Upload
others
View
2
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
0
UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE
FACULDADE DE DIREITO, CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS E ECONÔMICAS
CURSO DE DIREITO
SIMONE VIEIRA BARBOSA
NARCOTRAFICANTES: INIMIGOS DA SOCIEDADE
GOVERNADOR VALADARES
2011
1
SIMONE VIEIRA BARBOSA
NARCOTRAFICANTES: INIMIGOS DA SOCIEDADE Monografia para obtenção do grau de bacharel em Direito apresentada à Faculdade de Direito, Ciências Administrativas e Econômicas da Universidade Vale do Rio Doce. Orientador: Prof. Ronald Amaral
Governador Valadares
2011
2
SIMONE VIEIRA BARBOSA
NARCOTRAFICANTES: INIMIGOS DA SOCIEDADE
Monografia apresentada como requisito para obtenção do grau de bacharel em Direito apresentada à Faculdade de Direito, Ciências Administrativas e Econômicas da Universidade Vale do Rio Doce.
Governador Valadares, _______ de ___________ de 2011.
Banca Examinadora:
__________________________________________ Prof. Ronald Amaral - Orientador Universidade Vale do Rio Doce
_________________________________________ Prof. Vinícius Sampaio - Convidado 1
Universidade Vale do Rio Doce
_________________________________________ Prof. Armando Gobira - Convidado 2
Universidade Vale do Rio Doce
3
Dedico este trabalho ao meu Deus, que me deu sabedoria e força para vencer mais
esta batalha. A ele toda honra e glória. Aos meus pais e a todos que estiveram ao
meu lado nessa intensa caminhada.
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço, incansavelmente, a Deus por ter me proporcionado a alegria de conseguir
transformar meu sonho em realidade.
Aos meus pais, irmãos e toda minha família pelo carinho e apoio em todos os
momentos que mais precisei.
Aos amigos e colegas, em especial, a Amiga Amanda Ribeiro, pelo incentivo e
compreensão.
Ao meu orientador Dr. Ronald Amaral pelos conhecimentos transmitidos e
orientação dada ao longo deste trabalho.
Ao Professor Sérgio Reis pelo apoio incondicional.
Agradeço, ainda, ao meu maior incentivador, Jones Barbosa, ao meu amigo
Marinilso Marins, e a Fábio Souza que me incentivaram e auxiliaram na preparação
deste trabalho.
Muito obrigada a todos vocês!
5
“O fazer justiça é alegria para o justo, mas espanto para os que praticam a
iniqüidade.” Prov.21-15;
“Ora o fruto da justiça semeia-se na paz, para os que exercitam a paz.” Tiago
3 -18
“Como a justiça encaminha para a vida, assim o que segue o mal vai para sua
morte”. Prov.11-19;
6
RESUMO
O presente TCC tem como objetivo diferenciar o Direito do Cidadão, do Direito Penal
do inimigo, classificando o indivíduo que não aceita se submeter às normas do
convívio social estabelecidas pelo Estado, como inimigo da sociedade. Visa, ainda,
conhecer a concepção de grandes autores sobre o tema abordado, as divergências,
críticas e teorias de cada autor, bem como a origem, definição, características e
fundamentos do Direito Penal do Inimigo.
Para Günther Jakobs, doutrinador Alemão, o Direito Penal do Inimigo se caracteriza
pelo tratamento dado ao indivíduo que não oferece segurança à sociedade, não
podendo ser tratado como pessoa e sim como inimigo, uma vez que, para ele, os
inimigos não são pessoas. Jakobs fundamenta sua tese em grandes filósofos tais
como: Rousseau, o qual defende que “o inimigo, ao infringir o contrato social, deixa
de ser membro do Estado, está em guerra contra ele, deve morrer como tal;” Fichte
assevera que “Quem abandona o contrato do cidadão perde todos os seus direitos;”
Hobbes afirma que “Em casos de alta traição contra o Estado, o criminoso não deve
ser castigado como súdito, senão como inimigo;” já Kant, assim como os demais,
garante que “Quem ameaça constantemente a sociedade e o Estado, quem não
aceita o estado comunitário-legal, deve ser tratado como inimigo.” Foi com base
nesses fundamentos que esse doutrinador Alemão se deteve e construiu a sua
teoria, que busca priorizar a segurança da sociedade, afastando do convívio social
os indivíduos que se opõem ao Estado.
Palavras-chave: Direito penal do inimigo. Estado. Cidadão.
7
ABSTRACT
This monograph aims to differentiate the Citizen's Right of the Enemy’s Criminal
Right, calling the guy who does not agree to abide by the rules of social interaction
established by the State as an enemy of society. It also aims to meet the conception
of the great authors on the subject matter, differences, and critical theories of each
author, as well as origin, definition, characteristics and foundations of the Criminal
Law of the Enemy. For Günther Jakobs, German theoretician, the Criminal Law of
the Enemy is characterized by the treatment given to the individual who provides
insecurity to society and can not be treated as a person but as an enemy, since, for
him, the enemies are not people. Jakobs underlies his theorie on great philosophers
such as Rousseau, who argues that "The enemy, to break the social contract, no
longer a member of the State, is at war against him, should die like this," Fichte
states that "Whoever abandons the contract of the citizen loses all his rights,
"Hobbes says that" In cases of high treason against the state, the criminal should not
be punished as a subject, but as an enemy, "as Kant, and others, ensures that" who
constantly threatens society and the state, who does not accept the state-legal
community, should be treated as an enemy. " It was on these grounds that the
German theoretician stopped and built his theory, which seeks to prioritize the safety
of society, away from social individuals who oppose the state.
Keywords: the Criminal Law of the Enemy. State. National.
8
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9 2 CONCEPÇÕES FILOSÓFICAS ............................................................................. 11 3 DIREITO PENAL DO CIDADÃO ............................................................................ 13 4 DIREITO PENAL DO INIMIGO ............................................................................. 14 4.1 ORIGEM E CONCEITO ....................................................................................... 14 4.2 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS ..................................................................... 15 4.3 PERICULOSIDADE X CULPABILIDADE ............................................................ 17 4.4 OS “INIMIGOS” DA SOCIEDADE ...................................................................... 18 4.4.1 Direito penal simbólico .................................................................................. 19 4.4.2 Punitivismo ..................................................................................................... 20 5. VELOCIDADES DO DIREITO PENAL.................................................................. 21 6. A ADEQUAÇÃO DA 3ª VELOCIDADE DO DP AO CONTEXTO BRASILEIRO .. 23 6.1 PREVISÃO DO DIREITO PENAL DO INIMIGO NA CF ..................................... 23 6.2 O DIREITO PENAL DO INIMIGO E O PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO ..... 26 6.3 DIREITO PENAL DO INIMIGO E O ESTADO DEMOCRÁTICO DO DIREITO ... 27 7 APLICAÇÃO DO DIREITO PENAL ....................................................................... 29 7.1 O DIREITO PENAL DO INIMIGO PELO MUNDO ............................................... 30 7.2 O DIREITO PENAL DO INIMIGO NO BRASIL .................................................... 32 7.3 O DIREITO PENAL DO INIMIGO PARA OS NARCOTRAFICANTES ................ 33 8 APRECIAÇÃO DA DUPLICIDADE DO DIREITO PENAL ..................................... 38 8.1 CRÍTICAS AO DIREITO PENAL DO INIMIGO .................................................... 38 8.2 CRÍTICAS AO DIREITO PENAL DO CIDADÃO .................................................. 40 9 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 43 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 45
9
1 INTRODUÇÃO
O Direito Penal do Inimigo surge em 1985, tendo como grande precursor o
doutrinador Alemão Günther Jakobs, catedrático emérito de Direito Penal e Filosofia
do Direito na Universidade de Bonn, Alemanha; um dos mais renomáveis juristas da
atualidade.
Jakobs (2009) acredita na divisão do Direito Penal em dois Direitos Penais
distintos: de um lado, o Direito do Cidadão em que o infrator deveria ter seus direitos
penais e processuais respeitados, seria o direito de todos os cidadãos, onde mesmo
depois de ter cometido o crime o delinqüente se comprometeria a obedecer às
normas do Direito. Do outro, o Direito Penal do Inimigo onde o cidadão não se
comprometeria a cumprir as normas do direito cidadão, sendo considerado um
inimigo do Estado ao se opor a ele, com a finalidade de destruí-lo via ordenamento
jurídico.
No Direito Penal do Inimigo a punibilidade avança para o âmbito interno do
agente e da preparação, e a pena se dirige à segurança frente atos futuros,
caracterizando o DPI como um direito do ‘autor’, e não do ‘fato’.
Com base em fundamentos e teorias de grandes filósofos Jakobs defende
medidas mais severas contra o criminoso considerado inimigo da sociedade, tais
como Criminosos econômicos, terroristas, delinqüentes organizados, autores de
delitos sexuais e de outras infrações penais perigosas. Para ele, esses são os
indivíduos que deveriam ser tratados como inimigos, pois não oferecem garantias de
segurança cognitiva do comportamento pessoal, não podendo participar dos
benefícios dados aos cidadãos que se amoldam em sujeitos processuais, visto que
não fazem jus a um procedimento penal legal, mas a um procedimento de guerra, ou
seja, eles afrontam o ordenamento jurídico tutelado pelo Estado.
Por se tratar de um tema polêmico do Direito Penal e do Direito Processual
Penal do mundo moderno, esta pesquisa se destina a explorar de forma ampla as
teorias e críticas de alguns filósofos e doutrinadores, bem como a evolução do
Direito Penal do Inimigo.
Ao se discorrer sobre a evolução do Direito Penal do Inimigo, analisam-se
neste trabalho as normas do Direito Penal Brasileiro, pois a Constituição Federal
Brasileira consagra no art. 1º, o Estado Democrático de Direito, salientando a
10
dignidade da pessoa humana. Ainda assim, não há como negar traços superficiais
do Direito Penal do Inimigo em algumas normas do Direito Penal Brasileiro, como
por exemplo: - O Regime Disciplinar Diferenciado (art. 52 da Lei nº 7.210/84; a
incomunicabilidade do preso (art. 21 do CPC); a lei do abate de aeronaves (art. 303
da Lei nº 9.614/98), entre outras.
Nesse diapasão, pode-se citar ainda que quando o presidente da república
faz a decretação do estado de defesa e do estado de sítio previstos nos art. 136,
137, 138 e 139 da Constituição Federal, que prevêem as restrições aos direitos de ir
e vir, de reunião, de sigilo de correspondências, de comunicações telegráficas ou
telefônicas, determina a prisão para averiguação e viola o domicílio sem ordem
judicial. Nesses casos, é perceptível a vigência do Direito Penal do Inimigo, embora
com ressalva, haja vista que o fato é abrangente.
Isso aplica a uma coletividade em que nem todos os cidadãos estão inseridos
no conflito, contudo, são submetidos ao mesmo regime momentâneo em questão.
Há também situações em que as pessoas são presas por estarem em locais não
permitidos para aquele tempo específico, por exemplo: cidadão transitando pela rua
após o aviso do toque de recolher. Além disso, são mantidas as principais garantias
processuais do indivíduo, preservando-se a dignidade da pessoa humana.
11
2 CONCEPÇÕES FILOSÓFICAS
O Direito Penal ao longo dos anos passou por diversas mudanças, sofreu
influências do Direito Romano, do Grego, das escolas clássicas, positiva, entre
outras. Influências estas que deu suporte ao nosso Direito Penal. Com os avanços,
surgiram novas idealizações, como a do doutrinador alemão Günther Jakobs, criador
do Direito Penal do Inimigo, que constitui na aplicação de uma punição mais rigorosa
ao delinqüente considerado “inimigo” do Estado, de forma que a pena atribuída ao
infrator não teria o objetivo de recuperá-lo e trazê-lo de volta ao convívio social, e
sim de eliminá-lo ou excluí-lo do meio da sociedade.
Tal concepção na verdade não se trata de um tema novo. Já é defendida, há
algum tempo, por alguns filósofos como Rousseau, Fichte, Kant e Hobbes, que
fundamentam o estado de modo estrito, por meio de um contrato, que não poderá
ser violado. Ao transgredi-lo, o delinqüente não terá mais direito de participar dos
benefícios deste contrato, pois assim, dissolve a relação jurídica existente.
Segundo a concepção de Rousseau apud Jakobs e Meliá (2009, p.24), quem
ataca o “direito social” deixa de ser “membro” do Estado, estando assim em guerra
contra este, logo deve morrer, como inimigo do Estado. Ele defendia a eliminação de
qualquer criminoso, a partir do momento que o delinqüente violasse o contrato
social.
Para ele, o malfeitor teria como conseqüência da transgressão a sua morte,
“ao culpado se lhe faz morrer mais como inimigo que como cidadão.” (ROUSSEAU
apud JACOBS; MELIÁ, 2009, p.24).
Em linhas de pensamentos similares se encontra Fichte apud Jakobs e Meliá
(2009, p.25). Segundo preconização dele, o criminoso ao abandonar o contrato
social, mesmo que involuntariamente, perde todos os seus direitos de cidadão e
também de ser humano, passando assim, a um estado de ausência completa de
direitos.
Fichte afirma ainda que o criminoso ao perder seus direitos de pessoa,
declara-se como uma coisa. Ele compara o condenado a uma “peça de gado”, e que
esta falta de personalidade não poderá ser considerada como pena e sim como uma
medida de segurança.
12
Segundo Kant apud Jakobs e Meliá (2009, p.27), aquele que está ao meu
lado é obrigado a entrar em constituição cidadã, pois deverá me dar segurança.
Desse modo, toda pessoa está autorizada a obrigar qualquer cidadão a estar em um
estado comunitário-legal.
Dessa forma, ele afirma que o indivíduo ameaçador contumaz à sociedade e
ao Estado, que não aceita o “estado comunitário-legal”, deve ser tratado como
inimigo, não como pessoa.
Hobbes apud Jakobs e Meliá (2009, p.26) assegura que o indivíduo, ao se
opor ao Estado, seja considerado inimigo da sociedade e viva em estado natural.
Nesse estado de natureza, cada ser humano tem direito a tudo e,
conseqüentemente, encontra-se em estado de guerra, pois todas as coisas são
insuficientes. Nesse sentido, seria uma guerra de todos contra todos.
Sob a ótica dele, os homens querem acabar com o estado de guerra e assim
formam sociedades, integrando assim a um contrato social. E esta sociedade
necessita de uma autoridade, a qual seria o Estado. Assim, em caso de alta traição
contra ele, o criminoso não deve ser castigado como súdito, mas sim como inimigo.
13
3 DIREITO PENAL DO CIDADÃO
O Direito Penal comum ou do cidadão é o ramo do direito público voltado para
o estudo sistemático de normas responsáveis pela identificação do crime. Em
conseqüência dele, há a determinação de pena.
De igual teor, as regras aplicam-se à tutela do bem jurídico, onde ao violá-lo
incorre-se em crime, que ao sê-lo imposto tem o objetivo de impedir que o apenado
continue cometendo violações.
Nesse caso, o indivíduo não perde seu status de pessoa ao infringir uma
norma, pois lhe são asseguradas as garantias materiais e processuais, as quais
objetivam recuperá-lo e reinseri-lo no convívio social, ressocializado.
Sob esse prisma, o cidadão, mesmo depois de cometer o crime, oferece
garantias ao Estado de que se manterá fiel ao ordenamento jurídico.
O Estado por sua vez, vê esse indivíduo como alguém que infringiu uma
norma em vigor e apenas lhe imputará uma pena como forma de amenizar o deslize
reparável.
O direito Penal do cidadão é um direito estendido a todos, ou seja, há
imparcialidade e impessoalidade como meio de determinar que o indivíduo seja
punido pela culpabilidade motivada pelo seu ato. Nesse caso, ele, atualmente, tem
buscado a prevenção e a orientação para efeitos como modelos preponderantes,
pressupondo o seu uso como meio meramente simbólico de educação e
transformação social.
Isso é questionável, haja vista a alta reincidência criminal, a banalização da
violência por parte dos infratores, hostis em suas infrações, ou seja, pouco se
importam com as sanções que lhes serão impostas. Eles já as conhecem.
Essa é uma demonstração pública de que há falhas no mecanismo ora
aplicado, pois, em muitos casos, tornam-se ineficazes e inoperantes os
pressupostos de educação, transformação social e ressocialização. Isso caracteriza
bem o modelo funcionalista na concepção de Günther Jacobs, isto é, apenas
mantém a funcionalidade do sistema social.
14
4 DIREITO PENAL DO INIMIGO
4.1 ORIGEM E CONCEITO
Direito Penal do Inimigo seria um conjunto de princípios e normas elaboradas
sem as garantias materiais e processuais, aplicadas a alguns criminosos que não
seguem o ordenamento jurídico, ou melhor, aos delinqüentes que não aceitam
obedecer às regras impostas pelo Estado e que não se ajustam ao convívio social.
Günther Jakobs foi o criador da teoria que sustenta que criminosos econômicos,
terroristas, delinqüentes organizados, autores de delitos sexuais e outras infrações
perigosas, ao se afastarem de modo permanente do ordenamento jurídico devem
ser excluídos da convivência social, classificando-os como inimigos da sociedade. O
doutrinador alemão apresentou tal conceito numa palestra em um Seminário de
Direito Penal, em Frankfurt no ano de 1985 com uma postura descritiva. (REVISTA
DE CIÊNCIA PENAL, apud MORAES; 2010, p.181). Como a publicidade foi pouca, a
teoria foi de menor interesse. Em 1999, em outra palestra na Conferência do Milênio
em Berlim, Jakobs apresentou o conceito definitivo do Direito Penal do Inimigo, de
forma mais afirmativa, legitimadora, suscitando questionamentos não só na
Alemanha como em outras regiões de língua portuguesa e espanhola.
No primeiro momento, em 1985, Jakobs pretendia demonstrar que a
legislação penal, inclusive na Alemanha, já estava contaminada por caracteres que
ele definia como um modelo de Direito Penal completamente diferente dos
paradigmas do modelo liberal-clássico, formado originalmente entre a segunda
metade do século XVIII e a primeira do século XIX, sob inspiração do Iluminismo
(Beccaria, Bentham, Carrara, Condorcet, Lardizábal, Montesquieu, Pufendorf,
Thomasius, etc.), são os responsáveis pela construção histórica de um Direito Penal
voltado para a tutela dos direitos fundamentais da pessoa contra as intervenções
punitivas do Estado. Já no segundo momento, no ano de 1999, com a
institucionalização e aparente legitimação desses novos parâmetros, em vez de
simplesmente legitimá-los e adotá-los (como pretendem fazer crer alguns
apressados críticos), Jakobs parece concluir que o retrocesso aos paradigmas
exclusivamente clássicos seria impossível. Dessa forma, advertiu para a
15
necessidade de delimitar e diferenciar dois modelos de direito penal, o do “Cidadão”
e do “Inimigo”.
Afirma Jakobs: O Direito Penal do cidadão é o Direito de todos, o Direito Penal do inimigo é daqueles que o constituem contra o inimigo: frente ao inimigo, é só coação física, até chegar à guerra. Esta coação pode ser limitada em um duplo sentido. Em primeiro lugar, o Estado, não necessariamente, excluirá o inimigo de todos os direitos. Neste sentido, o sujeito submetido à custódia de segurança fica incólume em seu papel de proprietário de coisas. E, em segundo lugar, o Estado não tem por que fazer tudo o que é permitido fazer, mas pode conter-se, em especial, para não fechar a porta a um posterior acordo de paz. (JAKOBS; MELIÁ, 2009, p.40).
Assim, o doutrinador Günther Jakobs preconiza que o Estado pode proceder
de duas formas com os criminosos: “pode vê-los como pessoas que tenham
cometido um erro, ou indivíduos que devem ser impedidos de destruir o
ordenamento jurídico, mediante coação, que representam um perigo à vigência do
ordenamento jurídico e ressurge um problema que o Direito Penal comum não
consegue mais resolver. Nesse sentido, todas as possibilidades de solução do
conflito delituoso foram extrapoladas e o comportamento do criminoso persistiu ou
até se evoluiu para maior gravidade.
Para Jakobs o Direito Penal do Inimigo se caracteriza por três elementos:
adiantamento da punibilidade do inimigo; desproporcionalidade das penas e, por fim,
a relativização e/ou supressão de algumas garantias processuais. Nesse caso, no
Direito Penal do Inimigo, o Estado não dialoga com os cidadãos para manter a
vigência da norma, e sim, combate seus inimigos, ou seja, combate perigos e, por
isso, nele, a pena se dirige à conservação com respeito a fatos futuros, e não à
sanção de fatos já praticados. Persiste, nesse caso, a prevenção prospectiva com o
fito de eliminar riscos futuros.
4.2 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS
Muitas são as características do Direito Penal do Inimigo. Ao se iniciar o
estudo sobre este conceito, serão mencionados os principais atributos descritos pelo
doutrinador Jakobs apud Moraes (2010, p.197) que seriam:
16
Antecipação da punibilidade, ou seja, a punição seria não para um crime
ocorrido e sim para fatos futuros, e a limitação das garantias processuais para os
“inimigos”.
Falta de redução da pena proporcional ao referido adiantamento.
Mudança da legislação de Direito Penal para legislação de luta para combater
a delinqüência e, em concreto, a delinqüência econômica.
Meliá apud Moraes (2010, p.197) enumera três elementos básicos:
O Direito Penal do Inimigo é prospectivo (adiantamento da punibilidade).
As penas são desproporcionalmente altas, e nem o adiantamento da
punibilidade pode ser considerado para sua redução.
A relativização ou supressão de algumas garantias processuais.
Ainda, segundo Gomes apud Moraes (2010, p.197) apresenta as seguintes
características:
O “inimigo” deve ser punido com medida de segurança e não pode ser punido
com pena.
O inimigo será punido pela sua periculosidade e não por sua culpabilidade.
O Direito Penal do Inimigo não é retrospectivo e, sim, prospectivo.
O “inimigo” não é um sujeito de direito, sim, um objeto de coação.
Quanto às medidas contra o “inimigo” será da prioridade ao futuro, o que ele
representa de perigo futuramente, e não o que ele fez (passado).
O cidadão não perde seu status de pessoa, mesmo depois de cometer o
crime, mas o inimigo perde este status.
O Direito Penal do Inimigo visa combater o perigo, já o Direito Penal do
Cidadão tem como objetivo manter a vigência da norma.
No Direito Penal do Inimigo há antecipação da tutela penal, com intuito de
alcançar os atos preparatórios.
O inimigo deve ser interceptado prontamente, no primeiro estágio, em razão
de sua periculosidade, já o cidadão é esperado que ele cometa um crime, para que
depois seja aplicada a norma.
A distinção do Direito Penal do Inimigo e do Direito Penal do Cidadão é que
naquele, quando o delinqüente não segue o ordenamento jurídico é excluído da
sociedade, enquanto neste, procura-se reinseri-lo ao convívio social.
17
Para Gomes apud Moraes (2010, p.198) as principais bandeiras seriam a
flexibilização do princípio da legalidade (descrição vaga dos crimes e das penas);
inobservância de princípios básicos, como o da ofensividade da exteriorização do
fato, da imputação objetiva etc.; aumento desproporcional de penas; criação artificial
de novos delitos (delitos sem bens jurídicos definidos); endurecimento sem causa da
execução penal; exagerada antecipação da tutela penal; corte de direitos e garantias
processuais fundamentais; concessão de prêmios ao inimigo que se mostra fiel ao
Direito como: delação premiada, colaboração premiada, entre outras; flexibilização
da prisão em flagrante (ação controlada); infiltração de agentes policiais; uso e
abuso de medidas preventivas ou cautelares (interceptação telefônica sem justa
causa, quebra de sigilos não fundamentados ou contra a lei); etc.
4.3 PERICULOSIDADE X CULPABILIDADE
Caracterizada por um conjunto de circunstâncias que indicam a probabilidade
de alguém praticar ou tornar a praticar um crime, periculosidade é ainda a
possibilidade de um indivíduo causar um dano iminente ou futuro, ou seja,
capacidade de uma pessoa tornar-se autora de delito. Nesse caso, o infrator é
reprovado pelo o que ele é e não pelo que fez. Já a culpabilidade é a possibilidade
de se considerar um indivíduo culpado pela prática de uma infração penal, de um
fato típico e ilícito, não podendo a pena ultrapassar a medida da culpabilidade,
sendo o indivíduo reprovado pelo que ele fez, isto é, pela sua ação. Seria ainda a
responsabilidade por ação ou por omissão prejudicial e reprovável.
Para Bruno apud Moraes (2010, p.220) na periculosidade criminal o
acontecimento danoso que se julga provável é o crime. Bruno acreditava que o
Direito Penal Moderno, no sentido de prevenção se encaminhava para um
aproveitamento cada vez mais largo da noção do estado perigoso.
Seriam dois caminhos, a culpabilidade e a periculosidade: o primeiro
conduzindo através da culpa à pena, e o segundo da periculosidade às medidas de
segurança. Nesse entendimento, Jakobs se apóia na idéia de que o tratamento do
“inimigo” não será com penas e sim com medidas que ele denominava como
“custódias de segurança.” O doutrinador defendia com veemência que alguns
18
delinqüentes seriam considerados “inimigos” da sociedade e deveriam ter um
tratamento diferenciado. Desse modo, seriam aqueles que não dariam nenhuma
garantia da não violação das normas do ordenamento jurídico.
4.4 OS “INIMIGOS” DA SOCIEDADE
Como se vê, o inimigo é o indivíduo que não segue as normas do
ordenamento jurídico e que a todo instante procura subvertê-las. Devido a esse
comportamento, segundo Jakobs, representa um perigo à vigência do ordenamento
jurídico, um problema que o Direito Penal comum não consegue mais solucionar,
sendo a única solução o tratamento diferenciado a estes delinqüentes, visando
excluí-los do convívio social, é o então Direito Penal do Inimigo.
Para Sanches apud Greco, a conversão do cidadão em inimigo dar-se-á
quando o indivíduo reúne as seguintes características: reincidência, habitualidade
criminosa, profissionalismo delitivo e integração em organização criminosa.
No trecho extraído da obra de Jakobs e Meliá, Direito Penal do Inimigo,
Jakobs (2009, p.23) afirma que:
No lugar de uma pessoa que de per si é capaz, e a que se contradiz através de pena, aparece o indivíduo perigoso, contra a qual se procede – neste âmbito: através de uma medida de segurança, não mediante uma pena – de modo fisicamente efetivo: luta contra um perigo em lugar de comunicação, Direito Penal do Inimigo (neste contexto, Direito Penal ao menos em sentido amplo: a medida de segurança tem como pressuposto a comissão de um delito) ao invés do Direito Penal do cidadão, e a voz “Direito” significa, em ambos os conceitos, algo claramente diferente, como se mostrará mais adiante.
Com este entendimento Jakobs apud Moraes (2010, p.226) nomeia exemplos
de sujeitos que podem ser classificados como “inimigos” da sociedade:
O inimigo é um indivíduo que, não só de maneira incidental, em seu comportamento (delitos sexuais; o antigo delinqüente habitual “perigoso” segundo o § 20 do Código Penal alemão), ou em sua ocupação profissional (delinqüência econômica, delinqüência organizada e também, especialmente o tráfico de drogas) ou principalmente através de uma organização (terrorismo, delinqüência organizada, novamente o tráfico de drogas ou o antig “complô de assassinato”), isto é, em qualquer caso, de uma forma supostamente duradoura, tem abandonado o direito e, portanto, não garante a mínima certeza de segurança de comportamento pessoal e demonstra este déficit através de seu comportamento.
19
Os criminosos econômicos, terroristas, delinqüentes organizados,
narcotraficantes, autores de delitos sexuais e de outras infrações penais perigosas
são os indivíduos potencialmente tratados como “inimigos”. São os delinqüentes que
se afastam de modo permanente do Direito e não oferecem garantias cognitivas de
que vão continuar fiéis á norma. Por esse motivo, já que são irredutíveis em
aceitarem ingressar no estado de cidadania, que é investida das garantias
fundamentais, não podem participar dos benefícios do conceito de “pessoa” como os
demais cidadãos, visto que não se amoldam em sujeitos processuais, não fazem jus
a um procedimento penal legal, mas a um procedimento de guerra. Esse
entendimento se configura em uma luta constante contra criminosos contumazes,
que colocam em xeque a autoridade do Estado.
A proposta de Jakobs é diferenciar o cidadão de bem do cidadão inimigo da
sociedade. O primeiro deverá continuar a ser tratado como pessoa, enquanto o
segundo como inimigo, devendo, mediante coação, ser impedido de destruir o
ordenamento jurídico, comprometer a paz social entre as pessoas e desgastar a
segurança do Estado.
4.4.1 Direito penal simbólico
Segundo Santoro Filho apud Jesus e Grazziotin:
...direito penal simbólico, uma onda propagandística dirigida especialmente às massas populares, por aqueles que, preocupados em desviar a atenção dos graves problemas sociais e econômicos, tentam encobrir que estes fenômenos desgastantes do tecido social são, evidentemente entre outros, os principais fatores que desencadeiam o aumento, não tão desenfreado e incontrolável quanto alarmeiam, da criminalidade.
O simbolismo é a resposta dada à população quando esta se escandaliza
com a violência. Algum crime que choca o país e que leva a população a clamar por
leis firmes de repressão ao crime. Conforme Dip apud Jesus e Grazziotin, o Direito
Penal Simbólico [...] promete a paz pública com a só visão de letrinhas impetratórias
estampadas ritualmente na imprensa oficial”.
20
Com isso, tal Direito Penal atinge o objetivo que almeja alcançar, pois ao criar
leis tranqüiliza a população, responde prontamente ao clamor da sociedade, embora
não solucione os problemas relativos a criminalidade. O Direito Penal Simbólico, na
verdade, se caracteriza por discursos falaciosos, fruto do pedido de socorro da
população.
Quando se usa em sentido crítico o conceito Direito Penal Simbólico, quer-
se, então, fazer referência a que determinados agentes políticos tão só perseguem o
objetivo de dar a “impressão tranqüilizadora de um legislador atento e decidido.”
(SILVA SANCHEZ apud JAKOBS; MELIÁ, 2009, p. 79).
4.4.2 Punitivismo
O Direito Penal já passou por muitas mudanças para atender aos anseios da
sociedade, foram diversos fatos que causaram essas mudanças, alterações de
sistema econômico, guerra, mudanças nas formas de governo, entre outros.
Ocorre que, uma vez que aparecem novos bens jurídicos a serem tutelados,
que aparecem com o desenvolvimento e as mudanças sociais, surge a necessidade
de alterações daquele instrumento para que a tutela estatal seja suficiente à efetivar
a proteção dos direitos humanos resguardados, com penas mais rigorosas, de certa
forma momentânea.
Para isso, segundo Meliá (2009), o ordenamento jurídico penal tem se
adequado a tais mudanças, com a introdução de normas penais novas, com o
objetivo de promover sua efetiva aplicação com toda firmeza, ou seja, verificam-se
processos que conduzem a normas penais novas para serem aplicadas e também o
endurecimento das penas para normas já existentes. É o que se pode conceituar
como punitivismo, a idéia do incremento da pena como único instrumento de
controle da criminalidade.
O Direito penal simbólico e o punitivismo mantêm uma relação fraternal e o
Direito penal do inimigo é uma continuação dessa relação.
21
5. VELOCIDADES DO DIREITO PENAL
Com base na construção de Jakobs e diante das variações que já vinham
sendo incluídas no modelo clássico de inspiração iluminista, Sanchez apud Jakobs e
Meliá (2009, p.92) apresenta formalmente uma classificação que passou a ser objeto
de grandes debates por parte da doutrina nacional e internacional: as três
“velocidades” que orientam o ordenamento jurídico-criminal.
A primeira impõe respeito às garantias do Direito material e do Direito
processual penal clássico para os fatos apenáveis com penas privativas de
liberdade, ou seja, traduz a idéia de um Direito Penal da prisão por excelência, com
manutenção rígida dos princípios político-criminais iluministas.
A segunda seria constituída por aquelas infrações em que só admitem penas
pecuniárias e penas restritivas de direitos, exigindo adaptações para solução
amigável dos delitos de menor gravidade. Contempla a flexibilização proporcional de
algumas garantias penais e processuais, conjugada com a adoção de penas não
privativas de liberdade. Foi introduzida no Brasil através da Reforma Penal de 1984
e mais tarde, consolidou-se com a edição da Lei dos Juizados Especiais (Lei nº.
9.099, de 1995). Sanchez apud Greco (2010), sobre a segunda velocidade, salienta
que:
Nessa segunda velocidade do Direito Penal poderiam ser afastadas algumas garantias, com o escopo de agilizar a aplicação da lei penal. Percebemos isso com clareza quando analisamos a mencionada Lei dos Juizados Especiais Criminais, que permite a utilização de institutos jurídicos que importem na aplicação de pena não privativa de liberdade, sem que, para tanto, tenha havido a necessária instrução processual, com o contraditório e a ampla defesa, como acontece quando o suposto autor do fato aceita a proposta de transação penal, suspensão condicional do processo, etc.
Já a terceira velocidade representaria um Direito Penal da pena de prisão
concorrendo com uma ampla relativização de garantias político-criminais, regras de
imputação e critérios processuais que constituem o Direito Penal do Inimigo. Tal
velocidade consiste em punir delinqüentes de alta periculosidade pelo perigo que
representam ao Estado, antecipando a proteção penal.
Esta antecipação da punibilidade pode ser vista em algumas recentes leis
brasileiras, como a Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº. 8.072, de 1990), que
22
aumentou a pena de vários delitos, estabeleceu o cumprimento da pena em regime
integralmente fechado e suprimiu, ou tentou suprimir, algumas prerrogativas
processuais (exemplo: a liberdade provisória), a Lei do Crime Organizado (Lei nº.
9.034, de 1995), a lei do abate de aviões, de nº 9614/98, dentre outras.
23
6. A ADEQUAÇÃO DA 3ª VELOCIDADE DO DP AO CONTEXTO BRASILEIRO
Gomes e Cervini apud Moraes (2010, p. 239) já alertavam, antes da
consolidação, como teoria de um Direito Penal de terceira velocidade, que duas
vinham sendo as premissas básicas dessa política puramente repressiva no Brasil:
“(a) incremento de penas (penalização); (b) restrição ou supressão de garantias do
acusado.”
Ainda assim, torna-se precipitado e incoerente defender que existe a terceira
velocidade do direito penal no país, visto que o ordenamento jurídico não se afasta
dos direitos fundamentais previstos na CF. Isso significa que há o devido processo
legal em favor do delinqüente, ou seja, ele ainda é considerado cidadão infrator
investido de todas as garantias processuais.
Sob essa visão, é possível adequar o direito penal do inimigo ao contexto
brasileiro, de modo que se faça uma ressalva constitucional no aspecto de fazer o
delinqüente irrecuperável ser percebido, dentro dos preceitos jurídicos, como uma
ameaça ao estado e à população. Nesse caso, ele perderia o status de cidadão e
passaria a ser considerado como um inimigo, hostil e destrutivo da sociedade em
desfavor do estado e de sua respectiva norma. Nesse momento, houve um
rompimento devidamente comprovado, que exorbitou o direito penal cidadão. Para
isso, fez-se necessário lançar mão da ferramenta adequada em prol da manutenção
da tranqüilidade pública: o direito penal do inimigo.
6.1 PREVISÃO DO DIREITO PENAL DO INIMIGO NA CF
No Brasil, já alguns anos, foram editadas novas legislações que,
invariavelmente, apresentam mecanismos e parâmetros penais e processuais
diversos do modelo liberal-clássico. Como por exemplo, algumas leis criadas, seja
para atender às novas demandas penais, sejam para o combate da nova
criminalidade organizada. Vejamos:
24
Lei nº. 11.343, de 23 de agosto de 2006 – Institui o Sistema Nacional
de Políticas Públicas sobre Drogas – SISNAD; prescreve medidas para prevenção
do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas;
estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de
drogas; define crimes e dá outras providências;
Lei nº. 7.492, de 16 de junho de 1986 (Crimes Contra o Sistema
Financeiro Nacional) - Define os crimes contra o sistema financeiro nacional e dá
outras providências;
Lei n°. 9.614, de 05 de março de 1998 (Lei do Abate), altera a Lei
7.565/86 para incluir hipótese de destruição de aeronaves, regulamentada pelo
Decreto presidencial nº. 5.144, de 16 de Julho de 2004) que, caso fosse promulgada
na América do Norte, fatalmente já estaria rotulada como um típico ‘Direito Penal do
Inimigo’;
Lei nº. 7.716, de 5 de janeiro de 1989 (Preconceito Racial) - Define os
crimes resultantes de preconceitos de raça ou de cor (alterada pela Lei nº. 9.459, de
13/05/97);
Lei nº. 8.072, de 25 julho de 1990 - Dispõe sobre os Crimes Hediondos,
regulamenta o art. 5°, inciso XLIII, da Constituição Federal, e determina outras
Providências (alterada pelas Leis nº. 9.695/98 e nº. 8.930/94);
Lei nº. 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do
Consumidor);
Lei nº. 8.137, de 27 de dezembro de 1990 - Define crimes contra a
ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras
providências;
Lei nº. 8.176, de 08 de fevereiro de 1991 - Define crimes contra a
ordem econômica e cria o Sistema de Estoques de Combustíveis;
Lei nº. 9.034, de 03 de maio de 1995 - Dispõe sobre a utilização de
meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por
organizações criminosas (alterada pelas Leis nº. 9.303/96 e n°. 10.217, de 11.04.01);
Lei nº. 9.296 de 24 de julho de 1996 é a que regulamentou o inciso XII
do artigo 5º, CF, prevendo a forma pela qual o judiciário deveria autorizar a
interceptação telefônica;
Lei nº. 9.455, de 7 de abril de 1997 - Define os crimes de tortura e dá
outras providências;
25
Lei nº. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 - Dispõe sobre as sanções
penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio
ambiente, e dá outras providências (alterada pela Lei nº. 9.985, de 18.07.00;
Lei nº. 10.217, de 11 de abril de 2001, publicada no Diário Oficial de 12
de abril do corrente, que autoriza a infiltração de agentes policiais, para o fim de se
obter prova em investigação criminal, desde que com autorização judicial, além de
outras poucas disposições. Essa lei nova modificou os artigos 1º e 2º da Lei nº.
9.034 de 3 de maio de 1995 e dispõe sobre a utilização de meios operacionais para
a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas,
inserindo, ainda, a possibilidade de captação e a interceptação ambiental de sinais
eletromagnéticos, óticos e acústicos, com autorização judicial;
Lei nº. 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso) - Dispõe
sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências;
Lei nº. 10.792, de 1º de dezembro de 2003 - Altera a Lei nº. 7.210, de
11 de junho de 1984 - Lei de Execução Penal e o Decreto-Lei nº. 3.689, de 3 de
outubro de 1941 – Código de Processo Penal e dá outras providências, instituindo o
RDD;
Lei nº. 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do
desarmamento) Dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e
munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinarm -, define crimes e dá outras
providências; Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006; (MORAES, 2010, p.239-241). Essas leis citadas acima, de certa forma, comprovam a existência de traços
superficiais voltados para o Direito Penal do Inimigo. Entretanto, não são suficientes
para considerar que o Direito Penal do Inimigo reina no Brasil, uma vez que as
garantias processuais encontram-se asseguradas e nenhuma política criminal se
sustenta fora destas garantias fundamentais previstas na carta magna.
Maierovitch (2004) apud Moraes (2010, p. 241) que na época da
institucionalização da Lei 7.565 de 19/12/1986 (Lei do Abate), defendeu a sua
inconstitucionalidade, salienta que o Presidente da República, ao regulamentar, no
combate ao tráfico de drogas, o tiro de abate de aeronaves por suspeita de
narcotráfico, disciplinando ainda, o afundamento de embarcações tripuladas em mar
territorial brasileiro, institucionalizou a pena de morte:
26
Quanto aos inocentes tripulantes, usa-se a máxima calhorda de que os fins (a repressão ao narcotráfico) justificam os meios (morte). Na realidade, tudo não passa de pura militarização, imoderada e excessiva, no enfrentamento da questão das drogas ilegais, com execuções sumárias e decorrentes de suspeita.
Esse doutrinador, por mais que se envolve de profundo conhecimento
jurídico, ora se desliza ao se referi à pena de morte, pois não há como mensurar, de
momento, que os tripulantes são inocentes. Além disso, inocentes têm suas vidas
ceifadas a todo instante por causa da falta de coragem política para combater com
firmeza o tráfico de drogas. Isso, por si só, caracteriza a pena de morte velada, não
pelo braço do estado, mas pelo infrator que se sente livre e à vontade para se
delinqüir e tirar vidas.
De todo modo, nota-se a ausência e falha do estado em prevenir o cidadão de
bem. Com isso, sob clamor público são criadas e vigoradas leis mais severas como
meio de tolher o mau cidadão, asseverando-lhe a sombra do direito penal do
inimigo, uma pequena limitação a mais do direito cidadão.
6.2 O DIREITO PENAL DO INIMIGO E O PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO
A CF afirma em seu art 5º, inciso XLVI que a lei regulará a individualização da
pena. Consta também no mesmo artigo, inciso XLVIII que a pena será cumprida em
estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do
apenado.
Com base nesses mandamentos, fica evidente o propósito de que a pena não
pode ser padronizada. Hungria apud Maranhão descreve de forma nítida o que vem
a ser o princípio da individualização: “retribuir o mal concreto do crime, com o mal
concreto da pena, na concreta personalidade do criminoso”.
Para Prado apud Maranhão, o princípio da individualização da pena,
conforme a cominação legal (espécie e quantidade) e a determinar a forma da sua
execução. (...) Em suma, a pena deve estar proporcionada ou adequada à
magnitude da lesão ao bem jurídico representada pelo delito e a medida de
segurança à periculosidade criminal do agente.
27
Isso significa que a cada infrator caberá a pena punitiva exata pelo o delito
cometido, devido ao seu histórico pessoal. Não se pode igualar os desiguais. Essa é
a determinante da estrita correspondência entre a ação do agente e a repressão do
Estado em três etapas: 1- a edição do tipo penal, com limites mínimo/máximo
estabelecidos previamente; 2- determinação da sentença por meio do processo
trifásico: pena base/circunstâncias judiciais agravantes/atenuantes e
aumento/diminuição da pena. A individualização da pena não se faz apenas na
sentença, mas também no cerne do processo penal.
Ainda conforme ensinamento de Marques apud Maranhão, o processo que
individualiza a pena é feito em três momentos distintos: o legislativo, o judicial e o
executório. Nesse aspecto, Bittencourt apud Maranhão sintetiza de maneira precisa
estes momentos individualizadores: individualização legislativa – processo em que
são selecionados os fatos puníveis e cominadas as sanções respectivas,
estabelecendo seus limites e critérios de fixação da pena; individualização judicial –
elaborada pelo juiz na sentença, é a atividade que concretiza a individualização
legislativa que cominou abstratamente as sanções penais, e, finalmente, a
individualização executória, que ocorre no momento mais dramático da sanção
criminal. Que é o seu cumprimento.
Dessa forma, é possível se valer do mecanismo do direito de terceira
velocidade perante situações em que todos os requisitos já elencados, atribuídos ao
infrator, forem esgotados. Ou seja, o direito penal cidadão perde-se o fim a que se
destina: a recuperação social, a educação e as penas alternativas. E abre espaço
para o direito penal do inimigo ser aplicado.
A individualização, nesse caso, serve para separar o joio do trigo, quer dizer,
colocar o delinqüente inimigo do Estado e da sociedade no seu devido lugar, de
modo que ele não venha infectar, danificar e assolar os demais cidadãos.
6.3 DIREITO PENAL DO INIMIGO E O ESTADO DEMOCRÁTICO DO DIREITO
Garcia apud Moraes (2010, p.24) já advertia que “o homem cede uma parcela
mínima da sua liberdade, para tornar possível a vida em coletividade.” Dessa forma,
o Direito Penal, com mínima intervenção, torna-se um sonho cada vez mais distante.
28
Contudo, o homem brasileiro também está em crise e imerso em circunstâncias que,
de maneira crescente, exigem a intervenção do Direito para a efetiva tutela de bens
garantidos pela Constituição Federal.
Segundo Abreu apud Moraes (2010, p.24), ao Direito ideal bastaria uma
constituição da República com dois únicos dispositivos: “art. 1º. Todo homem deve
ter caráter e art. 2º. Revogam-se as disposições em contrário.”
Porém, esta constituição não existe e em vez de tal, o que se tem é um
aumento exacerbado da criminalidade e cada dia mais se vê delinqüentes
cometendo crimes.
A Constituição Federal Brasileira consagra o Estado Democrático de Direito
em seu art. 1º, destacando-se, dentre seus fundamentos, a dignidade da pessoa
humana. Diante disso, alguns doutrinadores defendem a inviabilidade desta teoria,
preconizando que o Direito Penal do Inimigo fere inúmeros princípios e é uma
afronta ao Estado Democrático de Direito. Que, se porventura, vier a entrar em vigor
corre-se o risco de o cidadão ter seus direitos cerceados por qualquer motivo e a
exceção se tornar regra. De certa forma, esse não é o princípio fundamental do
direito de terceira velocidade.
Por outro lado, existem doutrinadores que defendem que o Direito Penal do
Inimigo já faz parte do nosso ordenamento jurídico como nos seguintes casos:
Lei 7.210/84, art. 52 – Regime Disciplinar Diferenciado;
Art. 21 do CPP – A incomunicabilidade do preso;
Lei 9.614/98, art. 303 – Lei do Abate de aeronaves;
Ainda, pode-se notar tal presença, no âmbito do Direito Processual, nos casos
em que a legislação admite a restrição ou supressão das garantias processuais dos
acusados, como por exemplo, na ampliação das interceptações das comunicações;
violação da presunção de inocência; ampliação do prazo de prisão temporária,
dentre outras.
É inegável, diante de tantas divergências, que a Constituição Brasileira, no
que se refere aos direitos fundamentais, dignidade da pessoa humana, para a
aplicação íntegra do Direito Penal do Inimigo, mesmo dentro do princípio da
individualização, teria que sofrer algumas ressalvas.
29
7 APLICAÇÃO DO DIREITO PENAL
O que se pode verificar é que o Direito Penal, baseado em princípios
clássicos e iluministas, não consegue mais ter uma aplicação exclusiva. Tampouco,
eficaz, em virtude da natureza dos bens jurídicos de terceira geração, em razão dos
novos tipos alçados à tutela do Direito Penal em decorrência dos avanços
tecnológicos, e diante da necessidade de repressão dos graves crimes
transnacionais da modernidade.
Com as mudanças na dogmática penal e na política criminal dos últimos anos
vêm, invariavelmente, ensejando a flexibilização de garantias penais e processuais,
com excessiva antecipação da tutela penal, perspectiva de um Direito menos
garantista em detrimento de um Direito Penal que busca abrandar riscos, é o que
espera os doutrinadores ao criar teorias como Direito Penal do Inimigo, Teoria das
janelas quebradas, teoria das Instruções da Avestruz, e tantas outras que foram
criadas.
A teoria das janelas quebradas ou broken windows theory foi criada em Nova
Iorque, durante a gestão do Prefeito Rudolph Giuliani e tem como objetivo diminuir
ações criminosas consideradas insignificantes. De acordo com a teoria, caso se
quebre uma janela de um edifício e não haja imediato conserto, logo todas as outras
serão quebradas. E assim, o mesmo ocorre com a delinqüência. Ela aponta um
caminho para a redução da criminalidade, que já teve efeitos positivos nos EUA, e
tem como base a repressão à desordem e aos pequenos delitos e, também, o
policiamento comunitário.
Proveniente também dos Estados Unidos a teoria da Cegueira Deliberada ou
Teoria das Instruções da Avestruz a qual foi criada com o intuito de responsabilizar o
agente que finge não saber que está praticando um ato ilícito, diante desta teoria,
este agente responderá, no mínimo, por dolo eventual. A teoria se aplica ao
criminoso que tenta burlar a lei, fingindo desconhecer a procedência do objeto ilícito,
como por exemplo, ao vender algo de origem desconhecida, roubado, furtado ou ao
transportar drogas ilícitas.
Por outro lado, alguns doutrinadores têm posição contrária em relação a
essas necessidades de criar novas teorias/leis para resolver o problema da
criminalidade, como por exemplo, Rogério Greco que defende posturas minimalistas.
30
Segundo o autor, O Direito Penal do Equilíbrio é uma visão minimalista do
Direito Penal com uma posição intermediária entre dois pontos extremos: sendo o
abolicionismo penal de um lado, que busca a extinção do Direito Penal no mundo
fático; e de outro lado, o movimento rigoroso e exacerbado de lei e ordem, que tem
como objetivo a aplicação de um Direito Penal máximo. Este Direito busca balancear
e equilibrar os discursos extremados e minimalistas, visando resolver os conflitos
sociais com seriedade, bem como os bens que julga mais importantes para o
convívio em sociedade.
Para Rogério a eficiência na aplicação do Direito Penal do Equilíbrio só é
possível se obedecidos alguns princípios básicos como: a intervenção mínima,
lesividade, adequação social, insignificância, proporcionalidade, responsabilidade
pessoal, limitação das penas, culpabilidade e legalidade.
Greco, acredita ainda que a mídia é uma das maiores responsáveis pela
inviabilidade do projeto minimalistas, pois todos acreditam que com o aumento das
penas e a constante criação de novos tipos penais, a sociedade ficará mais segura,
o que para ele não é verdade.
7.1 O DIREITO PENAL DO INIMIGO PELO MUNDO
No ano de 1986, foi promulgada na Alemanha uma “Lei para a luta contra o
terrorismo”. Em 2003, foi aprovada nova Lei de luta contra o terrorismo, em
transposição de uma decisão do Conselho da União Européia, e também uma
norma legal promulgada pouco antes, chamada de “34ª Lei de Modificação do
Direito Penal”, faz parte das Leis de combate ao terrorismo.
A França, com a Lei de 31 de outubro de 2001 sobre ‘segurança cotidiana’,
ampliou o poder policial de intervenção na esfera de liberdade pessoal dos cidadãos,
assim como estendeu a competência do Estado para intervir e controlar a
comunicação de possíveis terroristas.
Nos Estados Unidos, foram criadas leis para garantir o direito à tortura aos
prisioneiros de Guantánamo e também o Act Patriotic dos que permitem ao FBI, sem
controle judicial, prender cidadãos, solicitar das empresas dados sobre a intimidade
31
de seus clientes e trabalhadores e outras graves violações de direitos fundamentais.
Ainda assim, eles são considerados o País de democracia sólida de primeiro mundo.
A teoria defendida por Jakobs ganhou maior notoriedade diante de
acontecimentos em alguns países. Como por exemplo, nos Estados Unidos, a
destruição do World Trade Center em Nova York no dia 11 de setembro de 2001, em
um ataque terrorista, desencadeando não só nesse País, mas também em outros
países da Europa um rigor extremo. Eles criaram normas jurídico-penais que se
afastam das garantias processuais e de alguns princípios do Estado Democrático de
Direito.
Outro atentado que repercutiu mundialmente ocorreu na Europa, no dia 11 de
março de 2004 na Espanha, onde a população viveu momentos de horrores no
metrô de Madrid, tendo como conseqüência duzentos mortos e mil feridos.
A Espanha, que já tinha um regime de prolongação de pena de prisão em até
quarenta anos, sem possibilidades de redução e concessão da liberdade
condicional, para os delitos de terrorismo, como prevê os arts. 78 e 90 do seu
Código penal (Reformulado em 30 de junho de 2003) que entrou em vigor no mesmo
dia de sua publicação, mesmo assim, não impediu que ocorresse o atentado
terrorista de 11 de março do 2004.
Diante de tais acontecimentos foram publicados estatutos que autorizam os
policiais a promoverem verdadeiras violações aos direitos fundamentais, como por
exemplo, execuções sumárias, quando houver indícios de que o sujeito possa vir a
ser terrorista.
Sob a égide de tal estatuto, em 22 de julho de 2005 na Inglaterra, ocorreu o
“incidente” que ocasionou a morte do brasileiro Jean Charles. O compatriota foi
confundido com um terrorista e morto em uma estação de metrô por oito tiros à
queima-roupa. A Scotland Yard assumiu o erro posteriormente, afirmando inclusive
que Jean não possuía qualquer ligação com o terrorismo e que agiram dessa forma,
simplesmente porque ele ignorou a ordem de parar, dada pelas autoridades
policiais, tornando-se uma grave ameaça.
Essa realidade vem sofrendo mudanças decorrentes das limitações que
começam a lhes ser impostas. Em 09 de novembro de 2005 a Câmara dos Lordes
da Inglaterra não aprovou uma mudança na lei antiterror que pretendia aumentar o
prazo de detenção sem acusação formal de 14 dias para 90 dias, sem dúvidas, isso
foi um avanço em prol da defesa das garantias do indivíduo.
32
7.2 O DIREITO PENAL DO INIMIGO NO BRASIL
O Direito Penal do Inimigo não reina em solos brasileiros, mas se faz presente
em algumas leis. Como, por exemplo, a Lei do Abate (Lei 7.565 19/12/1986), em que
aeronaves de defesa nacional podem abater aeronaves de outros países ou ilegais,
voando em território brasileiro, quando não se identificarem nem responderem a
ordens de pouso, ou seja, sem autorização ou permissão do órgão de controle do
espaço aéreo.
Nesse mesmo entendimento, surge no ano de 2003 a lei 10.792 que alterou a
Lei de Execução penal, passando a vigorar o Regime Disciplinar Diferenciado com o
objetivo de separar e isolar os líderes de organizações criminosas dos demais
presos, porque aqueles continuavam a comandar o crime do lado interno e externo
dos estabelecimentos prisionais.
O fato é que com essa alteração veio vários questionamentos sobre o RDD.
Sob a ótica de Rômulo de Andrada Moreira (2006) apud Cosate (2009):
Cotejando-se, portanto, o texto legal e a Constituição Federal, concluímos com absoluta tranqüilidade ser tais dispositivos flagrantemente inconstitucionais, pois no Brasil não poderão ser instituídas penas cruéis (art. 5º, XLVII, "e", CF/88), assegurando-se aos presos (sem qualquer distinção, frise-se) o respeito à integridade física e moral (art. 5º, XLIX) e garantindo-se, ainda, que ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III).
Nucci (2006, p. 961) apud Cosate (2009) contrariando a visão de Rômulo
defende que o Regime Disciplinar Diferenciado se faz necessário:
...para atender às necessidades prementes de combate ao crime organizado e aos líderes de facções que, dentro dos presídios brasileiros, continuam a atuar na condução dos negócios criminosos fora do cárcere, além de incitarem seus comparsas soltos à prática de atos delituosos graves de todos os tipo.
Desse modo, retomando todas as qualificadoras constitucionais citadas por
Rômulo de Andrada Moreira (2006), como mecanismos de deturpar o RDD e
proteger o infrator contumaz, ainda assim, ao aplicá-lo, alguns criminosos sob esse
regime continuam a comandar o crime organizado de dentro dos presídios
33
considerados de segurança máxima. Isso, devido a alguns direitos que lhes são
garantidos e à corrupção de certos agentes.
Outra lei que representava a inocuização do criminoso era a Lei dos crimes
hediondos que proibia a progressão de regime. Agora, com a nova redação dada a
esta Lei, com a promulgação da Lei 11.406/07, é legalmente admitida a progressão
de regime prisional quando se tratar de condenação por crime hediondo e seus
equiparados (tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e terrorismo),
uma vez que o novo §1º, do art. 2º da Lei dos Crimes Hediondos, diz que a pena,
por tais crimes será cumprida inicialmente em regime fechado. O §2º, do
mencionado artigo, estabelece a quantidade da pena que deve ser cumprida, para
que seja possível a progressão do regime (ou seja, 2/5 para apenados primários, e
3/5 para reincidentes).
Também foi modificado inciso II, do mencionado art. 2º, da Lei dos Crimes
Hediondos. Antes, por tal inciso, os crimes hediondos e seus equiparados se
tornavam insuscetíveis de fiança e de liberdade provisória. Agora, com a
modificação do mencionado inciso, aqueles crimes continuam insuscetíveis de
fiança, mas não de liberdade provisória. O inciso I, do art. 2º, da Lei dos Crimes
Hediondos, não foi modificado (por isso, aqueles crimes continuam insuscetíveis de
graça, anistia e indulto).
Portanto, mesmo com tal alteração, a Lei 11.406/07 ainda é diferenciada em
relação à progressão de regime para os outros crimes.
7.3 O DIREITO PENAL DO INIMIGO PARA OS NARCOTRAFICANTES
Como se viu em capítulos anteriores, o inimigo da sociedade é o indivíduo
que mediante seu comportamento delituoso se afastou de modo permanente do
Direito. Ele age pelo prazer brutal de destruir vidas, maquinar o crime e afrontar as
autoridades constituídas, passando assim, a viver em constante guerra contra o
Estado. São exemplos de inimigos, os criminosos econômicos, terroristas, autores
de delitos sexuais e delinqüentes organizados.
Segundo Silva (2006) apud Cosate (2009):
34
O fundamento dessa construção está na idéia de que o Direito é uma relação entre pessoas que contêm direitos e deveres. Esta relação surge quando os indivíduos abrem mão de parcela de sua liberdade ao sair do estado de natureza e se submetem, adotando uma posição hobbesiana, à proteção do Estado.
Portanto, se o inimigo viola as normas desse contrato social e não aceita
participar do "Estado comunitário-legal", deve retornar ao “estado de natureza”, pois
se afastou propositalmente do Direito, devendo assim ser tratado como inimigo.
O crime organizado é uma das grandes preocupações dos defensores do
Regime Disciplinar diferenciado, pois eles defendem que tal regime é de suma
importância para isolar os presos provisórios ou condenados que ofereçam alto risco
para ordem ou segurança, ou suspeitos de envolvimento em organizações
criminosas. Hassemer apud Moraes (2010, p.215) enfatiza que:
Essa criminalidade organizada é um fenômeno cambiante; ela segue mais ou menos as tendências dos mercados nacionais e internacionais e torna-se, portanto difícil de ser isolada; compreende uma gama de infrações penais sem vítimas imediatas ou com vítimas difusas (ex. tráfico de drogas, corrupção) e, portanto não é levada ao conhecimento da autoridade pelo particular; intimida as vítimas, quando elas existem, a não levarem o fato ao conhecimento da autoridade e a não fazerem declarações (ex. extorsão de “pedágios” ou “seguros” por organizações criminosas); possui tradicionais solos férteis em bases nacionais e, em outras latitudes, não viceja ou produz resultados diversos (ex. Máfia em outros países que não o seu berço); dispõe de múltiplos meios de disfarce e simulação.”.
Os narcotraficantes, sem dúvida, são os sentenciados que precisam ser
isolados, para desarticular o crime e garantir a segurança nos estabelecimentos
prisionais. Vejamos alguns acontecimentos que levaram a adoção desse regime:
São Paulo, 18 de fevereiro de 2001 uma megarrebelião toma conta de 29 unidades prisionais da Capital, Região Metropolitana e Interior do Estado, atingindo 28 mil presos. Foi a maior rebelião até então registrada na história do Brasil. A ação foi coordenada pela facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) que protestava contra a transferência de alguns de seus líderes da Casa de Detenção do Carandiru para o Anexo da Casa de Custódia de Taubaté, considerada uma espécie de prisão de segurança máxima. Em decorrência dessa rebelião, a Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo edita, em 04 de maio de 2001, a resolução nº. 26 que regulamenta "a inclusão, permanência e exclusão de presos no Regime Disciplinar Diferenciado", destinado aos líderes e integrantes de facções criminosas ou àqueles cujo comportamento exigia tratamento específico. O objetivo era o recrudescimento do controle disciplinar no interior do cárcere que seria aplicado, inicialmente em cinco unidades prisionais: Casa de Custódia de Taubaté, Penitenciárias I e II de Presidente Vanceslau, Penitenciárias de Iaras e Penitenciária I de Avaré. O regime consistia no isolamento do detento por 180 dias, na primeira inclusão, e por 360 dias, nas demais, com direito "a banho de sol de, no mínimo, 1 hora por
35
dia" e "duração de 2 horas semanais para visitas". (artigo 5º, incisos II e IV da Resolução 26/01). Rio de Janeiro, ano de 2002: o presídio de segurança máxima Bangu 1 foi palco de uma briga entre as facções rivais (Amigo dos Amigos - ADA, Comando Vermelho e Terceiro Comando) que comandavam o tráfico de drogas na cidade, resultando na morte dos traficantes Ernaldo Pinto de Medeiros, o Uê, Wanderley Soares, o Orelha, e Carlos Roberto da Silva, o Robertinho do Adeus, todos líderes da ADA. Além dessas mortes, os líderes dessas facções citadas comandaram várias ações criminosas por toda a cidade. Nove bairros foram atingidos, 800 mil passageiros ficaram sem ônibus, parte do comércio fechou as portas. Indubitavelmente, esses fatos colocaram em debate o poder estatal de controlar ações criminosas comandadas de dentro do cárcere, pois, como observa Christiane Russomano Freire (2005, p. 150), o motim extrapolou "os muros das penitenciárias, externando seu controle e influência para o conjunto da sociedade". Em contrapartida, a Secretaria de Administração Penitenciária instituiu o Regime Disciplinar Especial. De acordo com Astério Pereira dos Santos. (COSATE, 2009).
Mesmo assim, muitas objeções foram feitas em relação à criação do RDD,
vejamos algumas. O Conselho Nacional de Política Criminal afirma que:
Este tipo de regime, conforme diversos estudos relatam, promove a destruição emocional, física e psicológica do preso que, submetido ao isolamento prolongado, pode apresentar depressão, desespero, ansiedade, raiva, alucinações, claustrofobia, e a médio prazo, psicoses e distúrbios afetivos graves. O projeto, ao prever isolamento de trezentos e sessenta dias, certamente causará nas pessoas a ele submetidas a deterioração de suas faculdades mentais, podendo-se dizer que o RDD, não contribui para o objetivo da recuperação social do condenado e, na prática, importa a produção deliberada de alienados mentais". (COSATE, 2009).
Seguindo ainda esse posicionamento, Maria Adelaide Freitas Caíres,
psicóloga e membro do Conselho Penitenciário do Estado de São Paulo reafirma
que o confinamento isolado enfraquece a organização mental gradativamente do
preso, até romper em um quadro psicótico. Ou seja, é uma garantia para se chegar
à loucura absoluta. Para a psicóloga, esse processo ocorre, pois o "homem é um
animal social, não adianta querer mudar isso. Sempre vivemos em companhia de
alguém. É muito penosa a condição de não poder conversar com ninguém, de não
poder expor e ouvir uma idéia, não escutar nenhum barulho.”
O fato é que recentemente o Brasil apresentou um sistema de guerra, em
matéria publicada pela revista Época em 29 de novembro de 2010, “Nós todos
contra o tráfico”, que trata sobre a ação de ocupação do maior conjunto de favelas
da cidade do Rio de Janeiro, que envolveu 510 policiais e 88 fuzileiros navais, com
veículos militares blindados da Marinha e tanques de guerra do mesmo modelo
usado no Iraque. A ação da polícia foi considerada uma resposta aos atentados
terroristas que, incendiaram 95 veículos nas ruas.
36
A polícia esperava conflitos com traficantes da Vila Cruzeiro, portanto os
bandidos fugiram pela mata rumo ao Complexo do Alemão.
Segundo a revista, a ordem para os ataques partiu de bilhetes que saíram do
presídio de Catanduvas, no Paraná, que teria sido feita pelo preso Márcio Amaro
Nepomuceno, o Marcinho VP.
Surgiu assim, novamente, a discussão sobre o tratamento diferenciado nas
unidades prisionais brasileiras, que resiste ao endurecimento das leis, citando como
exemplo a Itália que alterou o Código Penal para combater a Máfia, isolando os
chefões das organizações para evitar o envio de ordens de dentro das unidades e as
visitas passaram a ser filmadas e gravadas.
Em fevereiro de 2011, a revista Veja publica uma matéria que vem mostrar a
fragilidade das Leis brasileiras. Na capa, Fernandinho Beira-Mar, considerado um
dos bandidos mais perigosos do Brasil. A revista relata como funciona o crime
organizado que tem como líder do tráfico de drogas um bandido que se encontra
preso há mais de dez anos em penitenciárias de segurança máxima.
De dentro de sua cela, segundo a revista, Beira-Mar manda comprar, vender,
matar e seqüestrar. Todo o esquema é revelado através de um organograma,
chamado pela revista de “Organograma do Crime”. Dessa forma, pode-se concluir
que o RDD ainda não é o suficiente para alcançar um ordenamento jurídico eficiente.
Seria de bom alvitre a compreensão do valor monetário extraordinário que se
gastou nas ocupações da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão, aglomerados do
Estado do Rio de Janeiro. Foram milhões de reais gastos por causa de alguns
delinqüentes que ordenaram o confronto, a queima de coletivos e a imposição de
força contra o Estado. A partir daí, nota-se que se houvesse tirado o status de
cidadão desses malfeitores e os colocado como inimigos da sociedade,
possivelmente, esse dispêndio de verbas seria mais bem empregado em educação
de qualidade, saneamento básico e saúde.
Desse modo, é compreensível a inserção do direito penal do inimigo para os
narcotraficantes, tendo em vista que a maioria dos crimes contra a pessoa e contra o
patrimônio está relacionada diretamente ao tráfico de drogas. E a raiz mortífera
dessa árvore daninha está solidificada no narcotráfico. Isso, sem se levar em
consideração o usuário, que é o mantenedor, ou seja, o alimento próspero para a
vida dessa organização criminosa.
37
Dela, provêm os vários tipos de entorpecentes ilícitos, as armas de vários
calibres, os produtos piratas, e abrangem ainda, muitas crianças, desde pedintes
dos grandes centros, nos semáforos, até aquelas violentas, “as trombadinhas”.
Por essas razões, dentre várias outras, é que se clama por um direito de
terceira velocidade para que se atenda aos anseios da sociedade e volte a soar a
paz social de que todos almejam.
38
8 APRECIAÇÃO DA DUPLICIDADE DO DIREITO PENAL
Durante o que foi apresentado, pode-se observar que muitas são as
divergências entre doutrinadores sobre o Direito Penal do Inimigo e o Direito Penal
do Cidadão, sobre a existência, necessidade e eficácia destes modelos de Direito
Penal em face da aplicação.
8.1 CRÍTICAS AO DIREITO PENAL DO INIMIGO
Diante dessa tese defendida por Günther Jakobs de que o indivíduo que não
oferece garantias de fidelidade às normas jurídicas perde o status de cidadão, Luís
Greco (2005) apud Cosate (2009), ressalta que: "foi o suposto direito do estado de
recusar a seres humanos o status de pessoa: o conceito do direito penal do inimigo
significaria uma volta a idéias nacional-socialistas a respeito da exclusão de
determinados grupos".
Sobre este mesmo aspecto, Conde questiona o conceito ‘inimigo-pessoa’:
“Inimigos como ‘não pessoas’ é uma consideração que já conduziu alguma vez à
negação do Estado de Direito, quaisquer que sejam os critérios que se utilize para
determinar quem é ‘cidadão’ e quem é ‘inimigo’. Quem pode dizer realmente quem é
o bom cidadão ou o maior inimigo?”
Luis Gracia Martín (2007) é categórico ao defender que:
...o Direito Penal do Inimigo é algo que, simples e absolutamente, não deve existir, e tudo o que se diz a partir daí contra aquele não passa de tentativa, meramente retórica, de sua desqualificação, como algo totalitário e contraditório ao Estado de Direito, e nada mais. Nesse sentido, acredito que também é preciso dar razão a Jakobs quando este observou, recentemente, ser surpreendente que no âmbito da ciência a discussão sobre o Direito Penal do inimigo, cuja existência é inegável, tenha chegado a uma posição na qual “o diagnóstico dá medo” e onde sua formulação é vista como indecorosa. Ademais, Jakobs também não deixa de ter razão quando, em relação a isso, observa que, “certamente, o mundo pode dar medo” e, então “de acordo com um velho costume, mata-se o mensageiro que traz uma má notícia em razão da natureza da mensagem.
39
Sanchez apud Moraes (2010, p.263) argumenta sobre a política criminal
construída pensando, sobretudo, na criminalidade organizada ou na criminalidade de
empresa, por si só já seria criticável, eis que o entendimento de que “os poderosos
não precisam de garantias, ou de que as garantias se conformaram pensando em
um delinqüente débil frente a um Estado forte e não vice-versa, acabam incidindo
sobre todo o Direito Penal.”
O jurista italiano Ferrajoli apud Cosate (2009) ao ser indagado sobre o
chamado “Direito Penal do Inimigo”, em 2007, foi contundente ao afirmar que: ”O
Direito Penal do Inimigo seria uma contradição em termos. Direito pode ter
categorias como “delinqüente” ou “criminoso”, mas nunca “inimigo”. A categoria
“inimigo” foi extraída da guerra e o direito é a negação da guerra e a afirmação da
paz.”
Prittwitz apud Moraes (2010, p.264) no sentido de ser visível sua intenção de
“salvar a característica de Estado de Direito no direito penal do cidadão.” Afirma que:
‘ O Direito Penal como um todo está infectado pelo direito penal do inimigo. ’
considerando a existência da teoria dentro do ordenamento jurídico.
Meliá (2009) destaca algumas críticas à teoria do DPI, argumentando, em
relação ao nome dado por Jakobs, que: “Direito penal do cidadão é pleonasmo, e
Direito penal do inimigo uma contradição em seus termos", Cancio Meliá não aceita
a teoria do DPI como inevitável, por considerá-la inconstitucional, além de não ser
efetiva na prevenção de crimes, nem tampouco para garantir a segurança.
Porém, deixa algumas ressalvas para afastar a idéia de total oposição desde
o prólogo do livro Direito Penal do Inimigo - Noções e Críticas -, aduzindo que dizer
que o Direito Penal do inimigo é um não Direito, e só pode ser admitido se verificada
a perspectiva de que a nova proposta não se adéqua ao tradicional Direito Penal,
mas que não há equívoco em tomar Jakobs como ponto de referência.
A crítica ao direito penal do inimigo que causa, de certa forma, má impressão
é caracterizada pela expressão “inimigo” por está relacionada a procedimento de
guerra. Tão somente isso, pois se houvesse substituído o termo pela palavra
“irrecobrável”, possivelmente, não soaria com essa idéia de repugnância.
40
8.2 CRÍTICAS AO DIREITO PENAL DO CIDADÃO
Jakobs ao defender a Teoria do Direito Penal do Inimigo menciona alguns
precursores do conceito inimigo. Como Rousseau, para quem "qualquer ‘malfeitor’
que ataque o ‘direito social’ deixa de ser ‘membro’ do Estado, posto que se encontre
em guerra com este”, preconizando assim a eliminação do criminoso.
Idéias similares também foram defendidas por Hobbes, Fichte e Kant que
também entram no rol de precursores do conceito de inimigo.
Hobbes apud Jakobs e Meliá (2009, p. 28) no mesmo sentido de Kant, afirma
que o cidadão não pode ser retirado desse status que lhe é conferido, mas, sim, em
casos de prática de crime de alta traição, ao considerar que a natureza deste crime
está na rescisão da submissão, o que significa uma recaída no estado de natureza.
E aqueles que incorrem em tal delito não devem ser castigados como súditos, mas
como inimigos.
Fichte apud Jakobs e Meliá (2009, p. 25) defende que o criminoso ao perder
seus direitos de pessoa, declara-se como uma coisa, e que esta falta de
personalidade deverá ser considerada como medida de segurança e não como
pena.
Jakobs apud Moraes (2010. p.181) fundamenta ainda sua teoria, tendo por
base a filosofia do direito de Welzel e alguns aspectos da teoria dos sistemas, como
a concepção do direito de Niklas Luhmann. Para Luhmann apud Moraes (2010,
p.181) o direito é uma estrutura facilitada pela orientação social, e a norma, uma
generalização de expectativas, de modo que as expectativas sociais se estabilizam
através das sanções, tendo à pena a finalidade de manter a vigência da norma como
modelo de contrato social. O Direito Penal do Inimigo daria ao delinqüente, que ferisse o contrato social,
ou seja, que se colocasse contra o Estado, um tratamento diferenciado, sem as
garantias processuais.
Esse tratamento seria aos criminosos de alta periculosidade, visto que para
estes o direito penal do cidadão não se faz eficaz. Jakobs encontra em alguns
doutrinadores apoio a sua tese, como Capez, 2005, ao afirmar que:
41
...a reprovação não se estabelece em função da gravidade do crime praticado, mas do caráter do agente, seu estilo de vida, personalidade, antecedentes, conduta social e dos motivos que o levaram à infração penal. Há assim, dentro dessa concepção, uma culpabilidade do caráter, culpabilidade pela conduta de vida ou culpabilidade pela decisão de vida.
No ano de 2008, em entrevista sobre o seu livro Direito Penal do Inimigo - A
terceira velocidade do Direito Penal - Alexandre Rocha Almeida de Moraes fala
sobre a crescente flexibilização de garantias penais e processuais nos últimos anos
no Brasil e afirma que:
É inevitável assumirmos que o modelo de Direito Penal clássico e iluminista não mais se adequa as demandas da sociedade moderna. Com o avanço tecnológico, com a comunicação instantânea, com as demandas típicas de um Estado de bem-estar (dentre as quais os interesses difusos e os reclamos dos novos gestores da moral), era inconcebível imaginar-se um Direito perene. Acrescente-se às mudanças, a circunstância de termos uma Constituição Federal que transferiu à criminalidade comum (inclusive organizada), os mesmos direitos imaginados ao preso político e pensados numa época de dor, tortura e ditadura. Assim, nem Estado de terror, nem sociedade aterrorizada – precisamos achar o caminho de um ‘direito penal da sociedade.
E ao ser questionado sobre aplicação do Direito Penal do Cidadão e Direito
Penal do Inimigo no Brasil, sem que nenhum aja em prejuízo do outro, Alexandre
afirma que:
Isso somente será possível, como sempre alertou o próprio Jakobs, se houver clara delimitação da política criminal voltada para a criminalidade comum e para a criminalidade organizada e terrorista. Para tanto, reafirmo: é fundamental se compreender os anseios da sociedade e se pensar um Direito Penal como um todo, de forma codificada e com revisão periódica, na velocidade das mudanças sociais.
Percebe-se, nesse caso, que atrelado ao desenvolvimento tecnológico e
social, a justiça precisa se fazer eficaz e dinâmica para não cair no descrédito da
população e perder o vínculo funcional para o qual foi pré-estabelecida. Nesse
ponto, vale ressaltar que há situações atuais apontadas para a descrença ao código
penal cidadão, por deixar exposto várias brechas na lei, induzindo-as aos excessos
de recursos, protelações e acúmulos de processos. Ademais, existem benefícios,
tais como, indultos, saidões, dentre outros, que são atestados oriundos do Estado
para a liberação de infratores à prática de crimes e conseqüente o aumento da
violência.
42
Assim, tais circunstâncias não exprimem o desejo da sociedade, pelo
contrário, provoca clamor público constante e sensação de insegurança,
principalmente sob os holofotes da mídia, principal formadora de opinião de massa.
43
9 CONCLUSÃO
Este trabalho foi pautado na concepção ideológica focado na paz social,
tendo como argumento os fundamentos do doutrinador Jakobs, defensor de um
modelo de direito penal complementar. Esse direito deriva de um clamor público por
melhores condições de vida na sociedade. Para isso, depois de esgotadas todas as
aplicações do código penal cidadão ao delinqüente, faz-se necessário um
mecanismo de suporte para conter o avanço do crime.
Esse suporte complementar é o código penal do inimigo muito criticado
negativamente por vários doutrinadores, professores e profissionais do ramo
jurídico, desde a criação de sua teoria. Apesar de toda essa rejeição, estudos
mostram a inserção, mesmo que sutil, desse ordenamento nas legislações de
diversos países.
Essa é uma demonstração contundente de que outras doutrinas mais suaves
não foram nem são suficientes para refrear a violência do mundo contemporâneo.
Isso não significa que elas são ineficazes, mas se conduz à compreensão de que
certos indivíduos não interagem com a maioria da população, e assim, devem perder
o status de cidadão para resguardar as garantias fundamentais dos demais.
Assim, não há dúvidas de que para manter a tranqüilidade pública, atender
aos anseios da sociedade e preservar vidas é cabível um ordenamento jurídico
assíduo para apenar os pequenos infratores, com forma de prevenir o próximo a
delinqüir. A exemplo disso, tem-se a teoria da janela quebrada. De momento, o nível
de percepção é elevado e se percebe o estrago. Com o passar do tempo, cai-se no
esquecimento, torna-se comum o pequeno dano, e outras janelas serão danificadas
até o local parecer abandonado. Nesse caso, faltou a prevenção punitiva prospectiva
para se evitar avanços futuros do crime, e a paz se foi com o descaso.
O direito penal do inimigo, especificamente para narcotraficantes, seria o
remédio ideal para cura desse mal que abala a família brasileira: as drogas ilícitas.
Não se pode aceitar que indivíduos irrecuperáveis acabem com a sensação de
tranqüilidade de certas comunidades, impondo o terror e desafiando a força pública
do Estado para manterem o tráfico de drogas e demonstrar poder. Embora haja
relutância, é preciso que se faça ressalva na CF para que esses tipos de criminosos
sejam punidos e afastados do convívio social sem qualquer tipo de interferência.
44
Conclui-se que o direito penal cidadão seria o plano ideal para se viver em
harmonia na sociedade, com o propósito educativo, preventivo e de ressocialização.
Entretanto, por causa das atrocidades, das brutalidades cada vez mais constantes
de alguns infratores, faz-se fundamental severidade nas normas para redargüir com
rigor o delinqüente irrecobrável. Essa fórmula denomina direito penal do inimigo.
Fora dele, em certos casos, é só um paliativo, ou seja, não cura a doença, torna-a
crônica, um câncer corrosivo ao Estado e à população.
45
REFERÊNCIAS
BASTOS, Marcelo Lessa. Alternativas ao direito penal do inimigo. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1319, 10 fev. 2007. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/9481>. Acesso em: 21 fev. 2011. CABETTE, Eduardo Luiz Santos; LOBERTO, Eduardo de Camargo. O direito penal do inimigo. Günther Jakobs. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1747, 13 abr. 2008. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/11142>. Acesso em: 21 fev. 2011. CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. 8 ed. ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2005. COSATE, Tatiana Moraes. Regime disciplinar diferenciado (RDD). Um mal necessário?. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2112, 13 abr. 2009. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/12606>. Acesso em: 27 fev. 2011. DINIZ, Laura. Dez a Zero para Beira-Mar. Revista Veja. n. 06, p. 88 – 97, 09 de fevereiro, 2011. GRECO, Rogério. Direito Penal do Equilíbrio. http://www.periodicoedireito.com.br. Acesso em: 14 de fev. 2011. GRECO, Rogério. Direito Penal do Inimigo Disponível em: <http://www.rogeriogreco.com.br> Acesso: 15 de jan. 2011. JAKOBS, Gunther; MELIÁ, Manuel Cancio; org. e trad. André Luís Callegari, Nereu José Giacomolli. Direito Penal do Inimigo: noções e críticas. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. JESUS, Maurício Neves de; Grazziotin, Paula Clarice Santos, Direito Penal simbólico: o anti-Direito Penal. http://sisnet.aduaneiras.com.br/lex/artigos/pdf/anti.pdf Acesso em: 20 jan. 2011.
46
MARTÍN, Luis Gracia. O horizonte do finalismo e o Direito Penal do Inimigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
MARANHÃO, Douglas Bonaldi. PRINCÍPIOS DA PERSONALIDADE E DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA NO DIREITO PENAL MODERNO.REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano V - nº 5. Disponível em: http://web.unifil.br/docs/juridica/05/ARTIGO_4. Acesso em 20 jan. 2011.
MENDONÇA, Ricardo; ROCHA, Marcelo. Vamos Vencer o Tráfico. Revista Época, Rio de Janeiro, p. 100 – 109, 29 de novembro, 2010. MORAES, Alexandre Rocha Almeida de. Direito Penal do Inimigo: a terceira velocidade do direito penal. Curitiba: Juruá, 2010. Regime disciplinar diferenciado (RDD): inconstitucionalidade. Disponível em: <www.jus2.uol.com.br>. RUBIN, Daniel Sperb. Janelas quebradas, tolerância zero e criminalidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 62, 1 fev. 2003. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/3730>. Acesso em: 26 jan. 2011.