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Não tenho mais.
Já tive.
Guardava no bolso de trás do meu jeans num compartimento secreto da minha carteira, em
algum lugar em que eu pudesse sacá-la rápido,
num momento de desilusão.
Ela era bem maior quando eu era criança, aí foi
diminuindo com o passar dos anos. Mas
ainda me sobrava alguma, esta que eu
trazia comigo.
Hoje ela se foi, não sobrou nem um
naquinho [pedacinho] pra eu seguir apostando.
Esperança zero.
Daqui para pior, é o que penso.
Ladeira abaixo, lá vamos nós.
Não acredito mais em virada, em
recuperação, em desenvolvimento,
em milagre. E estamos em ano eleitoral, o que torna tudo mais
patético.
Se ao menos o Gabeira tivesse se candidatado, eu poderia cultivar alguma ilusão,
lembrar de uma época em que a
gente ainda possuía algum ideal,
alguma fantasia.
Mas o quadro que se apresenta é o que?
Uma pá de cal no nosso otimismo.
Quem é que está propondo uma idéia
nova, quem é que está seriamente
comprometido com o futuro do país e não com o próprio ego.
Nenhum deles fala a nossa língua.
William Bonner e Fátima Bernardes
falaram a nossa língua quando entrevistaram no Jornal Nacional os candidatos com mais chances de se eleger.
Mas não receberam respostas em
português claro e preciso, e sim em outro idioma, o
idioma extra-oficial do Brasil: o blablablá.
Ele ainda vai entrar para o currículo
escolar, não duvide. Matemática, Ciências, História, Geografia e
Blablablá.
Ensino básico para a criançada.
Culpa de quem?
De todos nós. Da nossa falta de inteligência, de comprometimento, de
projeto, de honestidade, de
coragem.
Ninguém para dizer “eu, fora”.
Somos todos membros da mesma Família
Brasil. Algumas células sadias, outras
podres, mas é o mesmo corpo
Um corpo gorduroso, sujo e inerte.
Então é isso. Estamos chegando cada vez mais perto do fundo do poço.
Resta-nos preservar os pequenos luxos
individuais que merecem ser cultivados todos os dias, porque pode nos faltar esperança, mas
ainda há muita vida para ser vivida.
O jeito é sentir-se confortado por poder
regar as plantas da varanda, por ver a lua nascendo no mar, por tomar uma caipirinha, por um livro bom que a gente ganhou, por uma conversa divertida com um amigo, por um filme
antigo que passou na tevê,
por terem lembrado do nosso aniversário,
por um elogio recebido
inesperadamente, pelo pão quentinho
no sábado de manhã, pela única esperança
possível: a de que essas miudezas não
irão acabar.
Porque o que era para ser grande – uma
população educada, alimentada e
consciente, cultura para todos, segurança, ética e saúde – não é
que já tenha acabado:
nem se conseguiu começar.
CRÉDITOS
Autor do slide: Prado Slides
E-mail: [email protected]
Autora do texto: Martha Medeiros
Publicado no caderno Donna ZH de 20/08/2006
Imagens: Internet/Cadê
Música: Meu País Zezé Di Camargo & Luciano