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50 Número 86 • Abril 2005 MÉDICO MÉDICO MÉDICO MÉDICO MÉDICO DE FAMÍLIA p rofissão Entrevista ao pedopsiquiatra Fernando Santos, do CADIn Mutismo selectivo: um silêncio perturbante O mutismo selectivo é uma doença psiquiátrica que atinge as crianças em idade pré-escolar e escolar, podendo comprometer a sua aprendizagem e interacção com o grupo. De acordo com o pedopsiquiatra Fernando Santos, do Centro de Apoio ao Desenvolvimento Infantil (CADIn), trata-se de uma situação transitória, mas que pode deixar sequelas para a vida adulta se não houver uma intervenção atempada. Esta patologia pode ainda constituir a primeira manifestação de fobia social e está associada à continuidade de problemas da linha ansiosa “Pobre menino, o gato comeu-te a língua?...” Esta será, provavelmente, a provocação mais comum dirigida a crianças tímidas, que se recusam a falar na presença de estranhos ou de pessoas com quem não se sentem à von- tade. Mas esta pergunta, aparentemente ino- fensiva, pode constituir uma fonte de humi- lhação e potenciar sentimentos de frustra- ção quando é endereçada a uma criança que sofre de mutismo selectivo. O mutismo selectivo é uma doença psiquiá- trica complexa e afecta, sobretudo, crianças na fase pré-escolar e escolar. Sentimentos como a ansiedade, medo, timidez ou emba- raço podem bloquear o indivíduo, incapaci- tando-o de falar e comunicar com os outros, em ambientes que lhe são hostis . A patologia foi descrita, pela primeira vez, pelo médico alemão Kussmaul, em 1877, que a de- signou por afasia voluntária . Mais tarde, em 1934, um médico inglês – Tramet – estudou alguns casos e forjou o ter mo mutismo electivo. A incapacidade para falar em ambientes se- leccionados não é, no entanto, um compor- tamento voluntário nem uma birra da crian- ça. Pelo contrário, a maioria das pessoas atin- gidas por mutismo selectivo expressam um desejo intenso de se sentirem aptas a falar em qualquer contexto, mas algo que escapa ao seu controlo funciona como um travão, impedindo o fluir das palavras. Em 1994, o Manual de Diagnóstico e Estatística das Per- turbações Mentais (DSM IV), da Associação Americana de Psiquiatria, oficializou o ter- mo mutismo selectivo para frisar o carácter involuntário desta manifestação. Muitas v ezes, o mutismo selectivo só é diag- nosticado quando a criança entra para a es- cola, altura em que a ausência de interacção com o grupo e participação nas actividades começa a ser notória e prejudicial. Nestas situações, a criança já tem, normalmente, pelo menos dois anos de evolução da doença e o padrão de comportamento torna-se, por isso, mais difícil de alterar. O jornal Médico de Família entrevistou Fernando Santos, pedopsiquiatra no Hospital Fernando Fonseca (Amadora-Sintra) e no Centro de Apoio ao Desenvolvimento Infantil (CADIn), para saber mais sobre esta perturbação ansio- sa, como se manifesta e de que forma compro- mete o indivíduo afectado. Jornal Médico de Família - O que é e xac- tamente o mutismo selectivo? Fernando Santos - O mutismo selectivo já está descrito há bastante tempo, é mais frequente nas crianças e caracteriza-se pela incapacidade de falar em situações em que isso seria esperado. Ou seja, em determina- dos contextos a criança fala normalmente, tendo ou não dificuldades na articulação, mas, em locais específicos – frequentemente na escola – ela não consegue falar ou recusa-se. E aqui podem existir vários padrões: a crian- ça pode não conseguir falar com toda a gen- te ou especificamente só com os adultos; pode, por exemplo, eleger uma criança com quem fala e não falar com mais ninguém, ou adoptar um padrão de comunicação invulgar, nomeadamente falar muito baixinho, como se estivesse a contar um segredo. Afecta as crianças em que idades? A maior incidência ocorre em crianças na idade pré-escolar e escolar, quando são confrontadas com situações externas, em que se sentem à prova. Por características do seu temperamento, pode despoletar-se o quadro de mutismo. É uma doença que se pode prolongar ao longo da vida adulta? É uma patologia tecnicamente transitória, mas se não houver uma intervenção poderá per- petuar-se e trazer consequências, quer a nível da interacção social quer a nível da aprendi- zagem. Por exemplo, a situação de uma criança que não fala nos primeiros anos da escola acaba por ser prejudicial quer para a sua aprendizagem quer para o envolvimento com o grupo. As consequências e caracterís- ticas que estão na base deste quadro são, muito provavelmente, transportadas para a adoles- cência e vida adulta, podendo exacerbar-se. Se pensarmos que esta manifestação se inse- re num quadro clínico específico, e que estas características vão continuar lá, a interven- ção não tem necessariamente que cessar quan- do a criança começa a falar. Como se diagnostica? O mutismo selectivo está previsto no DSM IV e aparece associado a outras perturbações da criança e do adolescente eventualmente relacionadas com queixas de ansiedade ou fobia social. Tem que durar há mais de um mês, porque uma criança que se depara com uma situação nova pode manifestar receios e não falar, e isso não quer dizer que tenha este diagnóstico. É preciso excluir os casos de crianças que venham de outros países, falem outra língua e sejam integradas numa escola nova, porque é normal e aceitável que inicialmente tenham dificuldade, receio e ver- gonha de falar a nova língua. Trata-se de uma situação de adaptação. É também necessário excluir quadros de psicose, perturbação da ar- ticulação e do desenvolvimento con- comitantes, que por si só limitam a capacidade de falar e estabelecer interacção, e esquizofrenia. Temos ainda que verificar se não existe sur- dez – que é algo tão básico e, às vezes, nem se pensa nisso –, sequelas de epilepsia e afasias, que são perturbações específicas da linguagem que vão limitar a criança. Isto não invalida que, por exemplo, uma criança que tenha perturbação da articulação verbal não possa, num contexto específico, apresentar características de mutismo. Falou da ansiedade e fobia social. Estas são as características mais marcantes da criança com mutismo selectivo? Essa questão remete-nos para as várias for-

Mutism o

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Mutismo um silêncio perturbante

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50 Número 86 • Abril 2005

MÉDICOMÉDICOMÉDICOMÉDICOMÉDICO DE FAMÍLIAprofissão

Entrevista ao pedopsiquiatra Fernando Santos, do CADIn

Mutismo selectivo:um silêncio perturbante

O mutismo selectivo é umadoença psiquiátrica que

atinge as crianças emidade pré-escolar e escolar,

podendo comprometer asua aprendizagem e

interacção com o grupo. Deacordo com o

pedopsiquiatra FernandoSantos, do Centro de Apoioao Desenvolvimento Infantil

(CADIn), trata-se de umasituação transitória, mas

que pode deixar sequelaspara a vida adulta se não

houver uma intervençãoatempada. Esta patologia

pode ainda constituira primeira manifestação

de fobia sociale está associada à

continuidade de problemasda linha ansiosa

“Pobre menino, o gato comeu-te a língua?...”Esta será, provavelmente, a provocação maiscomum dirigida a crianças tímidas, que serecusam a falar na presença de estranhos oude pessoas com quem não se sentem à von-tade. Mas esta pergunta, aparentemente ino-fensiva, pode constituir uma fonte de humi-lhação e potenciar sentimentos de frustra-ção quando é endereçada a uma criança quesofre de mutismo selectivo.O mutismo selectivo é uma doença psiquiá-trica complexa e afecta, sobretudo, criançasna fase pré-escolar e escolar. Sentimentoscomo a ansiedade, medo, timidez ou emba-raço podem bloquear o indivíduo, incapaci-tando-o de falar e comunicar com os outros,em ambientes que lhe são hostis.A patologia foi descrita, pela primeira vez, pelomédico alemão Kussmaul, em 1877, que a de-signou por afasia voluntária. Mais tarde, em 1934,um médico inglês – Tramet – estudou algunscasos e forjou o termo mutismo electivo.A incapacidade para falar em ambientes se-leccionados não é, no entanto, um compor-

tamento voluntário nem uma birra da crian-ça. Pelo contrário, a maioria das pessoas atin-gidas por mutismo selectivo expressam umdesejo intenso de se sentirem aptas a falarem qualquer contexto, mas algo que escapaao seu controlo funciona como um travão,impedindo o f luir das palavras. Em 1994, oManual de Diagnóstico e Estatística das Per-turbações Mentais (DSM IV), da AssociaçãoAmericana de Psiquiatria, oficializou o ter-mo mutismo selectivo para frisar o carácterinvoluntário desta manifestação.Muitas vezes, o mutismo selectivo só é diag-nosticado quando a criança entra para a es-cola, altura em que a ausência de interacçãocom o grupo e participação nas actividadescomeça a ser notória e prejudicial. Nestassituações, a criança já tem, normalmente, pelomenos dois anos de evolução da doença e opadrão de comportamento torna-se, por isso,mais difícil de alterar.O jornal Médico de Família entrevistou FernandoSantos, pedopsiquiatra no Hospital FernandoFonseca (Amadora-Sintra) e no Centro de

Apoio ao Desenvolvimento Infantil (CADIn),para saber mais sobre esta perturbação ansio-sa, como se manifesta e de que forma compro-mete o indivíduo afectado.

Jornal Médico de Família - O que é exac-tamente o mutismo selectivo?Fernando Santos - O mutismo selectivojá está descrito há bastante tempo, é maisfrequente nas crianças e caracteriza-se pelaincapacidade de falar em situações em queisso seria esperado. Ou seja, em determina-dos contextos a criança fala normalmente ,tendo ou não dificuldades na articulação, mas,em locais específicos – frequentemente naescola – ela não consegue falar ou recusa-se .E aqui podem existir vários padrões: a crian-ça pode não conseguir falar com toda a gen-te ou especificamente só com os adultos;pode, por exemplo, eleger uma criança comquem fala e não falar com mais ninguém, ouadoptar um padrão de comunicação invulgar ,nomeadamente falar muito baixinho, comose estivesse a contar um segredo.

Afecta as crianças em que idades?A maior incidência ocorre em crianças naidade pré-escolar e escolar, quando sãoconfrontadas com situações externas, emque se sentem à prova. Por característicasdo seu temperamento, pode despoletar-seo quadro de mutismo.

É uma doença que se pode prolongar aolongo da vida adulta?É uma patologia tecnicamente transitória, masse não houver uma intervenção poderá per-petuar-se e trazer consequências, quer a nívelda interacção social quer a nível da aprendi-zagem. Por exemplo, a situação de umacriança que não fala nos primeiros anos daescola acaba por ser prejudicial quer para asua aprendizagem quer para o envolvimentocom o grupo. As consequências e caracterís-ticas que estão na base deste quadro são, muitoprovavelmente, transportadas para a adoles-cência e vida adulta, podendo exacerbar-se.Se pensarmos que esta manifestação se inse-re num quadro clínico específico, e que estascaracterísticas vão continuar lá, a interven-ção não tem necessariamente que cessar quan-do a criança começa a falar.

Como se diagnostica?O mutismo selectivo está previsto no DSMIV e aparece associado a outras per turbaçõesda criança e do adolescente eventualmenterelacionadas com queixas de ansiedade oufobia social. Tem que durar há mais de ummês, porque uma criança que se depara comuma situação nova pode manifestar receiose não falar, e isso não quer dizer que tenhaeste diagnóstico. É preciso excluir os casosde crianças que venham de outros países,falem outra língua e sejam integradas numaescola nova, porque é normal e aceitável queinicialmente tenham dificuldade, receio e ver-gonha de falar a nova língua. Trata-se de umasituação de adaptação. É também necessárioexcluir quadros de psicose, perturbação da ar-ticulação e do desenvolvimento con-comitantes, que por si só limitam a capacidadede falar e estabelecer interacção, e esquizofrenia.Temos ainda que verif icar se não existe sur-dez – que é algo tão básico e, às vezes, nemse pensa nisso –, sequelas de epilepsia eafasias, que são perturbações específicas dalinguagem que vão limitar a criança. Isto nãoinvalida que, por exemplo, uma criança quetenha perturbação da articulação verbal nãopossa, num contexto específico, apresentarcaracterísticas de mutismo.

Falou da ansiedade e fobia social . Estassão as características mais marcantes dacriança com mutismo selectivo?Essa questão remete-nos para as várias for-

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mas de abordagem e visão deste problema.Conforme as diferentes escolas (psicanalíti-ca, biológica, comportamental) existem di-ferentes teorias sobre o que leva a este com-portamento. Por exemplo, para os defenso-res da linha mais dinâmica, a psicanalítica,poderá haver uma alteração intrapsíquica, quepode relacionar-se com trauma emocional,com abuso. Para a perspectiva mais biológi-ca, a que reúne actualmente maior consenso,existem algumas características da criança quefavorecem esta situação, mas habitualmentehá um padrão familiar, podendo existir com-portamentos similares ou manifestações deansiedade e da linha obsessivo-compulsiva.Algumas escolas falam das questões domutismo como a primeira manifestação defobia social. De qualquer das formas, pode-mos assumir que existe um contínuo entre amanifestação do mutismo e a continuidadeda existência de queixas da linha ansiosa, aolongo da vida do indivíduo afectado.

As causas da doença poderão estartambém relacionadas com anomaliasfisiológicas no cérebro?Isso ainda não está bem definido. Existemautores que assumem uma posição mais oumenos concertada e, em vez de pensarem nomutismo como uma síndrome, ousam tratá--lo como um sintoma global, que se podeenquadrar em quadros clínicos diferentes. Eaí já é possível aceitar diferentes perspectivas,tendo o cuidado de não sermos reducionistas...Uma hipótese que se põe e que aponta maispara esta linha biológica é que, em alguns ca-sos, é necessário uma abordagem farma-cológica, que tem resultados positivos. Nessaperspectiva, podemos pensar que existe umfactor interno que desencadeia esta situação.

Já se registaram casos de famíliasinjustamente acusadas de maltratar osfilhos, porque se associava o mutismo asituações de abuso. No passado,acreditava-se ainda que as crianças commutismo guardavam um segredo terrívele inconfessável ou que eram oriundas defamílias disfuncionais. Algum destesfactores está associado ao aparecimentoda doença ou são apenas mitos?Não são necessariamente mitos. A criançaque é abusada poderá ter, em relação a essasituação, um padrão específico em que nãofala da situação, porque tem medo dasconsequências, mas não precisa necessaria-mente – e estas são as perspectivas actuais –de apresentar aquele padrão em que fala numsítio mas não noutro. Daí, termos que ga-rantir que a criança fala em ambientes selec-cionados. Por exemplo, é aceitável, para nósna clínica e no consultório, que uma criançade cinco ou seis anos possa não falar inicial-mente connosco. Não posso inferir daí quea criança tenha alguma dificuldade a este ní-vel. Mas quando nos deparamos com umpossível caso de mutismo é obrigatório quese pergunte à família se a criança não falaapenas em ambientes específicos ou se issotambém acontece em casa. Se a família nosdiz que a criança fala em casa, para garantir-mos essa informação podemos pedir paraque gravem ou filmem a criança a falar. Issovai ajudar-nos a confirmar que o padrão des-crito corresponde à realidade. Portanto, em

relação à questão do abuso é preciso ter al-gum cuidado e não sermos nem reducio-nistas, nem generalizarmos, achando que to-das as crianças com quadro clínico demutismo foram vítimas de abuso. A perspec-tiva do nome da doença também nos podeajudar a este nível, porque até determinadaaltura chamava-se mutismo electivo. A mu-dança de nome ajuda a realçar o carácterinvoluntário da situação (não é necessaria-mente uma birra, é uma dificuldade real), e aassociação da doença ao contexto social.

Esta patologia está associada a outrosfactores de vulnerabilidade, por exem-plo, a ambientes bilingues. Já teve aoportunidade de observar esta associa-ção na sua prática clínica?Posso falar de um caso próximo, em que umacriança mudou de país e foi integrada numaescola onde se falava outra língua. Nesse es-tabelecimento, havia um esquema deintegração de crianças imigrantes, em que asaulas decorriam normalmente durante a ma-nhã e, à tarde, essas crianças tinham uma

professora em regime de exclusividade, paralhes dar apoio. Com essa professora, a crian-ça falava, em casa também, mas na sala deaula não. Aqui coloca-se a questão da crian-ça se sentir insegura, de temer cometer errose ser julgada pelas outras. Nestes casos queenvolvem imigrantes, associa-se ao mutismoeste factor relacional directo – a criança temque se integrar noutra realidade e frequente-mente noutro idioma.

Quais são os principaisimpactos psicológicos destapatologia na vida da criança?Ainda que indirectamente, esta patologiapode levar ao isolamento. Mas pode, depois,como todos os quadros infantis em que hádificuldades de integração, levar à diminui-ção da auto-estima, alteração de humor e, alongo prazo, diminuir francamente o desejoe a vontade da criança estar na escola, con-duzindo a insucesso e abandono escolar.

Registam-se situações de discriminação

por parte dos professores?Não necessariamente discriminação, masdiminuição da empatia. Por isso, em todasas intervenções é preciso envolver a esco-la. O professor pode tomar essa dificulda-de da criança como um conflito directocom ele, como se ela se estivesse a opor aoque está a ser ensinado e até a pôr em che-que e desafiar a sua capacidade de ensinar.Isso pode criar algum conflito, eventual-mente até com a família.

Estas crianças manifestam algumsintoma físico antes de se exporem asituações de stress? Por exemplo, antesde irem para a escola?No início da integração na escola, poderáhaver uma certa recusa, dificuldades em se-parar-se dos pais. É o caso da criança quechora, grita, que quer fugir da escola. As-sociadas depois a estes comportamentospodem surgir as queixas somáticas, comoas dores de barriga ou de cabeça e a inqui-etação que pode levar a perturbações dosono e alguma irritabilidade.

Uma vez que se trata de indivíduosque só interagem em ambientesmuito seleccionados, que meios utilizaum pedopsiquiatra para comunicarcom a criança?Não é fácil. Para já, tenho de lhe mostrarque acredito que ela é capaz de falar. Numafase inicial, posso utilizar outras formas deinteragir com a criança, quer seja por ges-tos, mímica, quer seja através do desenho,ou, por exemplo, falar-lhe ao ouvido. Edevemos dar-lhe a escolha de falar ou não,dizendo-lhe que ela tem tempo, que podefalar naquele dia ou depois. O que nãopodemos é partir do princípio que ela nãofala nem consegue falar. A relação tem quese ir construindo para que a criança come-ce a confiar em mim.

Qual a duração de um processode reabilitação da fala, numa criançacom mutismo?Varia de caso para caso. Pode haver quase umaespécie de click e a criança começar de repente

a falar, mas está descrito que pode durar cercade cinco anos, nos casos mais dramáticos.

Tendo em conta a escassez depedopsiquiatras, a nível nacional, énatural que algumas manifestações doforo psiquiátrico, em crianças, sejamabordadas pelos médicos de família.O que podem fazer estes profissionaiscaso se deparassem com um caso demutismo selec tivo?São situações muito específicas e raras. Masquando estamos perante uma criança que nãofala, em idade escolar ou a iniciar o seu per-curso escolar, é preciso perguntar aos pais sea criança repete o comportamento em casa,porque podemos estar perante outra situa-ção que pode enviesar este diagnóstico. Setivermos à nossa frente uma família com di-ficuldades a nível da comunicação, poderá serinteriorizado pelos seus membros que é nor-mal não falar fora de casa. É muito impor-tante validar com a família se isso aconteceou não com a criança. É importante, ainda,uma vez que o médico tem que tentar esta-belecer uma relação terapêutica com a crian-ça e com os pais, não sermos reducionistas enão sugerirmos directamente a questão doabuso, pois isso vai quebrar a confiança eprovocar um afastamento. A família, aindaque alertada para a situação, pode achar quepor causa do tal padrão familiar, o não falarfora de casa é normal. Mas há um limite aoqual o médico deve estar atento. Se no fimdo jardim-escola, ao iniciar-se a escola pri-mária, a criança continua com esse padrão, éessencial ajudar a família a perceber que énecessário uma intervenção específica.

Que alternativas terapêuticasfarmacológicas e nãofarmacológicas existem paratratar o mutismo selectivo?A nível farmacológico, utilizam-se osinibidores da recaptação de serotonina. Afluoxetina é a substância mais utilizada, masnão constitui, obviamente, a primeira abor-dagem. Existem outras perspectivas que de-vem ser feitas ao nível psicoeducativo. Asterapêuticas não farmacológicas têm por basea psicoeducação, uma intervenção desenvol-vida não só com a criança mas também coma família e com a escola. É possível ajudar afamília a perceber que, apesar da situação serpreocupante para si, existem dados que nosfazem pensar que é possível modificar a pa-tologia. Temos que encorajar uma perspec-tiva positiva, realçar aspectos positivos. Porexemplo, destacar um determinado momen-to em que a criança falou. Os técnicos de-vem ajudar os pais a perceber que há coisasque não devem fazer, como, por exemplo,castigar a criança porque não falou, criarmetas manifestamente difíceis para ela atin-gir ou pô-la à prova. Mais tecnicamente, exis-tem as abordagens comportamentais epsicoterapêuticas, que ajudam a criança aperceber o que se passa e lhe demonstramque existem estratégias para começar a falare para lidar com as dificuldades e manifesta-ções de ansiedade de que sofre. Isto podeincluir, muitas vezes, uma intervenção dapsicologia e da terapia da fala, quando exis-tem problemas a nível da articulação verbal.

Isa Alves

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