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32 Avanços e Perspectivas Na Musicologia Histórica Brasileira 1 Paulo Castagna 2 Resumo: Apesar da existência de trabalhos interessados no conhecimento da música brasileira já no século XIX, a musicologia iniciou o seu desenvolvimento no Brasil enquanto uma atividade intermediária entre literatura e ciência a partir da década de 1900, mas começando a ser praticada segundo concepções propriamente científicas somente a partir da década de 1960. Surgiu, então, no Brasil, uma disciplina que já podia ser denominada musicologia histórica e que estava essencialmente preocupada com o estudo da música produzida e praticada no país. Até meados da década de 1990, no entanto, a musicologia brasileira esteve essencialmente ligada às suas raízes positivistas, presa à ideologia nacionalista e religiosa, e principalmente voltada a atividades como a comprovação de uma prática musical brasileira em tempos remotos, a “descoberta” do que então se denominava “a grande música do passado”, a construção da biografia dos seus autores e a valorização de sua produção musical, por meio de informações históricas, catálogos e análises. Na década de 1990, entretanto, iniciou-se o estabelecimento de uma musicologia mais crítica e reflexiva, preocupada não somente com a interpretação dos fenômenos estudados, mas também com a sistematização de informações que não haviam passado por esse processo na curta fase positivista que tal ciência teve no Brasil. Essa transformação, impulsionada pelo desenvolvimento dos programas de pós-graduação e pela proliferação dos eventos regulares e dos periódicos especializados, trouxe consigo novas preocupações, como a necessidade de princípios éticos no trabalho musicológico, do respeito aos fundos documentais, do rigor metodológico na pesquisa, da ampliação do número de pesquisadores e da difusão da pesquisa em todo o país. O presente trabalho visa apresentar um rápido panorama do desenvolvimento da musicologia no Brasil e abordar os resultados obtidos pela nova musicologia estabelecida no país a partir da década de 1990, bem como as perspectivas de trabalho que se configuram para as próximas décadas. Introdução: o estabelecimento da musicologia no Brasil Surgida na Europa no século XIX, a musicologia teve objetivos que foram se modificando com o passar do tempo. Ricardo TACUCHIAN (1994:98), por exemplo, informa que a musicologia histórica, no século XIX, foi principalmente factual e positivista”, lembrando que “seu maior objetivo foi o levantamento de documentos musicais e sua edição crítica.” Por outro lado, se 1 Este texto foi originalmente apresentado no Ciclo de Palestras “Musicologia e Patrimônio Musical”, realizado na Biblioteca Central Reitor Macedo Costa da Universidade Federal da Bahia entre os dias 22 e 24 de outubro de 2004, evento organizado pelo Prof. Dr. Pablo Sotuyo Blanco (PPGMUS-UFBA), que autorizou sua publicação nesta Revista. Em função de estar sendo impresso quatro anos após sua apresentação em Salvador, o texto não cita eventos, publicações e discussões posteriores a essa data. 2 Instituto de Artes da UNESP - Universidade Estadual Paulista, São Paulo (SP).

Musicologia Historica Brasileira_Castagna

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Artigo Professor Paulo Castanha (UNICAMP) sobre a história da Musicologia no Brasil.

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    Avanos e Perspectivas Na

    Musicologia Histrica Brasileira1

    Paulo Castagna2

    Resumo: Apesar da existncia de trabalhos interessados no conhecimento da msica brasileira j no sculo XIX, a musicologia iniciou o seu desenvolvimento no Brasil enquanto uma atividade intermediria entre literatura e cincia a partir da dcada de 1900, mas comeando a ser praticada segundo concepes propriamente cientficas somente a partir da dcada de 1960. Surgiu, ento, no Brasil, uma disciplina que j podia ser denominada musicologia histrica e que estava essencialmente preocupada com o estudo da msica produzida e praticada no pas. At meados da dcada de 1990, no entanto, a musicologia brasileira esteve essencialmente ligada s suas razes positivistas, presa ideologia nacionalista e religiosa, e principalmente voltada a atividades como a comprovao de uma prtica musical brasileira em tempos remotos, a descoberta do que ento se denominava a grande msica do passado, a construo da biografia dos seus autores e a valorizao de sua produo musical, por meio de informaes histricas, catlogos e anlises. Na dcada de 1990, entretanto, iniciou-se o estabelecimento de uma musicologia mais crtica e reflexiva, preocupada no somente com a interpretao dos fenmenos estudados, mas tambm com a sistematizao de informaes que no haviam passado por esse processo na curta fase positivista que tal cincia teve no Brasil. Essa transformao, impulsionada pelo desenvolvimento dos programas de ps-graduao e pela proliferao dos eventos regulares e dos peridicos especializados, trouxe consigo novas preocupaes, como a necessidade de princpios ticos no trabalho musicolgico, do respeito aos fundos documentais, do rigor metodolgico na pesquisa, da ampliao do nmero de pesquisadores e da difuso da pesquisa em todo o pas. O presente trabalho visa apresentar um rpido panorama do desenvolvimento da musicologia no Brasil e abordar os resultados obtidos pela nova musicologia estabelecida no pas a partir da dcada de 1990, bem como as perspectivas de trabalho que se configuram para as prximas dcadas.

    Introduo: o estabelecimento da musicologia no Brasil

    Surgida na Europa no sculo XIX, a musicologia teve objetivos que foram

    se modificando com o passar do tempo. Ricardo TACUCHIAN (1994:98), por

    exemplo, informa que a musicologia histrica, no sculo XIX, foi

    principalmente factual e positivista, lembrando que seu maior objetivo foi o

    levantamento de documentos musicais e sua edio crtica. Por outro lado, se

    1Este texto foi originalmente apresentado no Ciclo de Palestras Musicologia e Patrimnio Musical, realizado na Biblioteca Central Reitor Macedo Costa da Universidade Federal da Bahia entre os dias 22 e 24 de outubro de 2004, evento organizado pelo Prof. Dr. Pablo Sotuyo Blanco (PPGMUS-UFBA), que autorizou sua publicao nesta Revista. Em funo de estar sendo impresso quatro anos aps sua apresentao em Salvador, o texto no cita eventos, publicaes e discusses posteriores a essa data. 2Instituto de Artes da UNESP - Universidade Estadual Paulista, So Paulo (SP).

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    a musicologia histrica comeava a ser praticada na Europa no sculo XIX, o

    estudo de documentos e sua edio crtica, no caso brasileiro, foram raros no

    perodo anterior dcada de 1960.

    Uma certa quantidade de textos sobre msica foi produzida no Brasil

    durante o sculo XIX, com destaque para os de Manuel de Arajo Porto Alegre,

    Afonso de Escragnolle Taunay (o Visconde de Taunay), Joo Barbosa Rodrigues

    e Slvio Romero, mas em geral estes tinham interesse quase somente literrio,

    estando ainda distantes do que se poderia denominar musicologia. Jos

    Cndido de Andrade MURICY (1934), por exemplo, afirma ter sido Mario de

    Andrade (1893-1945) o primeiro musiclogo brasileiro, consequentemente

    excluindo do conceito de musicologia a produo sobre msica que antecedeu a

    do pesquisador paulistano. Zlia e Isaac CHUECKE (2006) tambm acreditam

    que o incio da atividade musicolgica no Brasil situa-se na primeira metade do

    sculo XX.

    Mesmo assim, foram raras as publicaes brasileiras destinadas a refletir

    sobre os significados da musicologia nesse perodo. Luiz LAVENRE (1929)

    parece ter sido o autor da primeira obra do gnero impressa no pas, seguida

    dos textos de Jos Cndido de Andrade MURICY (1952) e Renato ALMEIDA

    (1957), na dcada em que j era defendida a CRIAO de um Instituto de

    Musicologia no Brasil (1954). As reflexes sobre a atividade musicolgica no

    Brasil ou por brasileiros no foram muito freqentes a partir de ento, mas

    existe um certo nmero de trabalhos dispersos em peridicos e anais de eventos

    cientficos que at agora no foi suficientemente referido e cujo estudo

    fundamental para uma futura histria da musicologia no Brasil, com destaque

    para os de Francisco Curt LANGE (1970, 1977 e 1985), Olivier TONI (1982),

    Grard BHAGUE (1989), Antonio Alexandre BISPO (1990 e 1998), Rafael Jos

    de Menezes BASTOS (1991), Neide Rodrigues GOMES (1991), Roger COTTE

    (1991), Sandra Loureiro de Freitas REIS (1991), Conrado SILVA (1991), Jos

    Maria NEVES (1991 e 1995), Regis DUPRAT (1991a, 1992 e 1996), Manuel

    VEIGA (1993 e 1996), Regina Mrcia Simo SANTOS (1998), Joo Baptista

    SIQUEIRA (1988), Alberto DANTAS FILHO (2000), Dimitri CERVO (2001) e

    Maria Ins GUIMARES (2001). Longe de aqui pretender a construo de uma

    histria da musicologia no Brasil, este texto est destinado apenas a uma

    tentativa de identificar e compreender o significado das principais mudanas

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    pelas quais esta disciplina passou no pas, procurando deter-se na ltima delas,

    localizada na dcada de 1990.

    Na primeira grande transformao da musicologia no Brasil, que ocorreu

    do incio do sculo XX at meados da dcada de 1960, observou-se a transio

    de uma fase literrio-musical para uma fase propriamente musicolgica, na qual

    os trabalhos passaram a se enquadrar em uma espcie de gnero intermedirio

    entre literatura e cincia, incluindo-se a as assim denominadas histrias da

    msica brasileira (ou no Brasil) e suas congneres, como as de Guilherme de

    MELLO (1908), Renato ALMEIDA (1926), Vincenzo CERNICHIARO (1926),

    Mrio de ANDRADE (1941), Renato ALMEIDA (1942), Maria Luiza de Queirs

    Amncio dos SANTOS (1942), Francisco ACQUARONE [c.1948] e Lus-Heitor

    Corra de AZEVEDO (1956), para citar apenas as mais conhecidas.

    Os autores dessas histrias, apesar de seus esforos, reconheciam uma

    tal carncia de informaes objetivas sobre a prtica e produo musical

    brasileira que acabava por limitar seus prprios trabalhos. Lus Heitor Correia

    de AZEVEDO (1956:377-386), em uma nota introdutria bibliografia de seu

    livro, intitulada A musicografia no Brasil, menciona as principais

    contribuies brasileiras da primeira metade do sculo XX, que classifica em

    cinco grupos: histria da msica brasileira, lexicografia musical, estudos sobre

    msica popular, crtica musical jornalstica e edio de revistas musicais.

    Afirmando ser a musicologia brasileira ainda nascente e incipiente, destaca,

    como uma das grandes contribuies musicolgicas daquele perodo, o tomo 6

    do Boletn Latino-Americano de Msica (1946), impresso no Rio de Janeiro

    pelo Instituto Interamericano de Musicologia.

    De fato, esse sexto tomo do Boletn pode ser considerado um importante

    marco na musicologia brasileira, por ter reunido trabalhos que procuravam sair

    do enfoque meramente literrio-musical, para investigaes mais profundas

    sobre o patrimnio musical brasileiro. O Boletn contou com vinte e dois

    trabalhos impressos, destacando-se os de Francisco Curt Lange, Mrio de

    Andrade e Pedro Sinzig, mas tambm incluiria textos de Lus Heitor Corra de

    Azevedo, Jos Cndido de Andrade Muricy, Clvis de Oliveira e outros autores

    em um segundo volume desse tomo, que nunca chegou a ser impresso, em

    funo dos problemas econmicos acarretados pela Segunda Guerra Mundial

    (VIDAL, 2005:132-136).

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    Ao lado dos pesquisadores que fizeram (ou teriam feito) parte do tomo 6

    do Boletn Latino-Americano de Msica, podemos destacar, na musicologia

    brasileira das dcadas de 1900 a 1950, a produo de autores como Guilherme

    de Melo, Jos Rodrigues Barbosa, Renato Almeida, Vincenzo Cernicchiaro,

    Serafim Leite, Carlos Penteado de Rezende, Joo da Cunha Caldeira Filho,

    Maria Luiza de Queirs Amncio dos Santos, Hebe Machado Brasil, Geraldo

    Dutra de Morais, Ayres de Andrade e Joo Batista Siqueira, que em seus

    trabalhos, em geral relacionados a diversos aspectos da histria da msica no

    Brasil, procuravam demonstrar a existncia de uma tradio musical que

    antecedia a msica erudita de sua poca. Tais autores eram movidos pela

    possibilidade de o Brasil ser reconhecido entre as naes que cultivavam seu

    passado musical, a exemplo dos pases europeus, mas possibilitaram mais a

    identificao e organizao cronolgica de objetos de estudo para a musicologia,

    do que efetivamente se propuseram a estud-los. No h dvida, entretanto, do

    papel de liderana que tiveram Mrio de Andrade em So Paulo e Lus Heitor

    Corra de Azevedo no Rio de Janeiro, com trabalhos pioneiros que caminhavam

    em direo a uma musicologia cada vez mais cientfica, alm de suas

    preocupaes em outras reas.

    Apesar dos esforos brasileiros, Francisco Curt Lange foi o primeiro

    pesquisador que atravessou a fronteira da musicologia histrica no pas, com

    uma srie de trabalhos, iniciada pelo texto impresso no sexto tomo do Boletn

    Latino-Americano de Msica (LANGE: 1946), mas que se estendeu at a dcada

    de 1980, com dezenas de ttulos ainda no totalmente assimilados pelos

    pesquisadores brasileiros. Alemo residente no Uruguai e interessado desde a

    dcada de 1930 na pesquisa da prtica musical americana, dedicou a maior

    parte de seus trabalhos ao Brasil, realizando inmeras visitas ao pas e residindo

    no Rio de Janeiro entre 1944-1945 e 1958-1959. Seus mtodos foram

    principalmente ligados pesquisa arquivstica, arquivologia e edio musical

    e, at pelo menos o final da dcada de 1950, no houve no Brasil outro

    pesquisador que desenvolvesse trabalho semelhante. Jos de S PORTO

    (1962:36), em um dos raros textos reflexivos desse perodo sobre os objetivos e

    mtodos da musicologia, cita, em relao ao Brasil, apenas os trabalhos de Curt

    Lange, notadamente aquele impresso no tomo 6 do Boletn.

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    Vale lembrar que Jos Cndido de Andrade MURICY (1952:110) j citava

    as palavras de Jacques Handschin, na abertura do Congresso Internacional de

    Musicologia da Basilia (Sua) em 1950, segundo o qual o verdadeiro objeto

    da musicologia no a msica considerada como um fato em si mesmo, porm

    o homem, na proporo em que se exprime musicalmente, constatao que

    estimulou a separao da etnomusicologia enquanto um ramo independente da

    musicologia e apresentou uma nova perspectiva aos musiclogos, sobretudo no

    campo da musicologia histrica. Curt Lange o primeiro autor interessado no

    passado musical brasileiro que se aproxima dessa tendncia, na medida em que

    deixa de olhar de uma maneira utilitria para a histria, como manancial de

    informaes e prticas para a estruturao de uma msica nacional, e comea a

    tentar compreender os fenmenos que regiam a produo musical no Brasil

    setecentista, especialmente em Minas Gerais, desvendando o sistema de

    contratao da msica pelas cmaras, irmandades e ordens terceiras.

    Em termos de produtividade, o maior interesse do trabalho de Curt

    Lange para o Brasil est, sem dvida, no levantamento, transcrio e estudo da

    documentao cartorial e religiosa de interesse musical, principalmente em

    Minas Gerais, no primeiro grande esforo da pesquisa arquivstica com

    finalidades musicolgicas no pas. Curt Lange publicou, nas dcadas de 1960 a

    1980, as primeiras coletneas de informaes histricas referentes prtica

    musical brasileira acompanhada de suas anlises, que planejava organizar em

    dez volumes. Alguns deles foram impressos em forma de livros e outros em

    forma de artigos, porm vrios desses volumes no chegaram a ser publicados

    (somente os ttulos sublinhados foram impressos, um deles parcialmente) e a

    pesquisa de alguns deles nem chegou a ser concluda (Jos da Veiga OLIVEIRA,

    1979:9-10):

    I - Histria da msica nas Irmandades de Vila Rica: Freguesia de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto

    II - Irmandade de So Jos dos Homens Pardos ou Bem Casados III - Irmandade de Santa Ceclia IV - Senado da Cmara [de Vila Rica no sculo XVIII] e os servios

    de msica religiosa V - Histria da msica nas Irmandades de Vila Rica: Freguesia de

    Nossa Senhora da Conceio de Antnio Dias VI - A pera em Vila Rica, a msica militar, a msica nos festejos

    reais e procisses, documentao musical avulsa VII - A msica nos arredores de Vila Rica: Mariana, Cachoeira do

    Campo, Congonhas do Campo, Casa Branca, Sabar e

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    Caet; a msica nas vilas mais distantes: Pitangui, Campanha, Serro; As danas pblicas coletivas e as danas dramticas das corporaes de ofcios em Minas Gerais; Os vissungos

    VIII - Histria da msica na Vila do Prncipe do Serro do Frio e no Arraial do Tejuco.

    IX - Os compositores durante o perodo colonial em Minas Gerais; estudos analticos das composies de autores mineiros

    X - ndices e referncias biogrficas dos Professores da Arte da Msica, assinaturas de compositores, histrias das bandas, atividade musical no sculo XIX

    Todo esse trabalho teve como objetivo principal comprovar a existncia

    de uma prtica musical erudita no Brasil anterior a Jos Maurcio Nunes

    Garcia (1767-1830), ou seja, antes do perodo no qual as histrias da msica

    no Brasil - como as de Renato Almeida e Lus Heitor Corra de Azevedo -

    comeavam a mencionar tambm a msica e no apenas as informaes

    biogrficas ou literrias sobre seus autores ou suas pocas. Apesar da enorme

    contribuio de Curt Lange na expanso da musicologia enquanto atividade

    cientfica no Brasil, bem como na ampliao dos horizontes da histria da

    prtica musical brasileira, seus trabalhos foram essencialmente orientados por

    uma historiografia positivista, evolucionista e eurocntrica, com manuteno do

    interesse biogrfico e muito mais nfase nos compositores do que em sua

    msica. Seus comentrios eram fortemente impregnados pelo desejo de

    demonstrar o nvel ou a qualidade da msica atingida na Capitania de Minas

    Gerais e em outras regies brasileiras, mais especificamente a msica por ele

    descoberta, o que limitava sua compreenso do significado de vrios

    fenmenos com os quais se deparou.

    Curt Lange estudou a msica religiosa com as mesmas ferramentas da

    msica instrumental, fixando-se em aspectos muito particulares desse

    repertrio, o que lhe impediu o estabelecimento de relaes mais amplas. A

    desconsiderao de aspectos ligados ao poder religioso e temporal, liturgia, s

    condies scio-econmicas e s limitaes tcnicas envolvidas no processo de

    recepo, ensino, composio, execuo e transmisso da msica deram

    produo de Curt Lange um carter bem mais descritivo que reflexivo, com

    nfase no impacto de suas descobertas e na organizao das incontveis

    informaes sobre a antiga prtica musical brasileira, especialmente mineira.

    Curt Lange tambm recolheu, desde a dcada de 1940, uma grande

    quantidade de manuscritos musicais principalmente em cidades paulistas e

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    mineiras, constituindo a coleo hoje preservada no Museu da Inconfidncia de

    Ouro Preto (MG). Sua voraz atividade colecionista no foi, entretanto,

    acompanhada de um mesmo interesse arquivstico, editorial ou analtico. A

    pequena quantidade de obras que editou, das quais a maioria nunca chegou a

    ser impressa, preocupou-se muito pouco com questes metodolgicas e foi

    quase somente destinada a subsidiar apresentaes ao vivo e gravaes.

    Paralelamente, isso permitiu, a partir de 1958, a audio de composies

    mineiras do final do sculo XVIII, o que causou um impacto sem precedentes no

    meio musical brasileiro. A falta de transparncia (ou seja, de um mtodo

    cientfico) na elaborao de suas edies acabou contribuindo para que o

    musiclogo alemo sofresse uma grande quantidade de ataques a partir de

    ento, mas a maior parte da polmica ocorreu pelo fato de Curt Lange transferir

    para sua residncia, no Rio de Janeiro e depois em Montevidu (Uruguai),

    muitos manuscritos ou mesmo arquivos musicais inteiros, cuja origem nem

    sempre se preocupou em registrar.

    A herana de Curt Lange e a msica como centro das atenes

    Curt Lange catalizou, no Brasil, a transio de uma musicologia literria

    para uma musicologia cientfica, porm foram somente seus seguidores

    imediatos que lograram aplicar uma metodologia na qual a msica

    propriamente dita passava a ser o principal objeto de estudo. A contribuio de

    Curt Lange desencadeou, a partir da dcada de 1960, uma nova fase na

    musicologia brasileira, na qual os pesquisadores passavam a utilizar mtodos

    propriamente musicolgicos e no apenas histricos ou literrios. Pela primeira

    vez no pas, a msica brasileira comeava a ser estudada a partir das obras e no

    apenas de seus compositores ou da histria poltica do pas.

    Entre os autores dessa poca, pode-se destacar a atuao de musiclogos

    como Cleofe Person de Mattos, Jaime Diniz, Rgis Duprat, Antonio Alexandre

    Bispo, Jos de Almeida Penalva, Jos Maria Neves, Adhemar Campos Filho e

    Aluzio Jos Viegas. Tais pesquisadores, ao mesmo tempo em que herdaram,

    direta ou indiretamente as contribuies de Francisco Curt Lange, deram

    msica preservada em manuscritos antigos um destaque enquanto objeto de

    pesquisa que esta jamais havia recebido no Brasil, antes da dcada de 1960.

  • 39

    A dvida dessa gerao para com Francisco Curt Lange, entretanto, era

    no s evidente, como boa parte das concepes do musiclogo alemo foram

    para ela transmitidas. Rgis DUPRAT (1972, 1981, 1991b e 2002), por exemplo,

    em uma serie de quatro artigos que, embora reeditados em dcadas diferentes

    guardam entre si um ncleo comum, apresenta importantes elementos de sua

    viso musicolgica, que d grande nfase na descoberta, catalogao,

    restaurao e gravao de obras, mas no necessariamente na publicao de

    suas partituras. Herdando de Curt Lange o conceito de descoberta das

    composies musicais antigas, Duprat procurou firm-lo enquanto um dos mais

    importantes distintivos do trabalho musicolgico, tentando estabelecer tambm

    a nfase no perodo colonial enquanto principal objetivo da musicologia

    histrica, tal como o fazia o musiclogo alemo. Rgis Duprat defende a

    centralizao dos acervos musicais, aderindo atividade colecionista tambm

    herdada de Curt Lange, defendendo ainda a preservao do patrimnio cultural

    enquanto fator destinado dignificao do Homem (DUPRAT, 1991b:81).

    De acordo com Duprat, seria necessrio incorporar a msica que ento se

    denominava colonial cultura brasileira, assim como os europeus o fizeram

    com Machaut, Vivaldi, Haendel e outros. Atravs do trabalho musicolgico que,

    segundo esse autor, possui natureza trplice - envolvendo a pesquisa de campo,

    a pesquisa de arquivo e a restaurao aliada ao trabalho de gabinete - Duprat

    defende a incorporao de obras de verdadeira importncia histrico-

    artstica, destinada, portanto, formao de repertrio. Dando menor

    importncia impresso das partituras como parte das atividades destinadas a

    essa incorporao, o que pode ser compreendido como a centralizao desse

    processo na figura do musiclogo que detm as fontes, esse autor percebe a

    necessidade de metodologia especfica, mas tambm reconhece a inexistncia de

    pesquisadores especializados para esse tipo de atividade (DUPRAT, 1972:102):

    Por contingncia histrica, o estado atual da distribuio desses manuscritos exige um trabalho insano, digno de geraes de equipes, para descobri-los, centraliza-los, inventari-los, cataloga-los, restaura-los e grava-los para que tenham vida sonora. Insistimos em que cada uma dessas etapas requer uma metodologia prpria, rigorosamente cientfica, para o que preciso formar quadros tcnicos especializados.

    Na terceira verso de seu texto (DUPRAT, 1991b:84), o pesquisador

    carioca afirma que o propsito da musicologia histrica manipular

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    partituras e ouvir gravaes de praticamente todos os sculos que nos

    antecederam, acreditando, ainda, ser o seu objetivo a redescoberta da grande

    msica do passado. A importncia histrico-artstica das obras foi

    frequentemente enfatizada por tal autor: J que vivemos os primrdios da

    construo de um acervo musical de nosso pas, nossa tarefa garantir, tanto

    quanto possvel, que venham a pblico obras de verdadeira importncia

    histrico-artstica (DUPRAT, 1991b:88). O grande problema, nesse caso,

    saber qual seria essa grande msica do passado e como reconhecer as obras

    de verdadeira importncia histrico-artstica, ou seja, quais seriam os

    critrios para se decidir se as composies descobertas estariam ou no nessa

    categoria.

    Como no existem solues objetivas para essas questes, possvel

    deduzir que, na prtica, caberia aos musiclogos, de acordo com tal concepo,

    decidir quais obras deveriam ser levadas a pblico e convencer a sociedade de

    que estas possuam a importncia e o interesse que alegavam. Assim, a pesquisa

    de campo, a pesquisa de arquivo e a restaurao aliada ao trabalho de gabinete

    visavam essencialmente o estabelecimento de um repertrio de obras

    exumadas do passado, cuja importncia deveria ser demonstrada pelo

    pesquisador.

    Percebe-se, ento, que essa vertente da musicologia foi pouco crtica,

    interpretativa ou reflexiva, e mais voltada a questes tcnicas referentes

    divulgao ou exumao do passado, como refere Duprat. De fato, esse autor

    propunha uma certa tecnificao do setor cultural, defendendo o que

    chamava de tecnocratismo esclarecido (DUPRAT, 1991b:81), ou seja, uma

    abordagem na qual as questes tcnicas teriam prioridade, ficando em segundo

    plano sua interpretao.

    Embora houvesse muitas diferenas entre os musiclogos brasileiros que

    atuaram entre as dcadas de 1960 a 1980, foi comum a nfase no perodo

    colonial, nas obras-primas e em autores que tivessem condies de serem

    associados aos seus contemporneos europeus de destaque, mesmo que essas

    tendncias j estivessem sendo abandonadas na musicologia europia, que

    visava no mais estudar a grandeza prpria de um artista, mas sim as

    modificaes da msica no tempo (PORTO, 1962:28). Surgia, no Brasil, dessa

    maneira, a tendncia que podemos denominar de exclusivismo autoral, ou

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    seja, uma ntima relao entre compositor e musiclogo, segundo a qual um

    pesquisador estudava preferencialmente as obras de um determinado

    compositor, ao mesmo tempo em que as obras desse compositor deveriam ser

    preferencialmente estudadas pelo mesmo musiclogo. E isso nem foi

    exclusividade brasileira. Leonardo WAISMAN (1998) j identificava essa

    tendncia na Amrica Latina, enfatizando a relao que distintos musiclogos

    havia estabelecido com a msica do compositor italiano Domenico Zpoli (1688-

    1726), radicado desde 1717 em Crdoba (hoje Argentina, mas ento pertencente

    ao Paraguai) e cujas obras foram principalmente preservadas na Bolvia: surgia,

    assim, um Zpoli italiano, um Zpoli boliviano, um Zpoli paraguaio e Waisman

    preconizava o possvel surgimento de um Zpoli argentino.

    Manifestando essa tendncia no Brasil, Francisco Curt Lange concentrou-

    se preferencialmente nas obras de Jos Joaquim Emerico Lobo de Mesquita

    (1746?-1805), Cleofe Person de Mattos nas composies de Jos Maurcio

    Nunes Garcia (1767-1830), Rgis Duprat na msica de Andr da Silva Gomes

    (1752-1844) e Jaime Diniz na produo de Lus lvares Pinto (c.1719-c.1789) e

    Damio Barbosa Arajo (1778-1856), para citar os exemplos mais notrios. Na

    dcada de 1990 outros compositores chegaram a ser disputados por

    pesquisadores que seguiam a mesma trilha, porm no foi mais possvel

    sustentar o exclusivismo autoral a partir dessa poca.

    Por outro lado, alm do colecionismo e do exclusivismo autoral, essa

    gerao teve uma concepo centralizadora da musicologia histrica. Antonio

    Alexandre BISPO (1983), por exemplo, afirma ter sido a fundao da Sociedade

    Brasileira de Musicologia (SBM) em 1981 um marco no desenvolvimento da

    musicologia no Brasil, considerando-a o primeiro passo para a

    institucionalizao desse tipo de atividade no pas, como teria ocorrido em

    outros pases. O autor defende o apoio oficial para a musicologia e sua prtica

    centralizada em torno da SBM, evitando o contato com o meio universitrio e

    preferindo a ligao com organismos governamentais. Mas essa perspectiva

    acabou ficando para trs, na medida em que a musicologia foi se tornando uma

    atividade relacionada s universidades, especialmente a partir da dcada de

    1990, deixando a SBM com poucas funes reais a partir de ento. Conclui-se,

    portanto, que o verdadeiro marco da institucionalizao da musicologia no

  • 42

    Brasil no foi a fundao da SBM, mas a incluso da musicologia enquanto linha

    de pesquisa universitria nas dcadas de 1980 e 1990.

    Obviamente, houve tendncias paralelas, destacando-se a contribuio de

    Mozart de Arajo, Mercedes de Moura Reis Pequeno, Jaime Diniz, Gerard

    Bhague, Robert Stevenson, Vicente Salles, Bruno Kieffer, Arnaldo Daraya

    Contier, Jos Maria Neves, Adhemar Campos Filho, Aluzio Jos Viegas, Slvio

    Augusto Crespo Filho, Jorge Hirt Preiss e outros, preocupados com a construo

    de panoramas da prtica musical no Brasil ou em regies especficas, em lugar

    de uma abordagem focada exclusivamente no repertrio. Autores como Harry

    Lamott Crowl Jr., Srgio Dias, Heitor Geraldo Magella Combat, Arnaldo Jos

    Senize e outros prosseguiram no trabalho com as fontes musicais, porm

    preocupados com maior difuso do repertrio a partir das ento denominadas

    transcries ou restauraes.

    No campo das histrias da msica brasileira, no caso associadas

    msica erudita, os trabalhos de Jos Maria NEVES (1977), Vasco MARIZ (1981),

    Bruno KIEFER (1982) e David APPLEBY (1983) beneficiaram-se de um

    levantamento de informaes e um conhecimento de repertrio que ainda no

    existia na gerao anterior dcada de 1960, surgindo tambm as primeiras

    histrias da msica popular, como as de Ary VASCONCELOS (1977) e Jos

    Ramos TINHORO (1981, 1986 e 1990).

    No se pode negar a enorme contribuio dessa fase para a musicologia

    brasileira, especialmente no que se refere ao seu desenvolvimento

    metodolgico. Se Curt Lange proporcionou o contato com a prtica musical

    brasileira anterior ao sculo XIX, a gerao que atuou a partir da dcada de

    1960 teve o mrito de levar a pblico alguns de seus autores e de suas obras, ao

    mesmo tempo em que propunha o conhecimento do passado musical brasileiro

    luz do repertrio, o que no havia ocorrido com freqncia, at ento.

    Por outro lado, a musicologia dessa gerao foi predominantemente

    positivista e teve uma forte conotao nacionalista, s vezes unindo a esses

    aspectos o interesse religioso. Salvo excees, a pesquisa era uma atividade

    quase exclusivamente individual e desvinculada do meio universitrio, sendo

    raros os debates entre os pesquisadores, que normalmente elegiam focos de

    interesse bastante distintos entre si, com a finalidade de evitar o choque de

    interesses. O aperfeioamento dos mtodos para a construo do conhecimento

  • 43

    sobre o passado musical brasileiro dificilmente estavam em pauta e os trabalhos

    em geral adotavam o estilo descritivo. A publicao de uma quantidade limitada

    de trabalhos e o protecionismo aos acervos ou s obras de determinados autores

    foi bastante comum, o que dificultou o desenvolvimento da pesquisa e permitiu

    o estabelecimento de vises monolticas a respeito dos assuntos estudados. A

    formao de novos pesquisadores era muito pequena e os intercmbios com a

    musicologia internacional eram mais tericos do que prticos. Esse panorama

    predominou at incios da dcada de 1990, quando comeou a sofrer algumas

    modificaes, mesmo que lentas.

    Em direo a uma nova musicologia brasileira

    As particularidades da musicologia das dcadas de 1960 a 1980 e o

    esgotamento de sua eficcia, aliadas a um maior contato com a musicologia

    internacional, motivaram, a partir da dcada de 1990, o surgimento de uma

    nova musicologia no Brasil, que herdava as conquistas da gerao anterior, mas

    que tambm procurava superar suas limitaes. O aspecto inicialmente mais

    questionado foi o acesso dos pesquisadores s obras ou aos acervos de

    manuscritos musicais. Um dos primeiros textos a abordar a questo foi a

    reportagem de Lus Antnio GIRON (1989), que denunciava a prtica do

    protecionismo s fontes musicais, mesmo em acervos pblicos:

    Nos ltimos 45 anos, os pesquisadores da chamada msica barroca mineira mais criaram problemas do que resolveram os que se propuseram a enfrentar. Em vez de levantar a documentao para pass-la aos msicos e da estabelecer uma circulao interpretativa atravs de edies, mantiveram as fontes sob seu poder, transformando-as em fonte de lucro pessoal.

    Alguns anos mais tarde, manifestei opinio semelhante, porm referindo-

    me tambm a alguns problemas ligados formao dos pesquisadores,

    organizao dos acervos, realizao de eventos e circulao de informaes

    referentes produo musicolgica (CASTAGNA, 1995):

    [...] Foroso dizer que o sentimento de posse com relao a assuntos culturais, manuscritos e obras musicais ainda feudal; a formao de novos musiclogos pouco ultrapassou os limites do auto-didatismo; a maior parte dos acervos de manuscritos particular, ou tratada como tal; as bibliotecas pblicas, com raras excees, so mal aparatadas e as publicaes em nmero

  • 44

    insignificante, para no se falar nos problemas sociais, polticos e econmicos, que mantiveram o pas, por mais de trs dcadas, alheio ao desenvolvimento mundial neste setor. O prprio ensino da msica erudita insuficiente para a formao de grupos musicais de projeo internacional, capazes de reverter a averso do pblico tradicional com relao msica brasileira de concerto, via de regra, julgada mais pela execuo que pela qualidade e significado histrico das composies. As relaes entre os musiclogos brasileiros ainda no so satisfatrias e no existem mecanismos eficazes, no Brasil, para se saber, com rapidez, o que vem sendo atualmente produzido em musicologia, nas diversas partes do pas, exceo dos espordicos simpsios, encontros e congressos, nos quais, com raras excees, as participaes no tm resultado na criao de metas comuns. As bibliografias da msica erudita brasileira esto longe de reunir os trabalhos publicados nessa rea. Ainda que vrias tentativas de sistematizao j tenham sido levadas a cabo, o tempo as torna obsoletas, sem que novos trabalhos venham atualiz-las.

    Em outro texto especificamente destinado a esse assunto (CASTAGNA,

    1998), questionei a aplicao dos conceitos de descoberta e restaurao,

    analisando vrios aspectos ticos envolvendo a relao entre os pesquisadores e

    os acervos musicais, bem como a relao entre os prprios pesquisadores,

    assunto que at ento era considerado um certo tabu.

    Essa fase teve uma inegvel efervescncia, principalmente nos eventos

    especficos em musicologia, no que se refere discusso de certos

    procedimentos adotados na musicologia brasileira. E foi em um desses eventos

    que Maurcio MONTEIRO (1998:104) apresentou sua opinio sobre tal assunto,

    afirmando que, ao mesmo tempo em que no existe nem um rgo que

    realmente represente a musicologia, no existe tambm uma poltica de

    pesquisa cientfica que permita sem restries o acesso s fontes documentais,

    informando, ainda, serem estes os principais empecilhos pesquisa

    musicolgica no Brasil. Em relao ao acesso s fontes, o autor claro e

    incisivo:

    Quanto ao primeiro problema - o do acesso s fontes, necessrio ressaltar que alguns grupos tm a pretenso de se tornarem guardies da fonte histrica, no colocando em prtica a poltica da pesquisa. Ou seja, alguns pesquisadores-arquivistas ignoram a Constituio e impedem o acesso e o estudo das informaes. A fonte textual ou iconogrfica, manuscrita ou impressa um documento histrico e por isso deve ser preservada; entretanto, as informaes contidas nele devem ser estudadas em busca de uma compreenso da atividade musical - seja ela do passado ou da contemporaneidade.

    Posteriormente, Andr Guerra COTTA (2000a) estudou o direito de

    acesso aos acervos musicais brasileiros e a seu contedo, demonstrando que, no

  • 45

    caso de acervos pblicos, no existia nenhum dispositivo legal que pudesse

    impedir a consulta de um documento antigo, a no ser em caso de precrio

    estado de conservao, mas nesse caso, a instituio custodiadora teria a

    obrigao de informar quais eram os documentos impedidos consulta, alm de

    disponibilizar ao consulente algum tipo de imagem dos mesmos. Esse e outros

    trabalhos deram respaldo terico ao combate da prtica de alguns musiclogos e

    arquivistas de impedir o acesso a determinados documentos musicais ou mesmo

    a um acervo inteiro e, juntamente com outras aes, participaram do incio da

    reverso do protecionismo aos manuscritos musicais.

    Toda essa discusso motivou a primeira manifestao coletiva sobre o

    assunto nas Concluses do III Simpsio Latino-Americano de Musicologia

    (Curitiba, 1999), documento em quatorze itens redigido e assinado por

    musiclogos majoritariamente brasileiros, ao lado de colegas da Argentina,

    Santiago do Chile, Venezuela, Cuba, Mxico, Estados Unidos e Espanha

    (CONCLUSES, 2000:12). De maneira geral, o documento manifestou-se por

    uma poltica de acesso dos pesquisadores aos acervos musicais e por um

    desenvolvimento democrtico da musicologia histrica. O segundo pargrafo

    apresentou a opinio dos participantes do evento para as mesmas questes

    expostas pelos autores anteriormente citados:

    2. O pesquisador deve respeitar a integridade dos acervos, contribuir para sua preservao e valorizar o acesso dos demais interessados, mesmo aos acervos com os quais trabalha ou trabalhou, visando democratizao da pesquisa, pluralidade de abordagens dos objetos de estudo e expanso das investigaes musicolgicas.

    Paralelamente, iniciou-se o desenvolvimento de uma reflexo crtica

    sobre a atividade musicolgica, que incluiu mesmo os autores que no a

    praticavam como sua principal atividade. o caso de Alberto T. IKEDA (1998),

    que discutia as diferenas entre a prtica da cincia e a prtica artstica,

    criticando o interesse apenas no conhecimento dos fenmenos em si, sem

    indagaes sobre suas causas. O mesmo autor, em outro trabalho (IKEDA,

    2001), reconhecia o enfoque analtico descontextualizado como uma das mais

    tpicas heranas positivistas. Manuel VEIGA (1998:80), por sua vez,

    questionava o etnocentrismo musicolgico e a pretensa universalidade da

    msica europia geralmente adotada pelos musiclogos, rejeitando a nfase

    nos produtos, em vez dos procedimentos, redundando num repertrio de

  • 46

    msica oficial. Ricardo TACUCHIAN (1994) percebia que a reflexo ou

    interpretao do fato musical histrico - para ele o maior objetivo da

    musicologia histrica - ainda era uma atividade incipiente no Brasil, mas

    Jamary OLIVEIRA (1992:8), autor de um dos textos mais crticos da dcada

    sobre o assunto, reconhecia que o estudo da msica brasileira sob o ponto de

    vista interpretativo est apenas comeando e questionava a abordagem mais

    interessada na vida dos compositores que em suas obras, opondo-se tambm

    musicologia voltada exumao de obras-primas (Jamary OLIVEIRA,

    1992:6), identificando com muita clareza sua principal finalidade (e,

    obviamente, dela discordando):

    Queremos antes de tudo mostrar ao mundo que o Brasil produziu no passado e continua a produzir no presente obras-primas da tradio europia, o que certamente nos colocaria entre as naes de primeiro mundo.

    interessante considerar que o prprio conceito de obra-prima no leva

    em conta o significado da obra no contexto de sua produo, mas sobretudo sua

    relao com o presente. Por essa razo, Rgis DUPRAT (1991b) defendia a

    exumao do passado em funo das necessidades do presente e das

    perspectivas do futuro, a partir do mesmo tipo de critrio de qualidade que

    Giulio ARGAN (1993) relacionou esttica idealista e que motivou a destruio

    de inmeras construes antigas que no eram reconhecidas como obras-

    primas. A grande questo, novamente, definir quais so as necessidades do

    presente e as perspectivas do futuro que determinaram essa exumao, pois

    nenhuma obra do passado realmente ter lugar aqui e agora se no tiver uma

    nova funo: seriam elas necessidades pessoais, coletivas, institucionais ou de

    um determinado sistema? Qual passado deveria ser exumado e qual no

    deveria? Quem tomaria essa deciso e por quais motivos? Nesse sentido, Jos

    Maria NEVES (1999) chamava a ateno para o preconceito do musiclogo

    histrico, que no aceitava que a msica para banda, por exemplo, pudesse ser

    digna de uma abordagem acadmica, uma vez que no se enquadrava nos

    critrios a priori definidos pela esttica idealista.

    A discusso estendeu-se ao visvel isolamento da pesquisa musicolgica

    no Brasil em relao ao desenvolvimento desse campo cientfico em outras

    regies do mundo. A esse respeito, Maria Elisabeth LUCAS (1990) e tambm eu

  • 47

    (CASTAGNA, 1995) propnhamos um maior contato e troca de experincias

    entre a musicologia brasileira e portuguesa, aliadas a um maior intercmbio

    entre a pesquisa musicolgica brasileira e a dos pases hispano-americanos. Tal

    contato comeou a se fortalecer a partir da segunda metade dessa dcada, mas

    preciso reconhecer que h um longo caminho a ser trilhado nessa direo.

    No campo da histria da msica, Arnaldo CONTIER (1985) e Henrique

    Emanuel Gomes PEDROSA (1988) esto entre os poucos anteriores dcada de

    1990 que refletiram sobre os trabalhos brasileiros do gnero. Mais

    recentemente, Avelino Romero Simes PEREIRA (1995) props a construo de

    uma histria da msica brasileira (ou no Brasil) a partir de mtodos e

    concepes originrios da histria, procurando reverter a tendncia ensastica,

    empirista e, sobretudo, positivista que predominava nesse tipo de atividade no

    Brasil. Maria Elisabeth LUCAS (1998:69), que tambm se dedicou a esse tema,

    criticou, nas histrias da msica brasileira, as narrativas mticas sobre

    determinado perodo, gnero musical ou grupo de compositores, que acabam

    institucionalizadas como paradigma de conhecimento. A autora identifica o

    modelo positivista dessas histrias e, apesar de sua necessidade, acusa a

    cristalizao de concepes que so transmitidas ao estudante e que acabam

    condicionando novas pesquisas.

    Raras, entretanto, so as reflexes tericas brasileiras sobre a histria da

    msica, como a de Vanda Lima Bellard FREIRE (1994), sendo porm urgentes

    novos trabalhos sobre o passado e o futuro dessa disciplina no pas. Desde a

    dcada de 1970 a produo de novas histrias gerais da msica brasileira

    encontra-se estagnada, vigorando a separao entre a msica erudita e a

    popular (apesar da enorme dificuldade em sua conceituao), para a qual

    nenhum autor at o momento ousou propor uma abordagem conjunta, depois

    dos livros de Guilherme de Mello e Renato Almeida, que davam ateno

    msica erudita e ao folclore musical. Acredito, ainda, que publicaes de grande

    porte, como novas histrias da msica brasileira, devam ser futuramente

    projetadas como obras coletivas, contendo textos de vrios especialistas sobre os

    aspectos abordados, de modo a evitar as concepes monolticas, individualistas

    e nem sempre fundamentadas em fontes histricas que predominam nos livros

    do gnero at ento publicados no pas.

  • 48

    Torna-se claro, portanto, que a musicologia que comeou a se estabelecer

    no Brasil na dcada de 1990 teve como metas a superao do modelo positivista

    e a procura de novas teorias que pudessem explicar o significado dos fenmenos

    estudados. Paralelamente, surgia um dos maiores dilemas na musicologia

    brasileira dessa poca: sem uma produo resultante da concepo positivista

    que orientou a musicologia europia na segunda metade do sculo XIX e

    primeira metade do sculo XX, no haveria suficiente material para abordagens

    mais reflexivas ou interpretativas. Assim, a nova gerao de musiclogos

    brasileiros comeou a se preocupar com o aspecto crtico e reflexivo, mas

    tambm procurou retomar o trabalho tcnico, de forma mais intensa e com

    maior conscincia metodolgica, o que ampliou consideravelmente suas

    responsabilidades e deixou claro que a musicologia no poderia mais ser, no

    Brasil, uma atividade exclusiva de um pequeno crculo de especialistas. A partir

    de ento, em uma tentativa de ampliar rapidamente o material disponvel,

    dezenas de obras comearam a ser impressas, dezenas de acervos comearam a

    ser estudados e catalogados, novos eventos foram realizados e muitos textos

    foram publicados.

    No obstante, a falta de trabalhos sistemticos era e continua sendo

    muito grande no panorama musicolgico brasileiro. Jos Maria NEVES (1998),

    em pleno final do sculo XX, acusava o desinteresse pela elaborao de

    catlogos de fontes primrias no pas, demonstrando que ainda era pequeno o

    conhecimento a respeito dos acervos brasileiros de manuscritos musicais. A

    musicologia herdeira de Curt Lange preocupava-se muito com autores e suas

    composies, mas legava a um segundo plano os acervos, seu contedo, a

    relao entre eles e outros aspectos relacionados arquivologia musical. Foi

    somente a partir da dcada de 1990 que comearam a ser realizados trabalhos

    de maior flego no que se refere organizao e catalogao de acervos, cujos

    resultados vm permitindo o surgimento de pesquisas destinadas a uma

    compreenso global da msica preservada no pas e no apenas de alguns

    autores e suas obras, embora ainda haja um longo caminho a ser trilhado nessa

    direo.

    As preocupaes arquivsticas, a partir dessa fase, foram tanto tericas

    quanto prticas. No que se refere primeira vertente, estudei alguns catlogos

    de acervos brasileiros de manuscritos musicais, detectando a utilizao de

  • 49

    critrios diferentes para a catalogao de obras e documentos em um mesmo

    projeto, alm da impreciso ou inadequao de alguns desses critrios

    (CASTAGNA, 2000). A partir desse estudo e da prpria experincia com esse

    tipo de atividade, propus algumas diretrizes e solues para um conhecimento

    mais amplo do contedo dos acervos brasileiros. Andr Guerra COTTA (2000b),

    em sua dissertao de mestrado, como em outros artigos e comunicaes,

    realizou trabalho terico sobre o tratamento da informao em acervos

    brasileiros de manuscritos musicais, a partir de uma crtica dos instrumentos de

    busca at ento publicados e de um estudo da metodologia utilizada no

    Rpertoire International des Sources Musicales (RISM), em uma tentativa de

    fornecer novos subsdios para o desenvolvimento da arquivologia musical no

    Brasil.

    Outros autores, ainda, preocuparam-se com aspectos tericos da

    arquivologia musical, como Fernando Binder e Modesto Fonseca, mas os

    esforos nesse sentido concentraram-se na organizao, catalogao e estudo de

    acervos, principalmente a partir do trabalho de pesquisadores como Mercedes

    Reis Pequeno, Mrcio Miranda Pontes, Andr Guerra Cotta, Vanda Freire,

    Lorenzo Mammi, Pablo Sotuyo Blanco, Modesto Fonseca, Andr Cardoso,

    Maurcio Monteiro, Rosngela Pereira de Tugny, Aluzio Jos Viegas, Mary

    ngela Biason e Lenita Nogueira, incluindo-me tambm entre os interessados

    nesse tipo de atividade. Autores como Maria Ins Guimares, Srgio

    Nepomuceno Alvim Corra, Elisabeth Seraphim Prosser e outros dedicaram-se

    tambm a este campo, porm concentrando-se na catalogao de obras de

    autores especficos.

    Em perodo anterior dcada de 1990 eram raros os acervos musicais

    brasileiros organizados, catalogados e abertos aos pesquisadores, destacando-se

    o caso pioneiro do Museu da Msica de Mariana, cujo tratamento, ainda que

    incompleto e baseado em metodologia essencialmente emprica, fora realizado

    principalmente na dcada de 1970 por Jos de Almeida Penalva e Maria da

    Conceio de Rezende e que acabou motivando boa parte das iniciativas nesse

    setor, incluindo sua reorganizao e nova catalogao entre 2001-2003.

    Alguns trabalhos de Andr Cardoso, Marcelo Campos Hazan, Vtor

    Gabriel, Aluzio Jos Viegas e tambm um de minha autoria podem ser

    enquadrados na recente tendncia que no VI Encontro de Musicologia Histrica

  • 50

    de Juiz de Fora (2004) foi intitulada paleoarquivologia musical e definida

    enquanto o estudo das caractersticas e configuraes de antigos acervos

    musicais, independente de terem sido estes totalmente, parcialmente ou

    nulamente preservados.

    Ao lado da arquivologia e da paleoarquivologia musical, tem se

    desenvolvido no pas, nos ltimos anos, a edio musical enquanto atividade

    acadmica. Carlos Alberto FIGUEIREDO (2000), em sua tese de doutorado e

    outros trabalhos, realizou os primeiros estudos tericos brasileiros sobre edio

    musical, aos quais somaram-se reflexes de Marcelo Campos Hazan e Luiz

    Guilherme Goldberg, que forneceram importantes subsdios para esse tipo de

    atividade e permitiram a superao da fase na qual as edies eram realizadas

    sem uma conscincia metodolgica.

    Vrios autores tm se dedicado pesquisa da antiga prtica e produo

    musical em localidades ou fases especficas da histria do Brasil, como Marcos

    Jlio Sergl, Vtor Gabriel, Maurcio Dottori, Pablo Sotuyo Blanco, Carlos Kater,

    Mnica Vermes, Joo Berchmans, Daniela Miranda, Maurcio Monteiro, Andr

    Guerra Cotta e Carlos Eduardo Souza, ou a repertrios especficos, como

    Manuel Veiga, Rogrio Budasz, Celso Loureiro Chaves, Odette Ernest Dias,

    Maria Elizabeth Lucas, Marcos Pupo Nogueira, Fernando Binder, Marcelo

    Fagerlande, Adriano de Castro Meyer, Maria Lcia Roriz, Elisabeth Seraphim

    Prosser, Maria Augusta Calado, Maria de Ftima Tacuchian e outros, incluindo-

    me tambm nestes tipos de abordagem. Nos trabalhos desses autores destaca-se

    uma amplitude no levantamento de fontes e um interesse por uma viso global

    dos fenmenos estudados que contrasta com a produo musicolgica brasileira

    das dcadas de 1960 a 1980.

    Entre os estudos referentes a compositores especficos, destaca-se o caso

    de Jos Maurcio Nunes Garcia, que tem recebido importantes e recentes

    contribuies de Carlos Alberto Figueiredo, Srgio Dias, Lucas Robatto, Jetro

    Meira de Oliveira, Ricardo Bernardes, Inez de Castro Martins, Luiz Guilherme

    Goldberg e outros. Tais estudos, que incluem aspectos editoriais, analticos e

    histricos, tm avanado no conhecimento do significado das obras desse

    compositor no panorama musical brasileiro, auxiliando-nos a compreender suas

    composies mais como produtos culturais de uma determinada poca,

  • 51

    sociedade, local e circunstncia que apenas como fonte de repertrio para

    concertos e gravaes.

    De maneira geral, pode-se dizer que passaram a constar entre os

    interesses da musicologia brasileira o debate sobre a funo da musicologia na

    sociedade e a razo da prtica desse tipo de cincia no Brasil da atualidade, o

    debate sobre a tica e a relao dos pesquisadores entre si e com seus objetos de

    estudo, a reflexo metodolgica e a viso crtica sobre a produo musicolgica

    antiga e atual, assim como comea a surgir o interesse pela histria da

    musicologia no Brasil. De fato, as reflexes sobre a atividade musicolgica

    tornaram-se to importantes que no ser mais possvel o desenvolvimento da

    musicologia brasileira sem uma histria da musicologia no pas, destinada

    compreenso dos valores, mtodos, concepes, interesses, resultados e

    impactos da musicologia, no como parmetros absolutos destinados a uma

    utilizao prtica, mas relativizados a partir de uma perspectiva histrica

    (CASTAGNA, 2004:70). Entre outros, j existem trabalhos do gnero por

    Antonio Alexandre Bispo, lvaro Carlini, Flvia Toni, Jorge Coli, Carlos Kater,

    Cludio Remio e Denis Vidal, que provavelmente sero ampliados na medida

    em que esse tipo de pesquisa for se estabelecendo no Brasil.

    A nova musicologia tambm comeou a manifestar o fim do discurso

    centralizador e a procura de maior contato com a musicologia internacional,

    especialmente a portuguesa e a hispano-americana. O desenvolvimento da

    musicologia na ps-graduao contribuiu para o aumento do nmero dos

    eventos cientficos e o prprio aumento do nmero de musiclogos, comeando

    a surgir grupos de pesquisa entre os mesmos, praticamente inexistentes em

    perodo anterior dcada de 1990.

    Mudanas na poltica de apoio aos projetos de pesquisa na rea de

    msica tm contribudo para acelerar a velocidade desses avanos,

    especialmente com a participao de empresas privadas ou estatais e

    destacando-se o caso da Petrobras, que vem apoiando dezenas de projetos a

    partir de 2001. Apesar das limitaes e at encerramento dos programas de

    apoio de algumas instituies, como a Fundao Vitae (que no atender a

    novos pedidos a partir de 2005), parece haver um aumento significativo no

    montante destinado ao financiamento de projetos e na prpria quantidade de

    projetos envolvendo a pesquisa musicolgica.

  • 52

    Consideraes finais

    No h dvidas de que a musicologia brasileira vem manifestando

    sensveis mudanas desde a dcada de 1990 e, se a nova posio ainda no foi

    solidificada, ao menos pode-se vislumbrar a transio de uma musicologia

    principalmente focada em obras e compositores, tpica das dcadas de 1960 a

    1980, para uma nova musicologia, caracterizada pela maior amplitude na

    seleo de objetos, mtodos, interesses, interrelaes, responsabilidades,

    abordagens, perodos histricos e regies geogrficas, consequentemente

    acompanhada de maior amplitude nos resultados obtidos. Mais diversificada e

    menos centralizada, a nova musicologia est surgindo no apenas por influncia

    externa, mas tambm pelo esgotamento das abordagens baseadas quase

    exclusivamente em obras e compositores, viso que, embora tenha permitido o

    aprofundamento da pesquisa musicolgica, enfatizou excessivamente a

    utilizao do repertrio no presente e produziu pequeno interesse na

    investigao do seu significado no passado.

    Essa mudana est associada ao incio da superao do modelo

    positivista que predominou na musicologia brasileira at meados da dcada de

    1990 e procura de novas teorias que possam explicar o significado dos

    fenmenos estudados. Isso no significa, entretanto, que a fase positivista -

    bastante preocupada com a organizao de informaes - tenha produzido

    suficiente material para subsidiar interpretaes e reflexes de flego sobre o

    passado musical brasileiro. Pelo contrrio, ainda resta muito trabalho a ser feito

    no que se refere catalogao de acervos, edio de obras, organizao e

    sistematizao de fontes, o que impe nova musicologia a responsabilidade de

    desenvolver trabalhos sistemticos e, ao mesmo tempo reflexivos. Se a nova

    musicologia possui maior amplitude de ao em relao s tendncias que a

    precederam, inegvel a enorme responsabilidade que acabou sendo

    transmitida aos musiclogos que vm atuando a partir da dcada de 1990,

    sobretudo gerao que iniciou o seu trabalho a partir dessa poca.

    Como se trata de uma fase de transio, fundamental que se trabalhe na

    ampliao das perspectivas da nova musicologia, sobretudo no que se refere s

    abordagens mais crticas e interpretativas, ao desenvolvimento metodolgico,

    formao de um maior nmero de pesquisadores nos programas de ps-

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    graduao, ao relacionamento internacional, ao debate sobre aspectos ticos, ao

    desenvolvimento dos eventos, ao aumento do nmero e da qualidade dos

    projetos de pesquisa e das publicaes, e ao maior significado social da pesquisa

    musicolgica. importante, ainda, que a histria da musicologia torne-se uma

    linha de pesquisa praticada em vrias regies do pas, com a finalidade de se

    conhecer melhor o que produzimos, compreender as relaes entre a

    musicologia brasileira e as tendncias internacionais dessa cincia, e aplicar no

    presente as reflexes sobre a produo musicolgica do passado.

    Referncias bibliogrficas

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