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IMPROVISAÇÃO MUSICAL TERAPÊUTICA EM UMA UNIDADE ESCOLAR DE TEMPO INTEGRAL: UMA PROPOSTA DE INTERVENÇÃO EM PROL DO BEM ESTAR DO ALUNO Autor: Hermes Soares dos Santos 1 Instituição: Colégio Estadual José Honorato (CEJH) e-mail: [email protected] Resumo: Este artigo apresenta uma experiência de encontros de Musicoterapia realizados em uma Escola de Tempo Integral (ETI). O sujeito desses encontros foi uma aluna de sete anos que frequentava a 2ª série do Ensino Fundamental em 2012. A técnica musicoterápica utilizada foi a improvisação musical. Por meio desta, a aluna se expressou musicalmente e o musicoterapeuta observou seus modos expressivos- receptivos. Estes modos constituem a unidade biopsicosocialespiritual de um sujeito. Ela apresentou elementos dessa unidade e o musicoterapeuta a auxiliou a enfrentar situações adversas que ela vivenciava, como o bullying. Palavras-chave: Musicoterapia, Improvisação Musical, Modos Expressivos-Receptivos. Introdução e histórico O presente estudo de caso relata uma experiência da aplicação da técnica de improvisação da Musicoterapia 2 1 Mestre em Música (EMAC-UFG) 2 Segundo Federação Federal de Musicoterapia, a Musicoterapia é a utilização da música (...) pelo musicoterapeuta e pelo cliente em grupo (...) para facilitar e promover a comunicação, o relacionamento, (...) a expressão e a organização (física, emocional, mental, social e cognitiva) para (...) desenvolver ou recuperar funções do indivíduo de forma que ele possa alcançar melhor integração (...) e (...) melhor qualidade de vida. (RUUD apud BRUSCIA, K. Definindo Musicoterapia, 2ª ed.,

Musicoterapia Plurimodal Na Escola

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Musicoterapia Plurimodal com uma aluna do ensino fundamental

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IMPROVISAO MUSICAL TERAPUTICA EM UMA UNIDADE ESCOLAR DE TEMPO INTEGRAL: UMA PROPOSTA DE INTERVENO EM PROL DO BEM ESTAR DO ALUNO

Autor: Hermes Soares dos Santos[footnoteRef:1] [1: Mestre em Msica (EMAC-UFG)]

Instituio: Colgio Estadual Jos Honorato (CEJH)e-mail: [email protected]

Resumo:

Este artigo apresenta uma experincia de encontros de Musicoterapia realizados em uma Escola de Tempo Integral (ETI). O sujeito desses encontros foi uma aluna de sete anos que frequentava a 2 srie do Ensino Fundamental em 2012. A tcnica musicoterpica utilizada foi a improvisao musical. Por meio desta, a aluna se expressou musicalmente e o musicoterapeuta observou seus modos expressivos-receptivos. Estes modos constituem a unidade biopsicosocialespiritual de um sujeito. Ela apresentou elementos dessa unidade e o musicoterapeuta a auxiliou a enfrentar situaes adversas que ela vivenciava, como o bullying.

Palavras-chave: Musicoterapia, Improvisao Musical, Modos Expressivos-Receptivos.

Introduo e histrico

O presente estudo de caso relata uma experincia da aplicao da tcnica de improvisao da Musicoterapia[footnoteRef:2] realizada por mim no ano de 2012, na unidade escolar de tempo integral Colgio Estadual Jos Honorato, situada em Goinia, Gois. O sujeito deste estudo uma aluna, a qual chamarei de Marina. No referido ano, Marina tinha 7 anos e cursava a segunda srie do Ensino Fundamental. [2: Segundo Federao Federal de Musicoterapia, a Musicoterapia a utilizao da msica (...) pelo musicoterapeuta e pelo cliente em grupo (...) para facilitar e promover a comunicao, o relacionamento, (...) a expresso e a organizao (fsica, emocional, mental, social e cognitiva) para (...) desenvolver ou recuperar funes do indivduo de forma que ele possa alcanar melhor integrao (...) e (...) melhor qualidade de vida. (RUUD apud BRUSCIA, K. Definindo Musicoterapia, 2 ed., Rio de Janeiro: Enelivros, 2000, p. 286)]

A seguir, sero expostos os seguintes contedos: o suporte terico do trabalho, a saber, a Musicoterapia Plurimodal; o perfil da instituio escolar onde foi realizado; o perfil da instituio, do profissional musicoterapeuta e dos alunos; o processo musicoterpico, os resultados e concluses. A Musicoterapia Plurimodal

A Musicoterapia Plurimodal um mtodo que se caracteriza por associar diversos conceitos tericos de distintas correntes musicoterpicas e de outras matrias afins no seu cabedal terico. Sua dimenso prtica constituda de quatro eixos de ao: a improvisao musical teraputica, trabalho com canes, a tcnica EISS (Estimulao de Imagens e Sensaes por meio do Som) e o uso seletivo da msica editada (SCHAPIRA, 2007). No cabedal terico da Musicoterapia Plurimodal, h uma conjunto de caractersticas musicais especficas presentes no ser humano em distintas faixas etrias denominado Gnesis do Desenvolvimento Evolutivo Musical[footnoteRef:3]. Marina apresentava algumas caractersticas musicais presentes na faixa etria dos 6 a 8 anos. Eis algumas delas: [3: SCHAPIRA, D. Abordaje Plurimodal en Musicoterapia. In: SCHAPIRA, D. et al. Musicoterapia, Abordaje Plurimodal. Argentina, ADIM Ediciones, 2007, p. 96-102. ]

Quanto percepo: reconhece um esquema de tonalidade simples[footnoteRef:4], possui grande imaginao musical. Quando Marina improvisou no teclado, ela tocou a maior parte do tempo na tonalidade de D maior. Durante a improvisao vocal, manteve sua produo vocal dentro do campo tonal emitido pelas cordas soltas do violo. [4: SCHAPIRA, D. Abordaje Plurimodal en Musicoterapia. In: SCHAPIRA, D. et al. Musicoterapia, Abordaje Plurimodal. Argentina, ADIM Ediciones, 2007, p. 99. ]

Quanto expresso: predileo por canes com argumentos, aumento da tessitura[footnoteRef:5]. Marina apresentou argumentos em sua improvisao vocal. Ela tambm gostava de canes que apresentam argumentos emocionais, como as da cantora Paula Fernandes e outras que apresentam autoafirmao de comportamentos, como as do grupo Rebelde. [5: Tessitura a parte da escala de um instrumento ou voz (FERREIRA, A. J. et al. Meloteca: Stio de Msica e Artes. Disponvel em < http://www.meloteca.com/dicionario-musica.htm#t >. Acesso em 24 de maro de 2013). No caso da voz humana, o conjunto de notas que o cantor articula sem se esforar e cujo o timbre mantm a qualidade necessria (Nota do autor). ]

H um fundamento terico da Musicoterapia Plurimodal conhecido como modos expressivos-receptivos. Segundo Schapira[footnoteRef:6], os modos expressivos-receptivos caracterizam o sujeito como uma unidade biopsicosocialespiritual. Ferrari[footnoteRef:7], ao comentar os modos expressivos-receptivos, afirma que [6: SCHAPIRA, D. El Abordaje Plurimodal en Musicoterapia: Fundamentos Tericos. In: SCHAPIRA, D. et al.. Musicoterapia, Abordaje Plurimodal. Argentina, ADIM Ediciones, 2007, p. 51.] [7: SCHAPIRA, D. El Abordaje Plurimodal en Musicoterapia: Fundamentos Tericos. In: SCHAPIRA, D. et al.. Musicoterapia, Abordaje Plurimodal. Argentina, ADIM Ediciones, 2007, p. 53. ]

tarefa do musicoterapeuta conhec-los, tendo como objetivo fundamental gerar um espao para o desdobramento dos mesmos, onde cada som, cada cano e cada improvisao nos contar uma histria na qual o protagonista no ser unicamente nosso paciente, mas tambm seu entorno (FERRARI apud SCHAPIRA, 2007).

Os modos expressivos-receptivos se manifestam na maneira que o sujeito percebe a realidade por meio de seus sentidos e se expressa para esta realidade. Diante dessa realidade, o sujeito se expressa a partir de um clima emocional que est presente na estrutura de seus pensamentos. Esse clima emocional sua msica interna. Segundo Mary Priestley, a msica interna seria o clima emocional que prevalece por detrs da estrutura dos pensamentos[footnoteRef:8]. Marina expressou seu clima emocional afetado pela rejeio dos colegas nas canes improvisadas nas quais ela improvisava letra e melodia como se estivesse, conversando, argumentando com seus colegas, manifestando tristeza pelos xingamentos direcionados a ela. Tambm retratou o que sentia em relao separao de seus pais, fato que segundo sua me a fez uma menina muito carente. [8: SCHAPIRA, D. El Abordaje Plurimodal en Musicoterapia: Fundamentos Tericos. In: SCHAPIRA, D. et al.. Musicoterapia, Abordaje Plurimodal. Argentina, ADIM Ediciones, 2007, p. 36.]

A instituio, o profissional musicoterapeuta e os alunos

O Colgio Estadual Jos Honorato situa-se no Setor Central da cidade de Goinia, Gois, Brasil. Como escola de tempo integral (ETI), uma comunidade escolar que comporta o ensino regular no turno matutino e o ensino de matrias regulares e oficinas de arte no turno vespertino. Os alunos fazem suas refeies nessas instituies. Dentre essas oficinas encontram-se oficinas de capoeira, de dana, de msica e outras. Essas oficinas so ministradas por profissionais encaminhados pelo Centro de Estudo e Pesquisa Ciranda da Arte, instituio vinculada a Secretaria do Estado de Gois. O meu cargo de musicoterapeuta se caracteriza como contrato temporrio, com durao de um ano, vinculado a Secretaria de Educao do Estado de Gois. Fui encaminhado pelo Centro de Estudo e Pesquisa Ciranda da Arte para trabalhar 30 horas no Centro de Atendimento Especial Peter Pan, da Associao Pestalozzi de Goinia, e fao extenso de mais 30 horas no Centro de Estudo e Pesquisa Ciranda da Arte. Essa extenso exercida no Colgio Estadual Jos Honorato. Meu horrio de trabalho se inicia s 11:30 h e finaliza s 15:00 h. No horrio de almoo, que se inicia s 11:30 h, eu observo o contexto escolar e seus sujeitos, convivo com eles e/ou realizo trabalhos com os alunos e/ou os demais profissionais da instituio. Segundo relato da direo e professores, os alunos do Colgio Estadual Jos Honorato, em sua maioria, so de famlias de classe baixa cujo os pais fazem jornada dupla de trabalho para sustentar a famlia. Por isso, a escola uma alternativa para seus filhos, pois h refeies, como lanche da manh, da tarde e almoo, e formao escolar. H um grande nmero de pais separados e alguns esto em outros matrimnios. Parte dos alunos que so encaminhados pela coordenao para os encontros musicoterpicos provm dessa realidade e apresentam problemas relacionados como hiperatividade, dificuldades de aprendizagem, falta de autoestima, obesidade e condutas agressivas[footnoteRef:9]. [9: Nascimento (2008), em uma pesquisa interdisciplinar entre Musicoterapia e Psicopedagogia frente s dificuldades de aprendizagem de alunos de uma comunidade escolar, observou que as condutas psico-musicais dos mesmos, ou seja, suas expresses musicais que retratavam seu mundo interno agressivo, eram modificadas atravs de intervenes musicoterpicas nas quais havia aceitao de sua musicalidade. A partir disso, aconteceram mudanas que se refletiram em suas condutas sociais. (NASCIMENTO, Sandra Rocha. A Escuta Diferenciada dos Problemas de Aprendizagem Mediada pela Musicoterapia na Educao. In: IV Simpsio de Cognio e Artes Musicais. So Paulo: Paulistana Editora, 2008, p. 430-7. Disponvel em: Acesso em 17 de fevereiro de 2013). (Anais eletrnicos)]

O processo musicoterpico

Marina comeou a participar dos encontros de Musicoterapia a partir de uma sugesto da coordenao da escola. Seus pais eram separados e ela vivia apenas com a me. Sua me relatou que Marina foi muito afetada emocionalmente pela separao. No primeiro encontro de Musicoterapia, Marina relatou que sofria bullying[footnoteRef:10]. O assdio moral estava prejudicando sua convivncia na escola. Ela expressava essa realidade tanto verbalmente quanto musicalmente. Durante as improvisaes, ela utilizou o canto e o violo, dedilhando as cordas soltas, sem uso de acordes ou ritmo especfico de algum estilo musical. [10: Bullying um termo de origem inglesa cuja raiz o termo bull, que designa pessoal cruel e intimidadora. Apresenta-se como prtica de violncia sem motivo aparente e possui como local especfico, as escolas. (FERREIRA, J., TAVARES, H. Bullying no Ambiente Escolar. Revista da Catlica, Uberlndia, v. 1, n. 2, p. 187-197, 2009, p. 188-9. Disponvel em: >. Acesso em 17 de fevereiro de 2013. ]

O processo desenvolvido com Marina obedeceu uma ordem crescente de expresso musical. No incio do processo, ela fez improvisaes no teclado acompanhadas pela harmonia do violo tocado por mim e improvisaes argumentativas com voz e violo, tocado por ela. Um exemplo ser exposto abaixo no item Encontro 1. Nessas improvisaes, ela cantava para seus colegas como se estivesse conversando com eles, manifestando sua indignao pela forma pejorativa como era tratada. Ela tambm retratava o desconforto da separao de sua famlia. Como seus pais eram separados, na improvisao ela expressava em letra e msica o sentimento de saudade de sua famlia. O musicoterapeuta fez intervenes no intuito de auxili-la a enfrentar a situao. No final do processo, Marina improvisou uma cano de contedo religioso. H nessa cano contedos relacionados a Deus que exprimem confiana, auxlio e socorro nos momentos difceis. Esta improvisao ser exposta abaixo no irem Encontro 2.Eu e Marina realizamos treze encontros em 2012. Neste trabalho, sero expostos dados de improvisaes musicais de dois encontros[footnoteRef:11]. As leituras e anlises desses dados foram realizadas a partir do suporte terico da Musicoterapia Plurimodal conhecido como IAPs: Perfis de Valorao das Improvisaes. [11: A terminologia encontros foi adotada para designar os atendimentos de Musicoterapia no mbito escolar no intuito de diferenciar do atendimento clnico. Surgiu como sugesto em uma reunio do GEP de Musicoterapia na Educao na instituio Ciranda da Arte. ]

Encontro 1

1. Primeiro momento: Neste encontro, Marina improvisou livremente nas teclas brancas do teclado. Eu a acompanhei no violo tocando os acordes D, Sol, L menor, Sol, D (2x) F. Mi menor, R menor, D, L menor, Sol, F, Mi menor, R menor, D na primeira frase que ela tocou. Leitura e Anlise musicoterpicas: O uso da harmonia na improvisao encontra suporte na reflexo de Bruscia: sem um suporte harmnico, as melodias so fantasias fugazes sem referente real e sem compromisso real com o self [footnoteRef:12][footnoteRef:13]. Segundo o mesmo autor, a tonalidade proporciona um referente emocional para conter e encaminhar sua exibio[footnoteRef:14] bem como uma estrutura de controle e organizao e prov uma fora gravitacional em um ponto de repouso dentro do centro do self[footnoteRef:15]. A partir do acompanhamento harmnico feito por mim no violo, percebi que ela demonstrou maior regularidade rtmica nas notas. Isso ajudou a construir um clima emocional de confiana entre ns. [12: Segundo o Dicionrio Crtico de Anlise Junguiana, self uma imagem arquetpica do potencial mais pleno do homem e a unidade de personalidade como um todo. (...) como princpio unificador dentro da psique humana, ocupa a posio central de autoridade com relao vida psicolgica e, portanto, do destino do indivduo (SAMUELS, A. et al. Dicionrio Crtica de Anlise Junguiana. Imago Editora, Rio de Janeiro, 1988. Disponvel em . Acesso em 17 de fevereiro de 2013. ] [13: SCHAPIRA, D. Las Improvisaciones Musicales Terapeuticas. In: SCHAPIRA, D. et al.. Musicoterapia, Abordaje Plurimodal. Argentina, ADIM Ediciones, 2007, p. 147. ] [14: SCHAPIRA, D. Las Improvisaciones Musicales Terapeuticas. In: SCHAPIRA, D. et al.. Musicoterapia, Abordaje Plurimodal. Argentina, ADIM Ediciones, 2007, p. 147. ] [15: SCHAPIRA, D. Las Improvisaciones Musicales Terapeuticas. In: SCHAPIRA, D. et al.. Musicoterapia, Abordaje Plurimodal. Argentina, ADIM Ediciones, 2007, p. 147. ]

2. Segundo momento:Aps alguns minutos, Marina parou e iniciou outra improvisao, utilizando o voz e violo. Eis um trecho:

Figura 1: trecho da cano improvisada.

Leitura e anlise musicoterpicas: Bruscia[footnoteRef:16] descreveu que os elementos musicais presentes em uma improvisao so representaes simblicas dos elementos inconscientes do self e de sua forma de atuao na personalidade. Na figura 1, Marina expressou sua dor em relao rejeio presente na relao com os colegas e com pai. A presena repetida da frase eu vou ter que te falar demonstra a necessidade insistente em expressar isso. Segundo Mary Priestley[footnoteRef:17], a msica interna a atmosfera emocional presente por detrs da estrutura dos pensamentos. A estrutura rtmica da expresso citada (eu vou ter que te falar) revela o impulso e desejo presente de expressar o contedo emocional que incomoda, ou seja, a rejeio. [16: SCHAPIRA, D. Las Improvisaciones Musicales Terapeuticas. In: SCHAPIRA, D. et al.. Musicoterapia, Abordaje Plurimodal. Argentina, ADIM Ediciones, 2007.] [17: SCHAPIRA, D. El Abordaje Plurimodal en Musicoterapia: Fundamentos Tericos. In: SCHAPIRA, D. et al.. Musicoterapia, Abordaje Plurimodal. Argentina, ADIM Ediciones, 2007]

No trecho Eu vou ter que a... que qualquer coisa no mundo, as reticncias indicam que o udio est incompreensvel, mas a melodia no. Portanto, o sentido meldico no se perdeu, pois estava dentro da tonalidade. Tal fato encontra fundamento em Karina Ferrari quando afirma que na linguagem verbal nem todas as combinaes de possveis fonemas so incorporadas fala, nem adquirem um significado; na msica, ao contrrio, todas as combinaes sonoras so a priori possveis e podem alcanar um significado[footnoteRef:18]. A tonalidade de L maior presente na partitura foi a tonalidade mais prxima tonalidade da voz de Marina. Digo prxima, pois sua voz oscilava na afinao e no estava dentro do campo tonal do violo que foi tocado com notas soltas. O andamento oscilou entre andante e moderato[footnoteRef:19]. [18: FERRARI, K. D. Genesis de las Funciones Musicales. In: SCHAPIRA, D. et al.. Musicoterapia, Abordaje Plurimodal. Argentina, ADIM Ediciones, 2007, p. 84.] [19: Andante e Moderato so duas variaes do andamento moderado na msica (Disponvel em < http://www.culturaemusica.mus.br/conteudo.php?conteudo=teoria_musical >. Acesso em 24 de maro de 2013).]

3. Terceiro momento: Em um determinado momento da improvisao anterior, Marina improvisou o seguinte:

Figura 2: trecho da cano improvisada. Em seguida, eu improvisei o seguinte:

Figura 3: interveno do musicoterapeuta

Leitura e anlise musicoterpicas: Na figura 3, se encontra minha interveno (mas eu consigo sair dessa) em resposta expresso negativa de Marina (eu no consigo sair dessa). Essa interveno entra no clima emocional de sua improvisao, na mesma intensidade, tonalidade e estrutura rtmica, e procura modificar o que um desabafo intenso em uma expresso de fora e coragem para mudar uma situao. Aps essa iniciativa, Marina mudou de foco e foi at os instrumentos de percusso e tocou juntamente com outras canes e msicas presentes gravadas no teclado e no laptop. Houve uma mudana de atmosfera de clima emocional. Nas frases em que eu citei o nome Deus, eu somei a esta interveno o aspecto religioso j mencionado por Marina em outros momentos. Aps minha interveno, Marina pediu para que fossem colocadas msicas gravadas no teclado e ela foi acompanhando com instrumentos de percusso. Ela acompanhou utilizando ritmos que se aproximavam das caractersticas e do andamento do ritmo das msicas. Em um dado momento, ela pediu para tocar sem msica e sozinha, pois sentiu dificuldade de se expressar com esse acompanhamento. Eu disse a ela que fizesse da mesma forma quando toca o teclado, deixando o som sair naturalmente. Depois de tocar um pouco, afirmou: no t bom. Eu perguntei: O que que no t bom? Ela afirmou que no estava fazendo certo, porque toda hora ela ficava errando. Eu perguntei qual o jeito certo. Ela disse: Muitos, muitos colegas sabem o que o certo. Depois de um tempo, depois que ela tocou um pouco, me perguntou se estava bom. Eu respondi: No o que seus colegas acham que o certo, mas o que a Marina acha que certo pra ela. Ela respondeu: Eu sei e eles sabem o que certo pra eles. Eu reforcei: Voc voc, eles so eles.Leitura e anlise dos segundo e terceiro momento a partir dos seis perfis dos IAPs: os trechos acima citados que contm a improvisao de Marina[footnoteRef:20] esto associados com os respectivos graus dos perfis dos IAPs: [20: Minha interveno no foi analisada a partir dos seis perfis dos IAPs. ]

1. Salincia: segundo Schapira[footnoteRef:21], este perfil pode ser utilizado para anlise tanto das relaes intramusicais na improvisao individual, como das relaes intermusicais entre os indivduos, pois se associa s formas de poder, proeminncia e controle. Em ordem crescente, seus graus so os seguintes: submisso, concordante, contribuinte, controlador, opressivo. Nos trechos citados, eu percebi que o grau foi o controlador, pois Marina improvisou sozinha a partir de ritmos, andamento e tonalidade especficos. [21: SCHAPIRA, D. Las Improvisaciones Musicales Terapeuticas. In: SCHAPIRA, D. et al.. Musicoterapia, Abordaje Plurimodal. Argentina, ADIM Ediciones, 2007.]

2. Tenso: segundo o autor, os graus dentro deste perfil descrevem a extenso em que cada elemento musical acumula, sustenta, modula ou libera tenso, gerada atravs de cada elemento musical[footnoteRef:22]. Seus graus so hipotenso, calmo, cclico, tenso e hipertenso. Ao analisar a produo de Marina, percebi que esta produo se enquadra no grau cclico e prximo ao tenso. Um exemplo disso a frase presente no incio do segundo momento mas eu vou ter que te falar e as frases eu no consigo sair dessa. Mas eu no consigo sair dessa, presentes no terceiro momento. Todas foram cantadas duas vezes. Sua msica interna estava repetitiva diante da necessidade de se expressar. [22: SCHAPIRA, D. Las Improvisaciones Musicales Terapeuticas. In: SCHAPIRA, D. et al.. Musicoterapia, Abordaje Plurimodal. Argentina, ADIM Ediciones, 2007, p. 131.]

3. Autonomia: segundo o autor, a autonomia uma descrio composta das relaes de papel que o usurio estabelece ao improvisar com o musicoterapeuta, com um companheiro ou com um grupo[footnoteRef:23]. Seus graus so dependente, subordinado, companheiro, lder e independente. Percebi nos trechos acima a presena do grau independente, pois Marina se expressou do incio ao fim sem minha ajuda. [23: SCHAPIRA, D. Las Improvisaciones Musicales Terapeuticas. In: SCHAPIRA, D. et al.. Musicoterapia, Abordaje Plurimodal. Argentina, ADIM Ediciones, 2007, p. 131.]

4. Integrao: segundo o autor, esse perfil analisa a organizao dos aspectos musicais simultneos, descrevendo a medida em que os componentes de cada elemento musical so similares, separados e independentes uns dos outros[footnoteRef:24]. Seus graus so indiferenciados, fundidos, integrados, diferenciados, sobrediferenciados. Os grau presentes nos trechos citados foi integrado, pois os elementos musicais melodia e ritmo estavam em organizados em uma estrutura musical. O elemento harmonia presente no violo, por sua vez, estava diferenciado da melodia, pois no estava na mesma tonalidade, mas estava integrado ao ritmo da voz e ao ritmo da mo direita que tocava as notas soltas do violo. [24: SCHAPIRA, D. Las Improvisaciones Musicales Terapeuticas. In: SCHAPIRA, D. et al.. Musicoterapia, Abordaje Plurimodal. Argentina, ADIM Ediciones, 2007, p. 131.]

5. Variabilidade: segundo o autor, esse perfil analisa como esto organizados e relacionados os aspectos sequenciais da msica, descrevendo a medida de permanncia ou mudana de cada elemento musical[footnoteRef:25]. Seus graus so rgido, estvel, varivel, contrastante, aleatrio. Eu classifiquei esse perfil nos trechos citados como estvel, pois no houve mudana na msica interna durante a improvisao. [25: SCHAPIRA, D. Las Improvisaciones Musicales Terapeuticas. In: SCHAPIRA, D. et al.. Musicoterapia, Abordaje Plurimodal. Argentina, ADIM Ediciones, 2007, p. 131-2.]

6. Congruncia: segundo o autor, o perfil de congruncia faz referncia a estados emocionais como o perfil de tenso, no entanto, difere ao considerar a tenso simultnea entre vrios elementos musicais mais que os nveis de tenso de um elemento isolado[footnoteRef:26]. Seus graus so comprometido, congruente, centrado, incongruente, polarizado. Nos trechos citados, a melodia da improvisao de Marina se encontra centrada ao longo da produo em torno de uma tonalidade. [26: SCHAPIRA, D. Las Improvisaciones Musicales Terapeuticas. In: SCHAPIRA, D. et al.. Musicoterapia, Abordaje Plurimodal. Argentina, ADIM Ediciones, 2007, p. 132.]

Encontro 2

Nesse encontro, Marina expressou outro clima emocional. Sua msica interna havia se alterado. Schapira (2007) afirma que a forma do usurio estar na msica coincide com a forma dele estar em sua vida. Aps a audio da cano At que prove o contrrio, da cantora Paula Fernandes, ela realizou a seguinte improvisao musical em uma tonalidade mais alta e o desenho meldico construdo foi mais diversificado:

Leitura e anlise musicoterpicas: A audio da cano citada influenciou o contedo da letra e da melodia da improvisao. A seguir est a classificao dos graus da improvisao de Marina comparados com os graus da improvisao anterior: 1. Salincia: Na anlise desta produo musical de Marina, percebi que ela escolheu o tema da improvisao, a escala e ritmo a serem utilizados. Portanto, o grau controlador, semelhante ao da improvisao anterior. Ela tambm tocou violo e cantou sem minha participao. 2. Tenso: Eu considero que sua improvisao, no incio, se encaixa no grau calmo, pois o movimento de sua melodia e letra se desenvolve com as mesmas figuras rtmicas at o fim. No final, eu percebi que o grau de tenso modificou-se para hipotenso. Na improvisao anterior, o grau era cclico e tenso. 3. Autonomia: Percebi em sua produo que o grau desse perfil independente. No precisou de acompanhamentos quaisquer durante a execuo, semelhante improvisao anterior. 4. Integrao: Considerei os graus dessa improvisao integrados e diferenciados, semelhante a anterior. A melodia, o ritmo esto bem integrados letra, porm a harmonia tocada nas cordas soltas um elemento diferenciado. 5. Variabilidade: Considero que, quanto ao ritmo, o grau desse perfil seja estvel, semelhante a anterior. As figuras rtmicas so sempre as mesmas dentro da melodia. Ocorrem sempre as mesmas sncopes. Quanto a melodia, o grau varivel, pois a partir do trecho eu gosto demais do meu Pai, algumas notas da escala so modificadas em sua altura, gerando praticamente outro campo tonal. 6. Congruncia: Os elementos da msica so congruentes uns com os outros, menos a harmonia tocada no violo, que no segue a escala parte do tempo.

Resultados e Concluso

Os dados acima demonstram claramente que um ser humano em um contexto especfico pode adoecer emocionalmente devido s relaes que estabelece com esse contexto. Isso encontra reflexo em um pilar terico da Musicoterapia Plurimodal: o ser humano uma unidade biopsicosocioespiritual. Schapira, a partir desse suporte terico, reflete que a sade est vinculada com a qualidade de vida, e esta compreende as dimenses fsica, psquica, espiritual e social do ser humano[footnoteRef:27]. As leituras e anlises musicoterpicas revelam que Marina reagiu situao sofrida. Sua expresso da realidade e capacidade de entendimento possibilitaram que, ao comunicar musicalmente seus contedos internos, encontrasse alternativas de ao que tambm foram expressas musicalmente. Em outros momentos, Marina se dirigiu a alguns colegas para ajud-los, fez mais amizades e passou a brincar mais no ptio de forma mais entrosada. [27: SCHAPIRA, D. El Abordaje Plurimodal en Musicoterapia: Fundamentos Tericos. In: SCHAPIRA, D. et al.. Musicoterapia, Abordaje Plurimodal. Argentina, ADIM Ediciones, 2007, p. 33.]

As leituras musicoterpicas indicam que eu procurei escutar e compreender o contedo dos dados e intervir a partir de sua musicalidade teraputica. A musicalidade teraputica um postulado terico da abordagem plurimodal que se caracteriza como uma capacidade inerente ao musicoterapeuta independente do contexto de atuao desse profissional, seja clnico ou preventivo[footnoteRef:28]. Clive Robbins o define como a capacidade intuitiva desse profissional em intervir com criatividade a partir de seu desenvolvimento musical. Eu procurei usar suas habilidades musicais para mobilizar melhor as expresses de Marina, principalmente aquelas que mais indicavam seus modos expressivos-receptivos e intervi para auxiliar sua mudana de atitude diante dos sofrimentos que enfrentava. [28: SCHAPIRA, D. El Abordaje Plurimodal en Musicoterapia: Fundamentos Tericos. In: SCHAPIRA, D. et al.. Musicoterapia, Abordaje Plurimodal. Argentina, ADIM Ediciones, 2007.]

Marina, a partir do vnculo de confiana que estabeleceu comigo, apresentou mudanas em sua improvisao vocal do Encontro 2 em relao s improvisaes vocais do Encontro 1. No Encontro 2, ela utilizou figuras rtmicas, que eu descrevi como fusas e uma tonalidade mais alta que se alterou na metade da improvisao. Isso significa que sua expresso foi ampliada. Nos trechos citados do Encontro 1, suas melodias apresentam um aspecto sombrio e triste, bem como apresentam frases descendentes e repetitivas: Mas eu t muito triste por isso (Figura 1). Na improvisao do Encontro 2, a melodia das frases Deus meu Pai, Deus minha f, Deus que criou em mim apresentam uma melodia que caminha em graus ascendentes, caracterizando um clima emocional de louvor, alegria e exaltao. Os dados acima indicam que a improvisao musical teraputica, quando utilizada em um contexto escolar por um musicoterapeuta qualificado, podem intervir em prol do bem estar do aluno nesse contexto, pois permite a ele se expressar dentro de um espao de confiana e acolhida construdo por meio do vnculo que ele estabelece com o musicoterapeuta. Esse vnculo, quando estendido para os demais colegas do aluno e seus professores, pode ainda mais favorecer seu bem estar e influenciar positivamente o ambiente escolar.