texto recriado, também, por Oswald de Andrade, Murilo Mendes, José Paulo Paes...), que ironiza o fanatismo pátriodo século 19. Já no século 20, a vítima foi o mais xenófobo dos nossos nacionalistas (para ele, ludopédio é a palavra quedeveria substituir futebol), patrono da Pátria, quase Bandeira Nacional: Olavo Bilac. Com fragmentos inéditos deBananére, o historiador Elias Thomé Saliba, da USP, apresenta (v. pág. 3) o anarquismo escrachado do escritor dianteda campanha nacionalista do poeta parnasiano: I chi faiz istu mundo di intaliano chi non toma conta du Cumerçu, dasFabrica, da pullitica, du guvernimo -i non bota u Duche dus Abruzzo come prisidenti du Stá nu lugáro du RodrigoArveros? Do realista português Eça de Queirós à Sagrada Escritura, qualquer coisa é motivo de boa piada para o bem-humorado modernista. Claro que tudo versado na língua que cunhou, mistura de italiano com português e algumascuriosas invenções -o português “macarrônico” ou “paulistaliano”. É para ler ao som do Samba Italiano, de Adoniran,para não perder o trem São Paulo- Itália. E parole, parole, parole...

‘‘Carcamano pé-de-chumboCalcanhar de frigideiraQuem te deu a confiançaDe casar combrasileira?’’

T

(Do livroBrás, Bexiga e Barra Funda,de Alcântara Machado)

Piove, piove / fa tempo que piove qua, Gigi /e Io, sempre Io, / sotto la tua finestra /e vuoi senza me sentire / ridere, ridere, ridere /di questo infelice qui

Ti ricordi, Gioconda, / de quella sera in Guarujá /quando il mare / te portava via / e me chiamaste: /“Aiuto, Marcello” / La tua Gioconda a paúra diquest’onda.

O que é que o carioca Tom Jobim tem a vercom João Rubinatto (aliás, Adoniran Barbosa), o cro-nista dos ítalo-brasileiros da Paulicéia Desvairada?Muito mais do que poderia suspeitar a vã filosofia.Debaixo da chuva de Adoniran, é todo mundo igual:paulistanos, italianos e “paulistalianos”. A fusão étnicaé também sugerida em Águas de Março: pau e pedrafalam da miscigenação (v. Mundo nº 1). Debaixo dachuva, Tom e Adoniran se confundem, se fundem eformam o Brasil. Nos tórridos trópicos -no Rio deJobim, no Guarujá de Gioconda ou em Salvador dosNovos Baianos- a chuva ajuda a gente a viver.

Adoniran (1910-83) foi tecelão, encanador,garçon, ator... Sétimo filho de imigrantes italianos, ini-ciou a carreira artística em 1933, cantando Filosofia,de Noel Rosa, num programa de calouros da RádioCruzeiro do Sul. Com lirismo, humor e sabedoria,Adoniran criou uma ‘‘modernidade’’ no melhor estilode Mário de Andrade, António de Alcântara Machadoe Juó Bananére. O Samba Italiano é um bom exem-plo: promove a mistura já no título -Itália rima comsamba. Marcello enfrenta o dilúvio em São Paulo;Gioconda, o mar do Guarujá. Adoniran faz poesia bra-sileira. Rimar é remar: gôndolas no Tietê.

Pág. e 2

Samba Italiano

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António de Alcântara Machado

Fare letteratura paolistanaNelson Schapochnik

Especial para T&C

O livro de António de Alcântara Machado, Brás,Bexiga e Barra Funda (1927) foi dedicado aos “novosmamalucos” que chegaram na Paulicéia desvairada lá pelasbandas do século. De maneira mais explícita afirmava oautor: “do consórcio da gente imigrante com aindígena...nasceram os intalianinhos”. Seus nomes -Gaetano, Carmela, Giuseppe, Bianca, Nicolino e Lisetta -estranhos aos ouvidos de nós outros, paulistanos, primosde Macunaíma e sua gente, imprimiram uma nova vibra-ção no conjunto de transformações e experiências vividasna cidade pelos seus habitantes.

Todavia, se o autor não foi o precursor da figura-ção dos italianos no nosso universo literário - haja vista aprosa de Monteiro Lobato e Plínio Salgado ou, ainda, odelicioso humor “macarrônico” de Juó Bananére ele foi,sem dúvida, um dos primeiros a incorporar esta perspecti-va de uma maneira verdadeiramente moderna.

Alcântara Machado captou de maneira singular ocotidiano deste grupo que oscilava entre o sonho de ascen-são social e integração e as frustrações derivadas da durarealidade e da segregação, através de um gênero híbrido,fronteira do jornalismo e da literatura, da crônica e doconto. Este deslocamento parecia uma estratégia delibera-da para captar aqueles instantâneos do movimento nas casase nas ruas, no labor e no lazer. Ao recusar as velhas formase qualquer estereótipo, ele ressaltava que “este livro nãonasceu livro: nasceu jornal. Estes contos não nasceram con-tos: nasceram notícias”. Portanto não parece fortuito queo sub-título desta obra seja Notícias de São Paulo.

O traço moderno na prosa de Alcântara Machadonão se limita à incorporação da temática urbana e de seusdinamismos. O uso de frases rápidas e telegráficas, os cor-tes e montagens, o uso de recursos verbais e não-verbaisformam um conjunto de procedimentos de composiçãodo texto que estão em sintonia com as exigências formaisdas vanguardas artísticas do começo do século. Ao longodo livro, pululam ícones da modernidade (automóveis,aviões, espetáculos de massa) frutos das novas tecnologiasque passam a regular a vida urbana e desempenham umpapel fundamental na instauração de um novo imagináriocoletivo.

A incorporação da língua italiana no corpo do tex-to (“Non piangere piú adesso!”, “Subito”), a utilização deneologismos ítalo-paulistas (amassar, mistura insólita doverbo italiano ammazzare/matar com “amassar” em por-tuguês) proporcionaram um efeito estético verdadeiramenteantropofágico. Superando os procedimentos caricaturaisdo “dialeto ítalo-caipira”, Alcântara Machado soube in-corporar à linguagem literária um novo arsenal lingüísticocalcado na fala destes novos paulistanos, reinventando alíngua portuguesa falada no Brasil.

A suposta homogeneidade do recorte espacial for-mado pelo Brás, Bexiga e Barra Funda também se revelouum recurso positivo para estabelecer um contraponto aosbairros elegantes como Higienópolis, Campos Elísios e

“O Bexiga é uma beleza: a raça de italiano e de crioulo vive junto há muitos anos, então você vê crioulo falar cantado,falar igual o Brás, igualzinho fosse filho de italiano. É um troço gostoso”. A afirmação de Adoniran Barbosa, o maior sambistapaulistano, é para ser ouvida, não lida. Ouvir sua fala cantada, compasso acelerado, com sabor de anos 50. Se o imigrante“carcamano”, ao chegar ao Brasil, conheceu a hostilidade nacionalista, agora se encontrava integrado à vida nos trópicos. A talponto, que já não se sabia mais quem era o negro, quem era o italiano. Para compreender o gosto do coquetel étnico, nada melhordo que o ßamba Italiano. Onde já se viu (ouviu) samba italiano? Só mesmo aqui, terra de belezas contrastantes. Mas a misturadeu certo: comer pizza enquanto a garoa piove -chove, chuva!-sem parar.

Adoniran cantou com perfeição o encontro do italiano com o paulistano. E, por paradoxal que pareça, chegou à perfeiçãocom seu “paulistaliano” pontuado de erros. Ou será que foi por isso que brilhou? Como ele mesmo dizia, para se falar errado, temque se saber falar errado. Coisas como “nóis fumus”,‘‘nóis peguemos”,‘‘nóis vai”. Se não souber, é melhor ficar quieto.

Como Alcântara Machado e Juó Bananére, o autor de ‘‘Trem das Onze’’ realizou a mais perfeita tradução dos “Nicola”em SP. Coisas simples e engraçadas, como uma roda de samba na rua Major Diogo (Bexiga) que termina em briga, no melhorestilo “pastelão” de comédia italiana: “era só pizza que avoava, junto com as brachola”. Seu inegável carisma levou-o a atuar, em1953, no filme ‘‘O Cangaceiro’’, êxito da Vera Cruz com o prêmio Cannes.

Adoniran iniciou sua carreira em programa de calouros (na “Era do Rádio”), cantando o samba Filosofia, do cariocaNoel Rosa. Também contou (cantou), como os modernistas, histórias tiradas de notícias de jornal. De lá extraiu ‘‘Iracema’’, quemorreu na rua da Consolação com a São João, atropelada 20 dias antes do casamento. Entra na quadrilha trágica para dançarcom ‘‘Amor e Sangue’’, de Machado, e ‘‘Tragedia nu Láro’’, de Bananére. Tragédia diversa, é verdade... Mas tragédia é tragédia,que à distância vira comédia, já diria Millôr Fernandes.

Mestre Adoniran

Corinthians (2) vs. Palestra (1)

“Miguelina pôs a mão no coração. Depois

fechou os olhos. Depois perguntou:

- Quem é que vai bater, Iolanda?

- O Biaggio mesmo.

- Desgraçado.

O medo fez silêncio.

Prrrii!Pan!-Go-o-o-o-ol! Corinthians!”

(In Brás, Bexiga e Barra Funda)

Avenida Paulista. Aliás, esta técnica contrapontística foi asolução empregada para traduzir as diferenças culturais eas tensões socias que vigoravam na metrópole, gerando umamescla sucessiva de expectativas e desilusões. Foi assim queo célebre Gaetaninho acabou por passear de carro, “dentrode um caixão fechado com flores pobres por cima. Vestia aroupa marinheira, tinha as ligas, mas não levava apalhetinha”.

Finalmente, seria o caso de recordar que se esta obra,da lavra de um paulistano de origens aristocráticas, per-maneceu à margem da historiografia literária modernistapor décadas, recentemente ela parece ter conseguido so-breviver ao silêncio imposto pelos “pais fundadores” e suastorcidas organizadas. Talvez um bom índice da recepção ereavaliação de Brás, Bexiga e Barra Funda tenha sido ofato de ela figurar na lista de obras literárias da Fuvest/95.

Tem mais não!

Paulo César de CarvalhoEditor de T&C

e.2

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Humor e anarquismo contra axenofobia e a ditadura

Juó Bananere

Elias Thomé SalibaEspecial para T&C

e.3

Desenhado pela primeira vez pelocaricaturista Voltolino no ano de 1909,Juó Bananere foi o pseudônimo adotadopor Alexandre Marcondes Machado, en-tão estudante da Escola Politécnica -naépoca, situada no Bom Retiro, o mais ita-liano dos bairros paulistanos no começodo século.

Bananére começou a escrever em1912, no nanico semanário O Pirralho,então dirigido pelo jovem Oswald deAndrade. Com aguda sensibilidade paracaptar uma fala paulistana, a meio do ca-minho entre o caipira e o italiano,Bananére passaria a escrever numa línguaprópria -o “macarrônico” ou“paulistaliano”. A língua macarrônica eracompletamente anárquica, reproduzindotanto palavras italianas de uso mais fre-qüente quanto as da língua portuguesa,‘‘italianizando’’ não apenas as gírias e fa-las caipiras, mas também as construçõesgramaticais. A artugrafia muderna é unamaniera de scrivê, chi a genti scrive ugualicome dice, definia Bananére na sua colunaentitulada O Rigalegio -dromedarioilustrato, organo independento do Abax’oPiques i do Bó Ritiro, que prometia os se-guintes assuntos: anarchia, sucialismo, li-teratura, vervia, futurismo, cavaçó.

A partir daí, Marcondes Macha-do nunca mais escreveria em língua por-tuguesa, tornando-se mestre dessa línguaestropiada, talvez o cronista mais repre-sentativo do cadinho cultural que foi aSão Paulo do início do século. À anar-quia lingüística, Bananére acrescentouuma desconfiança cética em relação a to-dos os “ismos”, tanto políticos quanto li-terários. Numa crônica de 1915, argu-mentava que era o altruísmo que caracte-rizava a vida política, bastava ler o queestava escrito na Sagrata Escritura: Ama oprospero molto maise qui voce... A litera-tura também não foi poupada -em 1913,perguntaram-lhe se Fradique Mendes,personagem de Eça de Queirós, seria umtipo representativo da “vida superior”.Veio a resposta: O Frederico Mendeso nonpassa di um tipo indiale, uma criaçóliterarima sé pé nê gabeza. Termina por

mi giugáro flor e mi livário acarregado até obondi inlectrico).

Apesar de tudo, não houve beijosnem abraços triunfais, pois a cidade e suaelite intelectual não estavam para brinca-deiras. Os estudantes da Faculdade de Di-reito, no dia seguinte, dirigiram-se, afoitos,para uma manifestação em frente à reda-ção d’ O Pirralho, exigindo a demissão dojornalista e ameaçando empastelar o jornal.Bananére é então demitido, perdendo o seulugar de barbieri e giurnaliste na sua famo-sa coluna Diário do Abaxo’Piques. Este epi-sódio de 1915 foi muito revelador dos com-promissos que a ‘‘intelligentsia’’ de São Pau-lo tinha com o nacionalismo, particular-mente com o nacionalismo de raiz paulista.

Juó Bananére vira engenheiro em1920, ficando praticamente à margem donacionalismo programático dos modernis-tas de 1922. Talvez porque seu humor eramais anárquico que o dos modernistas. Seu

introduzir sua própria perpectiva a respei-to do tema: Na migna pinió un uómo pra sêperfetto pricisa tê cinco qualidadi: 1) non seMolhere; 2) sê xique i inleganti; 3) têtalentimo; 4) sabê p’ra burro; 5) afazê a bar-ba nu migno saló.

A sátira de Bananére vai mais longeem outubro de 1915, quando, no mesmoO Pirralho, ironiza Olavo Bilac, que na oca-sião viera a São Paulo para iniciar sua cam-panha nacionalista. Parodiando o mestreparnasiano, o discurso do modernista diri-ge-se mais aos italianos do que aos brasilei-ros: Signori! Io stó intirigno impegnorato conista magninfica rocepiço chi vuceio acaba diafazê inzima di mim. É moltas onra p’unpobre marqueiz! (tutto munno grita: nóapuiado! nó apuiado!) I aóra mi permittanoche io parli un pocco da golonia intaliana inZan Baolo, istu pidaço du goraço da Intalia,atirado porca sorte inzima distas pragamerigana. É una golonia ingolossale! Maisedi mezzo milió di intaliano stó ajugado aqui,du Braiz, ó Buó Rittiro, i du Billezigno óBizigue! I chi faiz istu mundo di intalianochi non toma gonta du Cumerçu, das Fabri-ca, da pullitica, du guvernimo -i non botta uDuche dus Abruzzo come prisidenti du Stánu lugáro du Rodrigo Arveros? (em veiz dis-so) Sabi o qui faiz? Vendi banana, ova frisca,sorbeta de cremma i vigno infarsificato! Faizo infabricanti di nota farsa inveiz di afazê ofabricanti di argodó pr’a baratiá oproduttimo! Faiz o ladró di galligna inveizdi griá vacca p’ra vendê garne di vacca p’raIngraterra. Anda gatáno paper sugio i toccodi cigarro na rua inveiz di catá ôro nu sertócomo un bandeiranti! Finalmente, Bananéreconclui sua arenga anárquica satirizando acélebre retórica de Bilac: I quali é aconsequenza diste relaxamento? É qui osintaliano aqui nom manda nada quanoputeva inveiz aguverná ista porcheria! Qualeé a consequenza da bidicaçó da nostra forza idu nostro nazionalismo? É chi nasce unagriança, a máia é intaliana, o páio é intalianoe illo nasce é un gara di braziliano! Istu nopodi ingontinuá, no! A voiz chi sono giovanii forte cumpette afazê a reaccó, cumbattê,vencê e dinuminá istu tudo! Tegno ditto (Rom-pi una brutta sarva di parma. Mi begiário,

único livro -La Divina Increnca- , uma reu-nião dos seus poemas paródicos e sátiras,publicado pela primeira vez em 1915, foireeditado várias vezes. Suas raríssimas apa-rições na imprensa serão, quase sempre,desastrosas e incovenientes: em 1924, in-venta um diálogo macarrônico com Wa-shington Luis, que Bananére chama de oMussolino di Macaé. E quando o mesmo‘‘Mussolino’’ institui o famoso escudo deSão Paulo - “Non Ducor Duco” (“Não souconduzido, conduzo”), Bananére transfor-ma-o em Non Co Tuca... Em 1933, umpouco antes de sua morte, publica seu pró-prio pasquim, o Diário do Abax’o Piques,em que continua escrevendo suas sátiras,principalmente contra a “dentadura”, istoé, a ditadura de Vargas.

Quanto à sua popularidade, bastaler o que escreveu sobre ele António deAlcântara Machado: “foi o cronista maispopular de cidade”.

Os textos Uvi strella -Che scuitá strella, né meiastrella!/ Vucê stá maluco! e io ti diró intanto- e Sonettofuturiste -Arma minha gentilia che partiste/ Molto p’razima da torre da matrizi-, de Juó Bananére, sãoparódias de autores que representam,respectivamente, a literatura portuguesa e a brasileira.Identifique os escritores e as escolas literárias a quepertencem, explicando as principais características decada estética

MR. VESTIBA

‘‘...os intaliano aqui nom manda nada quano puteva inveizaguverná ista porcheria! Quale é a consequenza da bidicaçódu nostro nazionalismo? É chi nasce una griança, a máia é

intaliana, o páio é intaliano e illo nasce é un gara dibraziliano! Istu no podi ingontinuá, no! A voiz chi sono

giovani i forte cumpette cumbattê e dinuminá istu tudo!’’

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Paulo César de Carvalho

“O çassino só io, Juó Bananére”QUESTÃO 2

(Fuvest 95/ Segunda Fase) No fundo o imponente castelo. No primeiro plano a íngreme ladei-ra que conduz ao castelo. Descendo a ladeira numa disparada louca o fogoso ginete. Montadono ginete o apaixonado caçula do castelão inimigo de capacete prateado com plumas brancas. Eatravessada no ginete a formosa donzela desmaiada entregando ao vento os cabelos cor decarambola.”(A. de Alcântara Machado, Carmela)

“(...) Íamos, se não me engano, pela rua das Mangueiras, quando voltando-nos, vimos um carroelegante que levavam a trote dois fogosos cavalos. Uma encantadora menina, sentada ao lado deuma senhora idosa, se recostava preguiçosamente sobre o macio estofo e deixava pender pelacobertura derreada do carro a mão pequena que brincava com um leque de penas escarlates.”(José de Alencar, Lucíola)

Nesses excertos, observa-se que a maioria dos substantivos são modificados por adjetivos ouexpressões equivalentes.Comparando os dois textos,a) aponte em cada um deles o efeito produzido por tal recurso lingüístico;b) justifique sua resposta.

QUESTÃO 1

-Vamos ver essa barba muito bem feita! (...) Você leu no ESTADO o crime de ontem, Salvador?Banditismo indecente.-Mas parece que o moço tinha razão de matar a moça.-Qual tinha razão nada, seu! Bandido! Drama de amor coisa nenhuma. (...) Privações de sentidos.Júri indecente, meu Deus do céu!(...) Nicolino fingia que não estava escutando. E assobiava a SCUGNIZZA.(...) -Você não quer mesmo mais falar comigo, sua desgraçada?-Desista!(...) A punhalada derrubou Grazia.(...) Eu matei ela porque estava louco, Seu Delegado!Todos os jornais registraram essa frase que foi dita chorando.(A. Alcântara Machado, Amor e Sangue)

Guintaffera as otto ores da notte incominció di currê na cittá a nutiça di un brutto grimo noAbax’o Piques.Si diceva che io tenia matado a Juóquina mia molhére c’um settes tiro i quatros facada.(...) as porta das redaçó di tuttos giurnale (...) stavo gumbletamente xiigno di genti che querivasabê do roroso grimo.(...) O çassino só io, Juó Bananére, uómino morto cunçetuado (...) i uno dos migliore barbieri diZan Baolo.(...) Nunca matê ninguê. Só matê a Juóquina por causa chi ella mi stava fazeno a traiçó.(Juó Bananére, A tragedia nu Láro)

Entre os fragmentos acima, representativos de dois autores brasileiros do início do século, há umdiálogo intertextual. Explicite-o, destacando elementos da estética modernista presentes nos textos.

(UNICAMP 93 -adaptada/ Tema A) Acontecimentos recentes, amplamente noticiados pela im-prensa nacional e internacional, parecem indicar que o homem ainda não consegue conviver pacifi-camente com as diferenças (raciais, étnicas, religiosas, entre outras). Levando em conta os fragmen-tos da coletânea abaixo, redija uma dissertação sobre o tema: Intolerância e preconceito: duas facesdo mesmo problema.•Não tenho nada contra árabes e africanos, desde que eles fiquem em seus países (Jacques Martinez,francês, 19 anos -Folha de S. Paulo, 13.jul.92)

•Nordestinos são mestiços, raça inferior. Nós queremos viver sem estar esbarrando nesse tipo degente (MacBaker, brasileiro -Isto É, 07.out.92)

•Quando pensamos hoje no neonazismo, devemos ter em mente duas espécies distintas, mas queprecisam se somar para que ele ameace o mundo. Uma é a dos nazistas de caricatura: geralmentejovens (...), são eles que atacam e mesmo matam pessoas por motivos apenas étnicos ou políticos.Felizmente não são muitos. Contudo, assim como em 1933, seu sucesso não depende deles, mas dequem, discretamente, os apóia. Esta é a segunda espécie, na verdade a perigosa.(...) É este o caldo decultura no qual o ódio pode prosperar.(Renato Janine Ribeiro, O Estado de São Paulo, 03.out.92)

•Todo homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidas nesta Declaração,sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou deoutra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição. (De-claração Universal dos Direitos Humanos, Artigo 2)

• Semana de 22 - A aventura modernista no Brasil, Francisco Alambert, Scipione, SP, 1992 • Carcamanos & Comendadores - Os italianos de São Paulo da realidade à ficção, 1919-

1930, Mário Carelli, Ática, SP, 1985

SERVIÇO:

Seção Papo CabeçaO mundo me condena / E ninguém tem

pena / Falando sempre mal de meu nome(Noel Rosa, 1910-37)

Questão 1

António de Alcântara Machado e Juó Bananére são contemporâneos da Semana de Arte Mo-derna de 1922, mas não participaram do evento. Apesar disso, a atmosfera da época nãopoderia deixar de embriagá-los. Irmãos em literatura, realizaram um trabalho muito particu-lar e com forte identidade. Os textos acima explicitam a familiaridade: ambos autores lança-ram seus olhos para captar o cotidiano dos imigrantes italianos, que no início do século cons-tituíam quase a metade da população de São Paulo. Machado conta uma tragédia que podeter ocorrido no Brás, no Bexiga, ou na Barra Funda; Bananére relata uma tragédia no “BóRetiro” -todos eram bairros operários e tipicamente “carcamanos”. Em ambos, um homem,embalado por amor e ciúme, mata uma mulher. A temática popular, urbana e moderna pareceextraída de algum “notícias populares”. É trabalhada literariamente em tom de crônica, como sabor do jornal -a literatura reconhecendo e absorvendo a imprensa como símbolo demodernidade (velocidade, tecnologia...século 20). Quanto à linguagem, Bananére escreve emportuguês “macarrônico” -português “italianizado” ou italiano “aportuguesado”?-, subverten-do as regras de nossa gramática. Machado, bem menos radical, também registra a fala doitaliano de São Paulo (infelizmente, não há nota no fragmento analisado.

Questão 2a) O levantamento da maioria dos adjetivos ou expressões equivalentes dos fragmentos desta-cados permite afirmar que concorrem para criar uma atmosfera de suntuosidade, sofisticação,no percurso descritivo das cenas. O eficiente uso dos elementos da linguagem descritiva asse-gura aos textos o perfil de “retratos verbais”, de “pinturas” realizadas com palavras, autênticos“contos de fada”. Trata-se de quadros em que a realidade, bem maquiada, adquire ares defantasia, ganhando uma elegância extraordinária, só possível no plano da idealização (real xideal).

b) Por meio do uso de adjetivos como imponente, fogoso, formosa (primeiro texto), elegan-te, fogosos, encantadora (segundo texto), além de expressões como de capacete prateado,com plumas brancas (primeiro texto) e de penas escarlates (segundo texto), os autores confe-rem expressividade às cenas descritas, estabelecendo um clima de beleza e luxo aos textos.É curioso notar, no primeiro texto, o contraste que há entre a dura realidade de Carmela,empregada numa oficina de costura e filha de imigrantes humildes (o pai é Giuseppe Santini,um “tripeiro”) e a atmosfera presente no livro que lê -Joana A Desgraçada ou A Odisséia DeUma Virgem (fascículo 2). Deitada sobre a cama de ferro, ao lado da irmãzinha, a“intalianinha”põe-se a sonhar com um “príncipe encantado”. No contraponto entre ideal ereal , príncipe e castelo correspondem ao rapaz que ficou de encontrá-la e à Igreja de SantaCecília, local do encontro. O bairro de Higienópolis, em que se encontra o “castelo”, funcio-na como forte símbolo do desejo imigrante de ascensão social. O artifício utilizado pelo autor,comum aos modernistas, é o da paródia dos textos românticos (a eterna busca do “ideal”). Jáem Lucíola, a idealização surge como dado próprio do Romantismo, escola literária a quepertence José de Alencar.

e.4