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CASO DE ESTUDO Pedra & Cal n.º 19 Julho . Agosto . Setembro 2003 18 PRINCIPAIS TIPOS DE PEDRA E SISTEMAS DE CONSTRUÇÃO Em Portugal, os tipos de pedra mais utili- zados na construção de muros são os gra- nitos, os xistos e os calcários. As técnicas de construção variam consoante os locais, as necessidades, a funcionalidade preten- dida e os conhecimentos tradicionais as- sociados à construção. Os principais sistemas de construção, se- gundo Gabriella Casella no livro Gramáti- cas de Pedra, são os seguintes: Alvenaria de pedra aparelhada é cons- tituída por pedras regulares assentes em argamassa, escolhendo-se, para formar os paramentos, as pedras de melhor aspecto e que se aparelham numa das faces. As arestas podem ser aperfeiçoadas, não pa- ra lhes dar forma regular mas a fim de lhes tirar as asperezas e maiores irregularida- des, de maneira a que a pedra apresente no paramento à vista, o aspecto de um po- lígono irregular. (...)” Alvenaria de pedra ordinária é constitu- ída por pedra irregular assente em arga- massa, sendo o seu modo de fazer análogo ao da alvenaria aparelhada, observando- -se, porém, que este trabalho é menos cui- dado e, por isso, mais fácil e rápido. Esta alvenaria é normalmente executada para ser revestida com reboco, no entanto, em muros de vedação ela é muitas vezes dei- xada sem revestimento. Neste tipo de téc- nica, as pedras devem ser assentes pela parte mais lisa para não oscilarem, evitan- do deixar espaços vazios (...)” Alvenaria de pedra seca ou alvenaria insossa é uma técnica que dispensa o uso da argamassa na ligação das pedras entre si, tendo-se desenvolvido principalmente nas zonas onde a cal era escassa. (...) Para obviar à menor coesão da parede, conse- quente da falta de argamassa de assenta- mento, esta técnica requer uma boa exe- cução no travamento das pedras entre si através do encaixe cuidado das pedras e da utilização de escassilhos.” O CRAT E O ESTUDO DAS TÉCNICAS TRADICIONAIS DE CONSTRUÇÃO Nos últimos anos, um pouco por toda a Europa, e em particular em Portugal, as políticas culturais têm vindo a desenvol- ver grandes esforços no apoio à valoriza- ção do património histórico e cultural, com especial incidência no que diz respei- to ao património arquitectónico. Este fe- nómeno tornou necessário o aprofunda- Imponente marco inscrito na paisagem ou simples barreira “quase natural” que divide, ve- da e separa espaços, o muro apa- rece indiscutivelmente associa- do ao nosso território, ao nosso quotidiano, às nossas memó- rias. E, como tal, há que atentar na salvaguarda e recuperação das técnicas construtivas que lhe são inerentes, bem como na preservação da sua matéria-pri- ma – a pedra. Muros de pedra Uma herança em risco fotos de Luís Ferreira Alves Aldeia da Luz - Mourão Douro

Muros de pedra - GECoRPA · 18 Pedra & Cal n.º 19 Julho . Agosto . Setembro 2003 PRINCIPAIS TIPOS DE PEDRA E SISTEMAS DE CONSTRUÇÃO Em Portugal, os tipos de pedra mais utili-zados

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CASO DE ESTUDO

Pedra & Cal n.º 19 Julho . Agosto . Setembro 200318

PRINCIPAIS TIPOS DE PEDRA E SISTEMAS DE CONSTRUÇÃOEm Portugal, os tipos de pedra mais utili-zados na construção de muros são os gra-nitos, os xistos e os calcários. As técnicasde construção variam consoante os locais,as necessidades, a funcionalidade preten-dida e os conhecimentos tradicionais as-sociados à construção.Os principais sistemas de construção, se-gundo Gabriella Casella no livro Gramáti-

cas de Pedra, são os seguintes:“Alvenaria de pedra aparelhada é cons-tituída por pedras regulares assentes emargamassa, escolhendo-se, para formar osparamentos, as pedras de melhor aspectoe que se aparelham numa das faces. Asarestas podem ser aperfeiçoadas, não pa-ra lhes dar forma regular mas a fim de lhestirar as asperezas e maiores irregularida-des, de maneira a que a pedra apresenteno paramento à vista, o aspecto de um po-lígono irregular. (...)”“Alvenaria de pedra ordinária é constitu-ída por pedra irregular assente em arga-massa, sendo o seu modo de fazer análogo

ao da alvenaria aparelhada, observando--se, porém, que este trabalho é menos cui-dado e, por isso, mais fácil e rápido. Estaalvenaria é normalmente executada paraser revestida com reboco, no entanto, emmuros de vedação ela é muitas vezes dei-

xada sem revestimento. Neste tipo de téc-nica, as pedras devem ser assentes pelaparte mais lisa para não oscilarem, evitan-do deixar espaços vazios (...)”“Alvenaria de pedra seca ou alvenariainsossa é uma técnica que dispensa o usoda argamassa na ligação das pedras entresi, tendo-se desenvolvido principalmentenas zonas onde a cal era escassa. (...) Paraobviar à menor coesão da parede, conse-quente da falta de argamassa de assenta-mento, esta técnica requer uma boa exe-cução no travamento das pedras entre siatravés do encaixe cuidado das pedras eda utilização de escassilhos.”

O CRAT E O ESTUDO DAS TÉCNICASTRADICIONAIS DE CONSTRUÇÃONos últimos anos, um pouco por toda aEuropa, e em particular em Portugal, aspolíticas culturais têm vindo a desenvol-ver grandes esforços no apoio à valoriza-ção do património histórico e cultural,com especial incidência no que diz respei-to ao património arquitectónico. Este fe-nómeno tornou necessário o aprofunda-

Imponente marco inscrito napaisagem ou simples barreira“quase natural” que divide, ve-da e separa espaços, o muro apa-rece indiscutivelmente associa-do ao nosso território, ao nossoquotidiano, às nossas memó-rias. E, como tal, há que atentarna salvaguarda e recuperaçãodas técnicas construtivas quelhe são inerentes, bem como napreservação da sua matéria-pri-ma – a pedra.

Muros de pedraUma herança em risco

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CASO DE ESTUDO

19Pedra & Cal n.º 19 Julho . Agosto . Setembro 2003

mento do estudo das tecnologias tradicio-nais de construção, de modo a cimentar abase operativa das intervenções arquitec-tónicas. Esse conhecimento tradicional tem vindoa ser abandonado ou esquecido pela in-trodução de novos modos de construir,dificultando a recuperação ou reediçãodessas tipologias construtivas antigas.Deste modo, torna-se imprescindível oseu estudo e registo, para que estas técni-cas tradicionais possam, de novo, integrara prática arquitectónica contemporâneae, assim, se contribua para a salvaguardadesse património e para o desenvolvi-

mento e criação de emprego qualificadonesta área.Nesta perspectiva, e tendo em conta osaspectos atrás focados, o CRAT – CentroRegional de Artes Tradicionais tem vin-do a dar corpo a um projecto de estudodas técnicas tradicionais de construção,que se tem traduzido em iniciativas domaior interesse e relevância: exposição elivro Diálogos de Edificação (actualmentena sua 3.ª edição), livro Gramáticas de Pe-

dra (levantamento das tipologias de cons-trução murária), exposição e brochuraMuros, colaboração em acções de forma-ção direccionadas para operários de

construção civil, levanta-mento e construção de basede dados de artífices de cons-trução e restauro.

PROTECÇÃO URGENTE: PRECISA-SE!É de todos sobejamente, co-nhecido que os nossos muros(sim, nossos, porque indisso-ciáveis da paisagem que lhesdeu “vida”) estão a ser vendi-dos, nomeadamente para opaís vizinho. Trata-se de umnegócio que vem florescendonos últimos tempos, em detri-mento da destruição de mu-ros e outras edificações das

zonas raianas mais desertificadas. Está atornar-se, aliás, uma fonte de rendimentoimportante para as pessoas dessas re-giões, onde, como também sabemos, pou-cas são as oportunidades de sucesso e ainterioridade reflecte-se a todos os níveisda vida – social, económica, cultural. EmEspanha, por sua vez, a pedra vendida éreutilizada na reconstrução de edifíciosantigos ou para o revestimento de casasde luxo.

ALEXANDRE MONTEIRO,CRAT

O QUE É O CRAT?

O CRAT – Centro Regional de Artes Tradicionais, sedeado no centro histórico do Porto, éuma instituição vocacionada para o estudo e divulgação das actividades e produtos das ar-tes tradicionais, suas transformações estéticas e tecnológicas, apostando na investigaçãocomo motor de conhecimento e promovendo um espaço de diálogo e confronto entre a tra-dição e a modernidade, a memória e a criação, o passado e o presente.O CRAT é a única instituição portuguesa a promover a investigação sistemática (e a sua pu-

blicação) na área das artes e ofícios tradicionais, sendo responsável pelo aumento significativo do conheci-mento das artes e culturas locais, potencial endógeno das regiões a promover e revitalizar, como fonte de des-envolvimento e valorização cultural.Possuindo quatro sectores de actividade – Estudos e Documentação, Exposições, Animação/Formação e Apoioao Artesão – o CRAT desenvolve um plano anual consistente e diversificado, sempre pautado pelo máximo ri-gor nos critérios de selecção e ou concepção adoptados, editando publicações, organizando exposições, pro-movendo oficinas, workshops e acções de formação, fornecendo informação e prestando esclarecimentos a ar-tesãos e público, em geral, através da informação constante da base de dados Democrat, apoiando os artesãosatravés da comercialização de produções artesanais na loja Arte Facto. Paralelamente, presta serviços a entidades externas, elaborando projectos ou emitindo pareceres, colaboran-do na realização de estudos e fornecendo know-how e informação necessários à concretização de iniciativasespecíficas.É ainda responsável pela edição da Revista de Artes e Ofícios Mãos, única revista portuguesa dedicada a estatemática, em parceria com o Cearte, o Pparte, o CRAA e a CCRC.

Castro da Cola - Ourique Alvão - Vila Real