Upload
elis-vasconcelos
View
38
Download
3
Embed Size (px)
Citation preview
1
NAÇÃO, CULTURA E TRADIÇÃO Por Elis Candido de Vasconcelos
Bacharel em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
(Contato eletrônico: [email protected])
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho visa buscar um maior entendimento sobre nação, cultura e tradição,
dando enfoque a alguns conceitos elaborados durante a contemporaneidade, e tendo
como principal modelo a Primeira Grande Guerra. Não há pretensão em definir o
melhor conceito para os temas em questão. Após esta breve introdução se segue os
termos trabalhados por alguns autores selecionados.
2. NAÇÃO
De acordo com o conceito de nação tido por Ernest Renan, uma nação só seria
possível se houvesse, além de muito em comum entre seus indivíduos, o esquecimento
de tudo aquilo que ressalta a diferença. Assim, segundo ele: "O esquecimento, diria até
o erro histórico, é um fator essencial na criação de uma nação [...]. A essência de uma
nação é que todos os indivíduos tenham muito em comum e também que todos tenham
esquecido muitas coisas”. (RENAN, 1997: 19-20).
Contudo, uma nação não resulta somente de pontos em comum entre seus
cidadãos ou de erros históricos. Conclui-se que “a nação moderna é, portanto, um
resultado histórico produzido por uma série de fatos que convergem para um mesmo
ponto." (RENAN, 1997: 20).
Para que exista uma nação moderna parte da vontade do homem – independente
da raça, língua, afinidade religiosa, geografia, e necessidades militares – se manter em
unidade com algo que se identifique. Pois “o homem é um ser dotado de razão e moral.
Antes da cultura francesa, da cultura alemã, da cultura italiana, há uma cultura
humana”. (RENAN, 1997: 33).
“Hoje em dia [...], não existem mais massas crendo de modo uniforme [...]. Há,
na nacionalidade, um lado de sentimento; ela é, a um só tempo, alma e corpo”.
(RENAN, 1997: 36).
Segundo Ernest Renan não é a terra que faz uma nação, pois para ele uma nação
é um princípio espiritual; é o resultado de um longo passado de esforços, de sacrifícios e
de devoções. A pátria existe quando os homens sentem no coração que são um mesmo
povo, quando têm uma comunhão de ideias, de interesses, afetos, lembranças e
esperanças.
“Ter glórias comuns no passado, uma vontade comum no presente; ter feito
grandes coisas juntos, querer continuar a fazê-las, eis as condições essenciais para ser
um povo”. (RENAN, 1997: 39).
Sabendo que a nação parte da vontade de pertencimento individual, se
compreende que apesar das diversidades o sofrimento em comum une mais que a
2
alegria, pois em termos de recordações nacionais, os lutos valem mais do que os
triunfos, já que impõem deveres e comandam o esforço em comum.
No caso da Primeira Grande Guerra, um dos principais motivos que a
provocaram foi a questão dos nacionalismos que também esteve presente na Europa pré-
guerra. Percebe-se neste momento, conforme Renan explicita: “que a nação é pois uma
grande solidariedade, constituída pelo sentimento dos sacrifícios que fizemos e que
ainda estamos dispostos a fazer”. (RENAN, 1997: 40).
“A existência de uma nação é [...] um plebiscito cotidiano, como a existência do
indivíduo é uma perpétua afirmação de vida”. (RENAN, 1997: 40). Por tanto as nações
não são algo eterno, mas diariamente reafirmados. Significando assim que o homem não
está preso a nação, mas “enquanto esta consciência moral [que se chama nação] provar
sua força através dos sacrifícios exigidos pela abdicação do indivíduo em prol de uma
comunidade, ela será legítima, e terá o direito de existir”. (RENAN, 1997: 43).
3. CULTURA
Segundo José Luiz dos Santos, “cultura diz respeito a tudo aquilo que caracteriza
a existência social de um povo ou nação, ou então de grupos no interior de uma
sociedade [...] Cultura refere-se a realidades sociais bem distintas”. (SANTOS, 2006:
24). A diversidade dos modos de vida dos povos e nações é fator essencial quando
pensamos em cultura.
A Alemanha foi referência para a formalização do conceito de cultura em
função da unidade política da qual era constituída. A partir disso, cultura podia ser vista
segundo Santos (2006: 32) como "expressão de uma nação que não tinha estado".
Nota-se que, historicamente, a discussão sobre cultura esteve ligada à questão da
nação nas unidades políticas que queriam definir o que lhes era próprio, específico, em
relação às nações que dominavam tanto política quanto economicamente. Assim, no
século XVIII, este fato ocorre com a Alemanha. Neste período a Inglaterra e a França
eram econômica, política e intelectualmente as nações mais poderosas da Europa.
[...] "Nestes casos todos a realidade de cada país foi pensada tendo por referência
a cultura dominante no Ocidente, entendendo-se aí cultura tanto no seu aspecto material
quanto de formas de conhecimento e concepções sobre a vida e a sociedade."
(SANTOS, 2006: 33).
A contribuição da cultura só passa a ser considerada para a formação da cultura
nacional quando fornece elementos particulares como nomes, comidas, roupas, lendas
etc. Assim também são tratadas as contribuições culturais de imigrantes de outras partes
do mundo e de momentos vivenciados historicamente; como é o caso da Primeira
Guerra Mundial, em que devido ao longo tempo de duração construiu uma cultura
própria da guerra.
“[...] o importante para pensarmos a nossa realidade cultural é entendermos o
processo histórico que a produz, as relações de poder e o confronto de interesses dentro
da sociedade." (SANTOS, 2006: 34).
3
"Cultura é uma construção histórica, seja como concepção, seja como dimensão
do processo social. Ou seja, a cultura não é algo natural, não é uma decorrência de leis
físicas ou biológicas. Ao contrário, a cultura é um produto coletivo da vida humana.
Isso se aplica não apenas à percepção da cultura, mas também à sua relevância, à
importância que passa a ter. Aplica-se ao conteúdo de cada cultura particular, produto
da história de cada sociedade. Cultura é um território bem atual das lutas sociais por um
destino melhor. É uma realidade e uma concepção que precisam ser apropriadas em
favor do progresso social e da liberdade, em favor da luta contra a exploração de uma
parte da sociedade por outra, em favor da superação da desigualdade." (SANTOS, 2006:
45).
4. TRADIÇÃO
Na obra "A Invenção das Tradições", organizada por Eric Hobsbawm em
parceria com Terence Ranger e outros colaboradores, é analisado com profundidade o
fenômeno conhecido por “tradição” e os processos pelo qual ele é criado ou, em grande
parte das situações, forjado.
Aquilo que muita vezes se apresenta como tradição identitária de uma região ou
grupo humano não passa, afinal, de uma “tradição inventada”. Em períodos bem
recentes e historicamente bem definidos, percebe-se uma crescente popularidade de
determinadas práticas por razões conjunturais, tornando-se gradualmente como uma
prática comum de raízes imemoriais ou, no mínimo, seculares.
Segundo a análise marxista de Hobsbawm, "Por tradição inventada entende-se
um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácita ou abertamente
aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e
normas de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente; uma
continuidade em relação ao passado. Aliás, sempre que possível, tenta-se estabelecer
continuidade com um passado histórico apropriado". (HOBSBAWM, 2002: 9)
Das "tradições inventadas" delimitam-se três categorias sobrepostas: a primeira
tenta demonstrar a coesão social de um determinado agrupamento social ou
comunidade; a segunda tem por finalidade legitimar instituições e/ou figuras públicas
dando-lhes status social e/ou econômico; e a terceira categoria diz respeito à
socialização, imposição de ideias, valores ou impor determinados comportamentos.
Para Hobsbawm a "invenção das tradições" está intimamente ligada ao
surgimento das nações e do nacionalismo. Segundo ele a língua oficial é a principal
construção, afirmando um valor nacional, do discurso do nacionalismo. Com isto, é
possível estabelecer uma relação com o momento da Primeira Grande Guerra, tendo em
vista a construção gradual de determinadas tradições “impostas” durante os anos de
1914 a 1918, tempo de duração da guerra, travado entre Inglaterra, França e Rússia
versus Itália, Alemanha e Império Austro-Húngaro.
Na obra de Arno Mayer, intitulada “A força da tradição”, constrói-se uma tese
original e bastante convincente que altera de modo decisivo o entendimento dos séculos
XIX e XX, não só na Europa, mas no mundo todo. Discorre-se sobre o Antigo Regime
como a forma de organização desde o final da Idade Média, levando a um pequeno
golpe na Revolução Industrial, mas com prolongamento pelo século XIX em diante,
4
lutando contra as forças modernizantes da sociedade, o que dá origem a Primeira
Grande Guerra.
Segundo Mayer a modernização surge a partir do conflito iniciado em 1914 e
terminado em 1945, uma guerra total. Para o autor, o capitalismo implementou-se
somente a partir da primeira metade do século XX, embora os impulsos econômicos do
século anterior tenham sido decisivos.
Além dos dados sobre as economias dos principais países, Mayer entra também
na Filosofia da época, analisa sistemas como o de Nietzsche, mapeia a importante
existência do irracionalismo e indica a força do conservadorismo, dos signos criados
pela tradição do Antigo Regime ou até anterior. Tudo isso para provar, das estatísticas à
cultura letrada, que a Europa pouco mudou entre os tempos modernos e o início dos
anos de 1900.
Com isso: “Cai o mito da revolução industrial homogênea, generalizada e
irreversível; cai o mito da eterna burguesia em ascensão, paladina do progresso
humano; cai o mito de uma Europa crescentemente capitalista, liberal e democrática,
após a tomada da Bastilha; cai o mito de vanguardas modernistas que presumivelmente
faziam e aconteciam”. (Francisco Foot Hardman)1
Na introdução o autor esclarece que, para se opor às correntes que enxergam na
História do século XIX o encaminhamento para o triunfo da burguesia, ele dirige o foco
para as forças de resistência que agem nesse período – e que, mesmo após a Primeira
Guerra, ainda tentarão se reerguer, por meio do fascismo e da Segunda Guerra.
Essas forças do Antigo Regime vão perdendo terreno para as forças do
capitalismo industrial, mas por estarem dispostas a retardar o curso da História,
mobilizam-se firmemente, não sendo apenas frágeis resquícios de um tempo quase
superado. Assim, segundo Mayer, os elementos pré-modernos são a essência das
sociedades civis e políticas da Europa até a “crise geral e a Guerra dos Trinta Anos do
século XX”.
Os pilares do antigo sistema eram a economia agrária, a sociedade rural
dominada por nobrezas hereditárias e privilegiadas, a monarquia absolutista com
diversos níveis de esclarecimento, o apoio de partidos da corte às coroas, “ministros,
generais e burocratas obedientes”, além da Igreja, que cuidava do nascimento, do
casamento e da morte.
A herança do feudalismo também estava presente nesse sistema. A unificação
territorial, sob o valor da soberania política, pôs fim ao feudalismo político e militar, na
medida em que a autoridade monárquica detinha o monopólio da força e controlava
exércitos permanentes e burocracias centralizadas, e captava e administrava os
impostos.
Mas, por outro lado, os antigos nobres puderam manter seu status social e
riqueza, na medida em que permaneciam proprietários de terras, que ainda eram a base
da economia, e que se assimilavam no aparelho do Estado, assumindo importantes
1 Sinopse Completa do Livro “A força da tradição”. Disponível em:
<http://www.martinsfontespaulista.com.br/site/detalhes.aspx?ProdutoCodigo=59703>. Acesso em:
27 jan. 2009.
5
cargos públicos tanto no âmbito civil quanto militar. Nos novos Estados territoriais, os
nobres representavam um prolongamento do feudalismo, monopolizando “postos
econômicos, militares, burocráticos e culturais estratégicos”.
Como os burgueses industriais se “auto-renegavam”, pretendendo antes se
aproximar da nobreza que se contrapunha a ela, perderam sua força enquanto grupo
independente. Na verdade, culturalmente preferiam apreciar as artes sacralizadas pela
cultura clássica do que apoiar as vanguardas - “que continuaram a ser assimiladas,
diluídas e afastadas”.
No fim da introdução, Mayer constrói um paralelo entre a defesa de privilégios
pelas nobrezas nos anos 1780, que leva à Revolução Francesa – primeiro ataque ao
Antigo Regime – e o movimento das aristocracias europeias pela reafirmação da
influência política, entre 1905 e 1914, que leva à Grande Guerra.
No capítulo “Concepções de mundo: darwinismo social, Nietzsche, guerra”, do
mesmo livro, o historiador Arno Mayer também investiga as causas da Primeira Grande
Guerra. Ele esclarece como Darwin e Nietzsche foram influentes na formação de um
pensamento que contradissesse o iluminismo e as correntes liberais, especialmente a
democracia. Alguns conceitos presentes nas teses dos dois se difundiram facilmente,
passando a ser utilizados com os mais diferentes sentidos, mas sempre tendo em vista o
anti-progressismo, de maneira a sustentar amplamente o pensamento das classes
dominantes.
A doutrina social-darwinista foi heterogênea por toda a Europa, mas expressava
de maneira geral a concepção de mundo das classes governantes. Ela valorizava a
hierarquia, um dos fundamentos do universo feudal, e negava o valor da igualdade e do
progresso. Por outro lado, não questionava as ciências naturais e, ao contrário, se
apresentava como um sincretismo de fé e ciência.
Segundo Mayer, a natureza da luta e da aptidão não ficavam claros, o que atraía
mais adeptos. O pensamento “fornecia um esquema geral onde se poderiam inserir as
preferências individuais e os projetos coletivos”.
Os marxistas também elaboraram uma crítica à aplicação das ideias de Darwin
no âmbito humano, porque não concebiam que os homens estivessem presos às forças
cegas da natureza, nem que fossem para sempre viver em luta. Acreditavam que um dia
existiria uma sociedade livre, sem conflitos.
Na segunda metade do século XIX, o pensamento social-darwinista se prestava a
justificar o elitismo, afirmando a desigualdade natural. E também podia justificar o
imperialismo, tanto internamente como externamente. Era uma “arma na batalha contra
o nivelamento político, social e cultural”.
Outro “ingrediente ideológico” para a intelectualização do anti-liberalismo e
para a afirmação de um irracionalismo pessimista foi a filosofia de Nietzsche. Para ele,
a “vontade de potência” é a base da vida e, portanto, o irracionalismo é superior ao
racionalismo. Para que alguns se desenvolvam, precisam impor suas vontades sobre os
demais, que passam a ser tratados como menos que humanos. A crueldade é tida como
um atributo natural do aristocrata, e Nietzsche defende essa postura.
6
Por isso, em sua interpretação sobre a independência do Império Alemão,
lamenta a ascensão burguesa, com seus valores medíocres. Só os aristocratas conhecem
e entendem a alta cultura, feita por e para poucos. Sendo a referência utilizada por ele a
Grécia Antiga. “O super-homem é aquele que vai exercer sua vontade de potência, e não
ser dominado por ninguém. É violento, agressivo, bélico, e deve sê-lo”.
Assim, Nietzsche, junto com o darwinismo social, se tornou uma voz
representante dos desejos das classes conservadoras. E é justamente o desejo de
manutenção do poder, de refrear o movimento da História que, segundo Arno Mayer,
será a causa principal para a Primeira Guerra Mundial. Trata-se, enfim, de uma reação
extremada, pela força e pela violência, às ameaças, para salvaguardar as posições
privilegiadas.
5. CONCLUSÃO
Apesar de a tradição criar memória ajudando a estabelecer a história, é
necessário que haja o esquecimento para a sua criação – “inventada” – e manutenção
prolongada, dando assim a possibilidade de formação da consciência moral e da
inclusão do produto coletivo da vida humana.
7
►REFERÊNCIAS:
HENIG, Ruth. As Origens da Primeira Guerra Mundial. Série Princípios n.212. São
Paulo: Ática, 1991.
HOBSBAWN, Eric J. As transformações do nacionalismo. In: Nações e nacionalismo
desde 1780: Programa, mito e realidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
HOBSBAWN, Eric J. & RANGER, Terence. A Invenção das Tradições. 3. ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2002.
KONDER, Leandro. Cultura e política nos anos críticos. In: AARÃO REIS FILHO,
Daniel; FERREIRA, Jorge & ZENHA, Celeste (Organizadores). O século XX. 2. O
Tempo das Crises: revoluções, fascismos e guerras. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2000.
MAYER, Arno J. A força da tradição: a persistência do Antigo Regime (1848-1914).
São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
MOTTA, Márcia Maria M. A Primeira Grande Guerra. In: AARÃO REIS FILHO,
Daniel; FERREIRA, Jorge & ZENHA, Celeste (Organizadores). O século XX. 1. O
Tempo das Certezas: da formação do capitalismo à Primeira Grande Guerra. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
RÉMON, René. O século XX – de 1914 aos nossos dias. In: Introdução à história de
nosso tempo. São Paulo: Cultrix, 1982.
RENAN, Ernest. O que é uma nação. In: ROUANET, Maria Helena (org.).
Nacionalidade em questão – Cadernos da Pós/Letras n.19. Rio de Janeiro: UERJ, 1997.
SANTOS, José Luiz dos. O que é cultura. Coleção Primeiros Passos n.110. São Paulo:
Brasiliense, 2006.
SINOPSE COMPLETA - “A FORÇA DA TRADIÇÃO” por Francisco Foot Hardman.
Disponível em:
<http://www.martinsfontespaulista.com.br/site/detalhes.aspx?ProdutoCodigo=59703>.
Acesso em: 27 jan. 2009.